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Capítulo 18

A BIODIVERSIDADE E SEUS EFEITOS SOBRE O


FUNCIONAMENTO E A ESTABILIDADE DOS ECOSSISTEMAS

Q
uando entramos em contato pela primeira vez com a disciplina Ecologia, ampliamos
nossos conhecimentos sobre os organismos, as populações, comunidades e os
ecossistemas. Um dos principais enfoques no ensino dessa ciência está voltado para a
análise dos efeitos ambientais sobre as comunidades biológicas, como exemplo, a influência das
mudanças climáticas sobre uma comunidade de anfíbios ou a influência de algumas variáveis
químicas da água sobre as comunidades de fitoplâncton (algas) e plantas aquáticas. A influência das
comunidades biológicas sobre o funcionamento do ecossistema foi esquecida no ensino e nas
pesquisas ecológicas durante muitos anos.
É difícil datar com precisão o surgimento de uma ideia, no entanto, tentaremos não ignorar
os principais precursores da ideia de que a biodiversidade pode, de fato, afetar as funções de um
ecossistema. Já em 1859, o naturalista inglês Charles Darwin mencionou um experimento que
demonstra como as mudanças na biodiversidade afetam o funcionamento de um ecossistema. Na
verdade, o experimento citado por Darwin no livro A Origem das Espécies foi realizado em 1816
pelo jardineiro-chefe do duque de Bedford. Mesmo se considerando a preocupação precoce de
Darwin sobre as consequências da perda da biodiversidade, não se tem relato sobre a difusão dessa
ideia nos anos seguintes.
O biólogo Robert H. MacArthur (1930-1972), conhecido pela formulação da teoria de
“Biogeografia de Ilhas” (em parceria com Edward O. Wilson), publicou um artigo em 1955,
denominado Fluctuations of animal populations, and a measure of community stability, que firmou
a ideia:

Carvalho, P. A Biodiversidade e seus Efeitos sobre o Funcionamento e Estabilidade dos Ecossistemas. p. 293-305. In:
Lansac-Tôha F. A.; Benedito, E.; Oliveira, E. F. [Org.]. Contribuições da História da Ciência e das Teorias Ecológicas
para a Limnologia. Maringá: Eduem, 448p., 2010.
294| Carvalho, P.

The intuitive requirements seem to be that if each species has just one predator
and one prey the stability should be minimum, say zero, and that as the number of
links in the food web increases the stability should increase (there a compensatory
response to species loss).

Com esse trabalho, MacArthur propôs a ideia da importância das espécies na manutenção
da estabilidade de um ambiente, como um efeito compensatório caso ocorra perda de espécies. No
entanto, nesse trabalho não foi realizado nenhum tipo de experimentação.
O zoólogo inglês, Charles Elton, conhecido pelo livro clássico Animal Ecology e por um
dos conceitos de nicho, publicou, em 1958, após a Segunda Guerra Mundial, o livro The Ecology of
Invasions by Animals and Plants. Durante esse período, Elton estava preocupado com o impacto de
espécies invasoras sobre os ecossistemas. Dentro desse contexto, Elton chamou a atenção para o
fato de que “comunidades simples são mais sujeitas às oscilações populacionais destrutivas e são
mais vulneráveis a invasões”. Charles Elton considerou as seguintes evidências: i) as ilhas
pequenas seriam mais vulneráveis às espécies invasoras do que os continentes; ii) pestes seriam
mais frequentes em comunidades simples, tais como áreas cultiváveis e regiões que sofreram algum
distúrbio. Novamente, mesmo na ausência de experimentos controlados, Charles Elton registrou sua
contribuição para a fundamentação da ideia sobre a importância da biodiversidade sobre as funções
e estabilidade do ecossistema.
O inglês George Evelyn Hutchinson (1903-1991), considerado o ecólogo do século 20
(Slobodkin & Slack, 1999) e pai da Limnologia moderna, contribuiu decisivamente para o avanço
da ideia sobre a importância da biodiversidade. Durante seu pós-doutorado na Universidade de
Yale, nos Estados Unidos, Hutchinson foi influenciado, principalmente, por duas publicações: Die
Binnengewässer Mitteleuropas, de August F. Thienemann, que demonstrou a possibilidade da
classificação sistemática de lagos, e Animal Ecology, de Charles Elton, com a ideia de comunidade
funcional. Hutchinson, em 1957, foi o primeiro cientista a quantificar, formalmente, o conceito de
nicho em termos de espaço geométrico, propondo a ideia de nicho multidimensional. Em 1959,
publicou o artigo Homage to Santa Rosalia or Why are there so many kinds of animals?, em que
discutiu que comunidades com grande diversidade são mais capazes de persistir (mais estáveis) do
que comunidades com pouca diversidade.
Durante esse período, a concepção da importância da biodiversidade sobre o
funcionamento e a estabilidade dos ecossistemas foi aceita por grande parte dos ecólogos. No
entanto, na década de 1970, Robert May, baseando-se em modelos matemáticos, desafiou o
paradigma da época ao afirmar que “diverse communities were more unstable than simple
communities”. No trabalho intitulado Stability and complexity in model ecosystem, publicado em
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1973, May demonstrou que quanto maior a conectividade e interação entre as espécies, menor a
estabilidade, tendo em vista que um distúrbio qualquer seria propagado mais facilmente entre essas
ligações, ao contrário do que ocorreria em comunidades mais pobres. Assim, entre os anos 1970 e
1980, surgiu um novo paradigma: a ideia de que a maior riqueza de espécies levaria a uma menor
estabilidade.
A partir da década de 1990, o debate sobre as relações entre diversidade e estabilidade
voltou a ser um dos principais tópicos em Ecologia. Uma das justificativas para tal interesse foi o
aumento das taxas de extinção de espécies e a consequente preocupação sobre como a extinção em
massa afetaria o funcionamento e a estabilidade dos ecossistemas. Em 2000, a Revista Science
publicou o artigo intitulado Global biodiversity scenarios for the year 2100 (Sala et al., 2000), o
qual demonstra os principais processos responsáveis pelas elevadas taxas de extinção de espécies.
Em resumo, os principais responsáveis pelas extinções de espécies são: i) o uso do solo, ii) as
mudanças climáticas e iii) as invasões de espécies não-nativas.
Considerando que muitas espécies de plantas e animais estão desaparecendo, muitos
cientistas passaram a perguntar: Será que essa perda de espécies afeta o funcionamento do
ecossistema?

UMA BREVE DEFINIÇÃO DE TERMOS

Antes de darmos continuidade ao debate diversidade-estabilidade ou diversidade-


funcionamento do ecossistema, seria interessante definirmos, a priori, alguns termos
frequentemente utilizados nesses estudos. Primeiramente, temos que definir o termo biodiversidade,
que pode abranger a diversidade taxonômica, a diversidade genética e a de ecossistemas. No
entanto, grande parte dos estudos científicos ainda enfoca a diversidade taxonômica como seu
objeto de estudo principal. Dentro desse contexto, temos que definir o que seria diversidade
taxonômica, ou de espécies. Basicamente, os trabalhos científicos tratam a diversidade de espécies
de três maneiras: riqueza (número de espécies ou taxa), equitabilidade (um índice que mede o quão
bem a abundância total está distribuída entre as espécies) e/ou algum índice de diversidade (que
considera as duas medidas citadas acima, ou seja, riqueza e equitabilidade). O índice de diversidade
frequentemente utilizado pelos ecólogos é o índice de diversidade de Shannon-Wiener (Magurran,
1988).
296| Carvalho, P.

As funções do ecossistema frequentemente analisadas nos estudos sobre diversidade-


estabilidade referem-se aos processos em que os organismos estão envolvidos, tais como
produtividade primária, absorção de gás carbônico (CO2), fluxo de nutrientes e decomposição de
matéria orgânica. Os componentes da estabilidade do ecossistema podem ser divididos em duas
partes: resistência (habilidade do sistema de se manter no seu estado original) e resiliência
(velocidade com que o sistema retorna ao seu estado original após uma perturbação) (Figura 1).

Figura 1. Representação da estabilidade de


uma comunidade. (a) sistema com elevada
resistência, em que um pequeno distúrbio não
altera seu curso; (b) um distúrbio maior muda
o sistema para outro nível de estabilidade; (c) a
bola representa o sistema com baixa
resistência, mas com elevada resiliência, ou
seja, um pequeno distúrbio pode causar uma
mudança na comunidade, que retorna
rapidamente à sua condição inicial. (Para
maiores detalhes, ver Lampert & Sommer,
2007).

DÉCADA DE 1990: PERÍODO DA EXPERIMENTAÇÃO

No início da década de 1990 surgiu um novo interesse sobre as consequências da perda da


diversidade de espécies sobre o ecossistema, considerando a preocupação com a extinção de
espécies causada pela humanidade. Em 1991, ocorreu um encontro em Mitwitz (Alemanha), com o
tema Biodiversity and Ecosystem Function, quando foi fundada o Scope (Scientific Committee on
Problems of the Environment), com a função principal de responder às seguintes questões: i) a
biodiversidade influencia, de fato, os processos do ecossistema (e.g. retenção de nutrientes,
decomposição, produção etc.)?; ii) como a estabilidade e resistência dos sistemas são afetados pela
diversidade?; iii) como as mudanças globais afetarão tais relações? Esse comitê envolveu
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instituições científicas de vários países. Em 2000, essa conferência foi novamente realizada, em
Paris.
Durante esse período, houve um processo de intensa experimentação biológica no
Ecotron, criado com o principal objetivo de estabelecer comunidades simplificadas de plantas e
animais terrestres, além de comunidades microbiológicas. O período de experimentação foi de
extrema importância, tendo em vista que experimentos possibilitam o controle da variável de
interesse além de serem passíveis de repetição, eliminando explicações alternativas de um
fenômeno. Os experimentos no Ecotron abrangeram desde comunidades pertencentes a um único
nível trófico, até teias alimentares multitróficas, sempre relacionando a estrutura das comunidades e
as funções do ecossistema. Em alguns desses experimentos, concluiu-se que a perda da diversidade
de plantas resultaria na perda de produtividade, considerando-se que diferentes espécies teriam
maior eficiência na utilização de luz, por exemplo, do que as comunidades mais “pobres”, hipótese
chamada de “Complementaridade de Nichos”. Experimentos do pesquisador Shahid Naeem e
colaboradores (e.g. 1994, 1995), realizados no Ecotron, merecem destaque. Em 1994, esses autores
concluíram que, pela primeira vez, em condições controladas, a perda da biodiversidade em adição
com a perda de recursos genéticos podem alterar os serviços do ecossistema.
Na década de 1990, o pesquisador americano, David Tilman, também iniciou seus
experimentos na estação de Pesquisa Ecológica de Longa Duração Cedar Creek (LTER), da
Universidade de Minnesota, Estados Unidos. Seus experimentos representaram um avanço nas
pesquisas sobre a relação diversidade-funcionamento e estabilidade dos ecossistemas, tendo em
vista que foram realizados em ampla escala temporal e espacial. Por exemplo, alguns dos principais
experimentos desse ecólogo abrangeram cerca de 300 unidades experimentais de aproximadamente
9 m x 9 m, utilizando espécies de gramíneas.
Um dos experimentos clássicos de Tilman foi publicado na Revista Nature em 1996, com
o objetivo principal de verificar o efeito da diversidade de espécies sobre a produtividade primária e
absorção de nutrientes (concentração de nitrato). A principal conclusão nesse experimento foi que a
produtividade e utilização de recursos foram maiores nas unidades amostrais com maior
diversidade. Durante esse período, surgiram duas hipóteses para se explicar o aumento da
produtividade em ambientes mais diversos: i) a Complementaridade de Nichos, ou seja, a maior
diversidade resulta na maior eficiência na utilização de recursos (por exemplo, luz e nutrientes), e,
consequentemente, maior produtividade, ou ii) efeito da Amostragem ou Sampling Effect. Essa
última hipótese foi postulada por Michael A. Huston, em 1997, e sugere que, em uma comunidade
com elevada diversidade de espécies, a probabilidade de se encontrar uma espécie altamente
produtiva ou dominante é maior que em comunidades com baixa diversidade. Assim, a relação entre
298| Carvalho, P.

diversidade-funcionamento do ecossistema seria mais um efeito da presença dessa espécie


dominante, que acabaria influenciando no resultado de toda a comunidade estudada.
Para tentar solucionar essa questão (se o efeito da amostragem era maior que o efeito da
complementaridade no uso dos recursos), muitos experimentos passaram a cultivar as espécies
estudadas também em monoculturas. Um exemplo desses experimentos foi publicado em 2001, por
Tilman e colaboradores, em que foi avaliada a biomassa de gramíneas em comunidades com até 16
espécies. Simultaneamente, cada espécie foi também cultivada em monoculturas, com o objetivo de
se verificar se as espécies mais produtivas (maior biomassa) em monoculturas também dominavam
nas comunidades mais produtivas nas culturas mistas. Dessa maneira, Tilman percebeu que as
espécies mais produtivas em monoculturas não eram dominantes nas comunidades mistas, não
impondo, assim, sua maior produtividade em ambientes com maior diversidade. Dessa forma, a
Hipótese do Efeito da Amostragem foi refutada nesse estudo, prevalecendo a Hipótese da
Complementaridade de Nichos entre as diferentes espécies. Vários experimentos passaram a adotar
esse tipo de abordagem (cultivar as espécies em monoculturas), propiciando avanço nos estudos
sobre a relação diversidade-funcionamento do ecossistema. Além disso, técnicas estatísticas foram
apresentadas para se tentar separar os efeitos da diversidade e da influência de determinadas
espécies (Loreau & Hector, 2001).
Durante esse período, novas questões foram surgindo, o que foi importante para o debate e
para o delineamento de experimentos mais robustos. Alguns cientistas passaram a argumentar se de
fato a diversidade per se era o fator mais importante para o funcionamento do ecossistema ou se os
experimentos deveriam passar a avaliar também a diversidade funcional do grupo. Esse argumento
fundamentou-se na ideia de que espécies de um mesmo grupo funcional podem ser consideradas
redundantes. A facilitação entre as diferentes espécies passou a ser considerada um importante
mecanismo para explicar como a diversidade poderia afetar o uso dos recursos no ecossistema.
Cardinale et al. (2002) demonstraram que mudanças na diversidade de espécies podem alterar a
probabilidade de interações positivas entre espécies de macroinvertebrados bentônicos, durante o
processo de decomposição, demonstrando a importância do mecanismo de facilitação.
Em 2001, Michael Loreau e colaboradores fizeram uma importante síntese, publicada na
Revista Science, sobre os conhecimentos obtidos nos estudos sobre diversidade e funcionamento
dos ecossistemas (Figura 2). Nesse trabalho, os autores concluíram que os principais fatores
responsáveis pelas relações positivas entre diversidade e funcionamento dos ecossistemas eram: i) a
presença de uma espécie dominante nas comunidades com elevada diversidade (“efeito de
amostragem”); ii) a complementaridade entre diferentes grupos funcionais e/ou iii) a
complementaridade entre as diferentes espécies. A relevância desse artigo para a discussão sobre a
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relação diversidade-funcionamento do ecossistema pode ser mensurada pelo número de citações


que esse trabalho recebeu (588 citações; fonte: Web of Science; setembro de 2008).

Figura 2. Mecanismos envolvidos nos experimentos sobre a


relação entre biodiversidade e funcionamento dos ecossistemas.
(Baseada no trabalho de Loreau et al., 2001).

RELAÇÃO DIVERSIDADE E ESTABILIDADE DOS ECOSSISTEMAS

Além dos diversos trabalhos que Tilman realizou com enfoque na influência da riqueza de
espécies sobre as funções do ecossistema (principalmente a produtividade de gramíneas), o autor
também questionava se a diversidade poderia afetar a estabilidade dos ecossistemas. Tais questões
surgiram simultaneamente nos trabalhos desse importante pesquisador.
Entre 1987 e 1988, houve grande período de seca (evento natural), que afetou as áreas
experimentais de Tilman, em Minnesota, reduzindo cerca de 45% da biomassa viva das gramíneas e
35% da riqueza de espécies. Esse distúrbio natural propiciou, então, a possibilidade de avaliar a
resistência e resiliência das comunidades (termos já definidos anteriormente) de gramíneas frente a
um distúrbio natural. Tilman & Downing (1994) publicaram o resultado de seus estudos na Revista
Nature, demonstrando que as unidades experimentais com menor riqueza de espécies foram mais
afetadas pela seca e levaram maior tempo para retornar às condições observadas antes da seca. Em
300| Carvalho, P.

outras palavras, as comunidades com menor número de espécies apresentaram baixa resistência e
resiliência. Em 1991, os americanos Douglas A. Frank e Samuel J. McNaughton também
publicaram um experimento clássico com as comunidades de gramíneas do Parque Yellowstone,
nos Estados Unidos. Nesse estudo, a estabilidade das comunidades (mensurada por meio da
resistência na mudança da composição de espécies), após um período de extrema seca, foi maior
nos ambientes mais diversos.
Esses últimos estudos citados acima se tornaram clássicos na ecologia experimental sobre
a relação diversidade-estabilidade. Uma das explicações para essa relação seria a de que unidades
experimentais com maior riqueza de espécies possuem maiores chances de apresentarem espécies
resistentes à seca. Assim, considerando que as espécies possuem diferentes suscetibilidades às
perturbações, o maior número de espécies torna as comunidades mais estáveis.
Yachi & Loreau (1999) formularam a Hipótese do Seguro (Insurance Hypothesis), em que
estabeleceram a seguinte ideia:

According to the insurance hypothesis, biodiversity insures ecosystems against


declines in their functioning because many species provide greater guarantees
that some will maintain functioning even if others fail.

Assim, a biodiversidade teria a função de “tamponar” as flutuações ambientais, pois as


diferentes espécies respondem diferentemente a essas flutuações, resultando em comunidades mais
estáveis.
Alguns modelos foram propostos para se explicar a relação entre riqueza de espécies e o
aumento da estabilidade dos ecossistemas. Todos esses modelos assumem que as espécies possuem
uma função ecológica e que cada função pode ser representada como uma área ocupada no espaço
multidimensional, de acordo com as ideias de Hutchinson. Nesse capítulo, vamos tomar como base
o trabalho de Peterson et al. (1998), que enfatizou quatro modelos principais (Figura 3):

1) Modelo de diversidade (Figura 3a).


Este modelo foi inicialmente citado por Charles Darwin em 1859, no entanto, a ideia foi
formalizada por MacArthur em 1955 (trabalho previamente discutido neste capítulo). A ideia
central é de que a adição de espécies no ecossistema aumenta a estabilidade, conforme cada espécie
vai ocupando uma função no ambiente. A principal crítica sobre esse modelo é que nenhum estudo
ainda comprovou que o aumento contínuo de espécies aumenta a estabilidade do ecossistema em
uma taxa constante. Assim, outros modelos menos simplistas passaram a ser discutidos.
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2) Modelo “Idiossincrático” (Figura 3b)


Esse modelo propõe que a estabilidade do ambiente depende de quais espécies estão
presentes. Alguns experimentos testaram a importância da presença de algumas espécies, pela
combinação de diferentes espécies. Jonsson et al. (2002) realizaram um experimento para testar a
influência da acidificação e poluição orgânica sobre o desaparecimento de algumas espécies e a
influência da perda dessas espécies sobre o processo de decomposição. Assim, muitos experimentos
passaram a verificar não somente a influência da riqueza de espécies, mas também a influência da
presença de algumas espécies sobre as funções do ecossistema.

3) Modelo dos “parafusos” (Figura 3c)


Esse modelo baseia-se em uma metáfora dos parafusos (rivet) da asa de um avião, em que
a perda de alguns parafusos não resultaria na queda do avião. Considerando-se que a função
ecológica de diferentes espécies se sobrepõe, mesmo se alguma espécie for removida, a função pode
persistir considerando a compensação por outras espécies com funções similares. Essa sobreposição
de funções ecológicas permite que o ecossistema se mantenha estável mesmo que algumas espécies
sejam removidas após um distúrbio. Essas espécies podem ser consideradas espécies redundantes.

4) Modelo dos “motoristas” e “passageiros” (Drivers and Passengers) (Figura 3d)


Baseia-se na ideia de espécie chave, em que a função ecológica do sistema depende de
algumas espécies “motoristas” (drivers). As espécies “passageiros” (passengers) possuem impacto
ecológico menor. Assim, a presença de espécies “motoristas” determinaria a estabilidade nas
funções ecológicas de um ecossistema.

a b

c d

Figura 3. Representação dos quatro modelos propostos para explicar a relação diversidade e estabilidade
dos ecossistemas: (a) modelo de diversidade; (b) modelo idiossincrático; (c) modelo dos “parafusos”; (d)
modelo dos “motoristas” e “passageiros” (Retirada de Peterson et al., 1998).
302| Carvalho, P.

De maneira geral, os modelos 3 e 4 (Figuras 3c e 3d) assumem que, conforme novas


espécies vão sendo adicionadas ao ecossistema, aumenta-se a probabilidade de haver redundância
funcional entre as espécies e, consequentemente, não ocorre o aumento contínuo da estabilidade do
ambiente. De fato, alguns experimentos já demonstraram a importância de determinados grupos
funcionais para a estabilidade e o funcionamento do ecossistema, como, por exemplo, os
experimentos com gramíneas de Tilman (1997). Alguns experimentos em ambientes aquáticos
também demonstraram a importância da riqueza de espécies (Jonsson & Malmqvist, 2000;
Maltichik & Pedro, 2000; Engelhardt & Ritchie, 2001), da presença de determinadas espécies
(Engelhardt & Kadlec, 2001; Zhang & Zhang, 2007) e de grupos funcionais (Bouchard et al., 2007)
no funcionamento e na estabilidade do ecossistema.
Todos esses trabalhos têm demonstrado que esse ainda é um tema que gera extenso debate.
Inúmeros trabalhos têm sido desenvolvidos em outros ecossistemas (água doce e ambiente
marinho), em outras escalas espaciais (escala global) e com mais de um nível trófico, com o
objetivo de se aumentar o conhecimento científico sobre a relação diversidade-estabilidade e
funcionamento dos ecossistemas. Até o momento, há consenso geral de que um número mínimo de
espécies é essencial para o funcionamento do ecossistema em condições constantes; e um número
maior de espécies, provavelmente, é essencial para a manutenção da estabilidade do ecossistema em
ambientes que vêm sofrendo mudanças ou distúrbios. Além disso, esse debate promoveu a
convergência da abordagem observacional, experimental e teórica, em torno de um objetivo
comum, o que é essencial para o aumento do conhecimento científico.
De maneira geral, utilizando as palavras-chave biodiversity, ecosystem function e
stability, foi possível observar aumento linear do número de trabalhos publicados com esse tema ao
longo do tempo (Figura 4). Essa busca de artigos foi feita, utilizando-se o site Web of Science (ISI –
Institute for Scientific Information), em setembro de 2008, e o número de artigos foi padronizado
considerando-se o número total de artigos indexados no ISI. Dessa maneira, é possível controlar o
efeito do aumento de artigos, de maneira geral, ao longo do tempo.
A pergunta feita no início deste capítulo sobre se o declínio da biodiversidade pode alterar
o funcionamento e a estabilidade dos ecossistemas tem tido resposta afirmativa em grande parte dos
experimentos realizados. No entanto, muitas questões ainda requerem respostas cientificamente
embasadas (e.g., mensurar os efeitos da extinção de espécies com experimentos que utilizam
múltiplos estresses, em diferentes ecossistemas, incorporando as interações em vários níveis
tróficos, entre outros) e a Figura 4 demonstra que esse é ainda um campo de pesquisa profícuo.
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0.16

Número de artigos (padronizados, *1000)


0.14

0.12

0.10

0.08

0.06

0.04

0.02

0.00
1991
1992
1993
1994
1995
1996
1997
1998
1999
2000
2001
2002
2003
2004
2005
2006
2007
Ano

Figura 4. Número de artigos publicados entre 1991 e 2007


sobre a relação diversidade – funcionamento do ecossistema
e estabilidade.

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