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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem como objectivo principal abordar sobre a desigualdade


regional identificando as causas, consequências e efeitos, bem como as possíveis soluções
dos variados tipos de desigualdades que entre elas destacam-se: desigualdade social;
económica; racial e desigualdade de género. A análise de desigualdades entre municípios,
cidades, países ou regiões, tem sido na maior parte das vezes, objecto de estudo específico
de economistas regionais ou urbanos, que desenvolvem um arcabouço teórico-empírico
próprio (Henderson, 1974 e 2003; Fujita et al., 1999; Huriot e Thisse, 2000; Fujita e Thisse,
2002).

Angola por ser uma economia ainda em via de desenvolvimento, com várias regiões
de ocupação recente, nos permite identificar alguns fenômenos de modo mais claro, como a
migração e a criação de cidades nas áreas de fronteira, que ocorrem a partir de mecanismos
de propulsão de oferta na busca de oportunidades de exploração de recursos naturais,
gerando mecanismos de indução de demanda via melhoria de acesso a mercados mais
desenvolvidos. Além disso, é a existência de uma base de dados longitudinal, como por
exemplo o Censo Demográfico Angola-2014 com informações para indivíduos,
representativa para municípios, que viabiliza a implementação dos exercícios empíricos.

Além disso, analisamos que a formação de cidades em regiões de menor


desenvolvimento, caracterizadas por pequenos produtores agrícolas, comércio incipiente e
pouca ou nenhuma industrialização, onde é difícil supor que existam retornos crescentes de
escala, são na verdade economias locais pré-industriais. Tal abordagem ainda é bastante rara
nos estudos sobre cidades, voltados na maioria das vezes para o estudo de grandes
aglomerações urbanas (Glaeser et. al, 1992; Glaeser, Sheinkman e Shleifer, 1995; Glaeser,
1999; Black e Henderson, 1999).

A evolução do capitalismo e o desenvolvimento das forças produtivas têm permitido


a criação de bens e serviços que alteram a condição de vida em sociedade. No entanto, a
realidade histórica mostrou que as características do modo de produção capitalista não têm
proporcionado uma distribuição igualitária desses bens e serviços. De outro modo, o
capitalismo tem feito com que a distribuição dos frutos do progresso técnico apresente um
peso relevante para a definição dos problemas relacionados ao fenômeno da desigualdade e
sua recorrência nas sociedades capitalistas. Esses problemas impuseram uma agenda de

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pesquisa que suscitou distintas interpretações e concepções sobre a origem e os fundamentos
da desigualdade.

Assim, analisamos as desigualdades regionais no contexto da África Austral e dentro


de Angola, dimensionando as desigualdades no desenvolvimento econômico, com destaque
a atividade econômica e de infraestrutura. Além disso, o método mais utilizado na pesquisa
foi à coleta de dados através da análise de documentos, além de livros e artigos. Alguns dos
resultados indicam que em termos de trocas comerciais, os países da região não estão
dispostos a trocar entre si, visto que muitas delas se encontram em desvantagens perante as
outras. Em Angola, a origem das desigualdades não é de hoje, portanto, já vem de longa
data, da época da colônia portuguesa e da guerra civil.

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1. NOÇÕES DE DESIGUALDADE

A noção de desigualdade refere-se à falta de igualdade. Duas coisas são no entanto


desiguais quando não são as mesmas, ou seja, quando são diferentes ou assimétricas. O
conceito é usado em várias áreas. No campo da matemática, desigualdade refere-se à relação
de ordem estabelecida entre valores distintos. Isso significa que um valor pode ser maior ou
menor que outro, mas não idêntico.

De uma forma generalizada, pode-se definir a desigualdade regional como sendo as


diferenças entre as regiões, entre os países ou estados e entre cidades. A ideia de
desigualdade está ligada ao que acontece quando as pessoas vivem em condições ou
situações dissemelhantes. Nesses casos, existe uma discriminação, que pode ser negativa ou
positiva de acordo com o prejuízo ou benefício do indivíduo em questão. Podemos falar de
desigualdade de renda quando a distribuição de renda do trabalho e do capital não é
distribuída de maneira equitativa. Se os trabalhadores que vivem no norte de um país têm
um salário médio de 120.000,00 akz enquanto os que vivem no sul ganham uma média de
90.000,00 akz, há uma desigualdade de renda a favor daqueles que residem na região norte.

A desigualdade social é uma ideia mais ampla que geralmente engloba diferentes
fatores: acesso à educação, serviços de saúde, empregos bem remunerados, etc. Existem
pessoas que, devido ao seu local de nascimento, acham muito difícil progredir
materialmente, pois não possuem escolaridade, tiveram que trabalhar desde cedo e morar em
casas precárias. Outras, por outro lado, têm vantagens devido às suas origens familiares
(educação de qualidade, conforto para estudar e viver, contactos no mundo do trabalho, etc.).
Há, portanto, uma acentuada desigualdade social que condiciona o alcance das metas ou
objectivos de políticas macroeconómicas.

Tanto a nível nacional como internacional, pode-se constatar que as desigualdades


sociais nos países, não ocorrem somente dentro das cidades, mas também entre as regiões
dos países. Existem vários tipos de desigualdades sociais, tendo em conta que as tais
desigualdades não se limitam apenas a fatores como cor, posição social e raça, pelo que
ainda convive-se com as desigualdades regionais que referem-se às desigualdades entre as
regiões, entre estados e entre cidades.

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O desenvolvimento humano avalia a qualidade de vida de uma população em nível
nacional, estadual e municipal que requer estudos e cruzamentos de dados estatísticos. Isso
pode ser realizado por vários órgãos públicos ou privados, dependendo do interesse ou
abordagem, embora o órgão oficial brasileiro seja o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia
e Estatística), sendo em Angola o INE (Instituto Nacional de Estatística). O primeiro passo é
colectar os dados através do censo nacional e, a partir daí, pode-se estabelecer comparações
entre os estados.

1.2. TIPOS DE DESIGUALDADES REGIONAIS

Desigualdade social: é a diferença entre classes sociais. Para entender esse conceito,
precisamos levar em consideração que uma classe social é um grupo de pessoas com estatuto
social similar, sendo que esse estatuto pode ser definido por distintas variáveis que abarcam
aspectos econômicos, educacionais, culturais, de gênero, raça e crença. Assim, a
desigualdade social está diretamente relacionada a fatores que tornam alguns indivíduos
menos favorecidos do que outros dentro de uma sociedade hierarquizada. Isso dá origem
também à desigualdade econômica, de gênero e racial.

Desigualdade econômica: refere-se à má distribuição de renda entre as classes


sociais. Ela fica bem nítida ao observar que uma pequena parcela da população concentra a
maior parte do dinheiro, enquanto boa parte da sociedade é pobre e passa por diversas
consequências advindas da instabilidade financeira.

Desigualdade de gênero: é a consequência de uma sociedade patriarcal e machista


que subjuga mulheres e privilegia homens. Bem como as outras formas de desigualdade, é
um processo sutil e complexo, variando politicamente e historicamente de acordo com a
sociedade. No entanto, de modo geral, a desigualdade de gênero em todos os lugares traz
consequências em comum, tais como oportunidades e salários desiguais (fatores econômicos
relacionados à pobreza), sobrecarga de trabalho (advinda da imposição de tarefas domésticas
e maternidade compulsória) e risco de violência (violência doméstica, relações abusivas e
feminicídio).

Desigualdade racial e étnica: é o resultado de uma estrutura de poder que coloca


uma etnia ou raça acima das outras de forma hierárquica. Junto à desigualdade racial há o
racismo, discriminação e segregação racial. Tudo isso deriva de um processo histórico,
social e político que se difere dependendo da sociedade. Por muito tempo, as teorias

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científicas e sociológicas desenvolvidas no país procuraram afirmar que uma raça era melhor
que a outra. Mesmo com a ciência avançando e destruindo tais argumentos e com o
estabelecimento de políticas de ações afirmativas, a desigualdade racial ainda impera, sendo
os negros e indígenas menos favorecidos.

2. ORIGEM E CAUSAS DA DESIGUALDADE

A desigualdade social, há muito tempo, é um tema discutido por diferentes


pensadores e sociólogos. As diversas teorias elaboradas divergem e também se encontram
em alguns momentos, tentando traçar um panorama sobre as origens, as causas e as
consequências da desigualdade. Rousseau, em seus estudos, deixou evidente que os
fundamentos da desigualdade possuíam relação com a divisão da terra, a divisão do trabalho
e o mérito. Esses elementos materializavam-se na propriedade, enquanto direito privado.
Para esse autor, a desigualdade surgiu na sociedade quando a primeira propriedade da terra
criou uma distinção entre os homens.

O filósofo e pedagogo ‘Jean-Jacques Rousseau’ em 1755, escreveu um ensaio


denominado “Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens”.
Para tratar do assunto, o filósofo inicia diferenciando os dois tipos de desigualdade
existentes na espécie humana. A primeira é a desigualdade natural ou física, que é
estabelecida pela natureza, tratando de fatores como idade, saúde e força. A segunda é a
desigualdade moral ou política, que ocorre por causa dos privilégios diferentes que grupos
de pessoas têm em relação a outros.

A desigualdade que acontece por causa da natureza humana é inevitável. No entanto,


o segundo tipo de desigualdade conceituado por Rousseau nasce da diferença de poder,
riqueza e propriedade e é inaceitável. Para Rousseau, a propriedade privada é o elemento
fundador da sociedade civil que, posteriormente, gerou misérias à humanidade. Lentamente,
a sociedade foi se subdividindo, formando famílias abrigadas em moradias que, juntas,
formavam comunidades. Em suma, com a propriedade privada, segundo o filósofo, surgiu
também ganância, competição, vaidade, vício e desigualdade.

Rousseau deixou bem claro citando: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, se
lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o
verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e
horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou

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tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: “Livrai-vos de escutar esse
impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de
ninguém!”. Parece, porém, que as coisas já tinham chegado ao ponto de não mais poder
ficar como estavam: porque essa idéia de propriedade, dependendo muito de ideias
anteriores que só puderam nascer sucessivamente, não se formou de repente no espírito
humano: foi 3 preciso fazer muitos progressos, adquirir muita indústria e luzes, transmiti-
las e aumentá-las de idade em idade, antes de chegar a esse último termo do estado de
natureza. (Rousseau, 2001: 91)”

A partir da sua investigação, pode-se definir um dos fundamentos da desigualdade,


isto é, a diferenciação no acesso à terra. A desigualdade de acesso à propriedade da terra está
inserida na dimensão patrimonial desse fenômeno. Na origem da sociedade civil, a posse da
propriedade da terra deslocou o homem de sua posição de bem-estar. Rousseau aponta que o
momento em que um homem necessitou da ajuda de outro para uma determinada atividade
(socorro, suprimento proporcionado por outros) fez com que desaparecesse a condição de
igualdade entre os membros de uma comunidade. Ao expor suas ideias, esse autor introduz a
propriedade e a exploração do trabalho em sua forma seminal (transformação de florestas em
campos lócus do surgimento da escravidão e da miséria) como elementos fundantes de um
fenômeno que assumiria distintas formas em diversas dimensões.

Como aponta Rousseau, o Contrato Social fez com que o homem renegasse sua
liberdade individual em detrimento da vontade coletiva, vendo, assim, a legitimação da
desigualdade patrimonial fundada na propriedade privada. O Contrato Social representa a
alienação da liberdade individual, característica da condição natural humana, e a
configuração de uma liberdade coletiva relacionada à vida em sociedade, o que legitimaria a
desigualdade fundada na propriedade privada. Segundo Rousseau (2001), essa alienação
define que a comunidade, ao aceitar a existência dos bens de outras pessoas, os legitima sem
reconhecer a usurpação, o direito e o gozo, pelo simples fato de possuir um determinado
bem.

A teoria desenvolvida por Marx também contribui para a definição dos fundamentos
e das formas que assume a desigualdade no processo de reprodução social. A visão de Marx
aponta que toda produção é uma forma de apropriação e, por isso, não se trata de “se a
riqueza se desenvolve melhor sob esta ou aquela forma de propriedade. Mas é uma pura

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tautologia afirmar que não pode haver produção, nem tão pouco sociedade, quando não
existe nenhuma forma de propriedade.

Outro aspecto do fenômeno da desigualdade levantado por esse autor refere-se à


separação entre o resultado da produção e sua apropriação por aqueles que contribuíram para
o processo produtivo. Para Marx (1982: 24), na sociedade capitalista, a relação entre o
produtor e o produto acabado é uma relação exterior. O acesso ao objecto produzido por
aqueles que o produziram depende das relações que esses mantêm com os outros indivíduos.
Marx (1982: 25) destaca que o trabalhador não se apropria diretamente do produto ao
término da produção.

Centenas de outras teorias surgiram para abordar as origens e as causas da


desigualdade social. Para ‘Karl Marx’ por exemplo, a desigualdade era sintoma de um outro
problema: o trabalho assalariado da estrutura capitalista, que divide a sociedade entre classe
burguesa e proletária, sendo que o proletariado é explorado, enquanto os ricos ficam mais
ricos.

Há, por outro lado, teorias que acreditam que a desigualdade é inevitável e alegam
que posições superiores exigem mais treinamento e, assim, devem receber mais
recompensas. São essas teorias que levam, por exemplo, à ideia de meritocracia, que é
baseada na capacidade: um indivíduo alcança determinada conquista/posição por mérito, isto
é, devido ao seu esforço, talento e capacidade para tal. Esse conceito, no entanto, ignora o
fato das oportunidades serem injustamente desiguais entre as classes sociais. Em suma, as
teorias mais relevantes sobre as origens da desigualdade concordam que há um longo e lento
processo social, histórico e político que resulta na divisão de classes e na consequente
desigualdade social que traz consequências diversas.

3. ESTRATIFICAÇÂO SOCIAL SEGUNDO MAX WEBER

A teoria da estratificação social de Max Weber encontra-se explanada na sua obra


Economia e Sociedade (1919-1922) e centra-se no contexto de “poder”, entendido por
Weber com sendo “a possibilidade que um homem ou uma pluralidade de homens tem de
fazer prevalecer a sua própria vontade numa atuação comunitária, mesmo contra a
resistência de outros intervenientes.” (Weber in Cruz, 1989:737). Segundo este autor, as
desigualdades sociais manifestam-se essencialmente de três modos diferentes a saber:

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 A hierarquia económica-que define a “classe” em sentido restrito. A
estratificação social concebida por Max Weber, é configurada como estando
apoiada num tipo concreto de poder. Deste modo, a formação da “classe”
baseia-se num “poder económico”, exercitado no mercado;
 A hierarquia social propriamente dita, que forma os “grupos de status”. Os
grupos de estatuto alicerçaram-se num denominado “poder social”, que por
sua vez surge associado a avaliação que a sociedade faz dos atributos sociais
de um indivíduo, concedendo-lhe um certo grau (positivo ou negativo) de
honra;
 A hierarquia política, que origina a formação de “partidos”, aqui entendidos
como um grupo de indivíduos associados com vista a alcançar ou manter a
liderança política. Por fim os partidos formam-se em função de uma desigual
distribuição de poder político, opondo dominantes e dominados.

4. CONSEQUÊNCIAS DA DESIGUALDADE SOCIAL

A desigualdade social impera contra a justiça social. Isso tem consequências


inúmeras às classes desfavorecidas, bem como à sociedade como um todo. A desigualdade
leva ao aumento da pobreza, da má qualidade da alimentação e à fome. Com isso, também
há más condições de moradia, falta de saneamento básico, saúde precária, alta taxa de
mortalidade infantil, violência e desemprego. Concomitante a todos esses fatores, há estresse
e outros problemas psicológicos. Kate Pickett e Richard Wilkinson abordam no livro “O
nível: Por que uma sociedade mais igualitária é melhor para todos?’’, os efeitos das
desigualdades sociais no mundo, abarcando problemas como dúvida sobre si mesmo,
ansiedade social, estresse e medo de como se é visto pelos outros. Os autores mostram,
ainda, que sociedades menos desiguais no mundo são mais saudáveis e mais felizes.

Anos depois da publicação do livro, a realidade da desigualdade continua crescendo


e trazendo à tona mais consequências. Ao medir os níveis do hormônio do estresse, o
cortisol, em bebês, descobriu-se que a pobreza e a quantidade de tempo passada nessa
situação podem prejudicar o desenvolvimento mental das crianças. Pickett e Wilkinson
descobriram que a renda familiar é um determinante mais poderoso no desenvolvimento
cognitivo do que ser criado por pais solteiros ou passar pela depressão materna.

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5. EVIDÊNCIAS ESTATÍSTICAS

Em matéria publicada no The Guardian, os pesquisadores citam diversas evidências


estatísticas que mostram que as sociedades desiguais são responsáveis por vidas pessoais
menos gratificantes, prejuízos à saúde pública e ao progresso educacional, aumento de crime
e redução da expectativa de vida.

A desigualdade também tem prejuízos econômicos. Um estudo, que cobriu dados de


30 anos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico
(OCDE), acompanhou o aumento da desigualdade nos 25 anos anteriores à crise econômica
de 2008. Com base na análise, os pesquisadores concluíram que a desigualdade de renda tem
um impacto negativo e estatisticamente significativo no crescimento subsequente.

A análise mostra que o aumento das disparidades de renda impedem o


desenvolvimento de habilidades entre os indivíduos com histórico de educação parental mais
pobre. Em outras palavras, há uma tendência de redução do crescimento econômico, uma
vez que as famílias mais pobres (que são grande parte da população) não investem em
educação superior.

Nesse contexto, um estudo mostrou que crianças com uma escrivaninha e um lugar
tranquilo para estudar têm melhor desempenho na escola. Durante a pandemia da COVID-
19, por exemplo, esses indivíduos foram ainda mais afetados.

6. DESIGUALDADE SOCIAL E O MEIO AMBIENTE

A desigualdade social e o meio ambiente podem estar relacionados. A ideia de que a


escala social adequada, consequentemente acaba com a desigualdade social, são fatores
essenciais para a restauração do meio ambiente. Além disso, processos de restauração
podem ajudar nesse movimento. Mas como? Algumas técnicas de restauração de
ecossistema, como plantações de mudas e sementes, ajudam a gerar empregos. Com base no
Acordo de Paris, que tem o objetivo de recuperar até 12 milhões de hectares até 2030, cerca
de 112 mil empregos poderão ser gerados anualmente.

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Ampliar processos de restauração dos ecossistemas também contribuiria para reduzir
outros pontos da desigualdade social, como a insegurança alimentar, hídrica e energética,
além de assegurar direitos de povos indígenas.

7. DESIGUALDADES E ASSIMETRIAS REGIONAIS EM ANGOLA

Angola tem sido apresentado como um case study em termos de estabilização


macroeconómica e crescimento da economia, a partir de 2002. Apesar de esta situação ter
uma correlação muito forte com o comportamento da economia mundial e, em particular, da
procura e do preço do petróleo, não se pode tirar mérito aos Ministros das Finanças e aos
Governadores do Banco Nacional de Angola que entre 2000 e 2008 se responsabilizaram
pelo desenho e implementação das políticas de ajustamento macroeconómico que
funcionaram como esteio do fantástico crescimento económico ocorrido.

As bases metodológicas em que a estabilização assentou fazem com que a mesma


tenha deixado de ser um mero episódio do processo económico de Angola e passado a ser
uma situação de rotina, ainda assim exigente em conhecimentos científicos, capacidade de
entendimento da causa das coisas, habilidade de gestão, flexibilidade de medidas e políticas
e competência de intervenção imediata. Estabilização com crescimento foi, portanto, o
aspecto que tornou Angola num caso especial, reforçado pela posição que, durante aquele
período, as autoridades governativas assumiram perante o Fundo Monetário Internacional
(FMI) em matérias relevantes da natureza do modelo de gestão macroeconómica.

As assimetrias regionais são assustadoras, provocando uma estratificação social


indecente e imoral ao relegar para planos secundários e terciários de consideração social e
condições económicas de vida franjas consideráveis da população. Existem situações de
fome endémica em muitas zonas do país – condição, de resto, corroborada pelo Governo nos
seus diferentes documentos de política económica – onde as acessibilidades materiais são
inexistentes.

A redução das desigualdades territoriais, através da qual se pode levar o crescimento


económico e os seus benefícios ao interior do país, deve ser o novo e próximo case study de
Angola. É fundamental imaginar e aplicar um sistema que torne Angola num país onde as
dissemelhanças regionais se confinem às vantagens comparativas de cada província, às
diferenças culturais e históricas e aos acidentes geográficos. É difícil iniciar um processo de
crescimento regional relativamente equilibrado do país se se mantiver a tendência actual de

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localização económica, em que mais de 77% das empresas em actividade estão em Luanda,
Benguela, Kwanza Sul, Cabinda e Namibe.

O processo de dinamização do desenvolvimento do país tem estado sujeito, desde


praticamente a sua independência em 1975, a uma série de vicissitudes, das quais,
provavelmente, a guerra foi a mais séria das adversidades. O que se esperava com a
independência – a consolidação da dinâmica que vinha do passado – não ocorreu, antes pelo
contrário, assistiu-se, não apenas, a uma deterioração do crescimento económico, como a um
não aproveitamento racional de algumas das suas enormes potencialidades.

A situação de desequilíbrios sectoriais e regionais é uma consequência directa da


importância das relações económicas com o exterior, nomeadamente as exportações de
produtos de base não transformados, que determinam, em mais de 90%, o crescimento do
Produto Interno Bruto. Este estado, aliado às deslocações de população como resultado do
conflito militar, contribuiu para que o crescimento verificado se processasse muito
desarmoniosamente.

A paz não teve as consequências esperadas em termos de regresso e fixação dos


deslocados e nas zonas de origem. Pelo contrário, a opção de segurança que as cidades
proporcionavam face à guerra, começa a ser substituída pela simples atracção urbana,
propiciada pelos familiares aqui residentes, pelas maiores facilidades de sobrevivência
diária, pelas oportunidades que o crescimento económico centrado nas principais cidades
oferece, etc. Se durante o conflito militar, o êxodo rural, traduzido na fuga à guerra, deu
origem ao aparecimento de um fenómeno de “ruralização das cidades” - reacção social e
económica às dificuldades de sobrevivência e às carências de abastecimento de bens
alimentares - durante a paz e com as dificuldades existentes nas províncias do interior25, o
reassentamento das populações pode não ter registado as proporções esperadas e desejadas,
colocando, em decorrência, problemas ao próprio modelo de se levar o desenvolvimento ao
campo.

7.1. CARACTERIZAÇÃO DEMOGRÁFICA E RECURSOS


NATURAIS

Apesar de se considerar que em certos atributos as províncias apresentem vantagens


naturais idênticas, a realidade regional é muito assimétrica em Angola. E a tendência tem
sido para um agravamento, justificado pelas incidências do conflito militar, em especial

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sobre a desertificação humana do interior do país, e a localização das grandes obras de
reconstrução/modernização das infraestruturas. Os movimentos migratórios internos
continuam muito intensos, a concentração urbana acelerou-se, a preferência dos
investimentos por Luanda, Benguela e Huíla domina as decisões empresariais e o processo
de descentralização administrativa e financeira ainda é incipiente para provocar uma
inversão fundamental e urgente sobre as rotas de circulação e instalação das aplicações
privadas de capital.

Como é do conhecimento geral, Angola dispõe de inúmeros recursos em diferentes


sectores de actividade, sendo de destacar os agrícolas em sentido amplo, onde se incluem os
da pecuária e os florestais – os da pesca e os minerais. O quadro seguinte correlaciona, de
forma sistematizada mas sintética, as zonas e eixos de desenvolvimento com as
potencialidades económicas das províncias que os integram. Os recursos naturais e,
particularmente, a sua homogeneidade foi um dos critérios em que se baseou a delimitação
territorial do país em zonas. A repartição do valor de algumas das grandezas
macroeconómicas, nomeadamente o Produto Interno Bruto, foi assim mais fácil, uma vez
que se fez coincidir as Contas Nacionais sectoriais com algumas das zonas. No entanto, o
caso de Malanje seguramente que no futuro deverá ser ajustado, quando a província passar a
ser produtora registada de diamantes e de petróleo.

Gráfico 1. População por província

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) - Censo 2014

Cerca de 18 513 994 pessoas, correspondente a cerca de três quartos da população


(72%), concentra-se em apenas 7 províncias do país. Entre estas, 5 situam-se na região

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centro sul do país, com 10 059 909 habitantes, correspondente a dois quintos da população
do país (39%).

A província de Luanda é a mais populosa com 6 945 386 pessoas, o que representa
pouco mais de um quarto (27%) da população do país. Seguem-se as províncias da Huíla,
Benguela e Huambo com mais de 2 milhões de residentes, com 2 497 422 (10%), 2 231 385
(9%) e 2 019 555 (8%), respectivamente.

Com menos de 2 milhões cada aparecem as províncias do Cuanza Sul (1 881 873),
Uíge (1 483 118) e Bié (1 455 255).

Quadro 1 - As potencialidades económicas das regiões de desenvolvimento

EIXOS E ZONAS DE PROVÍNCIAS RECURSOS NATURAIS


DESENVOLVIMENTO
Petróleo, madeira, milho, massangano,
massambala, mandioca, batata, feijão, café,
NORTE Cabinda, Uíge, Cuanza Norte e Zaire
amendoim, pesca, madeira, fosfatos
Diamantes, algodão, oleaginosas, mandioca,
batata-doce e rena, feijão, amendoim, alguns
citrinos, madeira, bovinicultura,
CENTRO- LESTE Malanje, Lunda Norte, Lunda Sul, Moxico e hidroelectricidade de grande/pequena/média
Cuando Cubango dimensão, ferro, manganês

Café, madeira, ferro, manganês, granito e


mármore, algodão, soja, palmeira de dendém,
mandioca, girassol, batata, amendoim, feijão,
CENTRO-OESTE Cuanza Sul, Bié, Huambo, Benguela e Namibe hortícolas, banana, cana-de-açúcar, citrina,
bonivicultura, madeira, ananás, manga
Milho, massango, massambala, soja, batata,
feijão, palmeira de dendém, café, algodão, cana-
de-açúcar, citrinos, pecuária de grande porte,
SUL Huíla e Cunene pescas, banana, manga, hortícolas, ananás,
amendoim, girassol, urânio, granito negro,
mármores, hidroelectricidade de médio porte
Indústria transformadora, refinaria, comércio,
mandioca, banana, hortícolas, algodão, citrinos
LUANDA/BENGO Luanda e Bengo

FONTE: Monografia de Angola, Ministério do Planeamento, 2001, 2007 e 2009.

Pelas informações anteriores conclui-se que a base agrícola do país é bastante


similar, apresentando todas as grandes regiões praticamente as mesmas aptidões para a
produção de produtos agrícolas. As vantagens comparativas regionais deverão, portanto,
estabelecer-se na base de outros factores mais específicos, tais como:

 Os recursos minerais mais focalizados;


 A capacidade hídrica;

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 A maior proximidade dos futuros grandes eixos nacionais de transportes;
 O posicionamento geográfico-estratégico das províncias – por exemplo,
Malanje e Huambo apresentam nítidas vantagens para desempenharem uma
função de placas giratórias de fomento do desenvolvimento, a primeira entre
Luanda, as Lundas e o Moxico e o Norte-Leste de Angola e a segunda
província entre o litoral Centro- Sul e o Moxico e o Cuando Cubango;
 A disponibilidade de recursos humanos (para o que contribuem a densidade
populacional, a capacidade de retenção de força de trabalho qualificada e
especializada, a descentralização e o desenvolvimento do sistema de ensino
técnico-profissional, superior e universitário e a valorização estratégica das
tradições, enquanto factor de fixação da população e de ligação ao seu meio
geográfico e cultural de origem);
 A capacidade política de mobilização dos governantes e dirigentes
provinciais, traduzida na concessão de determinadas facilidades de instalação
das actividades económicas privadas;
 A comparticipação e o envolvimento da comunidade internacional, do que
poderá resultar a criação de determinadas externalidades fundamentais para a
actividade privada nacional;
 As preferências do investimento privado, em particular do investimento
directo estrangeiro;
 A oferta de infraestruturas provinciais/regionais, que depende da capacidade
de gestão dos programas de investimento público41 e da aptidão de promover
as parcerias público-privadas.

7.2. TAXA DE ACTIVIDADE

Geograficamente, a província do Cuando Cubango, assinala a taxa mais elevada, com


62%, seguida pela província de Luanda com 60%. As províncias de C. Norte, Malanje e
Cunene apresentam as menores taxas com 38%, 39% e 40% respectivamente, conforme
espelhada no gráfico abaixo:

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Gráfico 2 - Taxa de actividade por província, 2014

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) - Censo 2014

Gráfico 3 - Taxa de emprego por província, 2014

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) - Censo 2014

A província de Cuanza Sul apresenta a taxa de emprego mais elevada sendo que a
província de Lunda Sul apresentou uma taxa de emprego mais baixa. Contudo, a taxa de
emprego nacional é de aproximadamente 39%.

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7.3. POPULAÇÃO DESEMPREGADA

A taxa de desemprego é a razão entre o número de desempregados e o número de


pessoas economicamente activas. Este indicador representa a amplitude da força de trabalho
disponível e não utilizada no país.

São considerados desempregados todas as pessoas com 15 ou mais anos de idade que
no período de referência se encontravam simultaneamente nas situações seguintes:

 Não trabalhou ou não tinha trabalho;


 Estava disponível para trabalhar.

Gráfico 4 - Taxa de desemprego por província

Fonte: Instituto Nacional de Estatística (INE) - Censo 2014

Em 2014, o número de desempregados abrangia 1.739.946 indivíduos, o que


corresponde a uma taxa de desemprego a nível nacional de 24%. A taxa de desemprego
atinge sobretudo á população jovem entre os 15-24 anos. As taxas mais elevadas de
desemprego verificaram-se na província da Lunda Sul e Lunda Norte com 43% e 39%
respectivamente. As províncias de Benguela e Cuanza Sul apresentam as taxas de
desemprego mais baixas com cerca de 14% cada.

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8. DESENVOLVIMENTO ECONÓMICO, INTEGRAÇÃO
COMERCIAL E DESIGUALDADE REGIONAIS: ANGOLA NO
CONTEXTO DA ÁFRICA AUSTRAL

O tema explica um conjunto de fatores que influência na integração comercial e nas


desigualdades regionais tanto na África Austral como em Angola. Portanto, é nesta região da
África que Angola faz parte onde encontramos a Comunidade de Desenvolvimento da
África Austral (SADC). Ainda que este seja o bloco econômico mais emergente do
continente, ainda apresenta grandes desigualdades principalmente no campo da integração
comercial, desencadeando-se num desenvolvimento socioeconômico muito lento e numa
igualdade menos conjugado entre os seus membros, apesar dos esforços dos governos desta
comunidade. De forma geral, os governos têm feito esforços enormes para diminuir esses
efeitos, mas os indicadores ainda mostram que estão longe de alcançá-los.

Relativamente às desigualdades regionais em Angola, constatou-se que devido a


determinadas operações econômicas a partir de 2002, vem-se registrando aumentos
significativos no Produto Interno Bruto  espelhando-se em grandes somas de riqueza que o
país vem acumulando nos últimos anos. Porém, esta riqueza ainda não proporciona
mudanças significativas nas infraestruturas de apoio ao desenvolvimento econômico, como
por exemplo, no setor elétrico e de abastecimento de água entre outros, criando desta forma,
enormes desigualdades entre as regiões, influenciando de certa maneira a qualidade de vida
das populações de algumas regiões. Além do mais, os dados analisados indicam que as
regiões que sempre mostraram indícios de desenvolvimento desde a colonização continuam
sendo as mesmas e, é o caso da Metrópole e da região do Centro-Leste onde se encontram as
principais capitais de Angola. Porém, observa-se que boa parte da riqueza do país desde a
era colonial vem principalmente de regiões menos desenvolvidas como, por exemplo, a
região Norte (café e petróleo como as principais fontes de riqueza do país) e Centro-Leste
(principalmente nas Lundas Norte e Sul – exploração de diamantes e energia não petrolífera,
etc.) criando assim um paradoxo.

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9. POBREZA URBANA E DESIGUALDADE EM LUANDA

Luanda é uma das cidades mais dramáticas do continente africano, no que diz
respeito à sua história, densidade populacional e desigualdade, estando presentemente a
cidade a atravessar o que a população chama “a crise”, situação relacionada com a recente
queda abrupta das receitas petrolíferas e com a má governação e com repercussões
particulares para os pobres.

As principais razões para a baixa incidência da pobreza urbana que emergem dos
dados existentes, são os níveis mais elevados de educação e o melhor acesso ao emprego e
aos serviços públicos. Este argumento é, em parte, suportado pelos dados de publicações
internacionais, tais como o “Relatório de Desenvolvimento Humano” do PNUD
(posicionando Angola em 149.º lugar entre 188 países) e o “Relatório sobre o
Desenvolvimento Mundial” do Banco Mundial (com Angola na 112.ª posição entre 181
países) – embora com as entradas de Angola, também aqui, caraterizadas por lacunas nos
marcadores-chave de pobreza.

Em Luanda, esta disparidade/desigualdade expressa-se espacialmente na forma de


áreas urbanas formais e nobres (conhecidas como Cidade) e áreas informais e pobres nas
quais, a grande maioria dos habitantes da cidade vive.

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9.1. COMUNIDADES

No sentido de obtermos mais informação para o estudo qualitativo das dinâmicas da


pobreza urbana em Luanda, escolhemos o bairro de Wenji Maka II no Município de Belas e
o bairro do Paraíso, no Município de Cacuaco. Como havia escassa informação relativa aos
musseques, estes bairros foram escolhidos principalmente com base nos critérios de
acessibilidade e de diferença na localização geográfica (ver mapa). Wenji Maka II (que
significa “problemas com o comércio”) é uma antiga área agrícola, que foi vendida pela
“Associação de Camponeses” local a residentes e migrantes por volta do ano 2003/4,
tornando-se um bairro de aproximadamente 22.000 habitantes numa mistura
sociolinguística. À exceção dos constantes problemas com estradas e carreiros esburacados e
sujos, das inundações e do lixo, a impressão imediata é de uma comunidade relativamente

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bem organizada, com casas de tijolo e quintas; escolas e instituições de saúde (a maioria das
quais são privadas); uma série de pequenas lojas ou cantinas; oficinas de todo o tipo ofícios
artesanais; bem como algumas lojas maiores que acabam por definir as fronteiras do bairro
ao longo das estradas principais.

Há, também, o contraste das “bolsas” contendo moradias de dois ou três andares,
maiores e luxuosas, que abrigam os mais ricos, e casas precárias feitas com blocos de
papelão e chapas de zinco, que abrigam os mais pobres. Durante o dia, o bairro está
relativamente vazio, o que é uma indicação de que muitas pessoas estão trabalhando ou
procurando emprego noutras partes da cidade.

O Bairro do Paraíso dá uma primeira impressão diferente. No final dos anos 1990, o
bairro era um acampamento para refugiados e soldados desmobilizados originários do Sul,
tendo-se tornado numa comunidade com cerca de 120.000 pessoas de várias partes do país.
O bairro situa-se numa colina rodeada por áreas húmidas/pântanos e lixeiras, havendo
apenas um ponto de entrada para carros, o qual se torna intransponível durante os períodos
de fortes chuvas. As casas são geralmente precárias e sem muros à volta (sinal de pobreza no
contexto de Luanda). Identificámos relativamente poucas instituições escolares e de saúde
pública e cantinas, e as lojas quase não se vêm – até aprendermos que elas estão construídas
para serem “invisíveis” a fim de se reduzir o risco de furto e roubo.

Talvez a principal caraterística do Paraíso seja o colapso quase total das instituições
do Estado, incluindo escolas e clínicas (substituídas por alternativas privadas),
abastecimento de água, eletricidade e policiamento – tornando-o um terreno fértil para os
preços excessivos e a corrupção. A segurança individual e imprevisibilidade são os
principais desafios e as pessoas geralmente parecem ainda mais pobres e mais necessitadas
do que em Wenji Maka II. Aqui, a Comissão de Moradores parece mais preocupada no
controlo político da população do bairro do que contribuir para o desenvolvimento da
comunidade.

9.2. PERCEPÇÕES E DINÂMICA DA POBREZA

Optamos por definir a pobreza envolvendo algumas características indispensáveis


tais como:

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 A falta de emprego e de rendimento necessário para atender às necessidades
básicas;
 Uma sensação de impotência e de não ter voz ativa face às instituições da
sociedade e do Estado;
 Vulnerabilidade a choques adversos associados à capacidade de lidar com
eles através de relações sociais e instituições legais.

As nossas próprias observações e perceções das pessoas expõem a pobreza como


uma condição multidimensional. Nos bairros periurbanos de Luanda, tudo tem um elevado
preço e «há dinheiro em circulação, mesmo entre os pobres», como um Padre local referiu.
Sem dinheiro, as pessoas simplesmente não poderiam sobreviver porque tudo tem de ser
comprado, estando a maior parte das relações sociais “mercantilizadas”, no sentido em que
os serviços e os favores geralmente têm que ser pagos.

Quando questionadas para definir o que é a “pobreza” significava para eles, a falta de
condições (educação ou ensino, emprego ou trabalho assalariado, água, energia, laser e
saneamento básico) que afetam negativamente as suas vidas e as opções que orientam o que
eles designam por “uma vida digna”, num contexto urbano. «Os pobres não têm forno nem
colchões, eles não têm televisão nem geladeira – Eles só comem uma ou duas vezes por dia,
eles só comem arroz branco, funge com jimboa ou caboenha, pão com chá, etc. Eles não
conseguem pagar a escola dos seus filhos, e os seus filhos jogam no lixo para encontrar algo
para comer. Quando eles ficam doentes eles nem sequer têm dinheiro para comprar
paracetamol. As crianças têm roupas rasgadas. Pode-se ver pela aparência, pelo aspeto que
as pessoas são pobres».

Relativamente às características atribuídas ao rico, o grupo de foco refere: «O rico


tem tudo. Nada está faltando!». «Eles comem bem, tem uma bela casa e um carro, geladeira,
televisão, ar-condicionado e água da torneira, eles aparentam estar bem e usam
maquilhagem. Eles estudam em escolas caras, rezam e têm acesso a clínicas (que é a
alternativa privada para os hospitais públicos que não funcionam). Eles não fazem as suas
compras nos mercados, mas nos supermercados. E eles vão para a praia no fim-de-semana e
de férias durante dias feriados».

As pessoas também reconhecem que existem diferentes tipos de pobreza e bem-estar.


Os grupos de foco em Wenji Maca II distinguiram entre os diferentes níveis de pobreza (o

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“pobre-pobre” ou katikiamputu e o “pobre normal” ou ohukui) e de riqueza – separando o
“Número Um”, que eles nomeiam como Isabel (filha do Presidente José Eduardo dos
Santos); os super-ricos ou ricaços e os ricos ou bassongas.

No Paraíso, o vernáculo local para os extremamente pobres é pulungo (em


Kimbundu) ou wahepa (em Nhaneca Humbi) e para os pobres normais Nga dia ma e
ochihepi. As estórias contadas mostram que é difícil passar de uma categoria para outra – a
não ser que as pessoas com recursos possam subitamente perder tudo, ou porque “gastam
muito dinheiro”, “são roubados” ou “estão enfeitiçados”.

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CONCLUSÕES

Objetivamente, neste trabalho procuramos clarear, mesmo que de forma não


definitiva, os fundamentos e os elementos que permitem definir a desigualdade enquanto um
fenômeno complexo e dinâmico que apresenta características estruturais condicionadas à
lógica de funcionamento e de organização do sistema de um país ou região. Portanto,
conclui-se que de modo geral e no sentido da palavra, desigualdade é a condição, estado ou
qualidade daquilo que é desigual, ao passo que a desigualdade regional é concebida como a
diferença entre os bairros, comunas e municípios, países ou regiões.

Todavia, num contexto de desenvolvimento regional mais ou menos equitativo, as


vantagens competitivas internas dependerão dum extenso conjunto de factores bastante para
lá dos recursos naturais. A maior ou menor habilidade de os gerir e pôr em prática marcará,
futuramente, a diferença entre as províncias e regiões. A maioria das abordagens
sociológicas sobre as desigualdades sociais está enfatizada nas perspectivas dos autores
clássicos, sendo comum distinguir a um nível teórico, entre as teorias das classes
protagonizadas por Karl Max e Jean Jacques Rousseau e a teoria da estratificação social
de Max Weber.

A condição de arrasamento de praticamente todas as infraestruturas físicas e


materiais a que a guerra conduziu é hoje o principal obstáculo para que as zonas do interior
do país sejam chamadas a integrar-se num movimento global de crescimento e de inclusão
da economia nacional.

Com o desenvolvimento de novas tecnologias e processos sociais da globalização,


várias são as variáveis que devem ser consideradas na análise das classes sociais. Além de
variáveis mais clássicas como: o rendimento, o prestígio, a profissão e nível de escolaridade,
a que considerar as teorias contemporâneas que consideram factores como: gênero, a raça, a
etnia, a religião, a idade e a nacionalidade.

De acordo com as pesquisas descritivas, destacamos que os pobres dos bairros do


Paraíso e Wenji Maka II estão presos numa armadilha da pobreza devido a deficiências
materiais e oportunidades limitadas de rendimento; fragilizados relativamente ao mau
funcionamento das instituições da sociedade e do Estado; e vulneráveis em relação aos
choques adversos, tais como aumentos súbitos de preços, doenças e crime.

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Muitos dos nossos interlocutores expressaram frustração e raiva contra o que
consideravam ser uma dramática deterioração das suas condições de vida, muitas vezes
dirigidas contra “o governo” ou “o partido”, mas também contra as pessoas da sua
comunidade que não comportam-se bem (marginais ou gatunos). Há, também, um sentido
de fatalismo (“só Deus sabe”). Ao mesmo tempo, a riqueza e mobilidade social ascendente
são vistas como sendo para as pessoas com educação, emprego e com os contatos certos e
que vivem noutras partes da cidade. Enquanto Luanda oferece oportunidades para quem está
em posição de a explorar, a cidade atualmente parece oferecer apenas miséria às pessoas dos
bairros pobres.

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RECOMENDAÇÕES

1) A recuperação dos principais e mais significativos eixos de transportes rodoviários e


ferroviários é, do nosso ponto de vista, a grande prioridade em matéria de
desenvolvimento regional e de criação das condições para se pôr em marcha um
movimento que, a longo prazo, proporcione a igualização relativa das condições de
acesso à repartição do rendimento nacional;
2) Deve se qualificar e quantificar as informações disponíveis sobre os elementos e
fundamentos que conformam a desigualdade em toda a sua complexidade. Exige-se
que essa abordagem seja capaz de orientar estratégias para o enfrentar a
desigualdade;
3) Recomenda-se que as regiões de África de forma geral devem unir-se e criar políticas
que configuram na realidade dos países do próprio continente. Em relação Angola, o
estado deve criar condições favoráveis de infraestruturas econômicas o mais rápido
possível com objetivo de diminuir as desigualdades regionais.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Rousseau, J. J., 1978 Do Contrato Social. Trad. Lourdes Santos Machado. São Paulo:
Abril Cultural, Coleção Os Pensadores, 1978

Braga, J. C. de S.,1993 A financeirização da riqueza - a macroestrutura financeira e a


nova dinâmica dos capitalismos centrais. Economia e Sociedade (UNICAMP), Campinas -
SP, n.2, 1993.

Burawoy, M., 1990 A Transformação dos Regimes Fabris no Capitalismo Avançado.


Revista Brasileira de Ciências Sociais, 13, junho, Rio de Janeiro, 1990.

Castel, R.,1998 As metamorfoses da questão social, uma crônica do salário. Trad.


Iraci D. Poleti. Petrópolis, RJ: Ed Vozes, 1998.

INE (2003). Renda familiar e Pesquisa de Orçamentos, IDR. Luanda: Instituto


Nacional de Estatística.

INE (2013). Inquérito Integrado Sobre o Bem-Estar da População, IBEP. Relatório –


Vol. III. Perfil da Pobreza. Luanda: Instituto Nacional de Estatística.

INE (2016). Resultados Definitivos do Recenseamento Geral da População e da


Habitação de Angola 2014. Luanda: Instituto Nacional de Estatística.

https//: www.Googleacadêmico.com

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