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Boletim do CIM
Director: J. A. Aranda da Silva
c e n t r o d e i n f o r m a ç ã o d o m e d i c a m e n t o
ORDEM DOS FARMACÊUTICOS
Compostos meso: diastereoisómeros com dois ou mais centros estereogénicos, em que os quatro grupos em cada um dos centros
contêm um plano de simetria interna.
Configuração: arranjo espacial que distingue um estereoisómero de outro e pode ser expresso pelas designações R ou S, de
acordo com as regras de Cahn-Ingold-Prelog.
Diastereoisómeros: isómeros ópticos que não se relacionam como objecto-imagem num espelho plano, ou seja, não correspondem
a enantiómeros.
Enantiómeros: isómeros ópticos que se comportam um em relação ao outro como objecto e respectiva imagem num espelho
plano ou como mão direita/mão esquerda, ou seja, não são sobreponíveis. O isómero que roda o plano da luz
polarizada para a direita é designado dextrógiro (+) e o que roda para a esquerda é levógiro (-).
Enantiosselectividade: escolha entre dois enantiómeros por uma entidade quiral. A nível biológico refere as diferenças entre enantióme
ros relativamente aos seus efeitos farmacológicos e terapêuticos, assim como na respectiva toxicidade.
Estereoisómeros: moléculas compostas pelos mesmos átomos, contendo a mesma fórmula estrutural; diferem uma da outra unica
mente na forma como átomos ou grupos estão orientados no espaço. Podem ser isómeros ópticos (enantiómeros
e diastereoisómeros) ou geométricos.
Isómeros geométricos: não relacionados com actividade óptica e podem ser classificados como cis/trans ou Z/E.
Mistura racémica: contém quantidade igual dos dois enantiómeros. Um processo pelo qual os enantiómeros são separados é desig
nado resolução.
Quiralidade: propriedade geométrica que, na maior parte dos casos, está associada à existência de, pelo menos, um centro
estereogénico e consequentemente a assimetria molecular. A designação quiralidade deriva da palavra grega
para mão; reflecte assim que as moléculas que se comportam como mão esquerda/mão direita são quirais.
Razão eudísmica: corresponde à razão da actividade do enantiómero mais activo (eutómero) e a do enantiómero menos activo
(distómero).
Setembro/Outubro 2005
vidade farmacológica, mas quantitativamente diferente, fenos sofrem uma inversão quiral metabólica, pelo que o
sendo mais potentes na forma (S)-(-) que na forma (R)- enantiómero (R)-(-) se transforma em (S)-(+) (Fig. 4).9
(+). A razão eudísmica é de 130 e 270 respectivamente Essa vantagem é apenas aparente, pois a velocidade e a
para o propranolol e para o metoprolol.8 percentagem de inversão quiral dependem não só da es
A influência da quiralidade no metabolismo e excreção trutura do fármaco administrado mas também do indiví
pode ser exemplificada pelo que se passa com o propra duo, pelo que na maioria dos casos não é completa, per
nolol administrado sob a forma de racemato e se torna manecendo assim uma porção do enantiómero (R)-(-) no
mais efectivo por via oral que por via intravenosa.6 organismo. 10 É, por exemplo, o caso do (R)-(-)-ibuprofeno,
Essa aparente anomalia deve-se à estereosselectividade no qual a inversão a (S)-(+)-ibuprofeno activo (Fig. 2)
encontrada na primeira passagem do metabolismo, da se dá em apenas 60%.10 Para além disso, durante a bio
qual resultam enantiómeros tendo diferente biodisponi transformação referida, alguns intermediários levam à
bilidade. formação de “triglicéridos híbridos” que podem exibir
O propranolol sofre três passos metabólicos principais toxicidade.
(1,2 e 3) a considerar (Fig. 3): Em alguns países é já comercializado o enantiómero ac
tivo (S)-(+) puro do ibuprofeno, designado dexibuprofe
1. glucuronidação no hidroxilo livre no. Este composto, para além da dose diária necessária
2. oxidação aromática dando o 4-hidroxipropranolol, o em artrite reumatóide ser cerca de um terço da utilizada
qual por sua vez pode também sofrer conjugação, tanto com o racemato, mostrou também um perfil menor de
com sulfato como com ácido glucurónico efeitos adversos.11
3. cisão oxidativa na cadeia lateral aminada.
Considerando a área dos neurofármacos, é de salientar
Cada um destes passos exibe estereosselectividade, sen a importância que a questão da quiralidade tem vindo a
do os 1 e 3 selectivos para o enantiómero S e o passo 2 suscitar recentemente,12,13 o que não será de estranhar
preferencial para o R. se pensarmos que alguns neurotransmissores, como é o
Mas, considerando as clearances parciais para os enanti caso da adrenalina e do ácido glutâmico, actuam sob a
ómeros de cada um dos passos referidos, verifica-se que forma de enantiómeros puros.
o metabolismo do propranolol é dominado pelo efeito de Um grupo de fármacos em que o estudo da influência da
primeira passagem (pré-sistémico) da 4-hidroxilação, a estereoisomeria na actividade, metabolismo e toxicidade
qual é altamente selectiva para o isómero R menos ac tem vindo a sofrer amplo desenvolvimento é o dos agen
tivo (o eutómero é o (S)-(-) que é e cerca de 100 vezes tes antidepressivos. 13
mais activo que o (R)-(+). Esta situação leva a um en
riquecimento plasmático no isómero (S)-(-) activo, con Podem ser encontrados vários exemplos no grupo dos
tribuindo assim para a aparente potência aumentada do inibidores selectivos da recaptação de serotonina. No
racemato quando administrado oralmente.6 caso da fluoxetina, ambos os isómeros (Fig. 2) apresen
tam uma inibição equivalente, embora o enantiómero
Os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs) do grupo (R)-(-) seja eliminado mais rapidamente. Apesar disso, não
dos profenos (derivados do ácido propiónico) contêm foram encontrados benefícios reais para a sua introdução
um carbono estereogénico e o enantiómero que in vitro na terapêutica como agente antidepressivo, embora se
mente puros.
A reavaliação das actividades de racematos e dos enan
tiómeros puros poderá também levar a resultados muito
interessantes no que concerne à descoberta de novas
aplicações terapêuticas para fármacos já conhecidos.
Madalena M. M. Pinto
Faculdade de Farmácia da Universidade do Porto
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Comissão de Redacção: A. Simón (coordenadora); J. A. Aranda da Silva; M. E. Araújo Pereira; M. T. Isidoro; T. Soares. Os artigos assinados são da responsabilidade dos respectivos autores.