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BASES PARASITOlOGICAS E FARMACOlOGICAS

DA TERAPÊUTICA DA MAlARIA

Habib F raiha *

Esquema: 1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIMALÁRI-


COS DE ACORDO COM O SEU ALVO
1. BASES PARASITOLÓGICAS DE AÇÃO:

1.1. CICLO EVOLUTIVO DOS PLASMÓDIOS 1.2.1. Esporozoiticidas(não existem ainda).


HUMANOS.
1.2.2. Esquizonticidas tissulares primários =
111 O 't (f . f t t profiláticos causais (atuam sobre as for-
...s esporozol os ormas In ec an es em
d .- t .
con lçoes na urals .
) mas hepáticas pré-eritrocíticas).

1.2.3. Esquizonticidas sangüíneos = supressi-


1.1.2. O ciclo hepático pré-eritrocitário (re- vos (atuam sobre asformas eritrocíticas
produção esquizogônica). , assexuadas,promovendo cura clfnica).

1.1.3. O ciclo eritrocitário (reproduçâ"o esqui- 1.2.4. Esquizonticidas tissulares secundários =


zogônica). As formas assexuadas(trofo- anti-recidivantes (atuam sobre as formas
zoítos e esquizontes) e sexuadas (game- hepáticas exo-eritrocíticas, promovendo
tácitos). cura radical).

1.1.4. O ciclo exo-eritrocitário, ou hepático 1.2.5. Gametocitocidas (atuam sobre as for-


residual (reprodução esquizogônica). mas eritrocíticas sexuadas, e, como tal,
Não ocorre com P. falciparum. evitam a infecção dos mosquitos).

1.2.6. Esporonticidas (atuam impedindo o de-


1.1.5. O ciclo esporogônico (de reprodução se- senvolvimento dos parasitos no mosqui-
xuada) no mosquito. to).

1.1.6. Os oocistos e a esquizogonia no organis- 1.3. OUTROS CONCEITOS


mo do vetor.
1.3.1. Plasmodicidas e plasmodiostáticos
1.1.7. As formas infectantes para o homem
.em condições acidentais. 1.3.2. Recidivas: recrudescênciae recorrência

* Chefe da Seção de Parasitologia do Instituto Evandro Chagas, FSESP C. Postal 621,66000 -BEL~M -PARA.

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Revista da FSESP -VaI. XXVI/N9 1/81

2. AS DROGAS ANTIMALÁRICAS tam a célula hepática parasitada. Cada organismo


dessesé um merozoíto. Não suportando a pressão
2.1. AS CLASSES QUI'MICAS: interna imposta pelos parasitos, o hepatócito ter-
mina por estourar, dando liberdade aos merozo(-
2.1. 1. Os alcalóides da cinchona.
tos. Conclui-se, assim,o ciclo hepático pré-eritroci-
2.1. 2. As acridinas. tário. Os merozo(tos então liberados têm 2 cami-
nhos a seguir: ou caem na corrente sangü(nea,indo

.
2.1. 3. As 4-aminoquinoleinas. parasitar hemácias (ciclo eritrocitário) , ou vão para
outros hepatócitos, perfazendo o ciclo hepático re-
2.1. 4. As 8-aminoquinoleinas, As drogas,
sidual, ou exo-eritrocitário.
2.1. 5. As biguanidas. seussitias
eSQU;lont.s

2.1. 6. As pirimidinas. de ação e t;sul.r.s


s.cund'r;os
.n c'lul. ~ .
h.p't;c. 'I.. CICLO ENELHOMBRE
2.1. 7. As diidrotriazinas. outras pro-
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:'\. I Trofoloijo
la~~~-
2.1. 8. As sulfamidas.

2.1. 9. As sulfonas.
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2.1.10. Astetraciclinas.
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2.1.11. As amidinouréias. ( Camolocijo ,nmaduro


" I Anophet.
2.1.12. Os quinolinometanóis.
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2.2. ASSOCIAÇOES DE DROGAS

2.3. DROGAS DISPONIVEIS NO MERCADO Clindula


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Desenvolvimento:

1. BASES PARASITOLÓGICAS
Fig. 2 Ciclo vital "--
dei parásito CICLOhumano
[N [L MOSQUITO
de Ia malaria, P. vivax.

1.1. O CICLO EVOLUTIVO DOS PLASMá-


DIOS HUMANOS. (Se~n Bruxe-Chawatt (1001). Cortesia de Ia Organización Mun-

dial de Ia SaludJ

1.1.1. Os esporozoítos são as formas infec- Reproduzido de PAMPANA, Emilio -Erradicacion de Ia mala-

tantes para o homem, em condições naturais. São ria. Mexico, Centro Regional de Ayuoo Tecnica (1006) p. 27.

organismos fusiformes, muito móveis, que o mos-


quito infectado inocula em meio à saliva, durante a 1.1.3. O ciclo eritrocitário tem início com a
picada, e que, caindo na corrente sangüinea vão, invasão de glóbulos vermelhos pelos merozoítos
todos, em alguns minutos, alojar-se no figado. provenientes do fígado, que, ao penetrar nas hemá-
1.1.2. Ai. os esporozoitos penetram nos he- cias, assumem a forma de anel. Os anéis são trofo-
patócitos, arredondam-se, e assumem a forma de zoítos jovens, que se alimentam de hemoglobina,
trofozoítos, células uninucleadas que se alimentam se desenvolvem (trofozoítos maduros) e se multi-
e crescem, e finalmente entram em processo de re- plicam por esquizogonia. Os esquizontes evoluem
produção assexuada,de divisão múltipla, dito es- até a completa individualização dos merozoítos,
quizogonia.. De uma feita iniciada a divisão nuclear, que estouram a hemácia parasitada. Essesmerozoí-
o parasito já não é mais um trofozo ito , mas um tos vão parasitar novas hemácias, refazendo ciclos
esquizonte (jovem). Ao final desse processo de di- sucessivos. A ruptura das hemácias parasitadas,
visão, o esquizonte (maduro) se constituirá um ocorre mais ou menos sincronicamente, fazendo
aglomerado de milhares de parasitos que abarro- desencadearo acessofebril, marcado pela sensaça'o

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BasesParasitológicase Farmacológicasda Terapêutica da Malária.

de calafrio decorrente da invasão do sangue por são, já, volumosos, e fazem saliência para a hemo-
proteína estranha (merozoítos e pigmento malári- ceie (cavidade geral do corpo dos insetos). O rom-
colo pimento dos oocístos libera os esporozo(tos na he-
Depois de um certo número de ciclos, alguns molinfa, que banha todas as visceras, os músculos
merozoítos adquirem um caráter sexuado e, ao torácicos, e as glândulas salivares lá adiante. Para
invés de se transformarem em trofozoítos, vão dar estas últimas é atraida a maioria dos esporozoitos
gametócitos, células precursoras dos gametas. que, penetrando nas células da parede glandular,
Desse modo, as formas eritrocíticas dos plas- terminam passando para a luz da glândula, onde
módios podem ser assexuadas(trofozoítos e esqui- permanecem à espera de que o mosquito vá picar
zontes) ou sexuadas (gametócitos), embora a re- um OIJtro individuo. Durante a picada são passiva-
produção, a esse nível, sejaexclusivamente assexu- mente inoculados, em meio à saliva, fechando o ci-
ada, esquizogônica. cio.
1.1.4. O ciclo exo-eritrocitário, ou hepático 1.1.7. Já se disse que os esporozoítos são as
residual, consiste em reproduções sucessivasda es- formas infectantes para o homem, em condições
quizogonia hepática, após a liberação da primeira naturais, quando a transmissão se processa às cus-
geração de merozoítos tissulares. Segue-se,portan- tas de um vetor biológico, um anofelino. Nem sem-
to, ao ciclo pré-eritrocitário. Não ocorre nas infec- pre, porém, as coisas sucedem desse modo. Há a
ções pelo Plasmodium falciparum, em que todos os malária congênita, adquirida por via transplacentá-
merozoítos tissulares pré-eritrocíticos passampara ria, e a transmissão acidental por transfusão de san-
o sangue. gue ou uso comum de seringas ou agulhasnão este-
O ciclo exo-eritrocitário parece ser o responsá- rilizadas. Nessescasos,asformas infectantes já serão
vel pelas recaídas da malária "vivax" e da quartã trofozo(tos, esquizontes ou merozoítos. Os game-
(P. malariae), quando já tenham sido eliminadas as tócitos transfundidos, não sendo patogênicos, não
formas eritrocíticas pela terapêutica ou por pro- são considerados, a rigor, formas infectantes para o
cessos imunitários.9 hospedeiro vertebrado.
1.1.5. Ao ingerir sangue de um paciente de
malária, o mosquito vetor pode estar levando
1.2. CLASSIFICAÇÃO DOS ANTIMALÁRI-
quaisquer das formas eritrocíticas: trofozo(tos, es-
COS DE ACORDO COM O SEU ALVO
quizontes e gametócitos. As formas assexuadas,
DE AÇÃO.
porém, não têm como evoluir no estômago do
mosquito, e degeneram. Só os gametócitos sobrevi- Os diferentes estádios do ciclo evolutivo dos
vem, e se transformam em gametas, dando início plasmódios humanos, bem como as diferentes es-
ao ciclo esporogônico, ou de reprodução sexuada. pécies dos parasitos, apresentam diversos graus de
O mosquito é, assim, não somente um vetar bioló- suscetibilidade à quimioterapia.9
gico dos plasmódios, mas o próprio hospedeiro de- As drogas antimaláricas podem ser classifica-
finitivo dessesparasitos, que nele vivem a fase mais das de acordo com o estádio evolutivo sobre o qual
nobre de seu ciclo biológico: a de reprodução se- exercem sua ação. Assim, temos:
xuada. O homem não passa, pois, de hospedeiro 1.2.1. Os esporozoiticidas (na verdade ainda
intermediário dos plasmódios. hoje não conhecidos) -seriam aquelas drogas pro-
Gametas masculinos fecundam gametas femini- filáticas ideais, capazes de matar os esporozo(tos
nos, tal como na reprodução dos animais superio- antes de estesse alojarem nas células hepáticas.
res. Da fusão de gametas resulta a produção de 1.2.2. Os esquizonticidas tissulares primários,
ovos (zigotos) que logo passama se movimentar na também chamados profiláticos causais: drogas ca-
luz do intestino médio do vetor (ovos móveis = pazes de destruir as formas hepáticas do ciclo pré-
oocinetos) , e acabam por penetrar na parede desse eritrocitário. Os antifólicos (sulfonamidas, pirime-
órgão, indo localizar-se entre o epitélio e a mem- taminas, proguanil) são os mais efetivos, mas não o
brana elástica que reveste a superfície do estômago ideal9; e há também as 8-aminoquinole(nas (prima-
do mosquito. quina), não tão eficazes aqui, quanto no ciclo exo-
1.1.6. Aí, os oocinetos se encistam, transfor- eritrocitário. (Na prática, portanto, não existe uma
mando-se em oocistos, que crescem e passam por quimioprofilaxia verdadeira contra a malária 1).
um novo processo de divisão esquizogônica, de que 1.2.3. Os esquizonticidas sangüíneos, ou dro-
resuItarão milhares de esporozoítos. Os oocistos gas de ação supressiva,que destróem asformas eri-

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Revista da FSESP -Vai. XXVI/NC? 1/81

troc(ticas assexuadas, promovendo cura clfnica. 2. AS DROGAS ANTIMALÁRICAS


São, principalmente, a quinina, a quinacrina, e as
4-aminoquinole(nas (particularmente estas últi- 2.1. AS CLASSES OUIMICAS:
mas).1
1.2.4. Os esquizonticidas tissulares secundá- 2.1.1. Os alcalóides da Cinchona
rios, que agem sobre as formas hepáticas do ciclo A quinina é o principal alcalóide da cascadas
exo-eritrocitário (ciclo hepático residual), promo- quinas (Cinchona)6. É, também, o mais antigo dos
vendo cura radical. São também conhecidos como antimaláricos.12
drogas anti-recidivantes. São as8-aminoquinoleínas Há outros: a quinidina (antimalárico mais po-
(primaquina), exclusivamente.1 tente ainda)9, a cinchonina, a cinchonidina.
1.2.5. Os gametocitocidas, que agem sobre as A quinina existia, no Brasil, com os nomes
formas eritrocíticas sexuadas: os gametócitos. São comerciais de Paludan (LPB), Plasmoveran (L TB),
as 8-aminoquinoleínas.1 Ouinoforme (Lacroix), Ouinko (Abbott) etc., ho-
1.2.6. Os esporonticidas: drogas que, ingeri- je retirados do mercado. Dessemodo só vamos en-
das com o sangue do paciente, vão agir sobre os contrá-la, em nossos dias, como produto oficinal
gametas, já no mosquito, impedindo a esporogonia. de pequenos laboratórios, sob a forma çje biclori-
Ou podem ter ação oocistocida. São os antifólicos drato ou de formiato (esta mais rara), i njetável , em
e as 8-aminoquinoleínas.1 ,9 ampolas de 250 mg a 1 g (mais freqüentemente
500 mg).
1.3. OUTROS CONCEITOS DE IMPORTÂN- Altamente ativo esquizonticida sangüíneo,
CIA. pode produzir cura radical da malária falciparum.
Tem também ação gametocitocida contra P. vivax,
1.3.1. Plasmodicidas e plasmodiostáticos. P. malariae e P. ovale, mas não contra P. falcipa-
As drogas plasmodicidas matam, rapidamente, rum. Não age sobre as formas exo-eritrocíticas, de
os parasitos, em qualquer fase do ciclo assexuado modo que não pode prevenir as recidivas nas infcc-
no sangue. São elas: a cloroquina, a quinacrina, a ções por P. vivax, malariae e ovale.12 (TABELA I)
quinina, e afins.9 Administrada por via oral tem o inconvenien-
Os plasmodiostáticos apenas interrompem o te de um fortíssimo sabor amargo, obstáculo sério
desenvolvimento dos parasitos. Os profiláticos cau- à sua utilização, principalmente em pediatria.6
sais, por exemplo, tais como o proguanil e a piri- Por via intramuscular pode produzir extenso
metamina, somente bloqueiam a divisão citoplas- dano tissular, com formação de nódulos, abcessos,
mática durante a esquizogonia das formas tissula- e até necrose.6
res dos parasitos, deixando a responsabilidade da Por via endovenosa, as soluções concentradas
remoção dessas formas por conta da imunidade são esclerosantes6, e freqüentemente provocam
(natural ou adquirida) do hospedeiro. A lenta ação violentas convulsões9. A via parenteral é, entretan-
(parasitostática) dessasdrogas sobre as formas eri- to, útil, nos casos de malária cerebral e coma por
trocíticas não recomenda seu emprego nos ataques severa infecção pelo P. falciparum, devendo a dro-
cl ínicos patentes de malária.9 ga ser ministrada lentamente, em soluções endove-
nosas.6
1.3.2. Recidivas: recrudescência e recorrência T .d A ... tem SId o chamada de
OXI ez -quInina
Recidiva é o reaparecimento dos sintomas clí- "veneno protoplásmico geral". Causa enorme va-
nicos e/ou da parasitemia, num caso de malária, riedade de efeitos tóxicos conhecidos em conjunto
após um intervalo de tempo superior à periodicida- como "cinchonismo". A tolerância individual varia
de normal dos acessos.7 As recidivas podem ser muito. Alguns apresentam sérios distúrbios visuais
classificadas em recrudescênciase recorrências. e auditivos, dor de cabeça, náuseas,vômito, tremo-
Recrudescência é o reaparecimento dos sinto- res, mal-estar abdominal, e diarréia. Erupção erite-
mas a curto prazo (menos de 8 semanas),provavel- mato-pruriginosa e outros sintomas dermatológicos
mente por sobrevivência de formas eritroc(ticas.7, 1 podem ocorrer. O cinchonismo usualmente desapa-
Recorrência é o reaparecimento a longo prazo roce com a suspensãoda terapêutica, mas perturba-
das manifestações cl ínicas, provavelmente por uma ções visuais e auditivas permanentes já foram rela-
nova invasão dos eritrócitos às custas de parasitos tadas. Altas doses de quinina deprimem o miocár-
de origem exo-eritrocítica! dio. A quinina já foi implicada também como um

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Bases Parasitol6gicas e Farmacol6gicas da Terapêutica da Malária.

fator contribuinte da febre hemoglobinúrica, uma malária, qualquer que seja a espéciedo parasito. A
severa condição caracterizada por episódios de he- hidroxicloroquina é a menos tóxica das 4-amino-
mólise abrupta e maciça.9 quinoleinas, mas não tem o mesmo valor como an-
Os sinais de intoxicação ou intolerância pela timalárico supressivo, sendo mais usada no trata-
quinina são representados principalmente por zum- mento da artrite reumatóide.9
bidos, surdez, náuseas, tonturas, perturbações vi- Todas as 4-aminoquinoleinas de uso cl(nico
suais e hemoglobinúria.6 apresentam notável atividade (rápida e enérgica)
contra as formas eritroc(ticas assexuadasde todas
2.1.2. As acridinas, ou acrid{nicos as espéciesde plasmódios humanos. Não têm ação
Entre as drogas desta classe, vamos encontrar sobre as formas exo-eritrociticas. Embora gameto-
a quinacrina (ou mepacrina: Atebrina, Metoquinal, citocidas nas infecções por vivax, malariae e ovale,
a acriquina, a aminoacriquina, a azacrina, etc. não agem sobre os gametócitos de falciparum.9
A quinacrina foi a que conseguiu maior aplica- (TABELA I)
A cloroquina e a amodiaquina não são utiliza-
ção cl(nica em quimioterapia antimalárica. Foi lar-
gamente empregada nas tropas de todas as naciona- das, portanto, como profiláticos ou anti-recidivan-
I idades durante a 2~ guerra mundial.9 tes, mas como supressivos (esquizonticidas sangüí-
neos), no que se constituem as drogas de escolha,
A quinacrina, e os derivados acrid(nicos a ela
tanto nos ataques clinicos agudos, como na pre-
relacionados, apresentam uma considerável ativida-
venção dos sintomas.9
de contra as formas eritroc(ticas assexuadasdos
plasmódios humanos (TABELA lI. Não agem so- As 4-aminoquinoleinas controlam, rapidamen-
bre as formas pré e exo-eritroc(ticas, nem sobre os te, os episódios agudos de malária, promovend'o
gametócitos. São utilizados, portanto, como medi- somente a cura clinica (cura radical de P. falcipa-
camentos supressivos, não como profiláticos cau- rum, salvo nos casos de resistência à droga). Por
sais ou como agentes de cura radical. Nesseponto isso, quando necessáriaa cura radical nas infecções
lembram a cloroquina e a quinina. A quinacrina é que fazem ciclo exo-eritrocitário, como na malária
vivax e na quartã, a cloroquina deverá ser adm inis-
menos tóxica e mais ativa que a quinina, porém
mais tóxica e menos ativa que a cloroquina. A qui- trada com uma 8-aminoquinole(na (primaquina).9
nacrina é capaz de promover cura cl (nica em todos Toxidez -A toxidez das 4-aminoquinoleínas
os tipos de malária. Atua inibindo a s(ntese dos é muito baixa. Têm sido registrados sintomas
plasmódios e a utilização de ácidos nucleicos.9 como dor de cabeça (discreta e transitória), distúr-
bios visuais, desarranjo gastrointestinal, e prurido,
Sendo um corante acrid(nico, a quinacrina é
sintomas que desaparecem,rapidamente, com a re-
capaz de promover pigmentação amarelada da pele
tirada da droga. Não são capazes de provocar os
e da esclerótica, transitória e fisiologicamente ino-
efeitos cutâneos desagradáveisassociados à tera-
fensiva, mas que persiste algum tempo ainda, mes-
pêutica com a quinacrina, e podem ser dados im-
mo depois da retirada da droga9. Esseinconvenien-
punemente a crianças e gestantes,para as quais a
te fez ca(rem em desuso as drogas desta classe.
quinina, a quinacrina e a primaquina representam
Toxidez -Traduz-se por manifestações cutâ-
sempre um sério risco.9
neas, gastrointestinais e neurológicas: mal-estar ab-
Um impórtante efeito colateral da cloroquina
dominal, diarréia, vômito, cefaléia, psicose tóxica
e seus congêneres é a depressão da tunção card ia-
(revers(vell, são comuns no decurso do tratamen-
ca, particularmente do ritmo e da contratilidade.9
to, porém regridem prontamente. As lesões cutâ-
A cloroquina mostra, também, uma n(tida
neas é que podem não responder a tratamento, e
até persistir por muitos meses após a retirada da predileção pelos olhos, de modo que altas doses
podem levar a concentrações danosas para a reti-
droga.9
na.9
2.1.3. As 4-aminoquinolefnas 2.1.4. As 8-aminoquinoleínas
São: a cloroquina (Aralen, Winthrop), a amo- O desenvolvimento dos antimaláricos sintéti-
diaquina (Camoquin, Parke-Davis, já retirada), a hi- cos foi iniciado pelos alemães,por força do contro-
droxicloroquina (Plaquinol, Winthrop), e outras. le exercido pelo inimigo sobre o fornecimento da
A cloroquina e a amodiaquina são asdrogas de quinina na 1~ guerra mundial.9
escolha nesta classe. São os agentes recomendados Partindo do conhecimento da ação inibidora
para o tratamento dos ataques cl ínicos patentes de do azul de metileno sobre o crescimento dos plas-

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módios, um certo número de tiazinas a ele relacio- Nos pa(ses com programas de erradicação de
nadas foi sintetizado. O primeiro antimalárico de malária já em fase adiantada, o tratamento radical
síntese usado em medicina foi a pamaquina (= Plas- é usado na última fase de ataque, na fase de conso-
moquina), uma 8-aminoquinoleína. Depois vieram lidação ou na de manutenção. Em tais pa(ses a pri-
outros: a rhodoquina, a pentaquina, a isopentaqui- maquina tem sido empregada contra todas as in-
na, a quinocida, e finalmente a primaquina, a me- fecções humanas, independentemente da espécie
nos tóxica desse grupo, daí ser o composto mais de plasmódio, com o objetivo de uniformidade
empregado.9 operacional. Aquela dose única de 45 mg de prima-
As 8-aminoquinoleínas constituem a classe quina é capaz de exercer efeito esporonticida mes-
qu ímica de antimaláricos mais eficaz contra as for- mo sobre cepas de falciparum altamente resistentes
mas tissulares dos plasmódios humanos, sendo, às 4-aminoquinole(nas.9
portanto, indispensável o seu uso quando se deseja Toxidez -Os efeitos colaterais da primaqui-
promover a cura radical das infecções determina- na, mais comumente observados, são: dor abdomi-
das pelo vivax, pelo malariae e oval e, que desenvol- nal, diarréia e metahemoglobinemia. Pode haver
vem ciclo hepático residual. Sua ação se faz sobre hemólise intra-vascular aguda, embora esse trans-
o ciclo pré-eritrocitário de falciparum e sobre os torno seja uma ocorrência rara nas doses terapêuti-
ciclos pré e exo-eritrocitários dos demais plasmó- cas, e branda e de fácil prevenção. A hemólise de-
dios humanos (TABELA I), o que Ihes garante um corre de uma deficiência enzimática, de caráter ge-
bom lugar em malarioterapia, a despeito de sua to- nético, muito comum em certas populações, sobre-
xidez e da existência de drogas mais efetivas para a tudo do Mediterrâneo (enzima: glico-6-fosfato-de-
supressãoe a profilaxia.9 hidrogenase).9
Na verdade elas não têm ação satisfatória so- As acridinas potencializam essesefeitos tóxi-
bre os ataques agudos de malária, não são eficien- cos. Enquanto as 4-aminoquinoleínas têm sido lar-
tes esquizonticidas sangüíneos, salvo quando usa- gamente empregadas simultaneamente com a pri-
das em doses elevadas,prejudiciais ao paciente.9 maquina, sem maiores problemas, a quinacrina,
A primaquina é, ainda hoje, a droga de escolha com sua pronunciada afinidade pelo f(gado, pelo
para o tratamento radical da malária vivax e outras baço e pelos leucócitos, e persistindo no organismo
malárias recidivantes.9 por algumas semanas ainda após suspensa a medi-
Além desta sua atividade contra as formas tis- cação, inibe a degradação metabólica e a excreção
sujares dos plasmódios, a primaquina e suascongê- da primaquina, nunca devendo ser empregada con-
neres são notavelmente efetivas como gametocito- comitantemente com ela. O acrid(nico impede,jus-
cidas e esporonticidas (TABE LA I). Uma única do- tamente,a excreção e degradação dos metabólitos
se de primaquina é suficiente para eliminar quais- oxidantes responsáveis pelos efeitos hemol (ticos
quer gametócitos existentes (de qualquer espé- das 8-aminoquinole(nas.9
cie) 12. Este efeito, de longa du ração, sobre as for-
mas sexuadas dos parasitos da malária humana, 2.1.5. As biguanidas Serão consideradas
particularmente do P. falciparum, leva a uma efeti- em conjunto, sob a
va supressão da gametocitemia em 3 a 4 dias, com denominação de
essaúnica dose (45 mg de primaquina base).9 INIBIDORES DA
~, assim,crescente a importância da primaqui- 2.1.6. As pirimidinas DIHIDROFOLA-
na em Saúde Pública, no sentido da eliminação de TOREDUTASE
cepas de falciparum resistentes à cloroquina, visto (DHFR), também
que, esterilizando os gametócitos, interrompe-se o conhecidos como
ciclo de transmissão necessário à manutenção e 2.1.7. As diidrotriazinas "antagonistas do
multiplic~ão dessasmutantes resistentes.9 ácido fólico", ou
Ainda do ponto-de-vista da Saúde Pública, há ainda, "antifóli-
os que entendem que o tratamento radical com a cos", ou "antifola-
primaquina não é indicado se a reinfecção do paci- tos".12,1
ente for uma ocorrência provável, uma vez termi-
nada a série do medicamento, tal como nas áreas Estas expressô'es referem-se aos compostos
rurais de cont(nua e intensa transmissa'o. Reco- que, reconhecida ou presumivelmente, influenciam
mendam o tratamento radical em áreas hipoendê- essa enzima dos plasmódios: a diidrofolatoreduta-
micas, ou em áreas urbanas.9 se, ou redutase do ácido diidrofólico, enzima que

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Bases Parasitol6gicas e Farmacol6gicas da Terapêutica da Malária.

i ntervém na biossíntese do ácido foi ínico no para- Os antifólicos são normalmente utilizados na
sito.11 terapêutica antimalárica em associaçãocom outras
Este grupo de compostos inclui, portanto, drogas. Mas,como profiláticos, são freqüentemente
como vimos acima: as biguanidas (proguanil = clor- aplicados isoladamente, em Ix>ra seu efeito seja re-
guanida: Paludrine "I CI ", Cloridrato de Clorgua- duzido ou nulo em presençade amostras resistentes
nida "Squibb"), as pirimidinas (pirimetamina: Da- de parasitos.12
raprim "l,Vellcome"; e o trimetoprim) e as diidro- A maior parte das cepas cloroquino-resistentes
triazinas (cicloguanil: Camolar "Parke-Davis") .12 de P. falciparum são também resistentes à pirime-
A estreita relaçá"oestrutural entre eles reflete- tam ina. Nestescasos ela é ineficaz como esporonti-
se em seu modo de ação e espectro antimalárico. cida, devendo a prevenção da transmissão ser con-
Em contraste com o grupo quinolina-acridina, que fiada à primaquina (dose única).12
inibe a síntese e a utilizaçâ"o dos ácidos nucleicos A pirimetamina está se tornando cada vez
nos plasmódios numa fase relativamente tardia, mais importante em associaçõesterapêuticas anti-
estas drogas inibem a síntese dos folatos pelo para- maláricas em que as drogas agem seqüencialmente
sito, um processo mais anterior, mais precoce, na sobre diferentes estágios da síntese dos tetrahidro-
síntese plasmodial dos ácidos nucleicos.9 folatos nos plasmódios, potencializando-se uma à
O proguanil e a pirimetamina s[o as drogas de outra quando administradas concomitantemente.9
uso clínico mais representativas das duas primeiras A pirimetamina torna, também, os gametóci-
classes; mas há ainda duas outras biguanidas tam- tos de falciparum não infectantes para os mosqui-
bém empregadas na clínica: a bromoguanida e a tos, dada a sua pronunciada ação esporonticida,
clorproguanila; e há uma outra pirimidina, o trime- efeito que pode perdurar por várias semanas.Amos-
toprim. O cicloguanil (Camolar) é uma diidrotria- tras cloroquino-resistentes de falciparum, entretan-
zina, e se constitui o próprio metabólito biologica- to, mostram crescente tendência a resistir aos efei-
mente ativo do proguanil.9 tos esporonticidas da pirimetamina, quando então
O proguanil e a pirimetamina exibem, qualita- só a primaquina, com sua ação gametocitocida, po-
tivamente, efeitos semelhantes contra diferentes derá prevenir a multiplicação dessasmutantes.9
estágios do ciclo dos parasitos da malária humana, O proguanil e a pirimetamina podem ser ad-
mas diferem, nitidamente, na duraçâ".°da açâ"o,e ministrados junto com uma 4-aminoquinoleína, de
em certas outras propriedades. Ambas as drogas modo a promover melhor ação profilático-supressi-
sâ"obem efetivas na supressâ"odas formas eritroc(- va. Um esquizonticida sangüíneo de ação rápida,
ticas assexuadasde todos os plasmódios humanos, como a cloroqu ina, poderá sempre ser dado quan-
mas sua ação é lenta demais para serem utilizadas do qualquer dos 2 antifólicos for usado no trata-
no tratamento dos acessosagudos (TABELA I). mento do acessoagudo.9
Têm, também, propriedades profiláticas causais O proguanil e a pirimetamina são mais parasi-
contra cepas de P. falciparum suscetíveis, e alguns tostáticos que parasiticidas, o que favorece a emer-
efeitos contra esquizontes tissulares de vivax. Têm, gência e seleçãode mutantes resistentes. Por isso, o
ainda, uma pronunciada açâ"oesporonticida, e ape- proguanil decaiu muito em importância, a ponto
sar da ausência de efeitos contra os gametócitos, de ter sido retirado do mercado em vários pa(ses,
são, desse modo, capazes de efetivamente prevenir inclusive no Brasil, pela facilidade com que se lhe
a transmissâ"opelos mosquitos (açâ"ooocistocida).9 oferecia a resistência, no campo, por parte dos pa-
rasitos.9
As principais indicações do proguanil e da piri-
Os antifólicos na'o confirmaram a impressa'o
metamina são como agentessupressivose profiláti-
in icial de antimaláricos perfeitos, mas permanecem
cos causais, e terminam por serem asdrogas de es-
úteis como profiláticos, a serem usadoscom caute-
colha para este último fim (profilaxia), em pacien-
la, e preferentemente em associação com outras
tes não imunes, desde que tomadas regularmente.9
drogas de diferentes modos de ação.9
O proguanil é eliminado do organismo muito T oxidez -A biguanida é a mais inócua dessas
mais rapidamente que a pirimetamina, mas o seu drogas. Praticamente não causa efeitos desagradá-
esquema recomendado, de 100 mg diários, oferece veis, nas doses terapêuticas. Só as dosesexcessivas
maior margem de segurança em profilaxia, dada a podem desencadear vômitos, diarréia e dor abdo-
regularidade das tomadas, que aquela proporciona- minal.9
da pelo esquema semanalde 25-50 mg de pirimeta- A pirimetamina é mais tóxica, possivelmente
mina.9 por causade sua maior potência como inibidora do

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Revista da FSESP -Vai. XXVI/NC? 1/81

metabolismo dos foi atos, podendo levar à anemia cltJindo reaçõesalérgicas e complicações hematoló-
macroc(tica, com manifestaçô'es de deficiência de gicas.12
ácido fólico. Essesefeitos são particularmente ob- A sulfadoxina ( = sulformetoxina = sulfordi-
servados em pessoasde precário estado nutricional, metoxina = sulfortomidina: Fanasulf): rapidamen-
mas são prontamente revers(veis pela retirada do te absorvida pelo trato gastrointestinal, tem uma
medicamento ou pela administração de ácido folí- extraordinariamente longa vida-média de 100 a
nic09 (por ex.: Leucovorin Cálcico injetável, Le- 200 horas no plasma humano. Alcança o pico de
derle). nível plasmático em 4 horas, e sua lenta excreção
Altas doses de pirimetamina e trimetoprim de somente 8 por cento nas primeiras 24 horas
devem ser administradas com muita cautela, dado proporciona níveis terapêuticos efetivos que se
o risco de depleção da função hematopoiética da mantêm por todo o intervalo de uma semana.9
medula óssea. Essasalterações hematológicas po- Está perfeitamente estabelecido que a sulfado-
dem ser, igualmente, prevenidas pela administração xina, embora relativamente ineficaz contra o P. vi-
concomitante de ácido folínico, que não interfere vax, é um bom agente supressivo contra o P. falci-
no efeito antimalárico das drogas.12 parum. Doses semanais de 250 mg a 1 g são efeti-
O cicloguanil (Camolar) era empregado sob a vas contra cepas sensíveis e pirimetamino ou cloro-
forma injetável, por via intramuscular, como droga qui no-resistentes, mas o seu real valor está no si-
de depósito, ou seja, de ação prolongada. Uma úni- nergismo de suas combinações com drogas como a
ca injeção protegia o indiv(duo por 4 a 6 meses pirimetamina.9
contra os parasitos suscet(veis ao proguanil. Mas as A sulfadoxina é inseticida para os mosquitos
dificuldades de aplicação da droga, reações de dor quando ingerida com o sangue. Na verdade ela pa-
local no s(tio da injeção, o risco de infecção bacte- rece ter um triplo modo de açá"o,agindo contra os
riana (até o ponto de levar à formação de abcessos), gametócitos no sangue,os oocistos no mosquito, e
e a falta de proteção contra os parasitos já resisten- contra o próprio inseto vetor.9
tes ao prog.Janil e à pirimetamina, levaram à retira- A sulfadimetoxina (Madribon): menos efetiva
da da droga do mercado.12 como agente supressivo, não deve ser usada isola-
damente na malária humana, embora possa ter al-
2.1.8. As sulfamidas (sulfas, ou sulfonamidas)
gum valor como um dos componentes de uma
Das sulfamidas de longa duração introduzidas com binação sinérgica de drogas. Não tem ação in-
desde 1958 e que mostraram possuir marcada ativi- seticida contra o mosquito.9
dade antimalárica, 4 compostos têm sido testados A sulfametoxipiridazina (Midikel) é ainda me-
contra a malária humana, inclusive contra infec- nos efetiva que a sulfadimetoxina.9
çô'es por cepas cloroquino-resistentes de falcipa- A sulfalene (= sulfametoxipirazina = sulfapi-
rum.12 São eles:
razinometoxina: Kelfizina): é a sulfonamida que
-a sulfametoxipiridazina (Lederkyn, Leder- tem merecido maior atenção nos últimos anos.
le; Midikel, Parke-Davis; Lentosulfina, De T em uma vida-média relativamente curta no plas-
Angeli); ma humano (65 horas), secomparada à da sulfado-
-a sulfadimetoxina (Madribon, Rache); xina (100 -200 hs.), mas liga-semuito menos a
-a sulfadoxina, ou sulformetoxina (Fanasulf, proteínas que outras sulfonamidas de longa dura-
Roche) (de ação ultraprolongada); ção.9
-e a sulfalene, ou sulfametoxipirazina (Kel- ~ um bom agente esquizonticida e supressivo
fizina, Farmitalia). na malária falciparum cloroquino-resistente, em
Apesar do efeito esquizonticida das duas pri- doses semanais,por via oral.9
meiras, há evidência de que sejam inferiores às O curioso na ação da sulfalene é sua relativa
duas últimas. A sulfadoxina, e mais recentemente a ineficácia contra amostras de P. falciparum sensí-
sulfalene, têm sido largamente testadas para trata- veis à cloroquina e à pirimetamina, sendo, entre-
mento e supressão da malária. A primeira tem sido tanto, capaz de curar quase 100% de casosde ma-
estudada principalmente em combinação com ini- lária multi-resistente, com uma dose única, oral, de
bidores d~ DHFR.12 1 g (doses de até 2,5 g curam menos de 50% dos
Em geral, a administração prolongada de sul- casos de infecções por falciparum "normal ").9
fonamida por 1 ou 2 anos tem sido bem tolerada, Acredita-se que os parasitos resistentes alteram o
mas ocasionais efeitos colaterais têm acorrido, in- seu metabolismo de modo a que necessitemsinteti-

48
BasesParasitológicase Farmacológicasda Terapêutica da Malária.

lar o seu próprio ácido fólico; e a sulfalene, sendo mas não age sobre os gametócitos ou os oocistos, e
um inibidor da ácido-fólico-sintetase, bloquearia é melhor quando dada junto com a cloroquina e a
efetivamente essepasso; não é, entretanto, tão efi- pirimetamina, do que isoladamente. É de uso limi-
ciente contra asamostras sensíveis,cujo metabolis- tado no acessoagudo da malária falciparum. Doses
mo não é tão vulnerável a essenível.9 de 400 a 2000 mg são lentas contra as formas asse-
Toxidez -As sulfas de ação prolongada figu- xuadas, levando com freq üência, à recrudescên-
ram entre os agentes da chamada síndrome de Ste- cia.9
vens-Johnson, um eritema multiforme exsudativo
2.1.10. As tetraciclinas
da pele e das mucosas,de erupçá'osúbita e intensa,
e distribuição simétrica, particularmente pelas su- A atividade antimalárica de alguns antibióticos
perfícies de extensão dos membros, fronte, pesco- já é reconhecida há mais de 25 anos, mas seus efei-
ço e lábios. As mucosas terminam, igualmente, por tos sá"omuito mais lentos, comparados aos dos an-
serem envolvidas. A mortalidade é de aproximada- timaláricos tradicionais como a cloroquina, pelo
mente 10% dos casos na fase aguda; e a conjuntivi- que o tratamento com antibióticos não apresenta-
te, em crianças, pode levar a lesô'esde córnea, com va qualquer vantagem sobre outros esquemastera-
cegueira parcial ou total.' pêuticos. Entretanto, como poucas são as drogas
dispon(veis, hoje, para o tratamento da malária
2.1.9. As sulfonas. cloroquino-resistente, o valor antimalárico das te-
traciclinas voltou, recentemente, a ser considera-
Das sulfonas, a dapsona é a que tem sido mais
do.12
largamente testada no tratamento dos acessosagu-
Na prática cl (nica tem-se observado que a fe-
dos de malária, particularmente em conjunto com
bre e a parasitemia baixam lentamente, de modo
inibidores da DHFR. Ela age contra as formas as-
sexuadas de P. falciparum e P. malariae, mas não que as tetraciclinas nunca deverão ser administra-
das isoladamente nos acessos agudos, mas sempre
tem ação contra o P. vivax.12
acompanhadas de um esquizonticida sangü(neo de
A dapsona tem mostrado considerável ativida-
ação rápida (quinina, amodiaquina)12. É fato co-
de contra os trofozoítos de P. falciparum, quer
nhecido que os melhores antibióticos de efeito an-
cloroquino-resistente, ou não. Sua ação é, porém,
timalárico só sá"oativos em altas doses e, ainda as-
mais lenta que a da cloroquina.9
sim, a resposta é muito lenta.9
I nteressante é que ela é eficaz contra infecções
Além da própria tetraciclina, há dois de seus
múltiplas, por P. falciparum, P. maariae e P. vivax,
derivados comumente empregados: a doxicilina
mas não nas determinadas exclusivamente pelo vi-
(Vibramicina, Pfizer) e a minociclina (Minomax,
vax, nas doses terapêuticas usuais.9
Le'derle) .12 Mostram-se promissores como agentes
Não é um profilático causal, mas antes, um coadjuvantes para o tratamento radica! de infec-
supressivo.9 çô'es por falciparum resistente à cloroquina. Não
Toxidez -Longos cursos de dapsona, de mais agem sobre os gametócitos.9
de 3 meses, podem levar a severa agranulocitose, Ação profilática: a tetraciclina mostrou marca-
com cerca de 50% de óbitos. ~ capaz de produzir,
da atividade contra esquizontes tissulares primários
também, hemólise severa em indivíduos suscetí-
de amostras de falciparum cloroquino-resistentes
veis.9 do Vietnã e do Camboja (profilaxia causal) .12
Alguns derivados da dapsona têm merecido
O uso das tetraciclinas para o tratamento ou
atenção nos últimos anos: profilaxia da malária é, entretanto, claramente li-
A sulfamoil-diamino-difenil-sulfona (SDDS), mitado pelo risco de indução concomitante à resis-
aparentemente muito menos tóxica que a dapsona,
tência bacteriana ,12
mostra boa atividade contra a malária experimen-
tal em animais, mas não foi ainda testada no ho-
2.1 .11. As amidinouréias
mem.9
A di-formamido-difenil-sulfona (DFDDS) tem A nitroguanila pertence à série das amidinou-
igual ativi.dade que a dapsona na malária humana, e réias sintetizadas na Polônia e introduzidas na tera-
mais prolongada que aquela quando administrada pêutica como substitutos da proguanila. Parece
por via oral a indivíduos não imunes com falcipa- menos potente e bem menos tóxica que a progua-
rum resistente à cloroquina ou à pirimetamina. A nila. Sua dose supressiva efetiva deve ser 3 vezes
droga é um profilático útil em tomadas semanais, superior à daquela.9

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Revista da FSESP -Vai. XXVI/N'? 1/81

Não representa maior interesse. go simultâneo ou subseqüente da cloroquina + pri-


maquina; da amodiaquina + tetraciclina; da quini-
2 .'1 12 .na
Os qulnollnometanols + tetraclcllna;
.. e tantos outros esquemas.
Antimaláricos de síntese, de estrutura química E há aquelas que objetivam a potencialização
muito próxima à da quinina.11 da ação das drogas associadas:sulfadoxina + piri-
~ a esta classeque pertence a mefloquina, últi- metamina (Fansidar, Roche);sulfamatoxazol + tri-
ma grande esperançacontra o P. falciparum multi- metoprim (Bactrim, Roche; Espectrim, Wellcome);
resistente, o melhor dentre cerca de trezentos mil trimetoprim + sulfalene, esta, uma associaçãomui-
compostos qu ímicos testados como antimaláricos to recomendada por PIN DE R9.
pelo Walter Reed Army Institute of Research, à A potencialização resulta, em tais associações,
época da guerra do Vietnã. do bloqueio enzimático realizado em dois passos
Agente supressivo bastante efetivo, de longa subseqüentes da biossíntese do ácido foi ínico no
duração de ação11, e sem a desvantagemda foto- parasito.
toxicidade atribuída a outros compostos da clas- Uma associaçãorecomendada com muita ênfa-
se11, a mefloquina oferece ainda a vantagem da se por Hall et al.4,3 e DOBERSTYN et al.2 é a da
administração oral em dose única, praticamente quinina com o Fansidar, que produziria "os me-
isenta de efeitos colaterais mais importantes, o que Ihores resultados terapêuticos correntemente obti-
a recomenda, mais que a qualquer outro antimalá- dos com drogas comercialmente disponíveis".4 ,2
rico, para utilização em saúde pública.
Já foi usada com muito bons resultados no 2.3. DROGAS DISPONIVEIS NO MERCADO
Vietnã e na Tailândia2, e agora está sendo objeto NACIONAL.
de estudos experimentais na Amazônia (Brasil),
antes de sua liberação para uso no país. Seu empre- Quinino (São Lucas, etc.)
go, aqui, deverá, entretanto, obedecer a controle Aralen (Winthrop)
estatal (SUCAM), tal como no caso da primaquina. Daraprim (Wellcome)
Não age sobre as formas hepáticas. Fanasulf (Roche)
Os efeitos colaterais mais comumente obser- Tetraciclina (CEME)
vados sa'o discretos e transitórios: cefaléia, tonteira Minomax (Lederle)
.2 11 ' '-"'. d.
e nauseas' ; as vezes, tam...,m, vomltos e lar- Vibramicina (Pfizer)
..2 .Fansidar
reja (Roche)
Bactrim (Roche)
2.2. ASSOCIAÇ<1ES DE DROGAS. Espectrim (Wellcome)
(No Brasil há, ainda, a Primaquina, de uso ex-
Há associações de drogas que visam simples- clusivo da SUGAM, portanto na'o disponível à
mente a soma de efeitos, como é o caso do empre- venda).

50
Bases Parasitol6gicas e Farmacol6gicas da Terapêutica da Malária.

TABELA I

AS DROGAS ANTIMALARICAS. POR CLASSES QUIMICAS. SEU GRAU DE EFICI~NCIA


CONTRA AS DIVERSAS FASES DO CICLO DE CADA PARASITO, E GRAU DE TOXIDEZ.

cn cn
.~ ERITROCITICAS ~õ
~,;:: Z '3
D RO G A S ~ g ASSEXUADAS GAMETOCITOS S ~ T O X I DEZ
UJa: ~E
f~ F V M F V M 2~
w ~
1) AlCAlÓIDES DA CINCHONA:
QUININA etc. -+ + + -+ + -+ ++

2) ACRIDINICOS:
ATEBRINA, METOQUINA -+ + + -+ + -+ +

3) 4-AMINOQUINOlEíNAS:
ARALEN, CAMOQUIN etc. -+ + + -+ + -+

4) 8-AMINOQUINOlEI'NAS:
PRIMAQUINA etc. + +exo ---+ + + +d + +

5) BIGUANIDINAS:
PROGUANI L, CLORGUANIDA etc. +pré +l +1 +1 ---+ -

6) PIRIMIDINAS:
DARAPRIM, TRIMETOPRIM +pré +l +l +l ---+ +
,
7) DIIDROTRIAZINAS:
CAMOLAR +pré +l +1 +l ---+ -

8) SUlFAMIDAS: ,
FANASULF +pré + -] + + + + +
KELFIZINA +pré +. +

9) SUlFONAS:
DAPSONA -+ -+ + +
DFDDS
10) TETRACIClINAS: -+ -+

-rETRACICLINA, MINOMAX,
VIBRAMICINA +pré + + + -? ?? +

11) AMIDINOUR~IAS:
NITROGUANILA ? + + + ---? -

12) QUINOllNOMET ANÓIS:


MEF LOQUINA -+ + + ? ? ?? -

exo -Aç.ã"o principalmente sobre o ciclo exo-eritrocitário, embora também ajam sobre o pré.
d -Já destru ídos os gametócitos.
pr6 -Açá'o reconhecida apenas sobre as formas pré-eritrocíticas.
L -Açá'o muito lenta.
.-Açá'o particularmente eficiente contra P. falciparum multi-resistente.

51
Revista da FSESP -Vai. XXVI/N<? 1/81

AGRADECIMENTOS 5 -KOROLKOVAS, A. -Mecanismo de ação


dos antimaláricos. Rev. bras. Clin. Terap., S.
Ao mestre amigo Prot. leônidas de Mello
Paulo, 4 (5): 183-186,1975.
Deane, quem primeiro me motivou para o estudo
6 -MILLER, O. et ai. -Ouimioterapia antima-
destetema.
lárica. In: -Terapêutica. 9 ed. Rio de Janei-
Aos amigos Drs. José Maria de Souza e Rubens
ro, Atheneu, 1971. p. 300-307.
da Silveira Britto, pelas críticas e sugestõesmuito
7 -ORGANIZACION MUNDIAL DE LA SA-
oportunas.
LUD -Terminologia dei paludismo y de Ia
erradicación dei paludismo. Genebra, O.M.S.,
1964.p.122.
8 -PETERS, W. -Chemotherapy and drug re-
sistance in malaria. Ipswich, Academic Press,
REFERE.NCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1970. 876 p.
9 -PINDER, R.M. -Malaria; the design, use,
1 -CAMPANHA DE ERRADICAÇÃO DA
and mode of action of chemotherapeutic
MA LÁ.R IA -Manual de terapêutica da ma-
lária. (Rio de Janeiro), 1968. 53p. agents. Dorchester, Scientechnica, Dorset,
1973.316 p.
2 -DOBERSTYN, E. B. et ai. -Single-dose the-
10 -STECK, E. A. -Chemotherapy of malaria.
rapy of falciparum malaria with mefloquine
In: -.The chemotherapy of protozoan dis-
or pyrimethamine-sulfadoxine. Buli. Wld
eases.(Washington). Walter Reed Army I nsti-
Hlth Org., 57 (2): 275-279,1979.
tute of Research, (1971). Vol. 3, Capo23.
3 -HALL, A. P. et ai. -Falciparum malaria
cured by quinine followed by sulfadoxine-
376p.
11 -TRENHOLME, G. M. et ai. -Mefloquine
pyrimethamine. Br. medo Buli. 2: 15-17, Apr.
(WR 142,490) in the treatment of human
1975
4 -HALL, A. P. et ai. -Sequential treatment malaria. Science, 190: 792-794, Nov. 1975.
with quinine and mefloquine or quinine and 12 -WORLD HEALTH ORGANIZATION -
pyrimethamine-sulfadoxine for falciparum Chemotherapy of malaria and resistance to
mala ria. Br. medo Buli. 1: 1626-1628, June antimalarials. 'v'VldHlth Org. techn. Rep. Ser.,
1977. N<?529, 1973.121 p.

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