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Materiais e Tecnologias de Fabrico

Fratura

41429
2022/2023
A fratura dos materiais
Estruturas adequadamente projetadas para evitar deflexão elástica excessiva e
deformação plástica, podem colapsar de uma maneira catastrófica (súbita).
Fratura
• comum, em todos
estes casos, é a
presença de fissuras
(defeitos).
• a propagação, à
velocidade do som
no material, de
fissuras existentes
que subitamente se
tornam instáveis
causa a fratura
catastrófica ou
fratura frágil.
Resistência à fratura
i) A resistência ao impacto dos materiais frágeis é muito baixa.
ii) A resistência à fratura do vidro é geralmente muito menor que a
resistência teórica steor=(Eg/ao)1/2, sendo E o módulo de Young, g
a energia de superfície e ao a distância interatómica.
iii) A resistência dos materiais frágeis à tração ou flexão é,
geralmente, muito menor do que a resistência à compressão.
iv) A fratura inicia-se frequentemente em fissuras/riscos ou outros
defeitos.
v) Quanto mais profundo for o risco (ou entalhe) mais baixa será a
resistência à fratura.

Conclusão:
A resistência à fratura é determinada pela existência
de entalhes ou defeitos, ainda que estes sejam
microscópicos!
Fratura dúctil e frágil

Dúctil: avisa Frágil: parte


antes de partir sem aviso
A fratura dúctil é desejável
Fratura moderadamente dúctil
Nucleação Crescimento e
de vazios ligação de vazios

Estrição

Propagação Fratura
à superfície
Propagação de fratura
• Intergranular • Intragranular
(entre grãos) (dentro de grãos)
Aspecto da zona de fractura
Tenacidade
(Ensaio de tração como indicador da fratura dúctil)
A energia absorvida por unidade de volume é conhecida como
tenacidade e constitui um dos indicadores de resistência à fratura
dúctil. Corresponde à área de um ensaio de tração (figura à esquerda),
sendo usada uma aproximação simples (figura à direita):
WV  0.5(s y + s TS )e f
Contudo, este valor é insuficiente para avaliar a resistência ao impacto,
devido à sensibilidade dos ensaios mecânicos à velocidade de tração.
sTS sTS
160 160

snom (MPa)
120
sy
snom (MPa)

sy
120

80 80
0.5(sy+s…
40 40

0 0
0 0.04 0.08 0.12 0.16 0.2 0 0.04 0.08 0.12 0.16 0.2
enom enom
Materiais ideais vs reais

Porque é que um cabo de aço muito comprido tende a partir com menores
cargas ou tem menor durabilidade do que um cabo curto, com o mesmo
diâmetro?

Resposta: A fractura deve-se a defeitos críticos, cuja ocorrência depende do


tamanho. 6
Fratura Instantânea
- A concentração de tensões nas extremidades de defeitos ou
esquinas vivas pode originar fratura instantânea, quando a
tensão é suficientemente elevada.

- Também pode ocorrer fadiga, i.e., rutura ao fim de tempo de


utilização mais ou menos prolongada sob efeitos de fatores
cíclicos (p.e. ondas).

- Além disso, pode ocorrer fluência a altas temperaturas.


Fadiga

Fadiga é uma forma de falha (fratura) quando uma estrutura é sujeita a tensões
cíclicas ou dinâmicas (ex.: pontes, aviões, ...) = tensões que variam com o tempo.

Parâmetros chave: S e 𝜎𝑚

Fadiga pode originar fratura ainda que 𝝈𝒎𝒂𝒙 < 𝝈𝒄


Causa de ~90% das falhas mecânicas de motores
Fluência

Fluência (creep) – deformação plástica ao longo do tempo, de materiais sujeitos a uma


carga ou tensão constante; particularmente importante em aplicações que envolvem
temperaturas elevadas. Observada para todo o tipo de materiais. No caso de metais
torna-se importante para T>0.4Tfusão
CONCENTRAÇÃO DE TENSÕES:
Aumento de tensões na extremidade de um buraco
𝜎 − 𝑚𝑎𝑖𝑜𝑟 𝑛𝑎 𝑒𝑥𝑡𝑟𝑒𝑚𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑐𝑟𝑎𝑐𝑘

𝑎 − 𝑐𝑜𝑚𝑝𝑟𝑖𝑚𝑒𝑛𝑡𝑜 𝑑𝑜 𝑐𝑟𝑎𝑐𝑘
𝜌𝑡 − 𝑟𝑎𝑖𝑜 𝑑𝑎 𝑐𝑢𝑟𝑣𝑎𝑡𝑢𝑟𝑎 𝑑𝑎 𝑒𝑥𝑡𝑟𝑒𝑚𝑖𝑑𝑎𝑑𝑒 𝑑𝑜 𝑐𝑟𝑎𝑐𝑘
Fator de concentração de tensões
O raio de curvatura na extremidade da fissura (ρt) pode ser muito baixo (quase da
dimensão atómica em casos limite!) Nesses casos, o fator de concentração de
tensões (𝑲𝒕 = 𝝈𝒎𝒂𝒙Τ𝝈𝟎) pode ser muito elevado mesmo no caso de fissuras de
muito pequeno tamanho.
s max a a
kt = = 1+ 2 2
so t t

K
s tip s tip =
2 x

increasing K

Condição Condição
favorável kt ≤ 3 Crítica kt >> 3 distance, x,
from crack tip
Energia da fractura

a
t
Energia = energia elástica libertada + energia de superfície

W = - (ys2/E)V + GcA = - (ys2/E) a2t/2 + Gc ta


dW = -y(s2/E)ta.da + Gct.da

sendo y factor geométrico (1), a profundidade do entalhe ou fissura, t


a sua largura (V = a2t/2 é o volume de metade do cilindro envolvente),
Gc a energia da superfície de fractura por unidade de área. A área da
fratura é A = at, porque a fenda possui duas superfícies. Ocorre
crescimento do entalhe ou fissura se dW/da < 0 ou:

Ys( a)1/2 < (GcE)1/2 = KIc = tenacidade à fratura


Critérios de Fratura

• Para fazer fracturar um material tenaz com defeitos pequenos, é necessário


submetê-lo a uma tensão elevada;

• O mesmo material tenaz, com defeitos maiores, apenas suportará, sem


fracturar, uma tensão menor.

• Para um mesmo estado de tensão aplicada, um material mais tenaz pode conter
defeitos maiores sem risco de fractura catastrófica.

• Para que ocorra fractura, existe uma combinação de tensão aplicada e tamanho
de defeito cuja acção conjunta (valor crítico) deverá exceder a tenacidade do
material.
Critério de fractura

• balanço de energia: (EGc)1/2 = Ys(a)1/2 = KC


– KC: factor crítico de intensidade de tensões ou
tenacidade à fractura (MPa.m1/2)

• lei de Griffith: ocorrerá fratura catastrófica quando:


– num material sujeito a uma tensão s, uma fissura atingir um comprimento
crítico a;
– quando um material contendo fissuras de comprimento a, ficar sujeito a
uma tensão crítica s.
Tenacidade: comparação

Tenacidade à fratura
(MPa. m1/2) Tensão

Constante Comprimento da
adimensional fissura

Kc(metais) > Kc(compósitos)> Kc(cerâmicos)~ Kc(polímeros)

Energia necessária para quebrar uma


unidade de volume de um material
3 102 MN m -3/2

log(s/MPa)
2
10

1 2 1
1 kgf/mm

1 mm
0,1 mm
10 m m
0.1
0
0 1 2
a1/2; mm1/2

Variação da tensão de ruptura em função do tamanho de fissura para valores de


tenacidade à fractura de KIc = 0,1; 1; 10 e 102 MN/m3/2.
Metais: Kic= 20 a 200 MN/m3/2.
Madeira: KIc  10 MN/m3/2.
Compósitos (CFRG, GFRP): Kic= 20 a 60 MN/m3/2.
Polímeros: KIc = 1 a 4 MN/m3/2.
Vidro e cerâmicos KIc = 0,5 a 5 MN/m3/2.
1.5

log( /MPa)
1.0
Aço 17-7pH
Liga de
Ti-6Al-4V
0.5

Liga de Al
2024-T851
0.0
0 2 4 6 8 10
a; mm

Variação da tensão de ruptura em função do tamanho de fissura ou entalhe


para três materiais comerciais.
Aço 17-7pH: Kic= 76,9 MN/m3/2; sy = 1,435 GPa
Ti-6Al-4V: Kic= 55 MN/m3/2; sy = 1,035 GPa
2024-T851 Kic= 26,4 MN/m3/2; sy = 0,455 GPa
Materiais com fractura dúctil
i) Os materiais resistentes ao impacto são geralmente classificados como possuindo fractura
dúctil. Estes materiais podem ser ensaiados à tracção porque a sua deformação plástica
permite uma considerável % de alongamento (ou ductilidade) antes da fractura.

ii) A distinção entre materiais com fractura dúctil e fractura frágil é frequentemente
efectuada com ensaios de resistência ao impacto (ensaios de Charpy). As amostras são
testadas com um entalhe (em V ou em U), do lado oposto à linha de impacto.

iii) Os ensaios de Charpy também permitem:


- ordenar os materiais quanto à sua resistência ao impacto, incluindo comparações entre
diferentes tipos de materiais (p.e. metais e cerâmicos), diferenças relacionadas com a
estrutura (p.e. metais com estrutura cfc versus metais com estrutura ccc), composição
(p.e. %C em aços), tratamentos térmicos (p.e. comparando aços temperados e não
temperados), etc.;
- estudar transições de comportamento frágil-dúctil (ou vice-versa).
Resistência ao impacto

Ensaio de Charpy

Energia de impacto = mgDh


m

Dh h

Entalhe
Energia da fratura
Num ensaio de Charpy pode estimar-se a energia absorvida pelo material sujeito ao impacto. Essa
energia é essencialmente absorvida pela região onde ocorre a fratura, podendo mesmo ser relacionada
com a superfície de fractura. Dividindo a energia potencial do impacto pela área da superfície de fractura
obtém-se uma estimativa da energia de fratura:

Gc = mgDh/Afract

Quanto mais elevada for esta energia por unidade de área de fractura mais tenaz será o material,
isto é, maior será a resistência do material ao impacto e menos provável será a ocorrência de
fratura catastrófica. Os motivos da elevada tenacidade de muitos materiais metálicos podem ser
aproximadamente reconhecidos por inspeção da rugosidade da sua superfície de fratura, em contraste
com a superfície lisa da fratura de vidro. Numa superfície rugosa pode admitir-se que são quebradas ou
fortemente alteradas ligações atómicas em muitos planos de átomos. Pelo contrário, a ruptura de ligações
atómicas numa superfície de fratura lisa quase que se reduz a uma única camada atómica.
Energia e tenacidade à fratura de materiais

Gc (kJ/m2) KIc (MNm-3/2)


Metais dúcteis (Cu,Ni,Al,…) 102 - 103 100 - 350
Aços de elevada resistência 15 - 120 50 - 150
Ligas de titânio 25 - 115 55 - 115
Ligas de alumínio 8 - 30 20 - 45
GFRP 10 - 102 20 - 60
Madeira (⊥ ao grão) 8 a 20 11 - 13
Polipropileno 8 3
Polietileno (LDPE) 6-7 1
Nylons 2-4 3
PMMA 0,3 - 0,4 0,9 - 1,4
Granito 0,1 3
Si3N4 0,1 4a5
SiC 0,05 3
Alumina 0,02 3a5
Vidro 10-2 <1
Exercício 1
Tendo em conta que a tenacidade à fratura de um determinado material é da
ordem de 1 MPa.m1/2 preveja a tensão máxima a que o material pode ser sujeito
quando existem microfissuras com tamanho da ordem de 1 µm.

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Exercício 2
Repita o exercício considerando um material com tenacidade à fratura igual a 0,01
MPa.m1/2

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Tenacidade à fratura
A tenacidade à fratura é um parâmetro que permite avaliar os efeitos
combinados de:
i) Esforços (tensão) a que o material está sujeito
ii-a) Defeitos existentes na amostra em causa;
ii-b) Entalhes ou esquinas vivas resultantes de um mau projecto de peças ou
equipamentos. (Note-se que entalhes arredondados permitem sempre uma
distribuição mais uniforme da energia elástica e uma menor concentração
de tensões, relativamente a esquina vivas!).

Geometria que agrava os Geometria que diminui os


riscos de fratura riscos de fratura
Exercício 3
Suponha que efetuou uma incisão com a profundidade de 0,5 mm no centro de uma placa com 10 cm
de comprimento, 3 cm de largura e 1 cm de espessura, sendo essa placa testada num ensaio à flexão
de 3 apoios, com 7 cm de distância entre os apoios externos e com aplicação da carga no lado oposto à
incisão. Estime a tenacidade à fratura tendo em conta que a amostra fraturou quanto a força aplicada
atingiu o valor de 1,1 kN. Tenha em conta a relação entre tensão máxima e força aplicada num ensaio à
flexão, σmax =1,5FL/(b2t), sendo L a distância entre apoios exteriores, b a espessura da placa e t a sua
largura.

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Fratura em metais dúcteis

Concentração de tensões na proximidade de


uma fissura elíptica num material de fratura
frágil:
slocal
slocal = sapl[1 + 2(a/r)1/2] ≈ 2sapl(a/r)1/2
a
em que r é o raio de curvatura da falha e a o
seu comprimento ou metade, caso esteja à r
superfície. De outra forma:

Kt = slocal/sapl = 2(a/r)1/2
sendo Kt o factor de concentração de tensões.
Fratura em metais dúcteis
A fratura de um metal dúctil mostra-se muito rugosa e revela deformação
plástica que se estende na proximidade da fissura. Deste modo, a amplificação
de tensões origina deformação plástica acima da tensão de cedência, consumindo
muita energia na propagação lenta da fratura e evitando a fratura rápida. A
espessura da zona deformada plasticamente na proximidade da fenda pode ser
estimada a partir da equação anterior e resulta:
ry  4a(sapl/slocal)2

ry
sloc

s
Transição dúctil-frágil

Muitos materiais metálicos tornam-se frágeis a baixas temperaturas. Esta transição


dúctil-frágil ocorre em materiais com estrutura ccc e hc, geralmente abaixo da
temperatura ambiente.

Apenas os metais com estrutura cfc (Cu, Al, Pb) tendem a manter o tipo de fratura
dúctil. A transição dúctil-frágil traduz-se geralmente num acentuado decréscimo de
resistência ao impacto, determinada por ensaios Charpy.

Nos aços, as temperaturas a que ocorre transição dúctil-frágil dependem da sua


composição. Nos aços-carbono a transição dúctil-frágil ocorre a temperaturas da ordem
de –40ᵒC para teores da ordem de 0,2%C e desloca-se para temperaturas superiores
com teores crescentes de carbono.
Transição dúctil-frágil

Naqueles casos, a transição dúctil-frágil é mais gradual e pode


condicionar o desempenho dos aços mesmo a temperaturas
superiores à temperatura ambiente. Por isso, os acidentes com
estruturas de aços (pontes, navios, oleodutos, etc.) são mais
frequentes no inverno do que no verão e mais prováveis em
climas com invernos rigorosos.

Os polímeros e elastómeros também apresentam a transição


dúctil-frágil, como se pode verificar com o carácter quebradiço da
borracha após imersão em azoto líquido.
Efeito da temperatura
Subida de temperatura: Aumenta %EL e KIc
Baixas temperaturas: Transição dúctil→frágil
Fratura prematura

• as fissuras podem formar-se, e crescer, sob cargas


inferiores:
• se o ambiente for corrosivo (e é sempre !)
• se a tensão for cíclica: fratura por fadiga
– componentes sem fissuras — fratura controlada por iniciação
(quase todos os pequenos componentes de sistemas rotativos ou giratórios)
– componentes com fissuras — fratura controlada por propagação
(quase todos as grandes estruturas, particularmente com cordões de soldadura)

• poderá calcular-se o tempo de vida seguro de uma estrutura (número


de ciclos de fadiga a que pode sobreviver):
– conhecido o comprimento inicial da fissura
– conhecido (calculado) o seu comprimento final, quando se torna instável
Efeito da velocidade de aplicação de carga
Ensaios rápidos causam:
i) aumento de sy e srupt
ii) decréscimo da % de deformação até à fratura

A elevada velocidade não permite tempo suficiente para o


movimento de deslocações.
Projecto de materiais para evitar
fractura catastrófica
A ocorrência de fractura repentina pode causar danos muito graves. Por isso, é frequente efectuar
projecto com materiais de modo a que o material possa revelar com antecedência que se aproxima de
condições em que pode falhar. Nos materiais de baixa dureza e elevada tenacidade à fractura pode
observar-se degradação gradual por deformação plástica. Outros materiais, sobretudo metais de
elevada dureza, dificilmente são usados em condições próximas da cedência e não permitem a detecção
de riscos eminentes com base em indícios de deformação plástica.
Nestas condições é necessário recorrer a outras medidas para prevenir acidentes graves. Uma das
estratégias recomendáveis pode ser o projecto em condições tais que se torne possível detectar a
ocorrência de fissuras antes que estas atinjam dimensões críticas. Por exemplo, num depósito de gases as
fugas podem ser detectadas por dificuldade em manter a pressão esperada. Neste caso, o
sobredimensionamento da espessura do depósito pode aumentar os riscos de fractura catastrófica! Note-
se que só se detectarão fugas quando as fissuras atravessarem toda a espessura da parede do depósito,
originando uma maior intensificação das tensões.
Exercício 4
Suponha que um reator de forma esférica, com 1 m de diâmetro interno, opera com um gás a 100 atm,
sendo utilizado um material com tenacidade igual a 100 MPa.m1/2. Tendo em conta a relação entre a
tensão e pressão no interior do reator (σ ≈ 0,5.P.r/t), calcule a espessura máxima de parede do reator
de modo que seja possível detetar falhas por fugas de gás (e correspondente perda de pressão) antes
que ocorra fratura catastrófica.

Verifique se um material com tensão de cedência igual a 1 GPa garante que não ocorre deformação
plástica generalizada nas condições de operação do reator.

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