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Marina Monteiro Pestilli – Psicologia e História Social I – Prof.

Maria Livia
do Nascimento
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

A verdadeira viagem

Confesso que não esperava a reação que tive ao iniciar a leitura da introdução de ¨O corpo
na história¨, pois o autor, ao destacar que ¨há muito de medieval nas sociedades brasileiras,
especialmente nas favelas¨, me gerou uma súbita ofensa. ¨Como ele ousa? ¨, pensei. Meu
instinto inicial foi o de novamente estar lidando com alguém que liga a classe popular do
país à selvageria, irracionalidade, falta de escrúpulos, promiscuidade etc. Bastaram-se mais
quatro parágrafos para perceber que a ignorante e equivocada havia sido eu. Afinal, como
pude supor tão automaticamente que um antropólogo, visivelmente preocupado com as
sensibilidades e hábitos históricos das sociedades, citaria uma Idade Média banhada no
senso comum?
Para o meu alívio, o próprio autor explicita esse equívoco como o ponto que ele pretende
realizar: a ideia - alimentada por todos os meios comunicativos possíveis - de que o
período medieval foi um momento de trevas e desconhecimento, desprovido de qualquer
positividade, não passa de um mito pós-renascentista, que segue sendo encorajado século
após século. Diferentemente do mito do homem das cavernas miserável e hostilizado pelo
meio (que José Carlos expõe com tanta clareza), cujo eu nunca havia refletido sobre, a
contestação da teoria da ¨noite de mil anos¨ já tinha me encontrado antes, o que torna o
meu equivocado ultraje perfeitamente irônico.
Foi durante o 1º ano do ensino médio, época em que ocorria o tradicional trabalho
interdisciplinar da escola chamado ¨Feira Medieval¨, que tive contato com as primeiras
evidencias de luz na suposta idade das trevas. Aprendi sobre os costumes, a vestimenta, a
alimentação, o entretenimento, enfim, sobre a sociedade e a cultura medieval. Contudo,
creio que o mais satisfatório aprendizado ocorreu com a descoberta do Trovadorismo,
movimento literário e poético que deu origem ao tipo de música que escutamos até hoje
(canto junto ao instrumental, apreciado por plateia popular). Como um período histórico
que nos deu algo tão poderoso quanto a tradição musical poderia ser negativo? É
maravilhoso redescobrir por meio desse texto que não é possível existir na humanidade um
único período minimamente medíocre.
É claro que ao longo da história ocorreram muitos fatos vergonhosos para a raça humana,
assim como triunfos avassaladores. Minha conclusão sobre o prólogo da obra é que todas
as épocas, de todos os homens, têm algo a nos transmitir, e ao invés de olharmos para o
passado com ar de superioridade devemos examiná-lo com cautela, para que possamos
aprender com ele. Me sinto, agora, animada e curiosa para trabalhar o restante da obra e
todas as questões que a acercam, e prometo a mim mesma não mais me prender em ideias
rasas do senso comum, para que meu aprendizado seja completo, afinal, citando o escritor
Marcel Proust ¨A verdadeira viagem de descoberta não consiste em sair á procura de novas
paisagens, mas em possuir novos olhos¨.

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