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Por que somos contra a propriedade intelectual?

O Copyleft, vinculado ao Centro de Mídia Independente, propõe, segundo Pablo


Ortellado, que o autor e a fonte de uma dada produção sejam citados, sem restrições
reprodutivas, desde que estas não tenham fins comerciais. Privilegia-se a divulgação da
informação contida na produção intelectual e não de uma propriedade. O paradoxo da
propriedade intelectual parece estar intimamente ligado à transmissão de conhecimento, uma
vez que é comum o conhecimento ser compartilhado, como meio de transmiti-lo. Valendo-se do
exemplo de Ortellado, “quando uma pessoa utiliza a casa, a outra não consegue utilizá-la”.
Uma analogia entre a a casa e uma obra de referência seria adequada? Uma obra de
referência não deveria ser acessível, independentemente dos direitos daqueles que a detém
como um bem?
As raízes anglo-saxônicas da propriedade intelectual evidenciam uma oposição em
relação à propriedade material. Thomas Jefferson, ao discutir sobre as ideias, defende tal
diferença uma vez que, no momento em que elas são divulgadas, não se distingue mais quem
a possui e, simultaneamente, os que a receberam não diminuem o conhecimento uns dos
outros. A constituição estadunidense, que aliava a criação de direitos intelectuais ao avanço
científico e artístico, impunha, segundo Ortellado, um entrave à própria criatividade. Até que
ponto as restrições legais não impedem a criatividade em prol do Estado nacional? Até que
ponto tais restrições não corroboram a formação de um monopólio, tal como criticado por
Macaulay, na Inglaterra?
Ora, se levado em consideração que a criação deve ser estimulada enquanto as
pessoas estão vivas, a crítica de Macaulay, referente ao longo tempo dos direitos de
propriedade intelectual após a morte do autor, se torna plausível. Tendo em vista que não
privilegia a criação efetiva, a lei de ampliação do tempo após a morte, contribui certamente
para a monopolização dos bens intelectuais. Os desdobramentos históricos dos direitos
autorais revelam que o tempo após a morte dos autores só aumentou ao longo das mudanças,
principalmente após a revisão de 1955, elaborada pelo Congresso Americano. Nota-se, por
meio da história dos direitos autorais, que a luta pela ampliação do período de direito ao bem
intelectual após a morte do autor está ligada aos interesses da indústria cultural, em detrimento
do domínio público. Trata-se, portanto, da mercantilização da criatividade.
A justificação oficial para a legislação sobre propriedade intelectual sempre foi a de
incentivar financeiramente os criadores. Porém, o estímulo deve ser necessriamente material?
Muitos inventores como, por exemplo, Benjamin Franklin, Van Gogh muitas vezes se
recusavam à contribuição dos ricos aos inventos e chegaram a morrar pobres. Muitos ainda
não foram reconhecidos em vida. A falta de financiamento é o obstáculo à criação ou é o
financiemanto em si que gera uma criação cada vez mais redutora e controlada pelo mercado?
Será que os pesquisadores e artistas de hoje não são, muitas vezes, restritos pelas agências
financiamento da criação? Não poderia haver, como sugere Stephen Marglin, citado por
Ortellado, apoio público aos artistas, apoio este que não se limitase a um empreendimento
individual?
A dificuldade de fiscalização das leis de direitos autorais, muitos usuários dos bens
intelectuais os utilizaram não como crime mas como meios para outras criações, devido aos
aparelhos tecnológicos (computador, copiadora, etc). Ortellado elenca alguns exemplos:

Se, por um lado, a fiscalização dos bens intelectuais é dificultosa, as indústrias e os


governos implataram projetos para restringir os aparelhos supracitados, tais como as leis
estadunidenses, que limitavam as cópias em fitas cassete. Tendo em vista a mercantilização
dos bens intelectuais, é oportuno salientar, conforme Ortellado, que "sempre há muitos autores
para poucas empresas interessadas em lançá-los". A tendência ao monopólio por parte das
empresas constituientes da indústria cultural é que gera, portanto, um entrave à criatividade. As
primeiras redes de compartilhamentos de música na internet como, por exemplo, o Napster,
evidenciaram o problema e a assimetria na qual era construído um debate público sobre o
tema. Os principais órgãos midiáticos se aliaram com artistas e gravadoras para construir um
discurso unilateral, contrário à livre troca de música.
A difusão do sistema operacional Linux, oriunda do movimento copyleft, é uma
alternativa aos direitos autorais. Rompendo com as restrições de reprodução do software,
houve um golpe importante na tendência ao monopólio, uma vez que todos os usuários podem
alterar a plataforma em seus micros, desde que não a fechem e vendam-na para outras
pessoas. Consequentemente, o acesso público a todos os que se interessarem por esse
produto está garantido.

ABDR

A conscientização da população sobre a necessidade de se respeitar o direito autoral


implica na utilização de instituições como a escola, de modo instrumental, para a difusão da
ideologia que incita, conforme a própria cartilha, a fiscalização e repressão da reprodução ilegal
das obras dos associados à Associação Brasileira dos Direitos Reprográficos. Trata-se de notar
quais são os seus agentes constituintes bem como seus interesses: as principais editoras
brasileiras e seus interesses em mercantilizar a intelectualidade. De acordo com a ABDR, a
reprodução depende de autorização prévia do titutar de uma tradução, obra literária, científica,
etc. Neste texto, há algumas manipulações explícitas da legislação sobre os direitos autorais,
Uma das mais elementares diz respeito à definição de pequeno trecho. Obscura na lei 9610/98,
esta definição é realizada na cartilha, de acordo com os interesses monopolistas das editoras,
tendo em vista que o conceito de substância de que se vale tal documento é tão obscuro
quanto o que se pretende definir por meio do primeiro. Desta forma, copiar entre 10 e 15% de
uma obra é descabido, uma vez que há risco de haver cópia do conteúdo substancial nela
contido. Obviamente, um capítulo de um livro pode ser mais importante do que outro,
dependendo dos interesses dos seus respectivos leitores.

No tocante aos livros “para o estudante carente, que muitas vezes não pode comprar
todos os livros necessários”, a própria maneira como é elaborada a situação no documento já
aponta os pressupostos da ABDR. Ora, pensar sobre o estudante que não pode comprar todos
os livros necessários é pressupor que os livros devem ser comprados, não havendo outras
possibilidades que não estejam sob controle da associação em questão. Neste contexto, as
doações são uma forma de as editoras controlarem a própria pobreza de livros e se
promoverem, como empresas providas de responsabilidade social frente a uma assimetria na
distribuição dos livros, gerada pelas mesmas editoras. A atualização e qualidade da bilioteca
das escolas públicas, mencionadas no documento, tangenciam o problema que diz respeito
aos modos de incentivar a produção intelectual. Tendo isto em vista, a indagação de Ortellado
se torna oportuna: somente o financiamento é a alternativa para se apoiar a produção
intelectual, ainda que este processo tenda ao monopolismo?
A solução da ABDR, portanto, assume as assimetrias criadas pelas editoras, principais
responsáveis pela mercantilização dos livros, e as perpetua, uma vez que lança a
responsabilidade para as instituições públicas, dentre as quais, as escolas e suas respectivas
bibliotecas, que devem, segundo o texto, ter exemplares em número suficiente para atender a
todos os alunos. Noata-se, consequentemente, que a aquisição de um maior número de
exemplares de livros por parte das bibliotecas das escolas públicas tende a beneficiar as
mesmas editoras que, graças aos direitos autorais, detém o domínio privado sobre boa parte
do conteúdo didático lido no ensino básico. As bibliotecas e seus bibliotecários, por sua vez, se
tornam tal como os professores, mediadores da ideologia neoliberal implicada nas
argumentações da ABDR, ou, nas palavras do documento, “aliados na luta contra a pirataria
editorial”. Trata-se da tentativa de fiscalização das ténicas de reprodução de textos impressos
como, por exemplo, o uso das fotocopiadoras, uma vez que a fiscalização da leitura de textos
em formato pdf, na internet, por exemplo, ainda é mais dificultosa para estas associações.

A luta contra “pasta do professor”, por sua vez, explicita a repressão anunciada nas
primeiras linhas deste documento, a saber, sobe a fiscalização e repressão da reprodução
ilegal das obras dos associados à Associação Brasileira dos Direitos Reprográficos. Trata-se de
uma ofensiva frente a uma situação na qual as editoras não costumam ter respaldo dos
envolvidos, sobretudo dos estudantes universitários. Vale salientar que, em alguns casos,
muitos professores acadêmicos são os próprios autores dos textos indicados como leitura
obrigatória nos cursos por eles ministrados e, algumas vezes, eles incentivam tal repressão,
intimando funcionários das copiadoras alocadas nas Universidades a inserir avisos sobre as
possíveis sanções promovidas com a existência das leis de direitos autorais. Nestes casos,
muitas vezes as cópias de alguns livros não são realizadas pelas copiadoras aliadas aos
autores. Um exemplo da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP se deu
com o professor emérito José Luiz Fiorin que, supostamente, impediu a copiadora do prédio de
Letras a copiar quaisquer trechos dos dois volumes do livro “Elementos de linguística”,
publicado pela editora Contexto.
Após reclamação dos alunos e divulgação do fato pela internet, o professor supracitado
manifestou-se contrário à ação das copiadoras e disse que, como autor, não havia promovido
tal repressão. O imbróglio desdobrou-se com a desfiliação da editora contexto da ABDR.

https://www.facebook.com/pages/Livros-de-Humanas/216531921732926

As críticas da ABDR em relação aos procedimentos dos leitores de textos copiados


tange à definiçao de cidadão, termo utilizado no próprio documento. Ora, trata-se de uma
argumentação que sacrifica o acesso aos bens materiais em prol do conteúdo e identidade das
obras, para a manutenção do que seriam os princípios éticos condizentes com o ensino. Nesta
concepção trazida pelo texto da ABDR, o papel do ensino é, primeiramente, resguarda os
direitos autorais das obras que circulam nas escolas, independentemente das condições para
tal circulação. Portanto, tais argumentos não são válidos, pois não levam em conta a
importância do acesso aos bens intelectuais como forma de incentivo à própria criatividade
científica e artística dos estudantes.

Questões sobre documento da FME e sobre artigo da revista Exame

Ambos os artigos tratam do tema da transformação da educação, porém, caminham por


projetos diametralmente opostos, baseados em pressupostos antípodas.
O grupo empresarial de ensino Apollo Group, em destaque na revista Exame tende ao
monopólio sobre a educação mercantilizada no Brasil e no mundo. A aliança estabelecida entre
o pedagógico e o empresarial baseia-se numa suposta transformação da educação, na qual a
participação do capital privado no ensino público se torna cada vez maior. Sua filosofia é
constituída de um toyotismo obscuro: assume-se que há necessidade de capacitação de mão
de obra qualificada e barata que ocupe, por sua vez, o mínimo espaço possível, justificando,
deste modo, que o conhecimento se torne mercadoria. Consequentemente, o conhecimento
pode então ser considerado obsoleto ou atualizado. Cria-se, então, ao longo das
argumentações contidas na reportagem, um contexto de urgência para a implantação do
ensino à distância no Brasil.
Entretanto, não há interesses das empresas na formação de pessoas em idade muito
curta, como as crianças do ensino básico, uma vez que elas não estão próximas do mercado
de trabalho. Há, por outro lado, corporações editoriais privadas, que financiam cada vez mais
os materiais didáticos do ensino público, pois este texto noticia que o governo federal era,
naquela altura, o maior comprador individual de livros didáticos do mundo. Já a diversidade de
universidades particulares, descrita de modo eufórico na seção “o sonho do diploma”, indicam a
competitividade do mercado da educação, numa estrutura na qual um espaço só pode ser
ocupado por somente uma instituição do ensino, assim como duas pessoas não podem utilizar
a mesma biblioteca ao mesmo tempo. Decorre que as instituições de ensino tendem a se
basearem numa mesma ideia, fazendo com que esta mercantilização do ensino faça com que
as empresas se interessem em vender produtos estanques.
Devido às “regras mais flexíveis de abertura de cursos”, elogiada pela reportagem, as
instituições de ensino superior padronizam sua estrutura curricular e a qualidade se torna
objeto de marketing, fazendo parte de uma ideologia subordinada aos interesses econômicos
de seus idealizadores, como, por exemplo, a Apollo Group. Portanto, enquanto cabe ao Estado
flexiblizar as condições de abertura dos cursos, os gestores da educação prestam assessoria
às escolas e contribuem, desta forma, para a própria configuração dos nichos de mercado da
educação. Afinal, a reportagem mostra que a opção pela ênfase de investimentos no ensino
superior se deu, sobretudo por parte das grandes corporações. É conforme as diretrizes de tais
grupos que se criam os tais nichos de investimento em educação, como no nível superior,
padronizando o currículo bem como o know-how de gestão das faculdades, em detrimento à
criatividade e, consequentemente, à produção intelectual dos alunos e dos professores. Vale
indagar: qual o papel destes últimos neste processo de ensino distanciado?
A tendência à padronização incentivando o conhecimento especializado, voltado para a
área de serviços. Deste modo, os alunos passam a colecionar certificados em cursos cada vez
menores e as faculdades, cada vez mais alunos, o que implica em maior lucro. Trata-se de uma
educação como treinamento, semelhante aos que ocorrem dentro das empresas para com
seus funcionários. O currículo generalista passa, então, a ser considerado tradicional,
principalmente pela sua duração, considerada demasiado longa. Uma suposta subversão do
modelo tradicional de educação concede um tom vanguardista ao discurso contido na
reportagem de capa da revista exame. O próprio vocabulário utilizado, tal como a
“produtividade do ensino”, evidencia a ideologia mercantil penetrada na educação à distância.
Os projetos elaborados na busca por investidores é outra tônica deste processo de venda da
educação superior, como no exemplo do e-learning utilizado no treinamento em empresas.
Semelhante não seria o quadro universitário, na medida em que os alunos submetem seus
projetos às agências de fomento à pesquisa, providas de critérios ligados ao
empreendedorismo científico?

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