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Resenha crítica do livro “Tarefas da edição”

Luiza dos Santos Silveira, mestranda em Estudos de Linguagens, linha IV – Edição,


Linguagens e Tecnologias; CEFET-MG

1 AUTORIA

A autoria é um conceito de grande destaque no mercado editorial, que muitas circunda o


imaginário do campo dos livros, e neste lugar pode tomar duas posições opostas: o autor
como o gênio absoluto, tocado por uma inspiração quase divina; o autor destituído de
uma fonte criadora, participante de uma “cadeia criativa” ao lado do trabalho dos
comuns.

Três pontos são e sempre foram essenciais para a compreensão de autoria: a autoridade,
a autenticidade e a legitimidade. Como em um jogo de lógica, um discurso autoral e
autêntico pode vir a ser legitimado, quando evaluado por outrem; ainda, a autoria
precisa de uma autorização para dizer, para ser a fonte do dizer; e a legitimidade do que
se diz vem do reconhecimento consensual de uma comunidade ou sociedade.

Ao longo da história ocidental, a autoria foi reformulada de acordo com certas


tecnologias, com a figura do editor, com conceitos teóricos, chegando a formulações
como a de Roger Chartier, em A mão do autor e a mente do editor, que atesta que “o
autor e o editor criam, em harmonia ou não, produzindo a obra que, afinal, é um artefato
feito por muitos.” (SALGADO, 2020, p. 42).

Dentro desse contexto, é relevante discutir a questão dos direitos morais e patrimoniais
do autor, que são cruciais na maneira em que se produz e se põe em circulação a obra,
atribuindo-a valor. Pode-se entender um autor como um indivíduo criador de um
trabalho original, o que lhe garante proteção legal de propriedade intelectual – “direitos
do autor” ou copyright. Porém, desde a década de 1990, softwares abertos como o
Creative Commons e o Wikipedia colocam em pauta justamente os direitos autorais.
Iniciativas como o CC “libertam os autores da lógica do copyright, de modo que passem
a administrar as relações entre cadeias criativas, produtivas e de recepção.” (Ibid, p. 43).
É bastante interessante observar, hoje em dia, como muitas produções baseiam-se em
licenças que, de certa forma, cedem a autoridade e a autenticidade da obra dentro de
espaços amplos como a internet, onde tais ideias são difusas e dão margem ao plágio.
Abrir o conteúdo ao uso público é uma maneira de legitimidade, por exemplo, no que
tange a produção de materiais didáticos com o compartilhamento de unidades didáticas
a fim de facilitar o trabalho de um docente e contribuir para a criação coletiva, de
diversos autores que se encontram em qualquer parte do planeta. Por mais que haja um
nome atrelado ao conteúdo de licença aberta, é de senso comum que poderá cair ao
anonimato quem o produziu, mas seu uso ainda assim mantém-se considerável.

2 EDIÇÃO

Pode-se pensar em três significados correntes para “edição”, que correspondem a três
palavras diferentes do inglês (edition, publishing, editing): (1) o termo refere-se ao
objeto publicado, muitas vezes vindo atrelado a uma característica, tal qual “primeira
edição”, “edição comentada”, etc. – em inglês, edition; (2) como sinônimo de
“publicação”, mas também designa o mercado ou o campo da publicação – em inglês,
publishing; (3) o processo de editar, que pode ser uma prática diferente da publicação,
como a edição de vídeos, por exemplo – em inglês, editing.

Apesar de línguas latinas como o português, o espanhol e o francês não possuírem esses
três vocábulos ingleses, “edição” abraça a todas as acepções mencionadas acima. Assim
como quando se diz da “edição de livros infantis”, fala-se tanto do processo editorial, da
publicação, como do nicho de mercado. Uma “edição póstuma” abarca as três ideias
também. Ainda, uma “edição cartonera” inclui o livro cartonero, com sua qualidade de
ter uma capa feita de papelão; a publicação de livros desse tipo; a prática de fazer livros
cartoneros – o processo de coletar o papelão, higienizá-lo, cortá-lo, fazê-lo
transformar-se em capa de livro, pintá-lo e costurá-lo ao miolo de folhas.

Por sua vez, “edição”, “editar” e “editor” não são exclusivos do universo dos livros. Diz
também respeito a uma série de funções, ferramentas, atribuições, processos de
trabalho, tais como a edição/o editor de texto, arte, imagem, vídeo, som, etc. No geral, o
“objetivo primordial é preparar certos materiais ‘brutos’ (nas editoras, os chamados
‘originais’) para circular publicamente.” (MUNIZ JR., 2020a, p. 69) Todas essas
materialidades são editáveis, isto é, são manipuláveis segundo certos critérios (clareza,
legibilidade, equilíbrio…); com uma quantidade imensa de procedimentos (tradução,
decupagem, finalização…) que podem ser subdivisões ou etapas do “editar”; tudo isso
coordenado pela figura de um/a “editor/a”.

O sociólogo norte-americano Howard Becker, no capítulo Editing, de Art Worlds


(1982), possui o interessante argumento de que “para entender o funcionamento dos
‘mundos das artes’ [...], é preciso entender toda a rede de trabalho cooperativo que torna
esses mundos possíveis.” (Ibid, p. 70). Ou seja, pensar dessa forma desloca o olhar da
autoria e da autoridade da obra – responsáveis intelectuais e legais pelas obras – para o
trabalho cooperativo que ocorre nos bastidores do processo.

3 EDIÇÃO INDEPENDENTE

Edição independente é um termo de muitos significados, como “produção e publicação


de objetos editoriais fora das editoras (comerciais)” ou “fora dos conglomerados
(transnacionais)”, “edição autônoma, artesanal, não comercial (...), socialmente
comprometida” (MUNIZ JR., 2020b, p. 73), etc. Contudo, apesar da polissemia
característica quando se vem atrelado à “independência”, um termo cheio de exceções e
contradições (MALUMIÁN; WINNE, 2016, p. 1), há de se pensar em duas questões:
“independente de quem?” e “independente em que sentido?”.

Por muitos anos, produtores e práticas culturais vem denominando-se“independente”,


como um gesto de dissidência ou rebeldia frente a instituições dominantes do universo
das artes, como o manifesto de 1938, de André Breton, Leon Trotsky e Diego Rivera,
Por uma arte revolucionária e independente, no qual afirmam: “A arte revolucionária
independente deve unir-se para a luta contra as perseguições reacionárias e proclamar
bem alto seu direito à existência” (BRETON; TROTSKY, 1985, p. 45 apud MUNIZ
JR., 2020b, p. 74). Já durante o século XX, o sintagma, usado por agentes das artes
sustenta um posicionamento de não subordinação a instâncias de pressão como a Igreja,
o Estado, os partidos políticos e o próprio mercado.” (MUNIZ JR., 2020b, p. 74).

No que tange o campo editorial, a expressão passou a ser usada em um momento


quando grandes grupos começam a se sobrepor às pequenas e médias editoras, e outras
grandes se fundem. Os nichos mais rentáveis são dominados pelas grandes e gigantes,
no centro do sistema. Nas bordas, encontram-se os nichos mais especializados, de
público restrito, das médias e pequenas editoras; ainda que possuam projetos muito
distintos entre si, não há um critério que as unifique, apenas o fato de que se
autodenominem editoras independentes.

Em Independientes, ¿de qué? (2016), Hernán López Winne e Víctor Malumián definem
o editor independente de acordo com os seguintes critérios: (1) mercado – o editor
independente deve pensar seu catálogo de forma que seja coerente ao seu conteúdo e
não às modas temáticas que atravessam o mercado editorial; (2) a autonomia nas
decisões de suas publicações; (3) aporte de capital – uma editora independente não
pode ser parte de um grupo econômico ou tomar decisões por pressão de acionistas, as
publicações não podem estar reduzidas apenas ao lucro; (4) agente cultural – o editor
independente almeja ser um agente de mudança, aporte e sustento da cultura; (5)
profissionalismo. (MALUMIÁN; WINNE, 206, p. 5-13)

Por fim, uma edição independente é uma forma de autonomia intelectual e financeira.
Busca por “maneiras alternativas de produção e circulação dos objetos” (RIBEIRO,
2020, p. 76) e pela liberdade na “escolha de temas, autores/as e abordagens pouco
comuns nas editoras do dito mainstream.” (MUNIZ JR., 2020b, 76).

BIBLIOGRAFIA

SALGADO, Luciana Salazar. Autoria. In: RIBEIRO, Ana Elisa; CABRAL, Cleber
Araújo (org.). Tarefas da edição: pequena mediapédia. Belo Horizonte: Impressões de
Minas, 2020. p. 40-44.
MUNIZ JR., José de Souza. Edição. In: RIBEIRO, Ana Elisa; CABRAL, Cleber Araújo
(org.). Tarefas da edição: pequena mediapédia. Belo Horizonte: Impressões de Minas,
2020a. p. 68-72.

______. Edição independente. In: RIBEIRO, Ana Elisa; CABRAL, Cleber Araújo
(org.). Tarefas da edição: pequena mediapédia. Belo Horizonte: Impressões de Minas,
2020b. p. 73-76.

WINNE, H. L., MALUMIÁN, V. Independientes, ¿de qué? Hablan los editores de


América Latina. Ciudad de México: Fondo de Cultura Económica, 2016. p. 1-13.

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