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A Matemática da Babilônia
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Samara Ortiz
Federal University of Santa Catarina
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Resumo
Localizada entre os Rios Tigre e Eufrates, a cidade da Babilônia era a mais conhecida
e desenvolvida da região da Mesopotâmia. Por este motivo, é que se diz matemática da
Babilônia para se referir à matemática da região da Mesopotâmia. A contagem de ovelhas
e grãos caracteriza os primeiros vestı́gios da matemática da região, com uso de tokens e
tabletes de argila para o auxı́lio de tais contagens. As marcações feitas na argila para
controle do rebanho continham dois sı́mbolos, um que se referia ao 1 e outro para o 10.
Com estes dois sı́mbolos e utilizando o sistema sexagesimal, os babilônicos expressavam
quantidades e desenvolveram várias metodologias para resolver problemas algébricos e
geométricos. Existem muitas semelhanças na matemática utilizada atualmente com a
matemática da Babilônia, evidenciando a sua influência e persistência ao longo da história.
Apesar de ser um material descoberto há vários anos, ainda se tem muitas pesquisas e
debates sobre a tradução e interpretação do conteúdos dos tabletes. Deste modo, os
vestı́gios da matemática da Babilônia apresentam possibilidade de inspiração para novos
rumos na matemática atual e no campo do ensino da matemática.
1 Introdução
A Babilônia é a cidade mais conhecida da região da Mesopotâmia. Ela é considerada,
por vários historiadores, como sendo o berço da civilização devido aos avanços sociais,
econômicos, polı́ticos e culturais (SOUSA, 2020). Por volta do século XVIII Antes da
Era Comum - AEC, o rei babilônico Hamurábi instituiu o Primeiro Império Babilônico.
Assim, ele expandiu seu domı́nio para além do Golfo Pérsico, transformando a cidade em
um dos mais prósperos e importantes centros urbanos de toda a Antiguidade (SILVA,
2006; SOUSA, 2020).
Esta é a razão pela qual diz-se Babilônia ao invés de Mesopotâmia. A matemática
da Babilônia engloba todas as tradições matemáticas dos povos mesopotâmicos desde o
quinto milênio AEC. Os registros matemáticos e de escrita mais antigos que se tem conhe-
cimento são originários da civilização que se desenvolveu entre os rios Tigre e Eufrates, ou
seja, a Babilônia. Historiadores consideram a Babilônia como o marco inicial da história
da nossa cultura (SANTOS u. a., 2008).
∗
PhD em Engenharia Quı́mica, Licencianda do Curso de Matemática da Universidade Federal de Santa
Catarina. Contato: samaraeq@gmail.com
1
Apesar de toda essa importância na construção da nossa história, a matemática ba-
bilônica só passou a ser devidamente apreciada e estudada nos últimos 30 anos. Exis-
tem em torno de 400 tabletes ou fragmentos de tabletes catalogados, porém, apenas um
apresenta-se intacto, sendo este, do tamanho de uma mão. A maior parte dos tabletes
catalogados datam de 1700 AEC, sendo que alguns datam dos três últimos séculos AEC
(AABOE, 2013).
Na Figura 1 tem-se o mapa da região da Babilônia, destacando o Rio Tigre e o Rio
Eufrates, região onde ficava a cidade da Babilônia propriamente dita (SANTOS u. a.,
2008).
2
Figura 2: Invólucro de argila e diferentes tipos de tokens.
Com o tempo, este sistema se tornou trabalhoso, visto que os rebanhos já eram mai-
ores e passou-se a contar mais objetos distintos. Assim, iniciou-se a marcação em tábuas
de argila, chamadas de tabletes, marcando a transformação dos tokens tridimensionais em
sinais bidimensionais. Os tabletes constituem os primeiros registros da história da escrita
cuneiforme. Na Figura 3 tem-se uma foto de um tablete babilônico original (AABOE,
2013).
3
Figura 4: Representação cuneiforme dos números com os sı́mbolos de 1 e de 10.
A notação posicional permitiu representar qualquer inteiro, por maior que fosse, apenas
com dois sı́mbolos. Esta notação possui o mesmo prı́ncipio que assegura a forma numeral
que utilizamos atualmente (BOYER, 1974).
4
Por volta de 300 AEC, com o desenvolvimento econômico, a ordem de grandeza das
quantidades aumentou, o que fez com que o sistema se tornasse, por vezes, ambı́guo.
Assim, surgiu um sı́mbolo para o vazio entre os numerais, mas ainda não era o zero, pois
não se aplicava à direita. Consistia de duas cunhas oblı́quas para marcar o lugar que
faltasse um numeral, como pode ser visualizado na Figura 6 (BOYER, 1974; ROQUE,
2015).
Pela tradução e adaptação, tem-se que o número simbolizado na Figura 6 é: 1 × 602 +
0 × 601 + 45 × 600 = 3600 + 0 + 45 = 3645.
5
sexagesimal. Adaptando para o sistema numérico atual, tem-se que 1, 3 = 1×60+3×600 =
60 + 3 = 63, o que corresponde a 7 × 9. Aplicando o mesmo raciocı́nio nas linhas seguintes
presentes na frente deste tablete, é possı́vel afirmar com um certo grau de certeza que
esta placa realmente correspondia à tabuada de 9.
Porém, no verso do tabelete, o qual não foi incluı́do por sua imagem apresentar-se em
baixa qualidade, as traduções apresentam-se um tanto controversas. Os historiadores não
sabem se isso se deve ao fato de não ser uma tabuada de 9 nesse tablete ou se as marcas
eram referentes à algum outro assunto iniciado logo após a tabuada de 9 (AABOE, 2013).
O tablete apresenta números recı́procos que são os inversos dos inteiros. Na sexta
7 30
linha, por exemplo, tem-se que o recı́proco de 8 é ( 60 + 602 = 0, 125). Percebe-se que estão
faltando algumas linhas, como o recı́proco do 7 e do 11, pois estes eram considerados
como sendo irregulares, já que eram sexagesimais infinitos, ou seja, eram decompostos
em primos diferentes de 2, 3 e 5. Lembrando que o conceito de infinito era desconhecido
pelos babilônios (BOYER, 1974; AABOE, 2013).
Para se dividir um número por outro, então, se procurava na tabela o recı́proco do
denominador e multiplicava-se pelo numerador (AABOE, 2013).
Exemplo: 160 dividido por 8: o recı́proco de 8 é 0, 125, que multiplicado por 160 resulta
em 20.
Com base no tablete de recı́procos no sistema sexagesimal, separa-se a parte inteira da
parte fracionária por um ponto e vı́rgula. Caso não tenho o ponto e vı́rgula, interpreta-se
como sendo apenas a parte fracionária (AABOE, 2013).
Exemplos:
30
1, 25; 30 = 1 × 601 + 25 × 600 + 1 = 85, 5
60
6
26 2040 1560 2040
1, 20; 26, 2040 = 1 × 601 + 20 × 600 + 1
+ 2
= 80 + + = 81
60 60 3600 3600
4 A Álgebra
4.1 Equações do 1o grau e do 2o grau
A álgebra que era praticada pelos babilônios se caracterizava pela aparente falta de
fórmulas. As técnicas empregadas para a solução de equações do 1o e 2o grau eram basi-
camente discursivas (RICIERE, 1991). Alguns tabletes traduzidos continham resoluções
de equações, como a Placa BM 13200, que descrevia a resolução de uma equação do 1o
grau. Na Placa BM 13901, tem-se a descrição da resolução de uma equação do 2o grau.
O “BM”que precede o código de catálogo das placas se refere ao Museu Britânico (British
Museum), local onde as placas se encontram (ROQUE, 2015; SIMON, 2017).
Exemplo traduzido da Placa BM 13200 (RICIERE, 1991): “Encontrei duas
pedras iguais de massa desconhecida. Quando subtraı́ 3 minas, restaram 17 minas. Qual
é a massa de uma das pedras? Resolução: Some 3 com 17 e divida o resultado por 2.”
Aplicando para o método atualmente utilizado:
20
2x − 3 = 17 ⇒ 2x = 17 + 3 ⇒ x = = 10
2
Exemplo traduzido da Placa BM 13901 (ROQUE, 2015; SANTOS u. a., 2008):
“Adicionei a superfı́cie e o lado do meu quadrado e obtive 0, 45. Qual é o lado?”
Adaptação do problema para a matemática atual:
x2 + x = 0, 45
Adaptando com os coeficientes:
Ax2 + Bx = C
A tradução dos procedimentos descritos no tablete pelo escriba para a resolução, com
a respectiva representação no sistema sexagesimal e interpretação adaptada para a ma-
temática atual, podem ser visualizada na Tabela 1 (ROQUE, 2015).
Tome 1 0, 60 B
B
Quebre 1 na metade 0, 30
2
2
B
Multiplique 0, 30 por 0, 30 0, 15
2
2
B
Some 0, 15 a 0, 45 0, 60 +C
2
s 2
B
1 é a raiz de 1 0, 60 +C
2
s 2
B B
Subtraia 0, 30 de 1 0, 30 +C −
2 2
7
Assim, pelos procedimentos descritos, o lado do quadrado é 0, 30, obtido na última
etapa. Deve-se levar em consideração que não se tinha noção do conceito de número
negativo. Sendo A = 1, podemos considerar o A multiplicando inicialmente o C, e após
reestruturação, multiplicando também o denominador. Reescrevendo o resultado final
obtido com a adaptação para os termos atuais, tem-se:
s
2 √
B B −B + B 2 + 4· A· C
+ A· C − =
2 2 2· A
Sendo assim, a solução obtida pelos babilônios era bem próxima da que temos pela
fórmula de Bhaskara, comprovando a base histórica para a matemática utilizada atual-
mente (ROQUE, 2015).
a 10
b1 = = = 3, 33333
a1 3
a1 + b 1 3 + 3, 33333
a2 = = = 3, 166667
2 2
a 10
b2 = = = 3, 157895
a2 3, 166667
a2 + b 2 3, 166667 + 3, 157895
a3 = = = 3, 162281
2 2
Assim, comparando: √
Pelo método babilônico:
√ 10 = 3, 162281
Pela calculadora: 10 = 3, 162278
Ou seja, o método por eles desenvolvido possui relativa precisão matemática, pois foi
apresentar discordância na quinta casa decimal. Como naquela época a precisão necessária
era a que se podia medir e ainda não se tinha noção do conceito de infinito, o método
cumpria seu papel (SIMON, 2017).
8
5 A Trigonometria
5.1 Diagonal de um Quadrado
O tablete YBC 7289 data entre 1800 e 1600 AEC. O “YBC” que precede o código de
catálogo do tablete se refere à Coleção Babilônica de Yale (Yale Babylonian Collection).
Na Figura 9 tem-se o tablete YBC 7289 e sua tradução, cuja interpretação é a de se tratar
de um quadrado de lado a = 30 e com diagonal c = 42, 25, 35, sendo b = 1, 24, 51, 10 a
medida da metade da diagonal (AABOE, 2013; REZENDE und NOGUEIRA, 2013).
9
5.2 A Primeira Tabela Trigonométrica do Mundo
Plimpton 322 é um tablete de argila parcialmente quebrado, que mede cerca de (13×9)
2
cm de área escrita e 2 centı́metros de espessura. Plimpton se refere à Coleção George
Arthur Plimpton, nomeada em homenagem ao principal contribuinte da Biblioteca da
Universidade de Colombia (MANSFIELD und WILDBERGER, 2017).
Este tablete contém 15 linhas e 3 colunas com conteúdo aritmético um tanto compli-
cado, sendo traduzidos como ternos de números pitagóricos, ou seja, uma solução com
números inteiros positivos que satisfazem x2 + y 2 = z 2 , considerando x, y e z para cada
uma das três colunas (AABOE, 2013; CASTRO, 2017). O tablete Plimpton 322 pode ser
visualizado na Figura 10.
Acredita-se que este tablete tenha sido escrito por volta de 1800 AEC. Atualmente,
muitos estudiosos ainda discutem sobre o conteúdo exato deste tablete. Os pesquisadores
já concordam que se trata de conteúdo de trignometria, porém, ainda se tem muitas
discussões sobre o propósito do conteúdos ali presente.
Uma interpretação é que o tablete Plimpton 322 seja algo que pode ser considerado
como a “Tabela de acordes de Ptolomeu”para aquela época. Seria como um tipo diferente
de tabela trigonométrica, na qual se lista triângulos retângulos com lado longo 1, lado
curto exato β e diagonal exata δ. Nesta interpretação, não se fala em ângulo, logo não
traz valores de seno e cosseno, mas sim, a medida dos lados. E, onde se teria a relação
entre o seno e o cosseno (tangente), tem-se a relação entre os lados β e δ (MANSFIELD
und WILDBERGER, 2017).
6 Considerações Finais
Mesmo se tratando de tabletes descobertos há muitos anos, ainda não se sabe ao certo
sobre todo o seu conteúdo. Muitos pesquisadores propõem interpretações para os sı́mbolos
marcados na argila daquela época. Ainda se discute sobre algumas traduções e as teorias
estão constantemente sendo debatidas.
A matemática da Babilônia pode ser observada na matemática que utilizamos atual-
mente, como foi possı́vel perceber as similaridades no decorrer do presente artigo. Ainda
10
se tem muito o que descobrir sobre o significado das traduções de alguns tabletes, o que
dá à matemática da Babilônia, apesar de ter origem antiga, um toque de originalidade e
novidade a cada descoberta.
A tradução e entendimento do conteúdo dos tabletes que já se tem conhecimento do
conteúdo, é um tanto confuso, pelo fato de não existir o zero e pelo sistema da época ser
sexagesimal. Assim, para acompanhar o raciocı́nio expressado pelos sı́mbolos é necessário
estar atento para não se ter interpretações equivocadas.
Com a interpretação apresentada com base nos referenciais teóricos, é possı́vel perceber
que os babilônicos foram fonte de inspiração para o que hoje conhecemos como Fórmula
de Bhaskara e Teorema de Pitágoras. Percebe-se que o material descoberto da Babilônia
apresenta possibilidades históricas e matemáticas de interpretação e aplicação, podendo
inspirar novos rumos na matemática atual e no campo do ensino da matemática.
Referências
[AABOE 2013] AABOE, A: Episódios da História Antiga da Matemática. In: Rio de Janeiro:
Sociedade Brasileira de Matemática (2013)
[BOYER 1974] BOYER, C B.: História da Matemática. In: Editora Blucher (1974)
[CASTRO 2017] CASTRO, F: Inscrições feitas na Babilônia há 3,7 mil anos mudam história da
Matemática. In: Estado de S. Paulo (2017). – URL <https://ciencia.estadao.com.br/noticias/
geral,inscricoes-feitas-na-babilonia-ha-3-7-mil-anos-mudam-historia-da-matematica,
70001949533>
[GUELLI 2004] GUELLI, O: Contando a Historia da Matemática: a invenção dos números. In: São
Paulo: Editora Ática, 7a impressão (2004)
[RICIERE 1991] RICIERE, A P.: Arqueologia Matemática: A origem da Matemática nas civilizações
antigas. In: São Paulo: Parma (1991)
[ROQUE 2015] ROQUE, T M.: A matemática na Babilônia. In: PROFMAT (2015). – URL
<https://www.youtube.com/watch?v=n7rJgCxbRQ>
[SANTOS u. a. 2008] SANTOS, C P. ; NETO, J P. ; SILVA, J N.: Babilónia - Ur. In: Edimpresa:
Norprint (2008)
[SILVA 2006] SILVA, T F.: Babilônia. In: InfoEscola (2006). – URL <https://www.infoescola.
com/civilizacoes-antigas/babilonia/>
[SIMON 2017] SIMON, F O.: História da Matemática - Aula 02 - Egito e Babilônia. In: UNIVESP
(2017). – URL <https://www.youtube.com/watch?v=N0DN_yyZok4>
[SOUSA 2020] SOUSA, R G.: Babilônia. In: História do Mundo (2020). – URL <https://www.
historiadomundo.com.br/babilonia>
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