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Comunicação, Linguagem e Semiótica

Aula 06

Profa Diana Macedo


CONVERSA INICIAL

Seja bem-vindo à última aula de Comunicação, Linguagem e Semiótica. Nosso


objetivo, neste encontro, é categorizar produções da mídia, diferenciar
linguagens e escolher modelos de análise semiótica; e também aumentar a
capacidade de identificar e inferir análises semióticas em produtos da
publicidade.

Gráficos, infográficos, diagramas, embalagens, interfaces, user experience,


telas, boards, outdoors, páginas web, espaços públicos e pontos de venda: a
publicidade está em todos os lugares. Desenvolver a capacidade de ler e
interpretar as mensagens que circulam por estes espaços é tarefa da Semiótica.
Algo como interpretar a cultura, traduzir, organizar e racionalizar os diferentes
contextos nos quais a cultura emerge.

Existem diferentes maneiras de se construírem saberes e conhecimentos, não


apenas a partir de dados e fatos, mas da elaboração de um entendimento
intuitivo do mundo, pela compreensão e interpretação. Estamos numa era em
que todas as coisas são hiper: hipertexto, hipermercado, hipercorpo. Um filósofo
chamado Lipovetstky nos alerta para o fato de vivermos na era da cultura de
excessos que prega a moderação: convivemos com anúncios de sanduíches
com três hambúrgueres ao lado de saladinhas light.

O mundo em que o gourmet pode ser caseiro, e o caseiro, gourmet. Tem hora
que a forma e o conteúdo coincidem, e em outras, forma e conteúdo não se
encaixam nas convenções. Recentemente, na música pop, três canções que
exaltam o hiper entraram nas paradas de sucesso: All about the Bass, de
Meghan Trainor, Anaconda, de Nick Minaj; e Booty, de Jennifer Lopez com Iggy
Azalea. O que estas canções do pop têm em comum? Que é chegada a hora de
celebrarmos a fartura, ainda mais depois de décadas de uma indústria da moda
e da comunicação de corpos magros ou atléticos. Por outro lado, questões como
a anorexia e bulimia preocuparam muitos terapeutas.
Mas, nossa era é outra: segundo as canções, vale mais um corpo violão do que
muito photoshop na vida (que aliás, virou o verbo “photoshopar”); que magreza
não está com nada, nada de “vara-pau” ou flauta; que “ele não gosta de magrela”
e “danem-se as magras”; e se esforce, trabalhe e balance “sua bunda grande”.
Em Os Tempos Hipermodernos, Lipovestsky chama a atenção para estes
excessos do mundo do consumo midiático: se esforce, trabalhe mais, coma
mais, compre três, mas seja moderado ou parcimonioso.

Tem gente que vive numa boa com estas contradições e tem gente cuja mente
irá dar um “tilt”. Além da Psicologia, a Semiótica também pode nos ajudar a
interpretar estas contradições, extraindo destes textos midiáticos os contextos
do que está sendo dito e de como está sendo dito, relacionando forma e
conteúdo, ou melhor, expressão e conteúdo. Do que essas canções do pop
falam? Como falam? No que diz respeito às magras, utilizar argumentos
negativos sobre o aspecto físico talvez não seja uma boa ideia (nem vice-
-versa), mas quando vemos as visualizações e os rankings desses sucessos
dessas cantoras pop, nota-se que sim.

Muita gente compactua com uma mensagem mais agressiva, mas que tem razão
para emergir, ou existir: é também uma forma de contestar padrões de beleza
do passado e padrões de beleza da mídia, padrões que, na maioria das vezes,
excluíam ou “coisificavam” as mais fartas. Vários estudos da Publicidade e da
Semiótica têm revisado o olhar às produções da cultura midiática que, muitas
vezes, “coisifica” a mulher, pois a Semiótica traz recursos importantes para a
análise das representações ao elucidar caminhos para interpretar o imaginário.
Cabe a nós da publicidade detectarmos, filtramos e melhorarmos as
representações que produzimos no dia a dia de nossos anúncios.
Tema 1 - Plano da expressão e Plano do conteúdo

Vivemos em sociedades simbólicas, cujos símbolos se internacionalizaram


econômica, social e culturalmente. O que se chama de aldeia global é algo
constituído por redes e linguagens que circulam o globo. Sobretudo mediante o
consumo de mensagens midiáticas e das inúmeras aldeias e dialetos,
construímos uma grande aldeia universal e global. Do dia para a noite, coisas
locais podem tornar-se globais.

Visualize por um instante quantas mudanças ocorreram em lugares destinados


e utilizados para o transporte, nos últimos anos, seja de pessoas ou mercadorias:
pelo Brasil afora, proliferaram-se as praças de pedágio, as catracas, ampliaram-
se terminais de passageiros, novas estações de trem e de metrô, rodoviárias,
aeroportos e portos. Algo que todos estes lugares possuem em comum é um
sistema universal de sinalização para orientar a circulação por estes espaços.
Sinais de trânsito, anúncios, demarcação da área para acessibilidade, faixas,
placas, luzes de emergência, sinalização de áreas de saída ou escape: em
qualquer lugar com intensa circulação de pessoas e, sobretudo, de mercadorias,
há o uso de símbolos para organizar, quantificar, indicar, explicitar e comunicar
como aquilo tudo funciona.

Funciona porque há comunicação para o uso destes espaços: espaços que


possuem signos verbais e não verbais, espaços físicos (um terminal e seus
cartazes), mas também espaços da racionalidade, ou das ideias e ideais
(comportamentos, regras, convenções). O mundo partilha de uma série de sinais
que se internacionalizaram ou que, também, nos internacionalizamos com eles.
No início deste século 21, esta integração de convenções nos dá a ideia de que
o mundo pareça menor porque nos comunicamos com gente do mundo todo, em
tempo real.

Em épocas conturbadas, com pessoas discutindo entre si, nas escolas, nas
redes sociais e nas ruas, pelo uso ou veto de determinada cor, pelos bonecos
pixulecos e pelos patinhos da Fiesp e o pato do artista holandês Florentjun
Hofman: a Semiótica é um conjunto ferramental que auxilia a percorrer os
universos de sentido construídos pela interpretação e análise dos signos e
porque certos sujeitos ou coletivos atuam diferentemente sob determinados
signos.

Você acompanhou a #PrimeiraGuerraMemeal, no Twitter? Ao analisarmos o


fenômeno sob o ponto de vista da Semiótica, as coisas podem extrapolar as
risadas. Basta querer analisar.

Caprichoso ou Garantido? Ai de quem ousar usar a cor adversária na cidade de


Parintins, no Amazonas, durante o Festival Folclórico de Parintins.

Anúncio publicitário da Prefeitura de Parintins/AM (2016).

É no mês de junho que acontece o Festival Folclórico de Parintins, em que as


marcas que patrocinam o festival buscam se adaptar à cultura local, pois a
cidade divide-se entre os seguidores do Boi Garantido (vermelho) e os
seguidores do Boi Caprichoso (azul). Essa relação é arbitrária, ou seja, depende
de determinado contexto: o visual, o verbal e o sonoro operam uma dimensão
expressiva que deriva da vontade ou arbítrio daqueles que agem, há um contexto
que produziu tal associação.

Trata-se da linguagem de um espetáculo que é produto de um ato discursivo de


toda uma cidade e das tradições do norte do país. O Festival Folclórico de
Parintins, como o nome diz, emerge de um sistema de linguagem (língua e
discurso) no qual há o consumo, ou as condições para sua recepção.

O azul e o vermelho dos bois são veículos de um processo de comunicação em


que se cria uma situação de comunicação: meios, arena, espetáculo, a cidade,
as marcas, as pessoas, etc. Há um conjunto de cores que organizam
conceitualmente a cidade, constituindo-se de algo que as pessoas constroem a
significação pela mediação (de meio). Estamos falando de grandes marcas,
entre os maiores anunciantes do país que, ao investirem em um evento desta
grandeza, se mostram antenados com a dimensão continental e diversidade do
Brasil, buscando engajar esforços de comunicação em festas mais tradicionais,
rumo ao interior.

Como comentava-se, durante este Festival Folclórico, algumas marcas cuja cor
é predominantemente vermelha, como o Bradesco ou a Coca-Cola, se adaptam
à cultura local:

Coca-Cola azul no Festival Folclórico de Parintins.


Imaginar a Coca-Cola deixar de vender para a metade da cidade de Parintins,
que pertence ao Boi Caprichoso (azul), é algo impensável nos dias de hoje.
Trata-se, pois, de uma homenagem e de um interesse: lembre-se que o azul é a
cor do concorrente, a Pepsi. O que você faria? Deixaria o lado azul da cidade
para a Pepsi? Pelo visto, não.

Temos observado, sobretudo desde 2013, que, no Brasil atual, vermelho e azul
são cores que representam espectros políticos opostos, tal qual a oposição de
vermelho vs. verde-amarelo.

Enquanto no Brasil a cor vermelha representa alguns partidos de centro-


esquerda, o azul vem para representar os partidos de centro-direita. Já nos EUA,
como num espelho invertido, o vermelho é a cor dos republicanos (centro-direita)
e o azul, dos democratas (centro-esquerda).

Claro que não podemos resumir toda a diversidade política de países da estatura
e dimensão do Brasil e dos EUA a apenas duas cores. Mas, no geral, nas
sociedades midiáticas em que vivemos atualmente, muitas vezes as coisas são
simplificadas ou reduzidas a esquemas como claro vs. Escuro, enquanto que
sabemos que o mundo é muito mais diverso do que algumas dessas dicotomias
propõem.

Observe a seguir a representação gráfica da política dos EUA, do site


Information is Beautiful:

EUA: Esquerda vs. Direita.


Na representação gráfica deste site, para fins didáticos, os EUA aparecem
representados por uma esquerda (com o azul dos democratas) e uma direita
(com a cor vermelha dos republicanos): demonstra-se, pois, que no espectro
político daquele país, as escolhas por tais cores contam histórias de culturas
diferentes das nossas.

Seja pela política ou pelo marketing, as cores podem dizer muito pois estão
carregadas de simbolismos que estabelecem uma linguagem ou uma situação
enunciativa, um discurso.

Marcas mudam de cor para o Festival Folclórico de Parintins.


Fonte: <http://www.portaldomarketing.net.br/e-hora-de-mudar-a-cor-dos-logotipos-para-
vermelho-e-azul-vem-ai-o-festival-folclorico-de-parintins/>.

Em 2016, seja no Brasil do impeachment ou nos EUA e suas eleições, ou em


Parintins durante o mês de junho, escolher usar a cor azul ou vermelha implica
em dizer (para muitos) qual lado você escolheu, mesmo que você não tenha
escolhido um lado.

Nestes contextos, tal escolha irá fazer parte de um sistema semiótico-discursivo


porque nestes contextos (crise política, eleições no estrangeiro ou o festival
folclórico), as cores delimitam muito mais do que uma preferência por esta ou
aquela cor (uma questão do gosto), mas todo um sistema de significação que
inscreve e produz efeitos de sentido; para isso, é preciso saber a história daquela
cor, os valores culturais e sociais atribuídos pelos indivíduos e pelas sociedades
àquela cor.

Para lermos isto tudo, temos de prestar atenção aos signos verbais e não
verbais, bem como à situação na qual eles emergem. Assim, na leitura de um
texto publicitário, seja ele qual for, precisamos ficar atentos para as diversas
camadas que compõem uma mensagem publicitária:

 Analisar os signos verbais e não verbais


 Entender o plano da expressão (significante visual) e o plano do conteúdo
(significado)
 Compreender o discurso e a situação enunciativa
Estudar o que foi apontado até aqui é estudar o campo do semissimbolismo, de
Jean-Marie Floch. A partir deste autor, aprende-se que os planos da expressão
e do conteúdo são permeáveis entre si: o que está sendo dito (significado) pode
e irá constituir-se ainda pelo como está sendo dito – figurativa e tematicamente.
Quando observamos uma imagem, um anúncio, uma escultura ou um cartaz,
estamos sempre lidando com um significante visual que pode ou não ter um
significado. Ou uma imagem que ‘fala’, com ou sem texto escrito. É por este
caminho a perspectiva de Floch.

Já Lotman, explica que se trata de uma permeabilidade que enriquece e


complica o processo sígnico, pois a situação enunciativa pode ser, muitas vezes,
contraditória (a relação do plano da expressão e do plano do conteúdo). Desta
forma, veremos agora porque esta relação pode demonstrar situações
contraditórias. Sabe aquela expressão “não julgue um livro pela capa”?

Essa expressão quer dizer que é melhor conhecer o conteúdo antes de julgar
apenas quanto à embalagem ou sua aparência exterior. O aspecto exterior de
um livro pode dizer muito sobre o que tem ali dentro, e ainda assim o conteúdo
poder ser menos interessante, ou a capa pode ser pouco interessante e o
conteúdo conter a mais rica narrativa. Assim, devemos evitar apenas observar
um aspecto e, numa perspectiva dialógica, deixar os textos (verbais e não
verbais) nos surpreenderem.

Vamos a outro exemplo, com uma obra de arte famosa que levanta a questão
da relação entre o plano da expressão e o plano do conteúdo – trata-se da obra
do belga René Magritte:

A traição das imagens [La trahison des images], 1928, René Magritte. Óleo sobre tela.
Faz parte do acervo do Museu de Arte do Condado de Los Angeles.
Fonte: <https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=555365>.

Este óleo sobre tela traz a figura de um cachimbo (ilustração, plano da expressão
– elemento plástico) acompanhada do texto – “Isso não é um cachimbo” – em
francês. Se omitidas as informações que aparecem na figura, poderíamos dizer
que seria como se o artista fizesse uma provocação a quem observa o quadro:
“como isso não é um cachimbo se é igual a um?”. No momento que fazemos
isso, estamos nos comunicando com a obra/artista, readequando nossas
categorias de falso/verdadeiro, igual/diferente, arbitrário/não arbitrário e as
entrelinhas. O nome da obra, pelo título, A traição das imagens, já revela que
há algo em jogo – é mais fácil entender do que ‘fala’ o quadro.

Mas, esquecendo o nome da obra, se olharmos ao que está dentro do quadro, e


não fora dele, esta representação pictórica traz uma ironia em seu conteúdo
textual-pictórico: anunciada na relação expressão/conteúdo – a ideia de que
realmente não se trata, ali, de um cachimbo (por isto não é um cachimbo), mas
de uma pintura de um cachimbo, uma representação (o quadro todo é um
enunciado).
É uma ilustração de um cachimbo (expressão, a parte “plástica” da imagem) e a
informação/frase de que aquilo não é um cachimbo (em parte, seu conteúdo).
Ambas permitem entender que há um plano da expressão e um plano do
conteúdo, e é através destes que interpretamos o quadro de Magritte.

O quadro de Magritte é como o exemplo anterior, o de que a capa do livro


(expressão) não deve ser unicamente utilizada para julgar o mesmo porque (a
capa) encobre ou disfarça a situação (conteúdo do livro). A ilustração do
cachimbo (expressão), no quadro de Magritte, está ali para dizer que nem todas
as imagens são “a verdade” (conteúdo), pois são representações. De qualquer
forma, primeiro devemos nos comunicar com as obras:

 Ler o livro (conteúdo) para depois julgar se a capa do livro (em parte, sua
expressão) é uma disjunção ou conjunção.
 Entender, na pintura de Magritte, e observando apenas o quadro em si, a
ironia (conteúdo) de que as imagens (expressão) são representações que
nos traem.

Assim, o plano da expressão existe em conjunto com o plano do conteúdo. O


plano do conteúdo apresenta níveis e o plano da expressão apresenta
dimensões. Um existe com o outro, são interdependentes. Para frisar, mais uma
vez: expressão tem a ver com os elementos plásticos (ou formantes) das artes
(artesanais, eletrônicas e digitais) e suas gramáticas; enquanto que conteúdo
tem a ver com o que está sendo dito (termos), mas não só o texto (legenda,
escrita, assinatura, etc.) – mas do conjunto textual que emerge da relação entre
expressão e conteúdo (semântica).

Destaque-se ainda que o plano do conteúdo vai trazer o conceito de termos –


podendo ser uma frase, letras, palavras, mas não só, podem ser também uma
expressão figurativa (por exemplo, os termos/ideias: morte vs. vida – você
entende uma porque existe a outra, o que importa é a relação, você entende o
conceito vida porque entende o conceito morte).
Observação

Preste atenção aos textos de Semiótica e procure não confundir uma expressão
figurativa do tipo “vida vs. Morte” com o plano da expressão. Este traz os
conceitos dos formantes da obra (é uma pintura, é uma foto, é uma escultura,
um display) em suas dimensões de espaço, luz, cor e sombra, texturas, planos
(cinema), suas formas plásticas. No tema 2 desta aula você irá compreender isso
melhor. Por enquanto, vamos observar o óleo do René Magritte de novo?

A traição das imagens [La trahison des images], 1928, René Magritte. Óleo sobre tela.
Faz parte do acervo do Museu de Arte do Condado de Los Angeles.

Fonte: <https://en.wikipedia.org/w/index.php?curid=555365>.

Exemplo de esquema de análise do Plano de expressão para uma pintura.


Exemplo de esquema de análise do Plano do conteúdo de uma pintura.

Observação

Até aqui, exploramos apenas alguns exemplos para mostrar como os planos da
expressão e do conteúdo funcionam entre si. Note também que o nível narrativo
do plano do conteúdo foi explicado antes, através da interpretação de que a
narrativa do quadro é uma ironia. No nosso próximo tema, iremos analisar um
anúncio publicitário impresso.

Saiba Mais

Para saber mais, veja mais exemplos da tensão (e contradições) que operam o
plano da expressão e o plano do conteúdo. Pesquise sobre um criativo da
publicidade que gostava de colocar anúncios em mídia exterior com fotografias
imensas: o italiano Oliviero Toscani. Veja as campanhas que ele fez para a grife
Benetton nos anos 1990 e início dos anos 2000 com o intuito de chocar/provocar.
O cara entendia de buzz marketing quando mal havia nascido a internet.
Tema 2 - O Semissimbolismo

Como estudamos na aula cinco de Comunicação e Significação, há uma


diferença entre Semiótica e Semiologia europeia. Volta e meia, os estudos
semióticos convergem, criando espaços dialógicos entre as teorias. Isso tudo
decorre dos objetos da Semiótica, que fazem parte do campo da cultura.
Somente uma postura dialógica do comunicador permite analisarmos uma
música, um quadro, um filme, ou uma foto como textos.

No texto Acerca de la semiosfera, Iuri Lotman comenta os fundamentos e as


bases da Semiótica para as diferentes tradições: que Peirce “parte do conceito
de signo como elemento primário de todo o sistema semiótico”, ao passo que a
tradição de Saussure “toma como fundamento a antinomia entre a língua e o
discurso (o texto) ” (LOTMAN, 1996, p. 21).

De qualquer forma, ambas as teorias caminham do simples ao complexo, e vice-


versa, criando maneiras de interpretarmos os processos de criação de
consensos. A palavra consenso vem do latim consēnsus ou consentis, e
significa, con-estar em concordância e de acordo (em uniformidade,
mutuamente); sentis ou sensi significa alerta e consciente (perceber) através dos
sentidos (e sensações e sentimentos/faculdades).

Ainda, é bom retomarmos de Lotman a ideia da semiosfera – ele se utiliza da


ideia de um edifício – um edifício não resulta de um tijolo ou vários, mas de seu
conjunto ordenado: “todo o espaço semiótico pode ser considerado como um
mecanismo único [...] então é primordial atentar para um ou outro tijolo, mas o
‘grande sistema’ denominado semiosfera. A semiosfera é o espaço semiótico
fora do qual é impossível a existência da semiose” (1996, p. 24).

O semissimbolismo é a abordagem que vai estruturar a análise dos signos


mediante a interpretação do plano do conteúdo e do plano da expressão.
Nesta perspectiva, a significação acontece pela correspondência entre
categorias de linguagens semissimbólicas (significante e significado se
‘homologam’). Serve para analisar discursos e enunciados, por exemplo, quando
estes aparecem sob a forma de um anúncio ou propaganda, ou uma obra de arte
ou qualquer outro produto midiático. Podemos extrair interpretações sobre o que
dizem os produtos da mídia, especialmente os que tem som e imagem,
audiovisuais (que muitas vezes misturam diversas artes em um só produto).

Devemos a Hjelmslev a ideia que a Semiótica tem uma função, a função


semiótica, que se constitui de uma relação entre os planos do conteúdo e da
expressão. Uma acepção relevante do semissimbolismo é a ideia e análise dos
valores plásticos: “fala-se hoje correntemente de ‘artes plásticas’ para englobar
todas as artes da imagem não-fotográfica, as artes da imagem ‘feita à mão’”
(AUMONT, 19993, p. 264).

Assim, uma análise semiótica que se utilize do semissimbolismo começaria por


identificar:

 O plano da expressão – vem das partes plásticas – cada medium tem


sua especificidade
 O plano do conteúdo – nível Fundamental, nível Narrativo, nível
Discursivo

Emprestando o conceito da ‘plasticidade’ das artes plásticas, Floch (In:


AUMONT, p. 263-69), trabalhou a ideia de uma gramática plástica, onde
examinamos a dimensão plástica da imagem de acordo com as práticas do
artista que a produziu, como:

 os elementos – a superfície, a cor, a gama dos valores e matizes


 as estruturas – pontos, linhas criam ritmos, expressão, metáforas
 a estruturação – onde o papel do artista na plasticidade de uma obra
deve ser considerado

As teorias do plano da expressão têm tentando explicar, essencialmente, o que


está sendo dito e como está sendo dito, por qual meio está sendo dito. Isso é
importante pois cada signo plástico possui uma gradatividade e uma
materialidade. Para Aumont, a gradatividade é como uma paleta, você nota as
diferenças entre um tom e outro porque elas estão em uma escala. E a
materialidade diz respeito à própria transformação de uma obra: uma foto
retocada é diferente de uma foto ‘crua’, e existem obras que tem múltiplas
camadas de retoques (AUMONT, p. 266).

Para empreendermos a ‘leitura’ das artes, precisamos entender como aquilo foi
‘expressado’ ou, como coloca Aumont, aquilo que exprime a expressividade.

Já o plano do conteúdo, apresenta os níveis:

 Fundamental – deparamo-nos com conceitos binários neutros ou


complexos;
 Narrativo – há operações de junção com um objeto valor – conjunção/
disjunção;
 Discursivo – opera temas; pressupõe um narrador e um ouvinte,
auditório, plateia (competência, performance, sanção, etc.)

No que diz respeito ao plano do conteúdo, vamos para o caminho da semântica


discursiva, no nível discursivo. Os temas e as figuras se organizam em
percursos, a colocação dessas figuras no discurso constitui a figurativização,
assim, um discurso é um simulacro do mundo natural. Temas são termos
abstratos que organizam e qualificam o mundo. Ainda, para Aumont (1993, p.
244), uma narrativa é um conjunto organizado de significantes, cujos significados
constituem uma história: “Além disso, esse conjunto de significantes – que
veicula um conteúdo, a história, que deve se desenrolar no tempo – tem, pelo
menos na concepção tradicional, duração própria, uma vez que a narrativa se
desenrola no tempo”.

Devemos frisar que toda narração e representação estarão relacionadas ao seu


espectador: são relacionadas a “enunciados ideológicos, culturais, em todo caso
simbólicos, sem os quais ela não tem sentido” (AUMONT, p. 248).
Cabe lembrar que “o processo de simbolização do real, isto é, de produção de
artefatos ‘intercambiáveis’ no interior de uma sociedade, que permite se referir
convencionalmente a ele” (AUMONT, 1993, p. 202): estamos fazendo referência
a objetos concretos (representação ou figurativo) ou a objetos abstratos
(valores/expressão).

O semissimbolismo é uma abordagem da perspectiva fenomenológica na


Semiótica: pressupõe um entendimento comunitário prévio, construtivo do
mundo a que a linguagem se refere.

O referente é, assim, para a perspectiva fenomenológica, um constructum


indissociável de um mundo próprio, de natureza linguística (RODRIGUES, 2010,
p. 171) – lembre-se do edifício de Lotman. Pense por um instante em quantas
coisas você consome que possuem design digital (uma rede social, um anúncio
online, um app, um comércio eletrônico).

No livro Uma Filosofia do Design: a forma das coisas, Vilém Flusser vincula
a palavra design ao latim signu: “Uma vez associada a signo, torna-se mais fácil
entender a proliferação desse conceito, e não mais da palavra, em nossa cultura
povoada de signos. Signos estes como resultado da proliferação dos resultados
de máquinas sensórias, como as máquinas fotográficas, filmadoras e
impressoras” (TAVARES, 2003, p. 221). Alguns autores falam da “tradução
intersemiótica” – a tradução de um signo de um medium para outro: “A palavra
procura expressar imagens, estabelecer semioses/intersemioses, funciona
como signo de comunicação entre línguas, na mesma língua, entre outros
signos” (ANTONIO, 2003, p. 318).

Observe que as palavras meio/mídia/media são todas derivadas do latim


medium (meio): “a experiência mediada, em contraste com a experiência
imediata, insere alguma coisa no meio, entre a fonte e o espectador”
(GOLDBERG, 203, p. 406). Quando falamos do plano da expressão e do plano
do conteúdo, estamos falando de uma experiência com os signos, que será
sempre mediada por uma estética em que ação e o discurso se fundam para a
elaboração de efeitos de sentido através da estilística e da retórica. Muitas
vezes, quando estamos jogando um videogame, por exemplo, as narrativas que
desenvolvemos (ao jogar) não seguem necessariamente uma lógica do início-
meio-fim da literatura, com causa e efeito. Muitos jogos digitais são o puro caos
a um olhar externo (alguém que não conheça o jogo) e só o compreendem os
seus jogadores.

Por outro lado, os jogos de videogame precisam de uma interface amigável, que
traga novos jogadores/consumidores a sua plataforma.

É mais ou menos assim que funciona estudar os processos de constituição de


discursos e efeitos de sentido: o plano da expressão e o plano do conteúdo são
como o jogo de videogame, quem o percorre, o conhece melhor: é preciso
conhecer o terreno (os autores chamam isso de topologia – a dimensão
topológica – das imagens).

Como estamos na era do design de interfaces, os estudos derivados de Floch e


Greimas encontram diversas aplicações para essa metodologia de análise da
dimensão expressiva dos signos: temos multitelas, tecnologias eletrônicas,
aparelhos que ‘conversam’, smartphones que desenham: o plano da expressão
e os elementos plásticos (os formantes plásticos, que dependem da
especificidade de cada meio) de uma imagem/texto – estão a transformar os
conteúdos que veiculamos.

Segundo a perspectiva da dimensão expressiva, a semiótica pode estudar os


comportamentos, os gestos e os objetos culturais, do ponto de vista da
significação, independentemente de sua referencialidade e do seu efeito (in
RODRIGUES, p. 181). Ou seja, podemos usar o exemplo do que está dentro do
quadro de Magritte e seu “isto não é um cachimbo” para pensarmos o fora do
quadro/tela: vivemos na era de imagens de photoshop – na era em que as
imagens podem “mentir” (SANTAELLA; NÖTH, p. 200), mas, isso, teremos que
deixar para outro momento.
Se quiser saber mais sobre isso, por ora, leia:

 A Câmara Clara, de Roland Barthes (2006)


 Sobre a Fotografia, de Susan Sontag (2004)
 Imagem, de Santaella e Nöth (2008)

Para lembrarmos da aula passada (Comunicação e significação), vimos que as


práticas significantes têm a dualidade significante/significado, bem como se
compreende esta dualidade acontecendo nas relações sócio históricas, nas
quais as narrativas emergem da significação.

Neste sentido, os textos surgem de contextos: a denotação e a conotação foram


ferramentas que vimos que possibilitam a construção de significações (LOPES;
CODATO, 2009, p. 207).

Vimos também que os signos são entendidos dentro de um contexto social, do


qual podemos estudar os diversos objetos da cultura, sob a noção de sistemas
de signos. Na aula anterior também vimos que a semiologia dá atenção ao
emissor e ao leitor: o texto, ou a significação constituem um processo no qual o
leitor tem o papel de criar novas formas de interpretação a partir de suas próprias
experiências (LOPES; CODATO, 2009, p. 208). Assim, entendem-se os
discursos como esquemas de paradigmas enunciativos: discursos emergem de
sistemas de significação dos fatos da vida social.

Tema 3 - Análise semiótica da publicidade visual

A publicidade e sua visualidade fazem parte do nosso dia a dia. Quanto maior o
espaço de confluência de pessoas, maior a probabilidade de interagirmos com
anúncios. Por isso, a noção de percurso (percorrer as imagens e os textos) é tão
importante para a Semiótica. Outro aspecto importante que devemos destacar
diz respeito à publicidade visual: é o tipo de imagem que se está analisando.
Santaella e Nöth (2002, p. 73) sugerem o percurso elaborado por Jacques
Aumont (do livro A Imagem, 1993) em que se classificam as imagens na sua
relação com o tempo e o espaço, podendo ser dos seguintes tipos:

 Imagem fixa vs. Imagem móvel


 Imagem única vs. Imagem múltipla
 Imagem autônoma vs. Imagem em sequência

Entre estes tipos destacados por Aumont, os quatro primeiros (fixa, móvel; única,
múltipla) são mais plásticos, enquanto que a última categoria dos tipos de
imagem, que coloca em oposição a Imagem autônoma vs. Imagem em
sequência, diz respeito a “um critério mais semântico, em que a sequência é uma
série de imagens vinculadas por sua significação” (1993, p. 161).

Lembre-se que o semântico é o componente do sentido das palavras e da


interpretação das sentenças e dos enunciados – então, aqui, trata-se de uma
perspectiva que diz que uma imagem ‘fala’, pelo seu tipo, ‘fala’ algo sobre sua
natureza. Ainda, imagens podem ser produzidas artesanalmente ou sintéticas.
Para Edmond Couchot, existem dois tipos de imagem: as imagens da
representação (da pintura renascentista até o vídeo), enquanto que as imagens
simuladas em computadores (3D, videogames, etc.) são imagens sintéticas (in:
NÖTH; SANTAELLA, 2008, p. 159) porém, alguns autores aferem que as
sintéticas também são representações. Para tal empreitada, Santaella e Nöth
chamam a atenção acerca da importância de Peirce, onde um qualquer signo é
representação, um objeto existente, imaginável e mesmo inimaginável – nessa
acepção, portanto, seja sintético ou não, é uma representação porque é signo.

Temos apontado que quando nos empreendemos na análise semiótica de um


anúncio, devemos atentar para os aspectos verbais e não verbais – analisar as
formas de expressão (imagens, formas, traços, cores, composição, equilíbrio,
simetria), bem como entender seu conteúdo – o encadeamento destes cria uma
situação enunciativa (discurso), ao articular os elementos plásticos (expressão)
aos elementos de conteúdo (e, portanto, estabelecendo um percurso gerativo de
sentido).

Em toda a imagem ou anúncio da publicidade visual há uma dimensão plástica


(significante visual) e uma dimensão figurativa (significado) – e ambas se
articulam (dialogicamente) em uma situação enunciativa (linguagem) que pode
acionar efeitos de sentido em um discurso (sistema). O importante é que o futuro
comunicador tenha em conta que existem muitas escolas e autores para a
análise semiótica de cada medium: o legal é ir tateando e conhecendo.

Passamos então a uma análise de publicidade visual. Entre os objetos a se


analisar, poderiam ser qualquer elemento visual da publicidade (um anúncio
impresso, uma embalagem, um display, um folheto, etc.). Aqui, escolheu-se o
caminho sugerido por Santaella em um estudo de caso sobre o potencial
comunicativo da publicidade (2002, p. 59-68). Os parâmetros de análise que
iremos utilizar são divididos em fases, seguindo o modelo de estudo proposto
pela autora:

 Significação/representação
 Referência
 Interpretação

Cada uma dessas fases tem três aspectos (lembrar-se do signo triádico).

Observe a seguir o anúncio da agência DM9 para a marca KitchenAid que, no


mercado brasileiro, se posiciona como uma marca de eletrodomésticos no
segmento premium, ou de luxo. Trata-se de um anúncio de uma campanha
veiculada em 2011 que se utilizou da arte moderna – em peças com a Art déco,
o Modernismo brasileiro, a Pop Art e o Surrealismo.
Anúncio KitchenAid, da DM9.

Fonte: <http://www.dm9ddb.com.br/wp-content/uploads/2011/08/KitchenAid-
ModernismoBr1.jpg>.

Ficha Técnica cliente: KitchenAid


Ilustração: 6B Estúdio Agência: DM9DDB
Diretor de Criação: Rodrigo
Diretor de Arte: Ulisses Razaboni
Almeida

Na sequência, apresentamos algumas observações sobre o caminho que


podemos percorrer para analisar este anúncio: Análise Semiótica da
Publicidade Visual (adaptado de SANTAELLA, 2002).
Fonte: <http://www.dm9ddb.com.br/wp-content/uploads/2011/08/KitchenAid-
ModernismoBr1.jpg>.
Lembre-se de como produzimos os signos. Os estudos de Peirce trabalham com
o modo de produção do signo, do raciocínio e seu vínculo com a realidade à qual
o signo se refere. Os criativos do 6B Estúdio comentam no blog que “foi ótimo
ter a companhia de Tarsila no estúdio”. Este comentário nos leva a uma
mensagem cultural. A campanha da DM9 para KitchenAid traz imagens que
fazem o texto pictórico: assemelham-se ao objeto que retratam, mas não são o
objeto, são signos. E foram feitas em um estúdio digital, simulando signos de
pintura, identificados pelos traços (indexicalidade, indicial).

Segundo nos explica Santaella, ao analisarmos as três fases, estamos utilizando


a definição peirceana da significação (signo em relação a si mesmo), da
objetivação (se refere à alguma coisa) e da interpretação (produz um efeito
interpretante).

O que o anúncio significa/ representa? Estamos na fase da


significação/representação: os traços nos permitem aferir esta imagem como
uma representação pictórica, e não como uma fotografia. Embora semelhantes,
não são a mesma coisa, pois como diz Barthes, entre outros, fotos contêm
‘vestígios’ do objeto, emanam do objeto que apresentam (tipo a sua foto 3x4);
uma foto é um ícone indexical (SANTAELLA; NÖTH, p. 110-1). Lembre-se que
o verbo fotografar é escrever com luz.

Mas, no anúncio da DM9 para a KitchenAid, temos (inicialmente e ironicamente)


uma ‘cópia’ e ‘traço’ do objeto, eis o signo, sempre ambíguo. E o que ‘pesa’ mais
nos tipos de traços que compõem a imagem? A ideia de pintura. Mesmo tendo
sido simulada em computador. Os elementos indiciais do anúncio mostram que
se trata de uma pintura, portanto, é índice de uma cena sob a forma de pintura
(trata-se de uma ilustração, aponta para, não é o objeto) Ainda se nota que
existem sombras que são comuns à pintura (convenção), que trazem a noção de
profundidade e da perspectiva – este tipo de efeito/textura (é indicial) – que nos
leva à convenção ‘pintura’/‘ilustração’/‘artista’. Assim, ainda é possível examinar
uma indexicalidade (de índice) no anúncio, pois aponta para o estilo de Tarsila
do Amaral (pintora do Modernismo brasileiro).
Então, na fase significação/representação, examinamos as qualidades visuais,
vimos ainda que se que se trata de um anúncio publicitário (contexto), sob a
forma de pintura, no estilo do modernismo de Tarsila do Amaral (cultura).
Entende-se que pinturas podem ser convenções (Schemata, de GOMBRICH,
2009; ver: SANTAELLA; NÖTH, 2008), pois todo o movimento artístico tem uma
linguagem que aparece sob a ideia de ‘escola’, ‘tradição’, ‘estilo’ do artista.

Simbolicamente, se conhecida a convenção na qual se inspira este anúncio: ler-


se-á Tarsila do Amaral. Tal convenção enquadra-se em outra, a do Modernismo
brasileiro, movimento artístico que teve seu auge na Semana de Arte Moderna
de 1922. Para tanto, é preciso algum conhecimento sobre as obras de Tarsila e
de outros artistas do período. Entre os elementos icônicos (cópias do objeto ao
qual se referenciam –apontam para o objeto, e não a outra coisa – assemelha-
se com o objeto) temos, por semelhança: fruteira, abacaxi, bananas, caju, poste,
mão, limão, casas, batedeira, quadro ou janela, metal. Um aspecto desta pintura
é sua singularidade icônica (SANTAELLA; NÖTH, p. 141-55) por apontar para
as cores, traços de obras icônicas de Tarsila do Amaral, como o famoso
Abaporu (Acervo do Museu de Arte Moderna de Buenos Aires).

Atenção!

Caro estudante de Publicidade, no mundo das artes, tudo é arte. Ponto. Leia de
novo: no mundo das artes, tudo é arte. Alguém um dia vai colocar um rótulo:
minimalismo, gourmet, pontilhismo, dadaísmo, gagaísmo, e por aí vai...

A que o anúncio se referencia? Vamos à fase da referência: a principal cena


retratada é uma cozinha ou copa, mas não temos como saber, pois o quadro
coloca ao centro outro objeto icônico: uma batedeira vermelha da KitchenAid
sobre uma superfície azul. Este azul aumenta o contraste e direciona o nosso
olhar para o centro da imagem. Então, o anúncio refere-se a uma batedeira, à
cena de alguém usando o eletrodoméstico chique da marca KitchenAid.
Trata-se de um produto icônico da marca por ser um dos carros-chefes da
KitchenAid, marca que se posiciona como aquela que fabrica a versão
profissional (e premium) dos eletrodomésticos, daqueles de cozinhas industriais.
Qualidade (e visual) do tipo industrial. A marca buscou associar-se a chefs para
frisar seu apelo profissional. Outros podem dizer que o visual do produto é
vintage, mas isso seria algo antigo.

Saindo do anúncio, mas para a marca que ele aponta, uma informação externa:
os produtos da KitchenAid são vendidos, hoje, mesmo tendo tido seu visual
mudado pouco desde a década de 1930. A marca investe na tradição do seu
design e, portanto, busca diferenciar-se pelas formas de seus eletrodomésticos,
e faz tempo. É um ícone do design moderno segundo o Museu de Arte Moderna
de São Francisco (SFMOMA, online).

Estamos na era em que museus de arte moderna vendem utensílios para


cozinha. Utensílios com design. Mas, retomemos quem pensou vintage: a ideia
de vintage é positiva e esse aspecto visual retrô do produto faz emergir uma
denotação (ao que a pintura/anúncio se referencia) e uma conotação
(implicação, mas deixamos isso para depois). Mas, a ideia do antigo/retrô pode
ser positiva, pois ela se associa a um senso comum de que os eletrodomésticos
do passado, muitas vezes, são considerados melhores que os de hoje por
algumas vovós – daquelas que dizem no meu tempo as coisas duravam mais.
Como estamos na era da obsolescência programada, temos alguns indícios de
que os produtos de hoje talvez durem menos mesmo: quase todo ano lançam
um modelo novo do modelo atual do smartphone que usamos ou vamos um dia
usar – não é verdade?

Outros signos que já comentamos como icônicos são as frutas, algo que vai ser
lido facilmente por qualquer brasileiro. Temos no anúncio abacaxi, bananas,
limão, laranjas e cajus: frutas cítricas, de cores quentes, que aquecem e
complementam o vermelho da batedeira. Frutas, mesa, batedeira, uma janela ou
quadro, uma mão.
Há ainda um traço de causa-consequência na cena: a mão que segura o jarro
pressupõe algum movimento (um antes/depois) que extrapola o quadro.

A informação sensorial de cores quentes é algo importante para denotarmos o


calor do céu ao fundo do anúncio (é uma janela? é um quadro dentro do quadro?
o que é?). Nas casinhas ao fundo, uma mulher está na porta. Uma mulher
vermelha. Ela é tão pequenina que nem deveria ser notada, mas está lá. E as
folhas das árvores? São palmeiras? As árvores, as frutas, vilas, vilarejos e
paisagens urbanas eram motivos que Tarsila gostava de retratar, pesquise sobre
ela.

No anúncio da KitchenAid, podemos ainda notar um poste. E isso começa a fazer


algum sentido para quem conhece a obra de Tarsila, pois ela retratava o Brasil
em mudança: um país de natureza exuberante e a vinda do progresso acontecia
nos anos 1920 sob a forma de vagões de trem, postos de gasolina, torres de
fábricas, pontes, carros, armazéns. Tarsila produziu obras em que as cores
trazem movimento, texturas, e são cores contrastantes, solares como as frutas,
gentes, casas e a flora do Brasil.

Ao simular estes elementos de Tarsila, os aspectos icônicos das cores no


anúncio criam ainda um tópos de sentido de verdade: a cor prateada do inox
aparece em azulados e cinzas, que fazem as vezes dos elementos de metal do
eletrodoméstico. Tarsila, talvez, gostasse do resultado do anúncio, mas ela não
retratou eletrodomésticos, no máximo, chegou aos maquinários e às estruturas
da industrialização.

O que podemos interpretar com este anúncio? Quais efeitos ele produz?
Emocionalmente, o anúncio traz um espaço privado, uma copa ou mesa de uma
casa que qualquer brasileiro considera plausível. Já o eletrodoméstico é a estrela
do anúncio. Vimos que nosso olhar é conduzido ao centro. É uma imagem
doméstica, agradável, familiar. Quase bucólica, se não fosse o metal do
eletrodoméstico. É uma cena brasileira, mas não é, porque a marca é
estrangeira.
Por outro lado, o anúncio pode trazer as seguintes leituras variadas de
interpretação, quase na interdiscursividade. Não é um anuncio que vai fazer o
consumidor sair correndo comprar um eletrodoméstico da KitchenAid, mas pode
levar o consumidor a procurar as outras peças da campanha, conhecer mais
sobre a marca e talvez até salvar as imagens.

Como reflexão, a interpretação pode extrapolar ainda mais o anúncio, e


poderiam emergir os seguintes aspectos (sem esgotá-los):

 Abaporu é um ícone da arte (é Tarsila)


 O anúncio é um índice da mídia, é uma imagem criada pela mídia (sobre
um ícone da arte)
 Quem lê Tarsila, lê modernismo brasileiro
 Quem entende de arte entende de culinária
 Quem sabe o que é KitchenAid, sabe o que é Le Creuset, Cuisinart e
provavelmente segue o reality MasterChef
 Entender de arte é ter ‘bom gosto’ (sim, isso também vem do anúncio)

Por fim, não iremos analisar o plano do conteúdo neste anúncio aqui. O plano
expressivo é o que se pretendia evocar, para demonstrar um caminho de
aplicação. Deixaremos o plano do conteúdo para os temas seguintes desta aula.
Mas, para fins de melhor visualização, colocamos os elementos textuais aqui:

O modernismo trouxe para o Brasil um jeito novo de ver a arte. A KitchenAid fez
o mesmo na cozinha, enxergando a culinária como expressão artística. Conheça
nossos produtos e outros movimentos artísticos em: [endereço eletrônico].
KitchenAid. Para quem culinária é arte.

Ao ler o que está no texto escrito do anúncio, você mesmo pode notar que o
texto reforça a leitura que fizemos do plano da expressão. Utilizamos também
Peirce, a partir de Santaella, onde observamos que:

 os símbolos, ou o simbólico (convenções da arte, por exemplo) trazem


um valor interpretativo ao anúncio (fase interpretativa)
 os índices trazem a referencialidade ou valor referencial ao anúncio
(apontam para as figuras que copiam e não à outra coisa – fase de
referência)

 os ícones (Tarsila, KitchenAid) também evocam signos de valor


interpretativo (tanto para a fase interpretativa, quanto para a fase da
significação/representação), ícones que implicam nas associações que
apontou-se na reflexão sobre o anúncio

Aprofunde seu conhecimento sobre este assunto e leia o Capítulo 4 – O potencial


comunicativo da publicidade: estudo de caso (páginas 59-68) da obra de
Santaella: Semiótica Aplicada.

Tema 4 - Análise semiótica da publicidade audiovisual

Desde a invenção do rádio e do cinema, nossas imagens passaram a circular


não somente entre nós, mas também enviadas ao espaço. Isso diz muito sobre
como nós pensamos. Pensamos figurativa, abstrata e racionalmente. Via
imaginação, criamos a capacidade de estar ‘fora’ do real, fora do tempo/espaço.
De alguma forma, criamos representações que, via meios de comunicação,
fizeram com que o imaginário circulasse. De onde vem a ideia de imaginário?
Devemos a Lacan, segundo Santaella, a compreensão do imaginário.

Simplificamos para entender o complexo. Reduzimos as coisas até suas


menores partes para compreendermos o todo. Cientistas têm se debruçado
sobre a linguagem e sobre como nosso pensamento é construído. O audiovisual
possui uma gramática própria. Foram nomes como Griffith, Meliès, Vertov e
Eisenstein que lhe deram o status de uma linguagem particular, fundada na
manipulação do tempo e do espaço, do ponto de vista, da ilusão e da mimese.
O corte é o sampling do tempo. Então, é preciso investigar o aspecto do tempo
no audiovisual. O ritmo de uma cena de perseguição é distinto do tempo de um
drama. Aliás, por falar em drama, é difícil superarmos a Ásia.
Assista ao comercial da seguradora Thai – só no Youtube são mais de 28
milhões de views no link originário.

Anúncio de filme publicitário da Thai Life Insurance (Seguradora de vida Thai)


– Unsung Hero (Herói desconhecido).

Agência: Ogilvy & Mather Bangkok. Ano: 2014.

Para análise deste audiovisual, você pode se utilizar dos mesmos caminhos que
apontamos nos temas anteriores. Examinar os elementos plásticos, tendo o
cuidado de examinar a gramática do audiovisual, do cinema e da televisão.
Examinar o tipo de imagem (em movimento, em sequência, estática). Se é
sintética, tipo uma animação. Observar onde a câmera está (o ponto de vista da
lente), e observar se um plano demora mais em uma situação, e em quê situação
isso acontece. Cada meio e cada arte tem sua linguagem.

Algumas vezes essas linguagens se interseccionam, misturam-se de uma mídia


à outra. Outras vezes cada meio desenvolve sua própria gramática. O
audiovisual é muito importante na publicidade porque sua narratividade traz
textos figurativos que produzem efeitos de realidade/verdade (tipo a vida real, só
que mais bonita, como no comercial de margarina: casa, cachorro e família feliz
de propaganda). O filme publicitário da Thai Life Insurance é um comercial que
mostra o lado bonito da vida sem se parecer com um comercial de margarina. A
música é inegavelmente importante para dar o clima/ambiente às cenas.
Outra coisa importante é que no audiovisual a análise do plano de conteúdo é
mais relevante do que quando interpretamos imagens fixas ou estáticas. Uma
placa de trânsito vai ‘falar’ menos que um filme de 30 segundos – é esse o
raciocínio. Veja, não estamos falando que imagens estáticas/fixas não possuam
o plano de conteúdo, pelo contrário. Está-se apenas afirmando que no caso do
audiovisual, esta perspectiva tem mais ‘peso’.

Quanto à gramática do cinema, há um conceito que se chama diegese: é o que


está dentro da narrativa, dentro do espaço (tópos) do filme. Mesmo que algumas
vezes assistamos a alguns filmes que rompem com a diegese (o ator/atriz se
dirige ao espectador, ao espaço fora da tela, por exemplo, muito comum em
comédias), é algo que o cinema e a televisão evitam evidenciar.

O que o cinema e o audivisual tem em comum é que fiquemos ‘dentro da tela’,


atentos às narrativas. São meios que privilegiam a imersão do seu espectador.
Dentro da diegese do anúncio da Thai Life Insurance, existem algumas elipses.
Elipse, no audiovisual, é quando um termo (nível fundamental do plano do
conteúdo) ou tema (no nível discursivo) se repete ou é retomado ou reforça ou
uma ideia (nível narrativo). Sabe aquelas pessoas que se adiantam contando o
que vai acontecer num filme antes daquilo acontecer/aparecer? Além de
spoilers, são pessoas que geralmente leem bem as elipses do audiovisual. As
elipses vão ter por características apresentar o aspecto referencial de um signo,
indicar e evocar o plano de expressão e o plano de conteúdo. Elipses
geralmente contêm um significante visual e um significado.

No filme publicitário anunciado pela Thai existem várias elipses, mas a principal
é a da menininha, a história dela. Elipses podem ser planos da câmera em
determinados objetos (exemplo: a água desperdiçada no cano, o vaso de planta
murcha) ou ainda uma situação (o cacho de banana, a senhora na feira, o
cachorro, a carteira de dinheiro). Em todas estas situações, o plano expressivo
é reforçado e homologado pelas ações, gerando elementos para apreendermos
os níveis fundamental, discursivo e narrativo do plano do conteúdo.
A musicalidade e as falas (em off) deste anúncio também são importantes,
principalmente a música, que vai evocar e dar todo o ritmo às situações que se
desenrolam na diegese deste filme publicitário. Ela demarca a apresentação, o
desenvolvimento e a conclusão da história. Ainda, no plano da expressão, os
elementos eidéticos da música (instrumental de piano e até o gênero da música)
irão dar suporte ao cenário mental do espectador, e que se reforçam pelas ações
que se desenrolam. A música sobe ao final, pausa e, quase num fade, despede-
nos daqueles personagens. A fala em off nos leva ainda para fora da tela: há,
portanto, um narrador. Mas, neste caso, o narrador é menos importante que a
narrativa (diegese).

O interessante é que se trata de um comercial de seguros. Estão a vender um


produto (seguro) da forma mais emocional possível (apelando a emoções
universais). Mesmo que não saibamos nada de tailandês, é bem provável o
entendimento do plano do conteúdo da mensagem (temas e termos) do anúncio.
Trata-se de um texto figurativo que se comunica conosco através de ações que
traduzem emoções que os humanos são afeiçoados: empatia, ajudar ao
próximo. Não sabendo tailandês, a principal informação que perderíamos é de
que se trata de uma seguradora a anunciar. Mas o resto da história, conseguimos
captar tanto a expressão quanto o conteúdo. Isso é o incrível do audiovisual, a
sua capacidade de comunicar muito (emoções, metáforas, denotações, cultura,
sentimentos, sensações).

Esse alto poder comunicativo do audiovisual é o que faz com que os filmes
publicitários e sua veiculação seja a parte mais cara de uma campanha
publicitária. Tem muito valor agregado pela sua grande capacidade de evocar
expressão e conteúdo. Pense na semiótica quando estiver convencendo um
cliente a investir em audiovisual: você terá argumentos de sobra se estudar.
Poderíamos ainda utilizar as categorias da aula anterior quando estudamos o
percurso gerativo de sentido. No nível narrativo do percurso gerativo de sentido,
poderíamos examinar as categorias do texto temático e a sequência canônica
(avaliando a manipulação, a competência, a performance, a sanção).
Por fim, após apontar estes elementos, tente chegar no nível narrativo do plano
do conteúdo: é hora de operar a função interpretativa (narrativas são geralmente
predicativas – expressam um atributo ou estado ao objeto). O filme publicitário
conta uma história: qual é essa história? Fala sobre redenção? Superação?
Dinheiro? Felicidade? A tarefa da análise semiótica é tentar explicar como isso
acontece.

Para Santaella, “é da estética, na sua determinação daquilo que é admirável,


que vem a indicação da direção para onde o empenho ético deve se dirigir,
daquilo do que deve ser buscado como ideal. O fim ultimo da ética reside na
estética” (2008, p. 131).

Neste raciocínio, temos um filme publicitário que discute a ética de maneira


bastante simples, com uma mensagem de ajudar ao próximo. O comercial de
margarina também apela à estética, mas, geralmente, o ‘efeito de realidade’
deste tipo de comercial é fake, e isso não é à toa: em comercial de margarina
todo mundo é/parece feliz, o clichê do clichê.

Percurso gerativo de sentido

O plano do conteúdo pode ser interpretado a partir do percurso gerativo de


sentido. Para tanto, deve-se examinar os níveis fundamental, narrativo e
discursivo. No anúncio da Thai Life Insurance, o nível fundamental se manifesta
em oposições binárias, expressas em termos (como morte vs. vida – o exemplo
é o vaso de planta), ou (como bondade vs. maldade – as atitudes do rapaz são
do bem). Inúmeros vilões dos folhetins conquistam o público porque podem ser
bons e maus ao mesmo tempo. É quando essas oposições binárias do nível
fundamental se misturam (se somam), mesmo que expressem contrariedade.
Alguns vilões são bons e maus aos olhos do público, se examinarmos o nível
fundamental do plano do conteúdo (é assim que os personagens estruturam
sentido).
Um exemplo são as vilãs de telenovelas da Rede Globo, como a Nazaré Tedesco
(Senhora do Destino, 2004), e Carminha (Avendida Brasil, 2012), entre outras,
que foram personagens que, no nível fundamental, estabeleceram termos
complexos no plano do conteúdo (bom + mau). Mas, no anúncio da seguradora,
a diegese traz ainda, no nível fundamental do plano do conteúdo, uma noção de
valor (positivo ou negativo). As atitudes de bem do rapaz para com inúmeros
sujeitos produz uma euforia (algo positivo). Ao olharmos os vilões das
telenovelas sob esta perspectiva, também vão ser encontrados valores positivos
ou negativos.

Quanto ao nível narrativo: ao examinarmos o nível narrativo do filme Herói


desconhecido, da Thai Life Insurance, temos que observar as transformações
de estado que são operadas no nível narrativo. É quando se aplica as categorias
de manipulação, competência, performance, sanção. Resumidamente, iremos
apontá-las: na categoria da manipulação, temos a noção de que o sujeito (o
herói) não é rico. Na categoria da competência, o saber do sujeito e seu fazer,
temos que o sujeito é humilde (manipulação), mas ajuda ao próximo
(saber/fazer). Portanto, esse sujeito humilde, simples nas atitudes (saber/fazer),
tem pouca riqueza (manipulação).

A categoria da competência se relaciona diretamente com a categoria da


performance: ele divide (competência) o pouco que tem (manipulação) com boas
atitudes (competência). Sua riqueza é de espírito (performance – transformação
principal da narrativa), e não material. Ao ajudar os outros, ele cria alegrias, para
si, e para os outros (sanção). Até o senhor ranzinza da ótica se comove, pois
reconhece as boas ações do herói (sanção).

Outro exemplo deste percurso pode ser observado na narrativa contada sobre o
cano de água a vazar na rua. Ao ser molhado pela água que desce pelo cano
(manipulação), como a água está sendo desperdiçada (manipulação), o herói
coloca um vaso de planta abaixo do lugar (competência, o saber e o que ele faz
com o saber). A planta estava já reduzida a folhas e galhos murchos
(manipulação).
Com tal atitude (competência), a narrativa mostra que a planta se regenera
(performance). O final da história gerada por essa narrativa termina com a ideia
de regeneração, mostrando o vaso com a planta frondosa, com muitos galhos
verdes e flores (performance, transformação principal da narrativa), com a água
vertendo do cano (elipse) enquanto uma borboleta (sanção) pousa numa flor.

Neste filme publicitário, existe mais de uma narrativa sobre o mesmo assunto e
complementam-se umas às outras. Há a história da regeneração da planta (e,
portanto, que o amor regenera), que é referendada pela narrativa da vovó, do
cachorro, da senhora do carrinho da feira, da menininha, da moça no ônibus e
também do galinheiro que ele tem em casa. Todas essas cenas podem ser
examinadas pela análise do plano do conteúdo e irão gerar termos e temas para
a análise semiótica através do percurso gerativo de sentido.

Bora trabalhar seu repertório, futuro publicitário! A publicidade se utiliza de


muitos clichês, mas, vimos neste comercial da seguradora, que clichês, quando
bem amarrados, podem emocionar. Assim, como complemento aos estudos,
sugiro que leia o Capítulo 8 – A eloquência das imagens em vídeos de educação
ambiental, da obra de SANTAELLA: Semiótica aplicada (São Paulo: Cencage
Learning, 2008).

Leia também: FIORIN, J. L. Elementos de análise do discurso. São Paulo:


Contexto, 1999.

Tema 5 - Análise semiótica da publicidade sonora


Programas de rádio como o Pânico, da Jovem Pan, fazem dos signos sonoros
um de seus produtos mais criativos, uma vez que são tocados/reproduzidos em
milhões de dispositivos móveis. E isso acontece também com vinhetas
radiofônicas, trilhas de novelas e vinhetas televisivas, carros de som e difusoras:
a publicidade sonora é um dos campos mais criativos da publicidade brasileira.
Ángel Rodríguez, no livro A dimensão sonora da linguagem audiovisual,
dedica um capítulo à significação, intitulado: Da forma sonora para o sentido.
Neste capítulo, o autor sugere que, para atribuirmos sentido aos sons e às
sonoridades, tanto no audiovisual quanto na publicidade sonora, devemos
analisar os signos sonoros utilizando ambas as concepções: a semiologia
saussuriana e a semiótica peirceana, pois ambas contribuíram para o
entendimento da escuta no que diz respeito à atribuição de sentido das formas
sonoras. Rodriguez divide a signo sonoro em signo sonoro motivado (peirceano)
e signo sonoro arbitrário (saussuriano) [2006, p. 243].

Rodríguez explica que os signos sonoros motivados são aqueles produzidos por
um objeto referencial concreto – “têm sua origem em formas sonoras que,
quando reconhecidas, nos remetem a um ente ou fenômeno” – um assobio, uma
buzina de carro, uma trovoada, o som motor, o toque telefônico, etc. (2006, p.
243). Os signos sonoros arbitrários são formas sonoras que estão associadas a
algum objeto ou a uma ação à qual se referem (do universo referencial) [p. 244]:
o porquê de chinelo se chamar chinelo – a palavra que nomeia o calçado é
arbitrária – pense assim: a palavra chinelo tem som de chinelo? – é mais ou
menos por aí o raciocínio.

Para Rodríguez, um modelo é mais perceptivo e o outro mais cultural, e o


importante é dosá-los. Algo que podemos destacar aqui é que os signos sonoros
motivados são naturalistas – vem do mundo natural, remetem a um ente ou
fenômeno que “reproduz as formas da realidade que podem ser percebidas pelo
ser humano e as recompõe de acordo com essa mesma lógica perceptiva” (p.
268) – produzindo um efeito de realismo.

Para produzirmos sentido sonoro precisamos, segundo Rodríguez (p. 248), é


preciso entender os mecanismos da escuta que envolvem a concepção, de
Schaeffer, da audição: ouvir, escutar, reconhecer e compreender. Analogamente
aos modelos de significação que temos visto, o modelo que Rodríguez
demonstra, a partir de Schaeffer, envolve uma escala:

 o ouvir da audição é o mais elementar, envolve reconhecer sons,


barulhos, ouvir os estímulos sonoros;
 escutar envolve prestar atenção no intuito de identificar ou interpretar;
 reconhecer envolve associar uma forma sonora e associá-la a uma fonte
sonora e;
 compreender é “obter a informação final que, no ato da escuta,
procuramos o som. Implica desenvolver uma interpretação que se apoia
de antemão na escuta e no reconhecimento" (p. 252)

Assim, para aplicarmos aos estudos do campo da publicidade, o percurso


semiótico proposto por Rodríguez passa por um modelo que tem os eixos
perceptivo e cultural, como na figura que segue:

Modelo dos mecanismos de escuta.

Fonte: RODRIGUEZ, 2006: p. 259.

Estes eixos se articulam de maneira dialógica. Observe que, à medida que se


avança para a direita (eixo processo cultural), a experiência auditiva evolui de
uma memória auditiva do contexto (percepção) > alta especialização auditiva >
aprendizagem de linguagens sonoras arbitrárias. As formas sonoras primárias
podem ser reconhecidas através de índices acústicos, que nos permitem
reconhecer signos linguísticos (memória auditiva do contexto imediato),
mediante a figurativização. Ao mesmo tempo, invocamos, às vezes, diversos
índices sonoros para criarmos e/ou indicarmos situações e cenários
(RODRÍGUEZ, p. 245): pense nos sons do trânsito congestionado num dia de
chuva (é o ouvir/escutar/reconhecer).
A experiência auditiva especializada segue o mesmo raciocínio, com uma
diferença, pois já envolve algum contexto cultural: os sons que alguém
reconhece como familiares tendo vivido sempre em uma fazenda são diferentes
do repertório de alguém que cresceu em um condomínio de edifícios (formas
sonoras especializadas – há uma especificidade do indivíduo – é o
reconhecer/compreender). O último nível proposto por Rodríguez é menos do
eixo da percepção e mais próximo do eixo da cultura, a aprendizagem de
linguagens arbitrárias é a que envolve um maior grau de ‘alfabetização sonora’,
e necessita do nível da interpretação e o de reconhecer/compreender formas
sonoras culturais: é quando você sabe que o Darth Vader está entrando em um
recinto, mesmo sem tê-lo visto.

Ou quando você sabe a diferença entre o Drum’n’Bass, o Dubstep, o


Drum’n’bossa, o Funk melody e o Samba-rock. É uma construção
multidimensional, pois envolve um sistema de sobreposição de informações que
faz com que o sentido sonoro se estabeleça em “um grau de interação muito
significativo entre os três níveis de especialização auditiva” (escuta,
reconhecimento, compreensão) [p. 260]. A publicidade sonora eficaz é aquela
que, quando a escutamos em outros contextos, nos lembramos do
anúncio/marca/produto ao ouvi-la. Essa particularidade do áudio em fixar-se em
nossas mentes tem a ver com o medium sonoro, nossa audição e como o seu
cérebro ‘registra’ e processa signos sonoros.

Vamos agora observar um comercial em que o sentido sonoro foi explorado de


maneira criativa. Uma propaganda que rendeu o Leão de Ouro em Cannes para
a agência alemã Deutsch Inc. no comercial da Volkswagen para o Passat, no
evento do SuperBowl de 2011 – intitulado A Força (2011). Desde então, foram
veiculadas três versões deste anúncio, de 30’, 60’ e de 90’. Pesquise no
YouTube!
Com A Marcha Imperial, música composta por John Williams (BERCHMAN,
2006, p. 84-6), vemos um menino vestido de Darth Vader. A música se refere à
Guerra nas Estrelas (indicial), e evoca Darth Vader (ícone + convenção). A
relação entre Darth Vader e a Marcha Imperial de John Williams é simbólica,
praticamente um legissigno. Assim, o anúncio A Força é notadamente em
referência ao personagem de Darth Vader de Guerra nas Estrelas, o anúncio
tem uma ideia muito simples: um menininho tenta usar a força para mover
diversos objetos domésticos ao seu cão, sem sucesso. Enquanto a música de
Guerra nas Estrelas lhe dá a imponência do personagem, nenhum sinal da força
a funcionar lhe aparece (nem um som da mesma).

Eis que, desolado na cozinha, o menino ouve o latido do seu cão (estabelece-se
um fora da tela, fora do ambiente). Então, o menino percebe que o seu pai chega
em casa do trabalho (o latido é um signo indicial do cão que aponta para uma
forma sonora especializada, o ‘aviso’ de que alguém chega). Correndo para a
rua, o pequeno Darth Vader tenta usar a força no automóvel, e nada. A música
atinge seu clímax e ele tenta de novo: as luzes do carro se acendem e o motor
emite um ronco, fazendo uma acepção de que se há força há um som – o som
da força é o ronco do motor.

Há um corte para o interior da cassa, onde, na cozinha, olhando através da


janela, o pai aciona a partida à distância do automóvel, pela chave-controle (uma
‘forcinha’ ao menino). A melodia da música volta ao início e, incrédulo, o menino
quero-ser-Darth-Vader procura alguma testemunha do seu feito: ele controlou a
força.
Apesar de falarmos da publicidade sonora, escolhemos um filme publicitário em
que o sonoro opera um recurso importante do anúncio. Intitulado Unleash your
finger – o comercial da Samsung França é de 2011, na ocasião do lançamento
do Galaxy SII e do SIII. A campanha foi lançada online e tornou-se um hit no
Youtube. Pesquise lá!

Anúncio Unleash your fingers.

Agência Heaven, Samsung Mobile França.

Os dedos, as mãos e os gestos do artista JayFunk desenham, recortam,


apontam, formam linhas, geometrias, ondas, métricas, o que se puder imaginar.
As imagens produzidas pelas mãos extrapolam a tela, trazendo a noção de
espaços dentro da tela/fora da tela. Observe que nos primeiros cinco segundos
o personagem estabelece um contato com o espectador através do olhar: uma
das primeiras coisas que o rapaz faz é dirigir o olhar para o frame da tela, como
se seus olhos desenhassem o retângulo da tela o quadro da representação, e
depois dirige um olhar ao espectador.

Aí a música toma a dimensão figurativa: passa a determinar um ritmo ao que


estamos assistindo e essa informação nos é apresentada nos primeiros sete
segundos.
Como se trata de um comercial para web, foi veiculado 105 segundos, ou
1min45seg [1’45”]. O interessante das audiências digitais para a publicidade é
trabalharmos com formatos diferenciados, comerciais de 5” a pequenos curtas
comerciais.

Spotify, iTunes, Tidal, MySpace, SoundCloud, Youtube, entre tantos outros, são
plataformas em que a colaboratividade coloca os artistas e os fãs em contato,
pelo sonoro: músicas, trilhas sonoras e DJs de todo o mundo atuam a distância.

Antes da invenção das mídias que armazenam áudio, o consumo de música era
sobretudo local: vinculado, muitas vezes, à identidade, ao território, à língua, às
mitologias e religiosidades do ouvinte. Por outro lado, vimos na aula anterior que
as melodias são uma forma de guardar-se conhecimentos e saberes complexos.
Entretanto, dificilmente conheceríamos a música do Japão atual e (os japoneses
as nossas) se não fossem as mídias eletrônicas. Mas, como muitas outras
coisas, o consumo de música hoje é global, local, nacional e regional: basta
acessar algumas rádios para perceber que há de um tudo. Isso coloca uma série
de desafios à publicidade sonora que tem que competir em um mundo cheio de
anúncios, mas que também, muitas pessoas tem o poder de ‘fazer barulho’,
‘botar a boca no trombone’ ou fazer um som.

Ainda, chamamos a atenção para os signos sonoros e possíveis categorias de


análise: sons e efeitos musicais podem produzir frases musicais, todo músico
sabe que para fazer música, a estrutura é algo importante, do rock ao samba, a
música pode tem a capacidade de transformar um som em uma sinfonia.

Signos Sonoros
Áudios têm forma Sons têm ritmo
Melodia Harmonia
Fórmulas: IVCVCBC música pop
A música POP: fórmula clássica verso-refrão

É um dos formatos mais populares da música dos gêneros popular, rock, pop e
variações massivas. Tem bastante vínculo com o conteúdo (a letra da música é
central, pois conta uma história – plano do conteúdo, figurativo, enunciação).
Mas, como se trata de um sistema – uma música – compõe-se também de uma
peça instrumental que segue um padrão (que se repete), geralmente o refrão.

 Introdução (I): apresenta o clima da música, geralmente instrumental


 Verso (V)
 Refrão (C) de chorus: parte central, visa marcar a música, memorizar a
história, a melodia e/ou forma, ‘gruda’
 Verso (V): conta a mensagem da música, uma história, parte mais longa
 Refrão (C): parte central, visa marcar a música, memorizar a história, a
melodia e/ou forma, reforço ou repetição
 Bridge (B) – Ponte: elemento conector que pode anunciar mudanças em
ritmo, forma, clima, textura (um solo de bateria), estrutura
 Refrão (C): pode ser o refrão em fade ou um final, conclusão,
encerramento

Agora é hora de colocar os ouvidos para prestar atenção nos elementos da


publicidade sonora. Apurar a audição, escutar coisas novas ou até mesmo,
apenas fruir dos sons que você mais goste!

NA PRÁTICA

Veja no YouTube o vídeo Balsa de Santos tem pane e clima de Titanic, onde
a Publicidade se fez presente neste incidente. “Ô pessoal, vocês vão
desembarcar por aqui mesmo”. Em um momento em que as pessoas poderiam
entrar em pânico por uma falha de motor e sinais de fumaça alguém pôs a música
tema do filme Titanic para tocar.
Na situação real de você estar em um transporte público com bastante
passageiros que trafega sobre a água e você vê fumaça saindo do lugar que sai
o som do motor daquela barca, o que você faria? Enquanto alguns podem surtar,
a maioria procura os sinais da convenção: está tocando algum alarme? Onde
está a sinalização de saída? Há luzes de emergência? É dia/noite?

Não estamos falando apenas de registrar/processar informações, mas de


encadeá-las sob a forma de um discurso ou pensamento (daquele conjunto). A
pessoa que toca a música tema de Titanic faz este salto criativo em que aquele
conjunto todo de informações são apropriados para montar um frame do filme
sob um aspecto muito particular, produzindo como efeito de sentido uma
gargalhada geral dos outros passageiros. Estão aí: o plano da expressão e o
plano de conteúdo.

SÍNTESE

Não é só da publicidade que vive a semiótica: caro estudante publicitário, você


tem concorrentes nas mais variadas áreas. Os poderes da significação estão
presentes nos ramos da informática às ciências exatas dotada pela computação
(desenvolvimento de linguagens homem-máquina). Veja um exemplo desta
concorrência:

Há alguns anos, a séria área da taxonomia resolveu aventurar-se no mundo da


música pop. A taxonomia é a área das ciências, nesse exemplo, as biológicas,
que classifica as espécies de organismos (biotaxonomia). A Comissão
Internacional de Nomenclatura Zoológica (ICZN) é a comissão que regula o
nome das espécies zoológicas e, em 2012, deparou-se com um pedido inusitado:
o nome Scaptia (Plinthina) beyoncea – o nome científico (convenção em latim)
de uma espécie de mosca nativa da Austrália, que recebeu o beyoncea, por ter
um abdome dourado.
Como os espécimes haviam sido coletados no ano de 1981, a cantora Beyoncé
Knowles recebeu a homenagem por ter nascido no mesmo ano e, também para
ser a maior diva de todos os tempos, segundo contava, em 2012, a reportagem
do Telegraph, citando a uma publicação internacional da área de entomologia
daquele país-continente.

Agora que você conhece o conteúdo, eis a expressão desta mosca e seu
abdome dourado:

Beyoncea.

Foto: BRYAN LESSARD/ AFP/Getty Images.

Saiba Mais

Ainda que os estudos da Semiótica tenham surgido na área da literatura, da


linguística e da filosofia da linguagem, logo espalhou-se para áreas afins, como
a arquitetura e o urbanismo, artes, cinema, dança, design, as neurociências,
ciências cognitivas, psicanálise, psicologia, cibernética (comunicação homem-
-máquina), educação, educomunicação, direito, ciências astronômicas, entre
outros.

Confira no vídeo a seguir a fala final do professor Jeferson.


Referências

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e o caleidoscópio: reflexões sobre novas mídias. São Paulo: SENAC, 2003.

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BERCHMAN, Tony. A música do filme: tudo o que você gostaria de ler sobre a música
de cinema. São Paulo: Escrituras, 2006.

CODATO, Henrique; LOPES, Flor M. E. Semiologia e semiótica como ferramentas


metodológicas. p. 206-14. In: DUARTE, Jorge; BARROS, Antonio. Métodos e técnicas
de pesquisa em comunicação. São Paulo: Atlas, 2009.

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JOURDAIN, Robert. Música, cérebro e êxtase: como a música captura nossa


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