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Passado e presente nas relações entre Chile e Bolívia: a questão do porto

de Antofagasta.

Giovanna de Neiva Barriviera1

Resumo

Dentre os conflitos territoriais mais longevos da América Latina está o conflito entre Chile
e Bolívia pelo controle da região de Antofagasta. Durante a Guerra do Pacífico, conflito
envolvendo Chile, Peru e Bolívia pelo controle da porção norte do Deserto do Atacama
ocorrida no período de 1879 a 1883, em que o Chile saiu vitorioso; a Bolívia teve que
renunciar à região de Antofagasta e consequentemente a sua saída soberana para o Oceano
Pacífico. Desde então, a recuperação da região de Antofagasta, atualmente sob controle
chileno, tornou-se um objetivo nacional para a Bolívia e, até os dias atuais, é motivo de
conflitos diplomáticos entre os dois países. Este artigo tem como objetivo analisar as atuais
tentativas dos dois países em questão para solucionar o conflito. Assim, contará com um
levantamento histórico das tentativas orquestradas pelos países envolvidos para solucionar
a querela, bem como uma análise dos atuais diálogos entre Chile e Bolívia sobre a
questão.

Palavras-chave: Chile, Bolívia, Guerra do Pacífico, Conflito territorial, Antofagasta.

Abstract

Among the oldest territorial conflicts in Latin America is the conflict between Chile and
Bolivia for control of the Antofagasta region. During the War of Pacific, conflict involving
Chile, Peru and Bolivia for control of the northern part of the Atacama Desert that occurred
in the period 1879 to 1883, in which Chile emerged victorious; Bolivia had to resign to the
region of Antofagasta and hence its sovereign outlet to the Pacific Ocean. Since then, the
recovery of the Antofagasta region, currently under Chilean control, became a national
goal for Bolivia and, to this day, is a cause of diplomatic conflicts between the two
countries. This article aims to analyze the current efforts of the two countries concerned to
resolve the conflict. So, will feature a historical survey of attempts orchestrated by the
countries concerned to resolve the dispute, as well as an analysis of the current dialogue
between Chile and Bolivia on the issue.

Key word: Chile, Bolivia, War of Pacific, Territorial conflict, Antofagasta.

1
Graduada em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Piauí, Mestre em Ciência Política pela mesma
instituição, doutoranda em Ciência Política na Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
1- Introdução

“Esperamos 135 anos e, em questões de Estado como esta, nós bolivianos estamos
unidos. Será um orgulho ver sair, finalmente, um barco boliviano de nossa costa a caminho
de outro país” (FERRER, 2014). As palavras proferidas pelo presidente boliviano Evo
Morales durante sua visita à Haia, Holanda, para depositar o memorando do processo
movido pelo seu governo contra o Chile no Tribunal Internacional de Justiça da
Organização das Nações Unidas em 2014, demonstra a importância e a longevidade da luta
pelo acesso ao mar para o país sul-americano. Com três perdas territoriais2 significativas
durante os séculos XIX e XX, a Bolívia viu-se enclausurada nos Andes e com suas fontes
de riquezas minerais e naturais significativamente reduzidas, razão a qual é frequentemente
atribuído o seu subdesenvolvimento.

Durante mais de um século a Bolívia luta pelo seu direito de acesso ao mar perdido
durante a Guerra do Pacífico que também envolveu Peru e Chile. Seja por meio de acordos
bilaterais com o Chile, seja por meio de apelações em instâncias superiores de
organizações internacionais, a Bolívia busca por fim ao seu status de país mediterrâneo3 e
definiu este como um interesse nacional em sua Constituição. Se por um lado a Bolívia
adota uma postura militante em busca de seu direito ao acesso ao mar, o Chile adota uma
posição defensiva sobre a questão, alegando ser improcedente o apelo boliviano.

O presente artigo tem como objetivo analisar os esforços orquestrados tanto pela
Bolívia quanto pelo Chile para trazer à tona uma solução viável para o conflito. Para
atingir tal objetivo será analisado, primeiramente, em perspectiva histórica, as causas do
conflito, que remontam ao século XIX, e os tratados bilaterais entre Chile e Bolívia
assinados após o fim do conflito até as atuais apelações bolivianas no Tribunal
Internacional de Justiça da Organização das Nações Unidas.

2
A Bolívia sofreu três grandes perdas territoriais durante os séculos XIX e XX. A primeira dela foi a região de
Antofagasta e, consequentemente, sua saída soberana para o mar, foco deste artigo. A segunda foi a perda
do território do Acre para o Brasil, sem a necessidade de um conflito armado, os dois países firmaram a
seção do território por meio do Tratado de Petrópolis assinado em 1903. E, a terceira perda foi a região
conhecida como Chaco Boreal, alvo de disputa entre Bolívia e Paraguai, o qual saiu vitorioso do conflito
armado conhecido como Guerra do Chaco durante os anos de 1932 e 1935.
3
Por país mediterrâneo entendem-se países que não possuem acesso direto ao mar.
2- Origens do conflito: A Guerra do Pacífico

De acordo com Ortega (2006), até meados de 1870 o Chile viveu um período de
“bonança” econômica sem precedentes devido aos altos preços de seus principais produtos
de exportação. Este período de prosperidade econômica resultou no crescimento das
atividades produtivas tradicionais chilenas, na ampliação do seu mercado interno com a
abertura de novos itens de produção, além do crescimento do setor exportador chileno.

A descoberta e a exploração de recursos minerais existentes na região do Atacama,


especialmente nitratos como o salitre e o guano, trouxe para a região um crescente
interesse econômico e um fluxo considerável de capital estrangeiro, principalmente inglês,
sob a forma de empresas chilena. Durante o século XIX, o salitre e o guano foram
amplamente utilizados na agricultura como fertilizantes e pela indústria de armamento para
a produção de pólvora, o que causou um grande demanda internacional por esses recursos.

A exploração de salitre por empresas chilenas no território boliviano e guano no


território peruano, rapidamente tornou-se uma importante fonte de recursos para o governo
chileno que pôde assim financiar a construção de infraestrutura e outras melhorias no país.

Santiago foi embelezada, melhorada e suas ruas alargadas, foi construído um


edifício para o Congresso e a Quinta Normal com seus museus e palácios. A antiga
rocha do Cerro de Santa Lucía foi transformada em um belo parque ao estilo
europeu. Uma reforma educacional estabeleceu a educação gratuita e permitiu a
criação de escolas privadas. Foram criados hospitais e uma moderna escola de
medicina, que estabeleceria uma liderança incontestável dos médicos chilenos por
todo o século seguinte. Jovens chilenos que demonstravam aptidões excepcionais
em seus campos foram enviados à Europa para estudarem e se aperfeiçoarem,
dentre eles, vários oficiais da marinha e do exército. Todo esse progresso era
financiado com os impostos do salitre e da mina de prata de Caracoles (URRITIA,
2008, P.4, tradução nossa4).

Porém, ao contrário do que aconteceu no Chile, atuação das empresas chilenas de


mineração em território peruano e boliviano, apesar de dinamizarem a economia dessas
regiões, não trouxeram desenvolvimento econômico para a Bolívia e Peru.

4
No original: “Santiago fue hermoseado y mejorado y ensanchando sus calles y con la construcción de un
edifício para el Congresso, la Quinta Normal com sus museos y palácios. La antiga roca del cerro de Santa
Lucía se convertió en un hermoso parque al estilo europeo. Una reforma educacional estableció la educación
libre permitiendo la creación de escuelas privadas. Se crearon hospitales y una moderna escuela de medicina,
que estableceria un liderazgo indiscutible de los medicos chilenos por todo el siglo venidero. Jóvenes
chilenos que demonstraban aptitude excepcionales en su campo fueram enviados a Europa a estudiar y
perfeccionase, entre ellos vários oficiales de marina y del ejército. Todo este progresso se financiaba com los
impuestos del salitre y con los de la mina de plata de Caracoles.”
O auge das companhias chilenas nos territórios peruanos e bolivianos havia
impulsionado estes dois governos a obter o máximo benefício possível do trabalho
desses empresários estrangeiros. Devemos lembrar que nem o Peru nem a Bolívia
obtiveram os benefícios adicionais que significavam o comércio e o abastecimento
das empresas. Até Cobija, o único porto ativo boliviano, era abastecido de gêneros
alimentícios, bens de consumo e até água pelos chilenos (URRITIA, 2008, P.5,
tradução nossa5).

Dentre as principais empresas de mineração chilena estava a Antofagasta Nitrate &


Railway Company. Com atuação em Antofagasta, a empresa de capital anglo-chileno, era a
única empresa em operação na região. Em 1873 a ANRC firmou um acordo com o governo
boliviano onde foi autorizada a explorar o salitre, livre de impostos pelo período de quinze
anos, na região compreendida desde a baía de Antofagasta até as salinas, incluindo o Salar
del Carmen (URRUTIA, 2008).

Uma questão que foi central para o início da Guerra do Pacífico foi a tensão entre
os envolvidos no que se refere ao estabelecimento de suas fronteiras.

A Bolívia havia mantido uma disputa constante com o Chile sobre o limite exato
entre as duas nações. Como no caso da Patagônia, o limite norte do Reino do Chile
era o deserto do Atacama, um páramo 6 com extensão de quase mil quilômetros.
Embora a Bolívia, país criado artificialmente em 1825, nunca tenha exercido
soberania alguma sobre o território, se reconhecia o limite como o paralelo 25°S
em Caleta Paposo. Depois da descoberta das riquezas do salitre, o Chile reclamou
que sua soberania se estendia até o paralelo 23°S. A apelação chilena resultou em
um acordo em 1866 entre ambos os governos pelo qual se estabelecia o paralelo
25°S como fronteira. Além disso, o tratado especificava que os dois países
compartilhariam as tarifas alfandegárias de todos os minerais exportados do
território compreendido entre os paralelos 23° e 24°S. No início de 1870 se supôs
o descobrimento do grande depósito de prata de Caracoles que estavam um pouco
mais ao norte do paralelo 24°S. Um grande fluxo de capital chileno pôs em
funcionamento a mina e permitiu a construção de uma ferrovia e de um cais em
Antofagasta (URRITIA, 2008, P.6-7, tradução nossa7).

5
No original: “El auge de las compañías chilenas en territórios peruanos y bolivianos había impulsado a
estos dos gobiernos a obter el máximo beneficio posible del trabajo de estos empresários extranjeros. Hay de
recordar que ni Perú ni Bolivia obtenían los beneficios adicionales que significaban el comercio y
abastecimento de las empresas. Hasta Cobija, el único puerto activo boliviano, era suministrado de víveres,
bienes de consumo y hasta de agua por los chilenos”.
6
Ecossistema neotropical de montanha encontrado em países andinos.
7
Bolivia había mantenido una disputa constante con Chile sobre el limite exacto entre las dos naciones.
Como en el caso de la patagônia el limite norte del Reino de Chile era el desierto de Atacama, un páramo
con una extensíon de casi mil kilómetros. Aunque Bolivia, país creado artificialmente en 1825, nunca había
ejercido soberania alguna sobre el território, se reconocía el límite como el paralelo 25°S en Caleta Paposo.
Después de descubrirse la riqueza del salitre, Chile reclamó que su soberanía se extendía hasta el paralelo
23°S. El reclamo chileno resultó en un acuerdo em 1866 entre ambos gobiernos por el cual se establecía el
paralelo 25°S como linea divisoria. Además, el tratado especificaba que los dos países compartirían los
derechos de aduanas de todos los minerales exportados desde el territorio compreendido entre los paralelos
23° y 24° S. A comienzos de 1870 se supo del descubrimiento del gran yacimiento de plata de Caracoles que
estaba un poco más al norte del paralelo 24°S. Una gran inversión de capitales chilenos puso en
funcionamento la mina y permtió la construcción de un ferrocarril y de un muelle en Antofagasta.
Temendo os “impulsos expansionistas” chilenos, já que ambos sofriam com as
investidas de seu vizinho andino, os governos boliviano e peruano assinaram em 1873 o
“Tratado de Alianza Defensiva” que consistia em um acordo de ajuda mútua em caso de
agressão externa no qual obrigava a outra parte a participar do conflito em seu favor em
caso de uma futura declaração de guerra (FILIPPI e CHARÃO, 2014). Este acordo, no
entanto, foi considerado secreto pelo governo chileno que alegava desconhecimento sobre
tal.

Em 1874, os governos chileno e boliviano assinaram um novo acordo que alterava


o acordo firmado em 1866. Dentre as alterações, a Bolívia abria mão de seu quinhão de
50% das tarifas alfandegárias referentes à exportação de minerais do território
compreendido entre os paralelos 23° e 24°S (URRUTIA, 2008), bem como se
comprometia a não criar novos impostos sobre o capital chileno atuante no país por um
período de vinte e cinco anos (FILIPPI e CHARÃO, 2014).

Os governos peruano e boliviano foram marcados por grande instabilidade política


desde as suas independências. Com sucessivos golpes de Estado e governos desastrosos, os
dois países entraram em períodos de crise econômica durante a década de 1870. O governo
peruano, buscando alternativas para a sua crise econômica, aumentou os impostos sobre as
empresas chilenas que atuavam no país no setor de mineração de guano (URRITIA, 2008).

Já a Bolívia, em uma séria crise econômica após o golpe de Estado que levou
Hilarión Daza ao poder (já que este, ao assumir a presidência, obrigou o Tesouro Nacional
a pagar as facções militares que o conduziram ao poder e assim esvaziou os cofres do país)
estabeleceu em fevereiro de 1878 um novo imposto sobre a Antofagasta Nitrate & Railway
Company no qual a tributou em dez centavos por quintal 8 de salitre explorado (URRITIA,
2008). Tal ação foi entendida pelo governo chileno como uma quebra do acordo firmado
entre os dois países em 1874 (FILIPPI e CHARÃO, 2014).

O aumento dos impostos sobre a empresa chilena em território boliviano se traduziu


na declaração de guerra do governo chileno à Bolívia e, consequentemente, ao Peru.
Ortega (2006) possui um posicionamento peculiar sobre a declaração de guerra do Chile à
Bolívia. O mesmo autor defende que

8
Antiga medida de peso que equivale a aproximadamente 60kg.
[Ela] se estruturou em torno dos interesses de uma empresa capitalista já
estabelecida em outro país, que serviu de justificativa para que um setor da
sociedade chilena gerasse uma aventura internacional de conquista territorial e
econômica que alcançou três objetivos: pôs fim a crise, restaurou os vínculos com
o mercado internacional e fez desnecessárias as reformas econômicas que
eventualmente surgiram (ORTEGA, 2006, P41-42, tradução nossa9).

Ainda de acordo com Ortega (2006), o salitre não foi uma saída milagrosa para a
crise, uma vez que já era um importante produto de exportação chileno. Porém, ao
contrário do cobre, da prata e do trigo, outros produtos importantes nas exportações
chilenas, o salitre encontrava-se com bons preços no mercado internacional e,
principalmente, pelo fato dos depósitos do deserto do Atacama serem os únicos no mundo,
eliminava-se a possibilidade de concorrência, o que não ocorria com os outros produtos
tradicionais de exportação chilenos. Assim, “se pode pensar que a captura de todos os
territórios de nitrato foi concebido como „uma possível solução para a fortuna em declínio
do Chile‟" (ORTEGA, 2006, P.42). Assim, Ortega (2006) analisa que,

Para o Chile, o resultado [da Guerra do Pacífico] se traduziu em uma expansão


territorial de aproximadamente um terço de sua superfície anterior e na conquista
do controle sobre os únicos depósitos de salitre do mundo. Isto lhe permitiu
solucionar os problemas econômicos, sociais e políticos ocasionados por uma
severa crise econômica que tinha se iniciado durante a década de 1870, e que havia
posto em xeque o projeto de Estado-nação que vinha se desenvolvendo desde a
década de 1830. Também lhe permitiu reestabelecer seus vínculos com os
mercados internacionais de bens e de serviços financeiros. Em outras palavras, a
guerra salvou a oligarquia chilena da crise mais complexa que haviam
experimentado desde que haviam estruturado seu modelo republicano (ORTEGA,
P.28, tradução nossa10).

9
No original: Ella se estructuró en torno a los intereses de una empresa capitalista ya establecida en otro país,
que sirvieron de pretexto para que un sector de la sociedad chilena generara una aventura internacional de
conquista territorial y económica que logró tres objetivos: puso fin a la crisis; restauró la vinculación con el
mercado internacional, e hizo innecesarias las reformas económicas que en algún momento se plantearon.
10
Para Chile el resultado se tradujo en una expansión territorial de alrededor de un tercio de su superficie
anterior y en adquirir el control sobre los únicos yacimientos de salitre en el mundo. Ello le permitió
remontar los problemas económicos, sociales y políticos generados por una severa recesión que se había
iniciado a mediados de la década de 1870, y que había puesto en jaque al proyecto de estado-nación que se
venía desarrollando desde la década de 1830.3) También le permitió restablecer sus vínculos con los
mercados internacionales de bienes y de servicios financieros. En otras palabras, la guerra rescató a la
oligarquía chilena de la crisis más compleja que habia experimentado desde que había estructurado su
modelo republicano.
3- O Fim do Conflito e as Negociações bilaterais entre Chile e Bolívia:

A Guerra do Pacífico teve fim em 4 de abril de 1884 com a assinatura do Pacto de


Trégua entre Chile e Bolívia. Esse tratado, também conhecido como Tratado de
Valparaíso, cidade chilena onde foi ratificado, buscou por fim aos conflitos entre os dois
países, bem como estabelecer as diretrizes do relacionamento entre as partes assinantes. O
governo boliviano foi representado na ocasião pelo Ministro de Relações Exteriores
Aniceto Vergara, enquanto o governo chileno foi representado por Belisario Salinas e
Belisario Boeto (CHILE, Pacto de Tregua entre Bolivia y Chile, 1884).

Nos oito artigos que compõe o acordo, foram tratadas questões referentes ao novo
território chileno11, que agora se estendia até o paralelo 23°S, após a anexação da porção
litorânea do território boliviano, bem como o caráter irrevogável 12 desta anexação. Além
da questão territorial, o tratado também versa sobre a devolução dos bens13 bolivianos
confiscados durante o conflito pelo governo ou por autoridades civis ou militares chilenas.
Também estava previsto do Pacto de Trégua o pagamento de indenizações pelos danos
ocasionados durante o conflito ao governo boliviano (CHILE, Pacto de Tregua entre
Bolivia y Chile, 1884).

Neste acordo ainda estava previsto que os produtos naturais chilenos e seus
derivados estariam livres de impostos alfandegários em território boliviano 14 e o mesmo
valia para este tipo de produto boliviano em território chileno, desde que exportados por
um porto chileno. Produtos manufaturados possuiriam uma legislação específica e bens
nacionalizados que entrassem pelo porto de Arica seriam considerados estrangeiros para
fins de admissão e tributação. No entanto, mercadorias estrangeiras com destino à Bolívia
que ingressassem por Antofagasta teriam trânsito livre (CHILE, Pacto de Tregua entre
Bolivia y Chile, 1884).

11
Artigo 2°
12
Artigo7°
13
Artigo3°
14
Artigo 5°
No tocante à tributação de mercadorias com destino à Bolívia ingressante pelo
porto de Arica15, a renda desta tributação seria dividida em 25% para o serviço
alfandegário e ao Chile pelo despacho de mercadorias de consumo dos territórios de Tacna
e Arica e 75% para a Bolívia, dos quais, 40% seriam destinados ao pagamento de
indenização chilena e para a quitação de um empréstimo efetuado pelo governo chileno
junto ao governo boliviano no ano de 1867. O restante deste montante seria destinado ao
governo boliviano (CHILE, Pacto de Tregua entre Bolivia y Chile, 1884).

O Pacto de Trégua foi apenas o primeiro de uma série de acordos entre os governos
dos dois países para estabelecer as diretrizes de um bom relacionamento entre eles. De
acordo com Sá Neto e Campos (2014, P. 92), “a partir de então iniciou-se uma série de
tentativas entre os dois países, o que fez gerar um direito bilateral de ordem regional no
sentido de garantir-se à Bolívia seu direito de acesso ao mar, de maneira complementar e
anterior ao regime multilateral”.

Duas décadas mais tarde, em 20 de outubro de 1904 um novo acordo foi firmado
entre os governos de Chile e Bolívia. O Tratado de Paz e Amizade derivou do Artigo 8° do
Pacto de Trégua, onde os dois países se comprometiam em “preparar e facilitar o ajuste de
uma paz sólida e estável entre as duas repúblicas” (CHILE, Pacto de Tregua entre Bolivia
y Chile, 1884, tradução nossa16). Em seu Artigo 1°, o Tratado de Paz e Amizade
reestabelece as relações de paz e amizade entre os dois países em caráter definitivo e não
apenas como trégua nas animosidades.

Os principais pontos deste tratado são a cessão definitiva do território boliviano


ocupado pelo Chile17, em virtude do artigo 2° do Pacto de Trégua, ao domínio absoluto e
perpétuo do Governo de Santiago. Segundo Sá Neto e Campos (2014), a Bolívia cedeu
“158.000 km² de território e uma costa de 400 km de largura sobre o litoral” (SÁ NETO E
CAMPOS, 2014, P.93). Em troca, o Chile se comprometia a construir uma estrada de
ferro18 ligando o porto de Arica ao Alto de La Paz, obra totalmente financiada com capital
chileno e, após 15 anos do fim da obra, a propriedade da parte em território boliviano desta

15
Artigo 6°
16
No original e na íntegra: Artigo 8° Como el propósito de las partes contratantes al celebrar este pacto de
tregua, es prepara y facilitar el ajuste de una paz sólida y estable entre las dos repúblicas, se comprometen
recíprocamente a seguir gestiones conducentes a este fin.
17
Artigo 2°
18
Artigo 3°
estrada de ferro seria repassada à Bolívia. O governo chileno se comprometia ainda em
financiar parte dos investimentos na construção de estradas de ferro ligando as principais
cidades bolivianas por estradas de ferro durante o prazo de 30 anos, encerrando totalmente
este compromisso ao fim deste período.

Ainda estava previsto no mesmo tratado o pagamento de indenizações19 ao governo


boliviano no valor de 300 mil libras esterlinas. Outro ponto importante deste tratado é o
direito de livre trânsito20 de mercadorias bolivianas pelo território chileno e portos do
pacífico, além do direito dado à Bolívia de criar agências alfandegárias21 nos portos de
Arica e Antofagasta. Para Sá Neto e Campos (2014),

Com esse tratado, o Estado boliviano, ante a sua perda soberana de saída ao mar,
adquire um amplo direito de livre trânsito até e desde o mar, com caráter de
perpetuidade e não reciprocidade, além de gozar do direito de administrar suas
operações aduaneiras nos portos chilenos que lhes sejam convenientes (2014,
P94).

As estradas de ferro e o livre trânsito de mercadorias passam então a ter um papel


de destaque, uma vez que, por meio destes, a Bolívia continua com a sua efetiva
vinculação com o Oceano Pacífico. Esses temas serão tratados em dois acordos especiais, a
Convenção de Tráfico Comercial de 1912 e a Convenção de Livre Trânsito de 1937.

A Convenção de Tráfico Comercial, derivada do artigo 6° do Tratado de Paz e


Amizade, estabelece os aspectos operacionais das importações e exportações de
mercadorias bolivianas, garantindo o seu livre trânsito pelo território chileno desde e até a
Bolívia e a autoridade alfandegária boliviana.

Essa convenção, além de regulamentar essa matéria, o faz com uma série de
aspectos operativos em relação às atividades do comércio exterior e transporte de
mercadorias, determinando que as mercadorias respectivas estejam submetidas às
autoridades aduaneiras e leis bolivianas, exceto nos casos em que o Chile seja
afetado, fazendo com que esse último não possa fiscalizar mercadorias bolivianas,
em trânsito por seus portos (SÁ NETO E CAMPOS, 2014, P.94).

Durante a Guerra do Chaco, conflito entre Bolívia e Paraguai ocorrido no período


de 1932 a 1935, o governo chileno impôs restrições ao livre trânsito de mercadorias
bolivianas, impedindo a importação e trânsito de armamentos por seus portos e território.
Tal medida foi justificada pelo governo chileno como uma tentativa de contribuir para o

19
Artigo 4°
20
Artigo 6°
21
Artigo 7°
fim do conflito. Assim, o governo boliviano teve que importar armamentos através do
território peruano, o que significou condições desfavoráveis em relação ao tempo e custos
(ARREDONDO Apud SÁ NETO E CAMPOS, 2014).

Dois anos depois de concluída a Guerra do Chaco, com o propósito de ampliar o


regime de livre trânsito estabelecido e evitar restrições, em 16 de agosto de 1937,
Bolívia e Chile subscrevem um novo convênio sobre a matéria, que regulamentou
o exercício desse direito e cujo artigo primeiro estabelece que o referido direito se
estendia a toda classe de carga e que a liberdade de trânsito poderia ser exercida a
qualquer tempo, sem exceção. Com esse tratado se ampliou o âmbito e a validez
do direito de liberdade de trânsito desde e até o território boliviano, pois inclui,
ainda que não tenha sido dito de forma expressa, a importação de armamentos e
munições, em tempos de paz ou em tempo de guerra, o que constitui um avanço a
respeito da situação original (SÁ NETO E CAMPOS, 2014, P.95).

Em 1952 irrompe na Bolívia uma revolução de cunho socialista. No início do


século XX o estanho torna-se o principal produto de exportação boliviano, chegando a
representar 75% de seu comércio exterior no período compreendido entre 1940 a 1949. No
entanto, com a crise de 1929 e a queda do preço do estanho no mercado mundial, houve
uma significativa deterioração das condições de vida do proletariado mineiro devido ao
arrocho salarial e as demissões em massa. O campesinato boliviano encontrava-se em
situação de indigência e, assim como o proletariado mineiro, era constituído basicamente
por indígenas o que também traz um cunho étnico à Revolução Boliviana. Durante a
Revolução, houve a estatização das minas de estanho e a criação da Central Obrera
Boliviana (COB) com o objetivo de administrar as minas de estanho (VIEIRA, 2010).

Como represália à Revolução Boliviana,

As autoridades judiciais chilenas instituíram o embargo de implementos e equipes


de trabalho, assim como de outros insumos que se encontravam em trânsito por
território chileno e com destino às minas bolivianas sob controle do Estado, em
atenção a uma demanda interposta por várias empresas mineradoras do chile. A
fim de evitar esse tipo de contingência que obstruía o direito de livre trânsito,
ambos os países firmaram em janeiro de 1953 a chamada Declaração de Arica, que
estabeleceu em sua cláusula primeira que toda classe de carga, sem qualquer
exceção, em trânsito por território chileno, de ou para a Bolívia, estará sujeita à
jurisdição e competência das autoridades aduaneiras bolivianas, representadas
pelos respectivos agentes aduaneiros acreditados pelo governo da Bolívia, desde o
momento em que as autoridades chilenas entreguem a carga aos agentes
bolivianos. No 2° artigo previu-se que as questões de qualquer natureza, por
ventura suscitadas em relação às cargas, somente podem ser conhecidas e
resolvidas pelas autoridades bolivianas sem que as autoridades administrativas,
aduaneiras ou judiciais da República do Chile tenham ou exerçam jurisdição ou
competências alguma sobre elas (SÁ NETO E CAMPOS, 2014, P. 96).

Notam-se nas convenções assinadas entre os dois países a partir de 1912 uma clara
tentativa de estabelecer e garantir o transporte de produto da e para a Bolívia, com o
reconhecimento de sua autoridade aduaneira em território chileno, caracterizando assim, a
busca de solução por meio de acordos bilaterais entre ambos os governos.

4- Apelações bolivianas em organismos internacionais:

A primeira apelação boliviana em organismos internacionais data de 1919 durante a


Conferência e Paris. No ano seguinte, em 1920, o governo deste país pediu junto à Liga
das Nações a contestação dos acordos de 1884 e 1904 (LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA,
2014). A contestação estava baseada na alegação boliviana de necessidade de anulação dos
acordos por vícios em sua concepção, uma vez que, de acordo com esta apelação, os
acordos violavam tratados internacionais, principalmente violações de ordem jurídicas
(CASTELBLANCO, 2008). Os principais pontos de contestação eram

O primeiro, diz respeito ao fato da soberania dos povos como parte integral de sua
existência como fator inalienável, por nenhum título nem causa pode alienar total
ou parcialmente em favor de um terceiro, as nacionalidades não podem ser
desmembradas em favor de outro povo por que estão impedidas de fazê-lo. O
segundo ponto referente ao fato de que qualquer povo está impedido a limitar sua
integridade, ainda com base no consentimento coletivo. Muito menos sob qualquer
meio de pressão que exerça sobre seu livre arbítrio. No caso da Bolívia, esta não
tinha capacidade econômica nem militar para poder acionar livremente e atuou em
busca da libertação que havia sido imposto o Pacto de Trégua firmado com o Chile
(CASTELBLANCO, 2008, P.31, tradução nossa)22

Desde a primeira apelação boliviana em uma organização internacional até hoje,


nota-se uma significativa continuidade em sua conduta de política exterior com relação à
reivindicação ao seu direito de acesso ao mar em organismos internacionais. Esta conduta
pode ser caracterizada pela busca de realização de cinco objetivos centrais:

1- Por em evidência a demanda marítima em congressos, conferências, buscando a


cooperação de organismos internacionais como a ONU e a OEA;
2- Obter e apoio e a mediação dos Estados Unidos, país que tem buscado
acompanhar a Bolívia em todo de recuperação do litoral;

22
No original: El primero, concerniente al hecho de la soberanía de los pueblos como parte integral de su
existencia como factor inalienable, por ningún título ni causa puede enajenar total o parcialmente en favor de
un tercero, las nacionalidades no pueden ser desmembradas en favor de otro pueblo porque están impedidas
de hacerlo. El segundo punto referente al hecho de que cualquier pueblo está impedido a limitar su
integridad, aún con base en el consentimiento colectivo. Mucho menos bajo cualquier medio de presión que
se ejerza sobre su albedrío. En el caso de Bolivia, ésta no tenía la capacidad económica ni militar para poder
accionar libremente y actuó en búsqueda de la liberación que le había impuesto el Pacto de Tregua firmado
con Chile.
3- Conseguir a colaboração e o apoio do seu vizinho Peru, que o permitiria
conseguir uma abordagem com seu vizinho Chile;
4- Conseguir o respaldo de todos os países do países do continente. A Bolívia tem
conquistado o apoio de vários países do mundo, que estão de acordo em apoiar a
sua causa marítima;
5- Realizar negociações diretas com o Chile, buscando a aproximação com seu
vizinho para por em evidência a necessidade que tem como nação de que o Chile
cumpra com sua promessa de devolver a sua saída soberana para o mar
(CASTELBLANCO, 2008, P. 28)23.

Assim, a participação boliviana em organismos multilaterais internacionais é


fortemente marcada pela busca da legitimação de seu direito a uma saída soberana para o
mar. Utilizando uma estratégia jurídica por intermédio de organizações internacionais
multilaterais, especialmente a Organização das Nações Unidas e a Organização dos
Estados Americanos, o governo boliviano busca atingir seu objetivo de retomar, de
maneira consistente, as negociações com o governo chileno, uma vez que “acordos entre
Estados podem ser anulados, modificados e extinguidos, por acordo mútuo e mediante a
intervenção de organismos internacionais, como a ONU e a OEA, que incitam as partes a
revisar a resolução jurídica que é prejudicial ou cria divergências” (BECERRA DE LA
ROCA apud CASTELBLANCO, 2008, tradução nossa24).

Sua reivindicação legítima dos territórios está amparada nos tratados limítrofes
que acordaram com o Chile e que parece ter sido ignorado como o tempo, não só
no seu cumprimento efetivo, mas também em sua memória histórica, que se nega a
recordar ou reconhecer a propriedade da Bolívia sobre estes territórios desde sua
fundação como República independente tal e como testemunham as declarações do
próprio Libertador que desde a fundação da nação que leva seu nome buscou uma
maneira de destinar-lhe e garantir o acesso ao mar (CASTELBLANCO, 2008,
P.29, tradução nossa)25.

23
No original: 1. Poner en evidencia la demanda marítima en congresos, conferencias, buscando la
cooperación de organismos internacionales como la ONU y la OEA. 2. Obtener el apoyo y la mediación de
Estados Unidos, país que ha procurado acompañar a Bolivia en todo el proceso de recuperación del litoral. 3.
Lograr la colaboración y apoyo de su vecino Perú, que le permita lograr un acercamiento con su vecino
Chile. 4. Lograr el respaldo de todos los países del continente, Bolivia ha logrado el apoyo de varios en el
mundo, que están de acuerdo en apoyar la causa marítima. 5. Realizar negociaciones directas con Chile,
intentando el acercamiento con su vecino para poner en evidencia la necesidad que tiene como nación de que
Chile cumpla con su promesa de devolverle la salida soberana al mar.
24
No original “los acuerdos entre Estados pueden ser anulados, modificados y extinguidos, por acuerdo
mutuo y mediante la intervención de los organismos internacionales, como la ONU o la OEA, que instan a la
partes a revisar la relación jurídica que es perjudicial o crea divergencias
25
No original: Su reclamación legítima de los territorios está amparada en los tratados limítrofes que ha
suscrito con Chile y que parecen haber ignorado con el tiempo, no sólo en su cumplimiento efectivo sino
también en su memoria histórica, que se niega a recordar o reconocer la propiedad de Bolivia sobre estos
territorios desde su fundación como República independiente tal y como lo testimonian las declaraciones del
propio Libertador, desde la fundación de la nación que lleva su nombre buscó la manera de asignarle y
garantizar el acceso al mar.
Em 1950, os governos boliviano e chileno, com a mediação estadunidense,
engajaram negociações para garantir à Bolívia uma saída soberana ao Oceano Pacífico. Os
termos do tratado previam a cessão de uma faixa de litoral a favor da Bolívia e, em troca o
governo chileno garantiria o direito de explorar as águas do Lago Titicaca. Este acordo, no
entanto, não logrou êxito (EL LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA, 2014).

Outras tentativas de diálogo entre os governos chileno e boliviano foram


orquestradas em organismo multilaterais internacionais, porém os impasses quanto as
condições de possíveis acordos, na sua grande maioria envolvendo a cessão de alguma
porção do território boliviano em troca de uma saída soberana para o mar, inviabilizaram
estas tentativas de diálogo. Em 1978, em decorrência de divergências entre os dois
governos nas negociações de Charaña no âmbito da OEA, o governo boliviano rompeu
relações com o governo chileno (EL LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA, 2014).

Ainda no âmbito da OEA, em 1979, foi aprovada a resolução 426 em que foi
reconhecido que o problema marítimo boliviano é um assunto de interesse hemisférico
permanente. Esta resolução recomendava ainda que as partes iniciassem negociações para
resolver a questão. “Tais negociações deveriam levar em consideração os direitos e
interesses das partes envolvidas e poderiam considerar, entre outros elementos, a inclusão
de uma zona portuária de desenvolvimento multinacional integrada e, assim, considerar o
pedido boliviano de não contemplar compensações territoriais” (EL LIBRO DEL MAR,
BOLÍVIA, 2014, P.45, tradução nossa)26.

Em 1983, uma nova resolução da OEA, buscou promover o diálogo entre os dois
países sobre a questão.

Seguindo este continuo grupo de resoluções, durante a XIII Assembleia Geral da


OEA ocorrida em novembro de 1983, se adotou por consenso e com o voto
favorável do Chile, a resolução 686, a qual incitava a Bolívia e o Chile a
„iniciarem um processo de aproximação e reforço das relações de amizade entre os
povos boliviano e chileno, visando uma normalização de suas relações buscando
superar as dificuldades que os separam incluindo em especial um forma de tornar
possível garantir à Bolívia uma saída soberana ao Oceano Pacífico sobre as bases

26
No original: Tales negociaciones deberán tener en cuenta los derechos e intereses de las partes
involucradas y podrían considerar, entre otros elementos, la inclusión de una zona portuaria de desarrollo
multinacional integrada y, asimismo, tener en cuenta el planteamiento boliviano de no incluir
compensaciones territoriales
que constituem as recíprocas conveniências e direitos e interesses das partes
envolvidas (EL LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA, 2014, P.46)27.

De acordo com Sá Neto e Campos (2014), durante o período de 1979 a 1989 a OEA emitiu
pelo menos onze resoluções sobre o litígio entre Chile e Bolívia.

No ano de 2006 o presidente boliviano Evo Morales e a então presidente chilena


Michelle Bachelet, em mais uma tentativa de diálogo, divulgaram a Agenda de 13 Pontos,
onde, em seu artigo 6° tratava, de maneira vaga, sobre a questão marítima boliviana.

Tema Marítimo

No espírito desta agenda bilateral ampla e sem exclusões, ambas delegações


trocaram opiniões sobre o tema marítimo e convergiram sobre a importância de
continuar este diálogo de maneira construtiva. Ambas as delegações acordaram
celebrar a XVI reunião do Mecanismo de Consulta Política Bolívia-Chile, na
Bolívia, em data e lugar a ser definido por via diplomática (EL LIBRO DEL
MAR, BOLÍVIA, 2014, ANEXO 18, P. 138, tradução nossa) 28.

No ano de 2011, o governo boliviano por meio do decreto N°834 de 5 de abril do


mesmo ano, criou dois órgãos para acompanhar suas demandas em tribunais e cortes
internacionais. O Conselho Nacional de Reivindicação Marítima tem por função traçar
estratégias e políticas sobre a reintegração marítima, enquanto a Direção Estratégica de
Reivindicação Marítima é especializada em colaborar na elaboração de demandas
marítimas junto aos tribunais internacionais e apoiar na tramitação do processo judicial
decorrente dessas demandas (EL LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA, 2014).

Em uma das mais recentes apelações do governo boliviano em organismos


multilaterais internacionais, foi apresentada junto ao Tribunal Internacional de Justiça das
Nações Unidas, uma queixa boliviana contra o governo chileno, alegando que este não
havia cumprido com o compromisso estabelecido no acordo da Agenda de 13 Pontos de

27
No original: Siguiendo este continuo grupo de Resoluciones, en la XIII Asamblea General de la OEA
llevada a cabo en noviembre de 1983 se adoptó por consenso y con el voto favorable de Chile, la Resolución
686, la cual exhortaba a Bolivia y Chile a que: “inicien un proceso de acercamiento y reforzamiento de la
amistad de los pueblos boliviano y chileno, orientado a una normalización de sus relaciones tendiente a
superar las dificultades que los separan, incluyendo en especial una fórmula que haga posible dar a Bolivia
una salida soberana al Océano Pacífico sobre las bases que consulten las recíprocas conveniencias y los
derechos e intereses de las partes involucradas”.15 Cabe resaltar que los términos de la Resolución de 1983
fueron negociados y acordados por Bolivia y Chile antes de su aprobación.
28
No original: Tema Marítimo En el espíritu de esta agenda bilateral amplia y sin exclusiones, ambas
delegaciones intercambiaron criterios sobre el tema marítimo y ceroincidion en la importancia de continuar
este diálogo de manera constructiva. Ambas delegaciones acordaron celebrar la XVI reunión del Mecanismo
de Consultas Políticas Bolivia - Chile, en Bolivia, en fecha y lugar a convenir por vía diplomática.
apresentar propostas sobre como solucionar a demanda marítima boliviana, bem como
outros acordos anteriores com o mesmo objetivo29.

Em discurso, o presidente boliviano Evo Morales justificou tal iniciativa como uma
nova estratégia para a demanda marítima histórica boliviana.

Apesar de 132 anos de diálogo e esforços, a Bolívia não tem uma saída soberana
para o pacífico. Frente a esta realidade é necessário dar um passo histórico... O
Direito Internacional, nestas últimas décadas e particularmente nestes últimos
anos, tem tido grandes avanços, agora existem tribunais e cortes aos quais podem
chegar os Estados soberanos a reclamar e demandar o que em direito lhes
corresponde... Por tudo isso, a luta por nossa reivindicação marítima, luta que tem
marcado nossa história por 132 anos, agora deve incluir outro elemento
fundamental: a apelação ante os tribunais e organismos internacionais, buscando
com direito e justiça, uma saída livre e soberana ao Oceano Pacífico (EL LIBRO
DEL MAR, BOLÍVIA, 2014, P.71-72, tradução nossa) 30.

A apelação boliviana junto à Corte Internacional de Justiça está baseada em três


eixos centrais:
1) O Chile tem a obrigação de negociar com a Bolívia com o objetivo de alcançar
um acordo que outorgue a Bolívia uma saída plenamente soberana ao Oceano
Pacífico
2) O Chile não cumpriu essa obrigação
3) O Chile deve cumprir esta obrigação de boa fé, pronta e formalmente, em um
prazo razoável e de maneira efetiva, a fim de garantir a Bolívia uma saída
plenamente soberana ao Oceano Pacífico (EL LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA,
2014, P.76, tradução nossa)31.

A defesa chilena, no entanto, sustenta que os tratados e acordos firmados entre os


dois países estão dentro da legalidade e de acordo com o Direito Internacional. Este é um
processo que ainda se encontra em tramitação, assim sendo, não se tem um posicionamento
definitivo da Corte Internacional sobre a questão, continuando assim as apelações dos dois
países nesta instância.
29
Dentre os acordos que a Bolívia acusa o Chile de não ter cumprido com sua parte estão, o convênio de
transferência de território de 18 de maio de 1895 e seus protocolos complementares; a Ata protocolada em 10
de janeiro de 1920; a troca de notas de 1 a 20 de junho de 1950; o Memorando Trucco 10 de julho de 1961; a
Declaração Conjunta de Charaña de 8 de fevereiro de 1975 e a nota chilena de 19 de dezembro de 1975 (EL
LIBRO DEL MAR, BOLÍVIA, 2014, P. 76).
30
No original: A pesar de 132 años de diálogo y esfuerzos, Bolivia no tiene una salida soberana al Pacífico.
Frente a esta realidad es necesario dar un paso histórico... el Derecho Internacional, en estas últimas décadas
y particularmente estos últimos años, ha dado grandes avances, ahora existen tribunales y cortes a los cuales
pueden llegar los Estados soberanos a reclamar y demandar lo que em derecho les corresponde… Por todo
ello, la lucha por nuestra reivindicación marítima, lucha que ha marcado nuestra historia por 132 años, ahora
debe incluir otro elemento fundamental: el de acudir ante los tribunales y organismos internacionales,
demandando en derecho y en justicia, una salida libre y soberana al Océano Pacifico.
31
No original: a) Chile tiene la obligación de negociar con Bolivia con el fin de alcanzar un acuerdo que
otorgue a Bolivia una salida plenamente soberana al Océano Pacífico; b) Chile ha incumplido dicha
obligación; c) Chile debe cumplir dicha obligación de buena fe, pronta y formalmente, en un plazo razonable
y de manera efectiva, a fin de otorgar a Bolivia una salida plenamente soberana al Océano Pacífico.
5- Conclusão

Há mais de um século o governo boliviano alega que a perda da porção litorânea de


se território é a causa de seu subdesenvolvimento. A falta de uma saída soberana para o
mar o impede de ter uma real integração como o mercado mundial, colocando a Bolívia em
uma situação de desvantagem principalmente no que se refere à exportação de minerais.

Não pode ser negligenciado, no entanto, que o território em questão, muito além de
uma saída soberana para o mar, é uma reserva mundial de recursos naturais de grande
demanda internacional, como a prata, cobre, lítio e recursos marinhos. Sendo assim, o
controle desse território representa também o controle sobre estas fontes de recursos
naturais.

Enquanto o governo boliviano tenta, tanto em negociações bilaterais quanto em


fóruns multilaterais, ter o seu direito a uma saída soberana para o mar reconhecido, o Chile
adota uma postura de não reconhecimento desta demanda, alegando que os acordos e
tratados firmados entre os dois países após 1884 são legítimos e não deixam brechas a
contestações por parte da Bolívia.

Esta, no entanto, é uma pauta que o governo boliviano não está disposto a abrir mão
e considera de vital importância para o seu desenvolvimento e inclusão definitiva no
mercado mundial de recursos naturais. O Chile, por seu turno, não está disposto a abrir
mão do território conquistado com a Guerra do Pacífico, muito menos de suas riquezas
naturais que hoje são importantes produtos de exportação.

Mesmo após treze décadas do fim do conflito, não há sinais claros de que o atrito
entre Chile e Bolívia devido a questão do acesso ao mar, possa ser solucionada em um
futuro próximo, o que coloca esta disputa territorial como a mais longeva da América do
Sul e o principal entrave no estabelecimento de relações bilaterais entre os dois países
envolvidos.
Referências:

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NUESTRA SEÑORA DEL ROSARIO 2008. Disponível em:

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Documentos e sítios oficiais consultados:

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