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Nº 136

NEUROCIÊNCIA PARA NEGÓCIOS

Neurociência para negócios


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E D I T ORIAL

R EY NALDO GAMA

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Uma edição de
muitas estreias
Em seu livro Como criar uma mente, Ray Kurzweil, um dos cofundado-
res da Singularity University, desafia quem acha que tecnologias como a
do Watson, da IBM, ou a da Siri, da Apple, não compreendem de fato as
informações. Segundo ele, as técnicas matemáticas que foram desenvol-
Reynaldo Gama
vidas no campo da inteligência artificial são muito similares em termos
é CEO da HSM
matemáticos aos métodos pelos quais a biologia evoluiu para desenvolver
e coCEO da
o neocórtex, região mais recente do nosso cérebro. E ele ressalta: “Se com-
SingularityU Brazil.
preender uma linguagem e outros fenômenos por meio de análises esta-
Tem mais de 12 anos
tísticas não conta como entendimento real, então seres humanos também
de experiência no não têm entendimento”.
mercado financeiro É por isso que estamos tão animados com esta nova edição de HSM
e, nos últimos Management. Temos falado bastante sobre inteligência artificial e suas
três, foi um dos aplicações, mas esta é a primeira vez que voltamos um capítulo em nossa
responsáveis pela história, e dedicamos um dossiê aos avanços dessa compreensão citada por
expansão e pela Kurzweil, aqui chamada de neurociência aplicada aos negócios. Ainda que
gestão do Cubo. a IA seja a forma mais tangível dos frutos dos conhecimentos neurocien-
É casado com a tíficos nas organizações, há uma série de outras aplicações que trazem re-
Marcia e coleciona sultados significativos para as empresas, e que hoje apresentamos a você.
discos de vinil. A começar pelo próprio conceito de neurociência aplicada. Em nosso
dossiê, você vai entender o que é e como as organizações têm aplicado as
descobertas dos neurocientistas em áreas como marketing e desenvolvi-
mento de produto, usando equipamentos que mais parecem saídos de um
laboratório. E também conhecer cases de empresas que, mesmo sem tec-
nologia, investem em conhecimentos neurocientíficos para uma melhor
compreensão do comportamento humano.
E falando em comportamento, nesta edição você encontra também a re-
portagem “Quanto vale uma mentoria”, a qual nos levou a investigar um
comportamento que nos parece cada vez mais comum: executivos e em-
preendedores pagando pequenas fortunas por processos de mentoring.
Nesse caso, nosso questionamento é menos financeiro e mais conceitual:
qual o papel de um mentor em nossas vidas? Quem responde são as empre-
sas que investem nesse tipo de programa e que compartilharam com HSM
Management várias histórias de sucesso.
Por fim, quero ressaltar mais duas novidades que você encontra nesta edi-
ção. A primeira é a seção e websérie #OlhoMágico, que aborda o mundo
corporativo a partir da perspectiva de pessoas que não são “nativas” desse
universo. Rafa Brites, nossa primeira convidada, conta como sua trajetória
profissional, que inclui uma experiência de cinco anos como apresentadora
da Rede Globo, foi influenciada por conceitos que seu pai aprendia no traba-
lho e compartilhava em casa.
“O futuro da educação” é a outra estreia que você encontra por aqui. A par-
tir deste mês, HSM Management passa a ter acesso a conteúdos exclusivos
FOTO: ACERVO PESSOAL

da Singularity University, que nesta edição resultou em um especial sobre


os impactos da tecnologia na educação. Vale a pena conferir. Boa leitura.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 03


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S EU MAPA PARA A EDIÇ ÃO 13 6 DOSSIÊ HSM

ARTIG OS, EST UDOS E R E PORTA GE NS 31


08 segredos da tuRma da mônica
Ela já é sexagenária, mas a Mauricio de Sousa
Produções nem pensa em parar
neurociência
22 quanto vale uma mentoria?
aplicada aos
Há quem pague pequenas fortunas para
mentores famosos. Será que precisa?
negócios
Não é de hoje que o cérebro
58 revolução no campo exerce um fascínio sobre a
Os impactos da tecnologia e das agritechs em toda espécie humana. Estudá-lo,
a cadeia produtiva do agronegócio brasileiro entretanto, não é tarefa fácil.
É por isso que a neurociência,
72 empoderamento do cliente
Por que os clientes abandonam suas marcas favoritas e
que se dedica ao estudo do
como as empresas devem se adequar a essa realidade? sistema nervoso do qual o
cérebro faz parte, evoluiu
84 brasileiros em stanford ao longo dos séculos, mas
Três brasileiros contam seus principais aprendizados
após uma temporada de estudo fora do País
não na mesma velocidade
de outras ciências.
88 A chave da alta performance A aceleração das descobertas
Pesquisas e cases revelam quais características neurocientíficas se deu a partir
dão origem aos melhores times
da década de 1990, que ficou
92 O futuro da educação conhecida como “a década do
Especial da #SingularityUniversity conta cérebro”. Nesse contexto, a
os impactos da tecnologia no setor
evolução da tecnologia foi
fundamental para que as
C ONTAG EM RE GR E S S IVA COM MONICA HE R R E R O
descobertas saíssem dos
06 liderança baseada laboratórios e começassem
em confiança a aparecer nas empresas.
Depois de 27 anos de empresa, sendo sete HSM Management mergulhou
na presidência, Monica Herrero deixa o nesse universo e oferece a
dia a dia da Stefanini para assumir uma
cadeira no conselho. Confira o legado que você um dossiê completo sobre
ela deixa e seus planos para o futuro como as neurociências estão
impactando os negócios e como
você pode se preparar para
esse futuro, que já chegou.

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DIRETO AO PONTO AS S U N T O P E S S O AL

15 equilibrado e discreto 77 Longevidade


É assim que Satya Nadella é definido por especialista, Os cinco hábitos que valem dez anos a mais de vida
que enumera seus feitos à frente da Microsoft
78 tecnologia, educação e futuro
16 comportamento e sociedade Transformações no mercado de
Pesquisa mostra que, para promover impacto social, é trabalho e o gap educacional
preciso antes mudar o comportamento das pessoas.
79 pessoas do contra
18 pessimismo proposital Especialistas contam os segredos para
Conheça a técnica utilizada por consultoria conviver bem com esses profissionais
que ajuda na análise de risco de projetos

19 Economia circular
80 confiança e redes sociais
Estudo aponta como comportamento
Executivos da HP contam os desafios enfrentados nas redes impacta nas negocições
pela indústria em relação ao lixo eletrônico

20 incertezas na china
81 mão na massa
Dificuldades geradas pela guerra comercial com E menos plaejamento. É o que um dos fundadores
os EUA impactam gigantes de tecnologia da Netflix recomenda a quem quer empreender

21 influência do marketing 82 roubo de dados


Tema é predominante em revistas de O que fazer quando suas informações
negócios são roubadas no mundo digital

// ///////
83 níveis de consciência
EXTRA - C ONTEÚDO DIGITA L No espaço do equilíbrio, Wilma Bolsoni
aborda responsabilidade vibratória
67 notícias de bastidores
Newsletter The Making Of chega N O S S O S C O L U N I STAS
semanalmente ao seu e-mail
56 dario neto e marcel fukayama
68 #extracast: anticarreira Healing leadership
Podcast aborda alternativas para quem
deseja ampliar sua visão de carreira 76 Jorge forbes Soluções TerraDois

69 #Olhomágico: rafa brites 86 Luciano Bueno O Vale Ocidental


Na estreia da websérie, abordamos como um ritual
de planejamento em família pode mudar vidas 87 edward tse O Vale Oriental
70 #Conversascorajosas 98 ANGELA MACIEL Lifelong learning
Feedback ascendente é o tema do novo
episódio dessa websérie QU E M É QU E M

71 #rolemodel: joão kepler 95 profissionais


Para mudar o Brasil, ele investe em empresas Conheça as pessoas que nos ajudaram
e na cria filhos para empreender a produzir esta revista.

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EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 5
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MONI CA HE R R E R O //

“Meu maior legado é a liderança


baseada em confiança”
CEO Brasil de uma multinacional presente em 41 países, com faturamento global de
R$ 3 bilhões em 2018. Figura na lista dos melhores CEOs da Forbes Brasil, que também
já a considerou uma das mulheres mais poderosas do País. Essa é Monica Herrero, que
está agora passando o bastão da Stefanini – considerada a quinta empresa brasileira
mais internacionalizada – para Marcelo Ciasca, até então CEO para a América Latina.
Depois de sete anos na presidência e 27 anos na companhia, ela vai começar uma nova
carreira: a de conselheira. Em 2020, assume efetivamente como membro do conselho
da Stefanini e também de outra empresa, ainda mantida em sigilo. | Por Sandra Regina da Silva

Como resume a estratégia e o cres- razão da crise. Nosso maior crescimento veio da
cimento da Stefanini nesses últi- América Latina, nos países de língua espanhola.
mos anos e o que vem pela frente? O plano continua sendo, cada vez mais, criar
um ecossistema melhor e ainda mais eficien-
Intensificamos o projeto de in- te na área de inovação, a partir de três linhas:
ternacionalização, que foi inicia- aquisição de empresas, iniciativas em startups e
do em 1996, com a estratégia de estímulo ao desenvolvimento de inovação den-
ser uma companhia global. Esta- tro da companhia.
mos hoje presentes em 41 países.
Nos últimos anos, nossa estratégia foi direcio- Depois de 27 anos na Stefanini,
nada a nos tornarmos uma empresa de inovação, sendo os últimos sete como CEO
com grande foco em transformação digital. En- Brasil, em uma empresa que va-
tão, cada vez mais saímos do perfil de só apoiar e loriza a diversidade, você sai com a
sustentar sistemas para ajudar a fazer a transfor- sensação de dever cumprido?
mação digital, a pensar em novos modelos de ne-
gócio e a gerar valor para os negócios dos nossos Deixo várias conquistas e realiza-
clientes usando a tecnologia. ções, seja nos resultados da empresa,
A maior estratégia agora é nos tornarmos lí- seja pelo crescimento das pessoas – e hoje gera-
deres em inovação, nessa transformação digital. mos mais de 13 mil empregos só no Brasil – ou do
Temos meta de crescimento, lógico, porque sem ambiente de trabalho, mas a sensação é sempre de
crescimento não se agrega valor, mas o maior de- que ainda há o que executar. Ainda bem, porque
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

safio é melhorar a rentabilidade da organização. uma empresa deve buscar a melhoria contínua,
Estamos sofrendo com as margens, principal- incessantemente. Mas, sim, deixo pronta para que
mente no Brasil, onde temos crescido pouco, em quem vier possa realizar um monte de coisas.

6 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


Quanto à diversidade, eu mesma sou um
exemplo: uma mulher como CEO de uma mul-
tinacional é um atestado disso. Estive recen-
o trabalho em
temente na premiação dos melhores CEOs da
Forbes, e lá falei que nunca tive uma gestora,
equipe é essencial
nunca consegui me espelhar em uma mulher.
Mas tive a gratidão de ter homens que reconhe-
para a inovação. E
ceram meu valor durante a minha trajetória.
Estar em uma companhia em que um dos valo-
não há inovação sem
res claros é a diversidade é muito bom. Não temos
um programa formal para incentivar a diversida-
confiança. Acredito
de; na verdade, não temos barreiras de entrada.
E aqui a diversidade não é só de gênero: busca-
que, para gerar
mos incluir os diferentes dentro da organização.
Quanto maior a diversidade em uma companhia,
confiança, o líder
mais se traz os perfis do mercado e mais se traz
ideias, respeito e colaboração para a equipe.
não pode só pregar,
Qual é o legado principal que você deixa
tem de executar
para a companhia?

Acredito que o maior legado é a para não entrar na execução, ainda mais com
liderança baseada em confiança. toda a minha história nesta organização.
Para nós, o trabalho em equipe é es- Na nova carreira, tenho também o desafio
sencial. Em uma empresa focada em imenso de aumentar o número de mulheres em
inovação, a colaboração, sem dúvida, conselhos no Brasil, porque temos também de
tem de ser um dos pilares. E não há começar a conquistar esse espaço. Além de as-
colaboração se não existir confiança. sumir como membro efetivo do conselho da Ste-
Acredito que, para gerar confiança, o líder fanini em 2020 – em que temos uma das sócias
não pode só pregar, mas tem também de exe- e eu serei ali a primeira mulher independente –,
cutar. Considero que agir como falo é um im- quero participar de outros.
portante legado. Então, é uma nova carreira para mim e con-
Os valores são muito fortes aqui dentro e preci- sidero uma troca interessante de experiências.
sam estar em sintonia entre todas as pessoas. Em Tudo que é novo nos leva a estudar, a aprender.
um país como o nosso, onde se questiona uma Isso é maravilhoso, mas também dá um frio
série de valores, manter isso é um legado imen- na barriga.
so. Eu deixo isso, não só para a organização, mas
também para meus filhos, para minha família. Como é a Monica fora do cenário cor-
porativo?
Monica Herrero é uma mulher que Sou extremamente familiar.
gosta de desafios, certo? Quais de- Costumo dizer que “estou”
safios acredita que vai encontrar em várias posições, mas “sou”
como membro do conselho da Stefanini? uma coisa só: mãe. Dessa po-
sição não abro mão de jeito
Sim, até por isso estou indo para nenhum! Meu marido e meus fi-
um novo desafio. No conselho, lhos me deram o equilíbrio para
terei vários. É um ciclo profissio- ter conquistado tudo até agora.
nal diferente para mim. Vou trocar a Estar com eles é muito importante, faço parte
cadeira em que estava acostumada a executar da vida deles, assim como eles fazem parte da
para entrar em um processo de participação minha. Não é importante somente eu estar ao
estratégica, de construção, em que há muito lado dos meus filhos, mas eles também preci-
mais questionamentos. Preciso ter cuidado sam estar ao meu lado.

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8 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136
OS SEGREDOS DE UMA
TURMA SEXAGENÁRIA
AS ESTRATÉGIAS DA MAURICIO DE SOUSA PRODUÇÕES PARA MANTER EM ALTA
UMA MARCA ADORADA POR TANTAS GERAÇÕES | POR TICIANA WERNECK

P
ebolinha, conhecido personagem de Na visão de Silvio Laban, professor de Mar-
cabelo espetado que troca o “r” pelo keting do Insper, é a consistência na escolha
“l”, sempre teve planos “infalíveis” de parceiros e produtos que garante o suces-
para roubar o Sansão, coelho de pe- so do amplo portfólio. “Há uma clara conexão
lúcia da Mônica. O curioso é que to- entre o produto e seu público-alvo”, diz. Para
dos terminavam, invariavelmente, com um olho Jaime Troiano, presidente da TroianoBran-
roxo, o dele, no caso. Para quem, como a repórter ding, “a marca Turma da Mônica possui uma
aqui, passou a infância mergulhada nas histórias visão de quais territórios tem autoridade para
da turma do bairro do Limoeiro, é fácil constatar ocupar e quais não tem. Essa distinção evita
que na realidade quem detinha, de fato, um plano que sua marca seja desgastada com uma ex-
infalível era Mauricio de Sousa, o nome por trás pansão que não faça sentido”, ensina.
da maior empresa de entretenimento do Brasil.
Responsável pela marca Turma da Mônica, ligada
a produtos diversos de licenciamento, incluindo
Desenhando metas
parques temáticos, filmes, espetáculos, games e “Não parei na primeira revistinha e não vou
itens de bens de consumo, além dos gibis, este parar agora. Meu negócio é seguir sempre em
ano Mauricio de Sousa celebra 60 anos da pri- frente.” Com essa vitalidade, Mauricio de Sousa,
meira tirinha de jornal que deu origem à turmi- 83 anos, continua dando expediente diário na
nha mais famosa do Brasil. empresa e participando das decisões. Foi assim
É justamente no licenciamento e na ces- com o recente sucesso Laços, primeiro filme live
são de direitos autorais que a empresa con- action da turminha, que levou mais de 2 milhões
centra mais de 80% de seu faturamento. À de pessoas ao cinema. O filme, que encabeça
frente desse departamento carro-chefe está uma trilogia, coprodução da MSP, Paris Entre-
ninguém menos do que a própria Mônica, ou tenimento, Paramount Pictures e Globo Filmes,
Mônica Sousa, diretora executiva da Mauricio era um sonho antigo de Mauricio e parte de uma
de Sousa Produções (MSP). “O segredo é nos estratégia para ampliar ainda mais o alcance da
associarmos a marcas boas, as quais confia- marca. “Quero continuar produzindo histori-
mos em dar a nossos filhos”, diz ela. Além do nhas, livros, revistas, desenhos animados e ago-
famoso extrato de tomate Elefante, a marca ra filmes”, diz ele, já chamado de o Walt Disney
estampa 4 mil produtos de segmentos diver- brasileiro, pai de 400 personagens.
sos entre alimentos, brinquedos, higiene, es- A empreitada, como todas as outras, exi-
colar, casa e decoração, produzidos por 150 giu planejamento na ponta do lápis. “Orga-
empresas parceiras. Uma vez assinado o con- nizamos nossas metas com um planejamento
trato, a equipe da MSP trabalha em conjunto, macro, indicando para onde todos devemos
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

acompanhando a produção e aprovando eta- remar, articulado a planejamentos menores


pas. “Não é só assinar o licenciamento, parti- segmentados por mercado ou área, com pra-
cipamos dos processos”, conta. zos de um a dois anos para a conclusão”, con-

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 9


ta Marcos Saraiva, gerente da área digital da Inovação a partir dos gibis
MSP, e filho da Mônica.
Marcos ainda se surpreende com o modus A MSP detém 80% do mercado de quadrinhos
operandi do avô, sonhador e visionário. “Ele no Brasil e o posto de segundo lugar em vendas
traz ideias e oportunidades para a mesa que anuais nas livrarias de todo o país – mais de 1 bi-
só fazem sentido uns seis meses depois, quan- lhão de revistinhas foram lançadas até hoje. Ser a
do começamos a destrinchar os possíveis ca- líder desse mercado nunca a limitou. Desde 1959,
minhos”, brinca. E isso diz muito sobre a veia quando foi publicada a primeira tira dos persona-
artística e empreendedora de Mauricio. gens Bidu e Franjinha nas páginas da então Folha
Um exemplo é a ideia de transformar o es- da Tarde (do grupo da Folha de S.Paulo), a empre-
túdio da MSP em um destino turístico. Por R$ sa nunca ficou parada. Nascidos nas histórias em
150, o visitante pode conhecer os bastidores da quadrinhos e inspirados em pessoas de verdade, os
sede da empresa na Lapa em São Paulo, local personagens são levados para outras plataformas
onde trabalham 400 pessoas. A visita guiada como revistas, livros, filmes, desenhos animados,
pelo complexo empresarial de 3 mil m² pro- espetáculos teatrais, eventos temáticos, parques
porciona uma viagem pelo universo da marca. de diversões, webséries, aplicativos e games.

“não parei na primeira


revistinha e não vou
parar agora”
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

10 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


No mundo digital, as luzes estão voltadas o Google, ou especialistas de áreas específicas
para a websérie Mônica Toy, animações de 30 para nos fazer enxergar para onde cada mercado
segundos e sem diálogos, o que torna possível está caminhando”, conta Saraiva. Com exceção
o entendimento em qualquer lugar do mundo, dos quadrinhos e dos desenhos, 99% dos produ-
publicada no YouTube – as seis temporadas tos que levam a marca não são produzidos in-
somam 4,4 bilhões de visualizações. “Com essa ternamente, e sim nos parceiros, mas a empresa
série, que hoje concentra nossa maior audiên- quer estar atenta às tendências para não perder
cia na plataforma, entramos em países que oportunidades. O próprio Mauricio vai ao Japão
ainda não nos conhecem e, depois do sucesso, todos os anos captar novidades e fazer parcerias.
partimos para o lançamento das revistas, ani- Sua relação com o Japão é bem próxima,
mações e licenciados”, conta Mônica Sousa. tanto que lá a empresa possui um escritório
Já no mundo real, a ideia é expandir os par- que cuida dos licenciamentos no País: pane-
ques temáticos. Em junho, a empresa inaugurou tone, pão de queijo, refrigerante, cebolinha (o
seu primeiro parque no Nordeste, em Olinda – vegetal) e até modem de wi-fi portátil. Em bre-
outro no mesmo molde já existe em Goiânia, e ve, o país deve comercializar também as histó-
mais um deve ser inaugurado em breve no Rio rias em quadrinhos Turma da Mônica Jovem,
de Janeiro. Os parques são conhecidos como mangá que já é sucesso por aqui, ao narrar as
FEC (Family Entertainment Center), termo da aventuras da trupe na adolescência. A marca
indústria de diversão que designa o modelo com também está de olho nos Estados Unidos e no
metragens que variam entre 800 m² e 3.000 Canadá, onde começará a vender gibis até o
m², ideal para shopping centers cujas áreas de fim do ano – já vende gibis e outros produtos
entretenimento e convivência têm ganhado des- licenciados em 40 países, incluídos aí França,
taque dentre as opções de lazer. Dinamarca e vários da América Latina.
O Parque da Mônica, localizado em São Pau- A verdade é que, desde 2013, a MSP mantém
lo, é um modelo de negócio diferente, uma vez sua estratégia de internacionalização, que se
que possui 12 mil m², característica que o tor- iniciou com a criação da Mônica Toy e do for-
na o maior parque coberto da América Latina talecimento dos canais em inglês e espanhol
– obteve aporte de R$ 38 milhões. Já um FEC nas redes sociais – a marca soma mais de 9
requer investimento entre R$ 3 milhões e R$ 5 bilhões de views no YouTube, sendo que 66%
milhões. “O projeto do FEC Turma da Mônica da audiência está fora do País – principalmente
ocorre via licenciamento e prevê a implantação nos Estados Unidos, na Rússia, na Argentina e
de dezenas de unidades no Brasil e no exterior”, no México. Parte da estratégia para conquistar
comenta Mauro Sousa, diretor da Mauricio de novos territórios é estabelecer “crossover” com
Sousa AO VIVO, braço do grupo que tem como personagens conhecidos do público local, como
missão transformar as histórias em quadrinhos Chaves, Chapolin, Angry Birds e Homem-Ara-
em experiências. Além de parques, a empresa nha. “Queremos que o mundo todo conheça a
promove espetáculos musicais, eventos cor- Turma da Mônica, seja no digital ou com pro-
porativos, culturais, esportivos, espaços inte- dutos, conteúdos e filmes”, diz Mônica.
rativos em shoppings, licenciamento de áreas
temáticas e até sessões de autógrafos meet & Conexão com a quarta geração de leitores
greet com personagens.
“Não temos limitação de segmento”, afirma A Turma da Mônica sempre falou a língua da
Saraiva. “Nosso objetivo é contar uma boa histó- garotada. Desde o início, mesmo com a invasão
ria, não importa a plataforma”, diz. Para Troia- de quadrinhos estrangeiros, a marca era o retra-
no, a MSP é um exemplo de como é possível pre- to da criança brasileira. “Há um elo emocional,
servar o essencial na busca do novo. Esse novo pois as crianças percebem que aquele universo
é construído no dia a dia, por meio de work­ tem a ver com elas. E mais, há a interação ge-
shops, eventos, cursos de atualização e feiras racional, na qual filhos, pais e avós são aliados
internacionais dos quais membros da empresa na relação com os personagens”, opina Troia-
participam como forma de oxigenar as equipes no. Essa faceta do negócio ficou evidente com a
constantemente. “Trazemos parceiros, como exibição do filme Laços, que reuniu nas filas de

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 11


Números
cinema do País fãs da turma de todas as idades. da Turminha
Afinal, são seis décadas de histórias.
O desafio agora, portanto, é continuar atual e
relevante para a quarta geração de leitores, mais
conectados e adeptos de causas sociais. Para o
primeiro desafio, o da tecnologia, a marca faz
lançamentos em plataformas como games para
Nintendo e PlayStation, e aplicativos de celular, - No licenciamento, a marca trabalha com
como jogos e o Banca da Mônica, serviço por as- 150 empresas que utilizam seus personagens
sinatura que traz o acervo de revistinhas desde em mais de 4 mil itens.
1950 e inclui edições em inglês e espanhol.
As redes sociais são grandes aliadas. As 11 pá- - Só nos quadrinhos são produzidas mais de
ginas no Twitter, no Instagram e no Facebook 1.500 páginas de historinhas por mês.
são administradas internamente por uma equi-
pe de dez pessoas. “No início, esse trabalho era - Desde a primeira HQ impressa, nos anos 1970,
terceirizado, mas ao assumirmos o contato com até hoje, mais de 1 bilhão de revistinhas foram
o público, tivemos um salto de qualidade no re- lançadas.
lacionamento e passamos a perceber vários pon-
tos de oportunidade”, explica Saraiva. Os fãs, - Os canais no YouTube somam 9,2 bilhões
que há alguns anos expressavam sua admiração de visualizações, sendo a maior audiência para
pelos personagens usando envelopes e selos, Mônica Toy, animação sem diálogos para atingir
agora se manifestam nas redes sociais, o lugar o público mundial.
da interação. “A ideia é estar em todas as pontas,
desde as físicas, com gibis e livros, como as digi- - Foram 400 livros publicados nos últimos
tais disponíveis para as crianças por celular ou cinco anos.
tablet. A todo momento estamos aperfeiçoando
nossa comunicação de acordo com as especifici- - Mauricio de Sousa é um dos três autores mais
dades de cada canal”, diz ele. lidos do Brasil.
No YouTube, a marca soma mais de 10 mi-
lhões de inscritos, que podem conferir vídeos - São oito revistas mensais (Mônica, Cebolinha,
inéditos toda semana, além do acervo com mais Cascão, Magali, Chico Bento, Turma da Mônica,
de 750 títulos, incluindo vídeos com acessibili- Turma da Mônica Jovem e Chico Bento Moço), cinco
dade, canais em espanhol, inglês e japonês. Na almanaques bimestrais, três trimestrais, um
linha da internacionalização, mantém canais almanacão anual, além de mangás e graphic novels.
no Facebook e no Instagram com publicações
diárias em inglês como estratégia para se apro- - Mais de 1 milhão de seguidores nos
ximar dos fãs que estão além do território nacio- perfis do Facebook, 475 mil no Instagram e
nal. “Com os novos passos que estamos dando 157 mil no Twitter.
rumo à internacionalização, sentimos a neces-
sidade de segmentar a nossa comunicação, uma
vez que nossos públicos possuem linguagem e
perfis diferentes. A criação desses novos perfis personagem negra da turma, a Milena, que tem
é uma experiência para uma entrega mais perso- uma autoestima elevada e uma família com-
nalizada”, diz Mônica. posta por dois irmãos, a mãe veterinária, e o
Para o segundo desafio, o de estar em linha pai publicitário. “Estudamos lançar uma famí-
com as mudanças de valores e de comporta- lia negra há anos. Em 1960, antes de Mônica
mento da sociedade, a empresa trabalha para ou Cebolinha, criei meu primeiro personagem
estar antenada. “A marca evolui com seu públi- negro, o Jeremias, depois teve o Pelezinho e o
co, inserindo personagens e temas para conti- Ronaldinho Gaúcho. Não queria apenas criar
nuar criando conexões com as novas gerações”, um personagem, mas sim realizar um estudo de
opina Laban, do Insper. Foi assim com a nova montagem de uma família, cada um com suas

12 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


características visuais e, principalmente, de e algumas eram retratadas da mesma forma que
personalidade”, explica Mauricio. “Desde 2016, na década de 1970. Era hora de mudar”, conta.
venho participando de eventos que discutem a Reforçar o potencial feminino passou a ser
importância da representatividade. É funda- uma bandeira. A MSP assinou os Princípios de
mental que todas as meninas e os meninos pos- Empoderamento das Mulheres da ONU, uma
sam se reconhecer nas histórias em quadrinhos, iniciativa da ONU Mulheres e do Pacto Global
desenhos e espetáculos”, diz a diretora Mônica, que orienta o setor privado na promoção da
que é embaixadora do Unicef (Fundo das Na- igualdade de gênero. Desse envolvimento nasceu
ções Unidas pela Infância). o projeto Donas da Rua, liderado por Mônica.
Ao longo dos anos, a turma foi sendo enri- “Sabemos que as personagens da turminha ins-
quecida com a inclusão de personagens com piram meninas a acreditarem que podem supe-
síndrome de down, deficiência visual, autismo e rar obstáculos. Queremos usar essa força natural
cadeirante. “Nós temos a preocupação de trazer para que entendam seu potencial e a beleza que
o melhor retrato da sociedade atual. Para isso existe na diversidade”, conta ela. O ponto central
nos mantemos abertos a ouvir representantes de do projeto Donas da Rua é produzir conteúdo,
movimentos sociais e nossos artistas e desenhis- por meio de histórias facilmente compartilhadas
tas que falam a linguagem do momento e cola- na internet, exemplos reais e palestras em esco-
boram com gírias, comportamentos e memes”, las, sobre como meninas podem exercitar seu
conta Mônica. Os personagens também evoluem direito de ser o que quiserem, além de entender
com o tempo, assumindo novas responsabili- melhor conceitos como empoderamento e igual-
dades sociais. Cebolinha tem pegado mais leve dade de oportunidades.
nas maldades, e Chico Bento não solta mais ba- Essas discussões também estão movimentan-
lão. Uma crítica recebida, “por que as mães dos do os maiores estúdios do mundo. As produções
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

personagens ainda usam avental?”, mexeu com Marvel e DC Comics evoluíram ao longo do tem-
Mônica. “Temos muitas personagens mulheres po: se antes o herói apenas precisava ser indes-

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trutível e salvar o mundo, agora possui toda uma não é possível que ele veja tudo, mas ele gosta
dimensão humana com suas angústias e sonhos. de participar e dar seu aval”, comenta Mônica.
Recentemente, a Disney se viu em meio a uma A empresa vem, há alguns anos, sendo acompa-
polêmica na internet após anunciar uma atriz nhada por uma consultoria externa na constru-
negra para interpretar a versão live action de ção do processo de “perenização”, como Mau-
A Pequena Sereia. A escolha está em sintonia ricio chama o plano de sucessão. A ideia é que
com a celebração da diversidade na cultura pop, os lançamentos não parem, independente de
contra os padrões de beleza anteriormente im- quem estará segurando o pincel. Como o con-
postos. “As empresas não podem fechar os olhos trato internacional que a MSP acaba de assinar
para a evolução de comportamento, mas sim se com a rede de televisão americana HBO, para
apropriar das novidades em seu território de um desenho adulto inspirado no Astronauta,
atuação”, comenta Troiano. enquanto a conterrânea Cartoon Network tra-
balha numa adaptação de Turma da Mônica
Perenização da turma Jovem. Ele não para.

Desenhista desde os tempos de escola, o


paulista Mauricio criou uma empresa familiar
que é sonho de muitos fundadores. “A entida-
de Mauricio de Sousa já transcendeu a pessoa.
A empresa desenvolveu mecanismos internos
de decisão fiéis ao que ele faria se participas-
se de todos os processos”, diz Laban. Isso sig-
nifica que, a exemplo do traçado de um novo
personagem, que é sempre criado por Mauri-
cio e em seguida replicado por seus desenhis-
tas como uma cópia fiel, os demais processos
da empresa reproduzem esse mesmo DNA de
criação. Mônica credita essa capacidade ao per-
fil dos funcionários, a maioria com décadas de
casa. “Muitos são como família. Eles ajudam a
preservar nossa filosofia e maneira de pensar
passando-a adiante para as novas gerações de
funcionários”, confidencia.
Mauricio gosta de conhecer cada
novo funcionário e valoriza o dina-
mismo dos jovens. “Empresas as-
sim duram mais que seus fundado-
res”, complementa Laban. Na visão
de Troiano, “a empresa não caiu na
armadilha de substituir o homem
do negócio por um homem de ne-
gócio”. Mauricio ainda é ativo nas
decisões, mas vem cedendo espaço
para os três filhos Mônica, Mau-
ro, na área de shows e parques, e
Marina, no roteiro, considerado a
alma da empresa. Mas Mauricio é
duro na queda. “Eu atuo na em-
presa há 30 anos e tive que provar
IMAGENS: DIVULGAÇÃO

meu valor. Hoje, ele confia nas mi-


nhas decisões, a empresa cresceu e

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DIR ETO A O P O N T O
UM GIRO MUNDIAL PELA MÍDIA DO MANAGEMENT

Um líder
equilibrado
e discreto
É ASSIM QUE SATYA NADELLA,
CEO DA MICROSOFT, É
DEFINIDO POR CONSULTOR
NA PLATAFORMA MEDIUM

Em abril deste ano, a Microsoft alcançou, pela


primeira vez, o valor de mercado de US$ 1 tri-
lhão. A companhia se tornou assim a terceira
empresa do mundo a atingir esse patamar, igua-
lando-se a outras duas gigantes norte-america-
nas: a Amazon e a Apple.
Quanto desse feito pode ser creditado a Satya
Nadella, o CEO que levou a Microsoft literalmen-
te para a “nuvem” e fez com que a empresa tenha A abordagem de Nadella no comando da Mi-
mais assinantes que a Netflix? Para o especialista crosoft é definida como sólida, um pouco como
Michael K. Spencer, a “virada” promovida por Na- um sábio avô, de fala suave e maneiras gentis.
della nos últimos cinco anos, desde que substituiu E foi assim que ele pode ter salvado a empresa,
Steve Ballmer, é simplesmente “histórica”. nesse movimento “épico”. Quando o conselho
O autor destaca o perfil de Nadella, um enge- de administração o indicou, a Microsoft parecia
nheiro de 51 anos de idade, que nasceu e cresceu presa na armadilha do declínio do Windows.
em Hyderabad, na Índia, e é conhecido por seu Ao mesmo tempo, Nadella pratica a discrição.
temperamento equilibrado e discreto. “Além de “Lembre-se de onde ele veio. Nadella começou
ter tomado muitas decisões corretas, ele tem se vendendo PCs para compradores corporativos.
mostrado muito estável, influenciando como a Mais tarde, supervisionou a engenharia do Bing,
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Microsoft se comporta na ‘nuvem’, como em- o mecanismo de pesquisa da empresa, antes de as-
presa mais madura”, escreve Spencer na Me- sumir o Azure, a plataforma de aplicativos e servi-
dium, a plataforma de blogs. ços. E o resto é história”, escreve o autor.

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D I R ETO AO PONTO

Mudar comportamentos
para mudar a sociedade
AUTORAS RELATAM NA STANFORD SOCIAL INNOVATION REVIEW DUAS
HISTÓRIAS E TRÊS LIÇÕES APRENDIDAS PARA PROMOVER IMPACTO SOCIAL

Diante do desafio de lidar com tradições cul- que viviam. Mas o plano também não conseguiu
turais e resistência das populações atendidas, lí- atrair um número suficiente de mulheres, que
deres de dois projetos de impacto social na Índia se mostraram desconfortáveis com esse tipo de
descobriram que, antes de tornar a vida das pes- contato com um homem.
soas melhor, era preciso mudar a mentalidade e o Era preciso, portanto, inovar. O projeto dei-
comportamento delas. Em artigo na Stanford So- xou de enxergar as mulheres das áreas rurais
cial Innovation Review, Pritha Venkatachalam e apenas como beneficiárias passivas da iniciati-
Niloufer Memon, integrantes do The Bridgespan va e passou a recrutar e treinar algumas delas em
Group e coautoras do relatório “Bold philanthro- como utilizar smartphones.
py in India” (de 2018), descrevem e comentam Essas “saathis” (amigas, em hindi) foram es-
duas experiências e três lições aprendidas. caladas para percorrer comunidades vizinhas
e ensinar outras mulheres sobre as vantagens
amigas da internet práticas da utilização da internet e como fazer
isso no dia a dia.
Em 2015, a Tata Trusts e o Google junta- No início, as “saathis” tiveram dificuldade em
ram forças para lançar um programa chamado convencer outras mulheres a investir seu tempo
Internet Saathi, que tinha como objetivo pro- para fazer as aulas. A virada aconteceu a par-
mover a inclusão digital de mulheres da área tir do momento em que o projeto conseguiu en-
rural da Índia. volver algumas pioneiras, geralmente mulheres
A ideia de realizar treinamentos nos centros jovens, em cada uma das comunidades, que di-
comunitários locais, porém, esbarrou em um vulgaram os benefícios da internet e, assim, ti-
obstáculo cultural aparentemente instranspo- veram sucesso em influenciar o comportamento
nível: mulheres não podem viajar sozinhas, sem de suas vizinhas.
a companhia de um familiar masculino. Desse modo, o projeto cresceu rapidamente.
A organização do projeto adotou, então, uma Em abril deste ano, a iniciativa contabilizava
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

estratégia diferente. Foram contratados capa- 65 mil “saathis” engajadas, que já haviam aju-
citadores do sexo masculino para percorrer as dado mais de 24 milhões de mulheres na Índia a
comunidades e ensinar as mulheres no local em vencer a exclusão digital.

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Controle da tuberculose comportamento na rede privada, como o reembol-
Quando o governo da Índia, juntamente com so de exames específicos e medicação apropriada,
parceiros, como a Bill & Melinda Gates Founda- possibilitando que as clínicas, por exemplo, ofe-
tion, iniciaram um movimento para controlar a tu- recessem diagnóstico e tratamentos gratuitos aos
berculose no país, os líderes do projeto compreen- pacientes. Também foram realizadas ações de
deram que precisariam se concentrar em poten- treinamento e comunicação. Assim, ao adotar es-
ciais colaboradores (redes privadas de saúde), que tratégias práticas, dentro do sistema já existente,
representavam o primeiro ponto de contato com para motivar a rede privada a colaborar com o es-
50% a 70% dos pacientes com sintomas. forço dos órgãos públicos, o projeto conseguiu me-
O foco principal era estimular a rede privada a lhorar significativamente o atendimento.
atuar de maneira coordenada com os órgãos de As pesquisadoras, ao observarem como os
governo envolvidos no programa de controle da dois projetos mudaram comportamentos e im-
tuberculose, de modo que os pacientes pudessem pactaram positivamente a vida das pessoas,
receber um tratamento padronizado. chegaram a três lições:
O primeiro passo foi mapear os comportamentos • Ainda que um projeto tenha como objetivo
da rede privada que poderiam estar impedindo que uma transformação revolucionária, o progresso
pacientes com tuberculose recebessem tratamento depende quase sempre de avanços graduais e evo-
de qualidade. Três atitudes se destacaram: lutivos, no sentido de mudar comportamentos.
• A maior parte da rede privada de saúde não • A observação e o aprendizado profundos
seguia as orientações governamentais no trata- devem preceder uma mudança comportamen-
mento da doença. tal significativa.
• O nível de qualidade do tratamento variava • Ações de mudanças de comportamento con-
muito dentro do espectro da rede privada. seguem mais progressos quando evocam trans-
• Nem sempre a medicação era adequada e, formações, ao invés de tentar impô-las às pes-
frequentemente, eram receitados remédios que soas. Nos dois projetos analisados pelas pes-
mascaravam os sintomas da tuberculose. quisadoras, o trabalho foi realizado partindo de
A partir desse mapeamento, foi possível de- dentro das comunidades, no interior da cultura
senvolver medidas para incentivar a mudança de e dos sistemas existentes.

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D I R ETO AO PONTO

Acredite,
é preciso
sempre
pensar
no pior
TÉCNICA CONHECIDA COMO presa de tecnologia utilizou a técnica do premortem
“PREMORTEM” É DESTACADA PELA quando estava desenvolvendo um sistema de análi-
se avançada para um programa de aviação.
CONSULTORIA MCKINSEY COMO Antes de lançar o programa, o líder do projeto
FERRAMENTA DE ANÁLISE DE RISCO reuniu a equipe e pediu que todos imaginassem o
que poderia acontecer dali a alguns meses. Resul-
tado: a iniciativa era um fracasso.
Por que, no início de um projeto, as equipes O executivo orientou, então, que cada integrante
tendem a ignorar riscos e potenciais problemas? colocasse rapidamente no papel suas reflexões sobre
Excesso de confiança por parte das lideranças é a as razões de o projeto não ter dado certo e que com-
principal razão na maioria das vezes. Afinal, quan- partilhassem com os demais, de modo franco, ao
do o projeto começa a avançar, tudo parece no lugar menos um motivo de fracasso.
e as pessoas estão animadas e em sintonia quanto Após três rodadas de discussão, as principais
às expectativas em relação à iniciativa. armadilhas ficaram claras. As mais importantes
Para assegurar a identificação prévia de possí- estavam relacionadas a questões de ordem orga-
veis falhas, uma das metodologias mais eficazes nizacional e cultural. Por exemplo: a burocracia
à disposição é a do “premortem”. Trata-se de um interna e a resistência de alguns grupos que teriam
exercício em que os integrantes da equipe imagi- de aprender um novo sistema.
nam que o projeto, tal como planejado, fracassou. Uma vez que as potenciais vulnerabilidades foram
A partir dessa constatação, todos passam a rever identificadas, a equipe passou a discutir as medidas
o plano original a fim de antecipar potenciais amea- para reduzi-las e, como resultado, chegou-se a um
ças. Nessa abordagem, os aspectos psicológicos plano mais sólido e a um nível maior de consciência
saem de cena e o entusiasmo cego pelas ideias dão sobre os desafios a serem superados.
lugar ao esforço criativo de solução de problemas. Os estudos da McKinsey indicam que aplicar a
Na verdade, o que se observa são os integrantes da técnica do premortem reduz significativamente o
equipe competindo para ver quem consegue levan- excesso de confiança da equipe, com resultados
tar as questões mais preocupantes, e esses profis- superiores aos de outras metodologias de análise
sionais são admirados por sua capacidade de ver à de risco. O processo leva à identificação de uma
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frente, em vez de serem deixados de lado. gama mais ampla de obstáculos e ajuda a construir
Artigo sobre o tema publicado recentemente no uma cultura em que as verdades, mesmo descon-
site da consultoria McKinsey relata que uma em- fortáveis, podem ser expostas.

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Economia circular
EM ENTREVISTA PARA A REVISTA MULTIMÍDIA PÁGINA22, EXECUTIVOS
DA HP FALAM SOBRE PARCERIA ENTRE EMPRESAS E CONSUMIDORES

Com a autoridade de quem foi pioneira em o acordo setorial que você quiser. Não podemos
recolher e reciclar lixo eletrônico, a HP alerta ir lá na casa do consumidor arrancar o computa-
que qualquer programa desse tipo só tem pos- dor dele”, acrescenta Raupp.
sibilidade de sucesso se contar com a partici- Mas como engajar as pessoas no movimento de
pação dos consumidores. No Brasil, a empresa economia circular? Paloma Cavalcanti, diretora
fechou acordo recentemente com a rede vare- de sustentabilidade da HP Brasil, defende, na
jista Kalunga para oferecer mais conveniência mesma reportagem, que o caminho é a educação
a quem quer dar um destino adequado a seus e a conscientização, a fim de mudar a cultura e o
cartuchos usados. comportamento das pessoas. O primeiro passo
“Um cara fundamental nessa cadeia é o consu- pode ser a separação do lixo do dia a dia para
midor. É um elo que, se estiver quebrado, impe- chegar ao descarte adequado de eletrônicos. “A
de que tudo aconteça. Então temos de dar conve- decisão de descartar o eletroeletrônico naque-
niência e infraestrutura ao consumidor para que le ponto de coleta depende do consumidor. Não
ele possa ser um agente ativo nessa cadeia cir- depende do fabricante. E o que a gente vê ainda
cular”, afirma Claudio Raupp, CEO da HP Bra- mundialmente é o nível de retorno baixo mesmo
sil em entrevista à revista multimídia Página22. em países desenvolvidos”, afirma.
O executivo explica que as iniciativas de eco- Uma vez que essa parceria entre empresas e
nomia circular devem buscar a eficiência e, para consumidores se consolide, as iniciativas de lo-
isso, não podem se limitar a ações pontuais. É gística reversa tendem a se tornar crescente-
preciso olhar para o “círculo inteiro”, começan- mente viáveis do ponto de vista econômico. “A
do pelo desenho do produto, que deve incluir o economia circular vai avançar invariavelmente
material apropriado, com características pró- para o modelo de economia de serviços e o com-
prias para reciclagem. Também precisam ser le- partilhamento de coisas. É o que a gente já vê
vadas em conta a forma de distribuir, vender, hoje em alguns setores. Então temos avançado
comunicar e fazer manutenção. muito em modelo de negócios de serviços. Hoje
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Tudo isso, sem perder de vista a responsabi- isso ocorre no B2B, para empresas, com as quais
lidade do consumidor. “Se o consumidor não temos contrato de impressão por serviço”, des-
puxar o gatilho, podemos colocar a estrutura ou taca Paloma Cavalcanti.

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D I R ETO AO PONTO

Incertezas rondam as
chinesas de tecnologia
ANÁLISE FEITA PELA REVISTA THE ECONOMIST APONTA DIFICULDADES
GERADAS PELA GUERRA COMERCIAL ENTRE EUA E CHINA

Os últimos meses têm sido árduos para as chinesas e representam uma oportunidade de au-
ações das mais valiosas empresas chinesas com mentar a independência tecnológica do país.
capital aberto. Em grande parte, em decorrência Ainda assim, lembra a reportagem, as empre-
da guerra comercial deflagrada pelo presidente sas chinesas de tecnologia não são invulnerá-
dos Estados Unidos, Donald Trump, que, entre veis. A Tencent tem enfrentado concorrência
outras medidas, restringiu a exportação de tec- inesperada de startups do país e a Alibaba ainda
nologia norte-americana para a Huawei, gigan- depende demais do e-commerce, que responde
te chinesa das telecomunicações. por 85% de sua receita.
Investidores temem que os efeitos negativos Ao mesmo tempo, é importante observar que
das disputas entre China e Estados Unidos atin- o setor de tecnologia é mais sensível às turbulên-
jam outras empresas chinesas de tecnologia – por cias geopolíticas do que outros mercados e que a
exemplo, tornando mais difícil o acesso a com- guerra comercial entre Estados Unidos e China
ponentes e softwares de última geração. Apesar não deve se encerrar em breve. E falta pouco para
disso, de acordo com reportagem recente da revis- terminar o prazo concedido à Huawei para adqui-
ta The Economist, o cenário é mais de incertezas rir componentes de empresas norte-americanas,
do que de ameaças significativas. sem perspectiva de que seja estendido.
Sinais positivos chegam com o aumento de re- Por fim, as potenciais ameaças às atuais gigantes
ceita. No segundo trimestre de 2019, as gigantes tecnológicas da China podem vir de dentro, não do
Alibaba, Tencent e JD.com registraram resulta- exterior. Por exemplo, pela concorrência das star-
dos acima do previsto por analistas de mercado. tups e pela redução do ritmo de crescimento da
A própria Huawei mostra que as retaliações economia. Também pode decorrer das respostas
norte-americanas não são capazes de derrubar que o país der à guerra comercial. Se a escolha for
as estrelas da tecnologia chinesa. Muitos de seus voltar-se exclusivamente ao mercado interno, as
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funcionários se sentem motivados pelas disputas empresas poderão cair na armadilha de se afastar
com os norte-americanos, a partir da percepção de do mundo globalizado e das ideias que circulam
que as medidas de Trump comprovam as proezas fora das fronteiras chinesas.

20 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


A influência
crescente
do marketing
SEGUNDO
PESQUISADORES
DA IVEY BUSINESS
SCHOOL, O TEMA É
PREDOMINANTE EM
REVISTAS DE NEGÓCIOS

Como o marketing tem sido, historicamente, re- artigos para casa, por exemplo, era necessário um
tratado pelas principais publicações internacio- trabalho de marketing mais intenso. A presença
nais de negócios e o que essa análise revela sobre a cada vez maior da televisão na vida das famílias
influência da área no mundo das empresas? Essa também estimulou o papel do marketing.
foi a questão que Shane Wang e Joseph Ryoo, da Ao analisar os subtópicos do marketing com
Ivey Business School, e Abhishek Borah, do In- maior influência sobre os negócios, o estudo en-
sead, se propuseram responder. Os resultados controu três temas presentes ao longo de déca-
foram divulgados em artigo no portal Knowledge. das nas publicações: comunicação, relação com
O estudo percorreu artigos publicados na consumidores e gestão de canais. Dess es, apenas
Harvard Business Review (HBR), na Sloan comunicação apresentou uma clara tendência de
Management Review (SMR) e na Management alta desde o início dos anos 2000.
Science (MS), desde suas primeiras edições – 94 Muito provavelmente o surgimento das mí-
anos de conteúdo no caso da HBR e cerca de 50 dias sociais despertou um interesse renovado
anos nos casos da SMR e MS. pela comunicação no âmbito do marketing, e
De modo geral, 8% de quase 32 mil artigos ava- essa tendência deve permanecer forte. O rela-
liados trataram de marketing. O tema aparece com cionamento com os consumidores, por sua vez,
especial destaque na HBR, com 16% dos artigos, passou a receber maior atenção a partir da dé-
e em quarto lugar no que diz respeito à influência cada de 1940 e se traduziu no desenvolvimento
sobre os negócios, atrás de gestão, comportamen- nos sistemas de CRM nos anos 1980.
to organizacional e finanças. Além disso, o total de Ao final, a conclusão do estudo é clara: em-
textos que podem ser classificados como “de mar- bora o interesse pelo marketing tenha demora-
keting” cresceu de maneira significativa nas três do um pouco mais para decolar, na comparação
publicações desde meados da década de 1980 – e com outras áreas, sua influência sobre o mundo
essa tendência começou a aparecer antes, ainda dos negócios cresceu de maneira substancial
nos anos de 1960, na HBR. ao longo do tempo. Essa tendência indica que o
O interesse e a influência crescentes do marke- marketing deve se tornar ainda mais importan-
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ting podem estar relacionados ao fato de a gera- te. As empresas devem compreender que ofere-
ção do baby boom ter chegado ao mercado con- cer e gerenciar o valor para o consumidor será
sumidor. Com mais pessoas comprando carros e cada vez mais um imperativo.

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QUANTO VALE UMA MENTORIA?
HÁ QUEM PAGUE ATÉ R$ 50 MIL POR SESSÕES COM MENTORES
“FAMOSOS”. SERÁ QUE PRECISA? | POR SANDRA REGINA DA SILVA

elêmaco viveu sua infância distan- ambiente corporativo. Mentor foi responsável

T
te de seu pai Ulisses (ou Odisseu, não só pela educação do menino, mas também
em grego), rei de Ítaca, que havia por incutir valores, ajudar na formação do ca-
partido para a Guerra de Troia. ráter e repassar sua sabedoria nos desafios e
Anos se passaram e Telêmaco, nos momentos de tomadas de decisão.
ainda jovem, foi em busca do pai. Com a prática atraindo as empresas, criou-
Foi acompanhado do sábio e amigo de confian- -se um mercado de mentoria: cursos e treina-
ça da família, que cuidava do menino desde a mentos de formação, tecnologia de gestão de
partida do rei. Seu nome era Mentor. programas de mentoring, consultoria de im-
Está no poema épico Odisseia, atribuído plementação e serviços prestados por mento-
a Homero, a origem do mentoring, que vem res profissionais. Mas a questão é: quanto vale
ocupando espaço cada vez mais relevante no uma mentoria?

IMAGEM: SHUTTERSTOCK

22 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# M ENTORIA
# R E C U R S O S H U MANOS
# D E S E N V O LVIME NTO

Os preços variam muito. Cursos de formação de


R$ 1 mil a mais de R$ 10 mil; eventos que reú-
de olho em um mercado
nem CEOs renomados com algumas sessões indi-
viduais por R$ 50 mil; implantação de programas
que movimenta
de mentoria em empresas de R$ 50 mil a R$ 100
mil; contratação de mentor que cobra de R$ 500
milhões, já há
a R$ 3 mil por sessão ou de R$ 40 mil a mais de
R$ 100 mil por projeto.
empresas oferecendo
“Tem muita coisa acontecendo. Preocupa-me
algo que já começou, que é a banalização da men-
programas que
toria. Foi assim que também começou com o coa-
ching”, comenta Paulo Erlich, diretor da Erlich
chegam a custar
– Pessoas & Organizações, que implanta progra-
mas nas empresas e forma mentores.
50 mil reais por
“Os eventos de mentoria são bons na geração de
ideias, que podem ser aproveitadas pelos partici-
mentorado
pantes. Ao ouvir a experiência de alguém bem-su-
cedido pode-se ter insights para o sucesso, mas
isso não é mentoria. A mentoria dura vários me- outros em estágios bem avançados e muito estru-
ses, vários encontros, há um envolvimento entre turados, o que não acontece do dia para a noite.
mentor e mentorado”, opina Rubens Pimentel, Das empresas consultadas, poucas têm mento-
CEO da Trajeto Desenvolvimento Empresarial. res externos – e, quando os têm, são eventuais. “Se
Um ponto fundamental aqui é que um progra- temos dois mentores, um interno e um externo,
ma de mentoria, com equipes bem treinadas e ali- com as mesmas competências, o desempate é em
nhadas ao objetivo da empresa, com gestão orga- favor do profissional da casa, porque ele conhece a
nizada e bem-feita, rende frutos. E é um processo cultura e os processos da empresa”, diz Erlich, que
relativamente longo, que prevê uma construção também atua como mentor de executivos.
de relacionamento, ou seja, não se resume a al- A relação mentor interno e mentorado é a que
gumas horas com um ilustre guru, por exemplo. traz ganhos mais tangíveis para ambos os lados, na
O mentoring serve para desenvolver novos opinião de Pimentel. “Temos o profissional mais
colaboradores e líderes, preparar sucessores, experiente dentro da empresa como mentor e ou-
fortalecer a cultura organizacional, incentivar a tro de alto potencial para se desenvolver; é quase
colaboração entre funcionários, atrair e reter ta- uma relação de apadrinhamento. Isso reflete nos
lentos; e tudo isso impacta positivamente os re- números da companhia”, diz.
sultados da organização. Se o mentor é profissional da própria empre-
Sua empresa precisa disso? Alguns dados indi- sa, a gestão do programa fica mais fácil: a coor-
cam que a mentoria é uma importante ferramen- denação das agendas, o alinhamento à cultura
ta usada por empresas de sucesso. Cerca de 70% e à estratégia corporativa, além de uma expres-
das que estão presentes na Fortune 500 têm pro- siva economia – já que mentores internos não
gramas de mentoria. recebem benefícios financeiros – são algumas
“No Brasil, poucas têm práticas estruturadas, das vantagens.
mas é impressionante a quantidade de empresas Entretanto, há quem considere que empresas
que têm em seus planos implantar programas de sem contratação externa podem estar se privando
mentoring”, afirma Thiago Correia, cofundador e de um ponto de vista diferenciado. “Acredito que
sócio da Top2You, que desenvolveu soluções de o modelo híbrido (mentores interno e externo) é
gestão de programas de mentoria, além de ter mais poderoso, porque o olhar de fora também
uma plataforma com 70 mentores e formar men- agrega muito”, opina Correia.
tores e mentorados. Entre as empresas ouvidas por HSM Mana-
HSM Management comprovou que realmen- gement, enquanto o público-alvo (mentorado)
te há muitos programas de mentoria dentro das or- é bem diverso, todas são unânimes em relação
ganizações. Vários ainda em estágios iniciais, que ao perfil do mentor, que não deve ter relação de
estão com iniciativas sendo lapidadas, enquanto trabalho com o mentorado, mas deve ter dedi-

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 23


cação voluntária e precisa ser treinado antes de para não sobrecarregar alguns, mesmo com a
assumir esse papel. frequência dos encontros sendo livre.
“O problema mais comum é se eleger um men- Há sete anos, quando ingressou na Promon,
tor interno sem prepará-lo em mentoria, quan- Fabiana Garcia Porras, coordenadora de co-
to a regras e metodologia, o que compromete o municação, tem sido mentorada. “O programa
resultado final”, diz Pimentel. Além disso, não me ajudou bastante no alinhamento dos meus
há um modelo único, mas as empresas ouvidas desafios, até porque o mentor tem uma visão
também realizam avaliações, para ter dados mais sistêmica. O networking também foi fun-
principalmente qualitativos dos resultados. damental”, conta. “Costumo dizer que não exis-
te ex-mentor, porque o carinho é para sempre.”
programa consolidado Já na opinião de André de Carvalho Paro, ge-
rente de ofertas e um dos mentores da empre-
Na Promon Engenharia, o Programa de sa, um dos pontos fortes do programa é o com-
Mentoração existe há 24 anos, e está disponí- partilhamento com profissionais mais jovens.
vel para 100% dos funcionários, do auxiliar ao “Cada caso me ensina um novo repertório de
gerente. A empresa conta com 205 pessoas em caminhos e oportunidades para crescer e revi-
seu quadro efetivo, e 20% delas são mentores, gorar a trajetória de um profissional.”
que ocupam cargos de gestão de nível sênior e
pleno, e que estão na empresa há mais de um PRocesso de expansão hierárquica
ano. Para estagiários, há outro programa, em
formato de comitê, com tutoria. A Mapfre começou seu programa em 2014,
Entre os objetivos do programa, estão es- com o diretor geral e diretores sendo mentores
timular o planejamento de carreira, mapear dos gerentes. “Deu tão certo que abrimos para
ações de autodesenvolvimento a partir do re- outros executivos, que mentoram sempre dois
conhecimento de forças e fraquezas, otimizar níveis hierárquicos abaixo, mas de áreas dife-
a performance individual, ampliar as redes de rentes”, conta Jisley Bontempo, superintenden-
relacionamento e o conhecimento sobre a com- te de recursos humanos da empresa. Agora o
panhia, além de fortalecer a cultura e os valores programa visa o desenvolvimento de superviso-
corporativos. “O mentoring visa a realização res, gerentes e coordenadores; e a ideia é descer
profissional e pessoal dos envolvidos, com di- um nível na estrutura hierárquica a cada ano.
recionamento à estratégia de negócios; e gera Os mentores recebem, durante o treinamen-
engajamento”, diz Gabriela Gaspardo de Souza, to, um guia chamado Plano de Voo e participam
gerente de relações humanas da Promon. de reuniões periódicas para combinarem entre
Com adesão voluntária, cerca de 90% do efe- si as melhores práticas e para trocarem expe-
tivo já passou por algum ciclo. Desde o início, riências. Além disso, contam com ferramentas
o programa tem evoluído, ora para ficar mais e apoio de business partners.
aderente às práticas do mercado, ora para in- Para formar as duplas, todos recebem mini-
cluir ferramentas, como a chamada praça de currículos, em que há as habilidades, projetos
aprendizagem, em que os profissionais podem e marcos de cada mentor, e os pontos que cada
trocar suas experiências. mentorado deseja desenvolver. “Incentivamos
Em 2014, houve mais uma mudança, segun- que o mentorado escolha um mentor com perfil
do a analista de relações humanas Bruna Cris- diferente do seu, mas que tenha experiência em
tina de Toledo Rufino. “Deixamos a estrutura seu gap”, comenta Bontempo.
e o processo mais transparente, por exemplo, Com o mentoring, a Mapfre, que tem cerca
em relação ao papel de cada um”, lembra. de 4 mil funcionários no Brasil, percebe que
Souza explica que o modelo é de autogestão aumentou a sinergia entre as áreas, mas outro
da carreira profissional. “Esperamos o prota- ponto se destacou: “Comprovamos, estatistica-
gonismo das pessoas, que podem escolher seu mente, que as equipes dos mentorados apresen-
mentor, de acordo com suas necessidades e taram aceleração de desenvolvimento. Então,
expectativas”, alega ela. O mentorado define o benefício não fica só com o mentorado, mas
até três opções de mentores, e o RH considera replica para seus subordinados e impacta toda a
o desafio de cada um e forma as duplas, até cadeia em volta”, avalia a executiva.

24 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# M ENTORIA
# R E C U R S O S H U MANOS
# D E S E N V O LVIME NTO

mentos online, facilitando o acesso aos profis-


sionais que ficam espalhados pelo Brasil.
Inicialmente, o programa é indicado para
gerentes de nível pleno e sênior – os de nível
júnior ainda não são contemplados. “O men-
toring vem para construir essa cultura de co-
laboração em médio e longo prazos. Enten-
demos que é uma construção, porque temos
inclusive que conseguir construir isso de cima
para baixo para sermos efetivos e perenes”, diz
Mauro Mariz Gonçalves, diretor executivo cor-
porativo de gente e gestão da Riachuelo.
No curto prazo, o objetivo é desenvolver es-
sas pessoas, trabalhando gaps de performance,
programa que visa também a sucessão fortalecendo os pontos fortes de cada um, além
de acelerar a carreira. “Queremos colocar uma
A DPA Brasil, joint-venture entre Nestlé e lupa sobre esses gerentes, porque entendemos
Fonterra, tem há alguns anos um programa de que eles já têm potencial e queremos desenvol-
mentoring para a liderança com mentores in- vê-los ainda mais”, completa o executivo.
ternos, segundo o diretor de RH da empresa, Há um longo caminho a percorrer, reconhe-
Frederico Gonçalves. Tanto mentores quanto ce Gonçalves. “A Riachuelo tem atualmente
mentorados são treinados por uma consul- cerca de 300 gerentes de loja. Como ainda não
toria, mas o programa é acompanhado pela temos mentores para atender essa quantidade,
equipe de RH. nosso plano com o programa é de médio e lon-
Além de aumentar o sentido de pertenci- go prazos. Queremos para todos, mas precisa-
mento, e de compartilhar e manter viva a mos de mais mentores”, completa.
cultura da empresa, o programa também tem Entre os atuais mentores, está uma, que foi
foco em sucessão – os principais gestores dão mentorada no primeiro ciclo. Era gerente de
suporte ao desenvolvimento dos profissionais loja e traçou como meta ser promovida a ge-
mais promissores. “Nós acreditamos que esse rente regional. Não só conquistou a posição
processo é rico até mesmo para o mentor, como agora também é mentora. “O mentorado
pois renova os conhecimentos a partir da tro- é quem define sua meta previamente. Ele tem
ca de ideias e do reforço dos ensinamentos”, autonomia e independência; é o protagonista
afirma Gonçalves. de seu próprio desenvolvimento”, conclui o di-
retor de gente e gestão.
pela construção da cultura de colaboração
quando a prática está embutida na cultura
A Riachuelo implantou seu programa em
2018 para ajudar seus gerentes de operações A Movile, fundada em 1998, chegou a tentar
(lojas) e comercial (produtos e compras) a estruturar um programa formal, mas percebeu
transporem desafios e para construir uma cul- que incluir essa prática na cultura organiza-
tura colaborativa. Os mentores estão em car- cional fazia mais sentido no seu caso.
gos de gerência regional e geral. No modelo da “Para nós, a pessoa deve ter um protago-
Riachuelo, há ainda supervisores, com papel nismo, já que é dona de sua carreira e de seu
de mentor das duplas para garantir o relacio- desenvolvimento. Damos as ferramentas, des-
namento e a metodologia, e para tirar dúvidas. tacamos que o ambiente colaborativo está na
O primeiro ciclo, com duração de seis meses cultura da Movile e incentivamos cada um a
e cerca de 20 encontros, teve 14 duplas. Agora, dedicar parte de seu tempo para aprendizado”,
está em curso o segundo ciclo, com 31 duplas. conta Matheus Fonseca, analista de employer
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

O mentoring está inserido no Liderar Riachue- branding da Movile.


lo, programa de desenvolvimento de gerentes, A empresa não define quem será mentor e
que inclui também capacitação técnica e treina- quem será mentorado, sequer define um núme-

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 25


Mentoria reversa, é possível?
Muitos filhos e netos desempenharam – e
ainda desempenham atualmente – o papel
de “mentores” de seus pais ou avós no uso de
dispositivos eletrônicos, como smartphones
e smart TVs, com suas inúmeras aplicações,
certo? Por que, então, um jovem profissio-
nal, especialista em inteligência artificial,
data analytics ou blockchain, não pode ser
o mentor de um alto executivo com uma ex-
tensa experiência, mas que não domina to-
das as novidades tecnológicas?
É exatamente isso que o mercado tem
chamado de mentoria reversa, quando o
mentor é mais jovem do que o mentorado.
Mas isso faz sentido?
“O termo mentoria reversa foi populari-
zado em 1999 por Jack Welch, então CEO
da General Electric, quando colocou 500 de
seus principais executivos com jovens para riências com tecnologia para os executivos
que aprendessem com eles a usar a inter- com mais idade.
net”, conta Paulo Erlich. Um pressuposto Já foram feitas duas turmas do modelo re-
falso, em sua opinião, que é compartilhado verso, e há 25 jovens no papel de mentores na
por outros especialistas. companhia. Ter a visão dos millennials passou
“Vejo como um erro de semântica, não de a ter um maior peso dentro da Mapfre. Um
conceito”, diz Thiago Correia. A idade do men- bom exemplo foi um encontro de oito mento-
tor, assim como seu nível hierárquico, não im- res jovens com três mentorados para que os
porta, e sim sua bagagem. “Como a mentoria mais novos dessem ideias e opiniões em um
é um processo de troca, depende do contexto projeto específico, e muito foi aproveitado.
para a definição do mentor, mas não da idade”, A KPMG inicia no segundo semestre um
diz. Ele lembra que, quando trabalhou na Coca- programa em que 113 sócios serão mento-
-Cola, o presidente mundial tinha um mentor rados por 113 millennials, que não ocupam
na casa dos 30 anos de idade. cargos gerenciais. Antes disso, foi criado na
“O real significado de mentoria reversa é empresa um comitê formado por oito jovens,
quando o mentorado se desenvolve tanto, que com características diversas, que estão parti-
acaba virando o mentor do que até então era o cipando de todos os comitês da KPMG, com
seu mentor, ou seja, mentor vira mentorado e o propósito de influenciar de forma reversa,
mentorado vira mentor”, explica Erlich. trazendo outra visão às reuniões.
Semântica à parte, o fato é que HSM Mana- Enquanto inicia essa turma, a KPMG dá
gement encontrou empresas com mentores um outro passo. Pela Aliança Toda Cor, da
mais jovens do que mentorados. qual a KPMG faz parte ao lado de empresas
Em 2017, a Mapfre teve a primeira turma como Dow, O Boticário, Microsoft, entre
de mentores jovens para mentorados mais outras, está sendo desenhado um projeto
seniores, incluindo aí o presidente. “A men- em que millennials negros serão mentores
toria reversa começou no Brasil e agora é de executivos brancos mais seniores, sendo
utilizada pela Mapfre globalmente”, conta cada um deles de empresas trocadas.
Jisley Bontempo. O programa foi idealiza- Pelas iniciativas das empresas, tudo indica
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

do por conta da transformação digital, com que novas propostas de mentoring estão sen-
o objetivo de os jovens levarem suas expe- do desenhadas. Tudo em prol do aprendizado.

26 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# M ENTORIA
# R E C U R S O S H U MANOS
# D E S E N V O LVIME NTO

ro de encontros entre as partes. Fonseca diz que


qualquer funcionário pode convidar outro para
assim como aconteceu
ser seu mentor e a relação dura quanto tempo
for necessária e útil para os dois lados. Para a
com o coaching, o
empresa, ter pessoas se desenvolvendo e conec-
tadas umas às outras são os ganhos principais.
excesso de ofertas de
Atualmente com 2,3 mil funcionários, espa-
lhados pelo ecossistema de empresas, como
mentorias coloca em
PlayKids, iFood, Sympla, Maplink e Zoop,
todos têm acesso à plataforma My Academy,
risco a reputação de
com cerca de 40 mil cursos online, incluindo
alguns das universidades de Harvard e MIT.
programas sérios, que
Apesar da total liberdade, a Movile criou
um programa de mentoria formal, voltado so-
de fato contribuem
mente para os que entram na companhia. Ele
nasceu com o programa de recrutamento de
com o desenvolvimento
estagiários e trainees Mobile Dream, em 2016.
Cada selecionado conta com um mentor, para
de pessoas e empresas
ajudar na ambientação e na carreira, assim
como para acelerar seu desenvolvimento. questões estratégicas do negócio”, afirma Júlio
O próprio Fonseca entrou na Movile pelo Emmert, diretor de gente e gestão da Algar Tech.
Mobile Dream. “Ter mentoria não é comum. O programa pretende preparar as profissio-
Foi um privilégio, ajudou no meu amadureci- nais que estão em cargos de média liderança
mento, na visão estratégica e acelerou a curva (coordenadoras e consultoras) para que possam
de aprendizado”, conta ele. Hoje com 23 anos, competir com mais igualdade com os homens
assim que foi efetivado, no fim de 2017, convi- às vagas de níveis mais seniores. Elas foram
dou a diretora da área de gente, Luciana Car- escolhidas em um processo seletivo às cegas, o
valho, para ser sua mentora, uma relação que qual avaliou as soft skills e o desejo de crescer
continua até hoje. na carreira. “Atualmente temos 33% de mulhe-
Eventualmente, há casos de mentoria exter- res em cargos executivos e nossa meta é chegar
na na Movile, mas somente quando é necessá- a 40% até 2021”, revela o diretor de gente.
rio o desenvolvimento de alguma competência A própria presidente da Algar Tech, Tatiane Pa-
específica para C-Level, por exemplo. nato, é mentora de duas mulheres e um homem,
que atuam na Algar Telecom, na Algar Tech e no
FOCO nas mulheres Grupo Algar. Além de poder fazer a diferença no
desenvolvimento da carreira e no engajamento
O mentoring tem se mostrado eficiente para dessas pessoas, ela considera que ganha muito
fortalecer a participação de mulheres em cargos com a atividade: “Como mentora aprendo muito
de liderança. O primeiro programa de mentoria sobre a visão atual dos jovens e como gerir nesse
da KPMG tinha o foco nas mulheres e, depois, a novo mundo, melhorando a forma como lido com
iniciativa se estendeu para outros públicos. Já conflitos de gerações, engajamento no propósito,
no Grupo Algar, mentoria para mulheres veio questões de diversidade etc.”.
depois da experiência de sucesso com outros Panato participou em 2018 do programa As
programas voltados para diretores. Executivas do Amanhã, da Exec – iniciativa de
Em março de 2019, a Algar Tech implementou mentoring para universitárias. “Foi uma troca
um programa só para mulheres. Nesse, são cinco incrível. É impressionante como o aprendizado
mentoras e dez mentoradas, que se encontram é mútuo e enriquecedor para ambas as partes”,
uma vez por mês, durante um ano. “O diferen- diz ela. “Em um mundo dinâmico e flexível,
cial da mentoria feminina é que temos foco nas onde tudo é integrado e a ansiedade é enorme,
necessidades que as mulheres enfrentam. Sen- refletir sobre carreira, dificuldades femininas
do assim, os temas tratados são voltados tanto e propósito é fundamental para a escolha de
para o empoderamento feminino quanto para qual jornada você quer traçar”, completa.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 27


Como se tornar um mentor
Há vários cursos e eventos, com as mais
diversas durações, começando por um dia.
O título de alguns parece prometer transfor-
mar o participante em mentor. Apenas ouvir
um dos maiores mentores da atualidade não
vai fazer a pessoa ser capaz de desempenhar
bem o papel de mentor, se ela não tiver alguns
requisitos prévios. “Eventos curtos ajudam a
dar uma visão geral do que é a mentoria, mas
não preparam o indivíduo para os desafios en-
frentados ao longo de um processo que dura
meses”, opina Rubens Pimentel.
Paulo Erlich, por sua vez, acredita que um
profissional possa sair preparado para atuar va, a pessoa se torna mais capaz de fazer boas
como mentor depois de um treinamento de perguntas e contribui para que o mentorado
curta duração. “É diferente do coaching. O faça boas reflexões”, explica Erlich.
mentoring é muito simples e, por isso, é tão
encantador. Para ser mentor, a pessoa pre- DISPOSIÇÃO EM AJUDAR E ABERTURA À PRÁ-
cisa ter algumas características, que repre- TICA DE TROCA DE EXPERIÊNCIAS – O mentor
sentam cerca de 90% do necessário. Tendo deve ter o desejo genuíno de compartilhar
isso, só precisa aprender a metodologia e as sua bagagem para ajudar no desenvolvi-
poucas ferramentas”, alega ele. mento da outra pessoa. E ainda tem que ser
Se por um lado a opinião sobre o tempo aberto à experiência que o mentorado tiver
de preparo é divergente, a necessidade da para compartilhar.
prática é unanimidade entre os especialis-
tas, bem como as características essenciais TER TEMPO – Para ser um mentor efetivo, é
para um mentor poder ajudar o mentorado preciso ter tempo para se dedicar ao men-
a atingir um objetivo. São elas: torado. Sugere-se que as conversas sejam
previamente agendadas e que, de preferên-
EXPERIÊNCIA, BAGAGEM PROFUNDA – É im- cia, não sejam interrompidas por ligações
prescindível ter conhecimento e ter vivên- e/ou mensagens de celular.
cia no cenário, nos desafios ou nos gaps do
mentorado, para conseguir efetivamente Além desses fatores, recomenda-se que
ajudá-lo a se desenvolver e a transpor as os encontros entre mentor e mentorado (ou
barreiras. O mentor deve prover um su- mentee, como preferem alguns) devem ser
porte ao mentorado, por seu conhecimen- realizados em ambientes seguros. Por exem-
to prático, por já ter passado por uma sé- plo, as conversas nunca são gravadas. Tam-
rie de experiências, mas também pode dar bém não é recomendável que os dois tenham
suporte nos âmbitos moral e pessoal. alguma relação hierárquica, porque o relacio-
namento tem foco na colaboração, e nunca de
ESCUTA ATIVA – “Eu diria que escuta ativa poder ou subjugação.
é o combustível para os relacionamentos, Cabe ao mentor orientar, ensinar, provo-
mas há falta disso nas relações humanas. É car reflexões, inspirar o mentorado, dando
quando uma pessoa ouve de forma profun- apoio e incentivando-o a seguir seu caminho
da, empática, com atenção total a quem fala, com autonomia e independência. Lembre-se:
é um momento de doação para o outro. O Mentor, em Odisseia, não fazia as coisas por
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mentor precisa escutar o que o mentorado Telêmaco e, sim, encorajava-o a fazer por
diz e também o que não diz. Com escuta ati- conta própria.

28 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


para acelerar o # M ENTORIA
# R E C U R S O S H UMANOS

desenvolvimento # D E S E N V O LVIME NTO

de públicos
específicos, como mento, já que os envolvidos acabam conhecendo
outras áreas, desafios e formas de trabalhar dife-

mulheres e jovens, rentes do que cada um está acostumado.


A empresa se prepara para dar um salto ainda

algumas empresas maior no mentoring. Para isso, está investindo


este ano em ferramentas, para permitir encontros

apostam na a distância, para mensurar a satisfação e o pro-


gresso dos envolvidos. Planeja ainda trazer sócios

segmentação de aposentados para serem mentores, em um mode-


lo remunerado, com as vantagens de estarem em

seus programas uma etapa de vida com mais tempo e mais calma.

mentores de jovens carentes


O programa da KPMG existe há mais tempo. Já que o mentoring traz tantos benefícios aos
Patricia Molino, sócia-líder de people & change funcionários das empresas, por que não derru-
e líder do Comitê de Inclusão e Diversidade da bar os muros das companhias e levar essas van-
KPMG no Brasil, acompanhava o boom de estu- tagens até as comunidades carentes? Foi assim
dos e pesquisas sobre equidade de gêneros, uma que a DPA criou outra vertente, o Mentoring
década atrás. Entendeu que um fator importante Voluntário. Nele, os mentores interessados pas-
para o empoderamento feminino é que tivesse o sam a atuar com jovens universitários de baixa
patrocínio da liderança, e que uma forma de isso renda, com o auxílio da Comunidade Empode-
acontecer era por meio do mentoring. ra! Com o objetivo de inclusão desses jovens no
“As pessoas bem-sucedidas têm mentores”, afir- mercado de trabalho, os executivos da DPA os
ma Molino. Então, há cinco anos, ela desenhou ajudam em assuntos de carreira e na preparação
um programa piloto de mentoria para mulheres para processos seletivos.
na KPMG, com 12 duplas. Nessa época, a maior A DPA tem verificado que depois da men-
dúvida entre os mentores homens era: “E se ela toria, esses jovens ficam mais autoconfiantes,
chorar?”. Hoje, querem saber como motivar, desa- reconhecem melhor seus potenciais e muitos
fiar e provocar as mentoradas para avançarem na montam um plano de desenvolvimento de car-
carreira, relembra Molino. A segunda turma saltou reira. São seis encontros (presenciais ou online),
para 30 duplas – na última foram 107 duplas. com o auxílio de uma plataforma que permite o
“Nosso modelo de mentoria para mulheres acompanhamento das atividades.
foi replicado para a ONU”, conta a executiva, Karina Wohnrath, gerente de RH da DPA, já es-
com orgulho. A ideia também passou a ser teve no papel de mentorada, e se tornou mentora
adotada pela matriz e agora está relacionada à de um jovem do projeto de voluntariado. Em agos-
estratégia global da companhia. to, esse rapaz começou como estagiário na própria
“O programa se tornou grandioso”, diz Lu- DPA. Ela conta que ele ficou emocionado quando
ciene Magalhães, sócia-líder do Human Capi- soube de sua aprovação no processo seletivo. Ou-
tal Committee da KPMG no Brasil, que é uma tros mentorados entraram em empresas como
das atuais 27 mentoras da companhia, número Google, Cargill e Johnson & Johnson.
que saltará para 56 até o fim deste ano, além Se cada jovem beneficiado com o Mentoring
de 120 mentores homens. “É uma forma de de- Voluntário replicar sua experiência daqui a alguns
senvolvimento para os dois lados. É indescri- anos, a DPA pode ter plantado a semente para a
tível a sensação de ver gerentes que mentorei criação de um círculo virtuoso. Melhor ainda se
agora virando sócias”, completa ela. outras empresas e profissionais se inspirarem nes-
Três anos atrás, a KPMG ampliou o programa sa nobre iniciativa, que só reforça o valor intangí-
Mentoring for You para toda a liderança, incluindo vel que os programas de mentoria são capazes de
homens, e criou um programa para os sócios re- gerar no médio e longo prazo. Sem bala de prata,
cém-promovidos. Com os projetos, Magalhães diz apenas gerando aprendizado mútuo a mentores e
que ocorre uma mudança que afina a cultura com mentorados, em uma relação de troca e de com-
as melhores práticas, além de aumentar o engaja- partilhamento de experiências.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 29


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Neurociência
aplicada aos
negócios
Não é de hoje que o cérebro exerce um fascínio sobre a espécie
NESTE DOSSIÊ humana. Cláudio Galeno, nascido na Grécia por volta do ano
129, além de filósofo, matemático e astrônomo, dedicou parte
32 Dos laboratórios de sua vida à anatomia médica, dissecando macacos na tenta-
para as empresas tiva de compreender o funcionamento do corpo humano. Foi
Galeno que, pela primeira vez, propôs que o corpo fosse con-
trolado pelo cérebro e que haveria uma distinção entre nervos
36 Neuromarketing sensoriais e motores.
e as respostas Conta a História que Leonardo da Vinci, também reconheci-
inconscientes do por seus estudos anatômicos, tinha conhecimento das ideias
de Galeno e, a partir de 1480, passou a utilizá-las como base para
avançar em uma série de descobertas no campo da neuroanatomia.
38 Neuroliderança Dos desenhos de Da Vinci aos investimentos de Elon Musk,
e os indicadores muitos séculos se passaram. Em julho, o empreendedor e CEO
fisiológicos da Tesla finalmente anunciou o objetivo da Neurolink, startup
fundada por ele em 2017: inserir fios mais finos que cabelos hu-
manos em nossas cabeças, para que possamos controlar com-
putadores e smartphones usando nossos pensamentos.
40 Neurociência Engana-se quem acha que esse seja um plano de Musk para
para todos um futuro longínquo: a Neurolink levantou US$ 150 milhões
e já está buscando aprovação da FDA, a agência regulatória
norte-americana para medicamentos e alimentos, para iniciar
46 Criatividade: o testes em humanos em 2020.
que nos dizem as Portanto, o futuro das neurociências é agora. E suas aplica-
neurociências? ções merecem um olhar atento para que empresas e profissio-
nais saibam como usar esses conhecimentos de maneiras que
nem Galeno e nem Da Vinci sequer pudessem imaginar.
52 Neurociência,
empreendedorismo
e impacto social
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 31


DOS S IÊ HS M
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Dos laboratórios
para as empresas
SE HOJE FALAMOS SOBRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL COM TANTA NATURALIDADE É PORQUE
TEMOS A MÍNIMA COMPREENSÃO DE COMO FUNCIONA O NOSSO SISTEMA NERVOSO, EM
ESPECIAL O CÉREBRO HUMANO. SEM AS DESCOBERTAS DA NEUROCIÊNCIA, ÁREA DE ESTUDO
RESPONSÁVEL POR INVESTIGAR ESSE SISTEMA, O WATSON DA IBM OU A SIRI DA APPLE
TALVEZ NEM EXISTISSEM. ACONTECE QUE TODO ESSE CONHECIMENTO É RELATIVAMENTE
NOVO, E COMPREENDER SUA ORIGEM É FUNDAMENTAL PARA QUE SE ENTENDA SUAS
APLICAÇÕES NO MUNDO DOS NEGÓCIOS | POR GABRIELLE TECO

iência sem consciência não passa extermínio em massa dos judeus, foi nesse pe-

“C
de ruína da alma.” Atribuída a ríodo que médicos nazistas lideraram dezenas
François Rabelais, importante es- de experimentos cruéis, expondo suas vítimas a
critor e médico francês do Renas- condições extremas apenas para observar como
centismo, a frase, quando foi pro- seus corpos reagiam.
ferida, ainda não tinha confrontado Dentre esses médicos estava Julius Hallervor-
seu pior exemplo na história: o nazismo. Calca- den, especialista em neuropatologia, que dedicou

IMAGENS: SHUTTERSTOCK
do na ideia da supremacia racial ariana, o mo- sua carreira a compreender as causas das desor-
vimento partiu de um princípio pseudocientífico dens mentais. Sua coleção de cérebros humanos
para executar seu plano macabro, exterminando chegava a quase 700 órgãos, que ele encomen-
aqueles classificados como inferiores. Além do dava diretamente dos campos de concentração.
Sem contar os experimentos com prisioneiros mano sem procedimentos invasivos, ainda que
vivos que, de tão absurdos, nem vale a pena rela- tudo isso seja muito novo.
tar aqui. O fato é que, em nome da ciência, atro-
cidades foram cometidas ao longo da história e O homem que não tinha memória
até hoje cientistas sérios e éticos ainda sentem
os reflexos dessa imagem de médicos-monstros Toda vez que interagia com Henry Molaison,
elevada pelo nazismo. Brenda Milner precisava se apresentar. Ela já o
“Como vou estudar o cérebro humano em de- acompanhava havia anos, mas o ritual era im-
senvolvimento se ele está dentro de um útero ma- prescindível, pois o paciente não conseguia se
terno? É por isso que a maior parte da neurociên- lembrar da médica. Dela e de mais nada e nin-
cia é uma área indireta – ou seja, usamos métodos guém que ele conhecera após uma cirurgia feita
experimentais indiretos, como ultrassom, porque quando HM, como ficou conhecido na comuni-
você não quer ser invasivo, abrir a barriga da mu- dade científica, tinha apenas 27 anos. Na ten-
lher para examinar o cérebro do feto e estudar o tativa de curar suas crises epiléticas, que come-
que acontece lá”, explica Alysson Muotri, PhD em çaram após um traumatismo craniano que ele
genética pela Universidade de São Paulo (USP) e sofreu aos 9 anos, os médicos realizaram uma
professor na escola de medicina da University of
California em San Diego.
Muotri é provavelmente um dos cientistas
brasileiros com uma das carreiras internacio- avanços
nais mais notórias da atualidade. Recentemen-
te, seus minicérebros, estruturas tridimensio-
nais desenvolvidas a partir de células-tronco,
tecnológicos
foram parar no espaço. Em uma parceria com
a NASA, esses organoides, que simulam um es-
possibilitaram
tágio primário de desenvolvimento do cérebro
humano, foram enviados para uma missão es-
a evolução da
pacial para que se possa entender os efeitos da
microgravidade em nosso cérebro. neurociência, que
Diferentemente do que acontecia com os mé-
dicos nazistas, a tecnologia desenvolvida no la- sempre dependeu
boratório de Muotri mostra que, com os avanços
tecnológicos, já é possível estudar o cérebro hu- de estudos
indiretos para
compreender o
cérebro humano

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 33


DOS S IÊ HS M
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cirurgia experimental no cérebro, que resultou


na retirada bilateral de seu hipocampo. a neurociência
As crises epiléticas de HM diminuíram, mas a
cirurgia lhe deixou um efeito colateral irreversí- caminhou a passos
vel: a incapacidade de formar novas memórias.
HM morreu em dezembro de 2008, aos 82 anos, mais lentos até os
lembrando-se perfeitamente dos acontecimen-
tos de sua adolescência, mas espantando-se to- anos 1990. Mas, na
dos os dias ao enxergar no espelho a imagem de
um idoso que ele não reconhecia. década do cérebro,
Para Milner, professora do departamento de-
neurologia e neurocirurgia na McGill University tudo mudou
e professora de psicologia no Montreal Neurolo-
gical Institute, e para uma centena de cientistas
que estudaram o caso, HM deixou um importan-
te legado de diferentes estudos sobre aprendiza-
gem, memória e esquecimento. vestir em pesquisas sobre o cérebro, justamente
Da década de 1950, período em que HM come- para melhorar o preparo da formação do exército
çou a ser estudado, até os anos 1990, a neurociên- norte-americano. Eles entendiam que isso pode-
cia caminhou a passos mais lentos. A observação ria trazer um grande subsídio para transformar
e os testes, como os de memória que Milner apli- soldados em supersoldados. Então a ascensão da
cava em seu paciente, eram técnicas empíricas neurociência se dá com esse investimento maci-
disponíveis na época e boa parte dos estudos ço americano na década de 1990, revolucionando
ainda tinha como finalidade descobrir novas dro- toda a produção de conhecimento que existia até
gas para tratar doenças mentais. Compreender ali”, comenta Carla Tieppo, neurocientista e con-
o comportamento humano a partir do funciona- sultora organizacional.
mento do cérebro ainda dependia de avanços tec-
nológicos, que permitiriam unir comportamento, Dos laboratórios para as empresas
estrutura e função.
Para as neurociências, a virada do século foi
um importante marco. O incremento do conhe-
A década do cérebro cimento sobre o funcionamento cerebral ocor-
rido na década de 1990 permitiu que os estudos
Em uma pequena cidade chamada Anaheim, na extrapolassem as barreiras dos laboratórios e
Califórnia, especialistas do mundo inteiro aguar- chegassem a outras áreas.
davam ansiosos o início do evento. O ano era 1992, “Todo mundo que precisava entender o ser
início daquela que ficou conhecida como “a década humano e que antes só contava com a psicologia
do cérebro”. Na ocasião, mais de 4 mil trabalhos como base estrutural passou a enxergar nas neu-
sobre as neurociências foram apresentados, reve- rociências um campo novo de captação de insights.
lando descobertas que, em certa medida, só foram Foi assim que marketing, economia, educação,
possíveis com o avanço da tecnologia de ressonân- arquitetura, recursos humanos e a própria psico-
cia magnética (RM). logia passaram a se valer dos conhecimentos neu-
Criada na década de 1950, a RM percorreu uma rocientíficos”, explica Tieppo. “E isso mudou toda
longa trajetória de evolução tecnológica até que, a abordagem. Já não estudávamos mais o cérebro
na década de 1990, ela pudesse mapear várias somente para entender a doença ou para propor
regiões do cérebro humano. Foi nessa época que tratamentos. Começamos a olhar para o cérebro
ratinhos de laboratório começaram a ser subs- como o órgão responsável pelo processamento das
tituídos pela tecnologia, quando o interesse era informações que produzem o comportamento hu-
compreender, por exemplo, as áreas do cérebro mano”, complementa a especialista.
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

ligadas a memória e ao nosso sistema motor. A economia clássica, por exemplo, que hiper-
“Os Estados Unidos pegaram todo o dinheiro valorizava a racionalidade para explicar nosso
que gastavam na Guerra Fria e resolveram in- processo de tomada de decisão, viu sua estrutura

34 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


conta da outra pessoa”. Do outro lado, a segunda
pessoa também recebia uma mensagem, que dizia:
“O voluntário 1 enviou para você esta quantia de
dinheiro. Você quer ficar com tudo, ou quer devol-
ser abalada quando uma nova corrente de pen- ver alguma quantia?”.
samento, chamada economia comportamental, Se todas as decisões fossem tomadas de manei-
começou a surgir. Mas foi em 2002, quando um ra racional como imaginava a economia clássica,
psicólogo levou para casa o Nobel de Economia, o voluntário 1 não cederia seu dinheiro e, se ce-
que o conteúdo rompeu o rótulo de “corrente al- desse, o voluntário 2 não o devolveria. Pois bem.
ternativa” para ganhar a atenção do mundo. O O que Paul Zak e outros cientistas que replicaram
ganhador, Daniel Kahneman, além de ser consi- esse estudo ao redor do mundo descobriram foi
derado o pai da economia comportamental, tam- surpreendente: 90% dos primeiros tomadores de
bém ficou conhecido por Rápido e devagar, livro decisão enviaram dinheiro e, dentre aqueles que
lançado em 2011 e que foi amplamente discutido receberam dinheiro, 95% devolveram alguma
(e consumido) no mundo corporativo. quantia. Mas por quê? Pelas amostras de sangue
E se vivemos na era em que o cérebro é es- coletadas dos voluntários, notou-se que, quanto
tudado para entender como ele processa infor- mais dinheiro a segunda pessoa recebia, mais seu
mações que resultam em comportamentos, é na cérebro produzia ocitocina, e quanto mais ocitoci-
intersecção entre comportamento observável e na presente, mais dinheiro era devolvido. Assim,
neurociências que surge a neuroeconomia: área o neuroeconomista encontrou o que ele chama de
que estuda o funcionamento cerebral enquanto “biologia da confiabilidade”.
o indivíduo está tomando decisões financeiras Para aferir suas conclusões, Zak não se limi-
econômicas, na tentativa de compreender “a ló- tou aos experimentos laboratoriais e foi para o
gica” por trás dessas decisões. mundo real testar os níveis de ocitocina das pes-
Considerado o “pai da neuroconomia”, Paul soas antes e depois de acontecimentos relevan-
Zak estudou a relação entre confiança, morali- tes. Assim o fez em um casamento, em um salto
dade e ocitocina, hormônio que, entre outras de paraquedas, em usuários de redes sociais e,
funções, é responsável por parte do prazer do a cada experimento, a relação entre ocitocina e
orgasmo de homens e mulheres. confiabilidade foi se confirmando.
A ideia de correlacionar esses três elementos Pesquisas como as de Zak contribuem de manei-
veio após um estudo do início dos anos 2000 em ra significativa para o avanço da neuroeconomia no
que Zak mostrou que países com altas proporções mundo e servem de base para que se compreenda
de pessoas confiáveis são mais prósperos. Isso como os conhecimentos neurocientíficos podem
porque, nessas nações, mais transações econômi- ser aplicados no ambiente organizacional. Nas pá-
cas ocorrem e mais riqueza é criada, diminuindo a ginas seguintes, HSM Management apresenta
pobreza. “Assim, países pobres são, em geral, paí- cases de empresas em diferentes áreas, não sem
ses de baixa confiança. Então, se eu entendesse a antes destacar que, apesar de nomes específicos
química da confiabilidade, talvez pudesse ajudar como neuromarketing e neuroeducação, essas di-
a diminuir a pobreza”, conta o neuroeconomista visões são gentilezas didáticas. A interdisciplina-
que, em novembro, estará no palco principal da ridade está diretamente ligada às neurociências e
HSM Expo 2019. isolar suas partes pode causar uma interpretação
Para investigar sua tese, Zak recrutou voluntá- errada de sua abrangência.
rios, que ganhavam US$ 10 caso concordassem em Convido você a conhecer esse mundo novo que,
participar do experimento. Após algumas instru- se até agora lhe pareceu simples, talvez se deva a
ções, esses voluntários eram colocados em frente meu excesso de didatismo. Esse é o alerta de dez
a um computador e, em determinado momento, entre dez especialistas com quem conversei: tentar
recebiam a seguinte mensagem: “Você quer desis- transformar a neurociência aplicada em uma “fer-
tir de parte dos dólares que ganhou por estar aqui ramenta de gestão” não só distorce seu propósito
e enviá-los para outro voluntário no laboratório?”. como contribui para a banalização de seus concei-
Sem ver ou ter contato com essa outra pessoa, o tos. Alerta feito, contexto exposto, agora é só mer-
voluntário ainda recebia uma segunda informa- gulhar nas diferentes aplicações da neurociência
ção: “A quantia da qual você desistir triplica na aos negócios que preparamos para você.

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Neuromarketing e as
respostas inconscientes
COMO OS CONSUMIDORES RESPONDEM AOS ESTÍMULOS DE MARKETING DA SUA EMPRESA?
PARA OS ESPECIALISTAS EM NEUROMARKETING, JÁ É POSSÍVEL MEDIR ESSE IMPACTO, SEM
NEM PERGUNTAR AO CLIENTE | POR GABRIELLE TECO

IMAGEM: SHUTTERSTOCK
ara avaliar a nova fórmula de um e na textura, seria bem aceita pelo público da

P
tradicional hidratante de seu port- marca. E o que descobrimos a partir dos dados
fólio, uma grande empresa na- extraídos das duas técnicas foi surpreenden-
cional do segmento de beleza te”, explica Billy Nascimento, CEO da empresa
decidiu fazer um teste com con- Forebrain, que conduziu o teste.
sumidores. Chegando ao local, em No primeiro dia os voluntários testaram o pro-
vez de encontrarem formulários de papel ao duto, sem saber que marca estavam avaliando.
lado de amostras de produtos, os voluntários No segundo dia, repetiram o procedimento, mas
recrutados foram surpreendidos com um ce- dessa vez a marca foi previamente revelada. Com-
nário que mais parecia um laboratório do que parando os resultados das etapas sem marca e
uma empresa de pesquisa de marketing. com marca, foi encontrada uma diferença sig-
Para aplicar técnicas de eletrocardiografia, nificativa no estado de atenção dos volun-
que avalia a frequência cardíaca, e eletromio- tários, medido pela eletrocardiografia.
grafia facial, que capta a contração dos mús- Durante a avaliação da fragrância
culos da face, foram colocados eletrodos nos dos produtos, esses níveis fo-
participantes, que só então puderam começar ram maiores quando a marca
a avaliação dos produtos. “O objetivo da em- estava presente.
presa era analisar se a nova fórmula do produ- Esse maior engajamento
to, que sofreu uma leve alteração na fragrância resultou em uma diferença

36 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


importante durante o teste de olfato, mostrado
pelos resultados da eletromiografia facial, que
Metodologias de medição
mediu a atividade de um músculo localizado Conheça as principais ferramentas dispo-
acima da sobrancelha, chamado corrugador. níveis para captar as respostas não cons-
Na etapa sem marca, as fragrâncias dos produ- cientes de consumidores expostos a estí-
tos atual e antigo apresentaram resultados se- mulos de marketing:
melhantes. Já na etapa com marca, o produto
antigo provocou menor atividade do músculo Eletrocardiografia: capta a variação da fre-
corrugador, fazendo os pesquisadores concluí- quência cardíaca do consumidor. Os resul-
rem que a fragrância antiga se mostrou mais tados representam uma resposta implícita
agradável do que a nova fórmula. de atenção, estresse e bem-estar.
Que uma marca influencia na percepção dos
consumidores já não é novidade, e é por isso Eletroencefalograma: mede o padrão de
que as empresas investem tanto em branding. ondas cerebrais do consumidor. Além do
“Mas medir, com dados e evidências, como o nível de atenção, os resultados apresen-
marketing pode alterar a nossa percepção da tam uma resposta implícita de motivação
realidade foi uma experiência muito legal, em e memorização.
especial para o cliente, que ganhou embasa-
mento neurocientífico para tomar decisões so- Eletromiografia facial: capta a atividade
bre o produto”, conta Nascimento. elétrica de músculos da face do consumi-
Os resultados dessa pesquisa foram submetidos dor, mesmo quando a contração não é vi-
à análise da Neuromarketing Science & Business sível. A partir dessa ferramenta, é possível
Association (NMSBA) e, no fim de 2018, com o observar expressões positivas e negativas.
título de “Marketing Placebo Effects” (Efeito Pla-
cebo do Marketing, em tradução livre), o case foi Eye tracking: mede o movimento dos olhos
publicado no Neuromarketing Year Book. e o padrão de fixação do olhar do consu-
midor. A técnica possibilita o cálculo de
Mas, afinal, o que é neuromarketing? índices de saliência, visualização e engaja-
mento da região avaliada.
Segundo a NMSBA, neuromarketing é a área
que usa a neurociência para revelar os processos Pupilometria: análise da variação do diâ-
não conscientes de tomada de decisão do con- metro da pupila do consumidor, que re-
sumidor. Profissionais dessa área estudam res- presenta uma medida implícita de inten-
postas cerebrais e biométricas, bem como com- sidade emocional.
portamento, para entender e moldar o que os
consumidores sentem e pensam, e como agem. Salivação: capta a variação do volume de
“Como cerca de 95% das informações proces- salivação do consumidor. Técnica usada no
sadas pelo cérebro ocorrem de maneira incons- teste de alimentos e bebidas, que avalia o
ciente, entender por que a gente prefere produ- nível de agradabilidade do produto.
to A ao invés do B só a partir dos 5% conscientes
é muito limitador”, comenta Nascimento. E é
justamente nesse ponto que o neuromarketing
contribui: ele possibilita que as empresas co- consciência disso e que, ao alterá-lo, isso a preju-
letem respostas inconscientes de seus consu- dique ou favoreça somente quem está no papel de
midores, contribuindo para que as estratégias manipulador. E isso o neuromarketing não faz”,
de marketing sejam cada vez mais assertivas e explica Nascimento, e complementa: “Na verda-
aderentes aos seus públicos-alvo. de, o poder que eu enxergo no neuromarketing
Mas como será que ficam os limites éticos da é o de promover eficiência no mercado, uma vez
utilização dessas ferramentas? Estariam as em- que as marcas passam a criar produtos, serviços e
presas manipulando seus consumidores? “Mani- experiências que tenham realmente valor para a
pulação, no meu conceito, é agir de tal forma que a sociedade, evitando desperdícios com coisas que
pessoa mude seu comportamento sem que tenha não agregam”.

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DOS S IÊ HS M
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Neuroliderança
e os indicadores
neurofisiológicos
O QUE AS ATIVIDADES ELÉTRICAS DO CÉREBRO
PODEM DIZER SOBRE O SEU ESTILO DE LIDERANÇA?
EU FUI INVESTIGAR | POR GABRIELLE TECO

P
reocupada com seu futuro profis­ Apesar de parecer uma situação comum em em­
sional, Cecília convocou uma reu­ presas, essa história não é real. A líder em questão
nião com seu diretor e com sua era um papel representado por mim que, a convite
gerente, recém-promovida. Antes da Nortus, fui experimentar o Neurotraining Lab,
Cecília e a nova líder eram colegas de treinamento de liderança que utiliza como base co­
área e atendiam os clientes da agência, nhecimentos neurocientíficos.
cada qual em seu segmento. Assustada com aque­ Uma semana antes do treinamento, recebi um
le convite formal e repentino, a nova líder preci­ case sobre o cenário da agência, detalhes sobre
sou se preparar para uma reunião que não seria como se deu a promoção da minha personagem e o
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

fácil: Cecília estava visivelmente frustrada com a histórico de Cecília na empresa. A proposta era que
promoção da colega, especialmente por ter mais eu me preparasse para uma reunião na qual seriam
tempo de casa e por não se sentir reconhecida. avaliadas cinco competências: gestão de emoções,

38 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


na memória de trabalho. Esse indicador mostra
Neuroliderança segundo o como armazenamos e processamos as informa­
NeuroLeadership Institute (NLI) ções de maneira temporária para interagir com o
mundo, refletindo a nossa capacidade de processar
“Uma abordagem mais concreta e basea­ informações que recebemos no momento.
da na ciência para o desenvolvimento de Já o segundo indicador avaliado é o da aten­
habilidades pessoais que, além de impac­ ção, que mede a nossa capacidade de concen­
tar os líderes empresariais, torna também tração em um objetivo externo. Isso requer um
qualquer iniciativa de mudança mais efi­ esforço mental para direcionar o foco a algo ou
caz.” Essa é a definição de neuroliderança outra pessoa, e é uma condição importante para
utilizada pelo Neuroleadership Institute. a nossa capacidade de capturar informações do
Fundado por David e Lisa Rock em 2007, ambiente. Esse indicador mede o nível de envol­
o instituto realiza projetos, treinamentos e vimento em uma situação: quanto mais envolvi­
eventos em neuroliderança. O maior deles, do e focado, mais você procura e obtém informa­
o NLI Summit, chega a reunir dezenas de ções sobre o contexto, e vice-versa.
milhares de pessoas em Nova York, onde A concentração interna é o terceiro e último in­
fica a sede do instituto. Além disso, o NLI dicador monitorado pelo treinamento. Trata-se
edita o Neuroleadership Journal, publi­ de uma atividade direcionada a estados internos,
cação cujo propósito é colaborar com os como pensamentos e estados corporais. Mede o ní­
principais neurocientistas, especialistas em vel de concentração, capacidade de conectar ideias
liderança e grandes organizações em todo e encontrar coerência interna na situação.
o mundo para produzir pesquisas inova­ O relatório também reforça que todos os indica­
doras. Para ter acesso é preciso se tornar dores são avaliados conjuntamente e que a obser­
membro, opção não disponível para mem­ vação dos especialistas, que ficam atentos a ges­
bros individuais. Mas, para quem quiser sa­ tos, falas e comportamentos, também refletem na
ber mais, há bastante conteúdo disponível nota final de cada item. Portanto, é na intersecção
no blog da organização: https://neurolea- da objetividade dos indicadores neurofisiológicos
dership.com/your-brain-at-work/ com a subjetividade humana observada pelos es­
pecialistas que surgem os resultados.
Confesso que já participei de muitos treinamen­
gestão de informação, gestão de pessoas, gestão do tos de liderança, mas este foi o primeiro em que
tempo e gestão de mudanças. eu pude efetivamente ver a ciência por trás do meu
No dia do treinamento a simulação durou 30 comportamento. Observar o que acontecia com
minutos e, durante todo o período, eu usava um minhas atividades elétricas em momentos especí­
equipamento de eletroencefalografia (EEG) que ficos da reunião me trouxeram uma série de novos
registrava as atividades elétricas do meu cére­ insights e me deixaram pensativa sobre alguns as­
bro. Enquanto eu interagia com os atores na pectos do meu estilo de liderar.
sala, especialistas gravavam e me observavam No final das contas, meu desempenho foi sa­
através de um espelho (eu não os via, apesar de tisfatório e o principal ponto de atenção foi na
saber que eles estavam ali). competência gestão do tempo. Meus resultados
Ao término da simulação, recebi um feedback indicaram que eu não fui precisa em determi­
sobre meu desempenho, mas ainda sem o apoio nar um plano estruturado, que deixaria Cecília
dos materiais mais aguardados: um relatório que mais segura em relação a minha liderança. E é
analisa as cinco competências usando como base verdade: revendo o vídeo, ela me dá várias pis­
meus indicadores neurofisiológicos e o vídeo da tas e eu deixo passar essas informações.
minha participação, em que é possível acompa­ Seria possível chegar a essas mesmas conclu­
nhar minuto a minuto a oscilação das atividades sões sem que eu estivesse sendo monitorada
elétricas do meu cérebro. por um equipamento de eletroencefalografia?
O primeiro indicador monitorado pelo treina­ Acredito que sim. No entanto, tenho a impres­
mento é a ativação neurológica cognitiva, também são de que, assim como eu, todo mundo tem um
chamada de carga de trabalho cognitiva ou excita­ pouquinho de São Tomé dentro de si: é preciso
ção, que é a quantidade de informação que temos ver pra crer. Eu vi. E acreditei.

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DOS S IÊ HS M
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neurociência
para todos
DA GESTÃO DE PESSOAS, PASSANDO PELA ÁREA DE VENDAS, E CHEGANDO
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

ATÉ AS ESCOLAS, PARECE NÃO HAVER LIMITES PARA A APLICAÇÃO


DOS CONHECIMENTOS NEUROCIENTÍFICOS | POR GABRIELLE TECO E SANDRA REGINA DA SILVA

40 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


em só de eletrodos, amostras de
os conhecimentos
n
saliva ou tecnologia de eye trac-
king vive a neurociência apli-
cada. Pela apuração feita por neurocientíficos
HSM Management, a maioria
das empresas que investe em pro- proporcionam
jetos nessa área o faz sem experimentos em la-
boratório ou qualquer comprovação científica abertura e um estado
de seus resultados.
Como aconteceu com a Sodexo, que recorreu de consciência
a um projeto de neurogestão. A área de recursos
humanos percebeu que os líderes sabiam fazer diferente para as
o trabalho de gestão de equipes, mas, por algum
motivo, os indicadores não sinalizavam isso. lideranças. isso ajuda
“Nossa hipótese era de que, se explicásse-
mos conceitos básicos sobre o funcionamento na adoção de melhores
do cérebro e suas implicações na construção e
gestão de times de alta performance, traríamos estratégias para
a liderança para o nível de consciência que pre-
cisávamos”, conta Monica Torquato, gerente de lidarem com seus times
desenvolvimento organizacional da Sodexo.
Para ajudá-la nessa missão, a Sodexo contra-
tou a consultora Ines Cozzo, que há 34 anos se versidade de pessoas possível, totalizando 110
dedica aos estudos da neurociência aplicada aos líderes, que representam 97% dos executivos
negócios. A proposta era que, nesse treinamen- em cargos de gestão. Os 3% restantes são novos
to, tudo fosse diferente: a começar pelo local. líderes e, assim que houver número suficiente
“Achei que o GPS tinha me levado ao lugar er- para formar uma nova turma, eles também pas-
rado. Eu esperava uma sala de hotel ou esses sarão pelo treinamento.
espaços de treinamentos bem comuns em São Andréa Sola, gerente comercial PME, conta
Paulo. Mas era uma casa, muito aconchegante, que sua equipe não conseguia entregar resul-
com poucas pessoas e um clima bem intimista”, tado há algum tempo. Depois de passar pelo
conta André Gaiofato, diretor comercial. treinamento, veio a mudança. Ao bater a meta
De acordo com Torquato, a reação geral foi pela primeira vez, ela instituiu um importan-
muito positiva. Além de conceitos básicos da te ritual de celebração, com direito até a es-
neurociência, os líderes vivenciavam na prá- pumante. “Este é o sétimo mês consecutivo
tica experiências inspiradas nesses conheci- que estamos entregando resultado. Dá para
mentos: “A casa em que ministramos os trei- perceber que tem a ver com a neurociência: o
namentos, por exemplo, foi construída com comportamento regular e a sensação de prazer
base no que já se conhece sobre a neuroarqui- levam ao objetivo”, avalia ela.
tetura. Sabe-se, por exemplo, que locais com E quais os desafios encontrados pelo RH?
pé direito mais alto, luz natural em abundân- “Por mais que tenhamos colocado cases e exer-
cia, materiais orgânicos, entre outros elemen- cícios, cada um é impactado de uma forma.
tos da natureza, fazem o ser humano se sentir Como são pessoas, é difícil mensurar o que
mais seguro, relaxado e, portanto, mais aberto cada um coloca em prática no dia a dia e em
a novas ideias”, explica Cozzo. sua equipe, já que o que esperamos é um efeito
Outros elementos, como a escolha do car- cascata”, diz Torquato.
dápio (cafés e almoço) com base nos conheci- Apesar de o treinamento ainda ser recente,
mentos da neurogastronomia e o preparo do algumas queixas já foram minimizadas. “Acre-
material, baseado na neurocomunicação, com- dito que vamos colher frutos ao longo do tempo,
plementavam a experiência do treinamento. principalmente medindo o clima organizacio-
De agosto de 2018 a junho de 2019, foram nal, por meio de pesquisas, como a de engaja-
treinadas 12 turmas, formadas com a maior di- mento, e que deve refletir também em uma me-

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 41


DOS S IÊ HS M
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Neurocientistas
e especialistas
de mercado devem
trabalhar juntos para
que a neurociência Novartis: neurovendas para ampliar a
visão dos consultores técnicos
aplicada traga Como um consultor técnico da indústria far-
resultados para macêutica Novartis poderia ter mais sucesso
do que tantos outros que fazem visitas aos mé-
as empresas dicos, num encontro que geralmente não dura
mais que 15 minutos? Foi por meio da neuro-
ciência com foco em vendas que a equipe de
lhor posição da Sodexo nas Melhores Empresas treinamento da Novartis encontrou um cami-
para Trabalhar (GPTW)”, conclui a gerente de nho para se diferenciar.
desenvolvimento organizacional. “Nosso time de consultores têm o conheci-
Questionada sobre a dificuldade de se medir mento técnico e do negócio, e decidimos mos-
resultados em cases como o da Sodexo, Cozzo trar a eles a ciência que está por trás da jornada
dispara: “Muitas vezes há um excesso de cien- emocional na tomada de decisão do cliente”,
tificismo nesta área, em que muitos neurocien- conta Patrícia Faggion, gerente de treinamento
tistas acreditam que se você não souber como da empresa, responsável pela equipe da hema-
é a molécula da serotonina você não está ensi- tologia, formada por 27 consultores.
nando direito a neurociência. Mas há também A Novartis, que está entre as dez melhores em-
um outro lado, que é muito mais assustador: presas para trabalhar pelo GPTW e conta com
não basta ler meia dúzia de livros, montar um 2,5 mil colaboradores no Brasil, busca manei-
Power Point bonito, e sair por aí dizendo que ras diferenciadas de capacitação e entende que
é especialista no tema”. Isso porque, segundo o conhecimento sobre o processo emocional da
a especialista, usar os conhecimentos neuro- venda pode contribuir com a formação de seus
científicos para a resolução de problemas nas profissionais e reforçar ainda mais a missão de
empresas exige anos de estudo e especialização. melhorar e estender a vida dos pacientes.
“Há uma parcela de neurocientistas que são “O enfoque do treinamento, dado por Carla Tie-
da neurociência pura, que sabem tudo sobre o ppo, foi o de abordar aspectos da jornada emocio-
sistema nervoso e reações fisiológicas, porém nal, como a memória, a relação entre razão e emo-
com pouco conhecimento do mercado. Por sua ção, ou seja, como o cérebro funciona na tomada
vez, há pessoas que estão aprendendo sobre de decisão e, consequentemente, sua importância
neurociência para aplicar no mercado, porém no processo da venda”, detalha Faggion.
ou não são da neurociência aplicada ou não Durante a convenção de vendas, em julho últi-
têm acesso à aplicação – elas replicam aqueles mo, foi plantada a semente com um treinamento
conceitos. Isso porque é tudo muito novo e ain- de uma hora sobre neurociências, para ativar o
da estamos evoluindo. Acredito que, muito em conhecimento. No próximo ano, a força de vendas
breve, o caminho natural para quem trabalha terá mais treinamentos relacionados a comporta-
nessa área será investir em equipes multidisci- mentos que impactam positivamente o processo
plinares, como já fazemos por aqui”, comenta promocional das marcas, e o tema neurociências
Leandro Mattos, sócio da CogniSigns, empresa terá ainda mais espaço e profundidade.
que possui uma plataforma de diagnóstico de Um desafio do treinamento em si foi quebrar
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

autismo baseada em conhecimentos neurocien- um paradigma no item emoção x razão, como


tíficos (veja mais na página 33). lembra Faggion. Para o time, “emoção remetia

42 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


a amizade, a criar vínculos afetivos, mas o que de private equity americano Carlyle adquiriu 85%
se pretende é ensinar como acessar o emocio- do grupo, hoje com 277 lojas Ri Happy e PBKids.
nal”, neste caso, dos médicos. “Nós sabíamos o que fazer, mas era comple-
A consultora Carla Hainzenreder, que atua xo porque envolvia mudanças em temas sensí-
no Rio Grande do Sul, achou interessante en- veis”, conta Strina. Entre elas, uma mudança
tender que as decisões de compra não estão no modelo de remuneração dos vendedores,
vinculadas mais ao lado racional do cérebro, que também impactaria as gerências e o paga-
mas que o domínio é do hipotálamo, onde está mento de bônus.
toda a estrutura emocional: percepção, memó- “O principal desafio era mostrar aos 4 mil co-
ria e interação social. “Assim aprendi que para laboradores de loja que, do jeito que estava, a
mobilizar, influenciar e inspirar uma pessoa, operação não se sustentava. E o nosso desejo era
tem de ser por meio da emoção”, diz ela. que eles pudessem ver que os novos modelos de
Para Hainzenreder, os conceitos aprendidos remuneração incentivariam as vendas, fazendo
puderam ser aplicados imediatamente, tanto com que todos ganhassem”, complementa Strina.
na interação com os médicos, quanto na vida Quando procuraram a consultora Ines Cozzo,
pessoal. “O desafio nesta profissão é o tempo já não havia mais tempo para treinar as lideran-
disponível na frente do médico”, conta, e no ças como foi feito na Sodexo. “Decidimos então
treinamento ficou claro que é preciso criar es- estruturar uma experiência em um evento para
tratégias para chamar a atenção do ouvinte logo os gerentes, em que a neurogastronomia seria
de início e pelo lado da emoção. nossa principal aliada”, conta Cozzo.
Jucilene Barbosa, gerente regional, conta que
aprendeu com a neurogastronomia que é preciso
estar aberto ao novo, que a pessoa deve se permi-
tir experimentar, sentir a situação para, então,
ir adiante da melhor maneira possível. “Rendeu
aprendizados que uso até hoje”, conta ela.
Strina diz que os resultados do projeto de mu-
dança foram positivos. Cerca de 93% dos ven-
dedores aderiram ao novo formato de trabalho.
Esse alto engajamento impactou a organização,
que teve crescimento de 30% na meta de Ebitda
(lucros antes de juros, impostos, depreciação e
amortização) em relação ao ano anterior, o que
gerou pagamento de participação de resultados
aos colaboradores.
Ri Happy: neurogastronomia para
engajar líderes nas mudanças
A crise econômica e política de 2016 gerou
uma mudança de hábito do consumidor no seg- a neurogastronomia é
mento de brinquedos, e o Grupo Ri Happy pre-
cisou reformular seus processos, principalmen- a linguagem do sabor.
te de estrutura organizacional, remuneração e
benefícios para lidar com esse novo momento. dependendo do que é
Elisabete Strina, diretora de recursos humanos
do grupo, conta que o grande desafio era fazer servido em uma refeição,
algo, sem perder a essência da empresa, que foi
criada em 1988 pelo pediatra Ricardo Sayon. Es- as pessoas podem se
sência essa baseada num conceito afetivo, man-
tendo seu princípio de “gente”, respeitando seus mostrar mais ou menos
colaboradores, que foi mantida quando o fundo
abertas a uma nova ideia
EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 43
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Neuroeducação no contexto organizacional


Neurocientista e consultora organizacional, O que são estas estratégias?
Carla Tieppo é uma grande entusiasta da Para facilitar, usamos o acrônimo GET: Gols,
educação. Além de coordenar cursos na Fa- Erros e Treinamento. Trabalhamos com a inten-
culdade de Ciências Médicas da Santa Casa cionalidade do indivíduo, que está diretamente
de São Paulo, Tieppo desenvolveu um proje- associada aos objetivos que ele quer alcançar.
to chamado Educação Inédita, que visa for- Pensamos no aprendizado baseado na detecção
mar professores em neurociência aplicada. de erros, em que o erro seja efetivamente uma
Como também atua no mercado organiza- estratégia de aprendizado e, por fim, deixamos
cional, batemos um papo com a especialista o indivíduo praticar até que ele perceba que está
sobre os desafios das áreas de treinamento tendo melhora de desempenho, com um pro-
e desenvolvimento da empresa no que tange cesso inclusive de pós-treinamento, em que ele
ao aprendizado. Confira a seguir: consiga avaliar os ganhos obtidos.

Segundo as neurociências, como o ser Quais os principais erros cometidos


humano aprende? pelas empresas?
Uma das descobertas mais importantes sobre As empresas exploram pouco as jornadas emo-
o funcionamento cerebral é que a gente tem cionais, que é criar no indivíduo um engajamen-
dois sistemas de produção de aprendizado. O to com aquele aprendizado, mostrando que, ao
chamado “sistema das memórias declarativas” usar aquele aprendizado, ele resolve problemas
é aquilo que eu sei que eu sei. Então, se você dele, alivia necessidades. Há uma ênfase exces-
me perguntar sobre a semântica, o significado siva em pautas que melhoram o desempenho
das palavras, a minha memória autobiográfica, dele para a empresa, mas sem focar o indivíduo,
eu faço narrativas sobre tudo isso. Ou até mes- os ganhos que ele tem, e aí o indivíduo aprende
mo se você me perguntar sobre um processo menos nessas condições. Outra coisa que a gen-
da organização ou sobre princípios de cultura, te vê acontecer é o excesso de conteúdo, muitos
eu posso até saber, mas isso não obrigatoria- dias e muitas horas de treinamento ininterrup-
mente significa que eu uso esse conhecimento tos. Nesses casos, a jornada emocional é ruim,
no meu dia a dia. O mais importante para que as pessoas ficam desengajadas. Uma boa alter-
a gente desenvolva competência nas pessoas nativa é investir em microlearning.
é a compreensão de que eu tenho que desen-
volver uma outra forma de memória, que é a Por que o microlearning é mais efetivo?
chamada “memória procedural”, a memória Porque basicamente você tem uma capaci-
de procedimento, daquilo que eu faço. dade de construção de novos circuitos de um
dia para o outro. Essa capacidade está limitada
Consegue nos dar um exemplo no contexto pela potência das suas estruturas cerebrais que
das empresas? vão formar esses novos circuitos, especialmen-
Quando um treinamento é ministrado e o te o hipocampo. O hipocampo tem um limite
consultor diz “o líder precisa ser resilien- de funcionamento, então se você criar muito
te, ter empatia etc.”, isso não resolve nada. conteúdo, na verdade você acaba atrapalhando
A pessoa pode até saber que um bom líder o aprendizado daquilo que é mais importante.
deve ser empático, porque ela carrega essa Quando você foca algo, e vai repetindo de dife-
informação em sua memória declarativa. rentes formas, a mensagem que chega para o
Mas a questão é: como ela faz isso aconte- cérebro é “Isso você precisa aprender”. Quando
cer na hora que a demanda aparece na frente a pessoa vai dormir, o cérebro sabe que aquele
dela? Na hora que ela precisa ser empática? circuito é importante e o preserva. À noite, o cé-
Como ela lança mão dessa competência? E é rebro escolhe o que ele vai manter e o que ele vai
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

aí que entram as estratégias de desenvolvi- esquecer e, se você der muitos estímulos, ele fica
mento de memória procedural. confuso em relação ao que é importante.

44 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


Já para o Colégio Albert Sabin, o tema da
neurociência chegou com força este ano. Há
projetos voltados tanto aos professores, como
a alunos do Ensino Médio (EM).
Uma equipe de 42 professores está fazendo,
desde abril, especialização em neurociência
aplicada à educação, pela Faculdade de Ciên-
cias Médicas da Santa Casa de São Paulo e
coordenação de Tieppo. Com duração de dois
anos, o formato é in company, exceto as aulas
de anatomia que ocorrem na faculdade.
“O objetivo é qualificar nossos professores
Neuroeducação: colégios com práticas docentes eficientes, corrobora-
das pelas pesquisas mais recentes, e incentivar
na vanguarda do ensino a formação contínua de nossa equipe”, afirma
A aplicabilidade das diversas facetas da neu- Giselle Magnossão, diretora pedagógica do Al-
rociência é ampla, e não tem atraído somente a bert Sabin.
atenção do mercado corporativo. É também um O colégio tem ainda um ganho secundário
casamento perfeito com o sistema educacional. Al- com a iniciativa, já que os professores estão
gumas escolas já recorreram à neurociência para desenvolvendo suas pesquisas para o TCC na
amplificar suas propostas de ensino. própria escola. Os temas são os mais diversos,
O Colégio Sidarta, localizado em Cotia (SP), foi como criatividade, afeto, rotinas do pensa-
fundado 21 anos atrás por uma holding chinesa, mento, entre outros.
que propõe uma educação pautada em princípios Para os alunos do EM, foram oferecidas duas
e não em metodologia. Desde o início, as crianças palestras, a primeira sobre práticas de estudo,
têm aulas de mandarim. Segundo Claudia Siquei- a partir das descobertas da neurociência. A se-
ra, diretora pedagógica do colégio, o mandarim gunda, segundo Áurea de Souza Bazzi, coorde-
aciona uma parte do cérebro e ajuda no desenvol- nadora pedagógica do EM, abordou assuntos
vimento; por sua vez, a área cerebral é podada se como vícios – seja do consumo de drogas, seja
não for usada por um longo período. “Então, aqui de uso excessivo de mídias – e a importância
sempre discutimos neurociência”, diz ela. do sono para o aprendizado.
No ano passado, com base na neurociência, o Si- “Nossos alunos têm um perfil diferenciado e
darta decidiu fazer cortes diferentes na trajetória se envolvem nas discussões quando embasadas
escolar dos alunos, baseado no desenvolvimento em dados científicos”, conta Bazzi. Ela diz que
das áreas cerebrais das crianças e dos adolescen- “há um pedido de socorro”, principalmente en-
tes. Definiu então seu ensino em três ciclos: O pri- tre os alunos do 3º ano, na faixa dos 17 anos de
meiro é o momento do “despertar do ser”, que vai idade. Para eles, chega quase a ser um alento
do G3 (crianças de três anos) até o 3º ano do Fun- saber que um comportamento ou um hábito,
damental I. O segundo vai do 4º ao 7º ano, quando que sabem não ser saudável, é resultado de um
se desenvolvem outras áreas cerebrais, tais como algoritmo bioquímico e que existem instru-
as de abstração e tridimensionalidade. O último mentos para ter autocontrole.
ciclo compreende do 8º ano do Fundamental II Ter conhecimento em neurociência focada
ao 3º do Ensino Médio. “É o período de expan- na educação deve causar impacto em uma me-
são, quando ocorre o refinamento da utilização da lhor qualidade de aprendizado e dar um salto
aprendizagem em sociedade”, explica Siqueira. na relação professor-aluno. A ideia, segundo
Para dar suporte à proposta de alteração, to- Siqueira, do Sidarta, é dar o exemplo. “O desa-
dos os 80 professores dos três ciclos fizeram cur- fio agora é como viabilizar isso para escalar no
so de neurociência básica, capitaneado por Carla Brasil, porque existem pesquisas que o princí-
Tieppo, durante uma semana e carga horária de pio da neurociência vai beneficiar os educado-
oito horas por dia, para que entendessem o que res de escolas públicas; e podemos dar um sal-
se passava no cérebro e as mudanças de acordo to no sistema educacional brasileiro”, conclui
com as fases de maturidade. a diretora.

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Criatividade: O que nos


diz a neurociência?
COMO UMA DANÇA HARMÔNICA ENTRE PENSAMENTO, IMAGINAÇÃO, SENTIMENTO
E PROCESSOS INCONSCIENTES, NOSSO CÉREBRO É CAPAZ DE CRIAR, INOVAR E
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

SOLUCIONAR PROBLEMAS. E ENTENDER SUA FISIOLOGIA PODE POTENCIALIZAR ESSA


CAPACIDADE, QUE É ESSENCIALMENTE HUMANA | POR PEDRO CALABREZ

46 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


uan-Yuan era uma panda-gigante mundo, hoje, infinitamente melhor do que aque-

Y
de 11 anos de idade. Moradora le em que viviam nossos ancestrais. Os seres
do zoológico de Taipé, em Tai- humanos são a única espécie, inclusive, capaz
wan, ela havia passado por uma de olhar para si mesma e criticar seus próprios
inseminação artificial em março comportamentos, mudar de rumo, preservar a si
de 2015. Um dos problemas que mesma e até conservar outras espécies. Pandas
torna os pandas-gigantes ameaçados provavelmente não serão extintos graças aos es-
de extinção é o fato de que eles não têm grande forços humanos.
apetite sexual. Existem casos, inclusive, de pes-
quisadores que tentaram usar Viagra em pandas a razão
(sem muito sucesso).
Algumas semanas depois da inseminação, O Homo sapiens não tem a velocidade de um
Yuan-Yuan começou a apresentar sinais de que leopardo, a força de um gorila, o olfato de um
estava grávida. Quando os cuidadores do zooló- lobo, a audição de uma gazela, os dentes e as
gico percebem sinais de gravidez em uma panda- garras de um urso, os chifres de um íbex, a vi-
-gigante, o animal é imediatamente levado a um são e a capacidade de voar de uma águia ou nada
espaço especial. Nesse novo lar, a panda recebe particularmente rápido como tubarões... O que,
mais comida, incluindo alimentos de melhor então, nos torna eficientes?
qualidade. O espaço é maior e mais confortável, A resposta está na ponta da língua de todos: “a
com ar-condicionado e cuidadores 24h à dispo- inteligência!”. Esta, no entanto, é uma resposta
sição da futura mãe. apenas parcialmente correta. O que permitiu à
Passaram-se algumas semanas e, após uma espécie humana chegar ao patamar atual foi sua
ultrassonografia, os funcionários do zoológico inteligência colaborativa, raciocínio abstrato e
descobriram que Yuan-Yuan não estava grávida. grande adaptabilidade.
Ela havia fingido os sintomas para comer mais e Um ser humano isoladamente não é capaz de
melhor, em um local mais confortável. solucionar os grandes problemas enfrentados
Pandas são fofos, é inegável. Mas é inegável, por nossa espécie. Mesmo grandes gênios da hu-
também, que pandas não têm ambições. Ofereça manidade tiveram a humildade de admitir isso.
um punhado de bambu e um espaço confortável, “Se eu enxerguei mais longe, foi por estar em pé
e um panda viverá o resto de sua vida sem con- sobre os ombros de gigantes”, nos disse Isaac
flitos, desejos, sonhos, metas ou qualquer preo- Newton, provavelmente uma das mais brilhan-
cupação. Com o ser humano a coisa é diferente. tes mentes humanas que já viveu.
Cerca de 70 mil anos atrás, a população total É coletivamente, colaborando, dividindo
de seres humanos no planeta era de aproxi- nossa inteligência com outros membros do
madamente 6 mil indivíduos. A tiragem desta grupo, aprendendo uns com os outros, passan-
edição da revista HSM Management é de 10 do esses aprendizados para que as novas ge-
mil exemplares. Ou seja, o número de pessoas rações (e cada vez mais pessoas) aprimorem e
que lerá estas palavras pode ser quase o dobro refinem aquilo que foi feito no passado — é por
do número total de seres humanos no planeta meio dessa fantástica capacidade de coopera-
7 mil décadas atrás. ção que a espécie humana encontra o ápice de
O Homo sapiens, que vivia exclusivamente no sua capacidade biológica.
leste da África, não se contentou com o que ti- Acontece que abelhas e cupins também vivem
nha. Seres humanos se alastraram pelo mundo. em sociedades altamente complexas, com in-
Hoje a população de Homo sapiens é mais de divíduos que colaboram dentro de grupos com
1 milhão de vezes maior do que há 70 mil anos. espantosa precisão. No entanto, não estão nem
Triplicou a própria expectativa de vida. Domou perto de conquistar o que o ser humano foi ca-
a natureza como nenhuma outra espécie chegou paz de fazer. Não é somente a cooperação que
sequer perto de fazer. nos coloca adiante de outras espécies na corrida
O Homo sapiens é a única espécie que conse- evolutiva. A inteligência humana, diferente de
guiu a façanha de, em um espaço curtíssimo de outras espécies, é capaz de realizar raciocínios
tempo, tornar-se o mamífero dominante do pla- abstratos incrivelmente complexos.
neta, vivendo em todos os biomas, utilizando a Quando você olha para estas linhas, leitor,
natureza em seu próprio favor e construindo um você está pensando na folha ou na tela concreta

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que está à sua frente, sendo capturada por seus te chamada de córtex cerebral. Em específico,
sentidos. Mas você pode, agora, fugir do mundo o raciocínio abstrato está associado, em grande
concreto, construindo um mundo abstrato em medida, à evolução de um conjunto de estrutu-
sua mente. Você pode pensar em um urso polar. ras do córtex (ou estruturas corticais) que se lo-
Você pode, ainda, imaginar esse urso polar na calizam atrás de nossas testas. Essas estruturas
cor rosa. Você consegue imaginar um urso po- são chamadas de córtex pré-frontal.
lar rosa e alado, com grandes asas de morcego. Não quero que o leitor interprete isso com
Os seres humanos conseguem imaginar mundos base em um erro comum daqueles que não têm
abstratos, para além do mundo concreto que os grande familiaridade com as neurociências, que
sentidos capturam nas imediações do corpo. é a falácia localizacionista. A ideia de que o cé-
É essa capacidade de raciocínio abstrato que rebro tem “centros” localizados para funções
nos permite imaginar o futuro. É ela que nos complexas é equivocada (ex.: centro do amor
permite imaginar um mundo diferente deste em no cérebro, centro da raiva no cérebro). O cére-
que nós estamos vivendo e construir caminhos bro é uma rede integrada de sistemas altamente
para chegar lá. Daniel Gilbert, professor do de- complexos. Ocorre apenas que, para o sistema
partamento de psicologia da Harvard University, envolvido na mediação do que chamamos de
costuma dizer que “o ser humano é o único ani- raciocínio abstrato, o córtex pré-frontal é uma
mal que consegue aprender com seus erros antes peça-chave, e sua evolução foi fundamental.
de cometê-los”. Você não precisa experimentar Vale ressaltar, no entanto, que diversas outras
um bolo feito com farinha de trigo, fermento, estruturas também estão envolvidas nesse sis-
ovos, chocolate e fígado de peixe para saber que tema. Por exemplo, o hipocampo, localizado no
ele será horrível de se comer. Você imagina, e alocórtex. Falaremos dele daqui a pouco.
elimina essa possibilidade antes mesmo de ela Agora já podemos compreender dois ele-
virar um comportamento. mentos centrais da capacidade que os seres
Nossos ancestrais, na savana africana, imagi- humanos têm de imaginar, planejar e construir
naram um mundo fora de lá. Hoje, nós imagina- possibilidades diferentes para solucionar os
mos um mundo melhor do que este em que vive- problemas vividos no cotidiano, sejam grandes,
mos e, com base nessa imaginação, planejamos e sejam pequenos. Chamaremos essa capacidade
construímos caminhos para chegar lá. de “potencial de inovação” ou, simplesmente,
de “criatividade”.
O cérebro e nosso potencial de inovação O primeiro elemento contraria uma ideia
muito presente no senso comum, de que a
A capacidade humana de raciocínio abstrato criatividade floresce na solidão. É sedutora a
é em grande medida associada à evolução da imagem da pessoa criativa que, sozinha, na ca-
camada mais externa do cérebro, coletivamen- lada da noite, isolada de tudo e de todos, pro-
duz ideias que mudam o mundo. Acontece que
essa imagem é falsa. Mesmo Van Gogh, artista

Em roxo, o lobo
frontal humano,
onde reside
o córtex
pré-frontal

48 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


geralmente associado à produção solitária, era
altamente engajado com a comunidade artísti- A inovação
ca de sua época. Ele trocou muitas cartas com
outros artistas, compartilhando e recebendo acontece em uma
reflexões e críticas sobre obras e pintores. Van
Gogh e Paul Gauguin tinham planos de cons- dança entre as
truir uma colônia de artistas em um paraíso
tropical. Inovar é uma atividade colaborativa. estruturas do
Isso significa que a criatividade é uma capa-
cidade profundamente social. É trocando ideias córtex, incluindo
com outras pessoas, verdadeiramente ouvin-
do outros seres humanos e alimentando nossa o córtex
mente com as ideias produzidas pelos outros,
aceitando críticas e incorporando essas críticas pré-frontal
para melhorar nossas próprias ideias, utilizan-
do aquilo que ouvimos para dar nova luz ao que (que nos permite
estávamos imaginando – enfim, é pela colabo-
ração que a criatividade humana floresce. Foi o raciocínio
essa capacidade de inovação colaborativa que
nos tirou da savana, permitindo-nos chegar ao abstrato)
patamar em que estamos hoje. É ela que nos per-
mitirá alcançar patamares ainda desconhecidos. e impulsos
O segundo elemento da criatividade é a ima-
ginação. É importante notar que, ainda que inconscientes
o córtex pré-frontal seja fundamental para
a imaginação, ele não é o responsável isola- que emanam das
do por ideias criativas. Uma das funções do
córtex pré-frontal é inibir impulsos afetivos. profundezas
Quando você diz “não” a uma bela sobremesa,
ou quando põe a mão sobre o copo e impede do cérebro
que lhe sirvam mais um pouco de cerveja, é
seu pré-frontal que está segurando as rédeas. (e que incluem as
Esse autocontrole é uma capacidade essencial
ao ser humano. O problema é que impulsos emoções). Esse
afetivos são fundamentais para a criatividade.
A inovação acontece em uma dança entre as equilíbrio é difícil
estruturas do córtex, incluindo o córtex pré-
-frontal (que nos permite o raciocínio abstrato)
e impulsos inconscientes que emanam das pro- nossas ideias, possivelmente pouco coerentes.
fundezas do cérebro (e que incluem as emoções). Qualquer um que já conversou com uma pes-
Esse equilíbrio é difícil. Quando o pré-frontal soa muito embriagada percebeu que essa pessoa
comanda o barco com mãos muito firmes, pode- acredita estar falando coisas brilhantes, quando
mos bloquear impulsos fundamentais, ideias que na verdade só fala besteiras. É que o álcool em
surgem de repente e que mudam toda a nossa vi- excesso inibiu demais o córtex cerebral.
são de um problema. É por isso que uma taça de Usei o exemplo do álcool porque ele é uma
vinho (que inibe levemente o córtex pré-frontal) substância que ingerimos e que, imediatamente,
pode nos levar a lampejos de criatividade. inibe funções corticais. Mas existem outras coi-
Mas o contrário é igualmente problemático. sas que relaxam o córtex pré-frontal, permitindo
Quando emoções sequestram nossa mente, ini- essa dança harmônica entre pensamento, imagi-
bindo o córtex pré-frontal e dominando nossa nação, emoções e processos inconscientes. Um
produção de ideias, é mais provável que nosso perfeito exemplo disso é afastar-se do problema
comportamento seja demasiado impulsivo e e procurar viver uma experiência relaxante.

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Aproximar-se da natureza, permanecen- versas forem essas experiências, mais criativo


do alguns dias, ou mesmo alguns minutos, será nosso pensamento. E a melhor forma de
em meio a árvores e jardins, é um possível viver experiências diferentes é compartilhan-
caminho. Outro caminho é colocar o corpo do ideias com outras pessoas, abrindo nosso
em contato com a água, tomando um longo mundo interior para o mundo de outros seres
banho de chuveiro, banheira ou piscina. Ou humanos. A colaboração coletiva é uma das
somar as duas coisas, e mergulhar no mar. O mais eficientes maneiras de trocar e viver ex-
afastamento do problema com a aproximação periências que, codificadas na memória, per-
de um contexto relaxante permite uma har- mitirão soluções criativas para os problemas
monização entre nossos processos conscien- que enfrentamos em todas as esferas da vida.
tes e inconscientes. Pergunte a pessoas que
você considera criativas, e muitas delas dirão E quais são as implicações disso
que já tiveram grandes ideias no chuveiro ou
quando descansavam em meio à natureza.
para as empresas?
Há mais uma característica essencial da Em primeiro lugar, se você deseja construir
imaginação que também contraria uma ideia um ambiente organizacional que potenciali-
amplamente presente no senso comum. Muita zará o pensamento inovador, estimule a cola-
gente acredita que ideias criativas surgem “do boração entre as pessoas, e estimule a diver-
nada”. Que pessoas criativas têm a capacidade sidade de ideias. A liderança ressonante, que
de produzir coisas totalmente novas, impensá- estimula e exerce empatia, construindo um
veis até aquele momento. Que essas novidades ambiente em que as pessoas se sentem verda-
radicais brotam em suas cabeças em momen- deiramente ouvidas, é fundamental para isso.
tos de epifania. “Eureca!” Quanto maior for a confiança entre os mem-
Essa é, de fato, a sensação que temos quando bros de um time, e entre os colaboradores e
estamos tomando banho e surge uma ideia que suas lideranças, maior será o potencial de coo-
pode solucionar o problema que não consegui- peração e, por consequência, melhores serão
mos resolver a semana inteira no escritório. os resultados da empresa. Os estudos científi-
Mas não é porque temos essa sensação que as cos são claros: empresas em que impera uma
coisas ocorrem de tal forma. Se tem algo que cultura de confiança desempenham melhor
as neurociências nos ensinam há décadas é em todas as variáveis, incluindo rentabilidade.
que sensações não são uma boa medida da Em segundo lugar, descanso é fundamental.
realidade. Como foi dito anteriormente, pro- Quando um problema parecer impossível de
cessos inconscientes são fundamentais para a solucionar, afaste-se dele. Busque um contex-
produção de ideias criativas. Justamente por to relaxante. Tome um banho. Vá ao parque
serem inconscientes, esses processos não são correr. Passe um fim de semana no campo ou
percebidos por nós, mas são parte integrante e na praia. Esse afastamento permite o rela-
fundamental do processo criativo. xamento do córtex pré-frontal, a redução da
Um dos principais alimentos desses proces- ansiedade, e uma harmonia entre processos
sos inconscientes são as experiências que vive- conscientes e inconscientes no cérebro, po-
mos anteriormente, codificadas no cérebro nos tencializando a criatividade. Às vezes a melhor
diversos tipos de memória. Em 2007, a artis- solução para um problema surge justamente
ta Lonni Sue Johnson, ilustradora da revista quando você se afasta dele.
New Yorker, contraiu uma infecção quase fatal Em terceiro lugar, aprimore sua memória, es-
que destruiu seu hipocampo, causando danos timulando seu cérebro com experiências novas
irreversíveis à sua memória. Ela sobreviveu, sempre que possível. E aqui estou falando de ex-
mas perdeu a capacidade de se lembrar. Lonni periências realmente novas. Se você é engenheiro,
nunca mais conseguiu criar. A memória é o ali- aprenda a pintar. Se é profissional de marketing,
mento, muitas vezes inconsciente, daquilo que estude física. Enfim, busque experiências e conhe-
criamos. Sem memórias, não há criatividade. cimentos realmente fora dos paradigmas já ins-
Experiências anteriores são o principal ali- talados em seu cérebro. Isso vai, primeiramente,
mento da criatividade. Quanto mais experiên- manter seu cérebro jovem e saudável. Além disso,
cias são vividas pelo cérebro, e quanto mais di- vai alimentar sua capacidade de inovar em sua

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profissão, mesmo que essa nova experiência não Claro que isso traz implicações negativas.
tenha conexão direta com sua área de atuação. A não valorização daquilo que temos ao nos-
E, por último, lembre-se dos pandas. O tercei- so alcance, ou então a ganância que nos leva à
ro e último elemento da criatividade humana é autodestruição, são dois exemplos disso. Mas
a nossa adaptabilidade. Quando ouvimos uma veja, leitor, que essa é, também, a característi-
música de que gostamos, os neurônios associa- ca que fez nossos avós lutarem para construir
dos à motivação e ao prazer disparam intensa- um mundo no qual, hoje, nós vivemos mais e
mente. Quando ouvimos de novo, esse disparo melhor. É isso que faz você lutar para deixar
é menor. Depois de 200 vezes, o disparo quase um mundo ainda melhor para seus filhos e ne-
não ocorre mais. tos. Diferentemente dos pandas, o ser humano
Quanto mais somos expostos a uma expe- precisa de novos desafios para viver engajado,
riência, menos ela nos impacta. Isso nos per- produtivo, focado e, em última instância, feliz.
mite, em primeiro lugar, uma grande resiliên- Inovar é humano.
cia. Raros são os eventos que nos abalam e
nos mantêm abalados. O tempo passa, novas
coisas acontecem, aprendemos com a dor e se-
guimos mais fortes.
Em segundo lugar, isso permite que nos adap-
temos, inclusive, às coisas boas. Quando entra-
mos na faculdade, nos adaptamos e logo que­ ©2

remos o estágio. Quando conseguimos o estágio,


IMAGENS: 1. SHUTTERSTOCK 2. ACERVO PESSOAL

queremos ser efetivados. Quando conquistamos Pedro Calabrez é professor e escritor. Doutor em Ciências
uma promoção profissional, nos adaptamos e (PhD) em Psiquiatria e Psicologia Médica pelo Laboratório
queremos crescer ainda mais. Diferente dos pan- de Neurociências Clínicas da Unifesp. Suas palestras já
das, o ser humano se adapta ao que conquista, e foram assistidas por mais de 650 mil pessoas em mais de
nunca está satisfeito com o que tem, querendo 600 empresas, dentro e fora do Brasil. Seus vídeos somam
sempre mais. É por isso que saímos da savana dezenas de milhões de visualizações nas redes sociais.
africana para conquistar o mundo.

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Neurociência,
empreendedorismo
e impacto social
AS TECNOLOGIAS SÃO DISTINTAS, MAS
O OBJETIVO É O MESMO: SOLUCIONAR A
QUESTÃO DO DIAGNÓSTICO DO AUTISMO
NO MUNDO. CONHEÇA A TISMOO E A
COGNISIGNS, EMPRESAS FUNDADAS
POR BRASILEIROS, QUE USAM SEUS
CONHECIMENTOS NEUROCIENTÍFICOS
PARA PROMOVEREM IMPACTO SOCIAL
| POR GABRIELLE TECO
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

52 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


stima-se que o Transtorno do Es-
pesquisas com
E
pectro do Autismo (TEA) afete
de 1% a 2% da população mun-
dial. No Brasil, ainda que esse
número possa ser próximo a
mini cérebros
2 milhões de pessoas, a estatística
que mais preocupa é outra: apenas 3 mil
ajudam a estudar,
autistas são assistidos em nosso país.
Apesar de não ter cura, o diagnóstico precoce do
de maneira
autismo ajuda muito no tratamento do paciente,
melhorando sua qualidade de vida e, por conse-
não invasiva,
quência, a de sua família.
Tornar o diagnóstico do TEA mais preciso e pro-
condições
porcionar um tratamento individualizado ao pa-
ciente foi o que motivou Alysson Muotri a fundar a
neurológicas
Tismoo em 2016. Provavelmente um dos cientistas
brasileiros mais notórios da atualidade, seu estudo
como o autismo
mais recente envolve o envio de minicérebros de-
senvolvidos em seu laboratório para o espaço, em Sediado na Califórnia, estado considerado um
um projeto feito em parceria com a Nasa. “Estudos dos mais liberais dos Estados Unidos e também
com gêmeos idênticos, um passando pela estação um dos mais empreendedores, o laboratório de
espacial e o outro ficando em Terra, mostrou que Muotri inspirou a criação da Tismoo. Com ou-
a exposição à microgravidade causa uma série de tros seis sócios, o professor fundou a empresa
problemas cognitivos. Então queremos desenvol- pioneira no sequenciamento genético especiali-
ver um modelo de minicérebro que permaneça na zado para o TEA. Como já dedicava seus estu-
estação espacial e que apresente as alterações que dos ao autismo antes mesmo de se estabelecer
aconteceriam no cérebro humano para entender- nos EUA, Muotri tentou em 2011 firmar com o
mos quais são e como resolvê-las”, conta. governo brasileiro uma parceria para que o Sis-
Em uma visão bem futurista do homem coloni- tema Único de Saúde (SUS) pudesse oferecer o
zando o espaço, a pesquisa ajudaria, por exemplo, sequenciamento genético. Como as negociações
a entender o que seria preciso adaptar no cérebro não avançaram, anos depois, com o apoio de
humano para que pudéssemos viver expostos pais de crianças autistas, grupo do qual Muotri
à microgravidade. também faz parte (seu filho Ivan é autista), e em-
Sobre os minicérebros, Muotri lembra que, ape- preendedores, decidiu fundar a Tismoo.
sar do nome, eles não são cérebros em miniatura. “A ciência e o empreendedorismo eram coisas
São estruturas tridimensionais que se parecem muito separadas, principalmente no Brasil – se
muito com o cérebro humano, criadas a partir de você é um, você não é outro. Nos Estados Unidos,
células-tronco derivadas da própria pessoa. Com principalmente na Califórnia, esse tipo de atitu-
as técnicas desenvolvidas por Muotri e sua equipe, de é vista como positiva. É raro eu encontrar um
é possível manter essas células por tempo indeter- colega que não tenha uma companhia, uma star-
minado no laboratório, para desenvolver protoco- tup”, comenta Muotri.
los que induzem essas células a formar o sistema Além do sequênciamento genético, a Tismoo
nervoso. “Fazendo isso, a gente consegue acom- oferece também uma plataforma chamada Genioo,
panhar os passos de como o processo ocorre e en- que funciona como uma base de dados sobre as
tender como o sistema nervoso se auto-organiza, mais relevantes publicações científicas relaciona-
como a informação genética conduz essas células a das ao TEA. Assim, além de identificar exatamente
formar diversas estruturas cerebrais, entre outras as variantes genéticas do paciente, a empresa ain-
coisas. Temos focado bastante no córtex cerebral, da compara os resultados com bancos de dados do
que é a área que teve maior expansão volumétri- mundo todo a fim de identificar e classificar essas
ca em número de neurônios durante a evolução e, variantes, e também verificar se já existe algum
quando não é bem formada, pode levar a condições tratamento mais adequado para aquela mutação.
neurológicas, como autismo e esquizofrenia”, “A vantagem do sequenciamento genético, além
explica Muotri. de ajudar a fechar o diagnóstico, é que permite a

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DOS S IÊ HS M
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identificação do gene causador do autismo. Então,


com esse conhecimento da causa, é possível perso- para ampliar o
nalizar o tratamento”, complementa Muotri.
seu impacto social,
Popularizando o diagnóstico
A cognisigns incluiu
Depois de muitos anos trabalhando com neuro-
ciência aplicada ao consumo, Leandro Mattos viu as ongs em seu modelo
na provocação de sua sócia uma oportunidade de
ir além. “‘É possível usarmos essa tecnologia que de negócios,
fornecemos aos clientes para resolver problemas
relevantes da sociedade?’ Ela me fez essa pergunta remunerando-as
e me colocou pra pensar”, relembra Mattos.
Assim surgiu a CogniSigns, startup funda- em uma etapa relevante
da em 2017 com o propósito de popularizar o
diagnóstico do autismo no Brasil. A solução en- do processo
contrada por Mattos foi colocar a tecnologia à
serviço das pessoas que iniciam um processo de
busca de diagnóstico do TEA.
“Quando pais ou cuidadores levam o paciente maneira rápida e automatizada”, explica Mattos,
com suspeita de TEA ao médico, ele segue um pro- e complementa: “Nós nunca vamos dizer se o pa-
tocolo mundial de perguntas para identificar sinais ciente é ou não autista. Nosso papel é tornar essas
do autismo. O que a gente fez foi transformar esse primeiras etapas do diagnóstico mais amigáveis e
conhecimento de perguntas em um chatbot mais acessíveis, para que os cuidadores possam buscar
amigável, chamado Vera. Conversando com a ajuda especializada a qualquer sinal de alerta.”
Vera, os pais fornecem as respostas de que preci- E a CogniSigns decidiu não parar por aí. Ainda
samos para comparar com a nossa base de dados há uma terceira etapa, presencial, para quem qui-
e devolver pra eles um pré-diagnóstico do pacien- ser continuar o processo de validação do pré-diag-
te”, explica Mattos. nóstico. Com câmeras mais potentes, a tecnologia
Caso haja um sinal amarelo de que aquele pa- capta outras informações, como os gestos que indi-
ciente possa ser portador do TEA, a CogniSigns cam a não reverberação a comportamentos sociais.
oferece uma segunda solução que, para as crian- Por enquanto, essa solução está disponíel ape-
ças, mais parece uma brincadeira. “A criança nas em Florianópolis, região em que a CogniSigns
assiste a um filminho e, usando a própria câmera já conseguiu testar seu modelo de negócios de
do computador, captamos o movimento ocular impacto social. “As ONGs fazem um trabalho
dela e o comparamos com a nossa base”, deta- incrível em prol da comunidade autista, mas
lha Mattos. Isso porque uma das características sofrem para captar recursos que as mantenham
bem marcantes dos autistas é a dificuldade de funcionando. Então, resolvemos capacitar e pro-
manter contato visual, e esse traço, mesmo que ver a tecnologia necessária para que essas inti-
sutil, pode ser identificado pela tecnologia da tuições façam a etapa presencial e sejam remu-
CogniSigns. Também há versões de filmes para neradas por isso”, conta Mattos.
adultos, ampliando para esse público a possibili- Seja com a alta tecnologia de sequenciamen-
dade do diagnóstico acessível. to genético desenvolvida por Muotri ou com o
Para atingir um nível satisfatório de confiabi- conjunto de soluções providas pela CogniSigns,
lidade de seus resultados, a CogniSigns recorreu o futuro da neurociência aplicada a diagnósti-
a ONGs especializadas em comunidades autis- cos como o do autismo é promissor. Segundo
tas. “Aplicamos esse mesmo teste em crianças e Muotri, ainda não atingimos a fase exponen-
adultos atendidos por essas instituções, o que nos cial, pois os estudos do cérebro são complexos
permitiu criar um banco de dados de reações in- e feitos por métodos indiretos. Porém, ainda
voluntárias de autistas sob aqueles sinais pré-es- segundo o especialista, viveremos um período
tipulados. Então, quando uma pessoa se subme- muito fértil nessa área nos próximos dez anos.
te à nossa tecnologia, essa comparação é feita de Vale a pena ficar de olho.

54 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


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HEALING LEADERSHIP

DAR I O NE TO E M A R C E L F U K AYA M A //

Do Propósito ao Fractal
UMA ORGANIZAÇÃO DEVE SER FRACTAL DO MUNDO QUE ELA
QUER EMPREENDER, E SUA ENTREGA DE VALOR PRECISA SER
A TANGIBILIZAÇÃO DO SEU PROPÓSITO

O mais novo livro de Raj Sisodia, cofundador do capitalismo conscien-


te no mundo, chamado The Healing Organization, nos lembra – já no
resumo editorial do próprio autor – que estamos vivendo um ponto de
inflexão, no qual negócios precisam assumir a responsabilidade de curar
as crises do nosso tempo. Todos os negócios precisam se transformar em
negócios de impacto socioambiental positivo. Somente as políticas públi-
cas e/ou a sociedade civil organizada não conseguirão sozinhas acelerar
©1 as boas transformações de que o mundo precisa.
Saímos dos tempos de missão, visão e valores em quadrinhos na parede
/////////
para a era do propósito ou, como nos apresentou Salim Ismail em 2014
Dario Neto é board com Organizações exponenciais, do propósito transformador massivo
member do Instituto (PTM), no caso de negócios escaláveis por suas tecnologias. Missões vêm
Capitalismo dando lugar a propósitos absolutamente claros e simples carregados de
Consciente Brasil e intenção de transformação para o mundo. Para a Tesla, por exemplo, ace-
CEO do Grupo Anga. lerar a transição para o transporte sustentável é a cura que ela quer para
Também é pai do o mundo; o Sicoob, por sua vez, declarou por um tempo ser seu propósito
Miguel e marido a promoção da justiça financeira no Brasil.
da Bruna. Tirar a extensa e confusa missão da parede fria e dar vida a ela por meio
de um propósito simples e claro de curar algum desafio do mundo já tem
sido um importante passo de muitas empresas brasileiras. O despertar do
propósito e a sustentação dele por meio de uma cultura repleta de arte-
fatos é chave para gerar engajamento de colaboradores e consumidores,
mas talvez o novo desafio que se apresenta seja o da coerência. É abso-
lutamente desmotivador testemunhar um propósito nascer e não vê-lo
traduzido na prática na cultura ou até mesmo nos produtos e nos serviços
que deveriam entregar essa cura prometida ao mundo.
Uma organização precisa ser fractal do mundo que ela quer empreen-
der e sua entrega de valor precisa ser a tangibilização de seu propósito.
©1
Healing leaders guiam o processo de despertar do propósito, bem como a
/////////
sua sustentação por meio da cultura, dos produtos e dos serviços de uma
Marcel Fukayama organização. É muito mais do que moda ou tendência, já que a lista de ra-
é cofundador do zões e impactos para empresas guiadas por propósito é bastante extensa:
Sistema B Brasil
e da consultoria ATRAÇÃO E RETENÇÃO DE TALENTOS. São dezenas de pesquisas de diversos ins-
IMAGENS: 1. ACERVO PESSOAL 2. SHUTTERSTOCK

em negócios de titutos e organismos globais assegurando o crescimento da sensibilida-


impacto Din4mo. de da geração Z à ética, ao impacto socioambiental e ao propósito quan-
do se fala de consumo e emprego. Pagar bem é importante (e diminui
desigualdades), mas não está no topo da lista para as novas gerações de
talentos. O relatório da EY, The Millennial Economy, mostra que 77%
da geração millennial, que representa metade da força de trabalho do
planeta, é movida por um propósito maior do que o retorno financeiro.

HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


©2

Isto é, incorporar o propósito no ambiente de trabalho e no mo-


delo de negócio passa a ser vital para a liderança. é importante
ENGAJAMENTO E PERFORMANCE. Sustentar o propósito pela cultura e
desenvolver produtos e serviços como manifestação prática disso que a
permitem aos colaboradores conectar o “o quê” com o “por quê”,
alinhando os propósitos individuais com os organizacionais. A re- liderança
engaje seus
lação de engajamento e performance nas organizações é objeto de
diversos estudos. Um relatório da Harvard Business Review, The
Impact of Employee Engagement on Performance, aponta que
elevar engajamento significa dar os instrumentos adequados aos
colaboradores para construírem carreiras de sucesso e, por conse-
stakeholders
quência, aumentarem a performance das organizações.
RETORNO FINANCEIRO E CRESCIMENTO. O recente estudo Empresas Hu-
em torno de
manizadas do Brasil, liderado pelo doutorando da USP Pedro
Paro, que reedita o clássico Firms of Endearment de Raj Sisodia,
um propósito
confirmou os resultados conhecidos: em períodos longos – 4 a 16
anos de análise – as empresas humanizadas chegam a ter renta-
claro e
bilidade duas ou mais vezes superior à média das 500 maiores
empresas brasileiras.
definido, para
ATRAÇÃO DE CAPITAL ALINHADO. É crescente o volume de capital que
combina retorno financeiro com impacto positivo. O segmento
então obter
Ambiental, Social e Governança (ASG) no mercado de capitais já
atinge o montante de US$ 24 trilhões, de acordo com o JP Mor- performance
gan. Para isso, as lideranças precisam atuar no DNA dos negócios
e, assim, combinar o discurso com práticas e implementar métri- e impacto
cas, medindo e reportando seu impacto positivo.
positivo no
É importante que a liderança engaje seus stakeholders em torno de
um propósito claro e definido, criando um senso de urgência em torno mundo
de uma oportunidade única de transformação a partir do impacto po-
sitivo gerado pelo negócio. Ao combinar o propósito em um modelo de
negócio de impacto com consistência, coerência e integridade, a lide-
rança tende a colher resultados objetivos em curto e longo prazo, am-
pliando performance e impacto positivo de seu empreendimento.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 57


A TECNOLOGIA REVOLUCIONA
O CAMPO RESPONSÁVEL POR MAIS DE 20% DO PIB BRASILEIRO,
O SETOR DE AGRONEGÓCIOS VEM SENDO CADA VEZ
MAIS IMPACTADO POR NOVAS TECNOLOGIAS, QUE
TRAZEM MAIS EFICIÊNCIA E MELHOR PRODUTIVIDADE
PARA PROFISSIONAIS DO CAMPO | POR KATIA SIMÕES

omo organizar a logística agrícola ção da tecnologia por uma parte significativa das

C
usando menos máquinas e con- propriedades rurais brasileiras. Entre os princi-
sumindo menos combustível? pais responsáveis por essa transformação estão
Como usar os insumos de forma a as agritechs, ou agtechs – como são chamadas as
evitar desperdícios? Como o clima startups do setor –, que têm trabalhado na solu-
está impactando a produtividade e a ção de problemas dentro e fora da porteira.
eficiência das culturas? Criada em 2007, em Araçatuba (SP) por sete
Essas são algumas das perguntas que tiram o cientistas, a Solinftec é um exemplo da revolução
sono do profissional do campo e que até há bem que as novas tecnologias são capazes de trazer para
pouco tempo eram respondidas mais por expe- o agronegócio. A startup lançou a Alice, primeira
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

riência do que pela análise efetiva de dados. Esse assistente virtual que leva a inteligência artificial a
cenário, porém, vem mudando de forma mais todas as áreas do campo. Mais do que responder às
acentuada nos últimos cinco anos, com a ado- dúvidas dos agricultores, a plataforma permitirá a

58 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# AG RITE CHS
# AG R O N E GÓCIO
# I N OVAÇÃO

até 2050 a
população
mundial será
de 9 bilhões
de pessoas.
tecnologia e
novas práticas
de cultivo serão
indispensáveis
para alimentar
esse contingente

entrada em operação da primeira fazenda com ge- Em 2018, a startup chamou a atenção do fun-
renciamento assistido por inteligência artificial, já do de private equity americano TPG, investidor
em fase de testes. “A Alice adota um sistema virtual de empresas como Uber e Airbnb. Na época, Roel
baseado em redes neurais e deep learning, e está Collier, diretor para a América Latina, afirmou
sendo treinada para analisar grandes massas de da- que a simplicidade oferecida pelas soluções na
dos, sendo capaz de detectar padrões que escapam Solinftec para resolver problemas reais dos clien-
ao olho humano”, diz o CEO Rodrigo dos Santos. tes foi determinante para o aporte.
Uma das pioneiras no desenvolvimento de Segundo Francisco Jardim, sócio da SP Ven-
sistemas digitais de monitoramento para todo o tures, gestora de fundos especializada em agro,
processo produtivo, a Solinftec opera com senso- a Solinftec não é uma exceção entre as agritechs
res, telemetria, computador de bordo e softwares nacionais, pois a inovação de ponta mostra-se
que processam dados colhidos em campo, per- cada vez mais recorrente. “Visito os principais
mitindo aos produtores acompanhar em tempo ecossistemas de agro no mundo, o que fazemos
real cada etapa da produção com mais precisão. no Brasil não deixa a desejar a ninguém”, diz.
Para tanto, conta com uma rede de transmissão “A primeira safra de startups ligadas ao setor
de dados máquina a máquina, batizada Solinfnet, já abriga empresas em fase de consolidação.
capaz de operar em regiões remotas e de relevos Não perguntamos mais se o movimento vingou,
acidentados, com pouca ou nenhuma cobertura mas, sim, qual o tamanho desse universo, onde
de telefonia celular. Hoje, a agritech responde as agritechs poderão chegar?”
pelo monitoramento de mais de 20 mil equipa- Para Mariana Vasconcelos, cofundadora da
mentos agrícolas, interage com mais de 100 mil Agrosmart, com sede em Campinas, no inte-
usuários em dez países e cobre mais de 8 milhões rior de São Paulo, há um oceano azul a ser na-
de hectares – o equivalente a 11 milhões de cam- vegado, não só pela disposição do profissional
pos de futebol. “Garantimos um aumento míni- do campo em adotar novas tecnologias, mas
mo de 10% a 20% de eficiência na colheita, o que também por necessidade. O relatório “Recur-
representa um ganho operacional das máquinas sos mundiais: criando um futuro sustentável
de 1 a 2 horas por dia”, diz o CEO. para a alimentação”, da ONU, mostra que em

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 59


2050 a população mundial alcançará 9 bilhões assertivas na irrigação, no manejo de pragas
de habitantes. Para alimentar esse contin- e doenças, no plantio e na colheita. Por meio
gente será necessário aumentar em até 70% a de sensores de solo e imagens, a empresa mo-
produção de alimentos já nos próximos anos. nitora as lavouras, integra diferentes fontes
“Isso só será possível com a adoção de novas de dados e gera modelos agronômicos e cli-
práticas de cultivo e muita tecnologia”, afirma máticos, com base em condições de solo, mi-
a empresária. croclima e genética. Os resultados podem ser
Fundada em 2014, a Agrosmart está presen- acompanhados em tempo real por meio de um
te em nove países e monitora 210 mil hectares aplicativo. Na média, suas tecnologias propor-
cultivados no Brasil. Sua plataforma de agri- cionam uma economia de 60% de água; aju-
cultura digital oferece informações que auxi- dam a economizar 40% de energia e a gerar
liam produtores rurais a tomar decisões mais um aumento de produtividade de até 20%.

Piracicaba vira referência


Distante 170 km da capital, Piracicaba Segundo Barbosa, o que mudou nos últimos
tem na Escola Superior de Agricultura Luiz anos foi a atenção que o polo despertou tanto
de Queiroz (Esalq-USP) uma das principais em investidores quanto nas grandes empresas
referências em pesquisa agrícola do País. Ao do setor. “O Brasil tem geração de conheci-
redor da universidade nasceu o programa mento e tecnologia próprios em função do am-
AgTech Valley, chamado de o Vale do Silício biente diferenciado de agricultura tropical, que
do Agronegócio, com a proposta de reconhe- nos dá vantagem competitiva”, declara. “Daí o
cer, fortalecer e criar uma identificação da interesse das empresas que atuam fora do País
sociedade com o ecossistema tecnológico. A em formar parcerias, em investir nas inovações
cidade sedia organizações de pesquisa, o Par- oferecidas pelas startups nascidas aqui.”
que Tecnológico, referência para o setor de Foi exatamente o que fez a Stefanini, mul-
tecnologia na agricultura; o Centro de Tec- tinacional brasileira da área de TI, quando
nologia Canavieira; o Centro de Pesquisa em decidiu se aproximar do mercado de agribusi-
Energia Nuclear para Agricultura, além de ness. “No início deste ano procuramos não só
incubadoras e empresas voltadas ao agrone- a Esalq, mas outras instituições que compõem
gócio dos mais variados portes. o ecossistema de Piracicaba”, conta Breno Bar-
Não é à toa que Piracicaba concentra boa ros, diretor de inovação e negócios digitais da
parte das startups de agro do País, sendo o Stefanini. “Conhecemos diversas startups foca-
maior cluster do setor, de acordo com o I Cen- das em agricultura e pecuária, responsáveis pe-
so Agtech Startups Brasil, feito pela Associa- las mais diversas soluções para produção, ras-
ção Brasileira de Startups. treabilidade, meios de pagamento e transação
“A Esalqtec, incubadora da Esalq, foi uma financeira.” Segundo o executivo, o objetivo da
das sementes desse ecossistema”, afirma Ser- Stefanini é trabalhar em parceria com agritechs
gio Barbosa, gerente executivo. Criada em que ofereçam tecnologias voltadas à eficiência
2006, soma 99 associadas, oito residentes e 14 de plantio, colheita, melhora da tomada de de-
empresas incubadas. “A troca de experiências cisão, além daquelas focadas no ecossistema fi-
e o desafio de transformar pesquisa em pro- nanceiro. “Trata-se de um segmento novo para
duto para o mercado nos levou a reavaliar o nós”, afirma Barros. “Começaremos pequenos
programa de graduação da universidade para e num futuro próximo deveremos nos associar
nos adaptarmos às novas realidades do mer- a um desses hubs. A Esalq tem uma fazenda
cado”, diz o executivo. “Nossos alunos preci- digital, um cenário muito importante para tes-
sam ser preparados para fazer análise crítica e tes de novas tecnologias, um campo fértil para
saber integrar tecnologia ao campo.” uma parceria perene.”

60 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


DESAFIOS Alta concentração
90% das agritechs do País estão nas regiões Sudeste e Sul
Entender as dores do campo e desenvolver
novas tecnologias que solucionem os proble-
REGIÃO PARTICIPAÇÃO (em %)
mas de forma simples é ainda o grande desafio
da maioria das agritechs que chega ao merca- Sul 66
do. “Parece um caminho natural, mas, na prá- Sudeste 23
tica, nem sempre a tecnologia dita disruptiva
no laboratório se mostra eficiente no campo”, Centro-Oeste 6
diz Ernani Carvalho, coordenador do Núcleo Nordeste 4
de Agronegócios da ESPM-Sul. Soma-se a esse
fator, as dificuldades de conectividade em boa Norte 1
parte das áreas rurais do País e alguns aspectos Fonte: Radar Agtech 2019

Distribuição por Estados


São Paulo abriga o maior número de agritechs do País; são 590, seguido pelo Paraná, com 102, e Rio de Janeiro, com 99

PARTICIPAÇÃO NO VOLUME DA
REGIÃO ESTADOS Nº DE AGRITECHS
REGIÃO (em %)
SUDESTE 738
São Paulo 590 80
Minas Gerais 99 13
Rio de Janeiro 41 6
Espírito Santo 8 1
SUL 261
Paraná 102 39
Rio Grande do Sul 89 34
Santa Catarina 70 27
CENTRO-OESTE 70
Goiás 22 31
Mato Grosso 18 26
Mato Grosso do Sul 17 24
Distrito Federal 13 19
NORDESTE 39
Bahia 12 31
Pernambuco 8 21
Ceará 7 15
Paraíba 4 10
Rio Grande do Norte 3 8
Piauí 2 5
Alagoas 2 5
Sergipe 1 3
NORTE 17
Pará 6 35
Amazonas 4 24
Tocantins 4 24
Rondônia 2 12
Roraima 1 6
Fonte: Radar Agtech 2019

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 61


Na vitrine culturais. “Hoje, muitos dos que tomam a deci-
A capital paulista lidera o ranking das cidades com mais são nas fazendas têm em média 60 anos e são
agtechs do País pouco familiarizados com o universo da trans-
formação digital”, afirma. “Serão os filhos dessa
geração que efetivamente levarão a tecnologia
CIDADE Nº DE AGRITECHS para dentro da porteira e farão as agritechs des-
São Paulo 262 lancharem em larga escala por todo o País.”
E não são poucas as startups dispostas a mu-
Piracicaba 41 dar esse cenário rapidamente. Segundo o estu-
Campinas 38 do Radar Agtech 2019, apresentado em agosto
pela Embrapa, em parceria com SP Ventures,
Ribeirão Preto 37 Homo Ludens Consultoria e Centro Universi-
Curitiba 36 tário FEI, já são 1.125 startups com atividades
relacionadas à cadeia agroalimentar brasilei-
Rio de Janeiro 35 ra em atividade, 90% delas distribuídas pelas
Porto Alegre 29 regiões Sudeste e Sul. Apesar do crescimento
agressivo, se levarmos em conta que em 2015
Belo Horizonte 24
as agritechs não passavam de 245, as oportu-
Florianópolis 21 nidades se multiplicam em todas as áreas.
A SP Ventures, que se prepara para operar
Uberlândia 19
ainda este ano um novo fundo de R$ 75 mi-
Goiânia 17 lhões voltado a agritechs da América Latina,
São José está de olho em duas grandes tendências do
17 segmento: migração da comercialização de
dos Campos
produtos do offline para o online, como ven-
Londrina 15 da de sementes, maquinários, agroquímicos
e adubos, um mercado que movimenta mais
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Campo Grande 14
de US$ 4 milhões; e as fintechs do agro, que a
São Carlos 14 partir da análise de dados passarão a oferecer
Fonte: Radar Agtech 2019 crédito com menores riscos.

62 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# AG RITE CHS
# AG R O N E GÓCIO
# I N OVAÇÃO

Corrida aérea
Com quatro vants (sigla de veículos aéreos A startup de São Carlos não está sozinha
não tripulados) sobrevoando o canavial e nessa corrida, pelo contrário. Estudo feito
aguardando ansiosamente a chegada do quin- pela consultoria PwC revela que o merca-
to, de maior porte, Rogério Nicola, gerente do global de drones pode chegar a US$ 127
de tecnologia agrícola da Usina Cofco, de São bilhões nos próximos dois anos, 26% desse
José do Rio Preto, a cerca de 500 km da ca- valor gerado pelo uso na agricultura. Desde
pital paulista, parece criança de tanta alegria. que foram definidas as regras para uso de
Os “brinquedos” que tanto despertam seu vants no País, em maio de 2017, o número
interesse consumiram um investimento de de fabricantes cresceu, assim como a oferta
R$ 1 milhão e há dois anos são responsáveis de serviços – pulverização, monitoramen-
pelo mapeamento do canavial, resultando em to, adubação de precisão, manejo de plan-
ganhos efetivos nas quatro fazendas da usina. tas daninhas, aplicação de insumos e elimi-
“A meta é mapear 170 mil hectares até 2020, nação de falhas no plantio.
o equivalente em ruas de cana a 28 voltas na Agrônomo formado pela Esalq e com qua-
terra”, diz Nicola. Segundo ele, o investimen- se duas décadas de experiência na área de
to é válido. Em 2019, a diminuição de perdas defensivos agrícolas, Luís Gustavo Scarpari
será de 1%, graças ao mapeamento, que apon- há um ano fundou a Scardrones, com foco no
tou irregularidades e gerou informações mais controle biológico das lavouras de cana-de-
assertivas para a tomada de decisão. “Se levar- -açúcar. Não fabrica vants, sua especialidade
mos em conta que mapeamos parte da planta- é o controle biológico de pragas. Solta coté-
ção, apenas 25 mil hectares de cana plantada, sias (vespinhas) na plantação, um trabalho
num total de 32,5 mil toneladas, a economia normalmente feito manualmente no cana-
de 1% equivale a R$ 2,2 milhões”, diz. “Um vial, de forma arriscada e com altos índices
volume bastante significativo”. de desperdício. “Desenvolvemos um sachê
Os vants usados pela Usina Cofco são fabri- oxibiodegradável que carrega 1.500 cotésias
cados em São Carlos, também no interior de por unidade e é solto no canavial na área de-
São Paulo, pela XMobots, uma das pioneiras no finida pelo cliente e em horários mais flexí-
segmento. Quando começou a operar em 2009 veis”, afirma Scarpari. “Além disso, o drone
tinha por foco a fabricação de drones – como consegue percorrer o canavial tombado, ina-
também são conhecidos – para a área ambien- cessível aos agricultores, e tem toda a opera-
tal. Em 2014, porém, enxergou o potencial do ção monitorada por mapa de vídeo.”
agronegócio ao acoplar a seus equipamentos A pulverização também é o foco da Arpac,
tecnologia capaz de substituir o trabalho de to- fabricante e prestadora de serviços gaúcha,
pografia de campo, de difícil realização e alto com sede em Porto Alegre. Há dois anos no
custo. “Em 2016, viabilizamos outras funções mercado, Eduardo Goerl, ex-piloto de aviação
aos vants para agricultura de precisão em cul- civil, trabalha com a pulverização de agentes
turas como cana-de-açúcar, silvicultura, laran- biológicos e químicos em áreas localizadas,
ja e café”, diz o sócio Giovani Amianti. “A cana o que garante economia e redução do im-
responde por 85% do nosso faturamento, que pacto ambiental. “O canavial tem em média
deverá alcançar R$ 15 milhões este ano.” Com 15% de área infestada”, diz. “Ao focarmos na
300 aeronaves em uso, e preços que variam de área delimitada pelo problema, geramos uma
R$ 80 mil a R$ 700 mil, dependendo do porte economia de produto próxima de 85% e uma
e das funcionalidades, a XMobots se prepara redução total em torno de 60% de custos, em
para expandir sua participação no mercado de comparação à aplicação em 100% da área de
agro brasileiro, hoje na casa dos 35%. A star- plantio, como acontece normalmente.”
tup acoplou câmeras multiespectrais em seus A startup, que foi acelerada pelo programa
vants, capazes de analisar a saúde da planta, AgroStari da Basf, conta com cinco equipes e
gerando relatórios fitossanitários. clientes do porte da Raizen.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 63


NA FAZENDA
Esse segmento também despertou a atenção
da Cedro Capital, gestora de fundos e recur- PARTICIPAÇÃO
sos regional com foco no Centro-Oeste, Minas TIPO DE ATIVIDADE
(em %)
Gerais e Tocantins. Para a primeira rodada de
Gestão agropecuária e de fazenda 11
captação, que se encerrará em 2020, o fundo
captou R$ 55 milhões para investir em até 15 Agropecuária de precisão 3,0
startups, entre elas, agritechs. “Procuramos Monitoramento 1,7
empresas com produto já no mercado, fatu- Veículo Aéreo Não Tripulado 3,8
rando, que fazem algo diferente e surfam nas
Sensoriamento remoto 2,6
tendências dos próximos anos”, diz Alessan-
dro Machado, sócio-diretor. Meteorologia e Irrigação 1,9
A Gira, agritech de análise de riscos da pro- Internet das Coisas 1,8
dução agrícola, foi uma das selecionadas pela Diagnóstico de Imagem 0,7
Cedro. “Trouxemos uma solução que está re-
Maquinário e equipamento 2,9
volucionando a cadeia de crédito do agronegó-
cio”, diz o CEO Gianpaolo Zambiazi. Em 2015, Telemetria e Automação 1,9
eles criaram o CPR, instrumento de crédito com Gestão de resíduos e água 1,9
indicadores agronômicos, que permite o acom-
panhamento da produção por meio de análises
jurídicas e agronômicas, auxiliando na gestão
DEPOIS DA FAZENDA
Antes e depois da porteira PARTICIPAÇÃO
TIPO DE ATIVIDADE
50% das agritechs atuam dentro da porteira
(em %)
Plataforma de negociação e marketplace
8,4
ANTES DA FAZENDA de venda
Armazenagem, infraestrutura e logística 2,6
PARTICIPAÇÃO Sistema de embalagem, meio ambiente e
TIPO DE ATIVIDADE 1,1
(em %) reciclagem
Suprimentos e equipamentos de entrada 0,2 Indústria 4,0 0,7
Sementes e mudas 0,8 Bioenergia e Biodiversidade 1,2
Controle biológico 2,7 Fábrica de plantas e novas formas de
1,2
Serviços financeiros 2,1 plantio
Economia compartilhada 0,9 Alimentos inovadores e novas tendências
21,7
Fertilizantes, inoculantes e nutrientes 3,8 alimentares
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Genômica e biotecnologia 3,5 Segurança alimentar e rastreabilidade 1,1


Análise laboratorial 1,8 Telemetria e Automação 1,9
Gestão de resíduos e água 1,9
Fonte: Radar Agtech 2019

64 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


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# AG R O N E GÓCIO
# I N OVAÇÃO

Um “mundão” de oportunidades
Principais áreas de inovação via startups no agro mundial

ANTES DA PORTEIRA DENTRO DA PORTEIRA PÓS-PORTEIRA


Agribusiness marketplace:
Digitalização da gestão agropecuária
Biotecnologia agrícola plataformas de trading e procurement;
e dos equipamentos agrícolas
e-commerce; e-grocery
Inovação na cadeia de suprimentos:
Biofortificação e fortificação de Agricultura de precisão: sistemas de inovação em cold chain; inovação em
alimentos básicos microirrigação produtos com valor adicionado; segu-
rança alimentar e rastreabilidade
Inovação em alimentação:
Inovação em insumos agrícolas (controle
Robótica e drones animal-free meat; cultura de células,
de pragas e doenças) e saúde animal
ingredientes etc.
“Uberização” de máquinas e Delivery: restaurantes online,
Avanços em meteorologia e informações
equipamentos agrícolas meal kits, home-cooking tech
Intersecção entre fintechs e agritechs:
Biologias e biomateriais
créditos seguros
Sistemas disruptivos: vertical, insetos,
Educação
algas, proteínas sintéticas
Fonte: Brazil Agtech Marketmap; SP Ventures: 1º Censo AgTech Startups Brasil

de recebíveis pelas indústrias, distribuidores de Valtra), Bayer, CNH Industrial, Jacto, Nokia
insumos, cooperativas e tradings. “Contamos e Tim, entre outras, se juntaram para lançar
com mais de 1.000 agrônomos e mais de 50 ad- o ConectarAgro, solução de conectividade
vogados habilitados para avaliar as operações aberta com a meta de cobrir, até o fim do ano,
cadastradas na plataforma, que tem no milho e 5 milhões de hectares no campo, sendo 1 mi-
na soja 90% de suas transações.” lhão de hectares de pequenos e médios produ-
A Gira é a única empresa do País a ter acesso tores. Para Gregory Riordan, da CNH, resolver
aos dados de mais de 40 anos de pesquisa da a questão da conectividade é o próximo salto
Embrapa, o que lhe permite atuar como certi- de produtividade que a agricultura brasileira
ficadora na concessão de crédito. O próximo precisa dar.
passo será fornecer crédito direto, com um
volume inicial de R$ 100 milhões. “Desenvol- SOMAR PARA ACELERAR O CRESCIMENTO
vemos uma matriz de crédito que leva em con-
sideração o histórico de produtividade, custo Mais do que firmar parcerias entre si, as
de produção, logística e posicionamento da gigantes do mercado exercitam cada vez mais
propriedade rural”, diz Zambiasi. a aproximação com as startups. A corrida em
Para Daniel Trento, gerente de inovação da busca de parcerias sólidas deu-se mais forte-
Embrapa, trabalhar em parceria com as star- mente há dois anos, quando perceberam que
tups inovadoras, que trazem resultados efetivos em menos de uma década a concorrência não
para o campo, foi o desafio que a entidade abra- viria mais do próprio setor, mas de potências
çou há dois anos, quando lançou o Pontes para como Google e Amazon. A Monsanto, que em
a Inovação. “O objetivo é conectar as agritechs 2011 havia adquirido a Climate Corporation por
com investidores, para que tenham acesso a re- US$ 930 milhões, considerada a primeira gran-
cursos para acelerar seus negócios”, afirma. de transação envolvendo uma agritech, tratou
O cenário é tão promissor que grandes gru- de engordar o portfólio. Em 2018, contava com
pos vêm somando forças para garantir que a investimentos em 16 agritechs no mundo, entre
tecnologia chegue realmente ao campo e gere elas a brasileira TBit, especializada na análise
resultados. Recentemente, AGCO (Massey e de grãos, sementes, rações e fertilizantes.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 65


As startups nascem
“Há seis anos, quando começamos a apresen- com o conceito de
tar a tecnologia, havia resistência do produtor e
do próprio ecossistema de startup, que estava serem enxutas,
em busca de um novo Facebook”, diz o fundador
da TBit, Igor Chalfoun. Cenário transformado, a especializadas,
agritech que aplica visão computacional e inte-
ligência artificial para substituir a classificação e isso ajuda a
humana na avaliação da qualidade dos produtos
agrícolas já soma mais de cem clientes no Brasil repensar a forma
e no exterior. Na prática, a tecnologia otimiza
em até 80% o tempo de análise, que caiu de 18 de trabalhar
minutos para 3 minutos; reduz em 50% a neces-
sidade de mão de obra e garante mais de 40% de
assertividade em relação ao olho humano. “Os vem para otimizar a cadeia de bovinos para produ-
grãos representam 90% do nosso faturamento ção de carne. Opera com mais de mil fazendas em
estimado em R$ 4 milhões este ano, 150% a mais Portugal, Brasil, Angola e Paraguai. Em três anos,
do que em 2018”, diz. ajudou no gerenciamento de mais de 2 milhões de
Na visão de Almir Araújo, responsável pela animais de pecuária de corte. A tecnologia, de uso
área de agricultura digital da Basf para a América simples, pode ser aplicada em pequenas proprie-
Latina, a aproximação com as startups traz bene- dades com 100 cabeças ou grandes criações, com
fícios para as grandes companhias. “Ajuda a ace- mais de 100 mil animais. “Os resultados são reais”,
lerar o processo de transformação digital com um diz Souza. “Uma vez tendo a informação correta e
formato mais ágil e direto na aplicação das tecno- tomando a decisão de forma assertiva, em cima de
logias; permite que levemos soluções mais com- dados, o criador consegue multiplicar os ganhos
pletas para o produtor, pois atuam em nichos que entre três e quatro vezes de um ciclo para outro”.
as grandes não trabalham e trazem o conceito de Parceiro da Embrapa, Marcelo Ribas, fundador
empreendedorismo para dentro de casa”, afirma. da Intergado, startup mineira focada no mercado
Nessa trajetória, a Basf desenvolveu, em parceria de pecuária de precisão, também leva ao pecuaris-
com a aceleradora Ace, o ecossistema AgroStart, ta informações exatas para a tomada de decisão.
que recentemente recebeu apoio da Samsung e da A empresa desenvolveu um conjunto de hardware e
Bosch para mentorias, treinamento e infraestru- software capaz de entregar análises de lucrativida-
tura para agritechs selecionadas. de por animal. “Havia uma demanda por soluções
eletrônicas para avaliação de eficiência alimen-
tar”, diz Ribas. “Com a tecnologia, comportamen-
inovação ao alcance da empresa to, consumo e peso vivo passam a ser registrados
Responsável pela criação em 2017, em Piracica- automaticamente toda vez que o animal sobe na
ba, do Pulse, hub de inovação voltado para o Agro, balança ou se aproxima do cocho eletrônico para
a Raizen enxerga a parceria com as agritechs como se alimentar.” A plataforma gera relatório em que
uma forma de chegar mais rápido às inovações. o produtor consegue acompanhar em tempo real
“As statups nascem com o conceito de serem en- como está a engorda e tomar a melhor decisão
xutas, especializadas e isso nos ajuda a repensar a para o abate.
forma como trabalhamos”, diz Pedro Leal, gerente O Boitel São José, com um plantel de 2 mil
de transformação digital. “Trabalhamos no mo- cabeças de gado de corte, conta com quatro
delo de inovação aberta, para que essas agritechs equipamentos da Intergado. “Com a adoção da
desenvolvam seus pilotos com a Raizen.” Segundo tecnologia, aumentamos nossa lucratividade em
ele, o grande diferencial do hub é ter as fazendas da 10% e aprendemos a acompanhar melhor o de-
empresa como campo de teste. sempenho de cada animal”, diz o criador Eduar-
Com sede em Joinville e uma unidade no Pul- do Neni. “Antes, o gado era abatido em 100 dias,
se, a Jet Bov, fundada em 2016 por Xisto Alves de nem antes, nem depois. Agora, identificamos os
Souza Junior, sabe o que isso significa. Investida que param de engordar em 80 dias, portanto po-
pelo SP Ventures e acelerada pela Ace, a agritech dem ir para abate, e os que ultrapassam os 100
usa inteligência artificial e armazenamento em nu- dias, porém sem dar prejuízo”.

66 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


R EVISTA H S M
CONVERSAS QUE COMEÇAM AQUI E CONTINUAM
LÁ NO NOSSO SITE: WWW.REVISTAHSM.COM.BR
eXtra
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Notícias de bastidores
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verdade que a correria do dia a dia ajudando-o a organizar seu processo de consu-

É
muitas vezes é a principal inimiga mo de conteúdo. Assim, a cada semana, a Gabi
de quem deseja se dedicar mais Teco destaca duas reportagens da edição em
ao consumo de conteúdo. Só em circulação, dividindo informações exclusivas
HSM Management, por exemplo, com o leitor, e já deixando o link para quem
o leitor encontra mais de 30 assuntos preferir consumir o conteúdo online.
diferentes, para serem lidos, assistidos e ouvidos Se você é assinante de HSM Management,
ao longo de dois meses, até a chegada da revis- mas não tem recebido a nossa news, certifique-se
ta seguinte. E sabemos que esse tanto de coisa, que o email gabi.teco@revistahsm.com.br
concorrendo com grupos de WhatsApp, caixas de não está bloqueado ou indo direto para sua
e-mails corporativos lotadas e Netflix, o risco de caixa de spam.
a nossa querida revista ir parar na gaveta é alto. Sobre essa novidade, queremos saber a sua
Como a razão de existir de um veículo de comu- opinião: você recebe a The Making Of? Gosta?
nicação é sua audiência, resolvemos não aceitar Não é assinante ainda? Use o QR Code desta pá-
nem a hipótese de essas páginas virarem apoio gina para participar da nossa pesquisa.
de copo. E assim surgiu a The Making Of, uma
newsletter semanal escrita pela editora-executiva
Gabi Teco, que conta os bastidores das notícias de Gostou da novidade?
um jeito leve e descontraído. HSM Management quer
A TMO (para os íntimos) tem a intenção de a sua opinião.
manter o assinante conectado com a revista,
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 67


// ///////
R EVISTA DIG ITAL eXtra

#EXTRAC AST

Anticarreira
COM DOIS CONVIDADOS ANTICARREIRISTAS, O SEGUNDO EPISÓDIO DO EXTRACAST
DISCUTE ALTERNATIVAS PARA QUEM DESEJA AMPLIAR A SUA “ESTRADA ESTREITA”

Segundo o dicionário, carreira quer dizer “estrada grandes empresas, investidor e mentor de start­
estreita”. Talvez isso explique a adoção da palavra ups, entre outros papéis que ele desempenha em
no mundo corporativo. Afinal, por muito tempo, paralelo a sua função executiva. Nesse papo, que
trilhar uma carreira de sucesso significava se espe- aconteceu de maneira bem informal, foram tra-
cializar em uma área e, aos poucos, ascender nessa tadas questões complexas, tais como:
mesma vertical sendo cada vez mais reconhecido e • O profissional que toca várias inicia-
melhor remunerado por essa experiência. tivas pode ser rotulado como “desfoca-
Mas será que em um mundo cada vez mais do”? Como lidar com isso?
vulnerável, incerto, complexo e ambíguo, a vi- • Como se planejar para ter uma anticar-
são tradicional de carreira ainda se aplica? Ou a reira?
estrada deveria ser alargada e ganhar várias bi- • Qual o segredo para conseguir fazer
furcações? Joseph Teperman, sócio-fundador e tantas coisas ao mesmo tempo?
CEO da consultoria Inniti, acredita tanto nesse
segundo caminho que decidiu escrever um livro Para se juntar a essa conversa, basta capturar o
chamado Anticarreira. QR Code a seguir e ouvir o segundo episódio do
Com lançamento previsto para este ano, o livro eXtraCast.
foi usado como pano de fundo do segundo episó-
dio do eXtraCast, que contou ainda com mais um
convidado: Luis Delfim, diretor geral da Softys
que, na visão de Teperman, é um bom exemplo Ouça o eXtraCast
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

de profissional anticarreirista. Episódio 2:


Além de ser o principal executivo da Softys no Anticarreira
Brasil, Delfim é empreendedor, conselheiro de

68 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


©1

#OLHOMÁG IC O

Influenciadora de Jornadas
AOS 11 ANOS ELA JÁ SABIA O QUE ERA UMA META SMART. RAFA BRITES CONTA COMO O
RITUAL DE PLANEJAMENTO EM FAMÍLIA FOI DETERMINANTE EM SUA VIDA E EM SUA CARREIRA

Quem a conhece da TV nem imagina que seus


principais aprendizados vieram do mundo corpo-
rativo. Seu pai, o que era executivo, compartilhava
em família tudo que aprendia sobre planejamento
e desenvolvimento pessoal, provocando as filhas a
pensarem em sonhos e metas para o ano. A dinâ-
mica familiar deu tão certo que, assim como nas
empresas, o projeto ganhou até nome: TSER –
Transformando Sonhos em Realidade.
Agora, longe da TV aberta, mas cada vez mais
presente nas redes sociais, Rafa Brites empreen-
de e se define como “influenciadora de jornadas”.
E o fio condutor desse papo, que você confere com
exclusividade em sua revista HSM eXtra, foi ins-
pirado em um questionamento da própria Rafa:
se os profissionais gerenciam atividades, projetos
e equipes dentro das empresas com tanta técnica
IMAGENS: 1. JULIANO SIMÕES 2. SHUTTERSTOCK

e maestria, por que não replicam essa gestão a seus


©2

projetos familiares, envolvendo filhos e parentes?


Confira abaixo o que você encontra nessa nova
websérie chamada #OlhoMágico, em que aborda-
remos o mundo corporativo a partir da perspectiva
de pessoas que não são “nativas” desse universo, • Sonhos realizados.
mas que têm muito a agregar. • Lições aprendidas.
• Decisão de trabalhar com desenvolvimento
#OlhoMágico pessoal.
• Influenciadora de jornadas: o que é e como
Episódio 1: Rafa Brites, Influenciadora de Jornadas está disseminando essa ideia.
• Trajetória profissional: foi assistente executiva • Sonhos para o futuro.
de produção, tornou-se apresentadora de TV e
agora é empreendedora.
• A importância que o TSER teve na infância e
adolescência dela. Assista ao primeiro
• Detalhes de como as metas eram traçadas e o episódio da websérie
envolvimento da família no processo. #OlhoMágico

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 69


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R EVISTA DIG ITAL eXtra

#CONVERSASCOR A JOSAS

Feedback ascendente
TAMBÉM CONHECIDO COMO “UPWARD FEEDBACK”, O TEMA É ABORDADO
EM NOVO EPISÓDIO DA WEBSÉRIE #CONVERSASCORAJOSAS

Se receber feedback já é uma situação que te e preparado, é mais provável que o papo flua
gera ansiedade em boa parte dos profissionais, tranquilamente”, explica Ribeiro.
dar feedback pro chefe então, nem se fala. É ver- Quer saber mais? Confira abaixo o que você
dade que, dependendo da relação entre líder e vai encontrar neste novo episódio de #Conver-
liderado, essa conversa pode ser mais ou menos sasCorajosas e use o QR Code no fim da página
difícil. Então, será que tem como se preparar para ir direto para o vídeo.
para esse momento, de maneira que o resultado • Como estabelecer vínculos de qualidade que
seja positivo para todos os envolvidos? facilitam o upward feedback?
Para tratar desse tema, a editora-executiva da • Qual é a responsabilidade do colaborador?
revista HSM Management, Gabi Teco, convi- • Como se preparar para que o resultado da con-
dou o sócio da consultoria Corall, Marcelo Ribei- versa seja positivo?
ro, para um papo franco sobre a melhor forma de • O que a diversidade (geracional, de gênero, entre
conduzir essa conversa corajosa. outras) tem a ver com este tema?
Na opinião de Ribeiro, um dos principais • Por que é comum as pessoas ficarem nervosas e
pontos que deve ser observado é a qualidade angustiadas com esse papo?
do vínculo entre líder e liderado. Quanto maior o • Quais são as dicas para as empresas que desejam
vínculo, mais empática e sincera tende a ser essa estimular este tipo de conversas?
conversa. Outro aspecto bastante citado pelo es-
pecialista é a autorresponsabilização de quem
conduzirá o feedback. “Se algo nos incomoda e
queremos que a pessoa saiba, é preciso olhar pri- Assista ao segundo
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

meiro pra dentro e entender quais emoções estão episódio de


envolvidas naquele pedido. Por que será que eu #ConversasCorajosas
me importo tanto com isso? Estando conscien-

70 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


#ROLEMODEL

Por um Brasil mais empreendedor


A EDUCAÇÃO EMPREENDEDORA MUDOU A VIDA DE JOÃO KEPLER QUE, COMO INVESTIDOR
E PAI DE TRÊS FILHOS, SE DEDICA A PASSAR ESSA MENSAGEM ADIANTE | POR GABRIELLE TECO

“Tive uma criação dura, do tipo ‘se vira moleque’. filhos nunca tiveram mesada. O pai incentivava
Meu pai tinha uma boa condição financeira, mas os jovens a gerarem seus próprios recursos com
nunca me deu nada. Aliás, me deu sim: um empre- atividades que eles gostavam de fazer.
go de office-boy na empresa dele, quando eu era Deu certo. Théo, hoje com 20 anos, estuda
muito novo.” E foi assim que começou a carreira de e tem uma empresa de agenciamento de DJs.
João Kepler. Nascido em Macapá e criado em Be- Maria, 15 anos, é apaixonada por gastronomia
lém do Pará, o empreendedor aprendeu cedo que, e faz doces sob encomenda. E Davi, de 18 anos,
para ter suas coisas, precisava correr atrás. fundou sua primeira empresa aos 13 e já tem no
Aos 18 anos foi estudar nos Estados Unidos, currículo um “exit” – termo usado no mundo
onde teve a oportunidade de aprender mais so- do investimento quando um sócio ou investidor
bre informática, o que o ajudou a conquistar entrega sua parte da empresa em troca de di-
seu primeiro emprego ao retornar ao Brasil: nheiro. Atualmente, ele estuda nos EUA e vem
coordenador de CPD (Centro de Processamen- com frequência ao Brasil divulgar seu livro Em-
to de Dados) de um grupo empresarial em Ma- preender grande desde pequeno.
ceió, onde passou a viver. “Tenho muito orgulho dos meus filhos. Es-
Depois dessa experiência corporativa, Ke- cassez lá em casa só de dinheiro, porque amor e
pler decidiu empreender e montou uma con- diálogo nunca faltaram”, comenta Kepler. Com
sultoria de informática. E, desde então, não a comprovação de que seu modelo de criação
parou mais. Casou-se em Maceió, virou em- empreendedora é escalável, Kepler escreveu o
preendedor em série e pai de três filhos: Théo, livro Educando filhos para empreender e dedi-
Davi e Maria. ca parte de seu tempo à divulgação desta ideia.
Foi para pedir investimento para uma de suas Há anos Kepler mora em São Paulo e, além
empresas que Kepler viajou ao Vale do Silício. de investidor anjo, ele também é sócio da Bossa
“Levei um belo não, que mudou o curso da mi- Nova Investimentos, empresa de venture capital
nha vida. Além de aprender o que os investidores que possui centenas de startups em seu portifó-
buscavam em uma startup, notei que o mundo lio. “Tenho 50 anos e não desacelerei. Poderia
do venture capital (capital de risco) ainda era parar por conta do que já conquistei, mas me
bastante desconhecido por aqui”, relembra. movo pelo desafio de democratizar o acesso ao
Na volta ao Brasil, Kepler decidiu começar a capital no Brasil. Com mais dinheiro no ecos-
investir em sturtups com capital próprio. Moda- sistema, a gente gera mais renda, mais trabalho
lidade conhecida como “investimento anjo”, ele e essa é a contribuição que quero deixar para o
rodava o Brasil palestrando, conhecendo empre- meu País”, finaliza o empreendedor.
sas e empreendedores, e investindo em negócios
com alto potencial de crescimento.
IMAGEM: ACERVO PESSOAL

Em casa, com esposa e filhos, Kepler mantinha Leia a entrevista


a coerência com suas crenças de investidor: se com João Kepler
houver recursos suficientes, as pessoas se aco- na íntegra.
modam e não correm atrás. É por isso que seus

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 71


O EMPODERAMENTO
DO CLIENTE E A ERA DO
CUSTOMER EXPERIENCE
NA PESQUISA QUE REALIZEI SOBRE O QUE FAZEM AS PESSOAS
ABANDONAREM SUAS MARCAS FAVORITAS. O QUE MUDOU NO
COMPORTAMENTO DO CONSUMIDOR E COMO AS EMPRESAS DEVEM
SE ADEQUAR A ESSA NOVA REALIDADE? | POR ROBERTO MADRUGA

á bem pouco tempo, as empresas se multiplicaram seu poder de abandoná-las e tam-

H
orgulhavam dos altos índices de bém de causar danos à marca.
satisfação que alcançavam com Há pouco tempo, uma reclamação grave de um
seus clientes. Esse comportamen- cliente costumava ficar restrita à empresa e, em
to era um forte indicador de re- casos mais graves, chegava ao diretor. Assim, o
compra e, naturalmente, definidor dano à reputação da empresa dependia de muitos
da fidelidade dos consumidores. telefonemas e e-mails, representando um grande
Na atualidade, os consumidores estão modifi- esforço do consumidor para reclamar. Nos dias
cando hábitos a uma velocidade muito superior às atuais, a repercussão de uma única experiência ne-
empresas, mesmo aquelas que se consideram atua- gativa do consumidor pode criar um estrago sem
lizadas quanto às estratégias de relacionamento. O precedentes nas vendas e na imagem da empresa.
que os satisfazia no passado não é, necessariamen- O fato é que as organizações possuíam basica-
te, um fator de sucesso para eles continuarem fiéis mente quatro maneiras de vender e prestar supor-
à empresa da qual sempre compraram. te aos clientes: presencial, site próprio, telefone
Uma das razões para essa mudança de compor- e e-mail. Nos dias de hoje, os canais de negócios
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

tamento é o vertiginoso crescimento das redes so- se multiplicaram, chegaram a dez e não param de
ciais, que empoderou os consumidores e acrescen- crescer. Se, por um lado, as equipes de marketing
tou um complicador para as empresas: os clientes gostaram dessa facilidade para contatar seus con-

72 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


sumidores, por outro, as áreas operacionais nunca aplicativos e da coleta de opinião dos demais com-
se viram tão assustadas e desafiadas a entender pradores, aumentaram seu poder de fogo junto
a jornada de seus clientes, que parecem cada vez às marcas, mudando sua reação quando algo não
mais incontroláveis. vai bem: de simples reclamação para o abandono
Estamos na era do omnichannel, em que os con- da marca conjugado com reclamações em grande
sumidores, por meio das redes sociais, dos sites escala. Veja um resumo da mudança de comporta-
de busca, dos sites de reclamação, dos grupos em mento no quadro a seguir:

ANTES AGORA
Canais de relacionamento Apenas quatro: presencial, Mais de dez, dentre eles: redes sociais, sites externos de
preferenciais telefone, site próprio reclamação, sites de compra, avaliação nos apps, chatbot,
e e-mail whatsapp, grupos em aplicativos, sites de defesa do
consumidor, presencial, telefone e e-mail

Foco do marketing Satisfação dos clientes Entender e modelar as experiências emocionais dos clientes

Reação dos clientes Reclamação Abandono da marca e amplificação da insatisfação


a problemas

O próprio desenvolvimento tecnológico, que é melhor sobre como os consumidores se compor-


um grande aliado das empresas para fazerem cada tam em sua jornada quando algo não vai bem.
vez mais ações de vendas e marketing, agora é o A impressionante marca de 98% dos respon-
grande responsável pelo novo empoderamento dentes já desistiram de ser cliente por algum
dos clientes, levando-os a comportamentos mais problema originado pela empresa. O estudo
radicais quando a empresa fornecedora falha. concluiu também que 90% das pessoas fazem
Nessa nova relação, os clientes abandonam as divulgação das experiências negativas para ami-
empresas sem piedade e, além disso, propagam gos, familiares ou conhecidos. Esse número é
essa insatisfação para centenas de outras pessoas. um importante dado para reflexão, pois clientes
Em paralelo, as empresas até percebem essa mu- insatisfeitos tendem a “punir” as empresas du-
dança de atitude, mas estão ocupadas demais em plamente: deixando de comprar e atuando como
lançar produtos e serviços freneticamente para detrator da marca em larga escala.
superar a concorrência. Assim, essa estratégia de São vários os motivos que levam os clientes a
novidades incessantes tem gerado muitas falhas abandonarem as empresas que costumam consu-
na jornada do cliente em todas as suas etapas. mir (veja o gráfico na próxima página). Podemos
Motivado pela percepção de mudança abrupta
no comportamento dos consumidores e pela di-
ficuldade crescente de as empresas entenderem
essa nova realidade, realizei uma pesquisa inédi- quando você deixa de ser cliente de uma
ta sobre os motivos de os clientes “abandonarem” empresa, você faz alguma divulgação
suas empresas favoritas – de que maneira fazem dessa experiência negativa para amigos,
isso, em que momento tomam essa decisão e qual
familiares ou conhecidos?
a repercussão desse abandono.
No total, foram computadas 494 pesquisas vá- SIM
lidas, considerando uma margem de erro de 4%
para um nível de confiança de 95%. Foram cole-
tadas respostas de pessoas com mais de 21 anos e
90%
que acessam a web em todo o Brasil. A finalidade NÃO
desse estudo foi contribuir para a melhoria das
relações de consumo e para levar organizações de
todos os portes e de todos os setores a refletirem 10%

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 73


listar de maneira bem pragmática sete fatores que zacional e implantarem verdadeiramente o Cus-
levam o cliente no Brasil a trocar de marca: tomer Experience (CX)?
1. Atendimento Com tantos anos na área, percebo claramente
2. Qualidade que as empresas, por mais que tenham boas in-
3. Confiança tenções, acabam se apaixonando em demasia por
4. Tempo seus produtos e serviços, tornando as experiên-
5. Solução cias do cliente consequência desse processo, e
6. Promessa não a origem de tudo.
7. Frustração Incrivelmente isso vem piorando. Com a proli-
feração das startups, a paixão pelo que é criado e
No passado, o mercado brasileiro trabalha- produzido continua em alta, por isso se faz neces-
va com a hipótese de que um cliente insatisfei- sário rever constantemente o modelo de experiên-
to poderia falar com 13 outros, propagando sua cia do cliente e focar de verdade na compreensão e
experiência negativa. Contudo, na atualidade, na pavimentação de sua jornada. Embora muitas
concluímos que um único cliente insatisfeito pro- empresas se considerem focadas nos clientes, não
paga a informação, na média, para 232 pessoas, priorizam legitimamente suas experiências.
demonstrando um poder bélico sem precedentes. Contudo, modificar esse cenário é possível. O
Minha sugestão é que esse indicador (1 para primeiro passo para essa transformação é im-
232 pessoas), a partir de agora, faça parte das plantar uma cultura orientada para a experiência
discussões diárias das empresas, as quais de- do cliente ligada à revisão de processos, pessoas,
vem medir o quanto estão perdendo de vendas tecnologias, indicadores, capacitação, governan-
e os danos à sua reputação. Não seria um bom ça e comunicação. Ou seja, Customer Experien-
momento para os executivos repensarem como ce não é uma mecânica, tampouco uma filosofia.
estão investindo na mudança de cultura organi- Embora o mercado trate o tema como algo con-

quais foram as causas que já levaram você a desistir de ser


cliente de uma ou mais empresas por insatisfação?

Atendimento ruim do funcionário 69%


Baixa qualidade do produto ou serviço 46%
Perda de confiança na empresa 44%
Demora para resolver reclamações 43%
A empresa não resolveu reclamações 43%
Quebra de promessa feita pela empresa 37%
A oferta feita pela empresa foi enganosa 34%
Dificuldade para acessar os canais de atendimento 33%
Falta de agilidade demonstrada pela empresa 32%
Informação incorreta passada pela empresa 32%
Procedimentos confusos da empresa 24%
Preço alto 23%
Falta do produto ou serviço 10%

74 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


customer experience
não é filosofia.
ceitual, CX é, acima de tudo, uma estratégia em-
presarial com a finalidade de dirigir inteligência
é uma estratégia
e recursos para o planejamento, implantação e
controle de iniciativas que vão proporcionar aos
empresarial que
clientes experiências tão gratificantes, que serão
capazes de sensibilizá-los para continuarem “li-
exige planejamento,
gados” racional e emocionalmente à empresa for-
necedora. Esse é o princípio da lealdade! recursos e
Por isso, criei e aplico um framework que é
de fácil apresentação e assimilação pelos exe- controle, para que
cutivos. Em geral, com esse modelo, eles com-
preendem a complexidade e os passos necessá- a experiência do
rios para se modificar a jornada dos clientes na
empresa. Nem sempre compreendem que essa cliente seja de fato
priorizada
transformação, para ser consistente, precisará
IMAGEMNS: 1. SHUTTERSTOCK 2. ACERVO PESSOAL

talvez de um ano de projeto para maturar. Aliás,


tudo começa com o comprometimento dos diri-
gentes a respeito do escopo, do prazo e das eta-
pas desse complexo projeto que possui três ca- A complexidade de um projeto para elevar a ex-
madas. (Material disponível para download no periência de clientes e colaboradores indica que
site da HSM Management, com exclusividade não basta investir somente em tecnologia. Tam-
para o assinante da revista.) bém não é suficiente transformar um único pro-
cesso da empresa para se atingir um modelo satis-
fatório quanto à jornada do cliente.
Com a facilidade de abandono das marcas
pelos clientes, com o aumento da complexida-
de dos processos organizacionais e a prolife-
ração de produtos e serviços concorrentes, a
resposta é implantar projetos ligados à expe-
riência do cliente com cadência, metodologia
segura, capacitação das pessoas e transforma-
ção da cultura organizacional.

©2

Roberto Madruga é professor da HSM, consultor,


autor de oito livros de gestão, um dos precursores
no Brasil na implantação de Customer Experience,
Employee Experience e Customer Success.

Faça o download do framework


citado nesta matéria

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 75


// / //////
S OL UÇ ÕES TERRADOIS

J OR G E FO R BE S //

Estamos
desbussolados
A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA MUDOU NOSSAS
VIDAS E AINDA NÃO NOS ENCONTRAMOS /////////
Jorge Forbes é
psicanalista e
Estamos todos desbussolados, sem rumo, virados de cabe- psiquiatra, doutor
ça para baixo e agarrando no primeiro tronco dessa enxurrada em psicanálise e
para tentar nos salvar. Do nascimento à morte, passando por em medicina. Autor
todas as etapas da vida, como o amor, a família, o trabalho, a de vários livros,
saúde, o lazer, a educação, nada mais é como era antes. Nossos especialmente sobre
tempos pós-modernos – TerraDois, como costumo chamar – o tratamento das
põem em evidência que, à diferença de todos os animais, não mudanças subjetivas
temos um determinismo biológico que nos oriente com segu- na pós-modernidade,
rança inquebrantável. Não temos uma bússola segura, somos recebeu o Prêmio
todos GPS ambulantes. Jabuti em 2013.
Vejamos os animais, as abelhas, por exemplo. Abelhas exis- É criador e
tem há 80 milhões de anos e são sempre as mesmas, sempre fa- apresentador do
Programa TerraDois,
zendo tudo igual. Nesse tempo todo a colmeia continua sendo
da TV Cultura, eleito
composta por hexágonos perfeitos, nunca tendo surgido uma
o melhor programa
abelha Niemeyer que tenha resolvido inovar fazendo uma curva
da TV brasileira em
sensual no padrão tão exato de sua casa. E zebras, e pinguins,
2017 pela Associação
e onças, e porcos, e borboletas sabem desde o nascimento o
Paulista de Críticos de
que devem fazer de suas vidas. A espécie humana, não; por isso
Artes (APCA).
podemos falar em eras éticas, ou seja, épocas sucessivas que
se caracterizam por um determinado comportamento coletivo.
Vivemos uma abissal mudança ocasionada, em especial, pelo
surgimento da web na década de 1990. O laço social, pela pri-
meira vez em 2.800 anos, deixou de ser vertical, padronizado,
hierárquico, linear, passando a ser horizontal, múltiplo, flexível,
criativo. A primeira reação a essa flexibilização é de euforia, pela
liberdade de escolha, logo seguida de medo, pela mesmíssima
razão: a liberdade de escolha atemoriza por não estar amparada
em nenhuma garantia. Surgem então tentativas toscas de acal-
mar os medrosos, buscando fazer da ciência o que ela não é, a
saber, oráculo do destino, semelhante ao periquito do realejo.
Sob o prestigioso título de “neurociência” cria-se um am-
plo guarda-chuva sob o qual convivem práticas das mais con-
sequentes e fundamentais às mais duvidosas, capazes de en-
vergonhar o referido passarinho. E quando a isso se somam
neossacerdotes cheios de termos ingleses, aconselhadores do
FOTO: ARQUIVO PESSOAL

lugar-comum, está preparado o caldo da desistência de sermos


responsáveis pela singularidade de nossas formas de viver.
Podemos fazer bem melhor esse novo tempo.

76 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


ASSUNT O P E S S O A L
SUA CARREIRA, SEU EQUILÍBRIO E MODELOS INSPIRADORES

Longevidade
OS 5 HÁBITOS QUE VALEM 10
ANOS A MAIS DE VIDA, SEGUNDO
PESQUISADORES DE HARVARD

Q
uem não quer viver mais e melhor? 1. Não fumar – nunca, ou, pelo
Todo mundo, é claro. A recei- menos, parar o quanto antes para
ta que pode oferecer, ao menos, minimizar riscos.
mais dez anos de vida (ou até 12 2. Manter um peso saudável – o que
anos para os homens e 14 para as significa, na prática, um Índice
mulheres) é relativamente simples, de Massa Corporal (peso dividido
mas nem sempre fácil de ser adotada. pela altura ao quadrado) entre
Pesquisadores da Harvard University, nos Es- 18,5 e 25.
tados Unidos, analisaram prontuários de 123 3. Fazer exercícios – 30 minutos de
mil voluntários, com cerca de 34 anos de históri- atividade moderada ou 15 minutos
cos médicos. Os resultados foram publicados na de atividade vigorosa por dia.
revista especializada Circulation, da American 4. Moderação no consumo de
Heart Association, e podem ser aplicados à maior bebidas alcoólicas – não mais do
parte da população mundial. que uma taça de vinho de 150ml ao
O estudo identificou cinco hábitos, alguns ve- dia, no caso das mulheres, e duas
lhos conhecidos da maioria das pessoas, que têm taças, para os homens.
um impacto enorme sobre a longevidade. Os pes- 5. Alimentação variada e balanceada,
quisadores, porém, alertam que as pessoas, mui- com muitas frutas, muitos
tas vezes, ficam presas em um círculo de maus vegetais e grãos, e, ao mesmo
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

hábitos e acham que é tarde demais para mudar. tempo, pouca gordura saturada,
Mas, afinal, quais são esses comportamentos pouca carne vermelha e pouco
capazes de gerar benefícios tão significativos? açúcar.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 77


// ///////
ASSUNTO PESSOAL

Tecnologia, Educação
e o Futuro
ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA FAST COMPANY DESTACA AS TRANSFORMAÇÕES NO
MERCADO DE TRABALHO E QUESTIONA O PREPARO DO SISTEMA EDUCACIONAL

O anúncio da Amazon, de que investirá US$ Impacto na educação


700 milhões para retreinar 100 mil funcionários Além de alertar para as mudanças significati-
em novas tecnologias, enviou um sinal claro: os vas das posições de trabalho no futuro, o profes-
empregos do futuro exigirão competências nos sor levanta uma questão: quem garantirá que a
campos de ciência, tecnologia, engenharia e ma- mão de obra esteja preparada para esse desafio?
temática (STEM, na sigla em inglês). Ele destaca que a Amazon, a exemplo do que
“As fronteiras menos marcadas entres empre- ocorre em outras companhias, planeja utilizar
gos técnicos e não técnicos indicam uma mu- apenas sua própria estrutura e seus programas
dança significativa para todo o mercado e trans- internos para o treinamento que anunciou. Ou-
formará a estrutura e a natureza do trabalho”, tras empresas, como o Google, seguem no mes-
destaca Scott F. Latham, professor de Gestão Es- mo caminho.
tratégica na University of Massachusetts Lowell, “As universidades não fazem parte do plano.
em artigo publicado na revista Fast Company. Acredito, porém, que o mercado de trabalho que
Na avaliação do especialista, nas próximas dé- vem surgindo demanda uma educação de nível
cadas, será raro encontrar trabalho que não en- superior”, argumenta Latham. O problema, ad-
volva um robô ou uma ferramenta de inteligência mite, é que as universidades estão desenhadas
artificial. “Um dos campos de mais rápido cresci- para uma a revolução industrial do passado. “O
mento é o da interação entre robôs e seres huma- tempo médio de uma graduação é de cinco anos.
nos e o desenvolvimento de robôs colaborativos, Isso é muito lento”, acrescenta.
conhecidos como ‘co-bots’. Os humanos que ti- Em outras palavras, alerta o especialista, o en-
verem sorte e não forem substituídos pela inte- sino superior precisa se tornar mais adaptativo e
ligência artificial deverão, de qualquer maneira, inovador. Se isso não acontecer, as empresas vão
ser capazes de trabalhar com alguma forma de continuar a assumir a dianteira do processo de
IA”, escreve Latham. formação do mercado de trabalho do futuro.

78 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


Como lidar
com pessoas
do contra
ESPECIALISTA CONTA À ROTMAN MANAGEMENT MAGAZINE OS
SEGREDOS PARA CONVIVER BEM COM ESTES PROFISSIONAIS

Professora de Psicologia da Western Michi- Claro que não. Muitas pessoas do tipo CAVE
gan University, Laura Methot é cofundadora da apresentam esse comportamento porque ele traz
consultoria I&D 101, que ajuda as empresas a vantagens, como não fazer parte do esforço da
promover a inclusão e a diversidade no local de mudança. Uma vez que entendemos o que motiva
trabalho. Ela também costuma ser procurada o comportamento delas, podemos adotar medidas
para palestras e entrevistas sobre outro tema para mexer com isso.
que afeta, e muito, o ambiente organizacional,
em especial em momento de transformação: Muitas vezes essas pessoas
as pessoas do tipo CAVE – sigla em inglês para
Citizens Against Virtually Everything, ou seja,
agem apenas nos bastidores...
cidadãos que são contra praticamente tudo. como lidar com esse comportamento?
“Profissionais assim podem ter uma influência Sugiro conversar, de forma proativa, com
tóxica, envenenando a atitude dos colegas e er- elas, especialmente aquelas que atuam na li-
guendo um muro de resistência à mudança. Por nha de frente e as que serão mais afetadas pela
isso, é preciso que as lideranças saibam neutralizar mudança. Também forme grupos de funcioná-
a negatividade deles”, diz a especialista em conver- rios para discutir a mudança. Será uma opor-
sa com a Rotman Management Magazine. tunidade para que os resistentes possam ser
influenciados positivamente por aqueles que
O que explica a negatividade estão abertos.
diante da mudança?
Você identificou comportamentos
Para muitas pessoas, mudança é algo a ser temi-
do. A boa notícia é que, com a gestão adequada, a
que os líderes podem adotar para
maioria acaba se engajando. obter reações mais positivas à mudança...
No entanto, mesmo em condições favorá- O mais importante é ser claro e firme em
veis, um pequeno grupo de profissionais vai relação às expectativas. As pessoas precisam
continuar resistindo, em geral por conta do saber que o comportamento negativo não vai
medo e da desconfiança. Costumam apresen- impedir que elas participem ativamente do
tar problemas de desempenho e temem perder processo de transformação. Ao mesmo tempo,
privilégios ou mesmo o emprego. ouça as preocupações delas, demonstre inte-
resse. Assim, você poderá descobrir a raiz do
As pesquisas indicam que esses problema e levar os resistentes a uma situa-
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

ção mais produtiva. Também deve-se focar no


profissionais negativos têm quatro comportamento e não na pessoa, sendo espe-
a sete vezes mais impacto do que cífico sobre quais ações e palavras são proble-
os demais. Essa é uma batalha perdida? máticas.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 79


// ///////
ASSUNTO PESSOAL

Confiança que
se constrói
nas redes
sociais
ESTUDO PUBLICADO NO
PORTAL KNOWLEDGE, DO
INSEAD, APONTA
COMO O COMPORTAMENTO
EM REDES SOCIAIS
IMPACTA NEGOCIAÇÕES
O vínculo estabelecido nas redes socais, como universidade dos Estados Unidos, para parti-
Facebook, por exemplo, é suficiente para au- cipar de um jogo de investimento envolvendo
mento da confiança entre as pessoas envolvidas pequenas quantidades de dinheiro de verdade.
em uma negociação e influenciar o comporta- Ficou evidente que o nível de confiança e, conse-
mento delas. E mais: quanto mais próximo for quentemente, a disposição de não trapacear era
este vínculo, maior a tendência de cada um es- maior entre as pessoas que já estavam previa-
tar disposto a deixar de lado uma eventual falta mente conectadas pela rede social.
de cooperação. Por exemplo: quem compartilha Os autores do artigo – Horacio Falcão, pro-
fotos tende a ser mais condescendente e a dar fessor do Insead e especialista em negociações,
o benefício da dúvida do que quem apenas tem e Alena Komaromi, profissional do setor finan-
amigos em comum em determinada rede social. ceiro – explicam que a confiança, em um jogo
Estas são as principais conclusões de um es- como o que foi proposto pelos pesquisadores, é
tudo comentado em artigo recente no portal semelhante ao conceito de mutualismo. Signifi-
Knowledge, do Insead. A pesquisa, realizada por ca o reconhecimento, pelas partes envolvidas na
Ravi Bapna (University of Minnesota), Liangfei negociação, de que trabalhando juntas será mais
Qiu (University of Florida) e Sarah Rice (Texas fácil alcançar os objetivos específicos de cada
A&M University), indica que os vínculos sociais uma. Assim, a confiança pode ser construída à
estimulam as pessoas a apresentar seu melhor medida que as partes interagem e conhecem me-
comportamento durante as negociações. Afinal, lhor os respectivos padrões de comportamento,
se há alguma possibilidade de encontrar nova- assim como valores e intenções.
mente, no futuro, quem está sentado do outro Os autores destacam ainda que a existência de
lado da mesa, é natural que se esteja menos in- vínculos desenvolvidos nas redes sociais motiva
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

clinado a fazer algo mal-intencionado. as pessoas a proteger sua reputação, pois querem
Os pesquisadores realizaram um experimen- continuar sendo vistas como alguém em quem se
to real, convidando 200 usuários de Facebook pode confiar e, portanto, com quem se pode nego-
que trabalhavam ou estudavam em uma grande ciar. E isso é recompensado no longo prazo.

80 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


Menos planejamento
e mais mão na massa
ESSA É A DICA DE UM DOS FUNDADORES DA NETFLIX PARA
QUEM DESEJA EMPREENDER UM PROJETO DE SUCESSO

“A pior coisa que pode acontecer a um em-


preendedor é ficar preso no planejamento de
uma ideia perfeita e nunca começar a tentar
colocar tudo em prática”, alerta Marc Randolph,
cofundador da Netflix, em texto publicado na
plataforma de blogs Medium. E acrescenta: em
algum momento, é preciso parar de pensar e fa-
zer, mesmo que seja a partir de uma versão in-
completa do que foi inicialmente idealizado.
Randolph diz que as pessoas têm a tendên-
cia de construir castelos imaginários que, na
verdade, são táticas protelatórias disfarçadas
de ideias. Em vez de construir algo, o empreen-
dedor apenas segue elaborando e planejando
o projeto. “Rapidamente, o castelo imaginário
que você construiu está enorme e inacreditavel-
mente caro para virar realidade”, explica.
Segundo ele, as ideias iniciais não são, ge-
ralmente, tão boas quanto os empreendedores
pensam. Mas isso não faz diferença. Não dá
para saber, com certeza, se um projeto vai fun-
cionar até colocá-lo para andar, mesmo sem
tudo perfeitamente planejado.
“Interação, e não ideação, é a parte mais im-
portante do estágio inicial de um empreendi-
mento. É preciso ter um monte de ideias – um Nunca vi um plano de negócios sobreviver ao en-
monte de ideias ruins – para terminar com uma contro com os consumidores de verdade”, escreve
boa ideia. Também é preciso colocar as ideias o cofundador da Netflix, recordando de sua pró-
‘no mundo real’, onde as pessoas possam vê-las e pria experiência e de como era difícil e caro testar
dar feedback”, escreve Randolph. uma ideia no final da década de 1990, quando a
Ele lembra que, atualmente, é relativamente fá- empresa iniciou suas atividades, ainda como um
cil testar uma ideia no mundo real. E isso é funda- serviço de assinatura mensal, locadora online e en-
mental para que o empreendedor e outras pessoas trega de DVDs na casa dos clientes.
possam observar aspectos que nunca haviam sido Por fim, Randolph afirma: se os potenciais em-
levados em consideração. Um detalhe incialmente preendedores deixarem de construir castelos ima-
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

irrelevante pode se tornar uma função primordial; ginários e partirem para a prática, talvez um dia
um erro pode acabar virando um recurso. possam construir algo real, mesmo que imperfeito.
“Os planos não fazem diferença, porque as ideias “Algo que seja interessante, que agrade as pessoas
acabam mudando e se chocam com o mundo real. e que funcione”, completa.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 81


// ///////
ASSUNTO PESSOAL

Roubo de dados
O QUE FAZER QUANDO SUAS INFORMAÇÕES SÃO ROUBADAS NO UNIVERSO DIGITAL

A crescente digitalização das atividades, dos ser- Mude todas as suas senhas, mesmo
viços e até mesmo das relações trouxe ao menos 02 aquelas que, aparentemente, ficaram
um risco para a vida de todos: qualquer pessoa tem imunes ao ataque. Elabore novas se-
atualmente uma grande quantidade de dados pes- nhas fortes, e nunca reutilize uma senha antiga.
soais circulando pelo universo virtual.
Em todo o mundo, milhões de usuários são ví- Contate todas as intuições financeiras
timas de ataques cibernéticos, diretamente ou por 03 com a qual mantém relacionamento, o
conta de fraudes praticadas contra as grandes or- que inclui bancos e operadoras de cartão
ganizações. A lista de empresas que já tiveram a de crédito, imediatamente. O tempo é um fator de-
segurança digital quebrada inclui Home Depot, cisivo para evitar que compras e outras operações
eBay, DropBox e Yahoo. Confira algumas medidas sejam realizadas. O melhor é falar com um aten-
indicadas por especialistas que podem ser adota- dente – somente o serviço eletrônico pode não bas-
das para reduzir danos: tar. Procure dar a dimensão correta do risco que
você corre, até para alertar a instituição para a pos-
Faça um levantamento do tipo de infor- sibilidade de movimentações estranhas.
01 mação que foi ou pode ter sido roubada,
tendo em mente que alguns dados são Revise seus procedimentos de segurança
mais importantes do que outros, principalmente 04 (como antivírus), pesquise ferramentas
do ponto de vista dos criminosos cibernéticos. que possam lhe ajudar a reforçar os cui-
As informações que, uma vez roubadas, repre- dados com seus dados e mantenha seus aplicativos
sentam o maior risco são os números de documen- e softwares atualizados.
tos pessoais (RG e CPF, em especial), o número e a
senha da conta bancária e dados de cartão de cré- Diante de qualquer indício de fraude,
dito, incluindo a senha. A senha para seus e-mails 05 registre a ocorrência na polícia. Isso é
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

também abre as portas para registros da sua vida importante tanto para que se abra inves-
que podem ser utilizados pelos criminosos, que, tigações quanto para alimentar as estatísticas que
não raramente, são capazes de “quebrar” sistemas podem servir à definição de ações e políticas de
de criptografia. prevenção.

82 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


/////////
AS S U N T O P E SSOAL

WILMA BOLSO N I //

Em que nível de
consciência você
/////////
Wilma Bolsoni é
terapeuta formada
opera?
pela Barbara
Brennan School of
OBSERVANDO SEUS PENSAMENTOS, SUAS EMOÇÕES
Healing, Estados E SUAS AÇÕES É POSSÍVEL IDENTIFICAR SUA
Unidos, e professora
certificada pelo
ASSINATURA VIBRACIONAL E SUA INTERAÇÃO
HeartMath Institute, COM OS EVENTOS DO MUNDO
centro de pesquisas
reconhecido Para falar sobre níveis de consciência, precisamos ampliar
globalmente por sua a definição convencional de quem somos. Apesar de perce­
atuação em fisiologia bermos uns aos outros como matéria, somos formados por
emocional, resiliência campos eletromagnéticos que vibram e pulsam formando
e gestão de estresse. uma sinfonia de vibrações que cria uma resultante, uma es­
Ex-profissional de TI, pécie de assinatura vibracional.
ela recebe cada vez Essa resultante inclui a vibração do nosso corpo (influen­
mais executivos e ciada pelo que comemos e bebemos, e por nosso estilo de
empreendedores em vida), das nossas emoções e também dos nossos pensamentos.
seu consultório, A maneira como vibramos ressoa com eventos externos que
o Ateliê da Luz.
passam a fazer parte de nossa experiência do dia a dia; assim,
criamos a nossa realidade vibracionalmente. Por exemplo, se
vibramos medo e fracasso, vamos experimentar sucessiva­
mente eventos compatíveis com medo e fracasso até que mu­
demos nossa vibração para alguma frequência mais elevada.
Dr. David Hawkins, médico psiquiatra americano, fez um
trabalho maravilhoso e pioneiro de medição e determinação
matemática dos níveis de consciência da humanidade.
Ele descobriu que 85% da humanidade vibram em um nível
abaixo do crítico em que o autoextermínio dos seres humanos
é possível, e que os 15% restantes fazem a compensação ge­
rando uma resultante que torna viável a vida na Terra.
Segundo Hawkins, vibrações inferiores estão ligadas a emo­
ções inferiores, como vergonha, culpa e medo, enquanto vi­
brações superiores incluem alegria, coragem e amor.
O estado atual do mundo é o resultado direto da vibração
média em que a humanidade opera. Portanto, fome, escassez
e violência estão presentes no mundo porque estão presentes
dentro de nós, ou pelo menos na maior parte da humanidade.
Se queremos mudar o que vemos no mundo, precisamos
IMAGEM: ACERVO PESSOAL

mudar nossos pensamentos, nossas emoções e nossas ações.


Essa é a nossa responsabilidade vibratória!

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 83


O QUE SE GANHA
AO EXPANDIR O OLHAR
TRÊS BRASILEIROS CONTAM SEUS PRINCIPAIS APRENDIZADOS
APÓS UMA TEMPORADA DE ESTUDOS FORA DO PAÍS | POR TICIANA WERNECK

A
o final dos dois anos de MBA na uma loucura”, conta – mas hoje, sete anos depois,
Stanford GSB (Graduate School of após nova rodada de investimentos de um fun-
Business), na Califórnia (EUA), o do americano, ele planeja aumentar o número
engenheiro mineiro André Penha de cidades alcançadas e lançar novos produtos.
tinha uma vontade enorme de vol- “Aprendi que é possível lidar com o desconforto
tar para o Brasil e fazer algo de im- se há uma visão. Mudar vidas, empresas ou mer-
pacto. Mesmo que esse “algo” parecesse diferente cados nunca será confortável”, comenta ele.
demais. “Aquele ambiente altamente inovador Igor Marchesini também voltou transformado
me mostrou que não podemos depender de con- da temporada de estudos fora. Hoje, fundador e
senso para tomar decisões”, conta. Com outro CEO da fintech de pagamentos móveis SumUp no
brasileiro que conheceu no curso, Penha fundou Brasil para pequenos empreendedores (a empre-
o QuintoAndar, startup que simplifica contratos sa é alemã mas tem atualmente aqui seu mercado
IMAGENS: SHUTTERSTOCK

de locação de imóveis, eliminando a burocracia. mais promissor), ele largou uma carreira de alto
“Alugar é chato e queria mudar isso”, diz. O iní- potencial como consultor da Bain & Company para
cio foi difícil – “os investidores achavam a ideia empreender após ter sua visão de mundo alargada

84 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# X XXXXXXXXXXXXXX
# XXXXXXXXXXXX
# X XXXXXXXXXXXXXX

pela experiência de estudo e de estar inserido em gínquo 2015. “Eu tinha alergia a empreender”,
uma comunidade global de conhecimento. “Éra- brinca, “mas queria ser uma líder melhor e ten-
mos incentivados a pensar soluções para proble- tar algo diferente na minha área. Nos dois anos
mas que nossos mercados enfrentavam e a assu- de curso, conheci muita gente, aprendi sobre os
mir um senso de responsabilidade pelo presente”, desafios dos ecossistemas de negócios e tive o
resume. Nubank, DogHeroe e iFood são outros insight para iniciar o Cubo”, conta.
exemplos de startups que se iniciaram com a volta Para esses brasileiros, o que mais valorizaram
de brasileiros da Stanford GSB. na experiência de estudar fora foram os apren-
Entre junho de 2018 e maio de 2019, outros 300 dizados que transcenderam as aulas de gestão.
brasileiros se inscreveram nos módulos de MBA “Desenvolvi skills como convencimento, empatia
da Stanford GSB. Esse interesse crescente aguçou e feedback que me ajudaram a criar uma nova
a curiosidade do reitor Jonathan Levin pelo Brasil, cultura de comportamento”, conta Erica. “Fazía-
e o trouxe até aqui em agosto. “Quis ver de perto mos dinâmicas e encontros informais que mos-
esse País que nos envia tantos talentos”, comenta. travam a importância de ouvir de verdade seu
A instituição recebe alunos de 60 países, a maio- interlocutor, o poder que se cria a partir dessa co-
ria com o desejo de ingressar em carreiras menos nexão”, reforça Marchesini. “Nossas turmas são
tradicionais, como os dois exemplos citados aqui. menores justamente para criar relacionamentos
“Há 20 anos recebíamos muitos alunos de bancos, mais imersivos, que não se rompem após o fim do
multinacionais e consultorias em busca de aper- curso. Ex-alunos continuam se apoiando mutua-
feiçoamento para retornar às suas atividades. Eles mente pela vida”, comenta Levin.
continuam vindo, mas em menor número. A maio- Como outros pontos-chave do programa desta-
ria está de olho em outras possibilidades”, diz. cam-se a relação próxima com a comunidade de
A matemática Erica Janini faz parte do grupo Vale do Silício, clima colaborativo e global com
dos que não buscavam uma nova carreira. Ao foco na busca por ideias que solucionem proble-
retornar, ela queria inovar dentro do Itaú, onde mas do mundo real. “Temos uma especial preocu-
ingressou ainda trainee há 14 anos. E então pação com o futuro e os redesenhos sociais. Nossa
criou o Cubo, plataforma que conecta startups, ideia é formar líderes que tragam contribuições
já fomentando a transformação digital no lon- para o mundo”, finaliza Levin.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 85


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O VALE OC IDENTAL

LU CI A NO BU E N O //

Networking
e Comunidade
©1

MUITO ALÉM DA TROCA DE CARTÕES E DA PRESENÇA /////////


EM EVENTOS, CONSTRUIR UMA BOA REDE EXIGE Luciano Bueno é
um empreendedor
TROCAS GENUÍNAS E INTERESSE PELAS PESSOAS brasileiro radicado nos
EUA, com experiências
O networking, junção das palavras em inglês “net” e “work”(rede e tra- em consultoria,
balho, respectivamente), é uma das principais estratégias adotadas por empreendedorismo
quem deseja ampliar suas conexões. Por aqui no Vale, os eventos para e venture capital. É
fazer networking são supercomuns, mas, depois de frequentar alguns, me cofundador e CEO
dei conta de que eles estavam perdendo o sentido. Até porque todo mundo da Horvath Clothing
pergunta sempre as mesmas coisas, depois troca cartões, e aquele contato Co., startup de
superficial provavelmente nunca mais será lembrado. nanotecnologia têxtil,
Qual o intuito do networking então? Depois de muitos meses por aqui e está a caminho de
comecei a usar o networking como uma maneira de me aproximar das ser empreendedor
pessoas com o interesse genuíno de conhecê-las além de suas ativida- serial. Participou do
des profissionais. Busco entender onde nasceram, locais que frequentam, Shark Tank Brasil e
experiências marcantes de vida, lugares preferidos de viagem, esportes, integra a seleta lista
família e afins. Para isso, ter na ponta da língua de 10 a 15 perguntas in- Forbes 30 Under 30.
teressantes pode resultar em conversas que você nem imaginava. E isso
cria conexão entre as pessoas.
Com o passar do tempo, meu networking passou a ter um valor real e eu
passei a fazer parte de comunidades nas quais, de fato, há trocas e expe-
riências marcantes entre as pessoas. Cito duas como exemplo:
IVY (MASTER MIND): Com o intuito de aproximar artistas, profissionais
e empreendedores determinados a criar um impacto positivo no mundo,
Beri Merie baseou-se na experiência que teve ao cursar a Ivy League, que
reúne as universidades de elite dos EUA, para criar essa comunidade. Um
conjunto de eventos, palestras e festas cria uma atmosfera incrível nesse
grupo, com destaque para a atividade conhecida como “master mind”, na
qual você troca profundas experiências de sua vida com dez pessoas todo
mês. Funciona como se fosse uma reunião de conselho, em que você é o
CEO de sua vida. Uma experiência simplesmente incrível.
BRAZUCAS NO VALE: Iniciada por Rafael Amado, um grande amigo que,
após a conclusão de um MBA na University of California em Berkeley, sen-
tiu a necessidade de compartilhar seus conhecimentos com a comunidade
brasileira. Além de encontros presenciais aqui no Vale, a ideia resultou no
lançamento de um podcast que, a cada episódio, conta histórias de brasi-
leiros que vivem por aqui. Tive a honra de ser convidado para o segundo
episódio e deixo aqui o meu convite para quem quiser conhecer o trabalho
dele, que está disponível no Spotify e no Google Podcasts.
Por fim, minha dica é que você construa vínculos de qualidade com seu
FOTO: 1. DANI VILLAR

networking, para que de fato exista colaboração e troca. De gente interes-


seira, o mundo está cheio. Já pessoas interessadas são poucas. Seja uma
e invista em relações interessantes.

86 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


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O VAL E O R I E NTAL

EDWAR D TSE //

Os megaecossistemas
organizacionais da China
/////////
CRESCENDO A PARTIR DE SEUS NEGÓCIOS CENTRAIS
Edward Tse é ORIGINAIS, EMPRESAS COMO ALIBABA E TENCENT PASSARAM
fundador e CEO da
Gao Feng Advisory
A ATUAR EM UMA SÉRIE DE NOVOS SETORES
Company, empresa
de consultoria em As empresas chinesas mais valiosas hoje são tipicamente “megaecossistemas”
gestão e estratégia que operam redes de negócios que se apoiam mutuamente e suplementam as
com raízes na habilidades umas das outras. Gigantes da internet como Alibaba e Tencent, sem
China e atuação dúvida as empresas mais conhecidas da China, estão hoje entre as dez maiores
global. É também empresas públicas em capitalização de mercado.
autor do livro A noção de ecossistema de negócios não é nova. A Apple, uma das empre-
China’s Disruptors. sas mais valiosas do mundo, foi pioneira nesse sentido. Empresas chinesas,
porém, voltam-se hoje para fora para se aperfeiçoar ainda mais na construção
desse tipo de corporação.
Exemplos de primeira linha de megaecossistemas na China atual incluem Ali-
baba, Tencent e Xiaomi. A Alibaba começou como um pequeno marketplace onli-
ne B2B há quase 20 anos, saltou para o site de cliente para cliente Taobao e depois
para o site B2C Tmall. Para dar suporte a esses negócios, a Alibaba criou o Alipay,
de pagamentos online por celular, e então o usou como plataforma para ofere-
cer serviços de gestão financeira. Hoje, a Alibaba também se lançou a áreas que
incluem automobilidade, saúde pública, mídia, novo varejo, serviços de locação,
serviços de nuvem e logística inteligente.
A Xiaomi, mais jovem empresa da Fortune 500, é um ecossistema líder com uma
ampla gama de negócios. Ao se associar a uma centena de outras startups desde
2013, a Xiaomi foi capaz de agregar muitos outros produtos em sua plataforma de
internet das coisas (IoT), sem ter de produzi-las internamente. Hoje, oferece mais
de 300 produtos ligados a estilo de vida e está conectando mais de 170 milhões
de aparelhos. Seu negócio de smartphones está se tornando uma parte menor do
negócio, enquanto os serviços de internet estão crescendo. Nesse sentido, acres-
centou a seu portfólio apps como jogos online, e-books, streaming ao vivo, música
e vídeos, finanças na internet, serviços de nuvem e plataformas sociais automoti-
vas. Com uma gama dessas de produtos em seu portfólio, a Xiaomi deu o salto para
o novo varejo que foca interconectar sem obstáculos seus canais online e offline.
O fundador e líder da Xiaomi, Lei Jun, disse que o próximo movimento estra-
tégico seria construir um smartphone + IAoT (IA com IoT) antecipando a tecno-
logia 5G. Com essa estratégia, é provável que a Xiaomi estenda seu ecossistema e
aumente a variedade de seus aplicativos.
Quando as empresas chinesas percebem um mercado se abrindo, elas rapida-
mente dão o salto para capturar as oportunidades e tentar abreviar as lacunas em
habilidades por meio de ecossistemas de parcerias colaborativas. Em contraste,
a maioria das corporações estrangeiras tende a fazer o que sempre têm feito e a
evitar a “diversificação”. Empresas estrangeiras que operam na China cada vez
IMAGEM: MEITU.COM

mais reconhecem essa diferença e estão se aproximando ao aprender com em-


presas chinesas e a participar de seus ecossistemas.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 87


A CHAVE DA ALTA PERFORMANCE
ESTÁ EM SUAS LIMITAÇÕES
PESQUISAS E CASES REVELAM QUE ENCORAJAR AS PESSOAS A ADMITIR
SUAS IMPERFEIÇÕES, EM VEZ DE ESCONDÊ-LAS, DÁ ORIGEM AOS
MELHORES TIMES | POR RODRIGO VERGARA E MARKUS LOTHAR FOURIER

I
magine fazer parte de uma equipe um contrassenso. Contraproducente, até. Mas
em que todo mundo se sente segu- é essa abertura ao novo e esse espírito desar-
ro para dar sugestões, falar sobre mado que cada vez mais pesquisas estão su-
suas preocupações, perguntar so- gerindo ser a solução para obter resultados
bre o que não sabe e trocar ideias excelentes no atual ambiente de negócios, em
sobre erros cometidos – inclusive os permanente transformação.
próprios –, sem medo de ser punido, repreendi- Incontáveis exemplos de sucesso em empre-
do ou humilhado. sas reconhecidas mostram que os tempos de
Para quem ainda acha que o caminho para tirania e autoritarismo estão perdendo terre-
a alta performance é exercer pressão máxima no para um espírito de aceitação e acolhimen-
por resultados, ameaçando punição, um am- to em equipe, por razões que qualquer gestor
biente como o descrito acima pode parecer entende: melhor performance e menor custo.

IMAGEM: SHUTTERSTOCK

88 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# S E G U R AN Ç A P S I C OLÓGICA
# R E C U R S O S H UMANOS
# D E S E N V O LVIME NTO

Claro, se seu time ainda opera em um cenário é cada vez mais raro
de negócios em que cada um faz seu trabalho
sem necessidade de diálogo com os outros (ou encontrar o que se
seja, não há grande interdependência entre co-
laboradores e/ou áreas) ou se não há incerteza
costumava chamar
no horizonte (ou seja, as respostas testadas e de equipe: um grupo
aprovadas continuam dando os resultados es-
perados), esqueça essas recomendações.
estável em busca
Mas a maioria de nós já foi afetada pela mu- de um objetivo
dança inevitável, frenética e complexa dos no-
vos tempos e das novas tecnologias – o tal mun- compartilhado. hoje
do VUCA sobre o qual HSM Management temos de colaborar
sempre fala. Nosso mundo já mudou e adaptar-
-se não é uma opção, mas um mandamento. com pessoas com todo
Primeiro porque os times não são mais como
antes. É cada vez mais raro encontrar aquilo que
tipo de diferenças,
se costumava chamar de equipe: um grupo está- em rede e com poder
vel de indivíduos em relações relativamente in-
terdependentes, agindo para alcançar um objeti-
distribuído
vo compartilhado. Em vez disso, o mais comum
é termos que colaborar com pessoas com todo Nessas condições, como formar,
tipo de diferenças (culturais, geográficas, tem-
manter e atuar em equipe?
porais, geracionais, educacionais, profissionais
e, em tempos de outsourcing, de vínculo com o A resposta mais sólida que as empresas têm
negócio). Não temos mais o luxo de poder traba- encontrado é “confiança”: é criar as condições
lhar com times estáveis e homogêneos. para que membros de equipes possam confiar
A própria definição de equipe implodiu. De uns nos outros para percorrerem juntos os ca-
um grupo com relações hierárquicas, vamos minhos que ninguém nunca trilhou, abertos a
nos movendo para redes cada vez mais hori- aprender com a tentativa e erro. Em outras pa-
zontais, inspiradas pelo Manifesto Ágil, derru- lavras: segurança psicológica. Usamos o termo
bando silos, redistribuindo poder e horizonta- segurança psicológica porque “confiança” pode
lizando relações. significar outra coisa, que Patrick Lencioni, o
Aceitamos a interdependência e a incerteza autor do best-seller The Five Dysfunctions of a
dos novos modelos e os riscos de operar no Team, chama de predição de comportamento.
desconhecido porque as respostas de costume Ou seja, porque José tem um histórico consis-
não dão os resultados de sempre. tente em um determinado comportamento, eu
Além disso, a concorrência pelos melhores confio que ele irá repetir seu desempenho pre-
talentos nunca foi tão acirrada. Quando os gresso. Aqui, neste texto, nos interessa outro
meios de produção se resumem a um com- possível significado da confiança, que o termo
putador de capacidade mediana e uma boa segurança psicológica define melhor: a crença
conexão à internet, não é mais preciso fazer de que eu posso me colocar vulnerável diante
parte de uma grande estrutura organizacional de outra pessoa, assumir minhas imperfeições
para obter ganhos e se ver realizado. A van- e ainda assim ser aceito.
tagem competitiva das grandes corporações Segurança psicológica seria então “uma
em atrair e reter talentos está cada vez menor. crença compartilhada pelos membros de uma
É preciso oferecer mais e mais recompensas equipe de que o time é seguro para correr ris-
para que um profissional talentoso se sujeite cos interpessoais, de que ninguém será punido
à tirania de chefes, à politicagem corporativa ou humilhado por revelar suas imperfeições,
e ao calvário de estruturas burocráticas. As ca- ideias, questões, preocupações ou erros”, de
deias de valor mais fluidas e porosas oferecem acordo com a definição de Amy Edmondson,
uma autonomia e uma flexibilidade tentadoras consultora, pesquisadora e professora da Har-
demais para serem desconsideradas. vard Business School, especialista no tema.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 89


Qual a vantagem de um time pares”, diz um trecho do documento da pesqui-
ter segurança psicológica? sa. Porque, convenhamos: já está difícil operar
no atual ambiente de negócios. Imagine então
Em 2013, o Google não estava pesquisando se os membros das equipes desperdiçarem tem-
segurança psicológica quando se defrontou po e energia protegendo-se, escondendo falhas,
com o tema. O objetivo do estudo da empresa fugindo da colaboração ou evitando questiona-
que revelou o assunto era buscar as caracte- mentos e conversas difíceis. Pode ter dado certo
rísticas-chave dos times de maior sucesso. De- no passado, mas hoje o custo dessas atitudes in-
pois de dois anos de pesquisa em mais de 200 viabiliza muitos negócios.
times internos, os pesquisadores descobriram Serão menos competitivas as empresas que
algo surpreendente: o sucesso de uma equipe não aprenderem a sustentar um campo seguro
não depende de “quem” faz parte dela (ou seja, para as contribuições únicas dos membros das
das competências técnicas, do background, equipes, para colher a criatividade e a inteli-
da formação e da experiência de cada um na gência coletiva de um grupo engajado.
equipe para desempenhar a tarefa esperada).
Mais importante era “como” essa equipe opera O que compromete a
(quer dizer, como se dão as relações entre os
membros). O estudo revelou cinco traços im-
segurança psicológica?
portantes desse “como” e destacou, entre eles,
a segurança psicológica, considerada alicerce A razão mais comum que impede a segurança
para o florescimento de todas as outras. psicológica é o medo de ficar vulnerável diante
Os pesquisadores do Google descobriram do outro. Compreensível. Mesmo fora do am-
que uma equipe será mais eficaz se responder biente profissional, é raro encontrar condições
com um sonoro “sim” à seguinte pergunta: propícias para assumir uma atitude de vulne-
“Podemos correr riscos nesse time sem nos rabilidade. Em ambiente corporativo, então,
sentirmos inseguros ou constrangidos?” esse termo é quase um tabu, associado a fra-
Há muitas vantagens em operar dessa forma: queza e debilidade.
●“Equipes com segurança psicológica têm No entanto, a vulnerabilidade está no centro
maior engajamento, mais criatividade, mais de algumas das mais importantes necessidades
capacidade de resolver problemas e menor humanas, como o pertencimento. “Todos que-
índice de absenteísmo e doenças relaciona- remos ser compreendidos, pertencer. Isso está
das ao estresse”, diz Edward Deci, professor inscrito nos nossos genes. E é impossível obter
da University of Rochester e pesquisador da qualquer uma dessas conquistas sem se expor”,
motivação humana.
●“A segurança psicológica favorece a coope-
ração, a criatividade e a ousadia”, diz Amy
Edmondson, pesquisadora que é referência
no tema.
●“Indivíduos em times com mais segurança
psicológica: a) têm menos probabilidade de
deixar o emprego, b) são mais propensos a
aproveitar o poder de ideias diversas vindas
de seus colegas, c) são considerados mais
efetivos pelos líderes duas vezes mais fre-
quentemente e d) trazem mais receita para a
empresa”, diz o estudo do Google.

Que empresa não deseja e precisa disso?


“No ambiente altamente demandante e acele-
rado do Google, nosso sucesso se apoia na habi-
lidade correr riscos e ser vulnerável diante dos

90 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# S E G U R A N Ç A P S I C OLÓGICA
# R E C U R S O S H UMANOS
# D E S E N V O LVIME NTO

diz Brené Brown, pesquisadora americana que Mas uma outra atitude é possível. A segunda
se tornou uma celebridade após sua palestra forma de se mover no mundo, diz Deci, é pela mo-
no TED sobre o poder da vulnerabilidade. tivação autônoma, que por sua vez tem dois sabo-
“O oposto de pertencer, segundo as pesquisas, res. A primeira é o envolvimento prazeroso, típico
não é ser excluído”, diz Brown, “mas se encaixar, de atividades que dão satisfação imediata, como
ou seja, analisar a situação e se acomodar a ela.” brincar e praticar esportes, dançar ou montar
“O que eu deveria dizer ou fazer nesta situa- quebra-cabeças. Cada um tem suas preferências,
ção?”. “O que eu deveria evitar fazer ou dizer há quem sinta prazer genuíno em atividades que
nesta outra?”. Essas perguntas, diz Brown, outros consideram abomináveis. A outra motiva-
tão comuns em nossa maneira de agir, nos ção considerada autônoma são valores profunda-
distanciam de nós mesmos, porque orientam mente enraizados. Ou seja, quando alguém age de
nossas decisões pelos outros. “Pertencer exige certa forma porque aquilo alimenta algo que con-
pertencer antes a você mesmo. Pertencimento sidera importante. É comum esse tipo de motiva-
verdadeiro não requer que você mude quem ção no serviço religioso, no trabalho voluntário,
você é”, diz Brown. Ao contrário, para obter o em ONGs e entre servidores públicos. De novo,
benefício do pertencimento verdadeiro, aque- essas motivações são muito pessoais e variam de
le que realmente satisfaz, é preciso ser aceito pessoa para pessoa.
pelo que se é. “E isso implica vulnerabilidade.” A boa notícia, diz Deci, é que existem condições
que favorecem a motivação autônoma. Ou seja,
O que fazer então? dá para fazer com que membros de uma equipe
se movam pelo que gostam ou acreditam e que
Para Edward Deci, o sujeito que pesquisa ainda assim entreguem os resultados desejados.
motivação, há duas formas de se mover no Em nossa experiência, esse caminho passa por
mundo. A primeira é a motivação controlada, criar, praticar e sustentar novos acordos, que
quando nos movemos por alguma pressão ex- favoreçam relações baseadas em confiança. Só
terna, seja positiva, como uma recompensa, ou assim, interferindo na cultura organizacional, po-
negativa, como uma punição. Ou seja, quando de-se criar a segurança psicológica capaz de liber-
agimos de acordo com o que achamos que os tar de maneira sustentável ao longo do tempo os
outros querem de nós, tentando ao máximo potenciais individuais até hoje latentes.
evitar respostas que os outros possam achar
inadequadas – o que nos colocaria em posição
vulnerável diante do julgamento deles.
Mover-se pelo mundo dessa maneira, tão
dependente de tantas opiniões, tem deixado as
pessoas doentes, diz Deci. Ninguém consegue
sustentar esse nível de estresse por muito tem-
po e permanecer saudável.
Amy Edmondson elaborou a seguinte tabela Rodrigo Vergara e Markus Lothar Fourier são sócios-fun-
para compreendermos nossos comportamentos. dadores da RIA, empresa especializada em desenvolvimento
A última coluna foi incluída por nós, da RIA, de pessoas e equipes com base na segurança psicológica.
para mostrar o custo da atitude inadequada.

Para não parecer... Simplesmente... Mas perca...


Ignorante Não faça perguntas Aprendizado
Incompetente Não admita erros Evolução
Intrusivo Não dê ideias Criatividade
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

Negativo Não critique o status quo Inovação


Receio Autoproteção Custo

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 91


O FUTURO DA EDUCAÇÃO
A SINGULARITY UNIVERSITY DISCUTE TEMAS DO MUNDO CONTEMPORÂNEO
A PARTIR DA PERSPECTIVA DO CRESCIMENTO EXPONENCIAL. AQUI APRESENTAMOS
ESSA VISÃO APLICADA AO UNIVERSO DA EDUCAÇÃO

N
o mundo do futuro projetado cio da sociedade. Não é possível imaginar nesse
pela Singularity University (SU), mundo, portanto, crianças indo à escola – a es-
todos têm acesso à informação, a cola é que as segue para onde elas forem. Nesse
um ambiente saudável e a expe- contexto, professores e alunos estão sempre mu-
riências que podem construir inte- dando de posição.
IMAGEM: SHUTTERSTOCK

ligência, conhecimento e habilidades para todas O século 20, segundo os pesquisadores da SU,
as pessoas em todos os estágios de suas vidas, trouxe grandes progressos no sentido de melhorar
tanto para a realização pessoal como em benefí- o acesso à educação. Hoje, mais de 91% das crian-

92 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


# S I N G U L AR I T Y U N I VE RSITY
# E XP O N E NCIAL
# E D UCAÇÃO

ças do mundo têm acesso à educação básica. Mas


isso ainda deixa 57 milhões sem escola.
microaprendizado
E isso não significa que a educação oferecida
seja de qualidade. Professores e gestores mal pre- e sessões
parados, infraestrutura precária e currículos ul-
trapassados são alguns dos problemas, ao lado de interativas, além
questões estruturais resultantes da desigualdade
econômica, como má nutrição e violência. de diminuírem
A maioria das crianças que não frequenta es-
colas vive na África Subsaariana, em regiões de o estresse,
garantem a
guerra ou em zonas rurais sem acesso a transpor-
te. Outros desafios frequentes são ter deficiências
ou ser mulher em locais em que meninas têm mais
restrições do que meninos.
Em um mundo de mudança tecnológica e eco-
atenção do aluno
nômica em aceleração, as profissões rapidamente
se modificam, o que exige um aprendizado para a
por mais tempo
vida toda a fim de complementar a educação for-
mal. Além disso, teremos de ser flexíveis para con-
ciliar como atendemos nossas necessidades bási- • Conformidade x imaginação: memo-
cas enquanto encontramos estímulo e propósito rização e aprendizado analítico são as bases
em nosso trabalho e aprendizado. da educação industrial. Qual o espaço para a
Para a professora da SU Esther Wojcicki, “quan- criatividade nesse contexto?
do os alunos chegam ao fim do ensino fundamen- • Tédio x evasão escolar: se ir à escola é
tal, já perderam boa parte de sua criatividade, por- uma obrigação chata e sem emoções, os alu-
que só se preocupam com as notas. A criatividade nos não se envolvem. Diariamente, 7,2 mil
vem quando você faz algo em que realmente está alunos deixam o ensino médio, somando
envolvido, e isso não necessariamente resulta em 1,3 milhão por ano nos Estados Unidos, o que
uma nota máxima. E essa criatividade gera paixão representa 31% dos alunos que entraram. No
e interesse, o que dura para o resto da vida”. Brasil, a taxa é ainda maior: quase 40% dos
O sistema educacional se mantém o mesmo há jovens de 17 anos estão fora da escola.
décadas, inspirado nas práticas industriais, e o re-
sultado é desmotivação crescente. Na análise da Como a tecnologia pode ajudar
SU, aqui estão alguns problemas:
• Sistema de notas: no sistema tradicional, os A educação tem sido quase a mesma por mais
alunos começam com 10 e vão perdendo pontos de um século. Para muitos, esse sistema se tornou
conforme cometem erros. No mínimo, é desmo- desatualizado. Em todo o mundo, os inovadores
tivador. No máximo, não tem nada a ver com trabalham para melhorar e possivelmente trans-
o mundo adulto. A sugestão é aprender com o formar a educação para todos, incorporando novas
mundo dos games, no qual se começa do zero e formas de aprendizado e tecnologias exponenciais
se ganha pontos para o que se faz com sucesso. à educação. Esses experimentos podem se tornar
• Sistema de classes e aulas: em uma épo- bem-sucedidos e chegar a milhões de pessoas. A
ca de escassez, a saída foi colocar um professor Singularity University analisa alguns movimentos:
diante de muitos alunos, falando sobre vários
assuntos. Hoje esse sistema de palestras não Explosões de aprendizado
funciona mais. Os professores descobriram que é impactante
• Conteúdo: em que medida o conteúdo apren- incluir breves explosões de aprendizado sobre di-
dido no ensino fundamental e médio é útil na ferentes tópicos ao longo do dia. O microapren-
vida prática? Pouco do que se aprende ajuda a dizado é oferecido em breves sessões interativas,
enfrentar a vida adulta. Habilidades de comuni- garantindo que a atenção do aluno não se perca.
cação e de colaboração, por exemplo, cada vez Esse formato de microaprendizado pode reduzir
mais importantes, raramente são ensinadas. a necessidade de aprender grandes conjuntos de

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 93


realidade virtual,
informações de uma só vez, diminuindo o estresse
que tende a acompanhar esse tipo de esforço. Internet das coisas
Criatividade de volta à sala de aula e inteligência
Salas de aula focadas em STEM (Ciência, Tec-
nologia, Engenharia e Matemática) têm fun-
artificial estarão
cionado bem nas últimas décadas, mas pessoas
criativas são necessárias agora mais do que nun-
cada vez mais
ca. Educadores descobriram que a criatividade
é vital para o nosso processo de aprendizado e
presentes na
para a maneira como nos expressamos como
seres humanos. Aprender sobre as artes criati-
educação
vas está ganhando popularidade e agora está de
volta em alguns currículos. Muitas empresas co- cadas. Aulas online são facilmente acessíveis para
meçaram a dar crédito à criatividade, chegando qualquer pessoa com acesso à internet, seja por
mesmo a listá-la como uma característica dese- meio de computadores, tablets, telefones ou dispo-
jada em seus esforços de recrutamento. sitivos inteligentes. Isso abre oportunidades para o
aprendizado em plataformas de internet que ensi-
Novos métodos de ensino nam pessoas usando tutoriais em vídeo e métodos
Os líderes em educação começaram a chegar visuais de aprendizado.
às crianças por novas formas de ensino, como si-
muladores, jogos educativos e até entretenimento Tecnologias emergentes
educativo. Por exemplo, o RoomQuake coloca uma De maneira abrangente, as tecnologias emer-
sala de aula comum em uma simulação de terre- gentes na educação podem parecer voláteis, mas
moto. Os jogos educativos e os métodos de apren- a exploração e a descoberta podem fechar impor-
dizado do entretenimento educativo oferecem aos tantes lacunas no acesso e na qualidade da educa-
alunos a oportunidade de sair do livro e de parti- ção. Os principais educadores deram os primei-
cipar de uma experiência, abrindo oportunidades ros passos em direção ao ensino com a ajuda da
para momentos valiosos de ensino. Além disso, inteligência artificial (IA) e do blockchain para
essa abordagem oferece aos alunos uma ampla orientar as jornadas educacionais dos alunos.
oportunidade de desenvolver habilidades do mun- Outros inovadores educacionais se concentraram
do real, como o trabalho colaborativo e habilidades em tornar a educação mais envolvente e atraente
essenciais de gerenciamento de tarefas e tempo. por meio da realidade virtual (RV) e da realidade
aumentada (RA). E alguns líderes estão exploran-
Personalização do o uso da internet das coisas (IoT, na sigla em
Alguns especialistas em educação preveem que inglês) para oferecer comunicações mais eficien-
as salas de aula do século passado em breve darão tes aos alunos e pais em tempo real.
lugar a um aprendizado mais individualizado. Com
a liberdade de não ser limitado por dispositivo, lo- Imagine um mundo em que instrutores não
cal ou hora do dia, as pessoas podem aprender em ensinem mais fazer provas, mas recompensem
seu próprio ritmo. O aprendizado individual não os alunos por resolver problemas da vida real. Vi-
apenas proporciona uma vantagem aos alunos sualize uma realidade na qual aprendizado e edu-
mais rápidos, mas também pode colocar em evi- cação podem acontecer em qualquer lugar, com
dência mais depressa os desafios do aprendizado. qualquer pessoa, e no qual os adultos possam
Programas que atendem a desafios específicos, aprender de forma tão fluida quanto as crianças.
como TDAH e dislexia, estão fornecendo aos alu- Um currículo bem-sucedido foca o desenvolvi-
nos as ferramentas necessárias para aprenderem mento de habilidades críticas de sobrevivência,
com colegas da mesma faixa etária. como liderar pela influência, nutrindo habilida-
des como agilidade, adaptabilidade, iniciativa,
Aulas online empreendedorismo, comunicação efetiva, pensa-
Embora a educação online tenha passado por mento crítico, análise, curiosidade e imaginação.
mudanças, ela está disponível na internet há dé- Esse é o mundo vislumbrado pela SU.

94 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


/////////
PA RT I C I PA N T E S D A E DIÇÃO

©1

MAUR I C I O D E SOUSA MÔ N I C A DE S O U SA A LYS S O N MU O T R I


MSP MSP Tismoo
página 8 página 8 página 32

C A R L A T I EP P O B I L LY N AS C I ME N T O ÁUREA BAZZI
Ilumne / Educação Inédita Forebrain Albert Sabin
página 32 página 36 página 40
FOTOS: 1. LAILSON DOS SANTOS E DEMAIS ACERVO PESSOAL

C L A UD I A SI QUEI R A E L I SA B E T E ST R I N A G I S E L L E MA G N O S S Ã O
Sidarta Ri Happy Albert Sabin
página 40 página 40 página 40

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 95


/ / / / /////
PARTIC IPANTES DA ED IÇÃ O

IN ÊS C OZ Z O MO N I C A T O R Q U AT O PAT R I C I A FA G G I O N
Tai Consultoria Sodexo Novartis
página 40 página 40 página 40

LEA N D R O M AT T OS A L MI R A R A Ú J O F R A N C I S C O J A R DI M
CogniSigns Basf SP Ventures
página 52 página 58 página 58

M A R C EL O R I B AS M A R I A N A VAS C O N C E L O S J O N AT H A N L E V I
Intergado Agrosmart Stanford University
página 58 página 58 página 84

96 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


Live events 2019 Organizações citadas nesta edição
Ace 58 Embrapa 58 JD.com 20 Scardrones 58
outubro Agrosmart 58
Airbnb 58
Erlich – Pessoas &
Organizações 22
Johnson & Johnson
JP Morgan
22
56
Sicoob 56
Singularity
Algar Tech 22 ESPM 58 Kalunga 19 University (SU) 3, 92
RockinRio Academy Algar Telecom 22 Exec 22 KPMG 22 Sodexo 40
Dia 1 - Rio de Janeiro Alibaba 20, 87 Facebook 58, 80 Mapfre 22 Softys 68
Alipay 87 Faculdade de Ciências Marvel 8 Solinftec 58
Amazon 15, 58, 78 Médicas da Massey 58 SP Ventures 58
As estratégias que Apple 87 Santa Casa de SP 40 Mauricio de Stanford GSB 84
fizeram o Rock in Rio Apple 3, 15 Faculdade de Engenharia Sousa Produções 8 Stefanini 6
Apple 3 Industrial (FEI) 58 McGill University 32 Stefanini 58
evoluir de uma ideia Arpac 58 Fonterra 22 McKinsey 17 SumUp 84
Associação Paulista Forebrain 36 Microsoft 15, 22 Taobao 87
para uma das maiores de Críticos de Arte 76 Gao Feng Monsanto 58 Tata Trusts 16
plataformas de Ateliê da Luz 83 Advisory Company 87 Movile 22 Tbit 58
Bain & Company 84 General Electric 22 NASA 32 Tencent 87
experiências do mundo. Basf 58 Gira 58 Nestlé 22 Tencent 20
Bayer 58 Globo Filmes 8 Netflix 15, 81 Tesla 56
Bill & Melinda Gates Google 8, 16, 58, 78, 88 NeuroLeadership Tesla 31
Foundation 16 Grupo Algar 22 Institute 38 Texas A&M University 80
novembro Boitel São José
Bossa
58 Harvard Business
School 88
Neurolink 31
Neuromarketing
Tim 58
Tismoo 52
Nova Investimentos 71 Harvard University 46, 77 Science & Business Tmall 87
HSM Expo 2019 Cargill 22 HBO 8 Association (NMSBA) 36 Top2You 22
Cartoon Network 8 HeartMath Institute 83 Nokia 58 TPG 58
#OuseAprender Cedro Capital 58 Home Depot 82 Nortus 38 Trajeto Desenv.
Dias 4, 5 e 6 - São Paulo Climate Corporation 58 Homo Ludens Novartis 40 Empresarial 22
CNH Industrial 58 Consultoria 58 Nubank 84 TroianoBranding 8
Arianna Huffington, Coca-Cola 22 Horvath Clothing Co. 86 O Boticário 22 Uber 58
CogniSigns 40, 52 HP 19 Paramount Pictures 8 Universidade
Fareed Zakaria, Eric Colégio Albert Sabin 40 HSM 75 Paris Entretenimento 8 de São Paulo 32
Colégio Sidarta 40 Huawei 20 PBKids 40 University of Florida 80
Ries, Hugh Herr, Corall 70 IBM 3, 32 Promon Engenharia 22 University of Minnesotta 80
Charlene Li, Yuval DC Comics 8 iFood 84 PwC 58 University of Rochester 88
Din4mo 56 Inniti 68 QuintoAndar 84 Usina Cofco 58
Harari e Disney 8 Insead 21, 80 Raizen 58 Valtra 58
DogHeroe 84 Insper 8 Ri Happy 40 Western Michigan
a lista continua... Dow 22 Intergado 58 RIA 88 University 79
DPA Brasil 22 Itaú 84 RIA 88 Xiaomi 87
Dropbox 82 Ivey Business School 21 Riachuelo 22 Xmbots 58
eBay 82 Jacto 58 Samsung 58 Yahoo 82

Informações:
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hsm.com.br Adriana Salles Gomes (Qura Editora) • Alexandre Pellaes (Exboss) • Ana Carolina Cury (FBFE) •
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Almeida, Luís Andrade, Sandra Regina da Silva e Ticiana Werneck. ou pelo e-mail assina@hsm.com.br.
Revisão: Colmeia Edições
HSM Management é uma publicação bimestral da HSM do Brasil,
de ISSN 1415-8869, editada pela Qura Editora.
O conteúdo dos artigos é de responsabilidade dos autores.

EDIÇÃO 136 HSM MANAGEMENT 97


// / / / / / / /
L I F EL ONG LEARNING , BY HS M

AN GE L A M ACI E L //

SOBRE CAMINHOS
E ESCOLHAS
O QUE DÁ VIDA À NOSSA EXISTÊNCIA É O CONJUNTO DE
GRANDES E PEQUENAS DECISÕES QUE ESCOLHEMOS / ////////
Angela Maciel
TOMAR PARA CONSTRUIR A NOSSA HISTÓRIA PESSOAL é diretora de
Desenvolvimento
Minha mãe pintava telas e desenhava. Com muitos lápis e tubos de tin- da HSM.
tas de várias cores, ela ia fazendo traços até que ganhassem vida. Depois
de prontas, eu olhava admirada as imagens surgidas nas telas ou na pri-
meira página dos nossos cadernos.
Quando eu perguntava a ela como aquelas imagens aconteciam, ela dizia
que fazia escolhas. Só mais tarde eu entendi que os traços e as linhas de um
desenho ou de uma tela são como as escolhas para a nossa vida. O que dá vida
à nossa existência é o conjunto de grandes e pequenas decisões que escolhe-
mos tomar para construir nossa história pessoal.
Escolhas são um privilégio natural do ser humano. Nós sempre teremos es-
colhas a fazer diante das situações que se apresentam. Acontece que algumas
trazem consequências com as quais nem sempre queremos conviver.
O grande impasse é que toda escolha é uma perda. E isso, por si só, pode
acarretar conflitos, dúvidas, medo, indecisão.
No mundo V.U.C.A. (volátil, incerto, complexo e ambíguo, na sigla em in-
glês) em que vivemos, fazer escolhas adequadas se torna cada dia mais deter-
minante e fundamental para alcançar metas e propósitos, sejam profissionais
ou não. Assim como em um caminho desconhecido, seguir em frente, virar à
direita ou à esquerda pode nos levar a lugares indesejados.
Dada a importância central das escolhas para nossa vida, não seria óbvio que
nós tivéssemos todo cuidado com elas? Não seria importante aprimorar o pro-
cesso de escolher a fim de produzir os melhores efeitos possíveis a cada escolha?
Toda escolha pressupõe um certo grau de risco e um certo grau de incerteza.
Por isso, a emoção presente no ato de escolher é o medo. Um pouco mais ou
um pouco menos, dependendo da situação, mas sempre enfrentaremos me-
dos potenciais em qualquer escolha que fizermos.
O autoconhecimento e a ampliação da consciência são requisitos funda-
mentais para escolhas mais consistentes e, possivelmente, mais efetivas.
Aprender sobre si mesmo é tão ou mais importante do que aprender sobre
o contexto em que você atua.
Somos seres V.U.C.A. também! E precisamos compreender nossas incer-
tezas, complexidades e ambiguidades para então encontrar os caminhos que
nos levem ao propósito que fará de cada um de nós o melhor que podemos ser.
É de um autor anônimo a afirmativa: “No seu último dia na Terra, a pessoa
FOTO: DIVULGAÇÃO HSM

que você se tornou vai encontrar a pessoa que você poderia ter se tornado”.
Independentemente de quem você vai encontrar, você será o produto
de suas escolhas.

98 HSM MANAGEMENT EDIÇÃO 136


O pensador e autor do best-seller
Sapiens estará na HSM Expo’19 junto
de outros grandes nomes da atualidade.

Serão 3 dias de imersão nos


principais assuntos que transformarão
Eric Ries Arianna Huffington seu negócio: liderança, disrupção,
Criador da metodologia Fundadora do inovação, alta performance,
Lean Startup. Huffington Post. lean startups e empreendedorismo.
Conquiste seus objetivos e expanda
seus conhecimentos.

Inscreva-se
na HSM Expo’19

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Charlene Li Hugh Herr
Empreendedora e Eleito o líder da Era Biônica
influenciadora de líderes. pela Time. 11 4689.6666

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