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European Law Journal, Vol. 13, No. 4, julho de 2007, pp. 447-468.
© 2007 O autor
Compilação da revista © 2007 Blackwell Publishing Ltd, 9600 Garsington Road, Oxford, OX4 2DQ,
Reino Unido e 350 Main Street, Malden, MA 02148, EUA
Analisando e avaliando a
responsabilidade: Uma estrutura
conceitual1
Mark Bovens*
1 Uma versão anterior, muito mais longa, deste artigo foi publicada como EUROGOV paper C-06-01. Ele
se baseou, em certa medida, em um capítulo sobre responsabilidade pública publicado em E. Ferlie, L.
Lynne e
C. Pollitt (eds), The Oxford Handbook of Public Management (Oxford University Press, 2005) e um
artigo holandês que foi publicado em W. Bakker e K. Yesilkagit (eds), Publieke verantwoording (Boom,
2005). Versões anteriores foram apresentadas nas reuniões da equipe do Connex em Leiden, Belfast e
Mannheim. Agradeço a Carol Harlow, Paul 't Hart, Peter Mair, Yannis Papadopoulos, Richard Rawlings,
Helen Sullivan, Thomas Schillemans, Marianne van de Steeg e Sonja Puntscher-Riekmann por seus
valiosos comentários sobre versões anteriores deste artigo.
* Professor de Administração Pública, Utrecht School of Governance, Utrecht University, Holanda.
2 P. Schmitter, How to Democratize the European Union .... And Why Bother? (Rowman and Littlefield,
2000).
3 T. Bergman e E. Damgaard (eds), Delegation and Accountability in the European Union (Frank Cass,
2000); C. Harlow, Accountability in the European Union (Oxford University Press, 2002); D. Curtin,
Mind the Gap: The Evolving European Union Executive and the Constitution, Third Walter van Gerven
Lecture
Jornal de Direito Volume 13
Europeu
várias responsabilidades em relação ao exercício da governança europeia e determinar
se e onde existem déficits de responsabilidade?
A prestação de contas é um daqueles conceitos de ouro contra os quais ninguém
pode se opor. Ele é cada vez mais usado em discursos políticos e documentos de
políticas porque transmite uma imagem de transparência e confiabilidade. No entanto,
seu poder de evocação faz com que seja também um conceito muito elusivo, pois pode
significar muitas coisas diferentes para pessoas diferentes, como qualquer pessoa que
estuda a prestação de contas logo descobrirá.
O objetivo deste artigo é, primeiramente, desenvolver uma estrutura analítica
parcimoniosa que possa ajudar a estabelecer de forma mais sistemática se as
organizações ou os funcionários que exercem autoridade pública estão sujeitos à
prestação de contas. Trata-se basicamente de um exercício de mapeamento - por
exemplo, quais são as responsabilidades, formais e informais, de uma determinada
agência europeia? Para esse fim, precisamos estabelecer quando uma determinada
prática ou acordo se qualifica como uma forma de responsabilidade. Para dar mais
cores ao nosso mapa, também queremos ser capazes de distinguir vários tipos de
responsabilidade, mutuamente exclusivos. Em segundo lugar, e separadamente, este
artigo tem o objetivo de desenvolver uma estrutura de avaliação que possa ser usada
para avaliar esses mapas de responsabilidade de forma mais sistemática. Para esse
fim, precisamos de perspectivas que possam nos ajudar a avaliar esses arranjos de
responsabilização: os arranjos para responsabilizar a agência são adequados ou não,
suficientes ou insuficientes, eficazes ou ineficazes?
O artigo está organizado com base em três perguntas diferentes, que fornecem três
tipos de blocos de construção para a análise da responsabilidade e da governança
europeia. Primeiro, uma questão conceitual: o que exatamente significa
responsabilidade? Em seguida, uma questão analítica: que tipos de responsabilidade
estão envolvidos? A terceira pergunta é uma questão avaliativa completamente
diferente: como devemos avaliar essas relações, arranjos e regimes de
responsabilidade?
II O conceito de responsabilidade
A Da contabilidade à responsabilidade
A palavra "accountability" é de origem anglo-normanda, e não anglo-saxônica.
Histórica e semanticamente, ela está intimamente relacionada à contabilidade, em seu
sentido literal de escrituração contábil. De acordo com Dubnick,4 as raízes do conceito
contemporâneo podem ser rastreadas até o reinado de William I, nas décadas após a
conquista normanda da Inglaterra em 1066. Em 1085, William exigiu que todos os
detentores de propriedades em seu reino fizessem uma contagem do que possuíam.
Essas propriedades foram avaliadas e listadas por agentes reais nos chamados
Domesday Books. Esse censo não foi realizado apenas para fins de tributação; ele
também serviu como um meio de estabelecer as bases do governo real. Os Domesday
Books listavam o que estava no domínio do rei; além disso, os proprietários de terras
eram obrigados a fazer juramentos de fidelidade à coroa. No início do século XII, isso
havia evoluído para uma realeza administrativa altamente centralizada que era
governada por meio de auditoria centralizada e prestação de contas semestral.
Nos séculos que se seguiram ao reinado de Guilherme I da Inglaterra, a prestação de
contas foi lentamente se libertando de sua ligação etimológica com a contabilidade. Na
política contemporânea, a
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(Europe Law Publishing, 2004); W. van Gerven, The European Union: A Polity of States and People (Hart,
2005).
4 M. J. Dubnick, Seeking Salvation for Accountability, trabalho apresentado na Reunião Anual da Associação
Harlow, op. cit. nota 3 supra, pp. 14-15; Dubnick, op. cit. nota 4 supra.
8 Dubnick, op. cit. nota 4 supra.
9 R. Mulgan, Holding Power to Account: Accountability in Modern Democracies (Pelgrave, 2003).
10 Dubnick, op. cit. nota 4 supra.
11 Ibid; Mulgan, op. cit. nota 7 supra, em 555; R. D. Behn, Rethinking Democratic Accountability (Brookings
13 J. Koppell, 'Pathologies of Accountability: ICANN and the Challenge of "Multiple Accountabilities Disorder"',
(2005) 65(1) Public Administration Review 94.
14 Consulte W. B. Gallie, 'Essentially Contested Concepts', em M. Black (ed.), The Importance of Language
Studies 495, em 510, para observações semelhantes sobre o uso de "accountability" no contexto europeu.
16 C. Pollitt, The Essential Public Manager (Open University Press/McGraw-Hill, 2003), p. 89.
17 Seguindo, entre outros, P. Day e R. Klein, Accountabilities: Five Public Services (Tavistock, 1987),
Responsabilidade
Ator fórum
Figura 1.
31 Em francês, "contrôle" tem um significado muito mais restrito e reativo. Consulte A. Meijer, De doorzichtige
overheid: Parlementaire en juridische controle in het informatietijdperk (Eburon, 2002), p. 3
32 Scott, op. cit. nota 17 supra, em 39.
33 Mulgan, op. cit. nota 9 supra, p. 19.
34 P. Day e R. Klein, Accountabilities: Five Public Services (Tavistock, 1987), p. 26; A. Sinclair, 'The
Chameleon of Accountability: Forms and Discourses", (1996) 20 Accounting, Organisations and Society
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Julho
219; de op. cit. nota 11 supra, pp. 6-10.
Behn, Análise e avaliação da responsabilidade
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35 Consulte Day e Klein, op. cit. nota 17 supra; Romzek e Dubnick, op. cit. nota 17 supra; B. S. Romzek,
'Enhancing Accountability', em J. L. Perry (ed.), Handbook of Public Administration (Jossey Bass, 2ª ed.,
1996); Sinclair, op. cit. nota 34 supra, em 219-237; Behn, op. cit. nota 11 supra, p. 59; Pollitt, op. cit.
nota 16, supra, p. 93; e Mulgan, op. cit. nota 9 supra, para taxonomias semelhantes.
36 Por exemplo, pode-se pensar também em responsabilidade pessoal, na qual um funcionário é responsável
perante sua consciência pessoal. Consulte Sinclair, op. cit. nota 34 supra, em 230.
37 Strom, op. cit. nota 18 supra.
38 M. Flinders, The Politics of Accountability in the Modern State (Ashgate, 2001); Strom et al., op. cit. nota
18 supra.
39 M. Elchardus, De Dramademocratie (Tielt, 2002); Raad voor Maatschappelijke Ontwikkeling (Conselho
40 L. M. Friedman, Total Justice (Russel Sage, 1985); Behn, op. cit. nota 11 supra, pp. 56-58.
41 Harlow, op. cit. nota 3 supra, p. 18.
42 Ibid., pp. 16-18.
43 Ibid., pp. 147-159.
44 M. Power, The Audit Explosion (Demos, 1994).
45 Veja o aumento da responsabilidade administrativa na UE em Harlow, op. cit. nota 3 supra, pp. 108-143;
P. Magnette, "Between Parliamentary Control and the Rule of Law: The Political Role of the
Ombudsman in the European Union", (2003) 10(5) Journal of European Public Policy 677; B. Laffan,
"Auditing and Accountability in the European Union", (2003) 10(5) Journal of European Public Policy 762;
V. Pujas, "The European Anti-Fraud Office (OLAF): A European Policy to Fight against Economic and
53 Veja sobre a responsabilidade coletiva da Comissão van Gerven, op. cit. nota 3 supra, p. 83.
54 Day e Klein, op. cit. nota 17 supra, p. 26; Sinclair, op. cit. nota 34 supra; Behn, op. cit. nota 11 supra,
pp. 6-10.
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A distinção encontrada na literatura é entre a responsabilidade pelo procedimento ou
processo e a responsabilidade pelo produto ou conteúdo.55
E Mapeamento da responsabilidade
Ao mapear os regimes de responsabilidade, a primeira pergunta é se uma relação ou
prática social é, de fato, uma relação de responsabilidade. Esse é um exercício
dicotômico que segue a lógica do ou/ou.59 A questão principal é: os fenômenos da
minha amostra
M. F. Plattner (eds), The Self-Restraining State: Power and Accountability in New Democracies (Lynne
Rienner Publishers, 1999), pp. 29-51.
58 Th. Schillemans e M. Bovens, 'Horizontale verantwoording bij zelfstandige bestuursorganen', em
S. van Thiel (ed.), Governance van uitvoeringsorganisaties: Nieuwe vraagstukken van sturing in het publieke
domein (Kadaster, 2004).
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G. Sartori, 'Concept Misformation in Comparative Politics', (1970) LXIV(4) American Political Science
Europeu
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Review 1039.
• Responsabilidade política
• Responsabilidade legal
• Responsabilidade administrativa
• Responsabilidade profissional
• Responsabilidade social
• Responsabilidade corporativa
• Responsabilidade hierárquica
• Responsabilidade coletiva
• Responsabilidade individual
• Responsabilidade financeira
• Responsabilidade processual
• Responsabilidade pelo produto
• Responsabilidade vertical
• Responsabilidade diagonal
• Responsabilidade horizontal
IV Avaliando a responsabilidade
2000); Harlow, op. cit. nota 3 supra; Fisher, op. cit. nota 15 supra.
64 F. Anechiarico e J. B. Jacobs, The Pursuit of Absolute Integrity: How Corruption Control Makes
Government Ineffective (University of Chicago Press, 1996); M. Power, The Audit Society: Rituals of
Verification (Oxford University Press, 1997); Behn, op. cit. nota 11 supra, p. 30; A. Halachmi, 'Perfor-
mance Measurement: A Look at Some Possible Dysfunctions", (2002) 51(5) Work Study 230.
65 Autores como Van Twist, Behn, Halachmi e Mulgan (M. van Twist, 'Versterking van de verant-
woording: Redenen, risico's en dilemma's", (1999) 4 Bestuurswetenschappen 285; Behn, op. cit. nota 11
supra; A. Halachmi, "Performance Measurement, Accountability, and Improved Performance", (2002)
25(4) Public Performance and Management Review 370; Mulgan, op. cit. nota 9 supra) oferecem
discussões sobre muitos dilemas. (2002) 25(4) Public Performance Management Review 370; Mulgan,
op. cit., nota 9 supra) oferecem discussões sobre os muitos dilemas e problemas de design na estrutura
dos arranjos de responsabilização, mas as questões normativas subjacentes - qual é o objetivo da
responsabilização pública em um estado democrático constitucional e quais são os princípios de avaliação
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para
2007os arranjos de responsabilização decorrentes disso?
66 P. Aucoin e R. Heintzman, "The Dialectics of Accountability for Performance in Public Management
Reform", (2000) 66 International Review of Administrative Sciences 45.
67 March e Olsen, op. cit. nota 22 supra, pp. 141-181; Mulgan, op. cit. nota 9 supra.
68 Strom, 'Delegation and Accountability in Parliamentary Democracies', op. cit. nota 18 supra; Strom,
'Parliamentary Democracy and Delegation', op. cit. nota 18 supra; Lupia, op. cit. nota 30 supra, pp. 33-54.
69 A. Przeworski, S. C. Stokes e B. Manin (eds), Democracy, Accountability, and Representation
73 K. W. Deutsch, The Nerves of Government (Free Press, 1963); D. Easton, A Systems Analysis of Political Life
(Wiley, 1965); N. Luhmann, Theorie der Verwaltungswissenschaft: Bestandsaufnahme und Entwurf (Köln-
Berlin, 1966).
74 C. E. Lindblom, The Intelligence of Democracy (Free Press, 1965).
75 M. Elchardus e W. Smits, Anatomie en oorzaak van het wantrouwen (VUB press, 2002); R. J. Dalton,
Ideia central
A prestação de contas controla e legitima as ações do governo, vinculando-as
efetivamente à "cadeia democrática de delegação".
Critério de avaliação central
O grau em que um arranjo ou regime de prestação de contas permite que órgãos
democraticamente legitimados monitorem e avaliem o comportamento do
executivo e induzam os atores executivos a modificar esse comportamento de
acordo com suas preferências.
Ideia central
A prestação de contas é essencial para resistir à tendência sempre presente de
concentração de poder e abuso de poder no poder executivo.
Critério de avaliação central
O grau em que um acordo de prestação de contas restringe o abuso do poder e dos
privilégios do executivo.
Ideia central
A prestação de contas oferece aos titulares de cargos públicos e aos órgãos
incentivos baseados em feedback para aumentar sua eficácia e eficiência.
Critério de avaliação central
O grau em que um acordo de prestação de contas estimula os executivos e
órgãos públicos a se concentrarem consistentemente na obtenção de resultados
sociais desejáveis.
80 D. Curtin, 'Delegation to European Union Non-Majoritarian Agencies and Emerging Practices of Public
Accountability', em D. Gerardin, R. Munoz e N. Petit (eds), Regulation Through Agencies in the
European Union: A New Paradigm of European Governance (Edward Elgar, 2006), pp. 88-119.
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Jornal de Direito Volume 13
A. Bickel, The Least Dangerous Branch: The Supreme Court at the Bar of Politics (Bobbs-Merrill, 1962).
Europeu
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