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A GUERRA DO PELOPONESO
A OPÇÃO PELA GUERRA

Donald Kagan
Tradução de João Carreiro

ESPARTA OPTA PELA GUERRA

A promessa dos éforos espartanos aos potideus de invadir a Ática era secreta, não
endossada pela assembleia espartana, e Esparta não a cumpriu quando os potideus
lançaram sua rebelião na primavera de 432 a.C. Nem seu rei nem a maioria de seus
compatriotas estavam preparados para ir à guerra, mas uma facção influente estava
ansiosa para fazê-los mudar de ideia.
A força ateniense enviada para evitar um levante na Potideia foi insuficiente e
chegou tarde demais para ser de muito valor. Os coríntios não ousaram enviar uma
expedição oficial para socorrer os rebeldes, o que teria sido uma violação formal do
tratado. Em vez disso, eles organizaram um corpo de “voluntários” comandado por um
general coríntio, que liderou uma força de mercenários coríntios e peloponésios. Os
atenienses, nesse meio tempo, selaram a paz com a Macedônia a fim de liberar suas forças
que lutavam ali para serem usadas contra a Potideia e também enviaram reforços
adicionais vindos de Atenas. No verão de 432 a.C., uma grande força de homens e navios
sitiou a cidade, iniciando um cerco que duraria mais de dois anos e custaria uma grande
quantia de dinheiro.
Com a Potideia sitiada e os megáricos protestando amargamente contra o embargo
ateniense, os coríntios não eram mais os únicos a ter um caso contra Atenas1. Em vista
disso, eles encorajaram todos os estados que tinham alguma queixa a pressionar os
espartanos. Finalmente, em julho de 432 a.C., os éforos convocaram uma reunião da
assembleia espartana, convidando qualquer estado aliado com uma reclamação contra
Atenas a vir a Esparta e se pronunciar. Esta foi a única ocasião conhecida em que aliados

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A ilha de Egina, forçada a entrar na Liga de Delos durante a Primeira Guerra do Peloponeso, secretamente
juntou-se aos coríntios para queixar-se dos maus-tratos sofridos nas mãos de Atenas e para despertar o
ressentimento dos outros peloponésios (Livro I, capítulo 67), mas o fundamento preciso de sua reclamação
não é claro.
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foram convidados a se dirigir à assembleia espartana, em vez de uma reunião da Liga do


Peloponeso. O recurso a esse procedimento incomum mostra como os espartanos ainda
estavam relutantes em lutar no verão de 432 a.C.
Enquanto os megáricos foram os participantes mais furiosos, os coríntios
provaram ser os mais eficazes. Eles tentaram persuadir os espartanos de que sua política
tradicional de prudência e relutância em lutar era desastrosa em face do poder dinâmico
de Atenas, e enfatizaram seu argumento traçando uma nítida distinção entre as
personalidades dos dois povos.

Eles são ávidos de inovações e rápidos para fazer planos e executar suas decisões,
enquanto vos dedicais meramente a guardar o que já tendes, sem imaginar nada de novo
e, quando ainda optais pela ação, sois incapazes de levar à finalização sequer o
indispensável. Mais ainda: eles são ousados muito além de suas forças, aventurosos muito
além de sua capacidade de reflexão, confiantes em face dos perigos; quanto a vós, fazeis
menos do que vos garante a vossa força, desconfiais até daquilo que em vossa própria
opinião é seguro, e quando os perigos se apresentam desesperais de livrar-vos deles. [...]
Com efeito, somente para eles esperar e conseguir são a mesma coisa quando concebem
um plano, porque num instante empreendem qualquer ação pela qual se decidem. Por isso
eles se extenuam em dificuldades e perigos durante toda a sua vida [...] e consideram a
paz ociosa uma calamidade muito maior que a atividade incessante. [...] eles não nasceram
para ter paz nem para deixar que os outros a tenham (Livro I, capítulo 70)

Por mais eficaz que seja como polêmica, ambos os lados da comparação foram
exagerados. Os espartanos nunca poderiam ter criado sua própria grande aliança e aquela
que levou os gregos à vitória sobre os persas se eles tivessem sido tão preguiçosos como
estavam agora sendo retratados. Da mesma forma, Atenas agiu de acordo com a letra e o
espírito da Paz dos Trinta Anos, como os próprios coríntios reconheceram implicitamente
quando contiveram seus aliados na época da rebelião de Samos. O comportamento
preocupante de Atenas no ano anterior foi claramente uma reação às ações recentes
iniciadas por Corinto – ações sobre as quais os coríntios falaram o menos possível.
Os coríntios concluíram seu discurso com uma ameaça: os espartanos deveriam
socorrer a Potideia e seus demais aliados e invadir a Ática, “de modo a não trair vossos
amigos e irmãos de raça diante de seus piores inimigos e a não nos levar, em desespero
de causa, a procurar alguma outra aliança” (Livro I, capítulo 71). A ameaça era vazia –
não havia nenhuma outra aliança à qual eles pudessem recorrer –, mas porque a segurança
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de Esparta e seu modo de vida dependiam da integridade de sua aliança, até mesmo a
simples sugestão de deserções era alarmante.
O orador seguinte foi um membro de uma embaixada ateniense que, segundo
Tucídides, “por acaso estava presente para tratar de outros assuntos” (Livro I, capítulo
72). Não nos é dito o que esses “assuntos” poderiam ser, e parece claro que era apenas
um pretexto para permitir que os atenienses apresentassem suas opiniões. Péricles e os
atenienses não queriam enviar um porta-voz oficial a uma assembleia espartana para
responder às queixas, um gesto que teria concedido a Esparta o direito de julgar o
comportamento ateniense, em vez de obrigá-la a submeter as divergências à arbitragem,
conforme exigia o tratado. Eles queriam, no entanto, impedir que Esparta cedesse aos
argumentos de seus aliados, argumentar que Atenas havia conquistado seu poder de forma
justa e demonstrar que esse poder era formidável. O embaixador atribuiu o crescimento
do Império Ateniense a uma série de necessidades impostas pelas demandas de medo,
honra e um autointeresse razoável – questões que os espartanos deveriam entender muito
bem. Seu tom não foi conciliador, mas pragmático, e sua conclusão insistiu que as partes
cumprissem o exato teor do tratado: a submissão de todas as disputas à arbitragem. Em
caso de recusa dos espartanos, contudo, “nos esforçaremos por tomar represálias contra
os que começarem a guerra, seguindo o caminho aberto por vós.” (Livro I, capítulo 78).
Esse discurso foi deliberadamente provocativo, com a intenção de antagonizar os
espartanos para que violassem seus juramentos e começassem a guerra? Tal visão
pressupõe que as únicas maneiras de buscar a paz são por meio de tentativas de apaziguar
a raiva, explicar as diferenças caridosamente e fazer concessões. Às vezes, porém, a
melhor maneira de prevenir a guerra é por meio da dissuasão, transmitindo uma
mensagem de força, confiança e determinação. Essa tática pode ser especialmente eficaz
quando deixa ao outro lado uma saída honrosa, como a cláusula de arbitragem fornecia
aos espartanos. A melhor testemunha contemporânea, em todo caso, nos diz que a guerra
ainda não era o objetivo dos atenienses: “Eles desejavam mostrar a grandeza do poder de
sua própria cidade, recordando aos mais idosos o que eles já sabiam e dizendo aos mais
jovens coisas ignoradas por eles, pois acreditavam que, sob a influência de seus
argumentos, os lacedemônios se decidiriam pela paz, e não pela guerra” (Livro I, cap.72).
A estratégia dos atenienses parecia especialmente razoável, dado que os reis de
Esparta eram tradicionalmente influentes nas decisões de guerra e paz; em 432 a.C., o
único rei espartano ativo era Arquídamos, amigo pessoal de Péricles, “um homem com
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reputação de sagaz e prudente” (Livro I, capítulo 79), que logo demonstraria sua oposição
ao conflito armado.
Depois que o estrangeiro falou, os espartanos se retiraram para deliberar entre si.
Embora a assembleia estivesse hostil e confiante de que Atenas poderia ser derrotada
facilmente em uma guerra breve, o rei Arquídamos argumentou o contrário. O poder de
Atenas, ele insistiu, era maior do que o que Esparta estava acostumado a enfrentar, e de
um tipo diferente. Uma cidade murada, com recursos financeiros substanciais, um
império naval e o domínio do mar poderia travar uma guerra tal como os espartanos nunca
haviam lutado. Arquídamos temia, disse-lhes, “que leguemos esta guerra aos nossos
filhos” (Livro I, capítulo 81).
O clima da assembleia era tão contencioso, entretanto, que Arquídamos não podia
simplesmente recomendar que se aceitasse a oferta ateniense, então ele propôs uma
alternativa moderada: os espartanos deveriam se limitar a registrar uma reclamação
oficial; ao mesmo tempo, eles deveriam se preparar para o tipo de guerra que realmente
teriam de enfrentar caso a discussão fracassasse, procurando navios entre os bárbaros
(principalmente os persas) e os outros gregos. Se os atenienses cedessem, nenhuma ação
precisaria ser tomada. Do contrário, haveria bastante tempo para lutar quando os
espartanos estivessem mais bem preparados, em dois ou três anos.
O plano do rei foi, não surpreendentemente, indesejável para os coríntios, as
outras partes reclamantes e aqueles em Esparta que estavam ávidos pela guerra. Qualquer
chance de salvar a Potideia, eles acreditavam, demandava uma ação rápida. Os coríntios,
em particular, não queriam um acordo, mas sim uma carta branca para esmagar a Córcira
de uma vez por todas; eles também queriam vingança contra os atenienses e, de fato, a
destruição do Império Ateniense, posição com a qual os defensores da guerra em Esparta
concordavam. Tomados em conjunto com um relato seletivo da história dos últimos
cinquenta anos, os casos da Córcira, Potideia e Mégara pareciam confirmar para a maioria
dos espartanos a imagem pintada pelos coríntios da arrogância dos atenienses e do perigo
apresentado por seu poder crescente.
A resposta curta e contundente do belicoso éfora Stenelaídas foi típica:

Não entendo os longos discursos dos atenienses, pois embora elogiando-se muito eles em
parte alguma negam estar maltratando nossos aliados e o Peloponeso. [...] Outros, com
efeito, podem ter dinheiro em abundância e naus e cavalos, mas temos aliados valentes,
que não devem ser entregues aos atenienses; não devemos procurar reparação através de
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processos e palavras se não é com palavras que os aliados estão sendo maltratados;
devemos vingá-los prontamente e com toda a nossa força. E ninguém venha dizer-nos
que convém deliberar se nos injuriam; ao contrário, convém mais àqueles que pretendem
maltratar-nos deliberar demoradamente. Votai, portanto, pela guerra, lacedemônios,
como convém à dignidade de Esparta, e não permitais que Atenas se torne maior; não
traiamos nossos aliados, mas com o favor dos deuses marchemos contra os culpados.
(Livro I, capítulo 86)

Alegando não saber qual lado do debate estava fazendo a aclamação mais forte,
mas “querendo levar a assembleia a motivar-se mais para a guerra por uma demonstração
inequívoca de seus sentimentos”, o éfora convocou uma votação. Quando a contagem foi
realizada, uma grande maioria votou que os atenienses haviam quebrado a paz; tratava-
se, na verdade, de um voto a favor da guerra.
Por que os espartanos decidiram empreender o que poderia ser um conflito longo
e difícil contra um oponente particularmente poderoso, quando não enfrentavam nenhuma
ameaça imediata, não obteriam nenhum benefício tangível e não foram provocados por
nenhum dano direto a si mesmos? O que havia enfraquecido a maioria espartana
normalmente conservadora a favor da paz, liderada pelo prudente e respeitado rei
Arquídamos? Tucídides acreditava que os espartanos votaram pela luta, não porque foram
persuadidos pelos argumentos de seus aliados, mas “por temor dos atenienses, para evitar
que eles se tornassem excessivamente poderosos, pois viam que a maior parte da Hélade
já estava em suas mãos” (Livro I, capítulo 88). Sua explicação geral para a origem da
guerra foi esta: “A explicação mais verídica, apesar de menos frequentemente alegada, é,
em minha opinião, que os atenienses estavam tornando-se muito poderosos, e isto
inquietava os lacedemônios, compelindo-os a recorrerem à guerra” (Livro I, capítulo 23).
O fato é, entretanto, que o poder de Atenas não havia crescido durante os doze
anos entre o acordo de paz e a batalha de Sibota, nem a política externa ateniense havia
sido agressiva, como até mesmo os Coríntios reconheceram ainda em 440 a.C. O único
aumento no poder ateniense tinha surgido como resultado de sua aliança com a Córcira
em 433 a.C., feita em resposta a uma iniciativa coríntia tomada contra o conselho
espartano, e a evidência era clara de que, nesse caso, os atenienses haviam agido de forma
relutante e defensiva, buscando apenas impedir os coríntios de causar uma grande
mudança no equilíbrio de poder.
Mas pessoas em situação de crise também são movidas pelo medo de ameaças
futuras. Assim foi com os espartanos, que ficaram alarmados quando lhes pareceu que “o
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poder dos atenienses tomara um impulso manifesto, e estes já o estavam usando contra
os próprios aliados dos lacedemônios, que a essa altura dos acontecimentos não puderam
mais permanecer passivos e se decidiram a enfrentar Atenas com todo o empenho e
sobrepujá-la, se pudessem, declarando-lhe guerra” (Livro I, capítulo 118). Todas as três
versões da explicação de Tucídides justificam sua análise dos motivos fundamentais que
governavam as relações entre os estados: medo, honra e interesse. O mais profundo
autointeresse dos espartanos exigia que eles mantivessem a integridade da Liga do
Peloponeso e sua própria liderança. A preocupação deles era que a força e influência
crescentes dos atenienses lhes permitiriam continuar a irritar os aliados de Esparta, a
ponto de esses aliados abandonarem a Liga do Peloponeso para se defender, dissolvendo
assim a liga e a hegemonia de Esparta. A honra dos espartanos, sua concepção de si
mesmos, dependia não apenas do reconhecimento dessa liderança, mas também da
manutenção de sua política peculiar, cuja segurança, por sua vez, dependia dos mesmos
fatores. Os espartanos estavam, portanto, dispostos a se expor aos grandes perigos de uma
guerra para preservar uma aliança que haviam criado precisamente para salvá-los do
perigo. Fazer isso significava servir aos interesses de seus aliados, mesmo que esses
interesses ameaçassem sua própria segurança. Não foi a última vez na história que o líder
de uma aliança se viu liderado por aliados menores para seguir políticas que não teria
escolhido por conta própria.
Após a decisão da assembleia, os éforos convocaram uma reunião da Liga do
Peloponeso para uma votação formal sobre o assunto da guerra. Os aliados não se
reuniram até agosto e nem todos compareceram à reunião; presumivelmente aqueles que
permaneceram em casa desaprovaram seu propósito. Dos que compareceram, a maioria
(embora não uma grande maioria, como relata Tucídides na assembleia puramente
espartana) votou pela guerra. Nem todos os aliados, portanto, concluíram que a guerra era
inevitável; nem todos eles acreditaram que era justo; nem todos consideraram o
empreendimento fácil ou de certo sucesso; nem todos achavam que era necessário.
Os espartanos e seus aliados poderiam ter lançado uma invasão de uma vez e
redimido sua promessa aos potideus com apenas alguns meses de atraso. Os preparativos
para tal invasão eram simples e não teriam exigido mais do que algumas semanas, e
setembro e outubro teriam proporcionado um clima favorável para uma batalha ou para a
destruição de propriedades se os atenienses se recusassem a lutar. Embora a safra de grãos
ateniense já tivesse sido colhida há muito tempo, ainda havia tempo para infligir danos
significativos às videiras e oliveiras e às fazendas fora dos muros da cidade. Se os
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atenienses estivessem ávidos por um combate, como os espartanos esperavam, uma


invasão em setembro lhes daria muito incentivo.
Mas os espartanos e seus aliados não realizaram nenhuma ação militar por quase
um ano. Nesse ínterim, os espartanos enviaram três missões a Atenas, das quais pelo
menos uma parece ter sido um esforço sincero para evitar a guerra. A longa demora antes
do início das hostilidades e a tentativa contínua de negociação sugerem que, depois que
a emoção do debate passara, os argumentos cautelosos e sóbrios de Arquídamos entraram
em vigor e restauraram o clima em Esparta ao seu conservadorismo usual. Talvez a guerra
ainda pudesse ser evitada.

A DECISÃO ATENIENSE PELA GUERRA

A primeira missão espartana a Atenas, provavelmente no final de agosto, exigia


que os atenienses “expulsassem a maldição da deusa”, referindo-se a um ato de sacrilégio
cometido dois séculos antes por um membro da família da mãe de Péricles, ao qual
Péricles era amplamente associado. Os espartanos esperavam que através desse incidente
ele fosse culpado pelos problemas de Atenas e desacreditado, porque, “sendo o homem
mais poderoso de seu tempo e chefe político da cidade, ele se opunha aos lacedemônios
em tudo e não permitiria aos atenienses fazer concessões, pois os exortava sempre a entrar
em guerra” (Livro I, capítulo 127). De fato, Péricles sempre se opôs a concessões sem
arbitragem; uma vez que os espartanos e seus aliados votaram a favor da guerra, ele
rejeitou as negociações adicionais como meramente uma manobra tática destinada a
enfraquecer a convicção ateniense.
Péricles elaborou uma resposta ateniense que demandava, por sua vez, que os
espartanos expiassem não uma, mas duas violações religiosas de longa data, expulsando
as partes responsáveis. O primeiro sacrilégio envolvia o assassinato de hilotas que se
refugiaram em um templo e chamou a atenção para o fato de que os espartanos, que
travariam a guerra sob o lema “liberdade para os gregos”, governavam despoticamente
sobre um vasto número de gregos em sua própria terra. O segundo relembrava os feitos
de um rei espartano que tiranizou seus companheiros gregos antes de traí-los, passando
para o lado dos persas.
Os espartanos mandaram outros enviados fazendo várias exigências, mas, por fim,
ativeram-se a uma: “Eles declararam em termos precisos que somente poderiam evitar a
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guerra se os atenienses revogassem o decreto referente aos megáricos” (Livro I, capítulo


139). Este recuo de sua posição anterior indica claramente uma mudança no clima político
de Esparta desde o voto a favor da guerra. Plutarco diz que Arquídamos “tentou resolver
pacificamente as queixas dos aliados para amenizar sua raiva” (Péricles 29.5), mas nem
o rei nem seus oponentes estavam firmemente no comando. Arquídamos, aparentemente,
era forte o suficiente para forçar a continuação das negociações, mas seus oponentes
poderiam continuar a exigir concessões sem arbitragem. A proposta conciliatória,
portanto, ainda rejeitava a arbitragem, mas reduzia as demandas a apenas uma.
Essa concessão representou uma traição aos interesses coríntios e, ao apoiar os
megáricos sem se submeter à arbitragem, os espartanos demonstraram seu poder e
confiabilidade como líderes da aliança, isolando assim Corinto. Se os coríntios
ameaçassem a secessão nessas circunstâncias, Arquídamos e a maioria dos espartanos
estavam preparados para deixá-los tentar. Os espartanos haviam feito um sério esforço,
com algum risco para eles mesmos, para evitar a guerra; a decisão agora cabia a Atenas.
A oferta dos espartanos convenceu muitos atenienses, que questionaram a
sabedoria de a cidade ir à guerra simplesmente por causa do decreto megárico, que era,
afinal, originalmente uma mera manobra tática e pela qual, em si, certamente não valia a
pena lutar. Péricles permaneceu firme, porém, insistindo na arbitragem exigida pelo
tratado, mas não podia ignorar a pressão por uma resposta. Esta veio na forma de um
decreto formal de acusações oficiais que aparentemente provocaram o embargo, que foi
enviado a Mégara e a Esparta como uma defesa da ação ateniense. “Esse decreto foi
proposto por Péricles e continha uma justificativa razoável e humana dessa política”, diz
Plutarco (Péricles 30.3). Péricles explicou sua recusa em rescindir o embargo referindo-
se a uma obscura lei ateniense que o proibia de derrubar a tábua na qual o decreto estava
inscrito. Os espartanos responderam: “Então não a derrube, vire-a de costas, pois não há
lei contra isso” (Péricles 30.1-3), mas Péricles manteve-se firme e conservou a maioria
com ele.
Por fim, os espartanos enviaram um ultimato: “Os lacedemônios desejam paz e
ela será possível se concederdes independência aos helenos” (Livro I, capítulo 139). Isso
equivalia a uma demanda pela dissolução do Império Ateniense, e Péricles teria preferido
que o argumento da assembleia ateniense se concentrasse nessa exigência obviamente
inaceitável, mas seus oponentes foram capazes de definir os termos do debate. Os
atenienses “resolveram que somente após apreciarem o assunto sob todos os aspectos
responderiam aos lacedemônios”. Muitos falaram, uns argumentando que era necessário
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ir à guerra, outros que “o decreto não deveria ser um obstáculo no caminho da paz, e teria
de ser revogado” (Livro I, capítulo 139).
A defesa de Péricles de sua política, que se apoiava publicamente no que poderia
parecer uma tecnicalidade jurídica, na verdade tinha uma justificativa muito mais
fundamental. Os espartanos recusaram-se sistematicamente a submeter-se à arbitragem,
conforme exigia o tratado, e, em vez disso, procuraram impor o seu ponto de vista por
meio de ameaças ou força. “Para resolver os litígios eles preferem a guerra à paz, e agora
estão aqui para fazer exigências e não mais para apresentar queixas. [...] Só uma recusa
firme de vossa parte fá-los-á entender claramente que deverão tratar convosco em termos
de igualdade” (Livro I, capítulo 140). Péricles estava preparado para ceder em qualquer
ponto específico; se os espartanos tivessem se submetido à arbitragem, ele teria sido
compelido a aceitar a decisão. O que ele não podia tolerar, entretanto, era a interferência
direta espartana no Império Ateniense em Potideia e Egina ou na política comercial e
imperial ateniense representada pelo decreto megárico. Essa concessão efetivamente
garantiria que a hegemonia ateniense no Egeu e o controle de seu próprio império
exigissem a permissão espartana. Se os atenienses cedessem ao serem ameaçados agora,
eles abandonariam sua reivindicação de igualdade e se deixariam sujeitos a futuras
chantagens. Péricles articulou cuidadosamente esse perigo em seu discurso à assembleia:

Nenhum de vós, porém, deve pensar que iremos entrar na guerra por motivos banais se
nos recusar-nos a revogar o decreto megárico – assunto sobre o qual eles mais insistem,
dizendo que não haverá guerra se o revogarmos – nem abrigar depois no espírito a ideia
recôndita de que estaremos em guerra por quase nada; esse “quase nada” representa para
nós a afirmação e prova de nossas convicções políticas. Se transigirdes neste ponto,
imediatamente recebereis ordens deles para ceder em outro mais importante, pois
pensarão que concordastes por medo. (Livro I, capítulo 140)

Para muitos espartanos, e também para alguns atenienses, deve ter sido difícil
entender por que esse simples decreto merecia um combate militar. Atenas estava
justificada em sua posição? As queixas em questão eram realmente importantes apenas
porque se relacionavam com a disputa entre os dois lados; a única demanda inegociável
de Esparta não continha nada de importância material ou estratégica. Se os atenienses
tivessem retirado o decreto megárico, a crise provavelmente teria sido evitada e,
subsequentemente, várias circunstâncias poderiam ter encorajado a continuação da paz.
A traição de Corinto por Esparta certamente teria levado à frieza entre os dois estados e,
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possivelmente, até mesmo a uma desavença séria o suficiente para distrair os espartanos
do conflito com Atenas. Outros problemas também poderiam ter surgido no Peloponeso,
como já acontecera no passado. Quanto mais tempo a paz pudesse ser mantida, maior era
a chance de que todos se reconciliassem no status quo.
Por outro lado, uma facção em Esparta, datando de pelo menos meio século,
permaneceu com inveja e desconfiança dos atenienses e implacavelmente hostil ao seu
império. Uma concessão ateniense poderia ter acalmado os temores da maioria dos
espartanos por um tempo, mas os inimigos de Atenas sempre seriam uma força disruptiva.
A rendição em 431 a.C. pode apenas ter encorajado uma maior intransigência espartana
e tornado a guerra no futuro ainda mais provável.
Tais considerações estavam em primeiro lugar na mente de Péricles, mas sua
decisão também se baseou na estratégia que ele formulou para lutar na guerra. Estratégia
não é apenas uma questão de planos militares, como podem ser as táticas. Povos e líderes
voltam-se para a guerra a fim de alcançar seus objetivos quando outros meios falharam,
e formulam uma estratégia que acreditam ser capaz de alcança-los por meio da força das
armas. Antes da eclosão da guerra, no entanto, estratégias diferentes podem ter efeitos
diversos nas próprias decisões que trazem ou evitam a guerra. Na crise de 432-1 a.C.,
Esparta e Atenas escolheram estratégias que inadvertidamente ajudaram a fomentar a
guerra.
O padrão usual de guerra entre os estados gregos consistia em uma falange
marchar em direção ao território inimigo, onde seria confrontada pela falange do seu
oponente. Os dois exércitos entrariam em choque e, no espaço de um único dia, a questão
que precipitou o conflito seria decidida. Uma vez que as forças de Esparta superariam em
muito as dos atenienses, os espartanos tinham todos os motivos para ter confiança, caso
os atenienses os enfrentassem da maneira típica; e a maioria dos espartanos não tinha
dúvida de que eles fariam isso. Se escolhessem um curso de ação diferente, os espartanos
tinham certeza de que um ano, ou dois, ou três, devastando o território ateniense traria a
batalha decisiva que buscavam ou a rendição ateniense. No início da guerra, os
espartanos, assim como o restante dos gregos, estavam convencidos de que essa simples
estratégia ofensiva garantia uma vitória rápida e segura. Se eles tivessem acreditado que
precisariam travar uma guerra longa, difícil, custosa e de resultado incerto, como os
atenienses e Arquídamos tentaram persuadi-los que seria o caso, eles poderiam ter agido
de forma diferente.
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Péricles, no entanto, concebeu uma nova estratégia possibilitada pelo caráter único
e pela extensão do poder de Atenas. Sua marinha permitiu que os atenienses governassem
um império que lhes proporcionava uma renda com a qual podiam manter sua supremacia
no mar e obter todos os bens de que precisassem por meio do comércio ou da compra.
Embora as terras e plantações da Ática fossem vulneráveis a ataques, Péricles
praticamente transformou Atenas em uma ilha ao construir as Longas Muralhas que
conectavam a cidade com seu porto e base naval no Pireu. No estado atual da guerra de
cerco grega, essas paredes eram invulneráveis quando defendidas, de modo que se os
atenienses decidissem retirar-se, eles poderiam permanecer lá com segurança, e os
espartanos não poderiam alcançá-los nem derrotá-los.
A estratégia de Péricles, que Atenas empregou enquanto ele estava vivo, era
fundamentalmente defensiva, embora contivesse alguns elementos ofensivos limitados.
Ele acreditava que “se os atenienses ficassem quietos, cuidassem de sua frota, se
abstivessem de tentar estender seu império em tempo de guerra e, assim, colocar sua
cidade em perigo, eles prevaleceriam” (Livro 2, capítulo 66). Eles deveriam, portanto,
rejeitar a batalha terrestre, abandonar o campo e recuar para trás de suas muralhas,
enquanto os espartanos devastavam seus campos sem sucesso. Enquanto isso, a marinha
ateniense lançaria uma série de ataques na costa do Peloponeso, não com o objetivo de
causar danos graves, mas apenas irritar e importunar o inimigo e dar a ele uma amostra
de quanto dano os atenienses poderiam causar, se quisessem. A intenção era demonstrar
aos espartanos e seus aliados que eles eram incapazes de derrotar Atenas e exauri-los
psicologicamente, não fisicamente ou materialmente. As divisões naturais dentro da
frouxa organização da Liga do Peloponeso, como a que existe entre os estados costeiros,
mais vulneráveis, e os estados do interior, mais seguros, se imporiam em disputas
dispendiosas. Logo ficaria óbvio que os peloponésios não poderiam vencer e uma paz
seria negociada. Totalmente desacreditada, a facção espartana a favor da guerra perderia
o poder para as partes razoáveis que mantiveram a paz desde 446-5 a.C. Atenas poderia
então esperar uma era de paz mais firmemente baseada na consciência do inimigo de sua
incapacidade de obter uma vitória.
Este plano era muito mais adequado para Atenas do que o tradicional confronto
entre falanges de infantaria, mas continha sérias falhas e a confiança nele ajudou a causar
o fracasso da estratégia diplomática de dissuasão de Péricles. Sua primeira fraqueza era
sua fundamental falta de credibilidade. Os eventos mostrariam que Péricles foi realmente
capaz de persuadir os atenienses a adotar seu esquema e mantê-lo enquanto fosse seu
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líder, mas poucos espartanos, e na verdade poucos gregos, acreditariam que era viável até
que o vissem colocado em prática. Os atenienses teriam, por exemplo, que tolerar os
insultos e acusações de covardia que o inimigo lançaria contra eles de baixo de suas
muralhas. Isso representaria uma violação de toda a experiência cultural grega, a tradição
heroica que colocava a bravura na guerra no auge das virtudes gregas. Além disso, a
maioria dos atenienses vivia no campo e teria que assistir passivamente, sob a proteção
das muralhas da cidade, enquanto o inimigo destruía suas plantações, danificava suas
árvores e vinhas, saqueava e queimava suas casas. Nenhum grego que tinha alguma
chance de resistir estava disposto a fazê-lo, e pouco mais de uma década antes, os
atenienses tinham saído para lutar em vez de permitir tal devastação.
Uma segunda fraqueza no plano de Péricles era que seria difícil persuadir os
atenienses a irem à guerra com tal estratégia e ainda mais difícil mantê-los comprometidos
com ela uma vez que a guerra começasse. Quando os espartanos invadiram, os atenienses
“deixaram relutantemente as casas e os templos aos quais estavam ligados por uma longa
posse e, ao renunciarem à sua maneira de viver, era como se cada um deles se despedisse
de sua cidade” (Livro II, capítulo 16). Quando os invasores se aproximaram da cidade,
muitos atenienses, principalmente os mais jovens, insistiram em sair para lutar e se
voltaram furiosos contra Péricles, “porque, sendo o comandante, ele se recusava a
combater, em suma, consideravam-no o autor de todos os seus males” (Livro II, capítulo
21). Por fim, Péricles foi forçado a usar sua influência extraordinária para impedir as
reuniões da assembleia, “temendo que se o povo se reunisse cometeria um erro agindo
com raiva em vez de usar seu julgamento” (Livro II, capítulo 22).
Ninguém, exceto Péricles, poderia ter persuadido os atenienses a adotar tal plano
e mantê-lo. Ele estava, no entanto, em seus sessenta e poucos anos, e se a crise passasse
rapidamente, mas explodisse novamente após a sua morte, a estratégia não seria mais
possível, e a alternativa era a derrota quase certa. Tais pensamentos podem ter tornado a
diplomacia de Péricles mais intransigente.
O esquema ateniense tinha ainda mais uma falha. À primeira vista, sua abordagem
pode parecer especialmente adequada: como Atenas tinha objetivos defensivos, também
deveria ter adotado uma estratégia defensiva. Mas, como o objetivo mais desejável era
evitar a guerra por meio da dissuasão, um plano defensivo não era apropriado. O objetivo
da dissuasão é despertar tanto medo no inimigo que o faça decidir não lutar, mas a
estratégia de Péricles na verdade deu aos espartanos pouco a temer. Se, por exemplo, os
atenienses se recusassem a lutar, o único custo para os espartanos seria o esforço
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necessário para marchar até a Ática por mais ou menos um mês e causar todos os estragos
que pudessem. Se os atenienses desembarcassem suas forças no Peloponeso, eles
poderiam fazer pouco mal, a menos que construíssem fortes e permanecessem por um
período considerável. Se construíssem fortes longe da costa, poderiam ser cercados e
morrer de fome; se os construíssem na costa, poderiam ser isolados e impedidos de causar
qualquer destruição. Nenhum desses esforços seria particularmente doloroso ou caro para
os espartanos. Indivíduos mais perceptivos podem ter visto que ao longo do tempo os
atenienses teriam sido capazes de prejudicar pelo menos os estados costeiros por meio de
ataques e interferências no seu comércio, enquanto a incapacidade de Esparta de protegê-
los poderia ter corroído sua liderança na aliança e encorajado deserções perigosas. Mas
poucos teriam imaginação para ver essa perspectiva em um futuro sombrio.
Se os atenienses tivessem sido capazes de prever tal resultado e conceber um plano
ofensivo apropriado, eles poderiam não ter ido à guerra, mas essa opção não desempenhou
nenhum papel no plano de Péricles. Sem uma ameaça ofensiva óbvia, crível e assustadora,
sua estratégia diplomática de dissuasão estava paralisada e fadada ao fracasso.
Se ele tivesse acreditado que precisava de uma ofensiva mais poderosa para deter
a guerra, Péricles não teria imposto o decreto megárico ou o teria retirado como os
espartanos haviam pedido, aceitando os riscos de problemas futuros. Mas Péricles estava
confiante de que sua própria estratégia defensiva teria sucesso, então ele permaneceu
firme. Ele persuadiu os atenienses a adotar sua própria linguagem em sua resposta final
aos espartanos: “[os atenienses] nada fariam sob compulsão; de acordo com o tratado,
estavam prontos a resolver todas as pendências mediante arbitragem, em bases justas e
em termos de igualdade” (Livro I, capítulo 145).

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