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2020v32i1p14-25
A RTIG OS
Resumo
A RTIG OS
positivos no que se refere aos aspectos de linguagem receptiva, linguagem expressiva, comportamento
e socialização. A atuação da equipe multidisciplinar apareceu como um achado importante e bastante
significativo nas falas dos pais.
Palavras-chave: Fonoaudiologia; Linguagem; Transtorno Autístico.
Abstract
Resumen
Introducción: El trastorno del espectro autista -TEA se manifiesta a través de alteraciones del
comportamiento, de la sociabilización y del lenguaje. Frente a esta sintomatologia, una de las áreas que
se destaca en la intervención de estos cuadros es la Fonoaudiología, ya que la intervención precoz ha
venido demostrando mejores resultados en estos cuadros. Objetivo: Caracterizar la percepción de los
padres en cuanto a los resultados de la intervención fonoaudiológica precoz en el desarrollo del lenguaje
del niño con TEA. Método: Entrevista semiestructurada con diez padres de niños diagnosticados con
TEA que iniciaron la intervención fonoaudiológica precozmente, entre los dos y los tres años de edad,
y que el año de la recolección de datos recibieron atención en el CER II-UNIVALI. Resultados: La
mayoría de los padres declaró notar un desarrollo en los aspectos de lenguaje receptivo, comunicación
verbal y no verbal, comportamiento y sociabilización. En la mayoría de las categorías se observó una
variabilidad en las evoluciones descritas. Se verificó el reconocimiento del equipo multidisciplinario en los
informes de los padres. Conclusión: La intervención fonoaudiológica precoz en los individuos con TEA
presenta resultados positivos en los aspectos de lenguaje receptivo, lenguaje expresivo, comportamiento
y sociabilización. La actuación del equipo multidisciplinario apareció en las conversaciones de los padres
como un hallazgo importante y muy significativo.
Palabras clave: Fonoaudiología; Lenguaje; Trastorno Autístico.
A RTIG OS
progressos importantes, passando a se envolverem dos pacientes que chegam para o atendimento no
em atividades de atenção compartilhada, jogo sim- CER II/UNIVALI e pelas autoras caracterizarem
bólico e diálogos, utilizando recursos discursivos esta faixa etária, entre dois e três anos, como sen-
de forma adequada e utilizando da comunicação do precoce, considerando a realidade do início do
não verbal como apoio16. diagnóstico.
Com base nessas afirmações, este estudo teve Com isso, a amostra ficou caracterizada pela
como objetivo caracterizar a percepção dos pais entrevista de dez responsáveis de crianças diagnos-
quanto aos resultados da intervenção fonoaudioló- ticadas com TEA, na faixa etária entre dois anos e
gica precoce no desenvolvimento da linguagem da seis meses e três anos e nove meses, sendo este o
criança com TEA. As respostas destes pais podem número total de sujeitos que se encaixam nos cri-
esclarecer de que maneira os resultados da terapia térios estabelecidos e referidos acima. Destaca-se
fonoaudiológica são percebidos pela família e que dos entrevistados, nove eram mães e um era pai.
como podemos vir a desenvolver ações que viabi- Este grupo passou por avaliação com a equipe
lizem essa percepção. Além disso, conhecer esses multidisciplinar para o fechamento diagnóstico de
resultados promove uma reflexão sobre a prática TEA e após esta etapa estavam recebendo atendi-
fonoaudiológica e sua efetividade. Esta reflexão mento com os mesmos profissionais no CER II/
poderá promover mudanças ou aprimoramentos UNIVALI em um período que variou entre seis
necessários neste fazer, com vistas a garantir a meses a onze meses, sendo que o inicio da inter-
resolutividade da intervenção fonoaudiológica nos venção se deu quando essas crianças tinham entre
sujeitos com TEA. dois e três anos de idade.
No que se refere ao diagnóstico, este foi reali-
Método zado pela equipe multidisciplinar e se caracterizou
pela aplicação de escalas de rastreamento, protoco-
Esta pesquisa foi aprovada pelo comitê de ética los das áreas específicas, e a relação dos achados
em pesquisa da Universidade do Vale de Itajaí, sob com o que determina o DSM - 5 para definição do
o parecer n° 2.585.989. Possui caráter qualitativo nível do transtorno.
transversal e foi realizada no Centro Especializado Em relação às características e sistematicida-
em Reabilitação Física e Intelectual localizado de dos atendimentos, todas as crianças recebiam,
UNIVALI. concomitantemente a intervenção fonoaudiológica,
O CER II/UNIVALI possui o objetivo de pro- atendimento individual com psicólogo e nutricio-
porcionar um tratamento multidisciplinar adequado nista. Cada atendimento tinha cerca de 50 minutos
para os indivíduos que possuem deficiência física e e aconteciam de forma semanal. Além disso, uma
intelectual, dando prioridade para os casos de TEA das crianças deste grupo recebia atendimento in-
em crianças de até 12 anos17. dividual de terapia ocupacional. Após seis meses
O objetivo da pesquisa foi caracterizar a per- de intervenção, além dos atendimentos individuais,
cepção dos pais quanto aos resultados da interven- duas crianças passaram a receber atendimento em
ção fonoaudiológica precoce no desenvolvimento dupla (dois profissionais na mesma sessão) com
da linguagem da criança com TEA. psicólogo e terapeuta ocupacional, uma criança
Para a coleta de dados, inicialmente foi reali- passou a ter atendimento em dupla com fonoaudió-
zado um levantamento da amostra, bem como os logo e psicólogo, e duas passaram a ter atendimento
dias e horários de atendimento para a realização em grupo (atendimento com mais de uma criança
das entrevistas. diagnosticada dentro do espectro) com o Psicólogo,
A amostra do estudo foi constituída por pais Terapeuta Ocupacional e Fonoaudiólogo.
de crianças com TEA que iniciaram a intervenção As ações em saúde da equipe CER II/UNIVALI
fonoaudiológica precocemente (entre dois e três preveem a utilização do projeto terapêutico singular
anos de idade) e que no primeiro semestre de 2018 como um instrumento de trabalho, levando em con-
receberam acompanhamento no CER II/UNIVALI. sideração as necessidades individuais e coletivas
Foram excluídos os pais que não se encaixaram do sujeito e da sua família.
nestes critérios e não assinaram o Termo de Con- O profissional Fonoaudiólogo tem como
sentimento Livre e Esclarecido (TCLE). A escolha objetivo principal a estimulação da linguagem, a
da idade foi realizada mediante a um levantamento Psicologia a evolução de questões relacionadas ao
comportamento, a Nutrição à melhoria das condi- mais salientes, que normalmente dizem respeito a
ções de alimentação e a Terapia Ocupacional ade- perguntas específicas ou a temas centrais do projeto
quar as atividades de vida diária e independência de investigação, buscando-se assim elencar tópicos
do sujeito em intervenção. Porém destaca-se que com as passagens mais discutidas na falas18.
todos os profissionais da equipe seguem um mesmo
objetivo principal previamente estabelecido no
Resultados
processo de avaliação.
O CER II/UNIVALI trabalha por meio do tripé
terapia, família e escola. Por isto, todos os pais são A partir da leitura das transcrições das entre-
orientados a matricular os seus filhos na creche, vistas identificou-se categorias com base nas falas
sendo que da amostra desta pesquisa apenas uma mais significativas. Estes achados, também, serão
criança não estava matriculada na creche. apresentados por meio de uma tabela, contendo
Em relação ao nível de TEA, três crianças da os resultados de uma forma mais simplificada.
amostra receberam o diagnóstico de TEA nível I, (Quadro I).
seis crianças com TEA de nível II e uma criança
com TEA de nível III. 1.1 Categoria: Resultados positivos em
Após a aprovação do projeto os pais foram relação à intervenção fonoaudiológica
convidados a participar da pesquisa, mediante a ex- precoce.
plicação e solicitação da assinatura do TCLE. Esses • Sujeito 1: Sim...desenvolveu sim, com toda
pais responderam a uma entrevista semiestruturada, certeza...ele já estabeleceu uma comunicação,
composta por questões sobre o papel da terapia
uma linguagem já, tem um grande avanço aí...
fonoaudiológica precoce no desenvolvimento da
• Sujeito 3: Na linguagem verbal ele ainda não fala,
linguagem das crianças com TEA na visão dos pais.
mas ele tá criando uma segunda linguagem...ele
As entrevistas foram realizadas em uma das
salas do CER II/UNIVALI e da clínica de fonoau- pega na minha mão e me leva até geladeira...
diologia da UNIVALI e duraram cerca de 20 mi- me mostra as coisas quando ele quer.
nutos. Estas foram gravadas em gravador digital e • Sujeito 4: Ele não falava nenhuma palavra, ne-
posteriormente transcritas para a análise dos dados. nhuma e agora ele tá...não forma frase, mas ele
A análise dos resultados encontrados foi realizada fala bastante coisa sabe, ele não falava nada,
segundo a codificação tópica, onde busca-se identi- nenhuma palavra, ele não falava e agora ele fala
ficar um pedaço de texto com as categorias ou temas algumas sabe?
Quadro I. Percepção dos pais quanto aos resultados da intervenção fonoaudiológica precoce no
desenvolvimento da linguagem da criança com TEA.
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• Sujeito 5: Ele já começou a apontar pra o que 3.2 Categoria: Desenvolvimento na
ele quer, principalmente assim com atitudes... comunicação não verbal
então tá melhorando, pra mim tá melhorando • Sujeito 3: Ele não tinha movimento nenhum,
muito. quando ele começou a vir aqui ele começou a
• Sujeito 9: Sim! Ampliou o vocabulário e a in- criar a linguagem alternativa, onde ele come-
teração. Até então ele tinha vocabulário pobre, çou não a falar, mas ele me demostra em alguns
mas tinha vocabulário e não usava isso para gestos, alguns sinais do que eu precisava enten-
interagir com o outro. der, o que ele queria naquele momento.
• Sujeito 5: Ele...não aponta ainda, mas ele me
2.1 Categoria: Desenvolvimento da demostra com gritos...e fazendo gestos para
linguagem receptiva. aquele lugar, eu sempre tento deixar as coisas
• Sujeito 2: ele tem uma compreensão já...antes no mesmo lugar, mas onde ele não alcance para
ele não tinha, antes era muito, muito limitado...a ele pedir, então ele começa a gritar, olhar e me
intensão mesmo dele de querer interagir, de que- demostrando assim com gestos o que ele quer...
rer brincar com alguma coisa, chegar me puxar, • Sujeito 7: É que quando ela quer, tipo muito
me pegar pela mão para sentar, para brincar alguma coisa, ela vai e ela aponta ou chora,
com ele, isso pra mim já é uma associação de alguma coisa assim para mostrar o que ela quer.
compreensão. Porque antes ela não fazia isso, ela só chorava e
• Sujeito 3: Geralmente quando é o “não” ele tu tinha que estar adivinhando o que ela queria...
compreende, ele compreende muito bem quan-
do eu to dizendo que não é para fazer...mas em 4.1 Categoria: Desenvolvimento no
relação a “vamos tomar um banho”, ele não sabe, comportamento social.
ele não associa... • Sujeito 1: Mais calmo. Depois que ele con-
• Sujeito 4: Antes ele não entendia nada, eu fala- seguiu uma comunicação, seja lá como foi,
va qualquer coisa pra ele que ele não entendia, ele ficou bem mais calmo, menos irritado...
agora ele entende, mas digamos que é uns 30% ele gritava o tempo inteiro, de certo ele ficava
assim, entendeu? De um total, uns 30% ele en- nervoso, porque ninguém o compreendia né...
tende, ele entende coisas mais diretas sabe, e • Sujeito 2: Ele é bem enérgico assim, essa questão
tipo se ele... tipo assim como palavras mais assim tem se ser trabalhada ainda, é a realidade assim,
por favor, é...para, chega, entende? mas ele já melhorou um pouco, antes era pior.
• Sujeito 5: ...Ele parece mais comunicativo,
2.2 Ausência de evolução na olhando mais, mais calmo, prestando mais
linguagem receptiva. atenção...
• Sujeito 5: Não, só se eu mostrar a roupa para
ele ver e dizer pega a roupa, no caso estaria na 4.2 Categoria: Redução na frequência
minha mão e mesmo assim ele não obedece aos das estereotipias.
meus sinais. • Sujeito 5: Sim, ele tinha bastante estereotipia,
hoje ele é bem raro ele fazer.
3.1 Categoria: Desenvolvimento na • Sujeito 9: A estereotipia foi diminuindo bastan-
comunicação verbal. te pelas ordens.
• Sujeito 1: Sim...tanto facial quanto em palavras
também, que ele já vai encaixando para cada 4.3 Categoria: Ausência de evolução
coisa. no comportamento.
• Sujeito 4: aham... quando ele quer sucrilhos • Sujeito 4: Eu não acredito que seja culpa do
ele fala “leão, leão” e quando ele ta com fome, plano fonoaudiológico, não é isso, mas eu nunca
tipo assim, como eu sempre falo, vamos comer, pensei que tivesse como piorar...desde os dois
vamos comer, vamos comer (risos), ai quando anos dele e ele não parou, só que agora ele cria
ele tá com fome ele diz “vamo comer”... antes outras...ele fica gritando e ele se chocalha, ai se
ele não fazia nem isso. tu for mexer com ele, ele grita, grita.
• Sujeito 6: Então, alguns sons, algumas palavras • Sujeito 8: Não...continua a mesma coisa...ele é
ele tá fazendo já pra se comunicar. muito agitado, ele é hiperativo né!
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comunicação2,9-13, sendo que todos esses aspectos Um dos pais entrevistados não conseguiu
são determinantes no prognóstico de evolução do observar melhoras no aspecto de compreensão,
quadro. relatando que seu filho não responde às suas solici-
Destaca-se que as crianças desta pesquisa tações. Existem alguns tópicos que podem justificar
estavam em intervenção fonoaudiológica por um essa não identificação de um padrão evolutivo, que
período que variou de seis meses a onze meses de incluem o tempo de intervenção, a participação da
atendimento, sendo que todos os pais envolvidos família no processo terapêutico, o nível de gravi-
conseguiram observar em seus filhos algum tipo dade do quadro e a presença de fatores associados.
de evolução. A literatura demonstra que após seis O DSM-5 classifica o TEA em três níveis
meses de intervenção fonoaudiológica já é possível de gravidade: no nível um temos indivíduos que
a identificação de um padrão evolutivo nas crian- apresentam dificuldades leves de comunicação e
ças com TEA e que, ao longo de doze meses esse interação social, e necessitam de pouco suporte;
padrão se torna ainda mais evidente15. no nível dois estão os indivíduos que necessitam
No que diz respeito ao questionamento sobre de um apoio substancial, pois apresentam déficits
desenvolvimento da linguagem receptiva, as falas graves na comunicação, interação social e compor-
dos pais foram agrupadas em duas categorias: de- tamento; no nível três temos indivíduos que exigem
senvolvimento da linguagem receptiva e ausência um maior apoio substancial devido a seus déficits
no desenvolvimento da linguagem receptiva. causarem grande limitação social3.
Foi possível observar nas transcrições que Nesta pesquisa, obtivemos uma amostra com
grande parte dos pais relataram que a intervenção crianças classificadas nos três níveis, sendo três
fonoaudiológica auxiliou no desenvolvimento da crianças com TEA de nível I, seis crianças com
TEA de nível II, e apenas uma criança com TEA
linguagem receptiva dos seus filhos. Neste aspecto
de nível III.
também foi possível verificar variabilidade nos
Outro fator que pode estar associado à di-
quadros de evolução descritos. Nota-se que, na
ficuldade de evolução é a possível presença de
grande maioria, as crianças passaram a compreen-
comorbidades. Segundo o DSM-5, o TEA é fre-
der conceitos básicos, como “para”, “dá beijo”,
quentemente associado com comprometimento
“senta” e algumas ordens simples como “guarda
intelectual, transtorno estrutural da linguagem e
o brinquedo”, “vamos tomar banho”, “acende a
sintomas psiquiátricos, relatando que 70% podem
luz”. Em um dos relatos observa-se que a criança
ter um transtorno mental comórbido, e 40% podem
teve uma evolução menor, passando a compreender ter dois ou mais transtornos mentais comórbidos3.
apenas o “não”. Em relação ao desenvolvimento na linguagem
Um dado acerca deste assunto é encontrado expressiva os pais referiram evoluções na comuni-
em uma análise presente na literatura, onde ob- cação verbal e não verbal.
serva-se que a criança com TEA, em intervenção Verifica-se que seis dos dez participantes da
fonoaudiológica, obteve melhoras na linguagem pesquisa conseguiram observar em seus filhos
receptiva, sendo que esta passou a compreender um desenvolvimento no aspecto da comunicação
ordens situacionais com até três ações e demonstrou verbal. De acordo com os conteúdos dos discursos
compreender o que lhe era solicitado, fornecendo analisados, observa-se que esses pais referiram
respostas por meio de gestos e algumas emissões que seus filhos passaram a utilizar palavras para
orais21. se expressar e para solicitar determinados objetos
O desenvolvimento na linguagem receptiva ou ações. Isso significa que a maioria desses pais
tem relação direta com a evolução na linguagem relataram um ganho importante no que se refere ao
verbal e não verbal, pois existe uma relação intrín- desenvolvimento da linguagem, que é a conquista
seca entre a recepção e a expressão. É necessário da possibilidade de usar o meio verbal para se
que tenha a compreensão de determinado conceito comunicar.
para que então eu possa fazer uso deste na minha Como já ressaltado anteriormente, a interven-
comunicação. Observa-se que os pais que referiram ção fonoaudiológica auxilia no desenvolvimento
desenvolvimento na linguagem receptiva poste- da comunicação, sendo que a literatura vem
riormente também referiram desenvolvimento na apresentando estudos que mostram que as crian-
linguagem expressiva. ças com TEA, em intervenção fonoaudiológica,
apresentam resultados positivos no que se refere soas com TEA devem ser interpretadas como um
especificamente ao desenvolvimento da comuni- recurso rico de expressão desses sujeitos22.
cação verbal16,19-21. Destaca-se que a utilização de gestos favorece
Uma pesquisa realizada acerca da terapia de o desenvolvimento da linguagem, pois estes ser-
linguagem em três crianças com diagnósticos de vem para várias funções, dentre as quais estão as
TEA demonstra que todas tiveram progressos de comunicação, compensação e transição para a
importantes, sendo que estas crianças passaram linguagem verbal24.
a utilizar o meio verbal com mais frequência, A respeito do desenvolvimento do compor-
começaram a se envolver em jogos compartilha- tamento, as falas dos pais foram divididas em:
dos, diálogos e trocas interpessoais, além disso, desenvolvimento do comportamento social, re-
algumas passaram a iniciar turnos comunicativos e dução da frequência de estereotipia, ausência de
apresentaram um desenvolvimento das habilidades desenvolvimento no comportamento inadequado,
sintáticas e discursivas16. Em outra análise descrita e atuação da equipe multidisciplinar.
na literatura, verificou-se que a criança começou a O TEA é uma patologia com transtornos com-
apresentar respostas verbais, produzindo algumas portamentais, sendo definido por padrões restritos
sílabas isoladas para fazer referência a alguns e repetitivos de comportamento, que são manifes-
objetos ou ações e nomeando alguns animais por tados por uma gama de sintomas de acordo com a
meio de onomatopeias21. idade e a capacidade de cada individuo3.
Observa-se também, relatos de evolução na Alguns pais relatam mudanças no comporta-
comunicação não verbal. A literatura vem demons- mento dos seus filhos após a intervenção. Modifi-
trando que 20 a 30% dos indivíduos com autismo cações no comportamento social foram presentes
nunca desenvolvem a fala, sendo que esse per- em cinco dos relatos analisados, exemplificadas
centual é consideravelmente menor do que era há em sua grande maioria com a frase “está mais
alguns anos, graças, principalmente, à intervenção calmo”, demonstrando uma diminuição da agi-
precoce2. tação e das crises de estresse. Dois desses pais
Foi possível observar nos relatos dos pais que fizeram uma relação direta entre a mudança no
as crianças passaram a utilizar a comunicação não comportamento dos seus filhos com a evolução
verbal, fazendo uso de gestos, choros, gritos e olha- da linguagem, associando o fato de a criança estar
res no intuito de se comunicar com seus pais. Este mais comunicativa com a diminuição da agitação.
achado vai ao encontro da literatura que mostra em Esta afirmação é significativa, pois se sabe que a
um estudo que os gestos produzidos pelas crianças questão do comportamento se interpõe em todo
com TEA, em algumas situações, possuem intenção o desenvolvimento e age direto na aquisição das
comunicativa22. Quando a criança possui intenção habilidades linguísticas21.
comunicativa ela chora, vocaliza, aponta reconhe- Mudanças no comportamento nos casos de
cendo o outro como alguém com quem pode se TEA, após um período de intervenção fonoaudio-
comunicar, ela tem o intuito de se dirigir ao outro23. lógica, também foram referidas em um estudo,
A literatura demonstra um caráter predominan- onde observou-se que a criança apresentou uma
te do meio não verbal em detrimento do meio verbal diminuição do comportamento de birra frente a
nas crianças com TEA22. No entanto, nesta pesquisa situações indesejadas, redução das estereotipias,
foi possível verificar que dos dez pais entrevistados melhoras no estabelecimento do contato ocular e
apenas três relataram que seus filhos passaram a uti- estabeleceu um maior tempo de atenção sobre os
lizar o meio não verbal com mais frequência do que objetos21.
o meio verbal, e seis pais relataram que as crianças São comumente observados nas crianças com
passaram a ter frequência maior na utilização do TEA, movimentos estereotipados como andar na
meio verbal, sendo associado, em determinadas ponta dos pés, estalar os dedos, balançar o corpo
situações, a alguns gestos e expressões. entre outros. Esses movimentos são realizados
É de suma importância a valorização da lingua- como uma forma de se autorregular e podem, às
gem da criança com TEA, tanto na comunicação vezes, ser exacerbados, devido à alta situação de
verbal como na comunicação não verbal, sem estresse vivenciada2.
colocar a fala propriamente dita como prioridade. Alguns pais entrevistados caracterizam a
Qualquer forma de comunicação presente nas pes- estereotipia motora como um comportamento e
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referiram uma diminuição das frequências das Em relação ao aspecto da socialização, os pais
mesmas. Relatam que após o início da intervenção, refeririam evolução positiva, ausência de evolução
esses movimentos estereotipados passaram a ser nesse aspecto, participação da escola e destacaram
menos sistemáticos. novamente o reconhecimento da equipe multidis-
Como já referenciado anteriormente, a inter- ciplinar.
venção fonoaudiológica auxilia indiretamente em Observa-se nas falas dos pais a ausência de
mudanças no comportamento nos casos de TEA21. evolução na interação social. Uma das maiores e
E se considerarmos a estereotipia como um com- mais significativas característica do TEA é a difi-
portamento, justifica-se o achado do nosso estudo. culdade de socialização. A dificuldade de interação
Este resultado pode ter relação direta com a é um sintoma que foi descrito na literatura desde
participação de outros profissionais da equipe, o descobrimento do transtorno13. São característi-
como o Psicólogo, já que este trabalha diretamente cas marcantes: dificuldades na abordagem social,
com as questões comportamentais apresentadas por dificuldades de manter uma conversa, compartilha-
estes indivíduos25. mento reduzido de interesses e emoções, ausência
Menos da metade do total de pais entrevista- de interesse por pares.
dos referiram ausência de melhoras significativas Acredita-se que as evoluções descritas nas
no aspecto do comportamento. Essa ausência de categorias anteriores, relacionadas aos aspectos
desenvolvimento pode estar justificada a fatores já de linguagem e comportamento, estão diretamente
discutidos anteriormente, como a participação da relacionadas ao dado de desenvolvimento na so-
família, o vínculo terapêutico, o método de atendi- cialização. É interessante observar que as crianças
mento, a variabilidade de sintomas e a possibilidade que obtiveram melhoras na socialização também
da presença de comorbidades associadas1,3. Porém, apresentaram desenvolvimento na linguagem ex-
nesta amostra não foi critério de exclusão o nível pressiva e muitas delas apresentaram uma evolução
de TEA do paciente e nem a presença de fatores na linguagem receptiva e no comportamento.
associados. A literatura demonstra que a interação é
Embora não fosse objetivo desta pesquisa, primordial na construção da linguagem, pois é nela
observou-se nas falas dos pais o reconhecimento que ocorrem as práticas dialógicas13. Este mesmo
da atuação da equipe multidisciplinar no tratamen- estudo demonstrou que a partir do momento em
to dos seus filhos com TEA. Este tema apareceu que se estabeleceram interações entre o sujeito
espontaneamente nas falas dos mesmos quando e a terapeuta, a postura da criança com TEA em
foram feitos questionamentos acerca do aspecto intervenção mudou em relação ao interlocutor e à
do comportamento e socialização, no qual atribuí- sua própria linguagem13.
ram as evoluções observadas nos seus filhos ao Apesar de ser sabido que as crianças estavam
tratamento realizado pelo conjunto de profissionais sobre trabalho de equipe, é importante salientar,
que compõem a equipe. Este dado traz à tona a que várias pesquisas defendem que a interação
dúvida se a efetividade do tratamento e os efeitos social perpassa pela capacidade de se comunicar,
positivos aqui descritos, não estão diretamente re- de estabelecer trocas verbais, ou não. Diante disso,
lacionados a esse tipo de intervenção, caracterizada o objetivo da terapia fonoaudiológica, dentro da
pela presença de profissionais de diferentes aéreas, equipe multidisciplinar, se torna imprescindível
levantando a necessidade de mais pesquisas sobre para dar base à evolução comportamental e, con-
a metodologia de tratamento para o TEA. sequentemente, social.
Pois, tendo este transtorno uma variabilidade
de sintomas dentro dos aspectos de comportamento Conclusão
e linguagem, é inegável a importância da atuação
de uma equipe multidisciplinar na avaliação e no Com base na análise das falas dos pais, con-
tratamento das dificuldades presentes dentro do clui-se que a intervenção fonoaudiológica precoce
espectro. A literatura recomenda que o tratamento nos indivíduos com TEA apresenta resultados po-
nos casos de TEA seja realizado por uma equipe sitivos no que se refere aos aspectos de linguagem
multidisciplinar, para que se possam obter resul- receptiva, linguagem expressiva, comportamento
tados melhores nesses casos26. e socialização.
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