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FCE- FACULDADE CAMPOS ELÍSEOS

RELATO DE CASO: IMPLEMENTAÇÃO DA COMUNICAÇÃO


SUPLEMENTAR E ALTERNATIVA PARA DOIS IRMÃOS GÊMEOS COM
TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

Rosimeire da Silva Machado 1

RESUMO

O desenvolvimento da linguagem implica na aquisição plena do sistema


linguístico que contribui para socialização e integração na comunidade. A
capacidade de se comunicar permite ao indivíduo expressar seus sentimentos
e desejos. Sendo assim as alterações de linguagem causam impacto direto nas
habilidades comunicativas e inserção social. Como a grande maioria de
indivíduos autistas apresentam déficits de linguagem, houve a necessidade de
devolver outras formas de comunicação. Portando o trabalho com a
Comunicação Suplementar e alternativa vem colaborando para promover
outros meios comunicativos e consequentemente uma melhora na interação
social e inclusão. O objetivo do trabalho é relatar o processo inicial de
implementação da Comunicação Suplementar e Alternativa (CAS) em dois
irmãos gêmeos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).

Palavras-chave: Comunicação; Transtorno do Espectro Autista; Linguagem.

1
Graduada em Fonoaudiologa.
Artigo apresentado como requisito parcial para aprovação do Trabalho de Conclusão do Curso de
Especialização em Autismo.
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INTRODUÇÃO

A linguagem é considerada primordial no estabelecimento das relações


interpessoais e integração social do indivíduo. No entanto nem todos
desenvolvem as competências comunicativas necessárias, como é o caso do
Transtorno do Espectro Autista (TEA) que pode apresentar alterações de
linguagem prejudicando suas habilidades de comunicação. Visando
transformar este cenário, vêm sendo desenvolvidas formas alternativas de
comunicação para auxiliar estes indivíduos a se expressarem (PASSERINO,
ÀVILA & BEZ, 2010).

O trabalho em discussão tem por objetivo descrever a intervenção


fonoaudiológica, ou seja, o processo inicial de implementação da Comunicação
Suplementar e Alternativa (CAS) em dois irmãos gêmeos com TEA.
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TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA

O TEA é um transtorno do neurodesenvolvimento, o quadro se caracteriza


por um conjunto de sintomas indicativos de prejuízos na interação e
comunicação social que podem ser verificados em múltiplos contextos,
presença de padrões restritos e repetitivos de comportamentos, bem como de
interesses ou atividades com prejuízos no funcionamento adaptativo
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Atualmente os critérios clínicos são contemplados no Manual Diagnóstico


e Estatístico de Transtornos Mentais DSM-5 para o diagnóstico de TEA
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014):

A. Déficits persistentes na comunicação social e nas interações sociais em


múltiplos contextos. Alguns exemplos desses déficits são:

1. Déficits na reciprocidade socioemocional, variando, por exemplo, de


abordagem social anormal e dificuldade para estabelecer uma conversa normal
a compartilhamento reduzido de interesses, emoções ou afeto, a dificuldade
para iniciar ou responder a interações sociais.

2. Déficits nos comportamentos comunicativos não verbais usados para


interação social, variando, por exemplo, de comunicação verbal e não verbal
pouco integrada a anormalidade no contato visual e linguagem corporal ou
déficits na compreensão e uso gestos, a ausência total de expressões faciais e
comunicação não verbal.

3. Déficits para desenvolver, manter e compreender relacionamentos, variando,


por exemplo, de dificuldade em ajustar o comportamento para se adequar a
contextos sociais diversos a dificuldade em compartilhar brincadeiras
imaginativas ou em fazer amigos, a ausência de interesse por pares.

B. Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses ou atividades


manifestados por pelo menos dois dos seguintes exemplos:
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1. Movimentos motores, uso de objetos ou fala estereotipados ou repetitivos


(p.ex., estereotipias motoras simples, alinhar brinquedos ou girar objetos,
ecolalia, frases idiossincráticas).

2. Insistência nas mesmas coisas, adesão inflexível a rotinas ou padrões


ritualizados de comportamento verbal ou não verbal (p. ex., sofrimento extremo
em relação a pequenas mudanças, dificuldades com transições, padrões
rígidos de pensamento, rituais de saudação, necessidade de fazer o mesmo
caminho ou ingerir os mesmos alimentos diariamente).

3. Interesses fixos e altamente restritos que são anormais em intensidade ou


foco (p. ex. forte apego a ou preocupação com objetos incomuns, interesses
excessivamente circunscritos ou perseverativos).

4. Hiper ou hiporreatividade a estímulos sensoriais ou interesse incomum por


aspectos sensoriais do ambiente (p. ex., indiferença aparente a
dor/temperatura, reação contrária a sons ou texturas específicas, cheirar ou
tocar objetos de forma excessiva, fascinação visual por luzes ou movimento).

C. Sintomas presentes precocemente durante o período do desenvolvimento


(mas podem não se tornar plenamente manifestos até que as demandas
sociais excedam as capacidades limitadas ou podem ser mascarados por
estratégias aprendidas mais tarde na vida).

D. Os sintomas causam prejuízo clinicamente significativo no funcionamento


social, profissional ou em outras áreas importantes da vida do indivíduo no
presente.

Pesquisadores apontam que o TEA apresenta importantes evidências de


um transtorno genético. Estudos em gêmeos caracterizam uma etiologia
genética do autismo, com risco aumentado de recorrência do autismo de
aproximadamente 3 a 8% em famílias com uma criança autista e concordância
para o diagnóstico de autismo em gêmeos monozigóticos de pelo menos 60%
se forem usados critérios restritos para autismo, de 71% para TEA e de até
92% com um espectro mais amplo de distúrbios de linguagem/socialização
(SOLÍS- AÑES, 2007; DELGADO-LUENGO, 2007; HERNÁNDEZ, 2007;
GARDIA, 2004; TUCHMAN, 2004; ROTTA, 2004).
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LINGUAGEM E COMUNICÃO

O desenvolvimento normal da linguagem ocorre durante os primeiros


anos de vida e é fundamental para que todos possam se comunicar, por meio
de um código denominado língua, intermediando a relação humana
(JAKBOSON, 1973; MUSSALIN & BENTES, 2001).

É por meio da fala que as pessoas expressam seus desejos e


sentimentos, fazem comentários, perguntas e participam de
todos os contextos no decorrer da vida. Quando o
desenvolvimento da linguagem é comprometido por qualquer
intercorrência na vida de uma criança, impedindo-a de
expressar-se pela fala, isto, faltamente, comprometerá o seu
desenvolvimento cognitivo, social e afetivo (WALTER, 2006).

Desde as primeiras descrições sobre o autismo, a alteração de linguagem


esteve presente, sendo uma das áreas mais afetadas no transtorno.

Muitos indivíduos com autismo têm déficits de linguagem, as


quais variam de ausência total da fala, passando por atrasos
na linguagem, compreensão reduzida da fala, fala em eco até
linguagem explicitamente literal ou afetada. Mesmo quando
habilidades lingüísticas formais (p. ex., vocabulário, gramática)
estão intactas, o uso da linguagem para comunicação social
recíproca está prejudicado no transtorno do espectro autista.
(AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION, 2014).

Segundo Lampreia (2004), “o prejuízo linguístico no autismo envolve


problemas de comunicação não-verbal, problemas simbólicos, alterações de
fala, assim como problemas pragmáticos”.

Considerando que 70% a 80% das pessoas com autismo apresentam


alteração na comunicação verbal ou fala não funcional, existe a necessidade
de desenvolver formas alternativas de comunicação com objetivo de promover
as competências comunicativas destes indivíduos (WALTER, 2006).

Algumas pessoas com autismo necessitam da utilização de Comunicação


Alternativa e/ou Suplementar (CAS), pois quando apresentam a fala,
geralmente esta não é funcional, às vezes muito ecolálica, ou com emissões
vocálicas desprovidas de sentido, entre outros. A CAS promove possibilidades
comunicativas para essas pessoas, através da utilização integrada de
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símbolos, recursos, estratégias e técnicas (FERREIRA, TEIXEIRA & BRITO,


2011 apud CHUN, 1991).

A Comunicação Suplementar e Alternativa (CSA) é uma área da prática


clínica, educacional e de pesquisa para terapeutas que tentam compensar e
facilitar, temporariamente ou permanentemente, ou prejuízos e incapacidades
dos indivíduos com severos distúrbios da comunicação expressiva e/ou
compreensiva (AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HERING ASSOCIATION,
1991).

Esta área de conhecimento enfatiza o uso de formas alternativas de


comunicação baseada no uso de gestos, língua de sinais, expressões faciais, o
uso de pranchas de alfabeto ou símbolos pictográficos, até o uso de sistemas
sofisticados de computador com voz sintetizada e visa basicamente dois
objetivos: promover e suplementar a fala para garantir uma forma alternativa de
comunicação de um indivíduo que não começou a falar (GLENNEN, 1997).

Paula e Nunes (2003) afirmaram que a meta da CAS é possibilitar uma


maior identidade pessoal e social, pois esses sistemas implicam estratégias
que complementam ou substituem a linguagem falada, permitindo que a
comunicação se estabeleça e o indivíduo expressa-se.

Existem diversos sistemas de Comunicação Suplementar e Alternativa,


um dos mais usados no Brasil é o PCS (Picture Communication Symbols). Foi
desenvolvido por Roxana Mayer no EUA, em 1981, com o objetivo de ampliar
os materiais de comunicação suplementar e/ou alternativa. Possui desenhos
bidimensionais, constituindo relação idêntica com o objeto a que se refere,
alfabeto, números além de permitir o uso de fotos.

Segundo Walter (2006) “as pesquisas, no decorrer dos anos, mostraram


ganhos com a utilização da CSA que proporcionaram ganhos às pessoas
desprovidas da fala, estabelecendo, dessa forma, condições para dialogar e
expressar seus sentimentos”.

A medida em que os sistemas de CSA passam a fazer parte do cotidiano


dos sujeitos, com o intuito de trocas sociais eficientes, estes dispositivos
tendem a desenvolver sua cognição e linguagem, configurando-se recursos
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importantes na inserção de sujeitos com déficits cognitivos e comunicativos na


escola e sociedade (PASSERINO, ÀVILA & BEZ, 2010 apud CAPOVILLA E
NUNES, 2003).
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APRESENTAÇÃO DOS CASOS CLÍNICOS

A.L e B.L, gêmeos, 3 anos e 6 meses, sexo masculino, diagnóstico de


TEA iniciaram atendimento fonoaudiológico em fevereiro de 2017. As terapias
fonoaudiológicas são individuais e semanalmente.Durante a avaliação foi
possível observar alteração na linguagem receptiva e expressiva, dificuldade
de interação social caracterizada pela ausência de linguagem oral e gestual,
falta de contato visual e presença de estereotipias. Após avaliação iniciou-se a
implementação da CSA por meio do sistema Picture Communication Symbols,
durante atendimento individual, perfazendo um total de 27 sessões. A escolha
do sistema a ser utilizado foi realizada após avaliação de todas as habilidades
que o indivíduo e assim definir o método mais adequado às suas alterações. O
processo de introdução do uso de CSA foi composto pela apresentação do
objeto e correlação do objeto com a imagem. De forma contextualizada foram
inseridos objetos reais de maçã, pão, pente e lápis, para que explorassem os
aspectos perceptuais e funcionais dos itens. Conforme se apropriavam dos
conceitos, a transição para a representação gráfica foi norteando o processo de
aprendizagem, e as imagens foram inseridas no contexto. A inserção de novos
objetos e símbolos ocorreu de maneira lenta e gradativa. Foi possível identificar
resultados favoráveis relacionados ao desenvolvimento da linguagem oral e
habilidades expressivas dos gêmeos. No início dos atendimentos
apresentavam vocalizações descontextualizadas e falta de discriminação dos
estímulos oferecidos. Durante o período de intervenção A.L apresentou
ampliação do vocabulário com produção de novas palavras (mama, mamãe,
papa, vovó, gol, nana e cocô) e intenção comunicativa por meio de ecolalias.
As palavras pão, qué, cocoricó, fez cocô e trechos de músicas eram emitidas
quando desejava expressar algo presente na situação. O B.L também
demonstrou maior repertório lexical por meio da emissão de palavras (mama,
dá e nana) com melhor desenvolvimento em nível de abstração e habilidade
pragmática da linguagem. Os pais também relataram que observou que a
criança A.L vem apresentando intenção comunicativa em casa.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Houve evolução significativa nas competências comunicativas,


comportamentais e interacionais. Implementando outra forma de comunicação
foi possível promover uma maior interação comunicativa por parte dos
indivíduos, refletindo no desenvolvimento favorável dos aspectos
comportamentais e interacionais. Desta forma, a partir do sistema selecionado,
novos recursos, estratégias e adaptações estarão sendo inseridos de acordo
com a evolução de cada criança.

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REFERÊNCIAS

PASSERINO, Liliane M.; ÁVILA, Barbara Gorziza; BEZ, Maria Rosàngela.


Scala: um sistema de comunicação alternativa para o letramento de
pessoas com autismo.RENOTE - Revista Novas Tecnologias na Educação, v.
1, p. 1-10, 2010.

AMERICAN PSYCHIATRIC ASSOCIATION (APA).Manual, Diagnóstico e


Estatístico de Trasntornos Mentais: DSM-V. Artmed.ed.5.Porto Alegre, 2014.

GARDIA, Carlos A.; TUCHMAN, Roberto; ROTTA Newra T. Autismo e


doenças invasivas de desenvolvimento. Jornal de Pediatria 2004; 80: p.12.

SOLÍS- AÑES, Ernesto; DELGADO-LUENGO, Wilmer, HERNÁNDEZ, María


Luisa. Autismo, cromosoma 15 y la hipótesis de disfunción GABAérgica.
Revisión. Invest Clin 2007;48(4):529-541.

JAKOBSON, Roman (1973). Linguística e comunicação. São Paulo, Cultrix.

MUSSALIM, Fernanda; BENTES, Ana Christina (2001). Introdução à


linguística: domínios e fronteiras. Campinas: Cortez, Vol. 1 e 2.

WALTER, Catia Crivelenti de Figueiredo. Avaliação de um programa de


comunicação alternativa e ampliada para mães de adolescentes com
autismo.2006. 137 f. Tese (Doutorado em Ciências Humanas) - Universidade
Federal de São Carlos, São Carlos, 2006.

FERREIRA, Patrícia Reis; TEIXEIRA, Eny Viviane da Silva; BRITO, Denise


Brandão Oliveira (2011). Relato de Caso: Descrição da evolução da
comunicação alternativa na pragmática do adulto portador de
autismo.Revista CEFAC: Atualização Científca em Fonoaudiologia e
Educação. 13 (3), 559-567.

AMERICAN SPEECH-LANGUAGE-HERING ASSOCIATION (1991). Repost:


Augumentative and alternative communication.ASHA, V33. p.9-12.

GLENNEN, Sharon. L. Augmentative and Alternative Communication


Assessment Strategies. In: GLENNEN, Saron L. & DECOSTE, Denise C.
organizadores – The Handbook of Augmentative and Alternative
Communication. California: Singular Publishing Group,1997, p. 149-192.

PAULA, Kely Maria Pereira; NUNES, Leila Regina Oliveira Paula (2003). A
Comunicação alternativa no contexto de ensino naturalístico. In: L. R. O.
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P. Nunes (Org.) Favorecendo o desenvolvimento da comunicação em crianças


e jovens com necessidades educacionais especiais (pp. 93-109). Rio de
Janeiro: Dunya.

LAMPREIA, Carolina. (2004). Uma perspectiva desenvolvimental sócio-


pragmática para o entendimento do autismo e suas implicações para
intervenção precoce. In: E.G. Mendes, M.A. Almeida & L.C.A. Williams
(Orgas). Temas em educação especial: avanços recentes, PP. 289-296. São
Carlos: edUFSCAR.

***Ainda não organizarei em ordem alfabética

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