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Anotações sobre o Evangelho de Marcos

Capítulo 1
Do versículo 1 ao versículo 8
No primeiro versículo do evangelho de Marcos já encontramos uma espécie de síntese
dos principais assuntos que serão desenvolvidos nos demais capítulos.
Inicialmente Marcos nos apresenta a palavra “evangelho” que carrega uma série de
significados. Tanto sua audiência judaica como gentílica a ouviria e, consequentemente
suscitaria um emaranhado de sentidos em suas mentes.
Dentro do contexto judaico, essa palavra remonta ao livro do Isaías que profetizou o
período em que o “evangelho” seria anunciado. E essa proclamação apontava para a
restauração do reino de Deus. Trata-se do momento em que o tão esperado novo êxodo
aconteceria e a verdadeira libertação chegaria.
Já no contexto imperial, esta palavra era atrelada as notícias relacionadas ao Imperador.
Ela carregava fortes conotações políticas. As boas novas eram que o imperador trouxera
paz e prosperidade ao império e, dessa forma, todos deveriam prestar lealdade a ele.
Parece que o uso de Marcos dessa palavra é intencional, pois capta os dois sentidos
dentro da sua proposta literária.
Sendo assim, segue-se que:
1-) As boas novas anunciam a mensagem restauradora do Reino de Deus. O novo êxodo
tão prometido nos profetas, principalmente Isaias, começa se cumprir na figura de Jesus
Cristo.
2-) As verdadeiras boas novas não eram do Imperador! Ele é só um impostor. As
verdadeiras boas novas são de JESUS CRISTO.
E a propósito, JESUS CRISTO é o verdadeiro filho de Deus e não CÉSAR, como o
final do versículo 1 nos diz. Isto porque o imperador que estava no poder era nomeado
como “filho de deus”.
Percebemos assim que o primeiro versículo de Marcos está totalmente enraizado na
Bíblia hebraica, porém, ao mesmo tempo está carregado de ironias ao Império romano e
seu imperador. O verdadeiro filho de Deus e Rei é Jesus.
Mas a grande pergunta que nos surge desse primeiro versículo é: Que tipo de Rei é
Jesus? Seria ele diferente de César? Seria Jesus mais um Messias como tanto outros que
existiram naquele período?
São essas as perguntas que Marcos nos responderá ao longo de seu Evangelho.
Os dois textos citados por Marcos (Malaquias e Isaias) nos versículos 2 e 3 são
profecias que nos falam que antes do tão esperado novo êxodo, da libertação, da
restauração do Reino de Deus na terra, se levantaria um homem que trabalharia em prol
desse reino, anunciando e proclamando que era chegada a vinda do Senhor.
No versículo 4 esse homem é identificado como sendo João Batista. Pouco nos é falado
sobre ele. Marcos está mais interessado na mensagem que ele estava anunciando.
E a mensagem de João Batista era clara e direta: arrependimento e perdão de pecados.
Ele andava pelo deserto anunciando tal mensagem e batizando várias pessoas de
diversas localidades. Mas tudo o que era dito e feito por ele não apontava para si
mesmo. Sua proclamação era direcionada a alguém que viria depois dele com grande
poder e glória. Esse outro batizaria as pessoas com o próprio Espírito Santo, ou seja, na
própria presença vivificadora de Deus.
O versículo 6 nos faz uma descrição física de como eram as vestimentas de João Batista.
Isso claramente é intencional da parte de Marcos, pois quando comparamos as
vestimentas de João Batista e do profeta Elias, as semelhanças são intrigantes. No
antigo testamento, em especial no livro de Malaquias, havia a expectativa de que
alguém parecido com Elias prepararia o caminho para a vinda do Senhor.
Percebemos que as figura de João Batista e Elias são correspondências históricas. Elias
foi aquele que se levantou para anunciar a mensagem de juízo contra o rei Acabe,
chamando o povo de Israel ao arrependimento, porque eles estavam envolvidos nas
mais terríveis práticas idolátricas. Elias também vivia no deserto, tinha um estilo de vida
rústico e uma alimentação bem restrita. Da mesma forma, João Batista é chamado para
anunciar a vinda do Reino de Deus, pronunciar juízo sobre o povo de Israel, chamando-
os ao arrependimento e perdão dos pecados.
Sendo assim, Marcos está nos dizendo que a figura parecida com Elias tão aguardada
em Israel para preparar o caminho da libertação, da salvação, do novo êxodo era João
Batista.
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Do versículo 9 ao 12
No versículo 9, Marcos nos apresenta aquele para o qual João Batista apontava: Jesus
de Nazaré da Galileia. Isso certamente já causaria um impacto imediato em seus
ouvintes primários. Ele já havia falado de Jesus no primeiro versículo e como vimos ele
é identificado como filho de Deus, aquele que de fato era a boa notícia para o mundo. A
expectativa então é que ele pertencesse a uma grande família real ou que tivesse nascido
em alguma grande cidade.
No entanto, não é isso que Marcos nos diz. Jesus era de uma cidadezinha irrelevante da
Galileia. Uma cidade majoritariamente camponesa, que vivia da pesca, agricultura e que
quase a totalidade de seus habitantes eram analfabetos. Marcos está nos comunicando
que o grande filho de Deus era um camponês simples das regiões mais interioranas do
império romano, que provavelmente vivia da pesca, agricultura ou algum outro tipo de
atividade de pouca expressividade.
A primeira cena que Jesus aparece é no seu batismo por João Batista. Isso num primeiro
momento pode parecer estranho, porque como observamos em alguns versículos atrás, o
batismo de João era para o arrependimento e perdão de pecados. Jesus precisava se
arrepender de algum pecado? Era necessário que ele fosse perdoado? Certamente não!
Os outros evangelistas deixam bem claro que João recusou o pedido de Jesus em batizá-
lo. Então, o que Marcos está querendo nos informar com a cena do batismo de Jesus?
Certamente várias referências ao antigo testamento estão sendo feitas nessa cena. Pelo
menos duas histórias muito famosas nos vêm à mente: de Saul e Davi. Os dois antes de
serem declarados reis de Israel foram ungidos como uma forma de simbolizar a missão
que eles estavam recebendo, isto é, serem representantes do povo de Israel. Em ambas
histórias, logo após a unção que receberam, o Espirito Santo fora derramado para a
capacitação de suas responsabilidades como reis.
Ao voltarmos para o evangelho de Marcos, notamos as semelhanças entre essas
histórias e o batismo de Jesus. Ele está sendo batizado para uma vocação específica,
sendo preenchido e capacitado pelo Espirito Santo e incentivado por Deus Pai.
E qual seria essa vocação específica de Jesus? Seria apenas para ser um rei de Israel tal
como Davi e Saul? Para responder a essa pergunta, precisamos entender qual o
significado da voz que disse do céu “Você é meu filho amado, que me dá grande
alegria”.
Essa frase faz referências a dois textos do Antigo Testamento, um está em Isaias e o
outro em Salmos. O primeiro texto faz referência ao Servo sofredor que se levantaria
para libertar o povo por meio do seu sofrimento, suas angústias e suas dores. O segundo
texto nos apresenta uma figura de um Rei grande e poderoso que surgiria para derrotar
todos os inimigos de Israel e, dessa forma, trazer paz!
Para sintetizar o que vimos até então: Marcos parece entender o batismo de Jesus como
uma espécie de unção para uma vocação específica, tal como ilustramos com as
histórias de Davi e Saul. Mas essa vocação é entendida não apenas num sentido de um
Rei que representará seu povo contra os inimigos. Mas um Rei que sofrerá pelo seu
povo para que de fato, eles sejam libertos do cativeiro em que se encontram. Ele une a
figura de um Rei poderoso e um Servo que sofre na pessoa de Jesus Cristo.
A próxima cena que Marcos apresenta é a tentação de Jesus. Algumas coisas instigantes
surgem a partir dessa história. Primeiro que Jesus havia acabado de ser batizado e,
portanto, vocacionado para cumprir sua missão. Foi uma cena quase cinematográfica,
envolvendo o Espirito Santo descendo sobre ele e a voz de Deus pai surgindo de forma
repentina dos céus. No entanto, logo após esse momento glorioso, Jesus é impelido ao
deserto para ser tentado por Satanás.
Por que a tentação sucedeu imediatamente a vocação que Cristo acabara de receber?
Quando nos lembramos das histórias de Adão, Eva e dos Israelitas, nós começamos a
entender um pouco melhor. O primeiro casal no livro de gênesis também recebe uma
vocação, ou seja, eles receberam a responsabilidade de serem representantes de Deus na
terra, cuidando, administrando e expandindo toda a sabedoria e o amor do Senhor por
toda a criação.
Logo após receberem essa vocação, o que acontece? Eles são tentados pela serpente e
falham em cumprir a missão que haviam recebido. Os Israelitas não foram diferentes de
Adão e Eva. Deus os livrou com sua forte mão dos egípcios e os comissionou para
serem luz para os outros povos. Infelizmente, eles cederam as tentações no deserto e
nunca cumpriram sua missão enquanto povo de Deus.
Então chegamos em Jesus. Será que ele falhará da mesma forma que Adão, Eva e os
Israelitas? Certamente não. Jesus faz aquilo que todos falharam. Ele cumpre sua
vocação e abre o caminho para que não estejamos mais no Éden com Adão e Eva e nem
no deserto com os Israelitas.
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Marcos prossegue sua narrativa nos falando que João Batista fora preso. Ele ainda não
nos conta o motivo, o que será esclarecido mais tarde. Com João Batista preso, Jesus
começa a proclamar as boas novas. Segundo Jesus, o tempo tão esperado pelos judeus
havia chegado! O tempo em que o Reino de Deus seria restabelecido, o tempo de
libertação, de cura, de restauração estava se cumprindo em Cristo. Mas para fazer parte
desse reino era necessário se arrepender e CRER nas boas novas que João Batista e
agora Cristo estavam anunciando.
Jesus andando as margens do mar da galileia começa a formar um grupo que o ajudaria
e faria parte de praticamente todo o seu ministério terreno. Os primeiros discípulos
apresentados são Simão (Pedro) e seu irmão André. Não é dito muito sobre eles, a não
ser que eram pessoas simples que ganhavam suas vidas através da pesca. Jesus os avista
e os chama para uma nova vocação, isto é, serem pescadores de homens. A frase de
Jesus é sútil, porém, clara. Trata-se de imperativos “venham” e “sigam-me”! A resposta
dos dois homens é surpreendente. Marcos deixa muito claro que “imediatamente” eles
deixaram suas redes e seguiram a Jesus. O mesmo aconteceu com Tiago e João,
abandonaram no mesmo instante o que estavam fazendo e seguiram a Cristo.
A resposta desses homens não consistiu em um grande discurso de aceitação ao
chamado de Cristo, eles simplesmente agiram, deixaram para trás suas redes que
simbolizavam o conforto e a segurança de uma vida inteira e se lançaram num mundo
completamente novo e diferente. Mesmo sem entender muito bem a nova realidade em
que estavam entrando, o primeiro passo foi dado. O Evangelho requer isso de nós: que
nos lancemos num mundo desconhecido, mas, ele nos garante que o nosso guia nesse
mundo é Jesus Cristo.

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