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Ulrich Beck

Ulrich Beck nasceu em 1944 na cidade de Stolp (atual Słupsk), que


pertencia à Pomerânia, território alemão que hoje integra a Polônia. Beck
iniciou vida acadêmica em Hanôver. Também estudou direito na Universidade
de Freiburg. Em seguida estudou psicologia, sociologia, filosofia e ciências
políticas na Universidade de Munique. Lá ele obteve seu doutorado em 1972, e
se especializou em sociologia.
De 1979 a 1981 ocupou a cátedra de sociologia na Universidade de
Munster e de 1981 a 1992 na Universidade de Bamberg. Então, passou a
integrar a direção da Sociedade Alemã para a Sociologia. De 1995 a 1997 foi
membro da Comissão Para as Questões do Futuro.
Faleceu em 1º de janeiro de 2015, após um ataque cardíaco
Sociedade de Risco: Rumo a uma outra modernidade
O argumento central desse livro é que a sociedade industrial,
caracterizada pela produção e distribuição de bens, foi deslocada pela
sociedade de risco, no qual a distribuição de riscos não corresponde às
diferenças sociais, econômicas e geográficas típicas da primeira modernidade.
O autor informa que a sociedade industrial esta em transição, de
sociedade de classes para uma sociedade de risco, e que ele vê o inicio desta
transição na Alemanha na década e 70. E ele tem a pretensão de tornar o
futuro que se anuncia no presente, apesar da existência do passado ainda
vigente (sociedade industrial clássica).
Risco não é simplesmente medo. Não é um puro sinônimo de ameaça.
O risco ao qual Beck se refere é o perigo associado a um componente
decisório: risco é algo que se corre. É o perigo inerente a alguma coisa que se
decide enfrentar. É uma probabilidade. E o reconhecimento de sua onipresença
é a constatação de uma normalidade.
O livro faz um diagnostico sobre a sociedade em seus diversos
momentos históricos ate chegar ao momento atual (sociedade pós-moderna)
em cujo contexto trabalha com a palavra riscos, em suas varias dimensões. Ele
parte da ideia de que, em toda a historia da humanidade, eles sempre
existiram, porém em grau e extensões diferentes, pois em um 1º momento
tratava-se de riscos pessoais, e no 2º momento, mais especificamente na
sociedade moderna clássica, os riscos atingiram maior proporção, vindo a
afetar a coletividade, devendo-se a isso, a falta de suprimento de algo, como
por exemplo, da falta de higienização que propiciava o surgimento de
epidemias, etc.
Na sociedade pós-moderna, o quadro é outro, os riscos com maior
extensão atingem a sociedade, principalmente por excesso de produção
industrial, como por exemplo, o excesso de poluentes que atingem a camada
de ozônio (atingem o meio ambiente como um todo, comprometendo varias
gerações).
Beck delimita o enfoque do mundo moderno em dois momentos:
primeira modernidade (industrial), caracterizada por uma sociedade estatal e
nacional, com estruturas coletivas, pleno emprego, rápida industrialização,
exploração da natureza não "visível", com raízes nas várias revoluções
políticas e industriais, a partir do século XVIII; e segunda modernidade ou
modernização da modernização ou ainda modernidade reflexiva, com início a
partir do fim do segundo milênio.
Modernização: significa o salto tecnológico da racionalização e a transformação do trabalho
organizado, englobando para alem disto muito mais. A locomotiva a vapor e o microchip são
indicadores visíveis de um processo de alcance muito mais profundo, que abrange e
reconfigura toda a trama social, na qual se alteram as fontes da certeza, das quais se nutre a
vida.

A denominação “reflexiva” decorre do fato de que as premissas, as


contradições, os desacertos da fase anterior, devem ser refletidos e projetados
na busca da construção de uma nova sociedade com linhas de coerência e de
continuidade. Ou seja, a transformação da sociedade industrial ocorre sem
intenção e interferência política, e a modernidade reflexiva emerge de forma
silenciosa, por meio de pequenas medidas com grandes efeitos cumulativos (a
alteração não é uma opção, e sim uma continuidade da sociedade industrial).
Pouco a pouco, as ameaças produzem questionamentos que acabam por
destruir as bases da sociedade industrial. Ou seja, no momento em que a
modernidade se olha no espelho e reflete sobre suas próprias bases surge a
fase de modernização reflexiva. A tomada de consciência das ameaças
produzidas pela própria sociedade abala a crença na ordem social, ou seja,
abala a confiança nas instituições modernas, que não consegue mais resolver
os problemas. A sociedade de risco neste sentido é reflexiva pois se torna
um tema e um problema para si própria. (modernidade industrial se
desenvolveu profundamente, até sofrer uma nova guinada e alcançar uma
condição que Beck chama de “modernidade reflexiva”, um estado em que o
mundo é dotado consciência de seu próprio estatuto. Nele, as instituições
passaram a ter um papel menos determinante e a descentralização (e,
portanto, uma certa individualização) tornou-se um traço definidor.)
Trata-se, pois, de um novo tipo de capitalismo e um novo estilo de vida
com padrões totalmente diversos daqueles existentes nas fases anteriores do
desenvolvimento social. “enquanto na sociedade industrial, a ‘lógica’ da
produção de riquezas domina a ‘lógica’ da produção de riscos, na sociedade de
risco, essa relação se inverte”. Ou seja, esse novo contexto criou um mundo
cujo elemento constituinte é a incerteza, a distribuição da decisão sobre os
riscos entre todos os homens, o que faz com que vivamos em um mundo em
que “o futuro coloniza o presente”, ou seja, em que qualquer desgraça que
possa vir a ocorrer, ocorre ainda antes, porque é antecipada em uma série de
manifestações, que obrigam os homens a viver constantemente preocupados e
agindo em relação a elas. Como se só houvesse amanhã.
A partir do final do século passado, com a modernidade reflexiva,
passou-se a conviver com uma sociedade de risco com dimensões diferentes
daquela sociedade existente até então. A característica marcante deste novo
momento histórico é que "os riscos na sociedade reflexiva extrapolam as
realidades individuais e até mesmo as fronteiras territoriais e temporais", tendo
como exemplo o acidente radioativo de Chernobyl, a contaminação do mar e
dos rios por mercúrio, por óleo e outros riscos globais que afetam a ecologia,
as turbulências dos mercados financeiros, os atos terroristas de 11 de
setembro nos EUA, o crime organizado, o aumento da desigualdade social, etc.
Ameaças e riscos: são coproduzidos no processo tardio de modernização, e são vistos como
efeitos colaterais latentes, isolados e redistribuídos de modo tal que não comprometam o
processo de modernização e nem as fronteiras do que é aceitável. São, assim como a riqueza,
objeto de distribuição, constituindo igualmente posições – posições de ameaça ou de classe.
Risco é diferente catástrofe, risco não significa catástrofe, e sim antecipação de catástrofe. É
um conceito moderno e pressupõe decisões humanas, futuros humanamente produzidos
(probabilidade, tecnologia, modernização), eles consistem em encenar o futuro no presente, ao
passo que o futuro de catástrofes é em principio desconhecidos. Incertezas fabricadas: se
distinguem dos riscos pelo fato de dependerem de decisões humanas, de serem criadas pela
própria sociedade, de serem imanentes à sociedade e portanto não externalizáveis, impostas
coletivamente e portanto inevitáveis individualmente, são incalculáveis e incontroláveis.

Efeito bumerangue: padrão de distribuição de riscos: cedo ou tarde eles alcançam inclusive
aqueles que lucraram com eles. Ou seja, apresentam socialmente um efeito bomerangue pois
nem os ricos e poderosos estão seguros diante deles. Os atores da modernização acabam
inevitavelmente entrando na ciranda dos perigos que eles próprios desencadeiam e com os
quais lucram. Este efeito não reflete unicamente em ameaça direta à vida, ele também faz com
que todos, globalmente e por igual, arquem com os ônus: desmatamento não só extermina
espécies como também reduz o valor econômico da propriedade da floresta e da terra. Com a
generalização dos riscos da modernização, é desencadeada uma dinâmica social que não é
mais abarcada pelo termo classes, pois não existe mais “os de baixo e os de cima”, e sim a
classe dos afetados e a classe dos ainda não afetados.

Industrias de riscos são transferidas para os países com mão de obra


barata pela força da atração entre pobreza extrema e riscos extremos. (Caso
Vila Parisi, Brasil e Bophal, Índia Central).
São várias as causas desses riscos. A desigualdade social, aumentada
pela globalização, pode ser considerada como uma das principais causas de
risco na “sociedade do risco”. Ou seja, o navio corre o risco de afundar, e com
isso levar a todos consigo, pobres e ricos, e revela bem o grau de desigualdade
social e a consequente extensão do grau de vulnerabilidade da sociedade.
A globalização ou sociedade global ou modernidade global como
caracteriza-se pelo “entrelaçamento de eventos sociais e relações sociais que
estão a distância de contextos locais”, como resultante dos avanços
tecnológicos, principalmente dos meios de comunicação, em especial da
tecnologia eletrônica, sobretudo da mídia. Esse fenômeno trouxe avanços, e
também riscos e inseguranças à sociedade. Reforçando, assim, a ideia do
contraste da segurança e insegurança, da determinação e indeterminação, da
estabilidade e instabilidade. (autocrítica da ciência).
O capital é “volátil”, ou seja, o capital que hoje está no Brasil ou em
qualquer outro país ou vice-versa e, que, com um simples pulsar de dedo, está
do outro lado do mundo; uma indústria que hoje está instalada no território de
um país e que amanhã poderá estar em outro país porque a mão de obra,
salários e encargos sociais são menores, são exemplos vivos desse fenômeno
da pós-modernidade, com reflexos sociais altamente negativos e que, de uma
forma ou de outra, acabam desembocando no mundo jurídico, em especial, no
Direito Penal.
Isso dá lugar a novos movimentos sociais que são a expressão das
novas situações de riscos na ‘sociedade de risco’, mas que são, também,
resultantes da busca de identidade sociais e pessoais e da busca de sentido de
ser no mundo numa cultura destradicionalizada.
Esse novo quadro - sociedade de risco - leva à “reflexividade” ou seja:
a suscetibilidade da maior parte dos aspectos da atividade social, à revisão
crônica à luz de novas informações ou conhecimento. Isso significa que a
ciência passou a ser sujeita a erros, porque é construção provisória, e seu
objeto e sua metodologia podem ser alterados para adequarem-se a essa nova
realidade.
Ninguém de sã consciência nega que a própria vida em sociedade é
um risco. Jakobs afirma que “não é possível uma sociedade sem riscos”, de
igual forma, ninguém pode negar que o dia-a-dia implica a criação de novos
riscos e o exacerbação de outros, isso como resultante da nova realidade
socioeconômica e cultural dos novos tempos, decorrentes dos avanços
tecnológicos da modernidade, sobretudo, do eletrônico, da informática etc.
Isso nos leva à sensação de que estamos sim, sentados num barril de
pólvora, porém, grande parte desses riscos são consequências naturais da vida
em sociedade e, com efeito, não obstante normatizados pelo Estado, têm que
ser tolerados por uma questão de sobrevivência. São, pois, riscos permitidos,
como por exemplo, o tráfego viário, como aponta Roxin. No mesmo raciocínio,
pode-se incluir o tráfego aéreo e fluvial. Até mesmo a poluição ambiental,
sonora e outras, dentro do razoável (sustentável), são permitidas. Isso se deve
ao fato de que o Direito não toma em conta os mínimos riscos socialmente
adequados que vão unidos a essas condutas. Em linha semelhante, são
interpretadas as hipóteses em que está presente “o princípio da confiança”.
Há, portanto, riscos que são tolerados porque são adequados
socialmente, como, por exemplo, os decorrentes de atividades esportivas,
tratados pela teoria da imputação objetiva. Contudo, existem outros riscos
sociais que ofendem bens jurídicos ou valores essenciais e que, por isso,
respeitando os princípios constitucionais pertinentes, em especial, o da
fragmentariedade (O direito penal só deve se ocupar com ofensas realmente
graves aos bens jurídicos protegidos), da subsidiariedade (a intervenção do
Direito Penal só se justifica quando fracassam as demais formas protetoras do
bem jurídico previstas em outros ramos do Direito) e o da proporcionalidade
(equilibrar os direitos individuais com os anseios da sociedade), devem ser
tutelados também pelo Direito Penal. Dentre os riscos intolerados, como
exemplos, podem ser relacionados aqueles envolvendo o crime organizado, a
destruição/contaminação do meio ambiente, o terrorismo, os crimes contra a
humanidade.
A teoria da imputação objetiva trabalha com a ideia de que somente
interessa ao Direito Penal “a criação de um risco juridicamente desaprovado e
sua realização no resultado”. A ação que não cria risco, que não o aumente ou
que crie risco permitido ou tolerado, não interessa ao Direito Penal.

Teoria dos Riscos no Direito Penal


Na sociedade de risco os conflitos de distribuição dos malefícios que se
traduzem em uma expectativa social de eliminação e de controle dos riscos, e
na imputação de responsabilidades aos causadores das situações de perigo. A
aversão ao risco e a aspiração à segurança figuram como os responsáveis pela
reivindicação da sociedade para que o Estado ofereça tanto a almejada
proteção quanto a sensação de confiança nessa proteção.
Os atuais bens-jurídicos são muito mais abstratos (sistema econômico,
meio ambiente). Diante desses novos bens jurídicos que muitas vezes são
supraindividuais, o legislador procura novas figuras típicas para que o Direito
Penal não fique defasado e a impunidade prevaleça, pois caso contrario a
sensação de insegurança seria maior.
Esta tentativa de coibir a criminalidade é visto pela critica como uma
abstrativização do direito, que os bens jurídicos são liquefeitos, que há a
necessidade do caso concreto, da lesividade concreta (que é derrubada pela
desmaterialização do bem jurídico, que é a tipificação de bem juridicos
abstratos, coletivos). Há o afastamento da punição para lesão concreta para
alcançar objetivos e funções perseguidas pelo Estado (meio ambiente, relações
de consumo). – não há mais vitimas individuais
Desse modo, tal situação tem impulsionado, sem prejuízo da
contribuição de outros fatores, o deslocamento de um direito penal voltado à
proteção de bem jurídicos individuais e de objetividade natural para outro
modelo ligado à tutela jurídico-penal de bens supraindividuais, imateriais e
imprecisos.
Ademais, paralelamente ao choque com a noção individualista de bem
jurídico, destaca-se a perspectiva funcionalista consistente na utilização do
aparato penal como mecanismo de controle de condutas danosas a interesses
funcionais relevantes, mormente a coesão e a manutenção do ordenamento
jurídico. Neste particular, referindo-se às categorias bem jurídico e norma
Os riscos, que a sociedade moderna e pós-moderna trouxe, e trará, à
coletividade são incontestáveis, acarretando de efeito, uma crise ao sistema
jurídico posto. A crise leva a uma ruptura do sistema, tal ocorre porque, de um
lado, o modelo velho não vem correspondendo, ou seja, não dá a resposta
desejada e, de outro, porque o modelo novo ainda não está amadurecido para
tal. Contudo, ainda que a crise num primeiro momento traga problemas, tem
ela seus aspectos positivos porque exige reflexões, mudanças de conceitos, o
que revela que as ciências humanas são dinâmicas e, de efeito, trabalham com
conceitos transitórios, o que implica, numa concepção mais radical, mudanças
não só da metodologia, como também do objeto.
É inegável que estamos diante de um novo quadro que está a exigir
novas reflexões. O Direito Penal clássico da pós-modernidade está em crise e,
com isso, além de falhar no aspecto garantista, não vem dando a resposta
esperada como forma de proteção dos bens jurídicos/valores essenciais, não
para eliminar a violência da sociedade, mas, sim, para mantê-la em graus
toleráveis.

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