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Cosmologia e Astrologia Medieval


– Aula 01
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo professor.


Transcrição: Antonio Carlos Bosseli, Danilo
Roberto Fernandes Revisão: Danilo Roberto
Fernandes
Índice

Sumá rio
1. O uso das palavras como indicação concreta de fenômenos observáveis......................1
2. O uso dialético das palavras...........................................................................................2
3. A depuração dialética da Lua e da experiência imediata dos fenômenos em geral........4
4. A educação formal obrigatória e o recrutamento profissional nas escolas.....................8
5. A depuração dialética do Sol........................................................................................12
6. Exposição do método de ensino do curso.....................................................................14
7. Vocação intelectual e educação formal obrigatória......................................................18
8. Mais considerações sobre a importância do trabalho de depuração dialética...............21
9. O simbolismo das três cores primárias.........................................................................23
10. Teoria geral do simbolismo: o universo como discurso da Mente Divina...................29
11. Alfabeto astrológico......................................................................................................35
12. A relação entre as estações do ano e os signos cardinais, fixos e mutáveis.................37
13. A relação entre os signos cardinais, fixos e mutáveis e as três cores primárias...........38
14. O problema da diferença entre as estações no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul.
......................................................................................................................................40
16. A importância dos símbolos e de sua percepção..........................................................44
18. A importância da prática de uma religião tradicional para manter mente sã................47
Índice................................................................................................................................273
1. Os limites morais e práticos da Astrologia Horária....................................................274
2. A idéia de situação consolidada como requisito prévio à leitura de um mapa horário.
....................................................................................................................................275
3. O cenário ideal para se responder uma pergunta horária............................................277
4. O que fazer quando os quesitos de uma pergunta são representados pela mesma casa.
....................................................................................................................................278
5. O papel que o astrólogo desempenha na identificação dos problemas efetivos do
cliente e na correta formulação das perguntas a serem respondidas...........................281
6. Primeira pergunta horária analisada: “o trabalho dará certo?”...................................283
7. Segunda pergunta horária analisada: “ficarei com a minha amante de alguma forma?”
....................................................................................................................................292
8. Ainda sobre os limites morais e práticos de uma pergunta horária............................295
9. Terceira pergunta horária analisada: “minha licença para armas de fogo será expedida
sem complicações?”....................................................................................................297
10. Quarta pergunta horária analisada: “a Fulaninha gosta de mim?”.............................301
11. Mais considerações sobre a idéia de situação consolidada e a correta formulação das
perguntas horárias.......................................................................................................304
12. A diferença entre as técnicas de leitura de mapas natais e de mapas horários...........307
13. A Astrologia pode ser usada como instrumento para guiar a vida espiritual?............308
Índice................................................................................................................................325
1. Apresentação do mapa natal a ser analisado – cálculo de temperamento e mentalidade
do Lobão.....................................................................................................................327
2. O Ascendente, o Descendente, o Fundo do Céu, o Meio Céu e as casas astrológicas.
....................................................................................................................................327
3. A maneira correta de se indicar a posição dos planetas no mapa...............................329
4. Primeiro determinante do temperamento: signo Ascendente, regente do signo
Ascendente e planetas em aspecto com o signo Ascendente......................................330
4.1.O signo Ascendente....................................................................................................330
4.2.O planeta regente do signo Ascendente e sua posição oriental ou ocidental..............332
4.3.Planetas que formam aspecto com o regente do Ascendente.....................................333
5. Segundo determinante do temperamento: fase da Lua, seu dispositor e planetas que
formam aspecto com ela.............................................................................................338
5.1.Como determinar a fase em que a Lua está................................................................338
5.2.O dispositor da Lua - e dos planetas em geral............................................................338
5.3.Planetas que formam aspecto com a Lua....................................................................340
6. Terceiro determinante do temperamento: a estação do Sol........................................341
7. Quarto determinante do temperamento: o planeta mais forte do mapa......................341
8. Outros determinantes do temperamento: estrelas fixas; natureza e condição do regente
do Ascendente e do seu dispositor; mentalidade; planetas que se destacam por razões
excepcionais................................................................................................................346
8.1.As estrelas fixas..........................................................................................................347
8.2.Natureza e condição do regente do Ascendente e do seu dispositor..........................347
8.3.Mentalidade e seu cálculo...........................................................................................347
8.4.Planetas que se destacam por razões excepcionais.....................................................348
9. Finalizando o cálculo de temperamento.....................................................................350
10. Descrição das mentalidades venusina, jupterina-marcial e jupterina-venusina..........352
11. Considerações gerais acerca do temperamento e da mentalidade..............................353
12. Mais considerações sobre os determinantes da mentalidade......................................359
13. Mais considerações gerais acerca do temperamento e da mentalidade......................361
14. Considerações sobre Saturno e outros planetas na Casa XII, e sobre a mútua recepção.
....................................................................................................................................362
15. O que fazer quando um planeta está a menos de 5º de uma casa...............................365
16. Considerações sobre a Casa VIII................................................................................367
Índice................................................................................................................................371
1. Primeiro exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: São Thomas More...372
2. Segundo exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: Santa Teresa D’Ávila.5
....................................................................................................................................384
3. Sobre as diferenças entre mentalidades regidas por planetas benéficos e maléficos..393
4. O papel do Sol e da Lua na determinação da mentalidade.........................................396
5. Terceiro exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: Hitler.8.....................396
6. A base fundamental da personalidade humana: o temperamento e a mentalidade.....404
7. Temperamento e espírito vital....................................................................................407
8. Mentalidade e disposições naturais da alma como o intelecto e a sindérese..............408
9. Considerações finais sobre a Lua e o Sol como determinantes da mentalidade.........413
10. O problema da aplicação simultânea de diferentes técnicas astrológicas...................413
Índice................................................................................................................................419
1. Introdução ao tema da aula: teoria do simbolismo.................................................421
2. Os objetos categóricos...............................................................................................421
3. Os objetos não categóricos........................................................................................422
4. Os Céus (experiências não categóricas ou espirituais) e a Terra (experiências
categóricas) de que fala a Bíblia...............................................................................424
5. O erro do dualismo cartesiano: considerar como realidade apenas a Terra (res
extensa e res cogitans) e negar a realidade dos Céus (espírito).............................427
6. Os objetos não categóricos (ou Céus) como símbolos e medida valorativa dos objetos
categóricos (ou coisas terrestres).............................................................................428
7. A diferença entre o símbolo e o signo (ou sinal)....................................................433
8. O simbolismo do dia e da noite, do Sol e da Lua.....................................................436
9. Importância e natureza das práticas religiosas.........................................................439
10. O simbolismo de Saturno..........................................................................................440
11. O cristianismo como mística da encarnação............................................................443
12. O simbolismo de Marte e Vênus...............................................................................445
13. O simbolismo de Mercúrio e Júpiter........................................................................445
14. O simbolismo de um mapa natal...............................................................................450
15. Esquema do simbolismo dos planetas e dos signos por eles regidos.......................452
15.1. Sol e Lua, regentes de Leão e Câncer respectivamente.5.................................453
15.2. Marte, regente de Áries e Escorpião, e Vênus, regente de Touro e Libra........453
15.3. Mercúrio, regente de Gêmeos e Virgem, e Júpiter, regente de Sagitário e
Peixes.........................................................................................................................454
15.4. Saturno, regente de Capricórnio e Aquário........................................................456
16. A metade solar e lunar do zodíaco.............................................................................456
17. O modo de presença de Saturno nos diversos signos..............................................457
18. Considerações finais acerca da natureza do simbolismo dos planetas e signos.....461
1

1. O uso das palavras como indicação concreta de fenômenos


observáveis.

Gugu: Começaremos hoje explicando, primeiro, o método do curso e


como ele funciona. Ensinar astrologia atualmente é uma das tarefas mais
complicadas que se pode imaginar (com exceção, talvez, da teologia,
que estávamos comentando agora há pouco antes da aula). Isso porque,
para entendermos o simbolismo astrológico, temos que entender de qual
objeto estamos falando quando dizemos que eles possuem um
simbolismo. Referimo-nos ao signo de Leão, ao signo de Peixes, ao
signo de Virgem (há vários animais representando esses símbolos);
falamos também da influência de Júpiter, da influência da Lua etc. Mas
o que é um leão? O que é um peixe? O que é Júpiter? O que é Lua? O
fato de sabermos utilizar uma palavra como um indicador concreto de
algo não é indicação da compreensão do sentido dela. É claro que, se eu
perguntar o que é um peixe, vocês apontaram um peixe e não uma
alface. Com Júpiter talvez isso não ocorra, pois, provavelmente, vocês
não sabem olhar para o céu e apontar Júpiter. Mas o Sol e a Lua vocês
não apontarão errado.

Porém, e se nos perguntarem “o que é a Lua”? O que diremos? Alguns


diriam que ela é um satélite que orbita o planeta Terra, mas essa
explicação (referente a “satélite que orbita a Terra”) possui duas partes:
1) “satélite” é o gênero da coisa apontada; 2) e “orbita a Terra” é a
diferença específica desse satélite. Porém, o que é um satélite? É aquilo
que orbita alguma coisa. Num primeiro momento isso é razoável. Mas e
quando nos referimos a uma “cidade satélite”? Essa cidade gira em torno
das outras? Nesse caso, “cidade satélite” significa uma cidade que sofre
a influência de um determinado centro. Mas ao dizer que a Lua é um
“satélite que orbita a Terra”, queremos significar que a Lua está sobre
influência da Terra ou subordinada à Terra? Não. Quando usamos o
2

termo “satélite” da primeira vez, ele tinha um sentido astronômico, isto


é, “um corpo que gira em torno de outro”. Quando trouxemos a idéia de
“cidade satélite”, já não falávamos mais de “um corpo que gira em torno
de outro”, mas nos referíamos a uma dependência econômica e/ou
política.

Percebam que a palavra “satélite” foi usada em ambos os casos como


um indicador concreto de um fenômeno. Todas as palavras foram usadas
de maneira perfeitamente adequada. É verdade que a Lua é um satélite
da Terra, e também é verdade que Campinas é uma cidade satélite de
São Paulo, porém, nesse último caso, a palavra “satélite” foi usada com
um sentido diferente. A palavra foi aplicada corretamente, porém ela não
é suficiente para que compreendamos o fenômeno ao qual ela se refere.
“Satélite” é apenas uma indicação concreta daquilo que estamos
procurando. É como dizer: “Quem disse tal coisa foi John Lennon.” A
palavra “John Lennon” possui um significado concreto e prático.
Dificilmente o confundiríamos com a rainha da Inglaterra ou com
Saddam Hussein. Porém, isso não quer dizer que o conhecemos
intimamente como pessoa, apenas que sabemos a que objeto se refere o
termo “John Lennon”. Quando falamos que “a Lua é o satélite da Terra”,
essa é uma indicação concreta e correta de algo. Mas essas palavras não
nos ajudaram a compreender o fenômeno, apenas o indicaram
concretamente.

A primeira coisa que devemos aprender nesse curso é que existem duas
maneiras de usarmos as palavras (na verdade ainda existe uma terceira
forma, que é irrelevante para as finalidades desse curso). A primeira
delas é usarmos as palavras como uma indicação concreta dos
fenômenos que testemunhamos. Por exemplo, quando dizemos que “a
sala tem uma parede branca”, não estamos falando da filosofia da
brancura, sobre o que é o fenômeno da brancura. Quando dizemos
3

“parede branca”, indicamos apenas um fenômeno concreto. As palavras


não nos ajudam a compreender o que é isso que chamamos de “branco”,
apenas indicam a existência do fenômeno.

2. O uso dialético das palavras.

A segunda forma de usarmos as palavras é o uso dialético que fazemos


delas, isto é, o seu uso como um instrumento de compreensão dos
objetos. Por exemplo, quando falamos que “o homem é um animal
racional”, isso não nos dá nenhuma indicação concreta de onde está o
homem. As palavras “animal” e “racional” servem para indicar não uma
percepção bruta, mas o resultado de uma análise interna do objeto. É de
se notar que, aqui, não estamos usando a palavra “idéia”, pois ela não é
muito adequada, uma vez que todas as palavras se referem a idéias. Em
suma, queremos dizer que, ao usarmos as palavras da primeira maneira,
nos referimos ao fato imediato da experiência; já nessa segunda forma
de lidarmos com elas, nos referimos àquilo que discernimos no fato
depois de investigá-lo.

Quando dizemos que “a Lua é o satélite natural da Terra”, isso é o


suficiente para que, ao olharmos em direção ao céu, identifiquemos qual
dos pontinhos é a Lua; mas isso não explica o que ela é, apenas nos
4

dá uma definição concreta. Se fizermos um esforço para dar uma


definição aproximada de algo sem dizer o que ele é, fica complicado
dizer qual o seu simbolismo. Dizer aquilo que um objeto simboliza é
dizer com o que ele se parece. O simbolismo é um tipo de semelhança
entre duas coisas. Então, antes de dizer com o que essa coisa se parece, é
preciso dizer o que ela é. Feito isso, podemos usar esses dois
conhecimentos (isto é, o conhecimento do que a coisa é, e o
conhecimento do que essa coisa representa ou indica) para constituir
uma técnica de interpretação. Num mapa natal a Lua significa “x”, numa
questão horária significa “y” etc. O significado astrológico da Lua é uma
parte do seu simbolismo, e o seu simbolismo é derivado do que ela é.

3. A depuração dialética da Lua e da experiência imediata dos fenômenos


em geral.

Vamos um pouco além. Dissemos que “a Lua é um satélite da Terra”. O


que queremos dizer com a palavra “satélite” nesse caso? Referimo-nos a
“satélite” como uma realidade astronômica. Mas e o Sol? Ele também
não é um satélite da Terra? Ele não gira em volta da Terra todos os dias?
Qual a diferença entre a Lua e o Sol? Sabemos que a Lua tem fases,
enquanto o Sol não. Portanto, é o satélite algo que tem fases? Não
precisamos responder isso, mas devemos perceber uma coisa: não teria
sido melhor evitar usar palavra “satélite” quando nos referíamos à Lua,
e, em vez disso, dizer que ela é “um corpo luminoso que vemos do céu”?
Quando usamos a palavra “satélite”, ela já indica uma teoria científico-
astronômica subjacente. Mas isso não é o que sabemos da Lua.

Então, o que sabemos de fato sobre a Lua? Sabemos que ela é um corpo
celeste o qual é possível de se ver desde a Terra; sabemos que ela possui
várias fases; e percebemos ainda que, quando a sombra dela se muda,
isso significa que ela ocupa diferentes posições. Mas agora esbarramos
5

em outro problema: como sabemos que a Lua é um “corpo” sem fazer


referência a uma teoria astronômica? Alguém poderia dizer: “A sombra
da Terra pode ser projetada nela. Ela reflete luz, então tem que ter um
corpo físico.” Ao que deveríamos responder: “Como sabemos que é a
sombra da Terra que se projeta nela?”

Em primeiro lugar, o que devemos fazer é listar a experiência direta que


temos da Lua. E que experiência é essa que temos? O que podemos dizer
sobre a Lua a partir da nossa experiência sensível imediata dela?
Podemos dizer que ela é uma imagem, é um objeto visível, é um objeto
da visão. Isso é a primeira coisa. Percebemos a Lua com a visão. Não a
percebemos com a audição, nem com o paladar, nem com a inteligência.
Os animais também vêem a Lua; os cachorros e os lobos também a
vêem, e inclusive possuem sentimentos específicos por ela que não
entendemos.

Nesse momento alguma pessoa poderia estar pensando: “E as marés?”


No entanto, ela deve se acalmar, pois isso vem depois. Alguém teve que
perceber que a Lua existia antes de relacioná-la ao fenômeno das marés:
“Há Lua, mas o que ela é? Um disco branco no céu, do mesmo tamanho
que o Sol. Ela também aparece à noite, se mexe, cresce e diminui.”
Portanto, a primeira coisa que devemos fazer é listar as notícias mais
imediatas do fenômeno, pois todas as outras dependerão delas. Não pode
haver uma teoria astronômica, uma teoria metafísica ou uma teoria
filosófica que nos diga que a Lua não é um disco branco no céu o qual
aparece à noite. Isso desqualifica a teoria imediatamente. E esse
primeiro conjunto de notas sobre a Lua a que nos referimos com toda
certeza será: o seu tamanho, sua forma e sua figura; a sua cor, a luz que
emite e que enxergamos; como ela varia de tamanho ciclicamente e o
tempo de demora entre uma Lua cheia e outra; etc. Sem especulação e
6

sem teoria, a Lua é isso. A Lua é este conjunto de dados e fatos da


experiência bruta.

Nem todos os astrólogos acreditavam que a Lua era um corpo e nem


todos eles sabiam que ela causava as marés. Isso quer dizer que esses
conhecimentos sobre a Lua são irrelevantes do ponto de vista
astrológico. Não precisamos dessas informações para derivar da Lua um
conhecimento astrológico. Isso é semelhante ao número de informações
que podemos adquirir a respeito de uma pessoa. Por exemplo, a esposa
de um sujeito possui várias informações a respeito dele que ninguém
mais possui. Porém, esse indivíduo usa o testemunho dela quando está
procurando um emprego? Ela possui um conhecimento sobre ele maior
do que o conhecimento de qualquer patrão, mas o testemunho dela é
descartado por ser irrelevante para esse problema.

A relação entre as marés e a Lua é uma informação a respeito dessa que


pode ser útil para alguma coisa. Mas isso não pode substituir os dados
iniciais da experiência sensível que temos dela. Para saber se a Lua
influencia as marés, precisamos primeiro conhecer a Lua e sua posição,
e depois precisamos conhecer as marés. Antes de inferir qualquer tipo de
relação entre os dois fenômenos, temos que ser capazes de indicá-los
concretamente e dizer o que eles são. Caso contrário, se não
soubéssemos da existência de um
7

fenômeno que denominamos de “maré” ou de “Lua”, como seria


possível relacioná-lo com qualquer outra coisa? É possível relacionar o
nada com alguma coisa? Obviamente que não. Portanto, não
identificamos a Lua por meio das marés, e o primeiro passo que
devemos dar é reduzir o objeto ao conjunto de notas pelo qual o
identificamos. Seria isso então uma espécie de contemplação? Não, isso
é uma análise da percepção que temos do objeto; é algo como uma
fenomenologia.

Assim, antes de qualquer especulação a respeito de alguma coisa,


precisamos saber o que de fato é o objeto sobre o qual estamos
conjecturando. Dissemos da Lua o seu brilho; que ela é um disco que
cresce e diminui num ciclo de, mais ou menos, vinte e nove dias e meio;
que ela, como todas as estrelas, nasce no leste e se põe no oeste todos os
dias; etc. Seria possível, apenas com essas informações, dizer que ela é
um corpo? Não, não seria. Porém, devemos notar que essas notas não
compõem um conjunto apenas quantitativo, pois, por exemplo, a Lua
possui uma cor que causa um certo efeito em nós.

Continuando, reconhecemos a Lua com a nossa percepção e sabemos


que ela não é o Sol. Pode até haver dúvidas quanto a isso, mas em alguns
dias o Sol e a Lua estão visíveis no céu ao mesmo tempo e disso
concluímos que eles não são a mesma coisa. Portanto, de onde tiramos a
idéia de que “a Lua é um corpo que reflete luz”? Tiramos essa conclusão
a partir apenas do tamanho dela, da cor dela e do ciclo dela? Como
chegamos à conclusão de que ela reflete sombra? Devemos ter calma,
esse tipo de teoria é uma coisa que surge num momento muito posterior.
O que devemos fazer agora é listar o que realmente apreendemos do
objeto.
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As pessoas chegam nesse curso e têm o costume de fazer uma descrição


da Lua baseada naquilo que elas aprenderam na escola, em algum vídeo
ou algum site da internet. Se todos os meus alunos realmente fossem
astrofísicos, então de fato saberiam alguma coisa a respeito da Lua do
ponto de vista dessas teorias astronômicas. Mas eles não sabem
realmente isso, e, no entanto, têm quase uma fé religiosa nessas coisas.
Isso não quer dizer que os astrofísicos estão mentindo. Mas é um voto de
confiança que damos a eles, porque acreditamos que as pessoas não são
mentirosas, principalmente em relação à profissão delas.

Agora, se queremos entender algo, temos que partir do que sabemos


desse algo; e não partir daquilo que cremos saber dele. E o que
sabemos? No máximo os dados sensíveis. É isso que deve ser listado: os
dados sensíveis. E desses dados teremos que montar um conceito de
Lua. Esse conceito de Lua será o conceito astrológico básico. A
astrologia foi desenvolvida antes que soubessem se a Lua é um ou não
um corpo, antes que soubessem se ela é ou não um ser. Por isso, esses
dados teórico-astronômicos são irrelevantes para a ciência astrológica. Já
esses dados sensíveis são mais constantes, e justamente por isso são a
base da própria astronomia.

4. A educação formal obrigatória e o recrutamento profissional nas


escolas.

Explicaremos o porquê dessa tendência dos alunos que aqui chegam. Em


primeiro lugar, devemos deixar claro que não há que se falar em
educação nas escolas; o que há é apenas um processo de recrutamento
profissional. Por exemplo, se houver cem pessoas em uma sala de aula e
alguém disser que a Lua gira em torno da Terra por causa da força
gravitacional, então algum aluno irá se interessar em estudar esse
assunto. Desse modo, haverá um número suficiente de astrônomos e
9

físicos na sociedade. Não se fala que a Lua gira em torno da Terra por
causa da força gravitacional para ensinar uma coisa à criança, mas sim
para dar uma amostra grátis da profissão de astrônomo e de físico. Isso é
recrutamento profissional. Aprendemos biologia não para entender os
seres orgânicos, mas, para, talvez, despertar nossa vontade de estudar e
trabalhar nisso. Resumindo: uma sociedade moderna precisa de um certo
número proporcional de profissionais de diversos tipos para que a
sociedade não colapse. Por exemplo, um advogado a cada mil e
novecentos e cinqüenta pessoas. Não podemos esperar as pessoas
ficarem adultas para que pensem no que vão trabalhar, pois aí já é tarde
demais para alguém estudar medicina ou física.

Por que a primeira coisa que aprendemos é matemática? Simples, porque


nossa inteligência matemática caduca aos trinta anos de idade. Todas as
grandes obras da matemática foram escritas antes dos trinta anos de
idade. Quando o cara tem inteligência matemática? Entre os quinze e
trinta anos, depois ela fixa e o cara dá apenas contribuições menores.

Em nossa teoria educacional, a universidade, ao menos em tese, é que


educa. O primeiro e o segundo grau são apenas recrutamento
profissional, é para dar vontade de trabalhar em alguma coisa. Não é
brincadeira e não é um interesse oculto, é a teoria educacional moderna.
Todos recebem na escola informações básicas de química, física,
astronomia e biologia. Só que a finalidade da transmissão de tais
informações
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não foi de nos educar. Não saímos sabendo mais do que um analfabeto
que não freqüentou a escola. Se estudamos direito, há três coisas que
sabemos melhor do que ele: ler, escrever e fazer contas. O que
aprendemos de química, física, biologia, astronomia, política e história,
na verdade, não aprendemos nada. Recebemos amostras para ver se
alguma coisa nos interessava. Muitas pessoas terminam o colegial com a
impressão de que entenderam alguma coisa. Pura impressão, pois elas
pensam que estavam na escola para compreender melhor as coisas. Isso
é mentira, pura ilusão subjetiva. Na escola as pessoas podem aprender
muitas coisas fora da aula. Por exemplo, talvez elas também tenham
aprendido a conviver com pessoas, obter informações e se comunicar.
Porém, isso é assim apenas porque a escola está no mundo. Se todos
estivessem no campo trabalhando, teriam aprendido essa parte do
mesmo jeito.

O dilema dos bons professores, atualmente, é: por um lado deve-se


preencher um currículo dizendo o que o sujeito aprendeu; mas, na
verdade, a grande luta é achar dois alunos que se interessaram por esse
assunto. Porque esse é o propósito da escola. Quando um aluno tem
aulas com um professor bom, eles cursarão, na universidade, a mesma
matéria que o professor ensina. Então, isso quer dizer que o professor
usou os alunos, e que todas as aulas foram uma perda de tempo. É ou
não é? O aluno acredita ter saído com conhecimento, mas isso é uma
piada. Ele vai, no máximo, sair dali repetindo os elementos do crédulo
científico que ele de fato não conhece. Se o mundo estivesse tão cheio
de sábios assim, seria um lugar maravilhoso, pois todo mundo
entenderia os seres vivos, os elementos etc.

Um dos maiores prejuízos, uma das primeiras reclamações que os pais


faziam sobre a escola - quando esta passou a ser obrigatória - era que os
filhos começaram a ficar arrogantes e a pensar que sabiam mais do que
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os pais sobre a vida, a humanidade etc. Antes, ninguém se arrogava o


direito de chegar e dizer para um advogado que sabia mais do que ele.
Se esse havia estudado dez anos e trabalhado na área por mais vinte, ele
sabia mais que um adolescente metido a expert. Isso não era arrogância,
mas um fato. Agora, o sujeito que passa em uma prova de química não
tem razão de ser metido.

Quem duvida, pegue algo em que é bom. A matemática, por exemplo.


Coloquem uma placa na porta de suas casas com o escrito: “Dou aulas
de matemática para o segundo grau”. Comecem a dar aulas para vocês
verem. Tive alunos assim e um deles veio com o seguinte problema:
“Dado cinco pontos num plano cartesiano, calcule a área do pentágono
inscrito.” Ele dizia não entender como o cálculo deveria ser feito. Então,
perguntei: “Quais são as coordenadas dos pontos? O que é um plano
cartesiano? O que é um pentágono?” Ele respondeu entusiasmado:
“Pentágono é um triângulo de cinco lados!” E eu retruquei: “É o
seguinte: como é que você chegou ao grau em que está? Como você está
estudando o cálculo de áreas a partir de coordenadas de um plano
cartesiano se você não sabe essas coisas?” Essa era uma formulação para
se ter no primeiro ano de geometria. Ou seja, ele não havia aprendido
nada. E mesmo o sujeito que estudou direitinho ainda não sabe nada. No
máximo foi despertado um interesse em estudar aquela ciência ou arte.
Tudo o que aprendemos na escola não vale nada, não deve ser levado em
conta, pois não será útil para nós aqui.

Na segunda vez que demos o curso de astrologia, um dos alunos havia


participado de um clube amador de astronomia e havia estudado bastante
a ciência astronômica. Em certo momento, comentei sobre a variação do
dia e da noite. Então ele disse: “Mas o dia mesmo não varia.” Perguntei:
“Como assim? De que dia você está falando? O dia varia sim.” Então ele
disse que os dias tinham sempre vinte e quatro horas, ao que eu
12

respondi: “O que é vinte e quatro horas? O dia de vinte e quatro horas é


uma abstração mental que nós inventamos. Não existe dia de vinte e
quatro horas.” Na Noruega, por exemplo, os dias duram menos. Mas ele
entendia que a relação entre noite e dia é variável, podendo a duração da
noite, por exemplo, ser maior ou menor do que a do dia. Então
continuei: “Mas você não é do clube de astronomia? Você não conhece a
equação do centro? A equação do tempo?” Ele disse: “Não, o que é
isso?” Eu retruquei: “Que diabo de astronomia você estudou? A equação
do tempo! Ela é assim: todo dia o Sol passa pelo meridiano, que é uma
linha imaginária que vai do norte ao sul. Isso é o meio dia local. Qual a
diferença entre o meio-dia local e o meio-dia médio? Se o Sol fosse uma
bolinha que girasse em torno da Terra e fizesse um círculo pelo equador
regularmente...” Então ele me interrompeu: “O do relógio?” Eu
respondi: “Não, o relógio é feito para reproduzir o mais próximo
possível o dia médio, que é essa abstração matemática. Mas você não
precisa usar um relógio, porque ele não mede exatamente o dia médio.”
Tudo isso são dados da astronomia.

5. A depuração dialética do Sol.

Naquele momento também perguntaram o que essa variação tinha a ver


com ano bissexto. Obviamente que nada. Mas então por que ocorrem
anos bissextos? É o seguinte: o Sol gira em torno da Terra e por
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isso há o ciclo das estações. Falarei do Sol porque o que estou a fim de
girar é ele, e se o sujeito ficar escandalizado comigo por isso, direi para
não me amolar. Se observarmos o Sol quando ele passa no meridiano
todo dia, de um dia para o outro há uma variação na altura dele: no
inverno ele está bem baixo e no verão ele está bem alto. Se observarmos
quando o Sol passa no meridiano e ele está no ponto mais baixo, ele só
voltará a passar no meridiano, nesse ponto mais baixo, daqui a quatro
anos. Por quê? Pois a órbita da Terra não se dá em um numero inteiro de
dias.

E por que temos um calendário? Para sabermos quando plantar. Esse


conhecimento é determinado pelas estações, não pelo número de dias.
Então, para o calendário bater com as estações, precisamos de um
calendário de quatro anos, porque o ciclo da Terra é de
aproximadamente trezentos e sessenta e cinco dias e um quarto (365,25).
Então, a cada quatrocentos anos esse calendário tem que ser corrigido. E
o calendário que é corrigido a cada quatrocentos anos deve ser corrigido
de novo a cada três mil e trezentos anos. E esse tem que ser corrigido a
cada sessenta e quatro mil anos. Mas, na prática, como há nenhuma
civilização que dure sessenta e quatro mil anos, não é necessário um
calendário tão preciso.

Todos esses dados de astronomia derivam de alguém ter olhado um


ponto (no caso, o Sol) e ter dito: “Quando esse ponto aparece, vemos
tudo. Isso chamamos de Sol. Ele nasce todos os dias no leste e se põe no
oeste.” Então passaram a observá-lo com mais cuidado: como ele se
move, quais são as suas características, qual a sua cor, qual a intensidade
da luz que emite etc. Depois de todas essas observações, passaram a
desenvolver um modelo de como ele se move geometricamente: com
círculos, depois elipses, etc. Desenvolveram instrumentos matemáticos
para descrever o fenômeno. Isso se deu há mais ou menos três mil anos
14

atrás. Já a primeira teoria explicativa que dizia que essas coisas são
corpos que se atraem se deu há apenas trezentos anos atrás.

Entre sabermos exatamente onde o Sol está a cada momento e poder


levantar uma teoria sobre o que está acontecendo fisicamente demorou
dois mil e setecentos anos. Por quê? Porque os dados sensíveis não
indicam o que está acontecendo de maneira clara em termos físicos. Os
dados sensíveis nem mesmo indicam que o que está acontecendo é de
fato um fenômeno físico – isso, para começar, já é uma hipótese. Metade
do trabalho é fazer essa limpeza.

6. Exposição do método de ensino do curso.

Quando comecei a fazer esse curso, tinha um projeto ideal para ele: um
ano de depuração dialética, um ano de simbolismo (ou teoria simbólica)
e um ano de técnica astrológica. Acontecia que, depois de seis meses de
depuração dialética, restavam três alunos. Se as aulas fossem na minha
casa, tudo bem; eu não teria que viajar e não gastaria com ônibus. Mas
não dá para viajar para outro estado para dar aula para três alunos. Não é
por maldade, é que o sujeito que foi para a escola não está acostumado
com o que é o trabalho intelectual - ele não tem idéia do que é isso.

Então, em primeiro lugar, devemos resumir o fenômeno àquilo que é


observado. Os alunos nunca fizeram um processo de depuração dialética
na escola. Isso é normal, pois é trabalho para adulto e não para criança.
Para ela esse é um fardo muito pesado que pode traumatizá-la, e não se
pode forçá-la a fazer isso. Devemos ter em mente que esse é um trabalho
árduo. Em segundo lugar, no que se refere ao estudo do simbolismo, ele
não será árduo no mesmo sentido do que a depuração dialética será, mas
exigirá autodomínio para o sujeito não viajar. Se os alunos fizerem essas
15

duas coisas, tudo estará resolvido, porque aí será possível aplicar a


técnica astrológica corretamente. O trabalho será árduo e exigirá
autodomínio. Tentaremos nessa edição do curso uma nova experiência:
daremos um pouquinho do esforço conceitual, um pouquinho da teoria
do simbolismo e um pouquinho da técnica astrológica para ver se o
pessoal persevera.

Qual o risco disso? O risco eu já sei. O pessoal grudará no simbolismo e


achará que está entendendo; e, por isso, pensarão que não precisam mais
fazer o trabalho da depuração dialética. Esse é o risco, mas pelo menos
há uma chance maior de mais alunos ficarem por mais tempo para que
eu possa, pelo menos, cobrir os custos das viagens. Podemos imaginar
que esse risco aumenta quando a pessoa já pratica a astrologia? Sim,
porque geralmente o astrólogo não está nem um pouco acostumado com
esse trabalho de depuração conceitual. O astrólogo profissional aprendeu
uma técnica. É como pegar um mecânico e ensinar para ele engenharia
mecânica; ele não quer aprender, ele já sabe consertar carros. Com o
astrólogo profissional é a mesma coisa: ele acredita que já sabe - o que é
difícil. A Lua para ele é um desenho. Assim como Mercúrio, só muda
o cálculo. Ele dirá coisas como “a Lua é a mãe” etc. O
16

astrólogo profissional viaja no simbolismo. Então, corremos muito esse


risco de nos apegarmos ao simbolismo. Se eu perceber isso, os alunos
voltarão para o trabalho de quebrar pedra.

Por que é quebrar pedra? Porque a mente humana não gosta de fazer a
depuração dialética. Essa não é uma atividade espontânea da mente
humana, é uma habilidade que deve ser treinada. Porque a tendência do
sujeito é ficar preso no conceito que ele aprendeu na escola. Essa é, hoje,
uma autoridade para as pessoas. Ela é a igreja que existia há quinhentos
anos. O sujeito pode dizer: “Eu tinha senso crítico com seis anos de
idade, ouvia os professores etc.” Ele não tinha senso crítico, era pura
lavagem cerebral. Ou ele acreditava que os professores eram uma
autoridade, ou não estava nem aí para eles. Se alguém alguma vez
prestou um pouco de atenção naquilo que os professores diziam, não foi
por senso crítico, foi porque pensavam: “Vamos confiar, porque esse
cara pode saber algo que eu não sei. Ele falou algo e parece mesmo que
ele sabe disso.”

A escola virou, na infância, uma espécie de autoridade parecida com a


autoridade dos pais: “Meu pai falou que só posso brincar na rua até as
oito e que eu tenho que ir para a escola; e o professor falou que a Terra
gira em torno do Sol.” Está tudo dentro da mesma categoria. Se a
criança se interessa por alguma matéria, ela pode vir a ter um interesse
de pesquisa. Mas até chegar nesse ponto, toda informação que ela recebe
é na base da autoridade.

Quando perguntamos: “O que é a Lua?” A mente dos alunos não quer


quebrar a casca da autoridade escolar já consolidada. Eles pensam: “Eu
já estudei isso. Encheu o meu saco por tantos anos... Já aprendi essa
lição. Portanto, não venha perturbar essa zona da minha mente que já
17

está pacificada. Tive que aturar isso tudo e a minha recompensa é que eu
sei o que é a Lua, sei o que é química etc.”

As pessoas devem notar que tinham uma mentalidade infantil naquela


época, e que isso não era assim por um defeito. Isso se dava
simplesmente porque todos já fomos crianças. Todos nós já fomos
infantis. Depois disso, crescemos e adquirimos algum senso crítico,
senso de juízo. Somente depois dos vinte anos (ou mais) adquirimos
certa autonomia interior. Mas quando a adquirimos, pensamos que ela se
aplica retroativamente a todas as informações que recebemos antes de
maneira automática. Porém, não é o que acontece. Devemos sempre ter
em mente que os políticos e os professores da escola são gente como
nós, e que eles não estão entendendo é nada. Antes de entendermos isso,
recebemos muitas de informações as quais não receberam esse filtro e
que foram aceitas sem nenhum filtro prévio.

Essa é a pedra que teremos de quebrar nesse curso, e a mente não dos
alunos não quer fazê-la. Mas, dito isso, alguém pode perguntar: “Fiquei
onze anos na escola obedecendo alguém só para escolher uma
profissão?” Sim! Porém, pensem pelo lado positivo: a culpa não é nossa.
Portanto, devemos aceitar esse fato agora para podermos chorar em casa
depois.

Não teremos como fingir que estamos quebrando essa pedra e, ao


mesmo tempo, conviver com ambas as concepções diferentes. Teremos
que sinceramente tomar consciência, através do processo de depuração
dialética, daquilo que sabemos de fato. Se alguém deixar guardadas na
gaveta, em caso de pensar que está ficando louco, todas essas
concepções científicas obtidas na época escola, o professor saberá. Ele
saberá porque, supondo que explique uma coisa hoje, daqui a seis meses
18

ele levantará um tema que dependerá do sujeito ter feito esse trabalho
nos seis meses anteriores. Aí o indivíduo fará a mesma pergunta que
havia feito há seis meses atrás, e o professor saberá que o aluno não está
fazendo esse trabalho corretamente. Conhecimento é algo que ganhamos
pelo que fazemos.

7. Vocação intelectual e educação formal obrigatória.

Em minha idade escolar, todos os anos meus pais tinham que ir à escola
para dizer o seguinte: “Você não vai reprovar o meu filho por faltas.”
Isso porque eu e meus irmãos sempre estourávamos o número de faltas.
Nos primeiros oito meses do ano não havia um dia em que pedíamos à
nossa mãe para faltar à aula que ela dizia “não”. No fim do ano, nossos
pais diziam: “Não, agora é bom começar a freqüentar um pouco mais
para termos um argumento pelo menos.” Tínhamos faltado metade do
ano. Quanto às notas, se havia alguma matéria que gostássemos, ela saía
alta naturalmente. Não éramos forçados a estudar para provas. O
professor perguntava: “Você não tem ambição?” E eu respondia: “Não,
não tenho.”

A escola não é nada mais do que isso. Podem achar que isso desmoraliza
todas as discussões sobre educação hoje em dia. De fato, desmoraliza,
mas a verdade é essa, não nos iludamos. Quem é bom e honesto, hoje,
no meio educacional, diz: “Como podemos fazer os alunos aprenderem a
ler, escrever e
19

fazer contas; e, junto com isso, dar uma boa amostra das profissões
necessárias?” E atualmente os alunos não aprendem nem a ler e
escrever. Ficam tentando fingir que a escola tem um propósito superior e
não cumprem nem o propósito real da coisa. Se dermos um parágrafo de
um livro para um aluno do ensino médio ler, ele dirá: “Você está
achando que eu sou doutor?”

Esse sistema é uma questão de sobrevivência para as nações modernas.


Por quê? Porque deve haver um certo número de engenheiros, um certo
número de químicos, de médicos etc. E qual o efeito dele? O grande
malefício dele é que ele é muito prejudicial para a educação superior no
sentido estrito da palavra. Para as pessoas que tem a possibilidade de
levantar seriamente questões de profunda importância para a
humanidade (como, por exemplo, “o que é o homem?”, “o que é o
universo?”, “existe vida após a morte? o que é certo e errado?”, “o que é
bem e mal?”, “o que é conhecimento e ignorância?” etc.), este processo
educacional é extremamente prejudicial. Ele praticamente esteriliza
essas vocações. Se o indivíduo tinha essa possibilidade aos oito anos,
aos nove ela diminuiu pela metade e aos doze acabou. Às vezes ela volta
lá pelos trinta e a pessoa começa a se perguntar sobre essas coisas,
porém ela não tem mais aquela energia da juventude para estudar.

Também é prejudicial porque é um ambiente de falsidade. Ninguém


chega para a criança e diz: “Aquilo está lá para você saber o que quer ser
quando crescer.” Um museu das profissões seria mais eficaz do que a
escola. Que façam um laboratório de física com um aparelho que dá
choque, ou um corredor por onde a criança passa e têm coisas de
química, um planetário etc. Isso funcionaria muito melhor. Se
dissessem: “Todo mundo aqui tem que fazer o primário: quatro anos
para aprender a ler, escrever e fazer contas. Depois disso, é obrigatório
fazer visitas mensais ao museu das profissões.” Parece desmoralizante,
20

mas a verdade é que funcionaria melhor. As pessoas pensam: “Escolas


que têm laboratórios são melhores porque as crianças aprendem mais.”
Não, elas são melhores porque as crianças vêem os equipamentos e
pensam: “Quero ser químico.” As crianças olham o microscópio e
dizem: “Quero ver células e tecidos, quero entender esse negócio.” O
indivíduo que serve para estudar aquilo, descobre que quer estudar
aquilo antes de emburrecer, antes daquele processo massacrante
emburrecê-lo. Como não dá para dar amostras na infância do que é
filosofia, o que é ciência ética - disso não dá para dar amostras, isso não
é uma coisa para a juventude -, essas vocações são sufocadas por esse
ambiente.

Aluno: Logo depois que comecei a fazer esses cursos, não agüentava
mais a faculdade. A repulsa foi muito grande. Fazia isso para me
sustentar financeiramente, mas joguei tudo para o alto. Hoje sei quem
sou quando olho no espelho. Em contrapartida, financeiramente vejo que
isso não foi muito bom.

Gugu: Isso é assim mesmo. Dar aulas e cursos de filosofia, ética etc.
nunca deu lucro, sempre foi prejudicial à vida financeira. Hoje está até
mais fácil do que há dez anos atrás, pois conseguimos repercutir em
mais pessoas; mas antes era mais limitado. Por isso, nessa parte não vou
poder ajudar muito, porque é uma escolha que o sujeito deve fazer. O
que deve ser questionado é o seguinte: “Eu quero saber isso aí? Quero.
Então dane-se.” Se os pais reclamarem, diga: “Eu dou duas escolhas
para vocês: é isso ou heroína. Escolha!”

Se alguém quer ser um estudioso, já deve ter algum dinheiro da família,


ou então deve ter uma padaria além do trabalho intelectual. Caso
contrário a pessoa será pobre. Ser intelectual não dá dinheiro, a não ser
21

que se crie uma ONG para receber dinheiro do governo, a não ser que a
pessoa seja um Aristóteles e exista um imperador que precise ser
educado. Nesse último caso a pessoa que cobre cobra um valor que dê
para sustentá-la por toda vida. Sócrates? Pobretão miserável. E Platão?
Platão já tinha o dinheiro da família e só ficou gastando para estudar.
Temos o exemplo de Spinoza também: “Aprenda um trabalho simples
que não vai exigir muito da sua mente.” Ele era ótico, fazia lentes. Não
sonhe poder viver disso.

O que ocorre é que o indivíduo passa vinte anos estudando filosofia e


espera que todo mundo o respeite por isso e não por ser dono de uma
papelaria. Ele espera dar entrevistas ao Jô Soares e vive pensando: “E o
respeito que me é devido?” Nenhum respeito lhe é devido! Foi você que
aprendeu, você que saiu ganhando, não os outros; não foi um bem para a
humanidade, foi um bem para você.

8. Mais considerações sobre a importância do trabalho de depuração


dialética.

Então, o trabalho de depuração dialética é pesado, nós não estamos


acostumados com ele e parece ser inútil em relação aos resultados. A
depuração dialética é parecida com a prática da religião: o sujeito reza e
não tem nenhum efeito; mas aí ele morre e vai para o céu. Não existe
continuidade entre o esforço e o resultado. O esforço e o resultado estão
em ordens diferentes, porque os dois são trabalhos de limpeza. É
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como limparmos um objeto e descobrirmos que ele é de ouro: o valor do


ouro não veio da sua limpeza, porque já havia ouro embaixo; porém,
nunca veríamos o ouro se não o tivéssemos limpado.

Há algumas décadas atrás, era possível ensinar cosmologia e dar mais


ênfase no simbolismo, porque a imaginação das pessoas era mais limpa.
Há trinta anos, na aula de astrologia diríamos: “O Sol e a Lua, princípio
masculino e feminino etc.” E na mente de ninguém aparecia: “Mas e o
casamento gay? Eu achava que o princípio masculino e feminino éramos
nós que escolhíamos. O que você quer dizer com princípio masculino e
feminino?” Há umas décadas atrás a imaginação era mais limpa, então
fazia menos mal enfatizar o simbolismo. O pessoal até entendia alguma
coisa, já hoje em dia as pessoas entendem muito pouco.

Aluno: Engraçado, estudei astrologia nos anos oitenta e lembro-me de


estar completamente perdido naquele “modo de pensar da Vila
Madalena”, esse modo já automático de ser. Lembro que mesmo naquele
tempo, quando falavam para alguém que o princípio feminino
significava “x”, “y” e “z”, se alguma pessoa levantasse uma objeção
feminista (como, por exemplo: “É a sociedade que impõe esse papel.”),
já começava uma briga, e a outra pessoa explicaria que as coisas tem, de
fato, um princípio masculino ou feminino.

Gugu: Há ainda outro fator que devemos mencionar: todo mundo


assistiu filmes, todo mundo já leu jornais, todo mundo ouve músicas,
todo mundo já viu discussões na TV etc. O que as pessoas não sabem é
que todo discurso, todo imaginário, toda narrativa subentende vários
pensamentos anteriores àquele discurso, àquela narrativa, àquela
imagem ética. Se começarmos a explicar o simbolismo das cores,
alguém perguntará: “Como você sabe que não está projetando isso na
23

cor?” E devemos responder: “Você reparou que está usando a palavra


‘projetar’ no sentido metafórico? O que quer dizer com ‘projetar’?” Ao
que ela nos responderá: “Não, isso aí é subjetivo.” E retrucaremos: “Mas
o que você quer dizer com subjetivo? Pare, pare, pare e pare! Não me
venha com termos abstratos, porque você não tem essa ciência. Se
quando pergunto o que é Lua você não sabe responder, quando eu
perguntar o que é ‘subjetivo’ você vai enlouquecer. Porque, quanto à
Lua, eu posso virar sua cabeça e mostrá-la; mas ‘subjetivo’, como eu
faço? Preciso te bater, porque isso aí não tem correção.”

9. O simbolismo das três cores primárias.

Falemos agora algo sobre simbolismo. Quais são as três cores primárias?
Azul, vermelho e amarelo. Todos sabem a diferença entre essas três
cores, e por isso não precisamos explicá-las. Mas, por incrível que
pareça, sempre algum sujeito levanta esta objeção: “Como você sabe que
o vermelho é vermelho e não apenas uma coisa do seu cérebro?” Porém,
ninguém levantará essa objeção nesse curso, e portanto não precisarei
enfrentá-la pela enésima vez na vida. Vermelho, amarelo e azul: todos
sabem o significado concreto dessas palavras. Mas, agora, não faremos a
depuração dialética dos conceitos de vermelho, amarelo e azul;
falaremos do simbolismo dessas cores. E o que fazemos para falar do
simbolismo das cores?

Comecemos pelo mais simples: o que o vermelho tem que o azul e o


amarelo não têm? Ele é mais forte? Se tivéssemos que escolher uma
dessas três cores para significar força, qual delas seria? O azul? Não,
pois o azul é calmo. Então, o que vermelho tem? Ele é quente, tem calor,
força, intensidade, paixão, desejo, sangue, raiva, nobreza. Outra nota
interessante é que, se repararmos bem, as cores da dignidade, da pompa,
da realeza etc. são sempre tons de carmins avermelhados, e a força da
24

realeza é representada pelo vermelho. Claro, isso não é exclusivamente


representada por essa cor, mas podemos notar um elemento de nobreza
nela. Devemos perceber ainda que há algumas coisas concretas que
podem ser vermelhas ou não, mas que podem ser lembradas, trazidas à
mente quando pensamos no vermelho. Portanto, já temos uma lista
suficiente, e todas essas indicações são fáceis de serem vistas no
vermelho.

Porém, na escala da vermelhidão, do poder do vermelho, do sangue, da


raiva, da força, quem está mais perto do vermelho: o amarelo ou o azul?
O amarelo, evidentemente. Vamos colocar numa ordem de proximidade
o vermelho, o amarelo mais próximo e o azul mais distante. Sabemos
então que, na escala das qualidades, o azul está longe do vermelho e que
o amarelo está mais perto dele. Mas se perguntarmos o que o amarelo
tem, isso não será muito favorável, porque esse se parece com aquele e
ainda temos em nossa memória imaginativa o registro do vermelho.
Então, temos uma primeira nota sobre simbolismo que devemos
aprender: quando estamos estudando o simbolismo de alguma coisa, não
podemos passar a analisar o simbolismo de outra coisa parecida, mas
temos que passar a analisar o simbolismo de uma coisa contrária. Nesse
caso, se passarmos direto para a análise do simbolismo do amarelo,
em nosso
25

imaginário, o vermelho e ele se confundirão, e dessa forma o amarelo se


tornará um tipo de subvermelho, um quase-vermelho.

Tomada essa precaução, dos fatos que listamos sobre o vermelho, o azul
é o que dele está mais distante. E o que o azul tem que o vermelho e o
amarelo não têm? Calma, serenidade, profundidade, confiança,
segurança. Devemos prestar muita atenção nisso. Quando dissemos
“calma” nos referindo ao azul, temos que nos lembrar de que essa cor
realmente evoca esse sentimento, para que não tenhamos de refazer o
trabalho depois. O que mais o azul evoca? O céu, a água, o frio, a
limpeza; há muitos produtos de limpeza que são azuis. Podemos dizer
ainda que ele evoca pouca luminosidade, ambientes pouco luminosos.
Na verdade, dessas três cores, o azul parece ser o menos luminoso.
Portanto, ele traz à mente a escuridão, as trevas, ausência de luz, e isso
não necessariamente num sentido negativo. Se tivéssemos esses três
lápis de cores para representarmos a noite, escolheríamos o azul.

Mas, agora, na escala do azul, quem está mais perto dele? Isso não é tão
evidente como quando começamos na escala do vermelho. A resposta
para isso é: depende. Para alguns aspectos do azul, pode ser o amarelo
que está mais próximo dele; para outros, pode ser o vermelho. A relação
não é simétrica.
Não dá para dizer simplesmente que a escala do azul é o contrário de
uma ou outra coisa. Às vezes é, às vezes não. Essa é uma nota
importante. Por quê? Pois estamos lidando com um ternário real. Não
estamos lidando com o número um, o número dois e, no meio destes,
com o um e meio. Por exemplo, se falarmos sobre pai, mãe e filho, isso
não é um ternário real. O filho é um termo entre o pai e a mãe. Não
podemos dizer que esse terceiro termo é um termo pleno como os outros
26

dois. No caso das cores, estamos tratando de três termos que são
realmente independentes.

Se fizéssemos uma escala, pegássemos o número um, o número dois e


número três, poderíamos nos perguntar qual a qualidade do um. Porém,
não teríamos uma resposta para isso, e então buscaríamos a diferença em
termos quantitativos, com base em qual número está mais próximo de
qual. Que número está mais perto do um? O dois. E que número está
mais longe? O três. Assim procedendo, a escala será sempre simétrica. E
do número três, quem está mais perto? O número dois e depois o número
um. Esse é um tipo de relação reversível. Por quê? Pois esse termo está
realmente entre dois.

Assim, do ponto de vista do vermelho, o amarelo está entre ele e o azul.


Do ponto de vista do vermelho, o amarelo compartilha de algumas de
suas qualidades, enquanto o azul nada compartilha. Já do ponto de vista
do azul, o amarelo está de um lado e o vermelho está de outro; o amarelo
possui algumas das qualidades dele, assim como o vermelho também.
Eles não estão em posições reversíveis; a diferença é qualitativa. Pois
vejamos que o amarelo não é tão tenso quanto o vermelho; e nisso ele é
mais semelhante ao azul. Mas o vermelho também tem uma certa
interioridade como o azul e que o amarelo não tem. O amarelo parece
um branco, parece ser só para fora, uma expansão. O amarelo, em
relação ao azul, parece ter algo da sua paz; e o vermelho, em relação ao
azul, parece ter algo da sua profundidade. Se partirmos do ponto de vista
do vermelho, não haverá a participação simultânea, nele, do amarelo e
do azul; pelo contrário, o amarelo participa de suas qualidades e o azul é
a ausência delas. Essa não é uma relação realmente reversível como uma
relação quantitativa semelhante a do exemplo do parágrafo anterior
27

E o amarelo? O que ele tem que o azul e o vermelho não têm? Brilho,
como o Sol e o ouro, riqueza, alegria, alarme. Ele é o mais irradiante, o
mais luminoso e o mais brilhante dessas três cores. Então, se pintarmos
uma sala inteirinha de azul - ainda que seja um azul bem clarinho, que é
quase igual ao branco
-, outra sala inteirinha de vermelho e mais outra sala inteirinha de
amarelo, qual delas será a sala mais clara? De longe a sala amarela. O
amarelo se expande, se irradia.

Agora, do ponto de vista do amarelo, como fica a escala? Quem está


mais perto dele: o vermelho ou o azul? Depende um pouco do critério
que se usa. Devemos notar que apenas do ponto de vista do vermelho
que não há discussão quanto à escala. Apenas se escavarmos muito
acharemos alguma coisa em que o azul parece mais com o vermelho do
que com o amarelo.Talvez isso se dê pelo fato da cor amarela ser uma
cor quente como o vermelho, e não uma cor fria como o azul, talvez seja
porque o vermelho é quente e o amarelo seja meio morno. Porém, o que
importa é o seguinte: essa escala de distanciamento só acontece quando
tomamos como ponto de partida a cor vermelha. Se tomamos como
ponto de partida o amarelo, isso não fica tão evidente, pois podemos ir
tanto para o azul, quanto para o vermelho. Se pensarmos nos calor,
iremos para o vermelho; mas se pensarmos em uma coisa mais
fraquinha, iremos para o azul. Se pensarmos em alegria, por exemplo,
vamos para o azul. Por quê? Porque a serenidade do azul é mais
semelhante à alegria do amarelo; ela é mais pacífica, é mais calma.
Essas são duas coisas que o amarelo também transmite e que são o pano
de fundo da alegria dele.
28

Mas às vezes o amarelo pode ser algo que indica desespero, pode ser
algo que está fugindo de si pela sua excessiva fugacidade. Ele também
pode ser invasivo, irradiante e perturbador, no sentido de que precisamos
sair de uma determinada posição para outra. Nas placas de rua, por
exemplo, o amarelo é usado como sinal de cautela. Também lembra a
morte, não no sentido do ato de matar, mas de alguma coisa morta. Já o
vermelho lembra a morte no sentido de matar algo violentamente.
Quando pensamos no amarelo, pensamos em algo muito brilhante, mas
ele também pode ser algo opaco, doentio. Os significados dessa cor não
são unívocos. Só que todas as qualidades dela implicam certa espécie de
deslocamento causada por um elemento perturbador, como, por
exemplo, a alegria irradiando. Há um movimento nisso.

Aluno: Essas associações que estamos fazendo estão presentes na


natureza? De onde estamos tirando isso?

Gugu: Em primeiro lugar, no estágio atual em que nos encontramos, não


podemos saber de onde estamos tirando isso. O que podemos saber é que
não foram as mesmas pessoas que disseram todas essas palavras acerca
de cada uma dessas cores. Quando alguém disse algo sobre o vermelho,
os outros olharam e perceberam que o vermelho tinha algo do que ele
tinha dito. Porém, também é claro que eles não perceberam isso tão
imediatamente como esse alguém, todavia eles conseguiram entender do
que ele estava falando. Então outra pessoa disse outra coisa e seguimos o
mesmo caminho percorrido anteriormente. O processo com que isso está
vindo em nossa mente pouco importa. O que importa é que a base disso
é uma certa concentração da percepção sensorial. Alguns, quando
olharam o vermelho, captaram algo de força; outros, só de olharem o
vermelho, não conseguiram perceber isso, mas com um esforço de
concentração chegaram captar essa qualidade. Agora, se um indivíduo
29

perguntar por que o vermelho tem força, então ele nada verá nada de
força no vermelho, pois para isso ele precisa olhar para a cor.

Isso indica que, de algum modo, essas coisas estão enraizadas nas
próprias cores como fenômenos perceptivos. A tomada de consciência
dessas qualidades não deriva apenas da cor. Tanto é assim que uma
pessoa toma consciência primeiro da força, outra toma consciência
primeiro da tensão, outro ainda toma consciência primeiro da raiva, do
amor etc. Aquilo que vem à consciência imediatamente não deriva
apenas da cor, deriva de conteúdos prévios da nossa consciência. Porém,
quando uma pessoa que primeiramente não enxergou determinada
qualidade na cor a olha procurando essa qualidade, ou ela verifica que
essa qualidade está realmente lá, ou ela não verifica. Esse é o ponto.
Quando disseram que o vermelho lembrava força, todos o olhamos e
concordamos que essa qualidade realmente estava nele.
E por que alguns não pensaram em força primeiro? Porque uns sentiram
intensidade, outros desejo, outros paixão, outros raiva etc. Destacou-se
na consciência de cada um de nós, em primeiro lugar, um conteúdo
diferente. Mas juntamos cada um desses conteúdos e olhamos a cor
vermelha para verificar se ela os possui ou não. E qual o resultado? O
vermelho lembra raiva, sangue, intensidade? Sim para todas essas
características. Além de podermos ver todas essas qualidades no
vermelho, conseguimos ainda enxergar uma certa profundidade nele;
profundidade essa que é algo mais próxima de “profundeza” ou
“densidade” do que de “profundidade” em si.

10. Teoria geral do simbolismo: o universo como discurso da Mente


Divina.
30

Agora explicaremos como funciona a teoria geral do simbolismo. O


universo é o discurso de uma Inteligência Suprema. Deus fala o
universo. E, como todo discurso, por definição, tal universo tem um
significado que é autoevidente para a Mente Divina. Nós também temos
uma mente, e mesmo não sendo ela a Mente Divina, somos capazes de
captar algo do significado desse discurso. No universo existe cor?
Existe. Então a cor é um elemento desse discurso, e, portanto, ela tem
um significado para a mente divina. Como a nossa mente não é a mente
divina, olhamos aquela e captamos algo do que ela significa. E que algo
é esse o qual conseguimos captar? Aquilo que, naquele momento, em
nossa mente, é menos diferente da Mente Divina. Como a mente de cada
um de nós é diferente, e a abertura à Mente Divina para cada um de nós
difere a cada momento, então enxergamos coisas diferentes. Porém,
quando começamos a comparar os resultados das mentes normais e sãs,
vemos que todas essas características têm algo em comum. Vemos que
força e calor se parecem, porque o calor força a algo. Força, calor,
densidade, intensidade e paixão também se parecem. Tudo isso são
expressões fragmentárias, pequenos fragmentos do significado que o
vermelho tem na Mente Divina. Essa é a teoria geral do simbolismo. Ele
funciona e existe porque o universo é o discurso de uma mente. E
porque tudo o que existe é um discurso de uma mente, outra mente
também pode captar algo desse significado.
31

Isso quer dizer que para entendemos o simbolismo do vermelho são


necessários dois fatores: 1) prestarmos bastante atenção nele em várias
instâncias das nossas vidas; 2) criarmos condições que favoreçam nossas
mentes a serem receptivas a um significado que é concebido pela Mente
Divina. Então, o que o vermelho efetivamente significa só Deus o sabe,
porque o vermelho em si mesmo enquanto ente único e exclusivo só
existe diante da mente de Deus. Só ele sabe exaustivamente e
exatamente o que é o vermelho. O que podemos fazer? Uma
aproximação simbólica: o vermelho é força, calor, paixão, raiva,
intensidade, morte, sangue, violência, nobreza, majestade, centralidade,
concentração etc. Assim, quando olharmos para o vermelho,
perceberemos que todas essas palavras estão na direção do vermelho, e
não na direção do amarelo e nem na do azul. E mais: nenhuma dessas
palavras esgotam realmente o significado dele, e nenhuma delas é tão
exata perante a qual as outras qualidades se diminuem. Todas elas
apontam para algo que está no meio.

Seria correto então dizer que só Deus pode conhecer o vermelho


perfeito? Nós podemos conhecer o vermelho perfeito, porém nunca
saberemos plenamente o que é esse vermelho. Só Deus pode conhecer o
vermelho perfeitamente. Sabemos o que é perfeitamente vermelho, mas
não sabemos perfeitamente o que é vermelho. E isso não é válido
somente para as cores. Isso é válido para tudo que existe. É disso que os
santos falavam quando eles diziam que “se entendermos a essência de
um grão de areia, atingiremos a realização suprema, teremos o
conhecimento supremo.” Isso porque um grão de areia é uma palavra de
um discurso de uma mente ilimitada. Então, em cada palavra desse
discurso está contido todo o conteúdo da Mente Divina. Se uma palavra
for compreendida, a Mente Divina também será.
32

É como quando entendemos uma personalidade a partir de um ato


característico. Precisamos ver tudo o que uma pessoa faz para conhecer
o caráter dela? Não, não precisamos ter a lista exaustiva dos atos que ela
praticou. Mas podemos dizer que conhecemos perfeitamente o caráter do
outro? Não, porque em todo fenômeno há algo de inesgotável.

Assim está dito na Suma Teológica: “A essência da menor mosca é


intelectual e inteligivelmente inesgotável.” Isso pois a mosca é uma
palavra do Discurso Divino. E o sujeito que pensa ser a mosca uma
coleção de elementos químicos que formaram moléculas que são
capazes de se reproduzir e que permitem a vida é um idiota. Também
não conseguimos explicar o fenômeno do amarelo desse modo. Podem
dizer que o amarelo é uma freqüência a qual tem um pigmento que bate
nos olhos e gera uma vibração etc. Será mesmo?! Então por que ele é
luminoso, brilha, lembra riqueza e alegria? Será porque em nossos
cérebros há uma mesa de sinuca tridimensional, e a vibração do amarelo
bate e acaba caindo no mesmo lugar da alegria? Obviamente que não. E
mesmo que existisse literalmente esse mecanismo da mesa de sinuca, ele
não esgotaria e não explicaria o fenômeno.

Então, em primeiro lugar, temos essa observação comum a todos os


povos: o universo é um discurso de uma mente ilimitada. Isso é fato.
Todos os povos em todas as épocas defenderam essa tese. A teoria
astrológica é possível por isso. Então Júpiter é uma pedra voando no
céu? Não, Júpiter é uma palavra do Discurso Divino. E é por isso que
Astrologia funciona? Ninguém sabe por que as coisas funcionam.
Ninguém sabe até mesmo por que a anestesia funciona! Se procurarmos
o porquê a anestesia ou a cola funcionam, nada encontraremos. Mas
então como Astrologia funciona? Por que eu tenho que saber?! Ninguém
sabe e acabou. Como o cérebro funciona? Ninguém sabe. Como o
coração funciona? Ninguém sabe. Ninguém sabe essas coisas. A história
33

do “como funciona?” tem apenas trezentos anos. Agora, o saber “o que


são as coisas?” já existe há milhares de anos e, durante esse período, o
esforço para conhecer isso foi realizado por pessoas que tinham
capacidades incalculavelmente maiores do que as nossas. A pergunta de
“como as coisas funcionam?” surgiu há pouco tempo, e ainda não
apareceu ninguém com o talento de Buda para respondê-la, e
provavelmente não aparecerá.

Voltemos novamente ao princípio da teoria: não é que espontaneamente


vem à mente de cada um a mesma lista das qualidades de algo, mas,
como não temos uma mente doente, podemos encontrar todas as
qualidades que cada um de nós percebeu na coisa que estamos
estudando. Somos pessoas normais, não mordemos os outros na rua, não
saímos lambendo o chão e não babamos; trabalhamos, é possível para
nós manter uma conversa e há pessoas que gostam da gente. Por isso
tudo, devemos falar sério: o que o vermelho tem que o amarelo não tem?
Todos iremos dizer algo na linha do que já foi dito. Então, quando outra
pessoa falar outra coisa, teremos que pensar um pouco e olhar o
vermelho mais ativamente, com um pouco mais de atenção; e aí
perceberemos que essa coisa realmente se encontra no vermelho. Isso se
a outra pessoa não tiver viajado muito; porque aí você pergunta para ela:
por que tem “x”? E se ela responder que tem “x” porque tem “y” é
porque o que tem é realmente “y” e não “x”. Às vezes a pessoa
34

não se expressa bem; nem todo mundo é dialético. Porém, tudo está na
mesma direção, e se tudo está na mesma direção é porque essas coisas
estão realmente lá. Não é projeção.

Aluno: Para todas essas coisas eu vejo que há um fundo narrativo que
não é uma coisa tão estática quanto o conceito da cor em si.

Gugu: Não há nenhum fundo narrativo. A pergunta inicial foi: o que o


vermelho tem? Força. Isso é apenas uma nota sobre o vermelho, e não
uma narração completa. Depois disso, demos outra nota: o vermelho
também tem nobreza. Mas quem não captou nobreza no vermelho num
primeiro momento, deverá então fazer uma narrativa entre a ligação do
vermelho com a nobreza. Por quê? Porque as mentes têm disposições
diferentes. O que devemos fazer não é para perceber o vermelho em si
mesmo, e sim o que ele significa intencionalmente na Mente Divina.
Temos um aparato cognitivo imediatamente proporcional à captação
sensível (por exemplo, o aparato ótico) e à captação conceitual (por
exemplo, o que é uma cor em princípio). E essas duas coisas criam uma
disposição passiva, permitem que vislumbremos o conteúdo intencional
da Mente Divina, mas não nos dão esse conteúdo imediatamente. É por
isso que a primeira coisa que vem na mente de cada pessoa é diferente,
pois ninguém tem esse poder. Se tivéssemos, seríamos Deus. Por isso,
para entender o que outra pessoa enxergou, temos que fazer uma
narrativa, pois é o que ela viu. Num certo sentido, teremos que usar a
palavra humana como um suporte para entender o significado da Palavra
Divina.

É evidente que a idéia de que o vermelho, o amarelo, o azul ou todo e


qualquer objeto e fenômeno seja parte de um discurso de uma mente
ilimitada, seja agora para nós somente uma hipótese. Mas a existência da
35

força da gravidade, de leis biológicas e coisas desse tipo também são só


hipóteses. Agora, o universo ser o discurso de uma mente ilimitada já foi
arquidemonstrado; isso é indiscutível. Se alguém disser que não sabe se
é assim, essa pessoa não entende as coisas, não sabe o que são elas. E é
evidente que a mente humana não capta imediatamente em qualquer
objeto todo o seu simbolismo, todo o seu significado na Mente Divina,
pois uma mente humana não é uma mente divina. Todos os sistemas
simbólicos têm, no seu pano de fundo, a idéia de que as coisas estão
todas ligadas, como as palavras de um discurso também estão ligadas. O
universo é um cosmos, é uma ordem, porque um discurso é uma ordem,
é um cosmos. Quer dizer, um discurso não é só uma seqüência arbitrária
de palavras ou de significados. Não, ele é um conjunto de significados
os quais uns vão clareando os outros, os outros vão complementando
aqueles outros, e assim sucessivamente.

11. Alfabeto astrológico.

Vamos fazer agora um alfabeto astrológico. Teremos de decorar isso da


mesma maneira como decoramos as letras do alfabeto.
36

O símbolo de Marte também pode ser um círculo com uma cruz


apontando para cima.1 Quanto aos planetas Urano, Netuno e Plutão,
esqueçam-nos. Eles são coisa para doentes mentais. São planetas que
ninguém vê. Como procurar o simbolismo de algo que ninguém vê,
ninguém ouve e ninguém cheira?

1
Nota do revisor: os símbolos utilizados nessa transcrição foram encontrados no Google e estão de acordo com
os símbolos que vieram junto do download dessa aula.
37

Agora temos os meses das estações no Hemisfério Norte e os signos


respectivos:

- signos da primavera: Áries, Touro e Gêmeos;


- signos do verão: Câncer, Leão e Virgem;
- signos do outono: Libra, Escorpião e Sagitário;
- signos do inverno: Capricórnio, Aquário e Peixes.

12. A relação entre as estações do ano e os signos cardinais, fixos e


mutáveis.

Do mesmo modo que as cores e os intervalos musicais têm um


simbolismo, cada estação do ano também possui um simbolismo. Todos
já devem ter notado que existem diferenças entre as quatro estações.
Porém, notar as diferenças astrológicas entre as estações já é algo mais
complicado, mesmo porque elas não são tão evidentes aqui no Brasil,
além do fato de serem invertidas em relação ao Hemisfério Norte. Mas
se prestarmos atenção, cada uma das estações veremos que cada estação
38

tem três meses e três signos: Áries, Touro e Gêmeos estão ligados ao
simbolismo da primavera; Câncer, Leão e Virgem estão ligados ao
simbolismo do verão; Libra, Escorpião e Sagitário estão ligados ao
simbolismo do outono; e Capricórnio, Aquário e Peixes estão ligados ao
simbolismo do inverno.

Em primeiro lugar, devemos notar uma coisa óbvia: cada estação do ano
dura três meses. Áries (primavera), Câncer (verão), Libra (outono) e
Capricórnio (inverno) correspondem ao primeiro mês de cada uma das
estações. Se as observarmos bem, veremos que no primeiro mês delas é
o momento em que notamos uma qualidade distinta, diferente à da
estação anterior. Nos dias em que o Sol entrou em Câncer, por exemplo,
começamos a sentir tudo mais quente, porque é o primeiro mês do verão.
Já no primeiro mês da primavera, as coisas começam a renascer, a
vegetação volta a se expandir etc. No segundo mês de cada uma das
quatro estações, percebemos a intensificação das qualidades do mês
anterior. As qualidades e características distintas que surgiram no
primeiro mês se tornam marcantes no segundo. Por fim, o terceiro mês é
marcado, geralmente, pela dissolução dessas qualidades e antecipação,
às vezes, das qualidades da estação seguinte. Então, os signos que
começam as estações são chamados de signos cardinais (depois veremos
a parte astronômica do porque eles serem chamados de cardinais); os do
segundo mês são signos fixos, pois as qualidades das estações se
fixaram, estão mais firmes; e os últimos são os mutáveis, justamente
porque a estação começa a mudar para outra.

13. A relação entre os signos cardinais, fixos e mutáveis e as três cores


primárias.

Porém, os termos “cardinais”, “fixos” e “mutáveis” não significam nada


para quem não é astrólogo. Se quisermos entender os signos, também
39

podemos dizer que os cardinais são signos amarelos (pois aqui há a


irradiação de uma qualidade, há o surgimento dela), os fixos são signos
vermelhos (aqui há a intensificação da qualidade surgida anteriormente)
e os mutáveis são signos azuis (pois a qualidade diminui, repousa e
termina). Se quiséssemos, poderíamos dizer que Áries é um signo
cardinal de fogo. Mas se desejamos realmente entendê-lo, é mais fácil
dizer que ele é o signo amarelo de primavera. Se captarmos qual é a
qualidade da primavera, perceberemos que Áries representa aquilo que
faz nascer essa qualidade, já touro representa o momento em que ela se
intensifica e Gêmeos representa o momento do seu fim. Quando
conseguirmos captar qual é a característica do verão, veremos que
Câncer é o signo que representa o surgir dessa característica, Leão
representa a sua intensificação e Virgem o seu fim. Do
40

mesmo modo isso se dá com os signos do outono e do inverno. Toda a


Astrologia funciona nessa base. E é por isso que, na sucessão das cores,
a primeira é o amarelo, a segunda é o vermelho e a terceira é o azul.

14. O problema da diferença entre as estações no Hemisfério Norte e no


Hemisfério Sul.

Ainda quanto às estações, nos deparamos com um problema: a questão


das diferenças entre Hemisfério Sul e Hemisfério Norte. Como
resolvemos isso? Por enquanto, devemos esquecer o Hemisfério Sul. Por
quê? O que devemos fazer na prática? Primeiro temos de entender
claramente as características distintivas das estações no Hemisfério
Norte. Temos de entender, por exemplo, como é o ar e a vegetação de
Áries. Quando já conseguimos identificar todas essas coisas, então
passamos a observar a natureza no Hemisfério Sul, quando o Sol estiver
em Áries, para tentarmos enxergar essas diferenças. A questão entre
Hemisfério Norte e Hemisfério Sul é muito complicada e sutil. E por que
não invertemos a ordem? Porque as estações em um hemisfério não são
exatamente a inversa da outra. O primeiro mês de outono no Hemisfério
Sul não é igual ao primeiro mês de outono do Hemisfério Norte, pois as
qualidades são diferentes. Primeiro devemos conceituar a coisa muito
bem, só depois pensamos na questão problemática. É claro que podemos
explicar aqui que isso se dá porque o Pólo Norte representa o pólo
essencial da manifestação, e o Pólo Sul representa o pólo substancial.
Então, no Hemisfério Norte, os signos se apresentam como qualidades
formalmente distintas, e, no Hemisfério Sul, como tons de uma matéria
diferente. Essa é a teoria. Mas quem não sabe Astrologia não entenderá
nada!

Lembro que estava esse ano, quando o Sol entrou em Áries, em


Joinville, em um sítio, com um grupo de amigos. No dia que o Sol
41

entrou em Áries, falei: “Está vendo esse ar assim? O que está te dando
vontade de fazer? Está vendo? O Sol acabou de entrar em Áries. Preste
bem atenção em como há poucas horas atrás você só tinha vontade de
ficar recolhido em casa, e agora começou a surgir uma energia que te
move.” Dava para perceber nitidamente. Mas eles são alunos que já
sabem das distinções entre os signos. Num caso assim é possível mostrar
isso. Naturalmente que podemos estar presentes na entrada do Sol em
cada signo, então isso é algo que os iniciantes em Astrologia terão de
fazer durante muito tempo. Idealmente, quem está começando a
aprender Astrologia tem de ver a mudança de cada mês no Hemisfério
Norte, porque nele a qualidade se apresenta de maneira distinta e não
como um tom.

15. A diferença entre forma e matéria.2

Podemos entender melhor isso com uma analogia. Já repararam que


existem coisas valiosas e coisas sem valor? Ou nunca repararam? Se não
repararam, passem já todo o dinheiro que têm aí! Porque se não existe
valor, não há diferença entre o que tem valor e o que não tem. As coisas
valiosas o são por duas causas. 1) Em primeiro lugar, quando elas são
feitas de materiais valiosos. Por exemplo, um fusca feito de ouro é
valioso e vale mais do que um fusca comum. 2) Agora pensemos numa
Ferrari comum que não é de ouro. Ela vale mais, menos ou tem o mesmo
valor do que um fusca comum? Vale mais. Mas isso não se dá
exatamente, nem principalmente, pelo material de que ela é feita. O
valor da Ferrari se dá pela boa execução de um projeto excepcional. O
material de que a Ferrari é feita com certeza é um pouco melhor do que
o material de que outro carro comum é feito, mas isso não justifica o seu
preço. O que justifica é a diferença efetiva entre um carro bem projetado
e outro não tão bem projetado assim.
42

Então, algo pode ser precioso porque tem uma função, uma capacidade
ou qualidade dada por um projeto bem executado, ou porque tem
qualidades dadas por um material precioso em si mesmo. Claro que é
possível haver um projeto excepcional realizado num material valioso. É
possível haver uma Ferrari de ouro. Nesse caso, estaríamos no topo da
escala de valor. Devemos ter em mente que uma pepita de ouro vale
alguma coisa, mas uma escultura do Rodin feita de ouro vale mais do
que essa pepita ou do que o mesmo peso em ouro bruto. Da mesma
forma, um colar de ouro bem feito vale mais do que o mesmo peso de
ouro bruto.

Essa é a diferença entre forma3 e matéria4. Forma é o que dá à coisa as


suas características formais, é o princípio que dá ao ente aquilo que ele é
capaz de realizar. Já a matéria é aquilo que dá ao ente a sua

2
Nota do revisor: o professor acabou passando um pouco rápido demais no tema, e acho que isso pode gerar
alguma confusão no entendimento de alguns alunos. Tomei a liberdade de trocar alguns termos que foram
usados para a melhor compreensão dos alunos. Quando isso ocorrer, haverá indicação por meio de notas.
3
Nota do revisor: aqui o professor usa o termo “essência”. Porém, como ele mesmo explica em outros cursos
de Cosmologia, a essência é aquilo que define um ente concreto tanto materialmente como formalmente.
Qualquer ente que exista concretamente no
mundo da physis possui um aspecto formal e um aspecto material. Essa é uma distinção real-formal, e não
uma distinção real-real. Explicando um pouco melhor: podemos distinguir num ente esses seus dois
aspectos, pois eles de fato existem. Porém, ambos não
43

consistência, é o princípio material em que essa forma irá existir. Todo


fenômeno natural é composto de forma e matéria, todo fenômeno natural
possui um lado material e um lado formal. O princípio material de que
são feitos os meses das estações no Hemisfério Norte tem uma relação
direta e mais evidente com os princípios formais dos signos do zodíaco.
Já no Hemisfério Sul, a matéria de que são feitas as estações é diferente
à matéria de que elas são feitas no Hemisfério Norte. Porém, os
princípios formais que as regem ainda são os mesmos que regem as
estações no Hemisfério Norte. O verão aqui, quando é inverno lá, é feito
de um calor diferente do verão de lá. É difícil notar isso quando nunca
prestamos atenção procurando essas diferenças.5

O que são então as formas das estações? As formas das estações


correspondem a esses princípios formais dos signos. Elas são uma
indicação dos signos, são notas que o definem formalmente. Por
exemplo, nos meses que o Sol está em Áries, Touro e Gêmeos, a
natureza toda indica um certo princípio formal. Especificamente quando
está em Áries, o Sol indica esse princípio combinado com a qualidade do
amarelo. Quando está em Touro, esse princípio é combinado com o
vermelho. Quando está em Gêmeos, essa princípio é combinado com o
azul.

Quando estudarmos o simbolismo dos signos, pegaremos os dados


astrológicos de todos vocês e iremos saber o Ascendente de todo mundo.
Veremos que a pessoa que possui o Ascendente no signo “x” se
comporta de determinadas maneiras. E então começaremos a entender o
que significa esse tal signo. Claro, isso exigirá um pouco de sofisticação
da nossa percepção. Teremos de fazer esforço para entendê- lo, mas esse
esforço se dará nesse sentido: quais são esses princípios formais que
percebemos nas estações? Quais princípios percebemos nos planetas?
Quais princípios percebemos nas horas do dia? Isso também será muito
44

importante para a Astrologia, pois define todo o sistema de casas. Tanto


o Ascendente quanto as Casas Astrológicas são baseadas nas horas do
dia.

16. A importância dos símbolos e de sua percepção.

Assim, o estudo do simbolismo será para aprendermos a fazer esse


trabalho. O que pensamos quando vemos o vermelho? Pensamos em
“x”. Se alguém pensar em alguma bobagem, diremos o porquê. E se essa
pessoa pergunta por que aquilo era uma bobagem, é porque o professor
disse que era e ponto. Ela deve esquecer o que disse e tentar novamente.
Então, essa pessoa dirá algo razoável e deverá prestar bastante atenção
naquilo que disse. Com o tempo, começamos a nos habituar a prestar
atenção nas notas das coisas assim e vamos adquirindo um senso
simbólico. Mas é importante que fiquemos rememorando tudo isso, pois
não adianta fazermos esse trabalho hoje, esquecermos, e depois
chegarmos na aula para perguntas as mesmas perguntas novamente.
Desse jeito nada aprenderemos. Após um tempo, o sujeito que havia dito
a bobagem na primeira aula lembrará daquilo para aquela e verá como
ele era realmente doido! Ele olhará o vermelho e perceberá o tamanho
da bobagem que dissera, que tudo aquilo era apenas uma projeção. Não
é muito difícil aprender a fazer essa distinção, mas é uma questão de
prática. Precisamos da prática simbólica por um lado, e da depuração
dialética por outro. Precisamos entender o que é uma cor, o que é um
som, o que é um intervalo musical etc.
45

podem existir separadamente, pois a forma de um ente só pode se manifestar numa porção de matéria, e uma
porção de matéria terá necessariamente alguma forma.
4
Nota do revisor: aqui o professor usa o termo “substância”, porém esse termo é um pouco elástico, e creio que
não transmite a
idéia da explicação de maneira correta. “Substância” é tudo aquilo que existe em si mesmo. Por exemplo:
quando falamos em cores, automaticamente, no fundo de nossas mentes, sabemos que uma cor existe em
algo; quando falamos em sabores, sabemos que algo os têm; quando pensamos em ações como correr, andar,
falar, latir, sabemos que é algo que as pratica. Todas essas coisas que listamos aqui são acidentes, pois não
existem em si mesmas. A “substância”, pelo contrário, existe em si mesma. Quando pensamos num gato, não
aparece no fundo de nossa mente uma indicação de que ele deva existir em outra coisa, tal como ocorre
quando pensamos nas cores, nos sabores e nos outros acidentes. Esse tema ainda será abordado na aula dois e
na aula seis.
Há aí também outra questão que pode ser levantada: podemos dizer que, no mundo real, no mundo da
physis, a matéria é uma substância que existe em si mesma, pois ela é quem recebe a forma. Porém, o mundo
real e concreto não pode existir em si e por si mesmo. Antes de algo passar a ter existência concreta, ele deve
existir como possibilidade no conjunto da possibilidade universal. E, nesse sentido, podemos dizer que as
formas é que existem em si mesmas, pois antes da manifestação concreta de todos os entes que existem no
mundo da physis, eles já existiam no conjunto da possibilidade universal com suas determinações essenciais,
portanto formais e materiais. Percebam que as determinações materiais de um ente não são em si mesmas
materiais, razão pela qual a matéria não pode existir antes de algo que a determina e que não é material.
5
Nota do revisor: a forma a que os signos correspondem é invariável. Porém, da mesma maneira que uma
xícara de cerâmica é
diferente de uma xícara de plástico uma vez que suas matérias são diferentes, também o Sol quando está em
Áries irá se manifestar materialmente de maneira diferente no Hemisfério Norte e no Hemisfério Sul. Da
mesma forma isso se dá quando comparamos no que consiste o verão no Hemisfério Norte e no Hemisfério
Sul, assim como nas outras estações: o princípio formal destas é o mesmo, porém se manifestam
materialmente de maneiras diferentes.
46

Quando começarmos a ensinar a técnica astrológica, iremos ensinar, por


exemplo, os aspectos do trígono, que são bons, e depois os aspectos de
uma oposição, que são ruins. Como poderemos explicar isso para uma
pessoa totalmente leiga no assunto? Se ensinarmos apenas a técnica
astrológica, o sujeito não entenderá nada, e não terá um mapa que ele
olhará no qual conseguirá enxergar uma oposição e o significado dela.
Mas para entendermos que os aspectos astrológicos são como intervalos
musicais, teremos de ouvi-los. Teremos de saber o que é uma quinta, o
que é uma quarta etc. Alguém terá de trazer um violão para que ouçamos
as notas e os intervalos musicais. Se o sujeito não prestar atenção nessas
coisas, acontecerá que ele terá uma coisa que, na prática, funciona. Mas
o que é essa coisa e como ela funciona o sujeito não entenderá. Se
apenas lêssemos exaustivamente o Christian Astrology, de William
Lilly, e tentássemos responder pelo menos vinte questões horárias por
dia, iríamos aprender a técnica astrológica, mas nada entenderíamos do
que é Astrologia. Claro que ter a técnica é algo importantíssimo, mas
entendermos, por exemplo, o porquê um planeta significa algo também é
igualmente importante.

17. A liberdade do homem.6

Se um indivíduo aprender somente a técnica astrológica e ela funcionar,


ele endoidará. Uma parte da mente dele descolará da outra e não haverá
remédio para isso. Essa pessoa pensará que não existe livre-arbítrio e ela
se tornará pagã. É certo que todo mundo hoje em dia é pagão e que todo
mundo pensa que somos amebas ou átomos, mas aí teremos outro tipo
de paganismo. Esse sujeito terá mais uma justificativa para o seu
paganismo interior. Ele terá a convicção de que o homem não tem
liberdade. Ele procurará no mapa astrológico se uma pessoa é gay, e essa
é uma resposta que é possível obter; ele tentará descobrir se fulano traiu
a mulher, e achará a resposta para isso. Se não tivermos aprendido muito
47

bem a ver que o vermelho não é só um raio o qual tem uma frequência
que bate em nossos olhos, que o vermelho tem uma dimensão interna,
uma dimensão de inteligência que é o conteúdo da Inteligência Divina,
no momento em que formos estudar Astrologia e percebermos que a
técnica funciona, há noventa e nove por cento de chances de que iremos
perder o senso do que são as coisas, do que é o homem, do que é a vida,
do que é a inteligência, pois não vivemos num mundo tradicional que
nos fornece alguma proteção. A maior parte das pessoas, hoje, na maior
parte do tempo acha que não temos liberdade mesmo, que tudo é
condicionado pela educação, pelo sistema, pela TV etc. As pessoas já
estão convencidas e já usam isso para justificar oitenta por cento das
suas ações. Com a técnica astrológica corremos o risco de sofrer o golpe
de misericórdia na capacidade de aceitar que somos livres, que somos
nós que estamos ferrando com as nossas vidas.

Sabemos então que o vermelho possui uma dimensão profunda, uma


dimensão de inteligibilidade na qual ele não é mais apenas o vermelho;
sabemos que essa cor tem uma dimensão que, se for percorrida, a torna
algo divino. E sabemos que o homem também é um fenômeno dentro do
Discurso Divino. Mais ainda: o homem é um fenômeno muito mais
amplo do que o vermelho. Isso quer dizer que ele também possui uma
dimensão de inteligibilidade que vai até o divino. E a nossa liberdade
existe no encontro consciente entre o homem como fenômeno e esse
eixo de retorno à Divindade. Como esse eixo efetivamente existe, então
temos liberdade. Muitas vezes podemos não ter a percepção dessa
liberdade, porque isso implica num esforço para nos observarmos a nós
mesmos como símbolos. Do mesmo modo que observamos o vermelho
para estudar Astrologia, se queremos entender o que é a liberdade ou o
destino, também temos de aprender a nos olharmos como símbolos. Se
não o fizermos, nos perceberemos como meros fenômenos. Não se trata
de apenas olhar a doutrina de que o homem é também um símbolo e
48

querer crer nela. É preciso que olhemos o simbolismo do homem para


depois acharmos nosso próprio simbolismo.

18. A importância da prática de uma religião tradicional para manter


mente sã.

Qualquer pessoa religiosa já crê que é uma imagem e semelhança de


Deus. E se ela pratica a religião livremente e sistematicamente, se ela
reza todos os dias, se ela dá esmolas todos os dias ou pelo menos uma
vez por semana, ela não cairá nessas de que o homem é sempre
determinado e não é livre. Ela não cairá porque tem proteções práticas
contra isso. Mesmo que ela não se entenda como um símbolo, ela se
sente como tal, e está efetivando e fazendo esse símbolo reverberar
simbolicamente. Se um sujeito aprender a técnica astrológica
efetivamente e ver o quanto ela funciona sem ter feito, por um lado, a
depuração dialética dos conceitos, por outro, sem perceber o homem
como um símbolo real, ele sairá pensando que está tudo predestinado.
Ele achará que pode cair na gandaia e que deverá, no máximo, fazer uma
questão horária para saber se vão o pegar. É óbvio que ele sairá com essa
impressão.

6
Nota do revisor: esse tópico foi amplamente desenvolvido na aula seis, e mencionado brevemente logo no
começo das aulas sete e oito.
49

Isso não é responsabilidade de quem ensinou. Porque se hoje em dia


levarmos em conta o mau uso que as pessoas podem fazer de qualquer
ciência, então não podemos ensinar nada. Então não levaremos isso em
conta. Levaremos em conta isso: rezemos todos os dias a oração
tradicional da religião, mesmo se estivermos cansados e acharmos que
ela não será válida, porque quem decide se será ou não é Deus. O estudo
da astrologia desvinculado da prática religiosa deixa o sujeito doido. Se
alguém tem dúvidas, procure na lista telefônica uma escola de astrologia
e veja os sujeitos que estão lá. Veja os professores. As pessoas ficam
doidas mesmo. Por quê? Porque isso aqui é um tipo de ciência que foi
criada num ambiente em que havia a consciência de que existe uma
mente ilimitada e de que o homem é o representante ativo e efetivo dessa
consciência neste mundo, e que ele tem que exercer esse papel no
mínimo simbolicamente. Se o sujeito esqueceu o que ele é e aprender
Astrologia, então acabou, ele cavou o próprio buraco.

Hoje em dia todo mundo quer explicação para tudo. Por que devemos
rezar? Minha Santa Mãe, de Deus, se o sujeito quiser uma explicação do
porquê ele ter de rezar, do porquê ele ter de jejuar, do porquê ele ter de
dar esmola, ele que escute as aulas passadas, porque já demos essa
explicação. E explicação também não ajuda em muita coisa. Por quê?
Porque na hora de colocar em prática, a explicação não estará clara. Por
que temos que fazer isso então? Porque pessoas muito melhores do que
nós falaram que devemos. Todos os santos falaram que devemos, todos
os profetas falaram que devemos, então temos de fazer. Temos de
lembrar que durante onze anos confiamos nos professores da escola,
portanto agora passemos mais onze anos confiando em Moisés, em São
Francisco, em Jesus. Temos de rezar todos os dias, temos que dar
esmolas todas as vezes que nos pedirem. E se estivermos sem dinheiro?
Então daremos nossos sapatos. E se tivermos apenas o dinheiro do
ônibus para voltar para casa? Acontece, então daremos nossos sapatos.
50

Alguém, ouvindo esses conselhos, pode dizer: “Mas isso complicará


tanto a minha vida! ” Então não encha o saco. Não estamos na Idade
Média, não é tão difícil assim obter um sapato; antes o sujeito herdava as
botas do pai dele. Insistente, essa pessoa dirá: “Mas isso aqui custou
quatrocentos reais! ” E por que alguém usa um sapato de quatrocentos
reais?! O que essa pessoa quer da vida?! Não tem como ter paciência
com alguém assim. Não iremos ficar explicando.

São Francisco, que era um mendigo, dividia os bens dele com quem
pedia. E todo mundo que é normal reza todos os dias as orações
tradicionais. As pessoas hoje acham que são normais, mas não, elas não
são, apenas pensam que são. Elas não são doidas, não têm uma demência
mental. Notem: o homem é composto de corpo, alma e espírito. E
existem três tipos de doença: as do corpo, as da alma e as do espírito.
Então elas podem não ser doidas, podem não ter uma doença mental,
podem não comer giz etc. Mas se não rezam as orações tradicionais
todos os dias, então têm uma doença espiritual. E na hora em que essas
pessoas forem confrontadas com um tipo de conhecimento que foi
desenvolvido e discutido por pessoas que rezavam todos os dias, essas
doenças irão começar a afetá-las agora ou postumamente. Isso é
evidente. Se os alunos desse curso não rezarem todos os dias, então eu
não os garanto. Se eles começarem a entrar em contato com a verdade
do universo; se começarem a perceber que a cor não é apenas uma cor,
não é apenas uma vibração, não é apenas um fenômeno sensorial, mas é
uma palavra, é uma entidade espiritual e intelectual ilimitada (isso é um
fato sobre as coisas, um fato real sobre o mundo em que vivemos); se as
mentes deles se confrontarem com isso e eles não fizerem o mínimo,
então o destino deles não é responsabilidade do professor.

É claro que há coisa que são predeterminadas, mas estamos aqui, por
assim dizer, no chão; e os caminhos do mundo são curvos e não vemos
51

para onde eles levam. Então pensamos que determinada trajetória pode
ser a melhor a ser seguida e, de repente, há uma mudança súbita de curso
e enveredamos em algum lugar ruim. A ascensão espiritual é assim
chamada, pois é como se estivéssemos vendo as coisas mais de cima.
Assim, dos vários caminhos do mundo, passamos a enxergar melhor
aonde cada um deles nos leva, ampliando a nossa liberdade. E assim
ampliamos a nossa liberdade real: ampliando o conhecimento que temos
de como as coisas são determinadas. Se disserem que não acreditam
nisso e quiserem provas, não provo mais. Estou a dois passos de desistir
de dar aulas no Brasil, porque começo a ensinar e após quatro meses a
turma diminui pela metade. Em cinco meses temos que voltar a falar de
assuntos que haviam sido dados no primeiro mês.

Por que então temos de fazer isso? Por que temos de rezar durante esse
tempo para Deus facilitar o nosso entendimento? Uma coisa tem que ver
com a outra? Sim, e se alguém acha que a atitude correta perante esse
tipo de conhecimento é o ceticismo e que não combina com a maneira
com a qual damos o curso, não há nenhum problema. Porém, não
fazemos mais o esforço de explicar coisas que são princípios básicos do
comportamento humano. Não faremos isso que fizemos nessa aula
novamente daqui a dois meses. E não estamos falando nada estranho
para ninguém; não estamos falando para ninguém fazer três horas de
yoga no gelo. O que estamos dizendo é que devemos rezar o rosário
todos os dias e dar esmolas
52

Quando nos pedirem. Dar dinheiro e não um sanduíche. Ou só


compramos sanduíche para nós mesmos? Que seja dois reais, não
cinquenta reais de esmola. O pedinte não terá muito que fazer com dois
reais, ele não terá uma liberdade muito grande do que fazer com esse
dinheiro.

O ser humano tem de ter vergonha na cara e perceber que ele e o


mendigo são da mesma natureza. Há pessoas que se acham melhores
porque Deus, supostamente, as deu um pouco mais de bens materiais.
Isso é ridículo! Quando morrermos, os vermes que comerão os nossos
corpos não serão de uma espécie mais nobre do que os vermes que
comerão o corpo do mendigo. Devemos nos lembrar disso. Seremos
todos reduzidos à mesma condição. E, depois disso, todos enfrentaremos
o mesmo Juiz, o qual não será mais leniente conosco porque ganhamos
ou tivemos mais dinheiro nesse mundo. E se alguém disser que tem mais
porque batalhou, pior para ele! A batalha dele será uma batalha que o
levará a cair no inferno, o desgraçado! Não importa se os bens dele
vieram da herança, da sorte, do roubo ou da batalha. Estamos dizendo
que eles têm pouco valor, porque iremos morrer. E por eles terem pouco
valor, devemos dar um pouco para o outro. Devemos lembrar que temos
mais valor do que meros dois reais. Nossa alma tem mais valor que isso.
Quando estávamos pensando em dar esse curso aqui em São Paulo,
houve certa relutância de nossa parte, porque o conhecimento é algo tão
bom, há tanta coisa a ser ganha com ele, e por tão pouco as pessoas
claramente comprometem o destino das suas almas! Sejamos enfáticos:
quem não reza todos os dias uma oração tradicional irá para o inferno,
com raríssimas exceções. Isso acontecerá na mesma proporção da
quantidade de pessoas que jogam na loteria e perdem. Quem se achar
uma exceção, tudo bem, pode continuar achando.
53

Claro que podem existir, nos seres humanos, dúvidas legítimas. Por que
o homem reza se Deus sabe tudo? Mas primeiro devemos começar a
fazer o que é bom, e quando isso virar um hábito explicaremos
novamente o motivo dessas coisas. Porque se esperarmos a explicação
para começarmos a fazer, três meses depois iremos parar. Willian Lilly,
na primeira página do seu tratado de astrologia, diz que a primeira coisa
que o estudante deve fazer é rezar muito, ter muita devoção. Isso porque
o mundo é um discurso divino, então podemos entendê-lo nos
assimilarmos a esse divino. E se alguém ainda estiver com alguma
dúvida sobre a legitimidade desses conselhos, paciência. Essa pessoa
que vá estudar. Não temos mais disposição e nem explicaremos mais
essas coisas. Ela não pratique isso, não tenha religião. Se quiser aprender
astrologia, ensinaremos. Porém, tudo isso que explicamos irá acontecer.
Ou fazemos a coisa do jeito certo, ou trilharemos um caminho muito
perigoso para nossa saúde mental e espiritual. Mas não devemos nos
iludir e achar que somos muito cristãos por fazer esse mínimo, pois isso
seria uma piada! O que dissemos aqui é apenas uma gota. Façamos isso,
e sabe o que irá acontecer? Todos teremos mais paz em nossas vidas,
entenderemos mais as pessoas da nossa família e entenderemos nós
mesmos. Muitas coisas melhorarão mesmo.

Fazemos essa advertência pois o tema exige. Se alguém quiser aprender


Astrologia, se alguém quiser olhar um mapa natal para saber se fulano é
assim ou assado, pensa assim ou assado, sente assim ou assado, essa
pessoa deve ter consciência de que há um preço. E não ter esse
conhecimento também tem um preço. Quem não sabe Ciências
Tradicionais e vive na sociedade moderna leva uma droga de uma vida.
As pessoas acham que são muito felizes, mas a vida delas não vale nada.
Por quê? Porque a chance de elas irem para o inferno é
incalculavelmente grande. Tanto isso é verdade que, se alguém perde um
emprego, logo começa a se desesperar; se alguém perde um
54

relacionamento, fica emocionalmente em pedaços. Essas pessoas valem


muito pouco.

Como melhorar isso? Se aprendermos Ciência Tradicionais, se


colocarmos em prática os conselhos que aqui foram dados, e se
estivermos pelo menos na periferia da religião cristã (não devemos
pensar que com esse mínimo estaremos no centro dela), então
começamos a enxergar como o universo e o homem funcionam dentro
de uma perspectiva tradicional, que é realmente como Deus criou as
coisas. Nesse momento as nossas vidas melhorarão e muito. Outras
coisas que eram difíceis de entender se tornam fáceis. Por quê? Porque
elas também são fenômenos, e eles não são senão feixes de simbolismos.
E se a pessoa tiver religião e não aprender Cosmologia? Nesse caso
também já houve ganho. A vida desse indivíduo nesse mundo já
melhorou bastante e a chance de ele ir para o inferno já diminuiu
também. E se ainda assim houver alguém que não queira praticar a
religião, tudo bem, mas ela será apenas mais um dos motivos pelos quais
não temos vontade de dar mais aulas no Brasil. Portanto, aqueles que
querem esse curso, que querem aprender astrologia, saibam: queremos
resultado. Queremos ver que os alunos estão aprendendo e fazendo
esforço para isso. E se ninguém estiver ficando louco, saberemos que
pelo menos rezando e dando esmolas estão.
55

Quando um sujeito que não está acostumado a fazer isso chega na


primeira aula e perguntamos o que é a Lua, ele tenta, tenta e não
consegue fazer a depuração dialética. Então temos que dar pistas. E se
ele não fez o que dissemos para fazer, na quarta aula ele está viciado em
pistas (e o professor está ficando cansado disso), então temos que dar
mais delas. Então esse aluno já não fará tanto esforço, porque ele sabe
que mais pistas virão. Isso acontece porque ele não reza todos os dias
pedindo o entendimento dessas coisas para Deus. Ele não reza! Ele não
faz um terço para que a inteligência se esclareça acerca dessas coisas.
Ele não faz isso! Ele assume essa postura cética e não faz o que deve ser
feito! No primeiro dia ele tem uma dificuldade, no segundo dia a
dificuldade é a mesma, no terceiro também e assim por diante. As
pessoas acham que entendem as coisas porque querem, acham que têm
alguma capacidade de entender as coisas, mas não é assim. Elas
entendem porque Deus permite. É assim que funciona a inteligência. E
quando um mendigo as pede dois reais, elas acham que é melhor não dar
porque ele irá beber.

Então Deus olha para elas e diz: “Essas pessoas querem entender
Astrologia? É melhor não, porque elas irão abusar. Por que devo deixá-
las mais inteligentes? Elas não têm compaixão com a pessoa que está
sofrendo, morando na rua e querem ficar inteligentes? Querem isso para
depois saírem falando como são possuidoras da sabedoria tradicional, da
filosofia e do discernimento para meio mundo? Para quê? Não, Eu não
permitirei isso. ” Então Deus vai emburrecendo as pessoas, porque Ele
não quer que elas fiquem mais inteligentes, pois elas não tiveram o
mínimo de boa vontade para com o próximo. E quando falamos para o
aluno rezar o rosário e dar esmolas, ele começa a fazer isso, a ir na
igreja, a falar com o padre e mais um monte de coisas. Mas não foi isso
que aconselhamos. Esse aluno também irá emburrecer. Ele acha que o
padre injetará graça nele, mas não. Há muito mais valor em sentarmos
todos os dias em casa e orarmos solitariamente. Isso é tecnicamente dos
56

santos. Há mais valor nisso do que ir para o templo uma vez por semana.
Esses são dados técnicos da religião. Mas o aluno não quer fazer isso e
vai à igreja para o padre injetar a graça divina passivamente nele. É
óbvio que quem não está acostumado a isso se sentirá estranho rezando
o rosário pela primeira vez, mas devemos fazê-lo. Pode ser que
tenhamos uma sensação estranha, pode ser que não nos sintamos bem.
Mas não falamos isso para nos sentirmos bem e entendermos qual o
sentido disso tudo. Devemos fazer isso pois é bom. Perseveremos nisso e
daqui a dois anos nossa vida estará muito melhor.

Instituto Cultural Lux et Sapientia


Curso de Cosmologia e Astrologia Medieval

Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 02
57

Tópicos da aula:

Diferença entre substância e acidente. Gênero, espécie e indivíduo. Definição de corpo:


substância mutável de extensão limitada. Não é porque uma coisa é um corpo que ela é
somente corpo. Calor, frieza, secura e umidade. Comentários sobre a noção de
corporeidade em geral. Os quatro elementos. Temperamento colérico, melancólico,
sanguíneo e fleumático. Qualidade própria e qualidade apropriada. Cálculo de
temperamento. Exemplos de cálculo de temperamento usando mapas natais dos alunos. A
importância do temperamento.

Transcrição da aula:

Gugu: [...] Sem dizer o que é esse algo. Então esse tamanho - limitação de tamanho – é
um qualificativo atribuído a alguma coisa. O tamanho não explica o que o corpo é por si
mesmo e sozinho, o tamanho é um predicado daquilo que é corpo. Você não pode dizer
que o corpo é um tipo de tamanho, ou um limite de tamanho. Ele é um tipo de quê?
Imagine que eu diga: “O que é um cachorro? ” Eu não digo: “Um cachorro que tem quatro
patas. ” Nem digo: “Um que late. ” Porque se eu disser “um que late”, dirão: “O que é que
late? ” E a pessoa responderá: “É um animal que late. ” Então, você chega mais perto da
resposta do que é um cachorro respondendo “é um animal” do que respondendo “é um
que late”. A expressão “um que late” subentende outro sujeito; já a expressão “um
animal” não subentende outro sujeito além dele mesmo; deu para perceber a diferença?
Quando você fala “um que late”, ou “um que tem tamanho”, fica subentendido: “Um o
quê que late? ” Ou: “Um o quê que tem tamanho? ” Quando você fala “um animal” não
fica subentendido um “quê” diferente de animal. Se eu pergunto: “O que é a parede? ” Ou:
“O que é isso? ” A resposta “um branco” subentende algo que é branco, mas quando eu
respondo “é uma parede”, a própria parede não subentende nada distinto da própria parede
- a mente não fica procurando outro algo. Essa é a diferença fundamental que Aristóteles
faz entre substância e acidente. A fala de um acidente fica aberta na sua mente sempre
esperando que venha: “O que é isso que é branco? ” Ou: “O que é isso que late? ” O
acidente não é inteligível sozinho. Quando você entende o que ele é, você percebe que o
ser dele depende de outro ser. “É um branco? ” É uma parede branca. “É um que late? ” É
um animal que late. Quando a gente fala: “O corpo é algo que tem tamanho ou que
implica em contato. ” O que é isso que implica em contato ou que tem tamanho?

Aluno: Se falar: “Uma coisa. ” Não resolve, não é? Uma coisa que eu não posso atravessar
com a mão, que oferece uma resistência ao meu movimento...
58

Gugu: Resolve. Olha só, na verdade, se você observar a própria ideia de resistência, ela
implica na ideia de que o corpo tem um tamanho, por exemplo: o maço de cigarros é um
corpo e tem um tamanho, se eu tentar atravessá-lo, ele oferece certa resistência. O que eu
quero dizer com essa resistência? Quero dizer que esse tamanho que está aqui - esse
volume - é dele; o fato desse volume ser posse do maço de cigarros faz com que haja uma
resistência para que o meu volume ocupe esse mesmo espaço. Tanto o contato quanto a
resistência que o corpo tem a ser penetrado por outro, derivam do fato de que a magnitude
dele é realmente dele, é um aspecto do ser efetivo dele. Na verdade, quando falamos de
tamanho, espaço ou de formas geométricas, tendemos a pensar nessas coisas em abstrato:
“O maço de cigarros tem uns 10 centímetros por 5 centímetros por mais 2 centímetros. ” E
esses 10 centímetros parecem apenas uma ideia matemática, mas o volume real do maço
de cigarros não é um ente puramente geométrico; é um ente que é mensurado
geometricamente, mas ele [o volume do maço] é uma entidade efetiva no maço de cigarro;
e é essa efetividade que resiste à efetividade que é a minha mão. Então, eu posso dizer:
“Um corpo é uma coisa que tem tamanho, que tem tamanho limitado. ” Aí, terei que
esclarecer um pouquinho o que eu quero dizer com “coisa”, porque a palavra “coisa”, de
duas uma: ou ela significa tudo o que existe, tudo aquilo que é possuidor de existência,
aquilo que é existente; ou ela significa algum tipo de existência. Quando eu falo
“tamanho”, tamanho é um tipo de existência, não qualquer coisa que existe. Quando eu
falo “coisa”, a palavra coisa pode significar existência em geral, tudo aquilo que existe; e,
se ela significa tudo o que existe, quando eu me refiro a “uma coisa que tem tamanho”, a
palavra “coisa” não ajuda muito. É a mesma coisa que dizer: “É um tamanho que existe. ”
No entanto, a palavra “coisa” tem uma relação etimológica com a palavra “causa”; a
palavra “coisa” indica qualquer ente que possua efetividade sobre outros, porque essa é
uma característica universal dos entes: tudo o que existe é eficaz de algum modo. Então
“coisa” ajuda um pouquinho, mas não muito, porque não é uma característica própria
deles o fato ter efetividade ou causar alguma coisa; isso é uma característica geral de tudo
o que existe. Os espíritos também são coisas, pois eles também causam.

Então, teremos que entrar na questão do Aristóteles. Se eu digo que um corpo “é uma
coisa que tem tamanho”, o que eu gostaria de dizer é que ele é uma substância que tem
tamanho. Com substância quero dizer que ele é um sujeito que possui em si outros tipos
de atributos. Percebam o seguinte... quando falamos: “O que é isso? ” “Ah, é um cachorro.
” Quando você entende o que é cachorro, a palavra cachorro, a ideia, a noção cachorro na
sua mente, não exige pensar em outra coisa (outro ente) para ter um entendimento
completo do que é cachorro. Quando você fala em cor, tamanho, lugar ou uma referência
de tempo - ontem, hoje, etc. -, cada uma dessas noções exige pensar em alguma outra
coisa que tenha cor, sabor ou tamanho. O acidente é aquilo que não pode ser entendido
plenamente sem que se entenda outra coisa à qual ele pertence, na qual ele existe. Se eu
disser: “Entendi o que é um cachorro. ” Para explicar melhor o que é um cachorro, não
59

preciso recorrer à outra coisa; eu desdobro intelectualmente essa coisa que é cachorro em
diversas partes inteligíveis. Eu digo: “É um animal que late. ” Olha só, ser animal e latir
não são coisas realmente distintas do cachorro, são aspectos dele.

Aluno: Apesar de o “corpo” me parecer que é uma substância, ele também tem essa
imprecisão quando a gente quer imaginar um corpo... “Desenhe um corpo! ” ”que corpo?
” Também é difícil imaginar, mais que um cachorro ou um animal que tem uma
abrangência - aí é mais fácil. Mas “corpo” tem essa dificuldade de precisar.

Gugu: Quando falamos “cachorro”, essa palavra designa uma espécie; e a espécie é
dividida em indivíduos. Devido à espécie ser dividida imediatamente em indivíduos, uma
espécie é algo imaginável - basta você imaginar um indivíduo daquela espécie. Você fala
“cachorro” e o sujeito imagina um cachorro; alguns imaginam um cachorro preto, alguns
imaginam um cachorro branco e outros um cachorro malhado; mas todos eles são
cachorros igualmente. Quando falamos “corpo” ou “animal”, não estamos falando de uma
espécie, estamos falando de um gênero; e um gênero é de difícil imaginação, porque um
gênero não é dividido em indivíduos, ele é dividido em espécies. Então, de fato, se eu
falar “corpo”, cada um pode imaginar uma coisa totalmente diferente da imaginada pelo
outro. Embora todas essas imaginações sejam de algum corpo concreto, esses diversos
corpos não pertencem necessariamente à mesma espécie, porque um pode pensar no Sol,
outro em um cachorro, outro em um cadáver, outro em uma pessoa viva, outro em uma
pedra e outro ainda em um rio; e cada uma dessas coisas é corpo, mas todas elas são muito
diferentes umas das outras. Quando falamos “cachorro” é muito mais imaginável, ou
quando falamos “ser humano”... De fato, a palavra “corpo” é de caráter muito mais geral
do que a palavra “cachorro”; na verdade, ela é até mais geral do que a palavra “animal”,
porque o sentido inteligível da palavra “corpo” está incluído no sentido de animal - animal
inclui a noção de corpo também.

Aluno: Assim como eu posso dizer que as espécies se subordinam aos gêneros, eu posso
dizer que os acidentes se subordinam as espécies?

Gugu: Não exatamente. Em que sentido as espécies se subordinam aos gêneros? O que eu
quero dizer quando digo que as espécies se subordinam aos gêneros? Quero dizer que a
noção do gênero está incluída na espécie. Quando eu penso “cachorro”, meu pensamento
já inclui de maneira subentendida -ainda que não esteja desdobrado e explícito - o
pensamento animal; não é possível o sujeito saber o que é um cachorro sem saber que faz
parte do ser dele ser animal. E é nesse sentido que dizemos que a espécie está subordinada
ao gênero; quer dizer, a inteligibilidade do gênero está incluída na inteligibilidade da
espécie, e a inteligibilidade do acidente não está incluída nas espécies em geral, ela está
incluída na substância. Num certo sentido eu posso dizer que o acidente está subordinado
60

à substância, embora não seja uma subordinação lógica. Ela não é uma subordinação
lógica porque a inteligibilidade da substância não está contida na inteligibilidade do
acidente; a inteligibilidade do acidente depende da inteligibilidade da substância. Em
outras palavras, se eu entender o que é um cachorro, entender o que é um cachorro inclui
entender o que é um animal; mas eu não preciso pensar de maneira distinta em um animal
para entender o que é um cachorro. Por quê? Porque animal está totalmente incluído no
que é um cachorro. Porém, se eu penso “branco” ou “trinta centímetros cúbicos”, para eu
entender o que é “trinta centímetros cúbicos”, eu tenho que entender: “O que é capaz de
ter trinta centímetros cúbicos? O que tem essa possibilidade? ” E a resposta não vem pela
simples ideia de trinta centímetros cúbicos. Eu vou ter que dizer: “Espera aí, é um corpo
que tem trinta centímetros cúbicos. ” E a inteligibilidade de corpo não está incluída na
inteligibilidade de trinta centímetros cúbicos; as duas coisas estão relacionadas, porque
trinta centímetro cúbico só tem sentido real e efetivo em alguma coisa que possua essa
medida. “Corpo”, de fato, é mais difícil de imaginar do que “cachorro” ou até mesmo
“gente”. “Gente” é uma espécie de corpo, mas é imediatamente imaginável porque é uma
espécie íntima já dividida em acidentes concretos. “Corpo” é mais difícil de imaginar
porque é uma visão mais genérica mesmo, é uma noção mais geral. E não somente é uma
noção geral, mas, como veremos mais adiante, só porque uma coisa é um corpo não quer
dizer que ela seja somente um corpo. Por exemplo, quando falamos “animal”: não é
porque uma coisa é um animal que ela é só um animal; sendo um animal ou um corpo,
não é um ente tão fechado em suas possibilidades que não admite dimensões que não
sejam corpóreas ou animais.

Em última análise, você pode definir corpo como: substância mutável de extensão
limitada. O pessoal já entendeu o que é substância; já a palavra “mutável” entra na própria
definição da palavra extensão; e extensão é algo por definição divisível - uma extensão
sempre tem uma parte fora da outra, e, portanto, é divisível. Um corpo é uma substância
mutável de extensão limitada... se eu pegar só essas quatro noções (substância, mutável,
extensão, limitada), é possível tirar dessas quatro noções as noções dos quatro elementos;
mas não é possível tirar dessas quatro noções uma árvore, porque a inteligibilidade de
árvore inclui noções características que não derivam dessas quatro, derivam de outra
coisa. No caso de animal, não dá para dizer que ele é uma substância mutável de extensão
limitada; dá para dizer que o animal inclui nele essa dimensão também, mas ele inclui
outras características que não são derivadas dessa. Por exemplo: o cachorro late. O ato de
latir pode ser deduzido do simples fato de uma coisa ser uma substância? Não, porque
para latir você precisa estar vivo; e a noção de vivo não está incluída na noção de
substância. Dá para tirar o ato de latir da noção de mutável? Também não. Dá pra tirar o
ato de latir da noção de extensão? Só porque algo tem tamanho ele é capaz de latir? Não.
E também não é possível deduzir o ato de lato a partir da ideia de limitação. O que dá para
dizer é o seguinte: latir não é [inaudível] nosso. É possível que tenha uma coisa na qual
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estão incluídas essas quatro noções, e que além disso também está incluída também a
capacidade de latir; ou, por exemplo, no caso do ser humano, a capacidade de pensar ou
de falar; mas essa quinta noção (o pensamento ou a fala) não é derivada das quatro
primeiras. Não dá para deduzir das quatro primeiras noções que definem um corpo o ato
de latir e muito menos o ato de pensar e falar, e é por isso que a gente não diz que um
animal ou um ser humano é um corpo, mas que ele tem um corpo. Faz parte do ser dele
um corpo, mas isso não quer dizer que ele é um corpo, porque tem coisas que ele faz que
não derivam da noção de corpo. Não dá para explicar a noção de latir ou falar a partir das
quatro noções de substância mutável de extensão limitada.

Esse é um ponto importante, porque é o que vai explicar para a gente o porquê os quatro
elementos são elementos. Se eu pegar essas quatro noções (substância mutável de
extensão limita), não posso inferir dela a reprodução dos animais e dos vegetais, não
posso inferir a sensação que é a característica dos animais, não posso derivar o
pensamento humano; qualquer uma dessas variações terá que ser explicada no animal, no
ser humano, no vegetal, por meio do uso de outras noções, e é por isso que a gente não diz
que um animal é um corpo, mas que ele tem um corpo, porque eu não posso dizer: “Ah,
corpo. ” E disso concluir: “Ah, entendi, algo capaz de latir, é óbvio. ” Não é auto evidente.
A inteligibilidade do animal não está toda incluída na noção corpo. E um elemento - dos
quatro elementos de Aristóteles - será algo cuja inteligibilidade está toda incluída nessas
quatro noções que definem o que é corpo. Por exemplo, dizemos que corpo tem extensão,
tem tamanho; e o tamanho é por definição divisível; e se é divisível eu posso dizer o
seguinte: ou está se dividindo, ou se está se mantendo indiviso - não há terceira
alternativa, ou está em processo de divisão, ou está coeso. Uma vez que eu percebi que
tenho só essas duas alternativas, posso levantar várias hipóteses. Porque, ou para o corpo é
indiferente estar dividido ou não, estar em processo de divisão ou estar se mantendo
coeso; ou não é indiferente, existe nele um princípio real pelo qual ele tende a alguma
coisa ou outra.

Se você observar em sua experiência comum quando você vai dormir, o ar é mole, você
pode passar pelo ar. E sua cama é firme, seu travesseiro é mais ou menos firme - você
pode apoiar nele e ele não sai do lugar -, o chão é firme. Quando você acorda no dia
seguinte, o chão continua firme e o ar continua mole. Tudo isso é uma indicação de que
não é indiferente para o ar e para o chão ser mole ou ser duro, não é fruto do acaso, não é
como quando você joga uma moeda e pode dar cara ou coroa – às vezes dá cara, às vezes
dá coroa. Não, todo dia você acorda e o chão está firme e o ar está mole. Isso quer dizer o
quê? Que no ar há uma tendência, uma tensão, uma força, um princípio pelo qual ele é
mole na superfície do nosso planeta; e no chão há um princípio, uma tendência, uma força
pela qual ele é duro nas mesmas condições. Quer dizer, o ar tem nele um poder de ser
mole no nosso mundo, e a terra - o chão -, tem um poder de ser duro no nosso mundo.
62

Então, dessas quatro noções que são substância mutável de extensão limitada, dizemos
que os corpos variam na extensão e no limite dela [da substância], porque eles não podem
variar em substância - pois todos os corpos são igualmente substâncias, não existe nenhum
intermediário entre a substância e o acidente, uma coisa não pode ser mais ou menos
substância, ou mais ou menos acidente; ou é substância, ou é acidente; ou depende de
outro algo para ser entendido, ou não depende. E a extensão? Ora, a extensão também é
sempre extensão, não importa o quanto de extensão tem; a extensão não muda de espécie
pelo fato de ser maior ou menor, continua sendo igualmente extensão; mas uma extensão
dividida é diferente em espécie de uma extensão indivisa. Olha só, dois cigarros - duas
extensões – é um negócio dividido. Em um único cigarro as partes estão todas unidas, é
uma coisa só. São espécies de extensão diferentes: extensão em várias partes e extensão
em uma parte só. Se eu acender o cigarro, o que acontece? O fogo nele começa a dividir
as partes do cigarro; uma parte vai virar fumaça que eu vou absorver com os meus
pulmões, outra parte vai virar cinza que vai lá para o cinzeiro. No entanto, a fumaça que
veio para mim fazia parte do cigarro, assim como a cinza que foi lá para o cinzeiro
também fazia parte do cigarro. A fumaça tem um certo tamanho e um certo volume, e a
cinza tem um outro tamanho. Então no ato de ser queimado, o tamanho do cigarro foi
dividido em duas extensões de espécies diferentes: uma a gente chama de fumaça, a outra
a gente chama de cinza. Assim, iremos dizer que o fogo no sentido Aristotélico é
justamente um corpo quando ele tem uma tensão, uma força que divide a extensão dele
em espécies diferentes. Toda vez que você põe fogo em uma coisa, você divide ela em
partes; não somente divide ela em partes iguais, mas você divide ela em partes de espécies
diferentes.

Vamos fazer isso com o cigarro para demonstração prática... olha, a fumaça é parte do
cigarro, e a cinza que está formando na ponta é parte dele também. O que está separando
isso? O fogo. Ao acender o cigarro, eu dei a ele uma propriedade do elemento fogo - a
propriedade de dividir as partes, de separar as partes. Agora, ao contrário do fogo, se eu
jogar um pouco de água perto de outro pouco de água, elas viram uma só massa de água.
Se a extensão é divisível, posso dizer que, ou ela está em processo de divisão, ou ela está
mantendo a coesão. Se ela está em processo de divisão, ela o está devido a um princípio,
uma força... vamos dizer assim para usar um termo mais moderno. Princípio parece uma
coisa estranha para a mentalidade de hoje. Hoje em dia quando a gente estuda física na
escola tudo é força, energia, radiações; força talvez pegue a imaginação do pessoal um
pouco mais claramente, embora ela seja uma palavra imprecisa em seu significado.
Princípio é apropriado porque designa o aspecto da coisa que é conhecido, aquilo em que
primeiro começa. Se a gente tem um corpo e as partes dele estão se separando, é porque
nele tem um princípio de separação; esse princípio de separação é o que Aristóteles chama
de calor, tomando como analogia o calor da temperatura. Se, pelo contrário, um corpo
mantém as partes dele unida, é porque ele tem um princípio para se manter coeso, e esse
63

princípio de coesão é o que Aristóteles chama de frieza. Mas independente das partes se
manterem unidas ou estarem em processo de divisão, como a extensão de que se trata é
uma extensão limitada - portanto contida por uma superfície -, essa superfície mesma é
capaz de um acidente, independente da divisão ou coesão, e esse acidente é a figura, o
formato da coisa. Se você pegar uma pedra, por exemplo, ela tem formato definido. Se
você pegar o ar, ele não tem formato definido; o ar ou a água tem o formato da pedra que
tiver perto deles. Quer dizer, o ar e a água são mais maleáveis do que as pedras ou a
madeira. Então, você tem aqui um outro par de acidentes: você tem a propriedade da
maleabilidade e a propriedade a firmeza, ou fluidez e solidez. Ora, se existe fluidez e
solidez é porque no corpo que é sólido existe um princípio de solidez - é o que Aristóteles
chama de secura. Se um corpo é fluido e maleável é porque existe nele um princípio de
fluidez ou de maleabilidade que Aristóteles vai chamar de umidade.

Quando ele [Aristóteles] fala calor, frieza, secura e umidade, ele não está tomando essas
palavras em seu sentido literal. Ele não está dizendo que a palavra “secura” significa
literalmente na sua origem o princípio de solidez dos corpos. A palavra “secura” significa
aquilo que não tem nenhuma umidade extrínseca - uma esponja está seca quando não tem
água nos poros dela. A palavra umidade, pelo contrário, significa justamente a presença
desse líquido extrínseco que não faz parte do ser da coisa. Esses são sentidos literais das
palavras, mas ele toma essas palavras para designar os princípios mesmos de
diferenciação dos corpos. Então, quando falamos em cosmologia da secura e umidade,
frieza e calor - e depois em astrologia essas palavras tomarão um outro significado ainda -,
não estamos usando o sentido literal; estamos falando de quatro princípios dos corpos que
existem realmente. Quer dizer, você pode observar todos os corpos que existem e dizer
quais são sólidos ou não, quais estão em processo de divisão ou não. E olha só, eu não tive
que incluir nenhuma noção estranha à definição de corpo para dizer que ele é quente e
seco, por exemplo; quente e seco são possibilidades que já estão contidas na própria
definição de substância mutável de extensão limitada. Quando eu digo que “o cachorro
está latindo”, latir é uma noção que já está incluída na noção de cachorro, só estou
afirmando uma efetividade concreta, mas não estou dando uma informação
intelectualmente nova acerca do ser cachorro, eu estou dando uma informação nova
acerca de um fato concreto. Se falo que “um corpo está latindo”, latindo aqui é uma
inteligibilidade nova, é uma noção nova que não está contida na noção de corpo; eu tenho
que explicar alguma coisa, pois, entre “corpo” e “latindo”, alguma coisa aconteceu que
não é nem corpóreo, nem corpo, nem simples latir, e que é a noção animal e a noção
cachorro. Observe o caminho que a sua mente tem que fazer. Entre “corpo” e “está
latindo” a sua mente deu um salto, e ela te diz que há um vazio entre uma noção e outra
que precisa ser preenchido com alguma coisa. Quando você fala “o corpo está latindo”, é
evidente que você deu uma informação incompleta. Mas quando você fala “o corpo é
sólido”, você não deu esse salto, porque a noção de solidez já é uma possibilidade que está
64

contida no corpo; ou quando falo “o corpo é quente”, estou dando de fato uma informação
nova, uma idéia. A definição de corpo não fala para você se está existindo algum corpo,
então além da noção abstrata de corpo, eu tenho que dizer que “esse corpo que existe é
sólido”. A noção de sólido, aqui - que é uma afirmação de uma efetividade concreta -, é
claro que ela é, num certo sentido, uma novidade em relação à idéia abstrata “corpo”. Mas
a novidade aqui está apenas na existência efetiva, não no conteúdo de solidez; o conteúdo
“solidez” já poderia ser inferido como uma possibilidade de “corpo”.

Aluno: Por isso que oferecer resistência não explicava todas as possibilidades...

Gugu: Isso. Seria a mesma coisa que eu falar “esse animal ou esse corpo é médico”. Se eu
falar “corpo médico”, faltou alguma coisa no meio do caminho. Se você diz que “o corpo
é médico”, entre “corpo” e “médico”, eu dei um salto. A palavra “corpo” pode se referir a
uma pedra e uma pedra não pode ser médica. Ou então se digo que “o corpo é filósofo”...
Mas uma pedra não pode ser filósofa. Se eu falo que “o corpo é sólido”, aí é suficiente,
porque de fato qualquer corpo pode ser sólido, basta que ele esteja numa circunstância
apropriada para que se manifeste a sua solidez. Nesse caso não há salto. O único salto aqui
é entre a possibilidade e a efetividade; quer dizer, um corpo pode ser sólido - esse corpo
aqui concreto ou é sólido ou não é. O salto é entre ato e potência. Mas é evidente que
solidez é um ato da própria corporeidade. Se entendermos o calor como um princípio de
divisão da extensão, a frieza como um princípio da coesão da extensão, a secura como um
princípio de solidez e a umidade como princípio de fluidez, veremos que se eu digo “o
corpo é quente” ou “o corpo é frio”, ou “o corpo é úmido” ou “o corpo é seco”, não estou
dando nenhuma informação nova, exceto a informação da efetividade. É a mesma coisa
quando eu digo “este número é par”. Ora, paridade ou imparidade são possibilidades
intrínsecas dos números; eu não disse nada de novo no que diz respeito aos números,
apenas disse algo sobre este número em particular. Se você já tinha entendido a noção de
número, dela você já poderia ter tirado a ideia de que alguns números são pares e outros
são ímpares. Também é a mesma coisa que dizer “este ser humano é mulher” ou “aquele
ser humano é homem”. Homem e mulher não acrescentam uma inteligibilidade à ideia
“humano”; acrescenta uma inteligibilidade à este indivíduo humano concreto. Pense
assim, “o corpo está latindo”...

Aluno: Mas não seria graças ao fato de que homem ou mulher que alguém pode vir a ser
humano? Então, portanto, os dois sexos fazem parte da substância?

Gugu: Os dois sexos são modalidades da substância humana, exatamente. Se eu entender


o que é “ser humano”, na inteligibilidade deste já está contida a possibilidade masculina e
a feminina. Por quê? Porque “ser humano” é um tipo de animal, os animais se
reproduzem, e, no caso da reprodução humana, ela é sexuada. Percebe que a noção de
65

animal já está incluída na noção de homem, a noção de reprodução já está incluída na


noção de animal e a possibilidade d’ela [a reprodução] ser sexuada já está contida na
noção de reprodução. Então, dizer que “fulano é homem”, ou que “este ser humano é
mulher”, é simplesmente afirmar um fato, e não dar uma nova inteligibilidade à noção de
humano.

Aluno: Entendi, agora ficou claro.

Gugu: É a mesma coisa que dizer: “Olha, o seu cabelo é escuro, o meu cabelo é escuro e o
cabelo do outro ali é claro”. Todo mundo já sabe que o cabelo tem cor, e que a cor pode
ser clara ou escura. Dizer que o cabelo do sujeito é claro não aumentou a inteligibilidade
nem do sujeito, nem do cabelo; eu só defini um fato. Eu falei que das diversas
possibilidades de cor de cabelo, a deste sujeito é esta aqui.

Aluno 2: Neste caso, homem ou mulher são possibilidades do ser humano. Existe alguma
substância cujas possibilidades sejam infinitas, incontáveis, inumeráveis?

Gugu: Sim. Se você imaginar uma substância que seja ilimitada em sua eficiência, em sua
efetividade, é evidente que ela é inumerável. Por exemplo, qual o número de noções que
há na mente divina? As noções na mente divina são uma multidão transcendente
inumerável; elas não são apenas inumeráveis concretamente - como o número de grãos de
areia que há na terra e que na prática sabemos que é impossível de numerar, apesar de
sabermos que eles existem em um número definido -, são também efetivamente
inumeráveis, por que a mente divina é ilimitada na sua capacidade de apreender noções.

Aluno: Gugu, para mim ainda está meio confusa aquela coisa de ser humano e de homem
e mulher. Porque não sei se dá para entender ser humano desvinculado da ideia de se
tornar homem ou mulher. Então, quando eu digo que é homem ou mulher, posso estar
explicando o que é ser humano por duas possibilidades. Para mim ainda não é claro se é
possibilidade – ser homem ou mulher, ou se são coisas que são inevitáveis...

Gugu: Se eu digo “isto é um homem” ou “isto é uma mulher”, eu não estou explicando o
que é a noção geral do ser humano; eu estou explicando o que é este ser humano
individual e concreto. Isso porque a noção geral de ser humano já inclui as duas
possibilidades.

Aluno: Mas é porque você está fragmentando, não é? Porque na hora de você dizer que é
homem ou mulher, você está vendo de um determinado ângulo o ser humano, e existem
vários ângulos para se ver o ser humano além do ponto de vista fisiológico-sexual.
66

Gugu: É claro! Quando eu digo que é homem ou que é mulher, não estou explicando tudo
aquilo que a coisa é; só o que eu estou dizendo é que a noção de masculino e a noção de
feminino não acrescenta nenhum conteúdo à noção de ser humano, porque a noção de
masculino e feminino já estão incluídas como possibilidades nesta. É semelhante a dizer
que o café é líquido. A noção de líquido não acrescenta nada à noção de corpo, apenas à
noção deste corpo individual e concreto, porque a possibilidade de liquidez já estava
incluída na noção de corpo. Dizer “é líquido” não é uma explicação de corpo, é uma
explicação deste corpo. Do mesmo jeito, dizer que “é mulher” não é uma explicação do
que é ser humano, é uma explicação deste ser humano.

Aluno: Acho que a minha dificuldade está mais no fato de conseguir enxergar de uma
forma mais geral o que é o ser humano.

Gugu: Vou dar outro exemplo. Se eu digo que um corpo é líquido, esta é uma informação
sobre este corpo; não é uma informação sobre e não acrescenta nenhuma noção à
corporeidade em geral. Agora, se eu digo que o corpo está latindo, ou que o corpo é
mulher, então é bastante evidente que há algo faltando no meio do caminho, porque da
noção de corpo não se pode inferir a noção de ser mulher e de se estar latindo; eu não
afirmei apenas uma efetividade concreta que já estava incluída como possibilidade
concreta na noção de corpo. Mas quando eu falo que este ser humano é mulher, estou
apenas dando uma nota concreta acerca deste ser humano em particular e não da noção
humana em geral. Deu para perceber a diferença? Pense assim: se você falar que “este
corpo é uma mulher”, dá para perceber que a noção de mulher - ou de feminilidade e
masculinidade -, não está em si incluída na noção de corpo apenas? Porque para ser
mulher ou homem, é necessária a capacidade de se reproduzir. E a ideia de ser capaz de se
reproduzir não está contida em corpo, porque para ser capaz de se reproduzir é necessário
ser vivo; e vida não está incluída na noção de corpo. A distinção aqui é importante, pois
ela indica como a nossa inteligência capta as coisas, portanto como as coisas são. Tente
reparar quando você pensar “o corpo está latindo”; para dar um sentido a esta afirmação, é
preciso colocar no meio a noção de um ente capaz de latir; a afirmação exige no meio um
termo que não está explícito. Mas se eu disser que “este corpo é sólido”, isso não exige
uma terceira noção no meio. A nossa inteligência é mais sutil do que pensamos. Quando
pensamos “o corpo está latindo”, a inteligência imediatamente coloca de maneira
inexpressão a noção cachorro entre uma coisa e a outra; não houve o pensamento
discursivo de que “o corpo que é um cachorro está latindo. Isso porque a inteligência é
mais rápida do que o pensamento discursivo.

Então, a diferença entre os elementos do Aristóteles e os elementos da Química ou da


Física moderna, é que os elementos do Aristóteles – o fogo, o ar, a água e a terra –
dependem, na sua definição, de noções que já são possibilidades da própria noção de
67

corpo. Se eu penso “é um corpo”, então pode estar se dividindo ou pode estar se mantendo
coeso, logo, um corpo concreto ou é frio (está se mantendo coeso) ou é quente (está se
dividindo). Se você entendeu a noção de corpo – substância mutável de extensão limitada
-, não é surpreendente que alguns deles sejam frios e outros sejam quentes. Mas se eu digo
que “o corpo está latindo”, isso é surpreendente. Se você nunca tivesse visto um animal
capaz de latir e alguém te dissesse isto, e você tentasse imaginar uma pedra latindo, com
certeza iria ver que algo está errado. Ou então uma massa de ar latindo, ou a água
latindo... você iria pensar imediatamente que está faltando alguma coisa aí e ia pedir uma
explicação. Então, se eu digo que existem cento e tantos elementos – o ferro, o oxigênio, o
enxofre e assim por diante – e que a diferença deles é o número de prótons e nêutrons que
há no núcleo do átomo, perceba quantas noções você tem que incluir, fora a noção do que
é corpo, para explicar o que é oxigênio ou o que é ferro. E da noção de corpo não dá para
inferir a existência ou sequer a possibilidade de existência do oxigênio, do ferro, do
enxofre, do chumbo e etc. é evidente que essas substâncias citadas existem, e é evidente
que elas não são as mesmas umas das outras – é evidente que o ferro não é o oxigênio.
Mas chamar essas coisas de elementos é um abuso de linguagem, porque elemento indica
justamente aquilo que é mais simples; elemento indica os componentes mais simples de
uma coisa. E quando você fala “simples”, você não está querendo dizer fisicamente
simples, mas sim intelectualmente e ontologicamente simples.

Então, se pegarmos as quatro propriedades que podemos inferir da simples noção de corpo
que são o calor, a frieza, a umidade e a secura, é fácil de perceber que temos aqui dois
pares de contrário; e que uma coisa não pode ser ao mesmo tempo fria e quente ou seca e
úmida. Se temos dois pares de contrários, é evidente que só é possível a existência de
quatro elementos fundamentais: uma coisa pode ser simultaneamente quente e seca, ou
quente e úmida, ou fria e seca, ou fria e úmida. E qualquer coisa que você pegar que seja
um corpo irá realmente, em cada circunstância concreta, efetivamente corresponder a um
desses pares. Por exemplo, no ar que estamos respirando agora as partes estão em
constante movimento, umas empurrando as outras, elas soltas umas das outras; isso quer
dizer que ele é quente, elas [as partes do ar] não estão coladas uma na outra, não tendem a
se manter juntas; ao mesmo tempo ele é maleável, então ele não é somente quente, mas
também úmido. O mesmo vale para a fumaça do cigarro. Esses dois corpos concretos [o ar
que respiramos e a fumaça do cigarro] estão na forma do elemento ar do Aristóteles. Se
observarmos o café do copo, veremos que ele tem as suas partes unidas; elas [as partes do
café] não estão se separando umas das outras e sim se mantendo juntas; mas ele [o café]
também é maleável, ele toma a forma do copo; isso quer dizer que se as partes estão se
mantendo unidas ele é frio...

Aluno: O café quente é frio...


68

[Risos]

Gugu: Exatamente! No sentido literal da palavra - da sensação táctil - ele é quente, no


sentido cosmológico e filosófico da palavra ele é frio e úmido, portanto corresponde à
forma do elemento água. Se eu pegar o próprio copo, ele também é frio, pois as partes
estão se mantendo unidas; as ele não é úmido, ele é seco, tende a manter a sua forma;
então ele é um corpo na forma do elemento terra. Vocês podem perceber que para
qualquer corpo que observarem, com um pouco de reflexão vocês são capazes de dizer à
que elemento ele pertence naquela circunstância.

Deu para entender o porquê são quatros elementos?

Aluna: No caso do cigarro, por exemplo, ele pertence ao elemento fogo, pois ele se divide
e sólido; ele é quente e seco, não é?

Tales: Aplica tudo isso que você disse ao cigarro, Gugu.

Gugu: Ao cigarro aceso ou ao cigarro apagado?

Tales: Aceso.

Gugu: Vamos fazer com o cigarro apagado primeiro: as partes se mantêm unidas, então
ele é frio; e a forma dele também é rígida, então ele é seco; ele pertence ao elemento terra.
Agora, quando eu acendo ele, na ponta dele onde há a brasa, ele pertence ao elemento
fogo, pois a brasa está separando as partes dele, mas a própria brasa tem uma forma
definida. Esse é um ponto interessante, porque a ideia de quente e seco é um pouco
estranha. Parece que, no corpo que é quente e seco, calor e secura estão em conflito um
com o outro. É fácil entender frio e seco, as duas coisas parecem que combinam; já o calor
e a secura parecem que não combinam muito bem. E é justamente dessa tensão entre as
qualidades do elemento fogo que você deriva o simbolismo do fogo. É por isso que o fogo
simboliza processos de transformação, violência, força, ruptura; porque uma coisa quente
e seca é uma coisa na qual se manifesta mais claramente essa ruptura, essa crise – são
duas qualidades em crise. Agora, se você observar mais cuidadosamente ainda, verá que
cada um desses quatro elementos se caracterizam por um par de qualidades. Se você
observar esses pares concretamente, verá que essas qualidades não estão exatamente no
mesmo patamar em cada elemento, verá que há qualidades que são apenas um suporte
para que a outra se manifeste; e é disso que deriva o simbolismo dos elementos. A secura
do fogo manifesta com mais evidência o que é o calor, o princípio de ruptura, de
separação; então, no fogo, a secura está subordinada ao calor.
69

Tales: Exponha isso com todos os elementos, Gu.

Gugu: Vamos lá. Olhem o elemento ar, que é quente e úmido. Se você observar o calor do
ar, a sua tendência a separar as partes só manifesta mais evidentemente a sua umidade ou
a sua adaptabilidade. Ele é úmido e quente. O calor serve de suporte para a umidade, e a
umidade é a qualidade principal. Na água é o contrário; a umidade fica subordinada à
frieza. A adaptabilidade da água serve para mostrar como ela é capaz de se manter unida e
de juntar as partes. Então a água é primeiramente fria e secundariamente úmida. E, na
terra, a qualidade que se destaca é a secura; ela é evidentemente o elemento mais sólido. A
frieza, a coesão, é simplesmente suporte da solidez, da secura. Então temos aí quatro tipos
de movimentos, já temos um pé para dar um salto para os elementos na astrologia. O
temperamento de fogo, o temperamento ígneo, é aquele que procura um ponto de partida
firme – a secura – para saltar, para agir, para se mover; o temperamento colérico é o
temperamento que o sujeito tem posições firmes que servem de suporte para a sua ação,
para o seu movimento; é a secura a serviço do calor. Já o temperamento melancólico, o
temperamento de terra, o sujeito tem a frieza, a capacidade de concentração, de conter e
incluir as coisas, servindo de suporte para a estabilidade...

Tales: Deixa eu dar uma nota aqui, só um segundinho. Signos de fogo: Áries, Leão e
Sagitário. Signos de terra: Touro, Virgo e Capricórnio. Só para o pessoal ir anotando...

Gugu: Boa! Nos signos de ar - no temperamento de ar (ou sangüíneo) –, o calor, a


separação, a divisão e o desdobramento; essas características estão a serviço do
crescimento, da inclusão de novas possibilidades, e também da sua adaptabilidade.

Tales: Gêmeos, Libra e Aquário.

Gugu: E, nos signos de água - no temperamento de água (ou fleumático) -, a umidade e a


adaptabilidade estão a serviço da coesão, da cola interna; o sujeito é mole para que não
haja tensões entre os diversos componentes do seu ser.

Tales: Câncer, Escorpião e Peixes.

Gugu: Em um certo sentido, vai na direção contrária ao [temperamento] sangüíneo. O


sujeito sangüíneo é aquele dá saltos - ou dá passos - para se desdobrar e se aumentar em
possibilidades. Então, por exemplo, as pessoas de temperamento sanguíneo são mais
mentais do que as pessoas de temperamento fleumático.

Tales: O temperamento sangüíneo corresponde aos signos de ar, certo?


70

Gugu: Isso.

Tales: O temperamento fleumático aos signos de água...

Gugu: Correto.

O temperamento melancólico aos signos de terra e o temperamento colérico aos signos de


fogo.

Aluna: Nos elementos, uma característica se subordina à outras, não é? No ar, por
exemplo, predomina o úmido sobre quente. Mas, e no caso do fogo? Ele é mais seco,
quente...?

Tales: Predomina o calor.

[Falando para o Gugu] Ela queria saber qual aspecto predomina no fogo: se é o calor ou a
secura. Aí eu disse que era o calor.

Gugu: Exatamente, o calor. A secura serve de suporte para evidenciar o calor. Isso porque
numa coisa como o ar - que também é quente -, o que se destaca não é o calor, é a
umidade; a umidade parece que supera o calor. Assim como no fogo o calor supera a
secura, no ar a umidade supera o calor.

Tales: Espera aí, pois acho que alguém tem alguma pergunta.

Aluno: Quando a gente pega o fogo – que é quente e seco -, caso haja dúvidas sobre qual
dessas características seja a predominante, é só comparar com o outro elemento quente –
que é o ar.

Gugu: Exatamente, é só comparar. Se você pegar os dois elementos que compartilham


uma qualidade, você verá claramente em qual deles essa qualidade se destaca mais. Se
você pegar o fogo e o ar, verá que, no fogo, o calor se destaca mais do que no ar. E se
você fizer o contrário e comparar o fogo com a terra - que são dois elementos secos -, é
evidente que na terra se destaca muito mais a secura do que no fogo. Então, aí, você tem a
distinção medieval das qualidades próprias e das qualidades apropriadas. A qualidade
própria do fogo é o calor; e é apropriado para o fogo – é adequado para ele – usar a secura
para manifestar a sua qualidade própria. Já a qualidade própria do ar é a umidade; e
convém para ele – é apropriado para ele – usar o calor como suporte da umidade. A terra
tem a qualidade própria da secura; e é apropriado para o seco usar a frieza como suporte.
71

Na água, a qualidade própria é a frieza; e é apropriado para ela a qualidade ‘úmido’ como
suporte desta frieza.

Aí a gente chega num dos pilares da astrologia medieval: o temperamento. Quer dizer, em
um indivíduo humano, que tendências predominam? Esse sujeito, na base da sua
psicologia, é mais parecido com o ar, com o fogo, com a água ou com a terra? Ou ele é
capaz de alternar entre essas diversas possibilidades? É muito raro um temperamento em
que os quatro elementos estejam representados de maneira proporcional à natureza
humana. Na maior parte das pessoas você observa o predomínio de um ou dois elementos
- e isso pode acontecer com pessoas de mapas completamente diferentes.

Um exemplo: eu e o Tales temos mapas bem diferentes; ele tem o Sol em Peixes e eu em
Áries, ele tem ascendente em Sagitário e eu em Leão, ele tem Lua em Touro e eu em
Câncer... os mapas são bastante diferentes, mas, se você fizer o cálculo do temperamento,
verá que nossos temperamentos são muito parecidos - quase idênticos até. Então, quando
éramos crianças, as pessoas o tempo todo perguntavam aos nossos pais se nós dois éramos
gêmeos; e a gente olhava um para o outro e não fazia ideia do porquê elas pensavam isso.
Mas era por causa do temperamento; a disposição básica da psicologia era a mesma.

E na criança aparece muito o temperamento, porque ainda há muito pouco de mentalidade


criada por ela mesma. O temperamento é importante porque ele é uma primeira camada da
sua psicologia; ele é a energia básica que você tem para mover o seu corpo. Se o sujeito
tem um temperamento colérico, a disposição vital dele é agir, estar em movimento, é
calor. Se você colocar a criança colérica para ficar sentada e quietinha o tempo todo, ela
fica brava, pois ela precisa se mover. Já a criança sangüínea também irá se mexer, porque
ela também é quente; mas ela se mexerá para obter informações, para captar informações -
ela é curiosa. A criança melancólica aparece, às vezes, como teimosa para os outros. E a
criança fleumática muitas vezes aparece como um enigma para as pessoas, porque a
psicologia dela é toda interna; ela tenta homogeneizar os seus estados psicológicos
internos. E o temperamento – tomado como um elemento da sua psicologia – se manterá o
mesmo durante toda sua vida.

Você pode dizer assim: “Pelo mapa desse sujeito, ele é inteligente ou burro?” Isso
depende, porque ele pode ser inteligente durante um tempo da vida dele e ser burro
durante o outro. “Ele é forte ou é fraco? Tem boa saúde ou uma saúde frágil?” Olha, tudo
isso aí pode variar com o tempo, mas os elementos que predominam nele são a base da
sua existência e permanecem os mesmos até o fim. O sujeito sangüíneo é sangüíneo do
nascimento até a morte. É claro que essa diferença não é muito grande. Obviamente
estamos fazendo uma analogia entre propriedades físicas (ou corpóreas) – calor, frieza,
umidade e secura – e as inclinações psicológicas do sujeito; por isso é claro que uma coisa
72

não encaixa exatamente na outra. E se num temperamento predomina um elemento sobre


o outro, os sete planetas continuam todos lá no mapa de todo mundo e as propriedades
elementares dos planetas continuam as mesmas independentemente do mapa. Mas, por
exemplo, antes de olharmos um mapa para vermos a disposição de saúde ou doença de
alguém, temos que saber o temperamento dele para saber de antemão o que já falta ou há
em excesso naturalmente no seu corpo. Só depois disso podemos ver as tendências que ele
tem relacionadas à saúde. Outro exemplo que é muito comum hoje são os mapas de
sinastria: “Vamos comparar os mapas desse sujeito com essa moça para ver se eles são
compatíveis astrologicamente. ” Aí o pessoal fica olhando só as posições dos planetas
para ver se eles estão bem relacionados. Mas os planetas estarem bem relacionados não
significa nada, porque os temperamentos podem ser profundamente incompatíveis. Então,
a primeira coisa a ser analisada teria que ser o temperamento.

Tales: Vamos fazer uma pausa de mais ou menos meia hora para o pessoal tomar um café.

[Intervalo]

Tales: Pode continuar, já está todo mundo aqui.

Gugu: Bom, então vamos continuar dando um passo na direção do cálculo do


temperamento. Caso vocês não saibam, há um programinha astrológico gratuito que é
mais ou menos fácil de usar. Quem tiver interesse de pegar ele na internet pode fazê-lo e
eu posso passar por e-mail a configuração que eu uso. Ele é um programa bem simples,
bem pequenininho; e é gratuito. Chama-se Zet-9.

Então, vamos fazer uma listinha agora. O pessoal tem que ter entendido bem que os
quatro elementos são um dado da natureza que derivam da simples análise ontológica do
que é corpo. E, na astrologia, você pega essas quatro categorias e as transpõem para a
psicologia do indivíduo - nessa transposição há evidentemente um salto, pois,
propriedades corpóreas não são propriedades psíquicas -, assim, antes de considerar o
mapa em geral da pessoa, você tem que chegar ao temperamento dela.

E aí nós temos o primeiro problema astrológico: não existe um método infalível de cálculo
do temperamento. Os grandes astrólogos dão fórmulas ligeiramente diferentes um do
outro, e, se vocês seguirem essas fórmulas passo a passo em cada caso, os temperamentos
irão bater na maioria dos casos; mas de vez em quando você encontra alguns mapas em
que o cálculo não bate - você olha a pessoa, conversa com ela e vê que o temperamento
dela não é o que deu no resultado do cálculo da fórmula que você usou. O próprio William
Lilly, que é um dos grandes astrólogos da Idade Média e do Renascimento, dá uma
fórmula de cálculo de temperamento no seu grande tratado de astrologia e, quando chega
73

nos exemplos, há casos em que pela fórmula dele o sujeito é sanguíneo, mas ele [William
Lilly] constata que o sujeito – que tinha convivência com ele - na verdade seria
melancólico; ao invés de ser ar – que é quente e úmido -, o sujeito do exemplo seria terra
– que é frio e seco. Isso porque ele conhecia o sujeito e sabia qual era o temperamento
dele. Então, nenhuma fórmula é infalível. O sujeito terá que aprender a identificar as
características de cada temperamento e, ao aplicar as fórmulas, ver se não há nenhuma
exceção. No decorrer do curso, quando observarmos mais mapas de alunos, mostraremos
– mais ou menos – quando algum caso poderá ser uma exceção à regra; há algumas dicas
astrológicas para perceber quando o temperamento não bate com a fórmula – mas mesmo
essas são apenas dicas práticas, também não são um sistema infalível. O primeiro passo
para investigar o que um sujeito é astrologicamente, já é um passo um pouco confuso, não
é exato. Mas, de modo geral, se você pegar as fórmulas básicas, nove entre dez casos
estarão de acordo com o temperamento real da pessoa.

Então, vamos começar fazendo uma listinha. Primeiro as estações...

Tales: Só um minuto, Gugu, eles querem que eu repita a lista dos signos primeiro:

Os signos de fogo são: Áries (1), Leão(5) e Sagitário(9).

Os signos de terra são: Touro(2), Virgo(6) e Capricórnio(10).

Os signos de ar são: Gêmeos(3), Libra(7) e Aquário(11).


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Os signos de água são: Câncer(4), Escorpião(8) e Peixes(12).

*Nota do transcritor: percebam que a seqüência numérica de 1 a 12 segue a ordem dos


signos de cada estação. Áries (fogo), Touro (terra) e Gêmeos (ar) são signos da
primavera. Câncer (água), Leão (fogo) e Virgo (terra) são signos do verão. Libra (ar),
Escorpião (água) e Sagitário (fogo) são signos do outono. Capricórnio (terra), Aquário
(ar) e Peixes (água) são signos do inverno.

Pode falar das estações, Gugu.

Gugu: Vamos lá, além do signo, anotem os elementos das estações – lembrando que são
as estações no Hemisfério Norte:

A primavera é de ar.

O verão é de fogo.

O outono é de terra.

O inverno é de água.

Tales: Aliás, tem uma explicação sobre isso na última aula – a questão do Hemisfério
Norte e Hemisfério Sul -, do porquê Peixes é um signo de inverno no Hemisfério Norte e
aqui é de verão. Aquário também, no Hemisfério Norte ele é de inverno, mas aqui é de
verão. O Gugu explicou o porquê não inverte o simbolismo na última aula.

Aluno: Na última aula o Gugu passou outra associação das estações para os signos (*ver a
nota acima). Que os signos de verão seriam Câncer...

Tales: Sim, isso é outra coisa. Se você pegar o inverno, que é de água, ali terá signos de
vários outros elementos. Você está vendo só a tabela isolada [de signos e estações], mas
no final vai tudo bater. Pode continuar aí, Gugu.

Gugu: Agora os planetas:


75

Sol é de fogo.

A Lua é de água.

Mercúrio quando está oriental é de ar, quando está ocidental é de terra.

Vênus quando está oriental é de ar, quando está ocidental é de água.

Marte é de fogo.

Júpiter é de ar.

Saturno é de terra.

*Nota do transcritor: lembrem-se que o Gugu comentou o motivo de não levar em conta
os planetas de Urano, Netuno e Plutão, que é por eles não serem vistos a olho nu.

Agora, as fases da Lua:

De Lua Nova até a Meia-Lua (primeira quadratura) é de ar.

De Meia-Lua até a Lua Cheia é de fogo.


76

De Lua Cheia até diminuir para a Meia-Lua novamente é de terra.

De Meia-Lua até Lua Nova é de água.

Depois mandaremos um texto com a tabelinha bonitinha para vocês, mas é bom anotar
agora. Vejam que as duas fases crescentes - do período que ela [a Lua] está crescendo –
são quentes, quando ela está diminuindo são fases frias.

Anotaram tudo? Então, vamos continuar.

Todas as fórmulas de cálculo de temperamento variam em torno de quatro componentes


principais:

1 – O primeiro componente no cálculo do temperamento é o signo ascendente.

2- O segundo componente é a estação do ano moderada (ou modulada) pelo signo em que
está o Sol.

3 – O terceiro componente é a fase da Lua modulada pelo signo em que ela [a Lua] está.

4 – O quarto componente é o planeta mais forte do mapa - o regente do mapa – modulado


pelo signo em que ele [o planeta] está.

Quem se oferece de vítima para calcularmos o mapa e o temperamento?

Tales: A Larissa.

Gugu: Dê-me os dados dela.

Tales: A data de nascimento é o dia dezenove de novembro de mil novecentos e noventa


(19/11/1990); a hora é nove e vinte e cinco da manhã (09:25 am); cidade de São Paulo.
Ah! O horário de verão estava em vigor no ano em que ela nasceu, então eu acho que a
hora na verdade era oito e vinte e cinco (08:25 am).

Gugu: Bom, o Zet-9 tem a tabela do horário de verão do Brasil até o ano passado, então
ele já inclui automaticamente.

Vamos lá, seguindo a nossa lista:


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1 – Primeiro, o ascendente é Capricórnio. Então vocês já anotem no cálculo do


temperamento: “Opa, Terra!” Agora, percebam a primeira nota para vocês verem como
modular esse dado que é o ascendente... Saturno, que é o regente do ascendente, está em
Capricórnio na Casa I; e Saturno, como acabamos de ver, também é um planeta frio e
seco. Então, coloquem dois mais no terra do ascendente; por Saturno ser terra, ele reforça
o elemento terra do Capricórnio.

2 – Aí nós temos a estação. O sol está em escorpião, então é outono no Hemisfério Norte.
E outono é terra. Na segunda linha, então, vocês coloquem mais uma nota em terra.
Agora, o Sol está num signo de água, então anotem aí também que há um pouquinho de
umidade, o Sol é moderado um pouquinho na umidade – a água tem em comum com a
terra a frieza, mas ela tem lá a umidade; então coloque um “u” pequenininho ali do lado
para você lembrar que há um pouco de umidade.

3 – Agora, a fase da Lua. A Lua está em Sagitário; ela acabou de passar por uma
conversão com o Sol, então está entre a Lua Nova para a Meia-Lua crescente. Isso, se
vocês lembrarem, é de ar; num signo de fogo – está em Sagitário. Isso aí enfraquece um
pouco a umidade do ar e fortalece um pouquinho o calor.

4 – O planeta mais forte do mapa é evidentemente o próprio Saturno domiciliado no


ascendente, então colocamos terra mais uma vez.

Então olha só, esse temperamento é razoavelmente fácil de definirmos. Dos quatro
componentes principais, três são de terra. O que nós podemos inferir do temperamento
melancólico – o temperamento de terra? São, primeiro, pessoas de opiniões firmes e
claras; pessoas que não se adaptam à mudanças inesperadas; pessoas firmes como a terra.
Como tem um pouquinho do ar e um pouquinho de fogo lá no mapa, e tem muito pouco
do elemento água – o único lugar que a água aparece é no signo em que está o Sol -; então
é um temperamento fortemente melancólico. A pessoa é como uma montanha, como uma
pedra. Qual o lado bom desse temperamento melancólico? A pessoa é confiável. Ela é
direta, tem a mentalidade direta – não é que ela é direta no sentido de dizer tudo o que
pensa de maneira clara, mas sim que ela tem a mentalidade franca e direta. Outra coisa,
ela também é uma pessoa discreta, reservada. São pessoas que você pode contar segredos.
E quais são as limitações? A pessoa pode ser um pouco teimosa demais. Também pode ser
uma pessoa fechada; os amigos podem estar querendo ajudá-la, mas ela não conta qual o
problema. A pessoa pode ter a tendência a querer carregar todo o fardo da vida sozinha. O
que mais que pode ter? Se os planetas de terra não estiverem muito bem colocados –
fracos - e a pessoa tem um forte temperamento de terra, ela pode ter doenças
características do excesso do elemento terra. Como nesse caso Saturno – que é o principal
planeta de terra – está domiciliado na Casa 1, é o regente do mapa, então isso não é uma
78

preocupação grave. Outra dificuldade é que a pessoa não é muito adaptável ou maleável.
Se você faz amizade com essa pessoa, ela tende a ser fiel à essa amizade durante muito
tempo; mas se acontecer de você formar uma inimizade, será muito difícil reverter essa
situação.

Aluna: É... O meu caso, eu acho, é um daqueles em que o mapa astral não se adapta
muito. Eu sempre me considerei mais fleumática.

Gugu: Olha só, geralmente, no temperamento, somos a pior pessoa para olhar para nós
mesmos, porque o temperamento é quase que uma presença física. É como os outros no
sentem diante do mundo. Se você quiser saber se o sujeito é mais fleumático ou mais
melancólico é simples, se os amigos dele dizem: “Olha, a gente gosta dele, ele é nosso
amigo, mas ninguém entende o que acontece na cabeça dele.” Se esse for o caso, ele é
uma pessoa fleumática. Você não sabe o que se passa na cabeça dele, pois ele é todo
voltado para dentro. Já a pessoa melancolia, você demora a conhecê-la, mas depois que a
conhece, sabe exatamente como ela vai agir. Os temperamentos frios são mais interiores,
mais voltados para dentro; então eles são mais difíceis de serem conhecidos mesmo.
Porém, o melancólico, porque é fixo – seco -, depois que você o conhece não há surpresas.
O fleumático não, ele é um sujeito que você não sabe como vai agir.

Tales: Precisaria chamar os amigos, explicar para eles e perguntar.

Gugu: Isso, faça a entrevista com as pessoas que te conhecem bem: “Não, o que vocês
acham de mim? Eu sou mais um tipo confiável ou um tipo maluco que segue inspirações
que vocês não sabem de onde vieram?” Nós não somos as melhores pessoas para nos
analisarmos a nós mesmos, a não ser que percebamos muito bem que o temperamento é a
raiz da psicologia da pessoa. É óbvio que, se a pessoa tem Sol em Escorpião, há um
elemento fleumático nela – todo Sol em Escorpião tem, porque o Sol é uma força de ação,
a força pela qual o sujeito age. Mas esse elemento fleumático está apoiado sobre uma base
melancólica. Entre ser uma pessoa de opiniões estáveis e uma pessoa de opiniões
inspiracionais, movidas pelo momento e pelas circunstâncias, você será uma pessoa que
tem opiniões mais estáveis. O fleumático é o sujeito que de um modo ou de outro está
absorvendo a situação do momento para reagir de acordo com ela, enquanto o melancólico
não. O elemento de absorção dele [do fleumático] é totalmente subordinado à definição da
sua personalidade e do seu caráter. O sujeito fleumático até diria: “Ah, eu não tenho a
menor idéia de qual é o meu temperamento, acho que cada dia é de um jeito.” Ou: “O
quê?! As pessoas são sempre de um jeito?”

Vamos para o próximo mapa.


79

Tales: Nove de julho de mil, novecentos e oitenta e um (09/07/1981). Uma e meia da


tarde (13:30). Capão Bonito, São Paulo.

Gugu: O ascendente é Escorpião, signo de água, então já colocamos um “Ag”. Não há


nenhum planeta no ascendente, então não há nada modificando aí. O Sol é em Câncer,
então a estação é o verão, que é de fogo; mas devemos lembrar que Câncer é um signo de
água, então faça essa nota que fortalece o ascendente. A Lua está na segunda fase (da
metade para a cheia), que é de fogo também; e está em Libra, que é um signo de ar. E o
planeta mais forte desse mapa é Saturno mais uma vez – exaltado em Libra e em
conjunção com Júpiter; e Saturno é de terra; também está em um signo de ar.

Olha só, temos água, fogo, fogo e terra. Aqui nós temos um temperamento mais
equilibrado onde há vários elementos dentro dele. Esse é um dos casos em que
conhecendo a pessoa nós podemos dizer com mais precisão sobre o temperamento dela.
Eu diria que nesse temperamento há uma leve tendência em alternar subitamente entre o
colérico e o fleumático. Por temperamento, ela tem impulsos de atividade que a fadigam e
que depois são saboreados interiormente; e há pouca comunicação entre essas duas fases.
O elemento que menos aparece nesse mapa é o temperamento sanguíneo. Então, eu diria
que ela tem súbitos impulsos de atividade do temperamento colérico, mas que se esgotam,
e aí a pessoa passa para um estado fleumático.

Tales: Vamos perguntar para o marido dela... Bate o resultado? Ele disse que bate
totalmente.

Gugu: Exatamente. Ela tem súbitos impulsos de atividade, e, quando eles se esgotam, ela
se volta para dentro. E se você perguntar para ela: “O que aconteceu?” Ela não sabe
responder.

Tales: O marido dela está pergunta se ela é uma pessoa que se acalma fácil...

Gugu: Sim.

Tales: Ele [o marido] disse que está tudo certo.

Gugu: Esses são dois casos que não são ambíguos. Vamos ver se achamos um mapa que
será mais difícil de ler somente pela fórmula.

Tales: Olha, eu acho interessante pegarmos o Fulano e o Sicrano. Como eles são irmãos,
depois o outro pode julgar o resultado que chegarmos. Faça o do Fulano primeiro. A data
de nascimento é vinte e seis de dezembro de mil, novecentos e sessenta e oito
80

(26/12/1968). O horário de nascimento é às vinte horas (20:00). A cidade é São Paulo,


capital.

Gugu: Ascendente em Câncer - portanto é de água -; não há nenhum planeta no


ascendente. O Sol está em Capricórnio, que é um signo de inverno – que também é de
água; porém, como o Sol está em Capricórnio, coloque lá uma notinha de secura. A Lua
está numa fase quente, em uma fase de fogo – acabou de passar da Meia-Lua para a Lua
Crescente; ela está em Áries que é de fogo. E o planeta mais forte do mapa... Agora já
começou a complicar um pouquinho; não há um planeta mais forte tão evidente. Eu diria
que provavelmente é Vênus na posição ocidental, portanto de água; e [Vênus] está em
aquário, que é um planeta de ar. Olha só, o temperamento aqui é predominantemente
fleumático.

Tales: Ele não seria predominantemente fleumático com um pouco de colérico?

Gugu: Sim, ele tem um toque de colérico.

Tales: Eu conheço bem ele, e realmente... Acho que o resultado bate bem com o
temperamento dele. Explica aí o temperamento fleumático com um toque de colérico que
depois o irmão dele vai julgar o resultado.

Gugu: Espera aí, que Fulano que é esse aí?

Tales: O Fulano, cara! Seu aluno...

Gugu: Ah! Ele é evidentemente fleumático, não há dúvidas!

[Risos]

Fulano: Estou manjado, hein?

[Risos]

Gugu: É um sujeito que você tem que espremer para saber o que acontece dentro dele.

Tales: As pessoas pensam que o fleumático é introvertido, mas não tem nada a ver.

Gugu: Não é que é introvertido... Veja bem, ele é um volume de água e o mundo é a água
que está acumulando dentro dele. A atenção dele pode estar totalmente voltadas para
coisas exteriores a ele. Ser fleumático não significa que a atenção do sujeito esteja
81

totalmente voltada para a sua própria psicologia interior. O sujeito introvertido é o sujeito
que está lá, pensando dentro da cabeça dele o tempo todo. O fleumático não está pensando
nele mesmo ou na sua própria psicologia interna; ele não é um sujeito com problemas
psicológicos. Apenas a sua psicologia não se destaca de maneira auto-evidente. Ele pode
estar com a atenção totalmente voltada para algo fora dele, mas os outros não sabem. O
fleumático é o sujeito que você olha e se pergunta: “Ele está triste ou está contente?” Em
noventa por cento das vezes você não vai ter uma resposta. Não é que ele seja
encimesmado ou introvertido, é que a energia física dele se volta para dentro.

Fulano: Tales, não sei se o Gugu está me ouvindo, mas esse temperamento passa a
impressão para as pessoas que você é distante, não está interessado nelas, embora você
esteja sinceramente pensando nas coisas da realidade presente? Passa a impressão para
quem não te conhece mais profundamente de que você é desinteressado, distante?

Gugu: Exatamente! Mas ele está prestando atenção, dedicando a atenção dele para aquilo,
mas não é evidente para o outro. As pessoas vêem o fleumático e não sabem o que se
passa na cabeça dele. E porque elas não sabem, elas pensam que ele está voando longe. É
exatamente o contrário do sujeito colérico. O colérico é o sujeito que “está na lata” o
tempo todo.

Agora, o caso da “aluna z” que tem a Lua em Libra é assim... Primeiro tem a estação, e o
signo só modifica um pouquinho a estação, mas ele não é tão importante quanto a fase em
que ela [a Lua] está. É que nem o Sol.

Aluno: O Fulano, não sei se é porque eu o vejo falando sempre francamente sobre a
situação política, mas a impressão que me dá é que tem a emoção muito à flor da pele,
muito evidente. Talvez é porque ele se abre muito aqui nos nossos assuntos. E, também,
ele tem Lua em Áries...

Tales: Sim, ele tem um pouco de colérico, não é, Gugu?

Gugu: Quanto a isso – aos sentimentos à flor da pele -, quando ele [Fulano] começa a
expressar as opiniões que ele tem acerca do certo e do errado, do melhor e do pior, das
doutrinas que estão na mente dele, então aí o sentimento dele é mais evidente. Mas são
sentimentos derivados das suas idéias.

Tales: Ele disse que isso é um problema para ele. Mas bateu o resultado, segundo o irmão
dele.
82

Gugu: Se você dá uma coisa para ele [Fulano] comer e se pergunta: “Ele gostou ou não?”
Aí vai demorar para você perceber. Se ele está na roda de conversa, ele está contente de
fazer parte daquilo, mas parece que ele não está prestando atenção.

Deu para entender? O temperamento é uma coisa quase física no sujeito; ele é a base
física da psicologia do sujeito. O temperamento pode ser tão diferente da psicologia
global, que se você ler a pessoa falando das opiniões dela, você começa a imaginar uma
pessoa; mas se você sentar do lado dele e ela tiver um temperamento diferente daquelas
opiniões, você pensa: “Será que é esse cara mesmo que escreveu aquilo?”

Vamos para mais um exemplo.

Tales: Vamos ver o Sicrano, irmão do Fulano. A data de nascimento é trinta de maio de
mil, novecentos e sessenta e cinco (30/05/1965), às onze da noite (23:00), São Paulo –
capital.

Gugu: Ele tem ascendente em Aquário, que é ar; há um Saturno aí no ascendente, mas ele
já está em Peixes e quase na casa dois, então ele não conta muito como modificador do
ascendente. Como o Sol é em Gêmeos a estação é a primavera, que também é de ar; então
reforça um pouco as características do ar. A Lua está em conjunção com o Sol e também
em gêmeos; está na fase do seu começo [a Lua Nova], então também é de ar. Não é
preciso de muito para chegar à conclusão acerca desse temperamento. Agora o planeta
mais forte... Esse caso está um pouco complicado; estou na dúvida entre Vênus e Saturno;
mas consideremos Vênus ocidental, que é água. Então, esse é um temperamento
fortemente sangüíneo. O lado bom primeiro: é amigável, comunicativo, fácil de perceber
o que ela está sentindo, ela adapta o que sente para não agredir o ambiente; num certo
sentido é o contrário do fleumático, porque é um sujeito que está sempre ali. Porém, ele
não está sempre na turma como o colérico, que está sempre brigando um pouquinho com
os outros, ocupando um pouco de espaço demais. O sangüíneo não ocupa espaço demais,
exceto quando ele começa a falar, porque aí ele não para mais...

[Risos]

Tales: Segundo o Fulano, está batendo.

Gugu: Esse caso aqui é muito claro, porque essas características estão muito fortes. O
temperamento sangüíneo é um temperamento bem fácil de encontrar. Qual o lado ruim? O
sujeito pode ser instável nas suas opiniões, nas suas posições; ele pode ficar indeciso,
porque pode haver poucos elementos de perseverança, pouca firmeza. Hoje ele pode estar
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de um jeito e amanhã ele já pode ter mudado de opinião; ou ele continua com a mesma
opinião, mas perde a vontade de fazer daquele jeito.

Tales: Estão falando aqui que está batendo cem por cento.

Gugu: Nesse caso não há dúvidas mesmo.

Aluna: Uma pergunta... Eu vejo que todos os temperamentos estão batendo exatamente
com os ascendentes – o ascendente em Aquário é sangüíneo, eu tenho ascendente em
Capricórnio e sou melancólica, ele tem ascendente em Câncer e é fleumático. O
ascendente é bem determinante, não é?

Gugu: Olha só, é apenas uma coincidência. Mas isso facilita você identificar no sujeito de
maneira mais evidente qual o seu temperamento. Quando o temperamento bate certinho
com o temperamento... O que é o ascendente? É o papel que o sujeito quer ocupar no
mundo, é como ele se pensa no mundo, é quem você pensa que é ou o que você quer ser
quando crescer. Se o sujeito tem o temperamento que bate com o signo ascendente, é fácil
para ele usar aquela força do temperamento para ser do jeito que ele já queria ser; mas
isso não é sempre assim. Por exemplo, no meu caso e do Tales, ele tem ascendente em
Sagitário e eu em Leão – os dois são signos de fogo -, e nós dois temos o temperamento
sangüíneo – não com muito exagero, mas é sangüíneo.

Quem é a próxima vítima?

Tales: O Marcelo, seu antigo aluno. Ele nasceu em vinte e sete de janeiro de mil,
novecentos e oitenta e nove (27/01/1989), às quatro e dez da tarde (16:10). A cidade é
Salvador – Bahia.

Gugu: Ascendente em Gêmeos é ar, e não há nenhum planeta no ascendente o


modificando. O Sol está em aquário, então a estação é invernal (água) – com uma notinha
de ar, porque está lá em aquário. A Lua está crescente para a Meia-Lua, em libra; então é
terra com uma notinha de ar. O planeta mais forte do mapa é Saturno, não há dúvidas; ele
está em Capricórnio; então é terra. Pode esquecer essa água aqui da estação, porque está
tudo mais forte para o outro lado; então, eu diria que o temperamento fundamental nesse
caso é melancólico – de terra -, com um toque de sangüíneo. Quanto a esse caso eu não
tenho dúvidas... O sujeito é melancólico, mas consegue se expressar de maneira
sangüínea; até o tom da fala dele é assim. É um sujeito fixo, firme, mas tem a habilidade
de expressa mentalmente o que ele é, o que ele pensa. Eu diria que o elemento sangüíneo
entra aí como a expressão do temperamento melancólico. Explicando melhor o
temperamento melancólico, ele consiste no seguinte... É só lembrar da terra; ela é frieza
84

em função da secura. Isso quer dizer o quê? A frieza consiste na reunião das partes, na
coesão e congregação das partes; consiste em concentrar, acumular, tendo em vista a
definição do que é firme e claro. Se fosse para expressar isso em uma mentalidade
política, poderíamos dizer que o conservador é um melancólico. Você guarda o que você
tem porque você sabe que isso é bom. O melancólico é o sujeito que, de maneira geral, é
confiável, porque você sabe o que esperar dele; se ele disser algo hoje, não mudará
amanhã – demorará pelo menos uns seis meses para ele mudar.

Tales: Deu para entender. A gente só tem mais uns cinco ou dez minutos de aula, então, se
você quiser fazer umas observações finais, pode fazer.

Gugu: Está bom. Vamos fazer umas observações finais sobre qual a importância do
temperamento. Ela consiste no seguinte: cada parte do mapa terá um significado diferente,
como alguém falou: “Ah, a casa I é um modelo ideal para o sujeito, é como ele pensar ser
dentro do mundo, o que ele vai fazer, realizar...” É mais ou menos o ascendente. Aí, nós
temos Júpiter: “Não, o que é fácil na minha vida?” Saturno: “O que é difícil e
problemático?” Só que tudo isso aí é com base no seguinte: qual é a energia básica de que
você dispõe para realizar essas coisas? Esse é o temperamento. O temperamento é tanto a
sua disposição, energia física fundamental, quanto a sua inclinação psicológica
fundamental. Por exemplo, se você pega o sujeito sangüíneo e o colocar para ficar parado
durante muito tempo, ele começa a estagnar, a mofar interiormente. Já o temperamento
melancólico, se você começa a exigir muitas mudanças, adaptabilidade e flexibilidade do
sujeito o tempo todo, ele começa a ficar deprimido, porque ele não sabe mais onde está
andando – o terreno que ele pisa está muito pantanoso. Se você tenta segurar o sujeito
colérico, você não consegue, porque ele precisa se lançar em direção às coisas, ele precisa
tentar as coisas, precisa gastar energia que nem o fogo – se você contém o fogo, ele
explode. Se você exige do fleumático que ele traga as coisas para você quando você quer,
ele não consegue; a psicologia dele é como que reativa, vai reagindo de pouquinho em
pouquinho, assim como a água – ela pode ser muito forte, mas só quando ele acumula. O
temperamento fleumático não é um temperamento de iniciativa; já os temperamentos
quentes são. Se pudéssemos perguntar assim: “Ah, como funciona?” É simples: o
temperamento sangüíneo dá a idéia, o temperamento colérico vai lá e começa a fazer, o
temperamento melancólico termina, e o temperamento fleumático faz uma música
dizendo como é que foi.”

[Risos]

Veja, ele [o fleumático] é o único sujeito capaz, do começo ao fim, de ir assimilando o


sabor da coisa que estava acontecendo; e depois que a coisa acabou, ele é o único capaz de
dizer: “Olha só, isso aí foi desse jeito assim. O que nós ganhamos com isso? Tal coisa. O
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que nós perdemos? Tal outra.” Mas isso apenas depois do acontecido. Ele não é um
sujeito que você possa exigir a resposta psicológica interna no momento em que as coisas
se dão. O sujeito mais capaz de dizer no momento a sua disposição psicológica é o
sangüíneo, mas o que acontece é que essa disposição pode mudar logo depois. O
sangüíneo sempre sabe se está triste ou se está contente, se tem vontade de fazer algo ou
se não tem, se quer dormir ou ficar acordado; para ele isso é muito claro na hora em que
esses estados surgem; mas isso não é estável.

O temperamento também tem uma importância muito grande – embora isso seja uma
consideração de outra ordem – nas técnicas de meditação, de oração e de práticas
espirituais; isso é modulado de acordo com o temperamento do sujeito, porque esse é o
elemento da psicologia dele que vai permanecer o mesmo do começo ao fim no processo
de mudança. Então todo mundo tem que remover certos vícios e chegar a obter certas
virtudes, só que, nesse processo de mudança, o que continuará igual em você? O
temperamento. Se você for para o inferno e era sangüíneo, lá você continua assim – do
mesmo modo que se você for ao paraíso. O temperamento é a nota fundamental que é
sempre a mesma no sujeito, portanto é aquilo que você pode esperar dele sempre. O
sangüíneo é bom no quê? Em dar idéia ou para contar o que está acontecendo no momento
em que acontece. O colérico é bom para sair da idéia e começar a fazer as coisas. O
melancólico é bom para terminar: “Não, eu não queria começar, mas agora que começou,
vamos terminar. Agora vamos até o fim, não esse negócio de fogo de palha.” Você
também pode olhar como cada temperamento enxerga os outros temperamentos. Os outros
temperamentos olham para o sangüíneo e pensam: “O sangüíneo fala, fala e fala, mas não
faz nada.” Quando olham para o colérico: “Ah, esse cara aí só pensa em dar porrada, está
sempre brigando. Não liga para a gente, não tem empatia, não está nem aí para o que a
gente está sentindo.” O melancólico: “Ele é sério demais, está sempre deprimido.” E o
fleumático: “Olha, ninguém sabe nada desse cara, ele é enigmático, um pouco fora do
normal. Ele está sempre reagindo às situações anteriores.

Tales: Beleza, cara, já deu o tempo.

Transcrição: Antonio Carlos Bosseli, Danilo Roberto Fernandes


Revisão: Danilo Roberto Fernandes
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Instituto Cultural Lux et Sapientia


Curso de Cosmologia e Astrologia Medieval

Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 03

Tópicos da aula:

Elementos do auto-conhecimento; relação entre corpo e mente. Intelecto possível. Sentido


comum. Pensamento e imaginação. O homem como animal capaz de perceber a realidade,
capaz de inteligir. Inteligência e consciência. Noções que o ser humano adquire quando
nasce; conceitos de bom e mau para o homem. Expectativa de escapar do mal e alcançar o
87

bem. Primeiro componente da psicologia humana: temperamento - extrato mineral.


Problemas cognitivos do homem real: 1) Será que a realidade é boa?; 2) Ilusão: Existem
experiências boas, e a coleção de experiências boas me deixará feliz. Segundo
componente da psicologia humana: extrato vegetal. Exposição dos símbolos dos planetas
Saturno, Júpiter e Lua. Gênesis: os problemas do homem começaram quando ele comeu o
fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A relação de Saturno com as
experiências mais negativas: “nunca nada dá certo”; “tudo sempre dá errado”. O que fazer
nessas situações? Como discernir? Simbolismo da parábola do grão de mostarda do
Evangelho. Importância da prática religiosa para encarar o núcleo da experiência ruim.
Aprender astrologia nesse curso vai dar a chave alquímica de mapeamento da psicologia
do aluno e das pessoas em torno. Diferenças entre Astrologia e Alquimia. O que é um
homem perfeito? Exposição dos símbolos dos planetas Vênus, Marte, Sol e Mercúrio. O
simbolismo do círculo na Astrologia. Cálculo da mentalidade. Exemplo de cálculo de
mentalidade com um aluno.

Transcrição da aula:

Gugu: ... As imagens que eu tenho na mente, as impressões que eu tenho no corpo, tudo
isso acontece comigo. Isso é uma parte do que sou “eu”. Outra parte do que sou “eu” é
aquilo que percebo que posso fazer. Por exemplo, falar. Nunca acontece de eu estar
falando sem ter decidido falar primeiro. Também nunca acontece de eu estar andando sem
que eu decida ter andado antes. Então eu percebo que uma parte do meu ser é aquilo que
acontece comigo, acontece em mim; outra parte do meu ser é o que eu faço, o que eu
realizo com ele. Mas a amostra que eu tenho disso é, na verdade, muito pequena. Em
qualquer momento da minha vida, o conjunto de experiências e decisões que eu posso
lembrar e que eu posso prever é muito pequeno em relação à totalidade da minha vida.
Isso quer dizer que a simples auto-observação não é suficiente para o sujeito chegar a ter
autoconhecimento. Algum método é necessário. Por que isso? Porque o ser humano é um
ser complexo. E conhecê-lo, ou mesmo conhecer-me, é, em certa medida, recapitular toda
a realidade. Isso porque, como diziam os antigos, o ser humano é um micro-cosmo, então
ele tem em si os diversos extratos da realidade que você encontra em partes nos outros
objetos.

“Ah, o temperamento é a base mineral da minha personalidade”. Na verdade, mais


apropriadamente, ele é a base mineral da nossa psicologia, de tudo o que acontece na
nossa mente. Mas percebam algo interessante: quando se fala em autoconhecimento,
ninguém inclui o estudo da fisiologia ou da mineralogia como parte desse projeto de se
conhecer. Quer dizer, quando ouvimos “autoconhecimento”, instintivamente pensamos:
“O conhecimento da minha mente”. Nos localizamos quando dizemos: “Eu. Conhecer a
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mim. Conhecer o eu.” Pois bem, “conhecer o eu” é conhecer a nossa psicologia. Não
estou apontando para o corpo. Então, embora o temperamento seja um dado da psicologia,
ele está entre esta e a nossa fisiologia básica. É onde nossa mente se agarra no corpo e
onde o nosso corpo se comunica com a mente. Embora o “eu” seja, de fato, mais mente do
que corpo, ele existe de algum modo nesse corpo, e, mesmo que na sua realidade
fundamental ele não seja afetado pela existência do corpo, na nossa observação do que
somos, ele é [afetado]. De um lado o temperamento é a nossa base mineral. Do outro lado,
no extremo oposto da base mineral, temos a inteligência pura, tanto no seu aspecto
analítico e racional, quanto no seu aspecto sintético de captação do real; a inteligência
como razão e sua capacidade de captar as qüididades e formas universais das coisas, e
também como uma capacidade de captar e apreender o ser.

Entre o intelecto – a inteligência – e o temperamento – o elemento mineral -, temos dois


meios de comunicação: um que vai debaixo para cima, e outro que vai de cima para baixo.
O que vai debaixo para cima, corresponde àquilo que os escolásticos chamavam de
intelecto possível, que seria a simples disposição receptiva a entender. É importante notar
que intelecto possível não é uma capacidade de entender, não é que existe um poder
interno de entender a que chamamos intelecto possível. Como dito, o intelecto possível é
uma disposição receptiva. E o que é isso? Olha só, temos aqui a minha mão e do outro
lado o isqueiro. Se você olhar bem, o isqueiro encaixa na palma da minha mão e não cai.
Mas não é porque eu tenho uma faculdade de pegar isqueiros que existe algo dentro de
mim me orientando na direção de concretizar essa ação. Se o isqueiro não existisse, o meu
ser continuaria exatamente o mesmo. Mas pelo fato da mão existir – e existir nessa forma
-, é possível para ela ter o isqueiro sobre ela. É uma possibilidade que se abriu pela sua
existência, mas não é uma capacidade ativa. A mão tem a capacidade ativa, de fato, de
segurar qualquer objeto físico. Não uma capacidade de segurar isqueiros. Ela tem a
possibilidade de segurar isqueiros. Deu para perceber a diferença? Uma capacidade
subentende a existência de um objeto correspondente a ela. Quer dizer, a capacidade de
ver subentende a existência de luz, mas não subentende a existência desta cor ou deste
objeto. (Nota do transcritor: fiquei um pouco confuso com a explicação, mas me parece
que o intelecto possível é apenas a possibilidade que temos de chegar até a inteligência
pura. Não significa que internamente, dentro de nós, há algo que nos move mesmo sem
percebermos, mesmo contra a nossa vontade, e concretiza essa passagem entre o extrato
mineral da nossa psicologia e a inteligência pura). Pois bem, o intelecto possível é a
coluna ascendente que vai da sua psicologia básica até a inteligência. Já do outro lado, na
outra coluna, temos as impressões causadas pelo sentido comum. Então, nesse momento,
por exemplo, eu estou vendo a sala em que vocês estão. E ela possui uma certa iluminação
que causa um certo efeito na minha mente. É um caso irrelevante. Eu sei que a iluminação
é diferente da iluminação de onde eu estou. Eu poderia pensar que, se não existisse
diferenças de iluminação, vocês são da cor que eu estou vendo na tela; e que a parede não
89

é inteira branca, mas tem umas partes dela que são cinza-escuro, porque a iluminação
varia de uma parte da sala para outra. Isso seria uma impressão.

Então podemos fazer um quaternário com isso. Na base, embaixo, está o temperamento.
Em cima está a inteligência pura. Do lado esquerdo, temos o pensamento, que é o
primeiro instrumento do intelecto possível. E do lado direito, a imaginação, que é a
capacidade de moldar as impressões, de construir conteúdos mentais com base nas
impressões. Então, se vocês lembrarem o esquema das cores que nós vimos na primeira
aula, vocês podem colocar, do lado esquerdo, do lado do pensamento, aquela seqüência
que passa entre o roxo, o azul e até o verde. E do lado direito, aquela seqüência que vai do
amarelo, laranja até o vermelho. A característica mais importante, tanto do lado do
intelecto possível, que gera as suas primeiras concepções sobre o que é a realidade, quanto
do lado das impressões e da imaginação, é que as nossas concepções e impressões geram
disposições apetitivas ou desejos. Dependendo de como você pensa ou imagina uma
situação, é como você se sente em relação a ela. Percebam que existe uma diferença
bastante grande entre o pensamento e a imaginação. Se vocês, por exemplo, imaginarem
que do lado de fora da sala há um incêndio, vocês não irão sentir nada; talvez, dependendo
da maneira como vocês o imaginem, podem sentir satisfação ou insatisfação – alguns
podem imaginar isso como a coisa mais legal do mundo, outros não. Porém, imaginar que
há um incêndio do lado de fora da sala não irá causar uma disposição de ação em relação
ao que foi imaginado. Por outro lado, se vocês pensarem que há realmente um incêndio do
lado de fora da sala, imediatamente irão sentir uma inclinação à ação. Está clara a
diferença? A imaginação não é uma opinião acerca da realidade, ela não envolve um
juízo. Ela pode ser usada para ilustrar um julgamento, ou até para reforçar uma
mensagem; ela é usada para dar eficácia e força para um pensamento. É muito importante
vocês entenderem que as disposições gerais da alma são geradas nessa coluna da esquerda
[a coluna do intelecto possível]. Já a coluna da direita reforça ou enfraquece essas
disposições [a coluna da imaginação]. Quer dizer, a imaginação, por si, não produz ação,
mas pode ser usada para reforçar ou atenuar uma idéia, um pensamento, uma opinião, ou
uma crença. E toda a atividade da nossa mente se dá nessas duas colunas. De um lado, o
que eu penso sobre as coisas? O que eu estou percebendo? O que eu estou vendo,
ouvindo? O que eu acho? Do outro lado, como eu reajo a isso? E aí entra em jogo a
imaginação.

Então, nós vamos associar simbolicamente essas duas colunas. A da esquerda, que é
aquela ascendente, a coluna das concepções e do pensamento, iremos associá-la
simbolicamente aos vegetais – daqui a pouco explicamos o porquê. E a coluna da direita
iremos associar aos animais. A associação com as cores é muito fácil, porque a coluna da
esquerda sobe para o verde, e a maior parte dos vegetais têm algo do verde. E a [coluna]
da direita desce para o vermelho, e a maior parte dos animais têm sangue vermelho. Por
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que associamos os vegetais com a coluna da esquerda? Pois ela é a coluna da atividade
terrestre do homem. Quer dizer, o homem é capaz de perceber a realidade; e como ele é
um animal racional, esse “racional” da fórmula está aí para indicar que ele é
psicologicamente consciente da sua inteligência, ele é capaz de ser cônscio da atividade
intelectual, ele é capaz de inteligir. Ora, porque essa capacidade é meramente potencial
nele, ela corresponde não à coluna da influência celeste, mas à coluna da atividade
terrestre. A inteligência é onde o homem pode subir. A coluna do pensamento é por onde
você sobe da experiência bruta até a intelecção das coisas. E a coluna da direita, é a
coluna de onde você desce da intelecção à integração e reintegração ativa do seu ser na
inteligência.

Agora, vejam bem, quando falamos que o ser humano pode entender, pode inteligir, o que
queremos dizer com isso? Isso quer dizer que ele tem um potencial, uma possibilidade, de
trazer para a sua consciência individual tudo aquilo que é inteligível. No conjunto da
realidade, isto que é inteligível já é inteligível. As coisas não são inteligíveis porque eu
tenho a capacidade de entendê-las. São inteligíveis mesmo que eu não exista. A própria
essência, ou raiz, do real da inteligência é a inteligibilidade das coisas. Isso quer dizer que,
em nós, a consciência é posterior à existência. Não é que fomos concebidos e
imediatamente passamos a ter consciência. Não, esta veio depois, ela é progressiva, ela é
um esforço de subida desde a existência até a inteligência. Mas no momento mesmo que
eu passei a existir, a inteligência passou a operar em mim. Isso quer dizer que, no homem,
a inteligência é anterior à consciência; e ela [a inteligência] molda, determina, rege os
conteúdos da consciência. E desde quando você começa a existir, a inteligência em você
ordena o seu organismo na direção da consciência. Porque a inteligência a ordena assim, o
seu organismo começa a moldar órgãos sensoriais e te inclinar na direção da percepção
sensorial.

Após nascermos, começamos a sentir o mundo. Luzes, cores, sons. Neste momento, para
você, o mundo é duas informações básicas. A informação número um é que o mundo
existe. Essa é a informação que a sua inteligência recebe. Existe o mundo, os seres e um
monte de coisas. Agora, a informação “coisas”, “monte”, “um”, nenhuma delas você
recebeu ainda, pois você não possui tais conceitos logo ao nascer. Então, você tem uma
informação que é o Ser. E a outra informação engloba as cores, sons, texturas,
temperaturas, ou seja, as informações sensoriais brutas. Porém, a informação sensorial
bruta é de duas espécies para o bebê. Percebam que o recém-nascido ainda não discerne os
diversos tipos de entes, mas dentre os que são percebidos pelas sensações, ele distingue
duas categorias: agradável e desagradável, bom e mau. Imediatamente ele começa a
perceber isso e a classificar o mundo nessas duas categorias: o que é bom e o que é mau.
Assim que ele começa a ter um certo controle do seu corpo, a primeira coisa que ele
percebe é que pode estender a mão e agarrar as coisas. E o que ele faz quando as agarra?
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A primeira coisa que os bebês fazem quando aprendem a agarrar é levar a coisa agarrada
até a boca. Por que eles colocam as coisas na boca? Para ver se é bom ou mau. Ele já
aprendeu que o mundo ou é bom ou é mau, ou é agradável ou desagradável. Então temos
aqui três noções que são as primeiras que adquirimos quando nascemos. A primeira noção
é a de existência, a noção de Ser; na primeira sensação já percebemos isso, e
provavelmente já percebemos isso na vida intra-uterina, pois ali já temos sensações, ainda
que bastante atenuadas. Depois que nascemos, dois outros conceitos surgem em nossa
mente, derivados da nossa experiência do real: bom e mau; bom é o que gostamos e
queremos, mau é o que não gostamos e não queremos. Isso antes de aprendermos que
existem coisas. Não temos o conceito de “eu” ou o conceito de “coisas”. Tudo é um Ser
só. E o Ser se divide em bom e mau antes de se dividir em espécies. Só depois começamos
a aprender as outras coisas. “Ah, tem a mamãe, o papai, eu - o nenê -, o chão...” Enfim, as
coisas. Começamos a adquirir vários outros conceitos. Esses conceitos são muito mais
úteis para navegarmos do que o simples conceito que tínhamos de “era bom” e “era mau”.
No entanto, esses dois conceitos ainda estão subjacentes em nossa psicologia. Com o
passar dos anos, várias outras atividades mentais continuam acontecendo. Adquirimos o
conceito de “eu”, “outros”; experimentamos com mais clareza as nossas disposições
interiores e nossas capacidades; e esquecemos aquelas três primeiras experiências do real,
ou seja, a experiência de Ser, a de bom e a de mau.

Mas vejam bem: quando aplicados às coisas, os conceitos de bom e mau são muito
importantes, úteis e vantajosos. “Ser picado por uma serpente é mau, pois vou morrer ou
ficar doente.” “Comprar uma casa é bom, pois vou ficar protegido das intempéries.”
Perceba como esses conceitos são extremamente importantes para você lidar com as
coisas. Porém, a verdade é que eles são profundamente inadequados para lidarem com o
Ser. E eles surgiram como uma maneira de classificar o Ser, e não as coisas. Estas [as
coisas] realmente se dividem em boas, más e indiferentes. Mas a própria existência não se
divide nessas três categorias. Mesmo sem pensar no assunto, e como essas descobertas
aconteceram antes de você ser capaz de pensar, essas três categorias são a raiz do seu
pensamento. Você tem essa raiz e, lá no final, tem essa capacidade ou possibilidade de
entender toda a realidade, de entender tudo o que é inteligível. A primeira coisa que te
impede de entender o que é inteligível é ter classificado o Ser em bom e mau, sendo que
são as coisas que são boas e más. A existência não é boa ou má. Não existem duas
existências. Existe apenas uma existência. Vejam que aquela classificação em bom e mau
não veio da sensação enquanto ato de “ser”, mas da qualidade específica, da característica
particular que ela tinha. E às vezes uma característica particular completamente acidental.
Uma coisa pode ser desagradável num momento, numa circunstância, e incrivelmente
agradável em outra. Porém, a informação “existe o Ser”, veio do simples conteúdo da
sensação. Como consequência do fato de pensarmos que o Ser se divide em bom e mau, e
simultaneamente, por ter uma disposição receptiva para captar toda a realidade, temos
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uma disposição, uma expectativa passiva de escapar do mal e alcançar o bem. A primeira
inclinação básica que temos, antes de qualquer desejo particular, é a expectativa de que:
“Eu vou escapar do mal e vou alcançar o bem.”

Então nós temos bem e mal, e agora olhamos as coisas e confirmamos esse fato: algumas
coisas são boas e algumas são más, algumas experiências são boas e outras são más, e
assim por diante. Isso não quer dizer só as coisas no sentido material, mas também as
coisas no sentido de experiências, no sentido do ato da percepção. “Ah, mas como escapar
do mal e alcançar o bem? Simples, eu me afasto das experiências más e me aproximo das
experiências boas.” Cada vez que passamos por uma experiência boa, por um breve
instante, esquecemos completamente a possibilidade de que ela venha a terminar e que,
em seguida, chegue a próxima experiência que será ruim. Do mesmo jeito, cada vez que
sofremos uma experiência má ou desagradável, por um breve instante pensamos: “Será
que existem coisas boas mesmo? Será que existe algum bem na realidade?” Então aí nós
temos duas questões. A primeira pergunta – que na verdade é uma ilusão, um engano-,
que é o primeiro problema cognitivo humano real, é: “Será que a realidade é boa?” Essa
pergunta é gerada diante de cada experiência má. A segunda pergunta – na verdade não é
uma pergunta, é uma ilusão ou engano, uma armadilha mental na qual estamos: “Existem
experiência boas, e a coleção delas me deixará feliz.” Assim, os primeiros obstáculos
(inaudível) são: uma dúvida de base e um engano fundamental (ou uma ilusão
fundamental). A dúvida, toda vez que temos uma experiência ruim, é: “Será que a
realidade é boa? Será que existe o bem mesmo?” E o engano é quando temos uma
experiência boa e pensamos: “Nossa, agora é para sempre!” Ou: “Depois dessa virá outra,
e outra, e outra... E a sucessão das boas experiências irá garantir a minha felicidade.” Veja
bem que nenhuma dessas duas coisas possui uma base intelectual no sentido puro. Uma
tem uma base no esquecimento, e o esquecimento consiste no seguinte: quando
apreendemos o Ser, não apreendemos se ele era bom ou mau; mas apreendemos junto com
ele essa sensação particular que era boa ou má. Então as duas experiências encavalaram. E
o nosso juízo acerca da existência ficou esquecido, ele foi soterrado, e está enterrado por
baixo das classificações das coisas. Quanto mais olhamos as coisas e as experiências, mais
na dúvida ficamos, porque umas são boas e outras são más, e elas não nos dão uma
resposta definitiva. E a ilusão, a idéia confusa que uma hora iremos alcançar a felicidade,
só dispersa a nossa inteligência, pois, com essa expectativa, procuramos as experiências
boas e fugimos das más. Num certo sentido, isso aí é uma reverberação do elemento
vegetal do nosso ser na nossa psicologia.

E aí nós entramos no segundo componente da psicologia humana. O primeiro


componente, como nós falamos, é o temperamento, a base mineral. E para explicar o que
é esse componente vegetal da nossa psicologia, precisamos explicar o que é um vegetal.
Para os que já tiveram o curso de Cosmologia antes, mas sem Astrologia, a parte do que é
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um vegetal é fácil e já está respondida. Porém, para quem não teve, ainda vale o mesmo
método. Eu pergunto: o que é um vegetal? É simples. O que um vegetal faz? Primeiro, o
vegetal é um corpo, que nem o mineral. Mas o que o vegetal faz que o mineral não faz? O
vegetal cresce, enquanto os minerais não. Só que, para crescer, ele apenas infla e vai
ficando mais rarefeito? Não, pois para crescer ele se alimenta. Essa é a primeira diferença
entre ele [o vegetal] e o mineral. Um mineral pode afetar outro mineral do lado dele, mas
não pode transformá-lo. Por exemplo, o ouro pode afetar a água do lado dele, mas não
pode transformá-la em si próprio. Já o vegetal pega o mineral, ou até outro vegetal que
está do lado dele, e transforma em sua própria substância. Ou seja, ele se alimenta, e ao se
alimentar ele cresce. E crescendo ele alcança a maturidade. Quer dizer, ele não só cresce
em tamanho, ele se desdobra em órgãos que têm funções. Ele desenvolve órgãos e se
reproduz. Percebam isso, ele se alimenta para crescer, e ele cresce para amadurecer e se
reproduzir. Existe uma hierarquia entre essas três operações. Não é que ele é
simplesmente capaz de três coisas, mas ele é capaz de uma coisa para uma segunda, e esta
para uma terceira; e esta terceira é gerar um outro da mesma espécie, algo que é ainda
mais estranho a um mineral do que se alimentar. Está claro que nas operações do vegetal,
desde a primeira operação, existe um propósito que é distinto da própria operação? Ele se
alimenta não apenas pelo fato de se alimentar, mas para crescer. E ele cresce para se
reproduzir. Existe uma hierarquia clara aí. E essa hierarquia, num certo sentido,
corresponde àquelas três cores do lado esquerdo.

No homem, então, temos três estágios semelhantes ao do vegetal. E por que iremos dizer
que eles são semelhantes ao do vegetal? Pois em todas as operações, observamos que o
vegetal é passivo em relação ao ambiente em torno. Se o vegetal é colocado em um
ambiente sem nutrientes que não favorecesse o seu crescimento, ele não pode fazer nada.
Quando ele é colocado num lugar onde tem alimento, ótimo, ele irá crescer. Se tirarmos
ele dali, pior para ele, que não poderá mudar em nada isso. No homem, o lado vegetativo
da psicologia humana corresponde a três operações da mente diante das quais somos
passivos. Antes de tudo temos a experiência da realidade e a sua classificação em boa ou
má. E aí nós temos no fundo de nossa psicologia uma dúvida fundamental em relação ao
valor da existência. Quando temos uma experiência ruim, pensamos: “Será que existe o
bem mesmo? Será que algum dia irei escapar do sofrimento?” Essa dúvida fundamental é
a primeira circunstância. A segunda circunstância passiva é quando acontece uma coisa
boa e nós temos a ilusão de que tudo foi resolvido. Vocês percebem essa experiência em
vocês mesmos, não percebem? Quando acontece uma coisa ruim, ainda que seja por um
breve instante, fica essa dúvida; e em algumas experiências ruins essa dúvida se estende
psicologicamente durante certo tempo, de maneira que você consegue refletir e pensar
sobre o assunto. Mas em toda experiência ruim a dúvida aparece, nem que seja por um
breve instante psicológico. E na experiência agradável ou boa, há a expectativa contrária
de que tudo foi resolvido e está bem. Essas duas reações são passivas às experiências. A
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terceira é a conseqüência dessas duas, é a memória que temos de nossas próprias


existências. E essa memória é colorida pelas outras duas circunstâncias, é determinada
pela combinação delas. Se estamos numa experiência ruim nesse momento: “Ah, caiu uma
pedra no meu dedão. Que horrível!” Aí começamos a lembrar de outras experiências ruins
em nossas vidas e pensamos: “Pô, a minha vida é uma droga!” Ou somos levados pela
memória a lembrar das experiências boas: “Ah, mas nem tudo é ruim...” Então aqui nós
temos o grande segredo alquímico-astrológico: essas instâncias passivas da nossa
psicologia tem um símbolo astrológico. Quando temos uma experiência ruim e ficamos
em dúvida sobre se a realidade é boa ou não, se existe o bem ou não, essa experiência
normalmente está colorida pela posição onde temos Saturno. Então, naquele círculo das
cores, embaixo vocês coloquem “temperamento”. Em cima, “inteligência”. Do lado
esquerdo, na base, no roxo, coloquem “Saturno”. No meio, na direção do azul, coloquem
“Júpiter”, que está associado à essa ilusão ou engano de que tudo ficará bem quando
temos uma experiência boa. E em cima do verde coloquem a Lua, que representa a reação
à memória, não à circunstância presente. A memória é evocada pela circunstância
presente, mas é outra coisa.

Todos aí conhecem os símbolos dos planetas? Reparem que o símbolo de Saturno é


composto de dois elementos: em cima há uma cruz, e embaixo há um semicírculo.

Essa cruz representa o fato bruto da experiência, e o semicírculo – que é como um vaso –
é o símbolo por excelência da disposição receptiva, da capacidade de receber. Então,
Saturno representa a instância da sua psicologia em que a disposição receptiva para a
realidade se encontra aprisionada pelo fato bruto da experiência. A cruz representa esse
fato bruto, porque, no nosso mundo, esse fato bruto é, em última análise, qualificado pelos
quatro elementos. O fato bruto da experiência, a experiência básica do homem é a
experiência sensível, a experiência do mundo corpóreo. E é, portanto, a experiência dos
quatro elementos.

Vamos ao próximo planeta. Todos reconhecem este daqui? É Júpiter.


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Como vocês podem notar, o símbolo de Júpiter é composto dos mesmos elementos de
Saturno: a cruz e o semicírculo. Só que, agora, o semicírculo está do lado da cruz,
começando no mesmo plano que ela, e subindo um pouquinho. Então, Júpiter representa
aquelas instâncias da sua experiência, ou da sua vida, ou da sua psicologia interna, em que
o fato da experiência indica uma possibilidade de receber algo, ou a possibilidade de
crescimento. Saturno é, por definição, o planeta da contração; Júpiter é o planeta da
expansão.

E, por último, a Lua.

Ela é composta pelo semicírculo dobrado. Então, ela representa aquelas circunstâncias da
experiência em que a capacidade de recepção depende apenas da sua disposição interna.
Quer dizer, às vezes, a sua impressão acerca da realidade como um todo é determinada
por isso: “Será que existe alguma coisa boa? Porque o bem está todo enterrado no fato
bruto.” Depois, Júpiter: “Nossa, eu acho que agora vai dar certo! Nessa cruz aqui tem uma
abertura!” E, terceiro, a Lua: “Se o mundo é bom ou mau, depende apenas da memória
que você tem de sua vida.”

[Queda na transmissão].

Tales: Pode continuar da Lua.

Gugu: Bom, a Lua é o semicírculo dobrado sem nenhuma cruz. Isso quer dizer que, aqui,
o juízo que fazemos da realidade como um todo depende apenas de conteúdos internos da
nossa mente, depende apenas da memória que temos do passado; ou então depende do
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sentimento presente que temos, e não da relação com a realidade externa, com a cruz dos
fenômenos.

Se pegarmos esses três planetas, veremos então que o semicírculo foi subindo de baixo da
cruz, para o meio da cruz, e, por fim, se soltando da cruz. Soltando-se da cruz ele se
acrescenta outro elemento, que é outro semicírculo. Num certo sentido, a cruz foi
transformada em outro semicírculo. Essa subida tem dois significados: um para o homem
comum, quer dizer, o homem que ainda não sabe se a realidade é boa ou má; e outro para
o homem santificado, o homem santo, o homem iluminado. Para o homem comum, essa
subida do semicírculo é simplesmente um aumento no desvio subjetivo da sua percepção
da realidade. O primeiro [desvio] é uma dúvida, da dúvida subimos para o engano, e do
engano subimos para o solipsismo. Agora estamos fechados em nossa própria psicologia,
temos o nosso universozinho inventado por nós mesmos. E não tem jeito dos fatos
entrarem nela e nos libertarem. O único jeito de nos libertarmos desse solipsismo é
quando acontece uma experiência negativa e nos põe em contato com a realidade
novamente. É o famoso “tapa na cara da realidade”. E por que isso é diferente em um
santo? Porque, em cada um desses estágios, ele discerniu o conteúdo intelectivo, o
conteúdo universal baseado na experiência de Ser, do conteúdo particular baseado nas
formas de cada uma das experiências. Vejam bem que o solipsismo em que chegamos no
final tem como base o fato de termos pensado, na primeira experiência lá embaixo: “Ih, o
Ser é bom ou mau.” [O solipsismo tem como base] o fato de termos acreditado nessa
estória. Não sei se vocês já repararam, se já deram uma lida no gênesis, mas lá diz que “os
problemas do homem começaram quando ele comeu o fruto da árvore do conhecimento
do bem e do mal”. Ora, que interessante! “Comeu o fruto.” Por que eles não usaram uma
outra analogia? “Ele leu o livro do conhecimento do bem e o mal.” “Ele viu o filme do
conhecimento do bem e do mal.” “Ele entrou na turma do conhecimento do bem e do
mal.” Fala-se em “comer o fruto”, pois isso deriva das nossas primeiras experiências
gustativas. São nelas que primeiro experimentamos e discernimos bem e mal. É por isso
que colocamos tudo na boca. É para saber: “Que fruto é esse? Opa, esse é bom. Já esse
aqui é mau.” E essas experiências encobriram, fecharam, enterraram a nossa disposição
receptiva para entender o que é a realidade.

Comer, nutrir-se, é a primeira operação do vegetal. Psicologicamente, comer consiste no


seguinte. Temos uma primeira experiência ruim... Já repararam que existem dois tipos de
experiência ruim em geral? Na verdade não são dois tipos, são só dois extremos diferentes
de uma mesma escala, não são tipos reais. De vez em quando acontece algo ruim, cai uma
pedra no meu dedão, por exemplo, e penso: “Ah, que droga!” E chuto a pedra, esqueço o
que aconteceu e sigo com a minha vida. Outras vezes acontece uma experiência ruim e eu
penso: “É sempre assim, nunca nada dá certo...” Quer dizer, algumas experiências são
ruins, mas são ruins apenas na hora em que acontecem; outras experiências evocam, no
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fundo da mente, essa dúvida fundamental. “Não sei se a realidade é boa ou má, e, porque
eu não sei, minha vida será sempre ruim.” Mais adiante estudaremos o simbolismo dos
signos, mas para aqueles que já conhecem algo de astrologia, reparem que o signo e a casa
em que ele tem Saturno – principalmente o signo –, as experiências que são
simbolicamente afins com o signo que o sujeito tem em Saturno, são as experiências em
que ocorrem, com mais freqüência, essa experiência: “Na minha vida tudo sempre dá
errado, nunca nada dá certo...” Reparem nessas quatro palavras que elas são muito
importantes: tudo, sempre, nunca e nada. Essas são palavras de Saturno. É óbvio e
evidente que não podemos derivar da experiência de uma coisa um juízo universal sobre a
realidade, mas na hora temos essa impressão. Agora vem a nota psicológica difícil de
perceber. Embora eu esteja explicando isso e cada um de vocês se lembrem dessas
experiências – “nunca nada dá certo, sempre tudo dá errado” -, para fazermos esse
exercício que falarei agora a memória não será suficiente, pois ela [a memória] é uma
faculdade diferente da experiência, [a memória] é uma instância da sua psicologia distinta
da experiência. A memória é regida pela Lua, e não por Saturno. Então, quando temos
essa experiência – “nunca nada dá certo, sempre tudo dá errado” -, essa inclinação a
formular desta maneira a realidade, surge do fato de olharmos a experiência e sabermos
que de fato ela é ruim. Se observe e se pergunte: de onde vem este conhecimento? Pois há
coisas que sabemos que são ruins por meio do estudo, de algum exercício, etc. Por
exemplo, eu sei que a minha conexão aqui é ruim, e que o Skype é uma droga; e eu sei
disso pela experiência que nós temos agora mesmo. Pois bem, quando temos a experiência
do “tudo, sempre, nada, nunca”, olhemos para nós mesmos e nos perguntemos: “Como sei
que essa experiência é ruim?” Não se pergunte sobre “tudo” ou “nada”. Sobre “tudo” ou
“nada” não sabemos porcaria nenhuma! Mas que essa experiência particular [ou seja,
quando temos a experiência do “tudo, sempre, nada, nunca”] é ruim, e que ela é quase um
paradigma do ruim para nós, isso sabemos. De onde vem esse conhecimento, essa certeza?
Vejam bem que não quero colocar em dúvida a possibilidade de sabermos o que é bom ou
o que é mau, e nem afirmar que apenas Deus pode saber isso e que, portanto, temos que
nos conformar. O meu propósito não é esse. Pois, de fato, nessa hora você sabe que a
experiência é ruim. Eu quero que você se pergunte: “Como é que eu sei disso? De onde
vem esse conhecimento?”

Isso é extremamente importante, porque este conhecimento não vem do objeto da


experiência, mas do sujeito que experimenta. Esse conhecimento é uma certeza que vem
de dentro. Se você for rápido o bastante na hora em que você está nessa pior, e pensar de
onde vem a certeza de que essa coisa é ruim, prestar atenção em si próprio, terá a sensação
clara de que esta certeza vem do seu peito, e não da sua cabeça. A cabeça é a sede da
experiência diferenciada, da experiência sensorial; mas o peito é a sede da certeza. Se
prestarmos bastante atenção, sentiremos como se houvesse um grãozinho luminoso em
nossos peitos. Esse grãozinho luminoso é o grão de mostarda de que fala o Cristo no
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Evangelho. É a semente do reino dos céus. E é interessante que foi usado um símbolo
vegetal para falar da queda do homem, e também foi usado um símbolo vegetal para falar
do seu resgate, da sua subida, do seu retorno. Conseguem perceber essa ligação? Pois
bem, a verdade é que, quando o Evangelho diz que [essa certeza] é bem pequeninha, como
um grão de mostarda, minúscula, não é apenas uma alegoria. Ele está dizendo realmente
que essa coisa bem pequena simboliza, de fato, um dado da experiência humana quando
prestamos bastante atenção. Que há uma semente de certeza no peito do homem é algo
que qualquer um pode perceber se fizer esforço suficiente e, evidentemente, se tiver o
apoio da graça divina. E isso supondo que ele seja uma pessoa normal que reza, jejua e dá
esmolas quando lhe pedem. Ocasionalmente isso pode acontecer até com um sujeito que
não fez nenhum esforço, simplesmente porque nele não existe nenhuma tendência
perversa muito forte, ou até porque naquele momento não havia nenhuma tendência
perversa muito forte. Pode acontecer simplesmente porque, ao invés de se afundar na idéia
de que a vida dele sempre dá errado, na hora da experiência ruim, por qualquer motivo
que seja, ele coloca em dúvida essa certeza de que a realidade ou é ruim, ou é boa e
portanto há uma saída para ela; ele muda o tom da sua atenção psicológica, e daí para
curar da [inaudível] certeza que tem nele mesmo. Porém, isso é mais possível de acontecer
numa pessoa que já pratica um monte de atos baseados na crença de que, no fundo, a
realidade é Deus, portanto é boa. Essa pessoa, normalmente, tem mais disposição para
enfrentar o obstáculo daquela experiência em que tudo parece ruim.

Isso já indica também que uma prática religiosa, ou uma fé, tem um valor duplo. Por um
lado, diante da circunstância mais difícil, quando se pensa que “na vida sempre tudo dá
errado”, essa experiência tem, para esse sujeito, duas saídas: uma para dentro e outra para
cima. A saída para dentro é aquela que em princípio existe para todos, e é a melhor saída,
mas nem sempre o sujeito tem a capacidade de tirar proveito dela. Quanto à saída para
cima, o sujeito pode pensar: “É, na minha vida nunca nada dá certo, mas uma hora ela
acaba e aí eu vou para o céu...” Então, a prática religiosa favorece, por um lado, para o
sujeito agüentar a experiência ruim; por outro lado, para ele encará-la cognitivamente,
porque ele já poderá ter a expectativa de haver uma resposta positiva no final.

Tales: Você pode repetir o trecho sobre a prática religiosa?

Gugu: A prática é importante porque ela fica no fundo da memória. A fé é transcendente


demais, ela fica apenas no miolo intelectivo. A prática fica no fundo da memória. Se você
fez, irá lembrar alguma hora. Se não lembrar agora, não importa, estará lá. Todos temos
experiências em que, diante das coisas, pensam que tudo é ruim, que a vida é uma droga,
que nada dá certo e que tudo sempre dá errado. Diante delas, uma pessoa que tenha fé, que
tenha a prática da religião, pode pensar que a vida é mesmo ruim, mas quando ela morrer
o ruim acabará. Então, essa é uma saída para cima. Mas essa saída para cima só se efetiva
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com a morte. Porém, existe ainda uma saída para dentro. “Como eu sei que essa coisa é
ruim?” Psicologicamente, quando o ser humano tem uma experiência ruim, ele não quer
olhar o núcleo interno dessa experiência. Isso porque ele teme achar o inferno ali. Ele
teme encontrar a confirmação de que tudo é ruim mesmo. Então, por isso temos medo. A
prática religiosa favorece o sujeito a encarar o núcleo da experiência ruim, porque o
sujeito acredita que o fundo da realidade não pode ser má, pois o fundo da realidade é o
Criador, ou a mente Búdica, aquilo que é infinito, bom, etc.

No entanto, se a prática religiosa arma o sujeito para procurar essa saída para dentro, ela
não inclina o sujeito necessariamente a fazer essa saída. Se ela inclinasse, seria uma
questão de tempo de prática religiosa para que todos atingissem a santidade. O sujeito
pode passar a vida toda praticando a religião e não ficar santo, mas pelo menos quando ele
morrer irá realmente para o céu, a saída para cima estará realmente aberta para ele. Isso
porque, quando o sujeito morreu, aquela cruz que cobria o círculo foi desfeita para ele.
Aquela cruz é o fato bruto da experiência do mundo corpóreo, e com a morte ela não
existe mais. Com a morte, a saída para cima e a saída para dentro passam a coincidir. No
sujeito que nunca teve nenhuma prática religiosa, o provável é que, quando ele morrer,
simplesmente irá se confirmar a inclinação e a disposição que ele tinha durante a vida.
Como a inclinação fundamental durante a vida era o medo de encarar esse núcleo
problemático da experiência, quando ele morre, e a saída para cima é a mesma que a saída
para dentro, o medo move ele para longe do centro. E é justamente esse que é o processo
da condenação. Vejam bem que isso é uma questão de inclinação. Excepcionalmente pode
acontecer de um sujeito realizar as práticas religiosas sem colocar o interior dele de
maneira nenhuma durante a vida nessas práticas, e aí esse sujeito irá para o inferno
também. E pode haver um sujeito que não praticou nenhuma religião formal, mas a vida
dele foi uma prática que, estruturalmente, seria aquilo que a religião o mandaria praticar; e
para ele a saída para cima também estará aberta. Porém, esses dois casos são
excepcionais, não são comuns.

Eu falo nessas coisas porque, no tempo em que se ensinava esse negócio de astrologia, de
como nós realmente funcionamos, de como funciona nossa alma e a nossa mente... Veja
que a maior parte das pessoas não consegue mapear isso, são vítimas passivas de suas
psicologias e têm pouquíssima liberdade interior. Quando se ensina alquimia e astrologia
para alguém, é dado a ele armas de mapeamento do seu interior. Então, quando se
ensinava essas coisas, todo mundo praticava a religião. Todo mundo. Então, o sujeito
mapeava a mente dele e pensava: “Opa! Descobri que na minha mente há, de um lado,
uma porta para o céu; do outro, uma porta para o inferno. Há essas duas portas dentro de
mim. Sei também mais ou menos em que direção essas portas estão.” Como o sujeito
vivia desde a infância uma vida de prática religiosa, a inclinação dele já era em direção à
porta do céu, e não da porta do inferno. Aí ele acabava entrando nesse caminho, de
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maneira que o ensino de astrologia e alquimia era, em geral, favorável para as pessoas que
estudavam essas ciências. Mas uma hora isso começou a não valer mais. E o que o pessoal
que sabia essas ciências começou a fazer? Eles começaram a ensinar astrologia e não
ensinar alquimia. “Não, astrologia é só a parte teórica, é só para o sujeito fazer a colheita,
é para escolher um bom casamento para o rei...” A partir daí não conseguiram mais
entender que a astrologia é uma ferramenta para mapear a mente, e é só com a chave
alquímica que o sujeito entende isso. Separou-se o ensino das duas coisas, e começou-se a
escrever manuais de astrologia cada vez mais explícitos e detalhados em matéria
preditiva; por outro lado, manuais de alquimia cada vez mais obscuros quando se tratava
dos simbolismos.

Nesse curso, pela primeira vez, estamos dando a chave completa: teoria cosmológica,
astrologia e alquimia. É por isso que, de tempos em tempos, saímos das explicações dos
simbolismos e passamos a enfatizar a prática religiosa. Eu digo isso para o próprio bem de
vocês, pois, aqueles entre vocês que aprenderem a mapear a psicologia humana do jeito
que estamos ensinando, saberão como as pessoas em torno funcionam melhor do que elas
mesmas. E usar isso para lidar com as pessoas é muito perigoso, é como um caminho em
direção à porta do Inferno. Usar isso para retificar o rumo geral da sua psicologia e da sua
vida colocará vocês na direção da porta do Céu. Mas usar essas ferramentas para levar
vantagem sobre as outras pessoas os colocará na direção da porta do Inferno. E vos
colocará na direção da porta do Inferno mesmo que, supostamente, vocês queiram usar
esses instrumentos para retificar a vida da pessoa sem a autorização dela. Quem disse que
vocês têm esse direito? Não podemos lidar com as camadas mais profundas da psicologia
do outro sem informá-lo, mesmo com a melhor das intenções. Só Deus pode fazer isso.
Existe um jeito de fazer isso, de tentar retificar a vida do sujeito sem que ele saiba?
Preguem e ensinem a religião. Ela trata das questões mais profundas da existência humana
e atuará na raiz e no centro do sujeito sem que ele perceba, porém é Deus que está agindo
nele. O homem é apenas um veículo de transmissão. Deus pode fazer isso porque, se o
homem é consciência, em relação à Deus, ele [o homem] é mineral, é não-consciência -
nesse caso Deus é consciência no sentido supremo. Então Ele cuida dos homens como se
estes fossem criancinhas, pois em relação a ele, se chegarmos no grau de criancinhas, isso
já é um grau elevado.

É importante fazer esse aviso, pois é um vício de alguns astrólogos bancarem o


papaizinho das pessoas mesmo sem elas terem consciência. E, pior ainda, a maior parte
deles [dos astrólogos] não conhecem essas chaves alquímicas que estamos mencionando
aqui. Os melhores astrólogos, hoje, não entendem bulhufas de alquimia. A astrologia é a
chave teorética: “Olha, na sua alma, na sua mente, na sua vida tem Saturno, tem Júpiter,
tem Lua, tem Sol...” Só que, organicamente, como essas coisas funcionam na psicologia?
Como esse círculo gira e como fazemos para sairmos de um círculo vicioso e passarmos
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para um círculo virtuoso? Quer dizer, como saímos desse círculo que vai da dúvida para o
engano, depois para o solipsismo e para o outro lado que não mencionamos ainda? Como
saímos desse círculo negativo e passamos da certeza para a abertura espiritual e para a
liberdade interior em relação aos acontecimentos e etc.? Somente a alquimia ensina isso.
A astrologia só diz: “Sabe onde você tem Saturno? É onde colocam o dedo na ferida, é
onde dói. Sabe onde tem Júpiter? É onde é legal! Sabe onde tem a Lua? É onde...
depende! Um dia é de um jeito e no outro é de outro.” Um astrólogo de hoje pode dar
dicas práticas para, num certo sentido, aliviar essas experiências e tentar localizar ela – e
aí suas vidas ficarão um pouquinho melhor. Já o pessoal que estudava alquimia sabia
dessas coisas. Todos os alquimistas eram igualmente homens perfeitos. Eles não eram
santos no sentido comum da palavra. A palavra “santo” denota não apenas um homem
perfeito, mas um homem perfeito com certas qualidades características; qualidades essas
ligadas ao exemplo moral dos grandes santos e do fundador da religião. Não se trata,
então, de uma perfeição humana geral, mas uma perfeição humana à qual se acrescenta
uma tipologia. Tanto é assim que o santo hindu é diferente do santo cristão, o santo cristão
é diferente do santo muçulmano, e o santo muçulmano é diferente do santo budista. Cada
um tem qualidades características que acompanham o estado de perfeição. Em comum
eles têm a perfeição humana. Um homem pode ser perfeito sem as virtudes religiosas.

Hoje em dia isso não está no imaginário das pessoas no ocidente, pois vivemos numa
sociedade pagã. Então pensamos que somente são perfeitos como seres humanos os santos
como São Francisco, São Domingos, Santo Inácio e etc; as pessoas que só jejuavam,
rezavam e faziam caridade. Porém, quando existia a cristandade não era assim. Todos
sabiam que existiam muitas pessoas perfeitas, mas que do ponto de vista da ação eram
simplesmente pessoas boas. A alma de um sujeito desses era idêntica à de um santo, mas
na ação ele era somente uma pessoa muito boa. Nos ambientes em que ainda existe a
tradição isso é muito claro. Por exemplo, aqui no Marrocos isso é muito evidente. Todo
mundo sabe que o sujeito não precisa voar para ser santo; ele não precisa brilhar, não
precisa abrir o Mar Vermelho para que saibam que ele é santo. Está cheio de gente por
aqui que, durante a convivência do dia-a-dia, passa uma serenidade, uma luz, uma
bondade que é subjacente ao comportamento. É possível sentir a presença espiritual da
pessoa mesmo que ela esteja realizando uma atividade perfeitamente comum. Num
ambiente normal, essa é uma experiência comum. Está cheio de pessoas perfeitas cujas
circunstâncias não pediram virtudes heróicas.

Pois bem, a alquimia era um mapa da mente humana para o sujeito ter uma técnica para se
aproximar desse tipo de perfeição. A alquimia não era senão isso, e um dos seus sinais era
o milagre da transformação física do fungo em ouro (nota do transcritor: não sei se o
termo foi exatamente “fungo” ou “fundo”, o áudio está ruim). Uma operação realmente
milagrosa e que não pode ser realizada pela mera repetição de certas etapas. Uma
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transformação alquímica não é uma operação química (quer dizer, a combinação de certo
minerais numa certa ordem, numa certa proporção, numa certa circunstância); ela é
realmente uma transformação milagrosa, como a transubstanciação ou um milagre de
algum santo. E os alquimistas sabiam disso: “Olha, existem inúmeras maneiras de você
produzir isso aqui. Nós te damos as linhas gerais, mas cada um acaba fazendo de um jeito,
pois isso é um milagre, e todo milagre é único.” Então, isso aqui é um mapa para o sujeito
buscar a perfeição, só que esse mapa também indica qual a direção contrária – o caminho
da imperfeição. E não é nada impossível um sujeito simplesmente seguir o caminho
contrário. Por isso que essas eram ciências ocultas. “Não, você não pode ensinar isso para
que esse conhecimento não caia em mãos erradas.” Tudo isso tem sentido. E por isso
resolvi dar esse curso dessa vez e ver o que acontece daqui a alguns anos. Depois teremos
que ver quantos dos alunos teremos que matar depois...

Alunos: Risos.

Gugu: Brincadeira, as coisas não vão tão longe assim. E a gente ensina isso porque hoje
em dia há um esquecimento total delas. E essas são coisas que realmente não devem ser
perdidas.

Então, voltando. Se nos três planetas do lado lunar o semicírculo foi subindo, no lado
contrário teremos um processo semelhante. O lado contrário começa com Vênus, lá na
altura do amarelo.

O símbolo de Vênus, se vocês observarem, é composto de dois elementos: a cruz e o


círculo inteiro. Se o semicírculo representa uma receptividade, uma disposição receptiva,
o círculo inteiro representa um continente, algo que já é possuído. O círculo determina um
espaço fechado, então isso é o que nós já temos. Ele representa, então, algum tipo de
perfeição, de completude; representa algo perfeito que nós já temos. No caso do símbolo
de Vênus, esse algo perfeito está apoiado na cruz dos elementos. Então, Vênus representa
o quê? Representa perfeições conhecidas no mundo sensorial, aquilo que percebemos no
mundo sensível e pensamos: “Nossa, como isso é belo!” “Nossa, como isso é bom!”
“Nossa, como isso é delicado!” “Nossa, como isso é grandioso!” “Nossa, como isso é
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nobre!” São as imagens de perfeição que nós temos na nossa experiência. Mas vocês
podem perguntar: “O círculo não seria uma espécie de representação do solipsismo
também? Uma coisa fechada em si mesmo?” Em geral, o círculo pode simbolizar um
solipsismo, mas não no simbolismo astrológico. Veja bem, a realidade, para o homem, é
composta de três coisas: aquilo que não temos, mas que podemos receber; aquilo que não
temos e que não podemos receber; e aquilo que já temos. O que podemos receber já está lá
representado nos semicírculos. O que não temos, aquilo de que estamos separados, é o
mundo! Temos dentro de nós o nosso “eu”, nossa psicologia; e o mundo está fora disso. E
esse [o círculo] é o terceiro elemento da nossa experiência, ou seja, aquilo que já temos.
Percebam que usei todos esses termos como “temos”, pois tenho Saturno em Touro, e este
é o signo da posse. “O que eu não tenho e não posso ter; o que eu não tenho, mas posso
ter; e o que eu tenho.” Mas também poderia dizer: “O que eu não sou e nem posso ser; o
que eu não sou, mas posso ser; e o que eu sou.” Ou então: “O que eu não sei e nem posso
saber; o que eu não sei, mas posso saber; e o que eu sei.” Reparem que a experiência toda
sempre é dividida nesse ternário. E, olha só, o que temos é o fato completo. O que não
temos, dividimos em duas categorias: aquilo que podemos vir a ter, e aquilo que nunca
teremos. O que já está realizado, o que é pleno, é representado pelo círculo. No caso de
Vênus, é o círculo apoiado na cruz. Ele [o círculo] representa aquilo que há de bom e
agradável no mundo. É por isso que, na astrologia, Vênus é um planeta benéfico; e Júpiter
também. Eles simplesmente representam as situações de nossas vidas que são agradáveis e
boas; usando “boas” no sentido comum da palavra: “Ai, como essa comida é boa!” “Ai,
como essa mulher é boa!” Não uso essa palavra [boa] no sentido metafísico, nem no
sentido moral. É no sentido concreto.

Depois de Vênus vem Marte, que também é composto dos mesmos elementos.

ou

Após começarem a ensinar astrologia sem o ensino conjunto de alquimia, o pessoal


mudou o símbolo de Marte. Quem conhece astrologia, sabe que o símbolo de Marte, hoje
em dia, não tem uma cruz; ele é torto e possui um tipo de flecha, que é o símbolo mais
idiota que eu já vi. É um símbolo que não simboliza nada. O que significa essa flecha torta
aí? É um símbolo de uma marca de cueca; uma coisa meio fálica. E é uma coisa de
imbecil, porque é verdade que Vênus representa a mulher e tudo o que é feminino; mas
não é verdade que, em astrologia, Marte representa o homem e tudo o que é masculino.
Isso é totalmente mentira. Na astrologia, quem representa o homem e o que há de
104

masculino é o Sol. Marte representa o círculo da perfeição embaixo da cruz dos


fenômenos; mas, ao contrário de Saturno, ele não representa uma perfeição aprisionada
pelos fenômenos, pois não é um ponto de partida de uma escala, é o ponto intermediário
dela. Marte, então, não representa uma prisão. Ele representa uma descida voluntária, ou
deliberada, da perfeição no miolo dos fenômenos. Representa um esforço de realização.
Talvez vocês já tenham ouvido isso em outras aulas: os santos padres diziam que “não é
difícil ver o incorpóreo, difícil é encerrar o incorpóreo no corpóreo, e este é o nosso
propósito”. Não é difícil ver, entender e conceber o que é bom e perfeito, difícil é trazer
isso para dentro do nosso corpo e da nossa experiência o tempo todo. Marte é um planeta
maléfico como Saturno (que é o planeta do obstáculo), porque ele é o planeta do esforço.
Esforço esse para trazer a perfeição para o plano da nossa existência.

Aluno: Só lembrando que nos quadros que retratavam os reis, eles apareciam segurando o
globo com uma cruz em cima.

Gugu: Exatamente! Eles seguram o globo com a cruz em cima. E isso representa
justamente o que eu acabei de dizer. O rei é a ponta de lança do esforço de
aperfeiçoamento da nação; o esforço para trazer a justiça para o reino. “Ah, esse negócio
de justiça que os padres ensinam é muito bonito! Mas quem é que vai fazer isso aí?” “Ah,
o povo precisa de prosperidade, de alimento e de segurança! Mas quem é que vai fazer
isso aí?” É o rei.

De Marte pulamos para o símbolo do Sol.

Aqui o círculo está liberto da cruz e há um novo ingrediente: um ponto central. É a mesma
coisa que a Lua: ela é o semicírculo separado da cruz, ao qual se acrescentou um novo
semicírculo. O Sol é o círculo separado da cruz, ao qual se acrescenta um ponto central.
Ele representa o estado de posse consciente daquele centro, daquela semente que aparecia
no primeiro estágio. Lembram do que dissemos antes? Se o sujeito analisa a experiência
negativa dele da maneira correta no momento em que ela acontece, ele acaba percebendo
que existe uma semente de certeza, infinitude e paz nele mesmo. O Sol, portanto,
representa a posse perfeita desse centro.

Chegamos então ao último dos sete planetas: o bom e velho mercúrio.


105

Ele é o único planeta a ter no seu símbolo os três elementos: o semicírculo, o círculo e a
cruz. Mercúrio é uma síntese da psicologia total do homem. Ele é, num certo sentido, o
símbolo do próprio homem. O semicírculo é a receptividade voltada para cima, para um
elemento transcendente; o círculo, no centro, é a perfeição; e a cruz, embaixo. Então, a
receptividade se tornou inteligência pura e se volta somente para o Céu; a perfeição está
no meio, e serve de ligação entre o Céu e a Terra; e esta [a Terra] está embaixo. Mercúrio
representa o instrumento, o meio com o qual lidamos com cada uma das instâncias de
nossa alma. Digamos que nossa vida possui seis capítulos: Saturno, Júpiter, Lua, Vênus,
Marte e Sol. Mercúrio é o meio que usamos para entender o significado de cada um desses
capítulos, e também o meio que usamos para colocá-los cada um em seu devido lugar. Ele
é o símbolo do próprio homem.

Recapitulando. Do lado esquerdo temos esses três estágios. 1) Saturno, que representa a
experiência que nos indica que a realidade deve ser negativa; representa a experiência que
gera a impressão de que a realidade, o Ser, a existência é má. 2) Júpiter, que representa a
experiência que indica que a realidade, o Ser, a existência é boa. 3) A Lua, que indica um
solipsismo. “Pode ser que a realidade é boa, pode ser que seja má.” Na outra coluna não se
trata apenas de uma percepção da realidade, mas sim de uma atividade em relação a ela. 4)
Então Vênus indica: “Ah, a realidade é boa? Oba, eu quero!” 5) Marte indica: “Ah, a
realidade é má? Então vou encher de porrada!” 6) O Sol é: “Ah, posso fazer o que quiser!”
Se a Lua de certo modo é uma indicação de dúvida quanto a realidade ser boa ou má, o
Sol é onde o sujeito tem a certeza que pode ser bom ou mau. Vênus indica que algo neste
mundo é bom. “Café é bom. Cigarro é bom, não importa o que digam os anti-tabagistas.
Então eu quero e vou correr atrás.” Marte indica: “Isso é mau, então vou tentar bater ou
fugir.” Percebam que Vênus nos inclina para um tipo de ação, Marte à outra. O Sol indica
que podemos fazer tanto uma coisa quanto a outra, ele é simplesmente uma capacidade de
ação. No homem comum, no homem não santo, ele é a pura e simples liberdade de
escolha em cada ato: “Agora posso fazer ou não fazer isto.” No santo, ele não é apenas a
liberdade de escolha entendida como essa possibilidade arbitrária, e sim a percepção das
possibilidades de ação a partir do centro do estado humano (inaudível) e o conhecimento
real do que realmente se quer fazer e do que realmente é bom para o indivíduo. O santo é
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o sujeito que, quando olha para si mesmo, escolhe fazer aquilo que no fundo é melhor de
qualquer maneira. E toda vez que ele procura ele acha esse fundo. Em nós não é assim. A
experiência do homem comum com o Sol é a de liberdade de ação, mas essa liberdade, em
última análise, acaba tendo como critério de decisão Vênus e Marte. O que é gostoso, o
sujeito vai e pega; o que é ruim, ele ou bate ou foge.

Essa é a chave dos significados astrológicos dos planetas. Saturno significa aquilo que é
difícil, aquilo onde encontramos um obstáculo insuperável. Júpiter, ao contrário, é onde
encontramos uma oportunidade muito maior do que aquilo que podíamos esperar. A Lua é
onde às vezes achamos que tudo é bom, às vezes achamos que tudo é mau. Vênus é onde
algo é bom, e, portanto, gera uma inclinação a buscar esse algo. Marte é onde algo bem
definido é mau, gerando a inclinação de combate ou de fuga do indivíduo. E o Sol é onde
podemos ou não agir, onde temos liberdade total de escolha – às vezes fazemos de um
jeito, às vezes de outro. A diferença entre a primeira e a segunda colunas é que, na
primeira, os três estados são disposições passivas: ou sentimos que nada presta, ou que
tudo presta, ou que mais ou menos. Na coluna da direita, não: “Isto aqui é bom” Não é:
“Tudo é bom.” – Como em Júpiter. Júpiter também é símbolo da preguiça. Por quê? “Ah,
se tudo é bom, não precisa fazer nada...” Tanto Júpiter quanto Saturno encolhem a ação do
sujeito. Um porque “não dá para fazer nada mesmo” (Saturno); outro porque “não precisa
fazer nada” (Júpiter). A Lua encolhe a ação porque o sujeito fica fechado na sua
psicologia. Já os três planetas da coluna da direita são o contrário: os três são capacidade
de ação, de atividade; os três representam disposições ativas. E, por último, Mercúrio. Por
que ele é diferente aqui? Como falamos, ele é como uma imagem do próprio homem.
Vejam bem, no temperamento lidamos com a base mais baixa da nossa psicologia, aquilo
que é menos humano em nós, a base da cruz do Mercúrio. O próprio Zodíaco representa a
nossa inteligência, o topo supra-humano da nossa existência, que está logo em cima do
semicírculo de Mercúrio. Essa inteligência – representada pelo Zodíaco - é a mesma para
todos nós, então não existe um cálculo da inteligência no homem como existe um cálculo
do temperamento. Os temperamentos são individuais, mas a inteligência pura é a mesma
para todos. Aquilo que sabemos, aquilo que temos inclinação ou hábito para entender com
facilidade ou dificuldade varia de uma pessoa para outra, mas a própria inteligência é
igual para todos, e por isso ela é representada pelo Zodíaco comum. Mas, se não existe um
cálculo da inteligência, existe um cálculo da mentalidade, ou seja, da nossa identidade
humana. Bem, o cálculo do temperamento é baseado no ascendente. Já o cálculo da
mentalidade é baseado na posição de Mercúrio. As regras para o cálculo da mentalidade
são:

1) Qual é o planeta que tem mais dignidades essenciais no ponto do Zodíaco em que
Mercúrio se encontra no mapa natal?
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2) Os planetas que formam aspecto com Mercúrio; sendo que o Sol só esquenta (ou
aumenta a disposição ativa), e a Lua esfria (aumenta a disposição passiva). Sol e Lua não
são significadores de mentalidade. Isso quer dizer que, se o Sol ou a Lua forem os
planetas com mais dignidades essenciais no ponto do Zodíaco em que Mercúrio está,
nenhum deles serão significadores de mentalidade. Nesse caso, o primeiro significador
será o próprio Mercúrio, seguido imediatamente do segundo planeta que tiver mais
dignidade essencial do lugar onde estiver.

3) Os planetas que formam aspecto com o planeta que tem mais dignidade – com exceção
de Sol e Lua, que não contam -, e o grau de dignidade geral que esse planeta tem.

Faremos um cálculo de mentalidade para exemplificar o que foi dito até agora. Para isso,
vamos usar o mapa do aluno x, nascido em 15 de agosto de 1981, em Mogi das Cruzes –
SP. Vamos lá. Mercúrio está em 28º de Leão. Quem teria mais dignidade aí, em princípio,
é o Sol, pois ele é o regente. Mas, como falamos, o Sol não é significador de mentalidade,
então partimos para o segundo, que é Júpiter, o regente da triplicidade. Júpiter então é o
significador geral da mentalidade desse sujeito, ou [o significador] do caráter dele. Em
astrologia, caráter não era entendido no sentido moral, era simplesmente entendido no
sentido de uma marca fixa da pessoa. Então, aqui nós temos o significador principal que é
Júpiter, um pouco mais quente por causa do Sol, ou seja, é um Júpiter um pouco mais
ativo, um pouco mais expansivo. Se olharmos a condição de Júpiter no mapa, ele está
exaltando e, também, em conjunção perfeita com Saturno. Qual a mentalidade geral de um
sujeito cujo significador principal é Júpiter? Ou: como um sujeito desse prefere agir
conscientemente? Ele prefere ser uma pessoa justa, aberta, imparcial. Como Júpiter está
exaltando e em conjunção exata com Saturno, isso indica que a pessoa é expansiva, mas
admira a seriedade e a sobriedade; a natureza geral de um sujeito assim é expansiva, mas
ele acha que a seriedade é melhor do que a expansividade. Quais as características mais
positivas de Júpiter enquanto significador da mentalidade? Realmente uma tendência à
imparcialidade: “Deixa eu ver se meu adversário não está certo.” Também uma
predisposição otimista em relação à vida. Essas são as suas melhores qualidades. Quais a
piores características? “Não, o mundo é bom, as coisas são boas...” “Se o mundo é bom,
por que fazer alguma coisa?” Júpiter, às vezes, tende a um certo farisaísmo de achar que já
está no caminho bom. “Nós já somos o povo eleito, por que precisamos cumprir a lei? Isso
é apenas um detalhe menor.” Quer dizer, é um sujeito que às vezes tende a pensar o
seguinte: “Olha, eu já faço tantas coisas boas, e agora você irá me julgar só por essa
coisinha ruim e pequena que eu fiz aqui?” Ou: “Você não sabe que eu sou um cara legal
em geral? Eu também tenho direito de pensar em mim mesmo de vez em quando.” Júpiter
é o planeta significador dos sacerdotes: “Mas eu já dou o sacramento, vocês ainda querem
que eu seja bom?” Porém, de modo geral, é uma mentalidade fácil de se lidar. É uma
mentalidade nobre. Júpiter é também significador da elevação, da pessoa que deseja que a
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sua passagem pelo mundo não deixe este pior; para ela, o mundo é uma coisa boa e não
merece ser piorado; a vida é uma coisa boa e não merece ser diminuída.

Vejam que o temperamento é gasolina que a pessoa tem para agir; já a mentalidade é
como ela vai usar conscientemente essa gasolina. Se as duas coisas batem, então um
determinado traço será muito marcante no sujeito. Caso uma pessoa tenha Júpiter como
significador da mentalidade (nota: lembrar que no cálculo do temperamento os planetas
têm qualidades dos elementos, e Júpiter é um planeta de ar), e seja ainda de temperamento
sanguíneo (também do elemento ar), ou seja, se a mentalidade dela é Jupiterina e o
temperamento sanguíneo, então esse traço será muito marcante. Podemos dizer que o
temperamento é o combustível que a pessoa usa na vida dela, ou o material de construção;
já a mentalidade é o projeto. Se o projeto e o material combinam é mais fácil, fica mais
marcante aquilo no sujeito. Se você quer fazer uma espada e tem o metal como material,
então vai ser fácil; se você quiser fazer um incêndio e o material for o fogo, sem
problemas. Mas se você quiser fazer um incêndio e o material for água, aí será um pouco
mais complicado; se você quiser fazer uma casa, mas o material for o fogo, isso também
não é recomendável.

Na próxima aula lidaremos com o cálculo da mentalidade. Também explicaremos um


pouco melhor a segunda coluna, pois só falamos o básico hoje, que Vênus representa
aquilo que é bom e gera uma disposição de busca, que Marte representa aquilo que é ruim
e que gera uma disposição de enfretamento e luta, e etc. Não explicamos essa coluna tão
bem como explicamos a primeira. Faremos isso na próxima, daremos mais exemplos de
cálculo de mentalidade e combinaremos esses cálculos com o cálculo do temperamento.

Transcrição: Danilo Roberto Fernandes


Revisão: Danilo Roberto Fernandes
109

Instituto Cultural Lux et Sapientia


Curso de Cosmologia e Astrologia Medieval

Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 04
110

Tópicos da aula:

Continuação do cálculo da mentalidade da aula 3. Exposição das mentalidades jupiterina e


mercurina. Tipos de órgão perceptivo do ser humano: os sentidos e a estimativa; a
inteligência. Logo que você nasce, a realidade se divide em dois grupos: o do agradável e
o do desagradável. Esses são modos da relação entre as coisas e você. Não é a existência
que se divide em boa e má, são as coisas concretas. Expectativas sobre o bem e o mal e a
sua relação com Júpiter e Saturno. À existência não se pode aplicar os conceitos de bem e
mal no mesmo sentido que aplicamos estes conceitos às coisas. As três observações
possíveis sobre aquilo que é bom: 1) Os efeitos; 2) A definição da coisa; 3) O que é isto
que é bom? O que é bem? Oposição, conjunção e trígono entre Júpiter e Saturno. As
diferenças entre as estrelas fixas e os planetas nos mapas natais. Principais estrelas fixas.
O retorno de Saturno. Antiscion e Contra-antiscion. Os períodos planetários.

Transcrição da aula:

Gugu: ... Mas exemplo a gente mostra e explica. A importância do temperamento e da


mentalidade do sujeito é que eles são, por assim dizer, como um pano de fundo sobre o
qual interpretamos o mapa. Às vezes a pessoa diz: “Ah, não! Eu conheço bem as duas
pessoas. Elas têm ascendente em Leão, mas são tão diferentes...” O ascendente em Leão é
só uma direção a partir de um temperamento e de uma mentalidade. É evidente que um
Sol em Leão com temperamento sangüíneo será muito diferente do que um Sol em Leão
com temperamento melancólico. Um Sol em Leão que tenha a mentalidade regida por
Saturno será muito diferente em relação a um Sol em Leão que tenha a mentalidade regida
por Júpiter ou por Mercúrio. O mapa astrológico, assim como a pessoa, é uma série de
camadas psicológicas: umas mais primevas, mais originais; e outras que vêm depois. O
temperamento e a mentalidade são as duas primeiras camadas na psicologia do sujeito. O
temperamento nos mostra o lado mais instintivo. E a mentalidade nos mostra o lado mais
consciente e refletido daquilo que o sujeito pensa sobre aquilo que vê ou sobre o que ele
próprio é.

Temos algum mapa aí para usarmos de exemplo? Então vamos usar o do Fulano. Ele
nasceu em 28 de junho de 1964, em São Paulo – SP, às 14:30.
111

Mercúrio está a 8º (oito graus) de Câncer e em conjunção com o Sol. Aqui, o planeta mais
forte é Júpiter, pois ele está exaltado e é o regente do termo. O termo é uma subdivisão
entre alguns graus e o signo. Então, temos aqui um ascendente em Escorpião, e subjacente
a ele há esse temperamento jupiterino; logo, é um ascendente em Escorpião um pouco
mais macio, generoso e indulgente do que a média.

Aluno: Indulgente com os outros ou consigo?

Gugu: Indulgente de modo geral: o jupiterino é indulgente tanto com ele quanto com os
outros. Por ter uma mentalidade regida por Júpiter, a pessoa tem uma preferência pela
imparcialidade e pela justiça de julgamento, e, ao contrário do miserável signo de
Escorpião, não gosta de pensar que o sujeito é culpado antes de ter provas acerca disso.
Existe um elemento conflituoso aqui. O sujeito tem ascendente em Escorpião, portanto é
desconfiado. Por outro lado, por ter a mentalidade jupiterina, ele fica o tempo todo
pensando: “Você não pode desconfiar das pessoas sem saber, sem motivos!” O elemento
jupiterino também denota um senso de humor.

O segredo do cálculo, tanto do temperamento quanto da mentalidade (o cálculo do


temperamento é um pouco mais complicado do que o da mentalidade, que é mais
simples), é simplesmente achar o planeta mais forte. Procurem Mercúrio no mapa. Onde
está ele? Em que grau? Que signo? Que casa? Depois veja qual o planeta mais forte nessa
posição. Onde Mercúrio está, qual o planeta mais forte? No caso, Mercúrio está a 8º (oito
graus) de Câncer. O signo de Câncer é regido pela Lua, mas Júpiter está exaltado ali. E
nesse grau específico em que Mercúrio se encontra, Júpiter não somente está exaltado
como ele é também o regente do termo, que é uma subdivisão menor do signo. Então, se
Júpiter estiver ali, ele terá bastante dignidade essencial, será uma planeta com mais
dignidade essencial.

Aluno: O fato de Júpiter estar perto do descendente em Touro também contribui para isso?

Gugu: Naturalmente que acrescenta algo. Júpiter mais próximo do ângulo aparece mais na
tipologia da pessoa. Isso acaba reforçando um traço da personalidade. Mas mesmo que ele
não estivesse no ângulo, o modo da pessoa pensar já corresponderia à Júpiter. Júpiter na
casa VII é um tanto como as pessoas te vêem, mas a mentalidade não. A mentalidade é
um critério interno nosso, como achamos que devemos agir, como achamos que é mais
razoável agir. Como nós temos cinco regentes fundamentais para a mentalidade
(Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e Saturno) temos cinco tipos básicos de mentalidade. 1)
A mentalidade jupiterina tende à imparcialidade, à generosidade, à liberalidade. Mas
também à indulgência excessiva, a ter uma visão de si um pouco superior ao que de fato
ele é; Júpiter se julga mais pelas suas intenções do que por suas ações. É uma mentalidade
112

otimista, mas às vezes preguiçosa (inaudível).1 Só sabemos que essa é uma nota que está
por baixo das interpretações que faremos depois. O temperamento e a mentalidade são o
material de que o sujeito é feito - e não o que ele é. Isso não explica tudo o que ele é, mas
imprime um tom nisso. 2) A mentalidade mercurina é curiosa, mas superficial,
inconstante. Ás vezes, ela é um limitador. A pessoa gosta muito de assimilar o
comportamento de outros; ela vê o comportamento de outras pessoas e pensa: “Ah, isso
aqui é como eu quero ser!” E então ela começa a agir conforme esse modelo, nem sempre
captando a psicologia do outro de forma profunda; ela capta apenas o comportamento
externo. De modo geral é um sujeito mais adaptável. A mentalidade mercurina tem muito
mais facilidade de se comunicar com as pessoas e explicar o que ela pensa do que uma
mentalidade de tipo saturnina ou mesmo jupiterina.

Vamos fazer o seguinte... Se eu não me engano, começamos a falar na aula passada sobre
a nossa natureza vegetativa e de nossas primeiras experiências da inteligência ainda na
infância. Bem, o ser humano possui dois tipos de órgãos perceptivos, duas faculdades de
percepção. Um tipo é igual ao dos animais, que é a percepção sensorial (visão, audição,
tato, olfato e paladar) e a estimativa. Cada um dos nossos sentidos possui um objeto
próprio de percepção. Por exemplo, a cor é um objeto próprio da visão, o som é o objeto
próprio da audição e assim por diante. Então, como a cor entra no campo da visão, pelo
simples ato de ver podemos comparar uma cor com a outra, pois com o mesmo órgão
percebemos o azul e o amarelo, por exemplo. Mas não percebemos com o mesmo órgão o
grave, o azul, o doce ou o amargo.

Como procedemos para saber a diferença entre o verde e o doce se o verde é percebido
pela visão e o doce pelo paladar? É evidente que temos que ter um depósito comum de
percepções sensoriais; e esse é o sentido comum. Temos que ter uma raiz perceptiva
aonde chega todos os dados de cada um dos sentidos particulares. Porém, percebam que a
diferença entre os objetos dos sentidos é percebida somente na presença deles. Se eu digo
que o verde é diferente do roxo, vocês entenderão do que eu estou falando pois estarão
lembrando da diferença; mas não estarão percebendo ela justamente porque eu não a
mostrei, apenas me referi verbalmente à ela. Os sentidos só operam na presença atual dos
objetos. É óbvio que, depois que percebemos uma diferença com os sentidos, podemos
gravá-la na memória. No entanto, relembrar não é o mesmo que perceber. No ato mesmo
de lembrar algo, sabemos que não o estamos percebendo.

1
Nota do transcritor: lembrando da explicação do simbolismo de Júpiter da aula passada, ele tende à ilusão de
que as coisas sempre vão dar certo, e por isso pode deixar de agir; essa ilusão anestesia Júpiter quanto à
necessidade de agir em certas situações, já que ele acha que tudo vai ficar bem independentemente do que quer
que aconteça.
113

Mas nem tudo o que percebemos ao nosso redor com os sentidos é a percepção de uma
presença atual. Às vezes percebemos um copo em cima da mesa e pensamos: “Esse copo
cairá.” Mas ele ainda não caiu. Quando olhamos um animal, podemos pensar: “Esse
cachorro está com medo.” Ou: “Ele vai me morder.” Ou ainda, em relação a uma pessoa:
“Esse sujeito é muito forte; se eu brigar com ele vou levar uma coça.” Notem que esse
tipo de percepção tem algo em comum com os sentidos. E o que essa percepção tem em
comum com os sentidos é que ela é uma avaliação particular, é uma avaliação que é válida
para a circunstância concreta. Olhamos uma árvore e pensamos: “Ah, eu consigo subir
nela.” Não pensamos que conseguimos subir em árvores de maneira geral, mas que
conseguimos subir nessa árvore que estamos percebendo em particular. Isso é a avaliação
de um dado concreto. “Esse cachorro quer me morder.” “Esse sujeito é muito forte.” Ora,
foi a cor desses objetos que nos disse isso? Foi o tamanho deles? O som que eles faziam?
Não, não foi em nenhum desses dados de maneira isolada. No conjunto de dados que eles
ofereciam, percebemos um potencial para ação. A essa capacidade de perceber o potencial
das coisas concretas, damos o nome de estimativa.

Outra maneira de percebemos a diferença entre um dado dos sentidos e um dado da


estimativa é o tipo de inclinação que sentimos em relação ao objeto enquanto objeto
sensorial, e o que sentimentos em relação ao objeto enquanto objeto da estimativa. O
objeto sensorial gera inclinação pelo fato de ser agradável ou desagradável. Já o objeto da
estimativa gera inclinação pelo fato de ser útil ou hostil. Por exemplo, se temos que
colocar um parafuso numa mesa, pegamos uma chave de fenda não porque ela é bonita,
mas porque ela é útil; sentimos então a inclinação à buscar a chave de fenda pela utilidade
dela em relação a um outro objetivo. Essa não é a mesma inclinação que sentimentos ao
buscar um bolo de chocolate que esteja em cima de uma mesa ou numa geladeira; aqui
buscamos uma sensação prazerosa provocada pelo próprio objeto que buscamos, no caso,
o bolo. Podemos dizer que a estimativa é bem mais marcial que a percepção sensorial. A
estimativa é justamente, sempre, um instrumento para a ação; é uma avaliação tendo em
vista a ação. E é evidente que os animais também fazem esse tipo de avaliação. Se
estamos andando em uma rua e de repente um cachorro vem andando em nossa direção,
avaliamos se ele irá nos morder ou não; e ele também nos avalia para tentar descobrir se
iremos chutá-lo ou não. Então, embora a estimativa não esteja relacionada somente ao
dado presente, ela se baseia nesse dado presente e se refere, sempre, a fatos concretos
particulares.

Agora, outro exemplo. Se pensamos não no prazer físico que o bolo nos causa, mas
apenas no efeito que ele pode ter em nós em matéria de engordarmos ou emagrecermos,
então temos aí um objeto da estimativa. Ou seja, nesse caso estamos pensando no efeito
que o bolo terá além do prazer que ele causa. “Ah, eu vou engordar...” “Ah, sou
diabético...” “Ah, preciso engordar, pois sou muito magro...” Nesses casos estamos
114

fazendo uma avaliação estimativa. Mas nesse caso do bolo, a avaliação não é
simplesmente estimativa, ela é também quantitativa – que é uma modalidade particular da
estimativa humana. Olhando um bolo qualquer, podemos avaliar se ele é comestível ou
não, mas não podemos avaliar se ele engorda ou não. Para sabermos isso, temos que ler
algo em algum manual; precisamos ouvir algo a respeito dessa relação – “comer bolo
engorda” – em algum lugar. Já no caso da ferramenta, essa estimativa não depende de
uma avaliação conceitual, nem de uma teoria das ferramentas; depende da forma, do peso
e da consistência que dela captamos. No caso do bolo, como sabemos que ele engorda? A
verdade é: não sabemos se ele engorda, mas as mulheres estão sempre falando que não
podem comer bolo pois engorda.2 Mas a verdade é que, para chegar a essa conclusão, já
envolve-se uma atividade intelectual. Reparem na frase: “Bolo engorda.” Estamos nos
referindo ao bolo de maneira geral aí. “Este bolo engorda.” Nesse caso estamos avaliando
um bolo em particular. Uma coisa é a pessoa dizer: “Cuidado com cachorro, pois eles
mordem.” Outra coisa é dizer: “Cuidado com este cachorro, pois ele irá te morder.” O
processo mental envolvido é muito diferente. Então, de um lado, temos o sentido da
estimativa que se aplica aos objetos concretos; e, por outro lado, temos a inteligência que
se aplica às formas abstratas. Um juízo da inteligência refere-se à existência, ao ser; um
juízo da estimativa ou dos sentidos refere-se a uma relação particular entre o sujeito e o
objeto.

Quando nascemos, ainda não temos linguagem e não sabemos de nada. Mas no momento
mesmo em que nascemos já estamos percebendo os objetos, tanto com os sentidos quanto
com a estimativa ou mesmo com a inteligência. Nascemos e já há uma luz em nossos
rostos. E essa luz é, ao mesmo tempo, três vezes: ela é, primeiro, desagradável; depois,
potencialmente hostil; e por último ela também é a existência. Os sons que ouvimos, os
cheiros que sentimos e tudo o mais que chega até nós, vamos percebendo nessas três
claves. Numa delas, que é a sensorial, a diferença entre as diversas categorias de
fenômenos é muito grande. Alguns objetos aparecem como extremamente desagradáveis,
e outros como extremamente agradáveis. Logo que nascemos a realidade já se divide em
dois grupos: o grupo do agradável e o grupo do desagradável. Depois descobrimos que
temos mãos, braços, que podemos agarrar as coisas e colocá-las na boca para vermos se
são agradáveis ou desagradáveis, se são comestíveis ou não. Ao mesmo tempo as
percebemos como existência. Se não percebêssemos assim, não teríamos como, depois,
perceber que há uma diferença entre sonho e vigília.

2
Nota do transcritor: realmente o bolo não engorda. Cientificamente falando, a lei da termodinâmica aplicada à
nutrição diz que o ganho de peso só ocorre caso o nível de calorias ingeridas por alguém seja maior do que o seu
gasto energético diário. Então, mesmo que a pessoa só coma bolos, se diariamente ela não ingerir mais calorias
do que o seu corpo gasta, ela não irá ganhar peso.
115

Às vezes, quando estamos sonhando, não sabemos que estamos sonhando; mas,
geralmente, quando estamos acordados, sabemos que estamos acordados. Vejam que
agradável ou desagradável não são modos de existência da coisa, são modos das relações
entre as coisas e nós. O que é agradável ou desagradável depende não só do que a coisa é,
mas depende também daquilo que somos. Já o objeto do sonho e o objeto da vigília não
são diferentes apenas em relação a nós; o ser deles é de natureza diferente. As leis que
regem os objetos do sonho são diferentes das leis que regem os objetos da vigília. A
diferença, nesse caso, está no modo de existência do objeto; enquanto que agradável e
desagradável dependem não só do modo de existência, mas do modo de existência do
sujeito e da relação entre ela [a coisa desagradável ou agradável] e ele [o sujeito
cognoscente]. Quando estamos com fome, muitas coisas parecem gostosas; se estamos
sem fome, tudo parece sem graça. O alimento não muda, nós é que mudamos. Porém, não
importa como nos sentimos, os objetos do sonho jamais serão regidos pelas leis a que
estão submetidos os objetos no estado de vigília. Se fizermos algo hoje acordados,
podemos contar que amanhã ele já estará feito. Quando sonhamos algo hoje, não podemos
contar que ela voltará amanhã ou que o sonho seguirá uma seqüência ordenada; não
importa qual a nossa disposição em relação ao sonho; quando dormimos, cada dia
sonhamos com algo diferente. Já quando acordamos, na maioria das vezes acordamos na
mesma cama em que dormimos. Essa diferença [de sonho e vigília] é percebida pela
inteligência; ela nem sempre é percebida pela imaginação ou pela estimativa enquanto
dormimos. Quando estamos dormindo e sonhamos, não sabemos que este sonho em
particular é um sonho (e muitas vezes temos os mesmos sentimentos que temos quando
estamos em vigília), mas continuamos sabendo a diferença entre o que é sonho e o que é
vigília. O que não sabemos é como aplicar essa diferença no caso concreto. É a mesma
coisa que um sujeito que tem uma alucinação. Não é que ele não saiba o que é a diferença
entre uma alucinação e uma percepção; ele não sabe dizer que está sofrendo uma
alucinação no momento em que ela ocorre. A informação faltante é a da estimativa e a dos
sentidos.

Quando começamos a perceber as coisas, por um lado, e imediatamente, começamos a


classificá-las em duas categorias. Aquilo que aparece como extremamente agradável para
o sentidos, aparece também para a inteligência como representação daquilo que é bom.
Vejam que o conceito de agradável e de bom não coincidem realmente; eles coincidem no
fato de nossas primeiras experiências. Esse sentido de bom que estamos falando agora não
tem a ver com o sentido de útil que falamos da estimativa. Agradável e desagradável é o
primeiro par de categorias e correspondem aos sentidos; útil e hostil é o segundo par e
corresponde à estimativa; bom e mau é o terceiro e corresponde à inteligência. É bom
notar que bom e mau implicam em um juízo geral; útil ou hostil depende da circunstância
concreta. Quando fazemos um juízo da inteligência, não é que pensamos no assunto; aliás,
o bebê nem mesmo pode pensar no assunto, pois ele não tem linguagem ainda. Porém, ele
116

[o bebê] faz avaliações intelectuais sobre as coisas mesmo sem pensar. Por exemplo, se
uma pessoa diz: “Ah, como a vida é ruim, como a vida é injusta.” Ela está pensando isso
sinceramente, mas esse não é um juízo que ela faz da realidade. Se ela realmente julgasse,
com a inteligência dela, que a vida é um mal, ela se mataria no mesmo instante. Não é que
em nossas primeiras experiências o objeto de percepção sensorial se confunde com o
objeto da inteligência, na verdade esses objetos coincidem; pois se fizermos uma lista das
coisas que são boas, diremos que o que é agradável é bom; não é o único tipo de bem que
existe, mas é bom. Nesse caso não há nenhuma confusão ainda, há apenas uma
coincidência. O problema é que, quando percebemos o agradável, não possuíamos o
conceito do objeto que era agradável ou desagradável. Por exemplo, a primeira vez que
respiramos, o ar queimou as nossas vias respiratórias, nós sentimos dor e pensamos:
“Caramba, isso é muito mau!” Ora, respirar não é mau, até porque não sabíamos o que é
respirar; também não é o ar que é mau; apenas a sensação que foi má. A nossa inteligência
não entendeu naquele primeiro momento o ato de respirar; ela só captou a existência de
forma geral: “Existe algo aqui, e este algo que existe é mau, aquele outro algo ali é bom.”
E nesse momento é que houve confusão, porque dividimos o Ser, o ato de existir, em bom
e mau, quando na verdade apenas a sensação que poderia ser boa ou má.

Na medida em que nós vamos crescendo, seria razoável pensar que vamos conseguindo
perceber essa confusão das nossas primeiras experiências e, aos poucos, diferenciamos
corretamente um juízo da inteligência de um juízo da percepção sensorial; ou seja, que o
que é bom ou mau é a sensação que nos chega pelos sentidos, e que à existência mesma
essas duas características [bom e mau] não se aplica. Porém, não é isso o que acontece.
Ao longo da vida tendemos a confirmar essa divisão da realidade em duas categorias –
bom e mau – do que a cancelar essa diferença inicial. Isso porque quando começamos a
lidar com as coisas, percebemos que algumas delas são boas e outras são más; quando
começamos a lidar com as pessoas, percebemos que algumas são boas e outras são más;
começamos a perceber que algumas coisas em nós mesmos são boas e outras são más. Em
nenhum momento recordamos do problema inicial, pelo menos não instintivamente ou
espontaneamente, ou ainda por um simples estágio de desenvolvimento físico. Alguém
terá que vir até nós e nos recordar do problema, de que não é a existência, o ato de existir,
que se divide em boa e má, e sim as coisas concretas.

Isso é extremamente importante, pois quando experimentamos pela primeira vez a


realidade, imediatamente a nossa inteligência formulou um plano de ação: “Procure o que
é bom e fuja do que é mau.” Em todos os estágios de nosso desenvolvimento, todas as
habilidades que vamos adquirindo serão postas a serviço de se produzir a ação de buscar o
que é bom e fugir do que é mau. Realmente, isso é conveniente quando estamos falando
em lidar com as coisas; se não tivéssemos feito isso, teríamos morrido em algum estágio
de nosso desenvolvimento; em algum momento, para nós, teria sido indiferente pular do
117

décimo terceiro andar ou não. “Ah, vamos ver como é que é pular do décimo terceiro
andar...” Mas olhamos a distância e pensamos: “Vou me machucar, e me machucar não é
bom.” E por isso não pulamos.

Aluno: No começo o bebê já entende que o bom e o agradável apenas coincidem, ou ele
entende de forma confusa o que é bom e o que é agradável e só com o tempo ele entende
que tal coisa pode ser boa e agradável, e tal outra pode ser boa mas não agradável?

Gugu: Quando somos bebês não sabemos o que é agradável, nós experimentamos coisas
agradáveis. E essas coisas agradáveis que experimentamos, entram na categoria intelectual
do bom. Todas essas primeiras experiências entram nessas categorias da inteligência de
bom e mau, e só depois começamos a perceber que existem outras categorias do bom e do
mau que não coincidem com o agradável e com o desagradável. Só quando nossos pais
começam a nos corrigir e a nos dizer que não devemos fazer algo porque é feio, por
exemplo, é que começamos a perceber que algumas coisas podem ser agradáveis, mas
talvez elas podem não ser boas. Porém, por mais que sejamos ensinados quais ações são
boas e quais são más, ainda assim o problema original [de dividir a existência em boa e
má] não está resolvido. Enquanto essa questão da existência se dividir em boa e/ou má
não estiver resolvida, estamos como que programados para fugir do que é mau e procurar
o que é bom. Podemos perceber isso cada vez que percebemos ou experimentamos algo
bom e agradável, ou algo mau e desagradável. Se nos observarmos, percebemos que no
ato de experimentar algo bom ou agradável, no fundo de nossa psicologia algo diz que
tudo ficará bem, de que finalmente escapamos do mal e alcançamos o bem. E quando
experimentamos algo mau ou desagradável, no fundo de nossa mente fica uma dúvida
sobre se algum dia escaparemos daquilo que é mau.

Júpiter, no mapa, indica onde está radicada essa expectativa de que escapamos do mal e
finalmente encontramos o bem; e Saturno indica essa dúvida que temos sobre se algum
dia conseguiremos escapar do mal. Se olharmos a posição de Júpiter de alguém num
mapa, sabemos que aquela posição indica as experiências que geram essa expectativa de
que a realidade será boa para com essa pessoa; é nesse tipo de experiências que ela achará
que existe de fato uma chance da realidade ser boa e não má. Já a posição onde Saturno
está, indica as experiências que geram a certeza de que a realidade é mesmo má. Tanto
Júpiter quanto Saturno aparecem na psicologia do sujeito primeiro como inclinações
apetitivas. Podemos dizer que um aparece como uma cenoura e o outro como um chicote,
e não conseguimos permanecer somente no lado positivo e sempre escapar do lado
negativo, pois esses dois tipos de experiência sempre se alternam. Como já avaliamos a
realidade dividindo-a em boa e má, o problema fundamental nos aparece já enquadrado
nessas categorias. Ele não aparece em termos intelectuais: “O que é isto que é bom e o que
é isto que é mau?” “Bem e mal são categorias da realidade ou são apenas coincidências?”
118

Não, o problema aparece em termos práticos: “Como posso escapar do mal e alcançar o
bem?”

Colocada de maneira abstrata, a questão é muito fácil de ser respondida. Todos sabemos
que o que é bom e o que é mau, depende da pessoa para quem esse algo é bom ou mau. Se
perguntássemos para um peixe sobre o que é mau, ele diria que o ar é uma das piores
coisas que existem, que sair fora da água é uma das piores coisas que existem. Já para nós,
permanecer embaixo d’água é uma das piores coisas que há. Todos sabemos que bem e
mal são relações que existem entre um objeto e um sujeito. Vejam que dizer que é uma
relação entre objeto e sujeito, não é a mesma coisa que cair num reducionismo
subjetivista. “Não, tudo é relativo, cada um é cada um.” De maneira nenhuma é isso. De
fato existem relações universais. Ficar cego, por exemplo, é ruim em qualquer hipótese,
mesmo que queiramos ficar cegos. As coisas serem boas ou más dependem sim da relação
entre sujeito e objeto, mas uma relação ser boa ou má não depende da nossa opinião
acerca dela; essa relação que há entre um sujeito e objeto é, objetivamente, ou boa ou má
ou indiferente. Uma pessoa pode nos falar: “Ah, você não deve dar esmola, porque vicia o
cidadão.” Bem, essa pessoa pode ter essa opinião; a opinião que ela tem acerca do ato de
dar esmolas não modifica o fato de que dar esmolas é uma coisa boa, independentemente
do que achemos disso.

Aluno: Eu havia entendido, sobre o que você disse antes, que o julgamento da inteligência
se refere ao Ser (que pode ser bom e/ou mau), e que o julgamento dos sentidos (que pode
ser agradável ou desagradável) e o julgamento da estimativa (que pode ser útil ou hostil)
dependem da relação entre o sujeito e objeto.

Gugu: De fato, o julgamento da inteligência se refere ao Ser, só que o problema é que,


nesse primeiro julgamento, houve uma sobreposição disso. Não julgamos a relação que
tivemos com este ser, ou essa categoria de ser, em particular. Como essas experiências
eram as nossas únicas experiências do Ser, fizemos um juízo universal. Se eu pergunto:
“Ter amigos é bom?” A resposta é evidente; todos sabem que ter amigos é melhor do que
não ter. Mas todos também sabem o que é um amigo. Podemos nos enganar em um caso
concreto e pensar que um sujeito é nosso amigo quando na verdade ele é um inimigo.
Porém temos a idéia do que é a amizade e do que é a inimizade; temos esses conceitos na
mente. O nosso juízo de que a amizade é um bem, não um juízo acerca do Ser em geral,
mas sobre esta qüididade que é a amizade. Quando experimentamos bem e mal pela
primeira vez, o único conceito que tínhamos na mente era o conceito de Ser, e foi a ele
que aplicamos as categorias de bem e mal. Essa relação que não foi verificada: as coisas
se dividem em boas e más, a mera existência não. Não é pelo simples fato de existir que
algumas coisas são boas e outras são más, é pelo fato de que elas me afetam de um ou de
outro modo. Se não fosse assim, seríamos obrigados a dizer que a inexistência de algo
119

modifica a nossa existência. Por exemplo, todos sabem o que é arsênico; e todos sabem
que veneno é ruim. Mas o arsênico em si não é mau; o arsênico só é veneno pois sabemos
que, por acaso, alguns animais, quando o ingerem, morrem. O arsênico apenas existe, ele
não tem culpa de nada. Isso quer dizer que à própria existência não se pode aplicar as
categorias de bem e mal no mesmo sentido em que os aplicamos às coisas e às relações
que elas têm entre si. Não podemos dizer que a existência é má no mesmo sentido em que
dizemos que tomar um veneno é mau, pois, se é mau, é mau para alguém.

Em certo sentido (inaudível) toda a direção fundamental da nossa existência foi mal
colocada em termos intelectuais. Tudo que pensamos, sentimos e fazemos é baseado na
idéia desses dois extremos da experiência. É baseado, por um lado, na expectativa de
alcançar o que é bom e escapar do que é mau; por outro lado, na dúvida sobre se é
possível escapar do que é mau. Então, temos que, de um lado, remover essa dúvida, do
outro, entender essa expectativa. Para resolver a dúvida, precisamos descobrir se o ato de
existir é, de algum modo, bom ou mau; porque é evidente que para algo ser bom ou mau,
ele precisa, primeiro, existir. Só que a verdade é que existir só pode ser bom, porque a
própria expectativa de alcançar o que é bom subentende a existência. No entanto, existir
não é bom no sentido original que usamos essa palavra, porque esse bem do existir pode
coincidir com uma experiência negativa. Se levarmos uma martelada no dedão, não
adianta dizer: “Ah, mas a existência é boa!” O dedão continuará discordando da gente.
Nesse caso nós estamos fugindo do desagradável porque ele aparece como algo ruim.
Então, uma hora teremos que parar e recordar que a existência, se ela é comparável a
alguma coisa, ela é comparável ao bom. Só que ela [a existência] realmente não é nem boa
e nem má, mas indiferente a nós. Ela existe, gostemos ou não. Embora essa seja uma
resposta dura, é uma resposta de acordo com a nossa experiência. E é por isso que há
pessoas que falam que a existência é algo ruim, ou então que ela é algo bom; é possível
que nos persuadamos de uma coisa ou da outra.

Só que se chegamos à conclusão de que a existência é indiferente, resta uma outra


pergunta: o que é isso que é bom? A existência é indiferente, mas ainda assim existem
muitas coisas que são boas; o que há nelas que faz com que sejam boas? Fazer um juízo
de que a existência não é nem boa e nem má não cancela o fato de que experimentamos
coisas boas e ruins. Para prosseguir nessa pergunta, primeiro precisamos dividir as coisas
boas em dois grupos, isto é, o grupo das coisas boas que chegam até nós, e o grupo das
coisas boas que não chegam até nós; o grupo das coisas boas que queremos e
conseguimos, e o grupo das coisas boas que queremos mas não conseguimos. Quando as
coisas boas que desejamos chegam até nós, ficamos contentes, satisfeitos, felizes. Pois
bem, temos partir da experiência desses momentos e acrescentar a eles uma dimensão
investigativa. Nesses momentos, ficamos tão contentes que acabamos não perguntando o
120

que faz com que esse algo seja bom. É nesse momento que devemos parar e nos
perguntar: “O que é isso que me traz contentamento?”

Para essa pergunta existem três tipos de respostas, e nós procuraremos um tipo muito
específico. A primeira resposta é aquela que responde pelos efeitos: “Essa comida me
deixa contente porque é doce, macia, cheirosa.” A segunda é aquela que responde pela
definição da coisa: “Ah, eu tomo isso daqui porque é café.” Só que nós não queremos
ouvir a definição de algo. Essa não é uma pergunta para formularmos uma resposta, mas
uma pergunta para assimilarmos uma resposta que não virá em forma discursiva. Na hora
em que experimentamos algo que é bom, devemos olhar para ela e buscar aquilo que o faz
uma coisa boa, ou seja, o que é o bem em si, e não esta coisa em particular. Não estamos
investigando a coisa boa que adquirimos ou experimentamos, estamos investigando o
próprio conceito de bem; só que não estamos investigando ele em nossa mente, mas no
objeto que está na nossa frente e que representa um bem para nós. Demos na aula passada
que no fundo de nossa mente existe uma capacidade de discernimento, que é como uma
semente bem pequena. Pois bem, é este ato de olhar o que é bom com a intenção de
descobrir o que é o bem; esta é a água que rega essa pergunta. Isso é um esforço
contemplativo, uma orientação contemplativa; não é ainda um ato de contemplação, mas
uma orientação nessa direção; é um direcionamento da nossa mente.

Aluno: Como isso se encaixa com os três tipos de pergunta que você mencionou antes?
Isso não ficou claro para mim.

Gugu: Quando estamos diante de alguma coisa que é boa e que gera algum tipo de
satisfação em nós, podemos dizer três tipos de coisa acerca dela. No primeiro caso,
dizemos que ela é boa porque gera um certo efeito agradável nos órgãos sensoriais, seja na
língua, no olho, na audição, no cérebro e assim por diante. No segundo caso, dizemos que
ela é boa pela própria definição ou quididade da coisa, por exemplo, quando dizemos:
“Isso é bom porque é um amigo.”3 Ou: “Isso é bom porque é nutritivo.”4 Mas no terceiro
caso, nos referimos ao próprio ato de ser bom; não queremos saber por que algo em
particular é bom, mas por que algo em geral é bom.

Aluno: Considerando uma coisa boa de uma forma mais básica para o ser humano, essa
coisa boa não seria aquilo que preserva a sua existência?

Gugu: Sim, pois manter-se vivo é um bem fundamental, porém não é o primeiro bem que
percebemos. Se a preservação da vida não envolvesse nada que é agradável, não faríamos
3
Nota do transcritor: ou seja, da própria definição de “amigo” decorre que ele é um bem.
4
Nota do transcritor: como no caso do amigo, da própria definição de “nutritivo” decorre que ser nutritivo é um
bem.
121

nenhuma escolha para preservá-la. Quando encostamos a boca no peito de nossa mãe pela
primeira vez, nosso desejo não era o de preservar a nossa vida; nosso desejo de continuar
mamando vinha do fato de que aquilo era agradável à nós. Só aprendemos mais tarde que
a vida é uma coisa que deve ser preservada.

Aluno: Essa experiência de observar aquilo que é bom em uma coisa nem sempre se dá
com algo fundamental para a nossa existência; pode se dar com a contemplação de uma
paisagem...

Gugu: Claro, pode se dar com qualquer coisa que está efetivamente gerando satisfação.
Na hora em que estamos experimentando algo que está gerando contentamento, devemos
olhar para ele procurando identificar esse caráter de bem. Esse algo particular que gerou
essa satisfação não necessariamente deve ser um bem fundamental à vida humana; pelo
contrário, pode ser a coisa mais acidental do mundo.

Embora a preservação da vida seja um bem fundamental, ela é feita por meio de inúmeros
atos. E nesses atos pode não estar imediatamente presente o caráter de bem; às vezes está
só de maneira mediata. Se estamos com fome e só temos acesso a uma comida ruim, então
comemos a comida ruim, pois sabemos que é melhor comer algo ruim do que não comer
nada. Mas não iremos dizer que é bom comer comida ruim; isso é apenas útil. Porém,
quando comemos, escolhemos a comida não somente para preservar a nossa vida, mas
para que o ato de comer naquele momento seja bom. Por que, quando vamos a um
restaurante, não pegamos a comida e a misturamos toda, fazendo dela uma massa
uniforme para depois comermos? Essa massa tem o mesmo valor nutritivo do que a
comida “normal”. O fato é que com isso perdemos alguma coisa, e essa comida passou a
ser um bem mediato, um bem intermediário, ou seja, comemos essa massa de comida para
um bem [preservar a vida]. Não existe um término aí, não repousamos nesse ato;
repousamos no resultado dele. O bem mediato é aquilo que a ação visa em função de um
bem posterior, portanto ele [o bem mediato] não nos serve como objeto de experiência na
hora de investigar o que é o bem. Outro exemplo disso é o trabalho. Quando estamos
trabalhando, há momentos que estamos pensando no bem que vamos obter depois; mas há
momentos que estamos pensando justamente naquilo que estamos fazendo naquele
momento, pois aquilo é interessante.

[Pausa na transmissão.]

Gugu: É importante que essas coisas sejam feitas no ato da percepção, porque a
capacidade de registrar na memória aquilo que é percebido depende em grande medida do
entendimento prévio do objeto. Aquilo que sabemos o que é, registramos melhor do que
aquilo que ainda desconhecemos. Embora já tenhamos os conceitos de bom e mau, a
122

própria captação do que é bom, no seu próprio ato de ser, é muito breve na mente, porque
o efeito psicológico do que é bom é muito grande. A atenção rapidamente desce do
princípio que causa a satisfação em nós para o próprio ato da satisfação. Diante de algo
satisfatório, é fácil esquecer a coisa é ficar só no sentimento que temos. Temos uma
tendência maior de analisar algo que é ruim do que algo que é bom. A tendência da nossa
inteligência diante de algo que é bom é se entorpecer. Só o esforço de penetração
intelectiva do que é bom que nos permite analisar exatamente se o ato da existência é
bom, maus ou indiferente. Quanto mais observarmos aquilo que é bom, mais nos
aproximamos intelectualmente da raiz de bondade das coisas. Num primeiro olhar sobre o
que é bom, captamos apenas o acidente mais superficial, e a essência mesma fica
subjacente, fica subentendida. O que olhamos mais nesse primeiro momento é a natureza
da coisa, a quididade do objeto; e é só com muito tempo de prática que começamos a
discernir a qualidade de bem da coisa na qual ela reside.

Aluno: Júpiter é onde a pessoa enxerga uma saída para o mal, e Saturno é onde ela não
enxerga essa saída. O que acontece quando Júpiter e Saturno estão em oposição? E o que
acontece quando eles estão em conjunção?

Gugu: O caso da oposição é bem simples: a pessoa terá essa experiência em campos
opostos da realidade. Por exemplo, a pessoa tem Saturno na casa X e Júpiter na casa IV.
Então o trabalho será um fardo e ela só gostará de ficar em casa; o problema do mundo,
para ela, é que todos precisam trabalhar, e a melhor coisa que existe é poder ficar em casa.
Agora, se Saturno estiver na casa IV e Júpiter na casa X, será o contrário. A vida
doméstica será um inferno e o trabalho será um escape para ela. A oposição não é
complicada justamente porque ela aparecerá em áreas muito diferentes da vida. Já a
conjunção de Saturno e Júpiter, em termos práticos, é muito favorável para o sujeito. É um
lugar comum na astrologia que, se um sujeito possui Júpiter em conjunção com Saturno, a
maior parte dos efeitos mais pesados e externos de Saturno apareçam aliviados para ele;
nesse caso Saturno não dói tanto. De maneira geral, uma pessoa que tem Saturno em
conjunção com Júpiter, pensará que tudo, em princípio, é bom; que às vezes problemas
podem acontecer, mas a vida mesmo é boa. O mal aparece para esse sujeito menos como
um fato bruto do destino a que ele está submetido, e mais como acidentes ocasionais da
vida. Não que a pessoa terá menos problemas que outros, mas que esses problemas não
aparecem para ele como um destino total. A condição humana aparece como menos
amarga para ela.

Vamos falar um pouco de trígono agora. Quando Saturno e Júpiter estão em trígono, esses
dois extremos não parecem tão opostos. Na ocasião em que o sujeito experimenta o mal,
na ocasião que ele se pergunta: “Caramba, será que nos livramos do mal?” Então, nessa
ocasião, ele rapidamente se lembra das experiências de bem: “Bom, isso aqui não é tudo.”
123

Vejam bem, isso não é a mesma coisa do que a conjunção; nesta, a coisa não aparece
como tão ruim. Para o sujeito que tem o trígono, o mal aparece tão mal quanto aparece
para os outros, mas ele não se esquece da experiência do bem. Do mesmo modo, na
experiência do bem, ele não perde o senso de que o contrário, o mal, também existe. O
trígono sempre representa uma relação favorável. A oposição é sempre uma relação
desfavorável; ela indica que a pessoa será desequilibrada e terá que compensar isso
conscientemente. O trígono faz com que a pessoa, diante de alguma situação boa ou má,
não perca de vista a outra experiência oposta. Para ele é mais fácil comparar as
experiências do que para as outras pessoas; pois é fácil para ele lembrar a experiência
contrária diante de algum acontecimento. É fácil para ele lembrar da experiência do bem,
diante da experiência do mal; e é fácil lembrar da experiência do mal, diante da
experiência do bem. O sujeito que tem um trígono em Júpiter e Saturno é um realista, ele
tem uma visão equilibrada. O sujeito que tem a conjunção, tem uma visão meio
anestesiada da situação; a martelada no dedão dele não dói tanto.

Aluno: Quais são as diferenças que existem entre os efeitos que as estrelas fixas têm sobre
as pessoas e os efeitos que os planetas têm sobre elas?

Gugu: A primeira diferença é que as estrelas fixas demoram muito tempo para rodar o
zodíaco, quer dizer, milhares de anos. Isso quer dizer que, durante toda nossa vida, uma
estrela fixa que esteja em nosso mapa tem exatamente o mesmo efeito durante toda nossa
existência. Já o planeta, no decurso de nossa vida, circula o zodíaco inteiro pelo menos
umas duas vezes, e por isso experimentamos ele de outras maneiras. O efeito de uma
estrela fixa é mais constante em nossa vida, e por isso entra mais no pano de fundo dela e
menos na zona de consciência diferenciada; o efeito da estrela fixa fica mais no
subconsciente do que na consciência. Por exemplo, se alguém tem Spica na cúspide da
casa X, o trabalho para ele sempre será melhor do que para os outros; mas o sujeito não
necessariamente se dará conta disso. Como esse é um efeito constante e permanente na
vida dele, ele não tem medida de comparação. Se dissermos que ele é um sujeito que tem
sorte no trabalho por ter Spica no Ascendente, que ele é um sujeito que nasceu com a
bunda virada para a Lua, que ele tem mais sorte que as outras pessoas, ele dirá: “Ah, não!
Sou um miserável, azarado e desgraçado que nem todo mundo!” Mas, analisando
objetivamente a vida dele, vemos que ele de fato tem mais sorte do que os outros; para ele
aparecem oportunidades acima da média. O que acontece é que ele não sente isso.

Já os planetas têm efeitos que nós sentimos. Se alguém tem Sol em Leão, ele tem certas
inclinações de que está consciente: “Eu quero assim, sinto assim.” Enquanto as
inclinações dos outros dependerão de onde os planetas estejam posicionados. O sujeito
que tem Sol em Leão percebe suas inclinações como um fato objetivo. As estrelas fixas
são mais um molde externo da nossa existência do que da nossa psicologia. Elas têm
124

muito mais importância na astrologia preditiva do que na astrologia psicológica. Notem


que os efeitos que os planetas têm sobre as pessoas não são maiores, são apenas mais
perceptíveis para elas mesmas. As estrelas fixas em conjunção entre elas, ou em
conjunção com os planetas, têm um efeito imenso, mas é constante; e a pessoa não sente
esse efeito como algo que aparece para a consciência dela.

Aluno: E esses efeitos são os mesmos para uma enorme faixa da população; há gerações
que estão submetidas às mesmas influências.

Gugu: Exatamente. Em primeiro lugar, porque elas permanecem muito tempo no mesmo
lugar, então esses efeitos ocorrem para muita gente; segundo, porque esses efeitos são de
alguma forma permanentes na vida das pessoas. Se alguém perde o emprego, briga com a
namorada, está com contas para pagar, mas dizemos que ele tem Spica no Ascendente e,
portanto, é um sortudo, então ele dirá: “Não, sou um desgraçado como todo mundo. Que
história é essa que eu tenho sorte?” Ora, não é que nada de ruim possa acontecer com ele,
e sim que aparecem melhores oportunidades para ele do que para alguém que esteja ao seu
lado. Já se o sujeito tem (inaudível) na mesma posição de Saturno e Júpiter, essa será uma
experiência marcante na vida do sujeito. É claro, a pessoa não saberá que essas
experiências indicam que Saturno está em tal ou qual casa; ela não estudou astrologia para
dar o nome astrológico dessas experiências. Porém, ela sentirá esses efeitos. Se
começarmos a descrever para ela o seu mapa, depois de um tempo (inaudível) do que
aconteceu na vida dele.

Tales: Quais são as principais estrelas fixas boas e más?

Gugu: Bom, há somente uma que é sempre boa e somente uma que é sempre má. Spica
(na constelação de Virgo) é sempre boa; Caput Algol (na constelação de Andrômeda) é
sempre má – o seu nome em latim significa “pilhas de cadáveres”, e em árabe significa
“cabeça do diabo”; se olharmos os eclipses que antecedem toda e qualquer catástrofe, há
sempre um aspecto importante com ela.

As quatro principais além dessas duas são Aldebaran (na constelação de Touro), Regulus
(na constelação de Leão), Antares (na constelação de Escorpião) e Fomalhaut (no sul da
constelação de Peixes e ao lado da constelação de Aquário). Essas quatro estrelas são, em
princípio, benéficas; mas às vezes podem ser maléficas. Delas, podemos dizer que
Aldebaran e Regulus tendem mais a serem benéficas do que Antares e Fomalhaut; porém,
dependendo das circunstâncias e da posição que estão no mapa, todas elas podem ser
benéficas.
125

Aluno: Há algum meio para se neutralizar o efeito de uma estrela fixa maléfica como
Caput Algol? Por exemplo, se um país foi fundado sob uma estrela fixa maléfica como
Caput Algol.

Gugu: Se um país foi fundado sob Caput Algol, ele está ferrado, não tem saída! Uma
pessoa pode rezar muito e tentar evitar essa área, mas o país está ferrado! Eu imagino que
se algum país foi fundado sob Caput Algol, ele deve ter tido o mesmo destino da
República de Weimar, ou seja, durou quinze anos e acabou.

Aluno: O que significa o retorno de Saturno?

Gugu: O primeiro retorno de Saturno é a primeira na vida de um sujeito em que ele se dá


conta de que possa haver males dos quais pode nunca escapar. É a primeira vez na vida do
sujeito que ele pára e se pergunta: “Durante trinta anos da minha vida estive procurando
algo, mas onde cheguei? Será que minha vida tem sentido?” Em última análise, o que
começa a reaparecer na mente dele é: “Existe algum bem na existência?” O sujeito
começa a reavaliar a vida dele, mas a força motriz de fundo é essa questão da existência; e
isso pode ser sentido até depois de um ano da conjunção de Saturno – às vezes pode-se
começar a sentir na hora, às vezes um ano depois.

Mais para adiante, iremos explicar exatamente como os trânsitos funcionam. Na prática
atual, analisam o trânsito da seguinte forma: “Ah, retorno em Saturno significa isso.”
Tudo bem, mas quando o sujeito sentirá esse retorno? Isso depende de outra coisa, que são
os períodos planetários, e isso só explicaremos mais adiante quando entrarmos mesmo na
interpretação. Porém, já adiantando um pouco, a teoria é a seguinte. Cada planeta rege um
certo período de tempo. Por exemplo, o Sol tem um período de dezenove anos. Se o
sujeito tem ascendente em Leão, o regente dele será o Sol; isso quer dizer que o primeiro
período de dezenove anos da vida dele é regido pelo Sol, e se quisermos saber o que
acontece com o sujeito nos primeiros dezenove meses, devemos analisar os trânsitos do
Sol. Passando dezenove meses, o Sol entregará a regência para Mercúrio, que é o regente
de Virgo (signo que vem depois de Leão); e durante vinte meses (se não me engano o
período de Mercúrio é de vinte anos ou vinte meses ), para saber o que acontece na vida
do indivíduo, devemos olhar o trânsito do Sol em Mercúrio.

Então, se desejamos saber algo do retorno de Saturno, devemos olhar qual o período
astrológico que a pessoa está passando, pois esse período pode ser extremamente
favorável. Supondo um período em que Marte entrega para Júpiter, que é um período de
crescimento e expansão na vida, mesmo o retorno de Saturno sendo um aspecto
desfavorável ou desagradável, o período pelo qual a pessoa está passando é bom. As
interpretações dos trânsitos dependem muito dos períodos. Se buscarmos os fatos mais
126

marcantes na vida de alguém, eles não coincidem com o trânsito, eles coincidem com o
final ou o começo do período. Basicamente, o trânsito tem um significado em abstrato,
porém não indica nenhum acontecimento no mapa natal. Temos que olhar o período
astrológico que o sujeito está passando, saber analisar a qualidade desse período, que aí
conseguiremos enxergar a relação entre os planetas que regem o período com o retorno de
Saturno. Por exemplo, se Saturno estiver entre os graus “x” e “y” uns meses antes do final
do período e depois no começo do outro período, isso indica uma certa ordem de
acontecimentos que se relaciona principalmente com o fim de um período e o começo de
outro, e não somente com o retorno de Saturno isoladamente. O trânsito entra na vida das
pessoas por meio dos períodos astrológicos.

Aluno: O que é Scion e Antiscion, e qual a importância disso no mapa?

Gugu: Scion significa broto, aquilo que nasce da terra. Antiscion é a palavra grega para
sombra. Ou seja, o broto cresce para cima e a sombra dele cresce para baixo. Então, o
Antiscion do planeta é a sua sombra. Qual o significado dele? No mapa natal não tem
muito significado, mas ele tem bastante importância na astrologia horária. Às vezes
fazemos uma pergunta horária qualquer: “Vou conseguir um emprego ou não?” Aí vemos
que o regente da casa X e o regente da casa I não se encontram e estão em signos
disjuntos, mas eles têm uma conjunção com Antiscion. Isso quer dizer que a pessoa
conseguirá o emprego, porém da maneira que a pessoa que perguntou espera. Por
exemplo, o entrevistador estará de saco cheio de fazer entrevistas e a escolherá de uma
vez, ao invés de escolhê-la pelos seus méritos. Antiscion indica que algo irá acontecer, só
que não do modo normal que se espera que esse algo aconteça. O sujeito que contrata
pedirá suborno para contratar o sujeito, e este o dará. Agora, há também o Contra-
Antiscion, e uma conjunção com ele significa o contrário, é como se aqueles dois planetas
estivessem opostos, ou seja, é como se fosse uma oposição do Antiscion. Geralmente, no
mapa horário, é um indicativo de problema ou conflito. Vejam, não é que eles não tenham
nenhuma importância no mapa natal, eles só não têm tanta importância assim. Eles são
como um eco dos planetas no mapa natal, e em algumas circunstâncias podem vir a ser
importantes, mas normalmente não.

Podemos falar mais um pouco sobre os períodos agora.

O período da Lua é de (25) vinte e cinco anos, (25) vinte e cinco meses, (25) vinte e cinco
dias, (25) vinte e cinco horas e assim por diante. Esses anos são anos de (360) trezentos e
sessenta dias e meses de (30) dias; não são anos nem tropicais nem siderais. Um período
da Lua é, então, trezentos e sessenta vezes vinte e cinco (360x25). Se o sujeito tem
ascendente em Câncer, terá os primeiros vinte e cinco anos regidos pela Lua – notem que
não serão exatamente os vinte e cinco anos de um calendário, mas um pouco menos. O
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período do Sol é de (19) dezenove anos, (19) dezenove meses, (19) dezenove dias, (19)
dezenove horas e etc. Mais uma vez, esses anos têm (360) trezentos e sessentas dias e
meses de (30) dias. O período de Mercúrio é de (20) vinte anos, (20) vinte meses, (20)
vinte dias, (20) vinte horas e etc. O período de Vênus é de (8) oito anos, (8) oito meses,
(8) oito dias, (8) oito horas e etc. Tudo o que é bom dura pouco. Vênus e Júpiter têm os
períodos mais curtos. O período de Marte é de (15) quinze anos, (15) quinze meses, (15)
quinze dias, (15) quinze horas e etc. O período de Júpiter é de (12) doze anos, (12) doze
meses, (12) doze dias, (12) doze horas e etc. O período de Saturno é de (30) trinta anos,
(30) trinta meses, (30) trinta dias, (30) trinta horas e etc.

Na hora de calcular os períodos devemos multiplicar os anos por trezentos e sessenta e


dividi-los por trezentos e sessenta e cinco [(360 x anos) / (365) = período de tempo em
anos do calendário regido pelo planeta], de modo que equalizemos os dias do ano que são
descontados ao considerarmos o ano como tendo apenas trezentos e sessenta dias.

Esses períodos de ano são subdivididos em períodos de meses. Vamos supor que os
primeiros vinte e cinco anos de um sujeito sejam regidos pela Lua. Desses vinte e cinco
anos, os primeiros vinte e cinco meses e trinta dias a Lua entrega o regente para ela
mesma. Passados mais vinte e cinco meses, ele entrega o regente para o Sol, que é o
regente de Leão (signo que vem logo após Câncer); esse então será um período com
alguma dificuldade; a Lua é toda macia e mole, e o Sol é quente e pesado. O significado
dos períodos, de um modo geral, corresponde à relação natural entre os dois planetas – o
regente do período e o regente do trânsito. Passados dezenove meses, pois este é o trânsito
do Sol, a Lua entre o regente para Mercúrio. E assim vai.

Ao fazer a interpretação de um mapa natal e ver como é a vida de alguém, a primeira


coisa que devemos fazer é um quadro dos períodos astrológicos da vida dele. Somente
após isso é que olhamos os trânsitos em cada um desses períodos. Por exemplo, se temos
um período de alguém com Ascendente em Touro ou Libra, o regente será Vênus;
portanto, a primeira vez que o sujeito teve consciência de que a vida dele tinha um rumo
foi por volta dos seus oito anos de idade; ele percebeu alguma coisa na vida que antes não
havia percebido. Se o ascendente era Leão, ele teve essa intuição aos dezenove anos. Se o
Ascendente era Câncer, aos vinte anos.

Aluno: Eu tenho um bom exemplo. Meu Ascendente é em Escorpião e aos quinze anos
comecei a trabalhar; e era o que eu queria, era uma coisa muito forte.

Gugu: É o sujeito que toma consciência de si mesmo de maneira clara. Ele tem o senso de
que a vida dele adquiriu um novo rumo que ele esperava, mas que não havia previsto
antes. Se olharmos os períodos da casa X, vemos que são períodos de responsabilidade;
128

são modos de consciência da responsabilidade dele sobre a vida, e assim por diante.
Então, os trânsitos que acontecem nesses períodos serão classificados por estes. Por
exemplo, o sujeito tinha o trânsito de Saturno na casa X: isso significa que ele trabalhará
como um camelo; não é que ele trabalhou mais quantitativamente, mas ele sentirá que
realizou um esforço tremendo para realizar aquela mudança significada pelo período. Para
ilustrar isso, a astrologia chinesa só leva em conta os períodos. “Que trânsito que nada!
Existem planetas em trânsito? Que nada, só existem os períodos!” O negócio dos chineses
é só a conta matemática dos períodos. E funciona! Hoje em dia, fora esses períodos, eles
possuem vários outros, e eles só interpretam os trânsitos com base no período. Não é que
nada aconteça no trânsito, é que pode não acontecer nada marcante. Às vezes acontecem
coisas na nossa vida que só nos damos conta muitos anos depois.

Aluno: Esses períodos vão se repetindo ao longo da vida?

Gugu: Dificilmente um período se repetirá, pois se olharmos toda uma seqüência de


períodos, antes de chegarmos novamente no mesmo signo que é regido pelo mesmo
planeta, já terá se passado cento e tantos anos. Explicando mais detalhadamente, os
períodos seguem a seqüência dos signos, e não a seqüência dos planetas. Se temos um
Ascendente em Escorpião, por exemplo, o primeiro período marcante será de quinze anos,
pois Escorpião é regido por Marte. O próximo signo depois de Escorpião é Sagitário, que
é regido por Júpiter; então, esse período terá doze anos. Depois de Sagitário, temos
Capricórnio, que é regido por Saturno, cujo período é de trinta anos. Após Capricórnio
temos Aquário, que também é regido por Saturno; então são mais trinta anos. Deu para
perceber? Aí já temos a duração de toda uma vida.

Percebam que, os grandes períodos regidos por planetas maléficos, não são
necessariamente períodos maléficos. Nesses trinta anos, Saturno estará entregando sua
autoridade nos períodos menores. Se essa entrega possuir uma significação benéfica,
então isso será bom. Digamos que temos um período de trinta anos, e nos primeiros trinta
meses Saturno entrega sua autoridade a si mesmo; então esse será um período pesado e de
responsabilidades. Depois ele entrega a autoridade para Júpiter. Isso quer dizer que antes
havia um chefe sério e tirânico que passou sua autoridade para um chefe mais bonachão.
Então, o período que Saturno entrega a autoridade para Júpiter é um período
extremamente benéfico. Evidentemente que jamais encontraremos um período que seja
mais benéfico que Júpiter entregando a sua autoridade para Vênus ou Vênus entregando a
sua autoridade para Júpiter. Porém, se a pessoa tem um período de Saturno, isso quer dizer
que ele necessariamente sofrerá por trinta anos? Não! Um período maior de Saturno
entregando para Júpiter, como dissemos, é muito benéfico; e com certeza é um período
melhor do que aquele em que Júpiter entrega sua autoridade para Saturno. Imaginem isso
como se fossem duas pessoas diferentes, e uma está passando a autoridade para a outra.
129

Para quem é entregue a autoridade, conta mais do que aquele que a entrega. É claro que
uma colateralidade entre os dois planetas será mais favorável. Por exemplo, é difícil
pensarmos em um período pior do que Marte entregando a autoridade para Saturno, mas,
nesse período, no mapa do sujeito, Marte e Saturno estão bem colocados? Digamos que
Saturno estava em Aquário e Marte em Escorpião, ou seja, eles estavam bem
posicionados. Então, o sujeito irá até mesmo dizer que aquele foi um período produtivo na
vida dele; apesar de ter despendido muito esforço, ele teve bastantes resultados. Ele não
dirá que foi um período fácil, obviamente, mas ainda assim que foi um período produtivo.
Os períodos mais difíceis e complicados acontecem quando um planeta benéfico entrega
para um planeta maléfico, e esse maléfico está ou em queda ou em exílio na casa XII
natal; esse certamente será o período de maior dificuldade para o sujeito. Não importará,
nesse caso, nem mesmo que Júpiter esteja em retorno, pois essa pessoa nem sentirá esses
efeitos; Júpiter estará voltando para a casa dele e nem olhará para ela [a pessoa].

É claro que também podemos olhar períodos menores ainda. Se pegarmos um período de
dezenove meses, podemos olhar os primeiros dezenove dias. Mas, evidentemente, na
medida em que diminuímos a escala de tempo do período, também diminuímos a
significação dele na vida do sujeito como um todo. Um período que seja de poucos dias é
logo esquecido, pois é logo substituído por um período contrário também de poucos dias.
Porém, se dividirmos os períodos em horas, podemos chegar até a avaliar a variação de
humor de alguém.

Em termos de astrologia psicológica, no retorno de Saturno o sujeito irá reavaliar a vida


dele: “Qual o sentido da minha vida? Será que ela tem sentido? Qual o sentido do meu
trabalho? Poxa, por que eu não me casei?” Esse tipo de coisa começará a surgir na mente
dele. Ora, mas esse período será de fato favorável para o sujeito ou não? Em termos
preditivos, o trânsito não revelará nada; o que revelará serão os períodos. Podemos ter
alguém que teve um período de Saturno, mas que diz que só aconteceram coisas boas na
vida dele. Vejam, nossa existência é composta daquilo que fazemos e daquilo que nos
acontece. O que fazemos nos qualifica mais do que aquilo que nos acontece, mas essas
duas coisas determinam o que de fato somos. Os trânsitos têm muita valia para indicar o
que estamos pensando, sentindo e desejando, mas se queremos dizer o que acontecerá
com o sujeito, só ele [o trânsito] não basta. Só que, se fizermos a experiência de traçar
uma linha temporal dos períodos e observarmos quando eles batem com a nossa vida,
veremos que, geralmente, um pouco antes ou um pouco depois dos seus finais, as coisas
que realmente nos marcaram a memória foram as que aconteceram nessas épocas.

Em certo sentido, a conversa sobre os trânsitos é mais um jargão astrológico do que os


períodos. Se queremos mostrar para alguém que sabemos mesmo astrologia, falamos:
“Não, veja bem, você teve o retorno de Júpiter que simboliza isso, isso e isso.” Se a
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pessoa for astróloga, ela saberá do que estamos falando e pensará: “Eu sei do que você
está falando, e realmente senti tudo isso que você descreveu.” Se ela não for astróloga,
não entenderá nada e dirá: “Cara, não entendi nada do que você disse e nada disso
aconteceu na minha vida.” Porém, se pegarmos os períodos e começarmos a descrevê-los
sem usar termos técnicos, a pessoa entenderá: “Ah, mais ou menos nessa época da sua
vida, aconteceu isso, isso e isso.” Ela dirá: “Nossa, isso aconteceu mesmo, você é um
vidente!” Se queremos impressionar alguém, então falamos do que aconteceu nos
períodos da vida de alguém. Já se queremos explicar a psicologia interna dele diante dos
fenômenos, então os trânsitos valem bastante coisa; só que isso é muito difícil de explicar
em termos não astrológicos.

Mais tarde pegaremos o mapa de alguma celebridade que conheçamos bem os dados
autobiográficos para fazer um paralelo entre isso e os períodos astrológicos da vida dela;
veremos que os acontecimentos que marcaram a vida dela correspondem com os períodos.
Faremos isso ou a lista das combinações entre temperamento e mentalidade. Mais uma
vez, o temperamento e a mentalidade descrevem como a pessoa é fundamentalmente; e os
períodos não servem para fazer esse tipo de descrição, mas para descrever como a vida da
pessoa é, o que aconteceu na vida dela. Numa descrição psicológica, as coisas que
dizemos nem sempre são auto-evidentes para a pessoa. “Ah, eu tenho Saturno na casa X.
Como é Saturno nessa casa?” Se explicarmos como é a psicologia de alguém com Saturno
na casa X, não necessariamente ela verá aquelas características em si mesma. Por outro
lado, se descrevemos o que aconteceu, então ela terá essa percepção mais imediata, pois
ela sabe o que aconteceu com ela mesma.

Transcrição: Danilo Roberto Fernandes


Revisão: Danilo Roberto Fernandes
131

Instituto Cultural Lux et Sapientia


Curso de Astrologia e Cosmologia Medieval

Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 05

Tópicos da aula:

O cálculo do temperamento e da mentalidade são avaliações prévias ao estudo de um


mapa natal. As camadas mineral, vegetal, animal e o homem. A linguagem e a capacidade
de abstração, de separar as idéias das circunstâncias concretas. As percepções do ser
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humano. O homem como um ser capaz de dirigir sua própria biografia. A ciência moral é
a ciência de examinar o sentido da vida, qual o melhor rumo que a vida pode tomar e
quais são os melhores meios a se aplicar para se obter este resultado. Em termos de
felicidade, de que modo a motivação primária de um determinado indivíduo se diferencia
da motivação primária do ser humano em geral? Comentários sobre a busca da felicidade.
Biografias humanas como modelos de vida. O problema da vocação. O que
fundamentalmente causa felicidade no ser humano é ele conscientemente encontrar
satisfação em realizar algo que ele planeja, e este algo estar de acordo com a forma da
espécie. A tendência à baixeza e à vulgaridade é um elemento componente da sociopatia
brasileira. Dentre as inúmeras possibilidades de bom ser humano que existem, quais são
aquelas que possibilitam para mim a realização de uma vida feliz? Como o sujeito faz
para diagnosticar a motivação primária dele na existência e os principais obstáculos à
realização desta motivação? Em termos astrológicos, como olhar o mapa de alguém e
dizer qual é a motivação primária do sujeito? Impulsos fundamentais de cada signo.
Exemplos de análise astrológica da motivação primária dos alunos. Impulsos fundamentas
de cada planeta com exemplos de profissões. Porque o simbolismo dos signos torna mais
clara uma noção geral da motivação primária de um sujeito? Numa coleção de
significados existe um eixo simbólico de significados; esses eixos não têm um nome
particular. A linguagem humana é feita para significar qüididades. A posição da Igreja
Católica perante a astrologia. Comentários sobre Igreja e moralidade.

Transcrição da aula:

Gugu: Nas últimas aulas, demos uma introdução sobre o cálculo do temperamento e da
mentalidade. Essas são avaliações prévias ao estudo de um mapa natal. Se queremos saber
como uma pessoa é, primeiro devemos olhar do que ela é “feita”. O temperamento e a
mentalidade são como materiais disponíveis; eles não informam muito sobre a biografia
da pessoa, sobre o que aconteceu na vida dela, mas informam qual o material original que
ela tinha para reagir diante das circunstâncias. Porém, uma vida não é uma série de
reações mecânicas a estímulos externos, como, por exemplo, o movimento de uma pedra,
que é uma reação à seqüência de estímulos externos. Uma vida implica não somente as
reações do sujeito, como também em ações que possuem um princípio interno. Isso quer
dizer que um ser vivo tem uma diretriz interna de comportamento. Por exemplo, um
vegetal tem como diretriz a reprodução; toda atividade dele visa à reprodução, e os
acidentes externos são apenas instrumentos favoráveis ou desfavoráveis a esse projeto
interno do próprio vegetal. O vegetal está ordenado à reprodução independentemente de
ter um meio adequado para isso ou não – o meio só permitirá ou não que ele se reproduza,
mas a inclinação à reprodução é do próprio vegetal. No animal a coisa se dá do mesmo
modo, pois que este é inclinado ao prazer. O desejo do animal de alcançar o prazer é
133

próprio dele, e não do ambiente no qual ele foi criado; e isso determinar a vida dele tanto
quanto o meio em torno.

Um exemplo simples do esquema de um ser que não vivo é a bola de bilhar. Todos os
movimentos e mudanças que ocorrem a ela (para onde vai, onde pára, etc.) são devidas a
influências externas. A bola não determina nada disso, ela não tem um impulso interno
para se mover de uma maneira ou de outra, ou um impulso para se mover ou deixar de se
mover nessa ou naquela situação. É o meio que a impulsiona numa direção, com uma
certa força, numa certa velocidade e assim por diante. Um ser vivo não é assim. Se
observarmos as pessoas ou os cachorros em torno, quando ficamos horas fora de casa e
retornamos após essa ausência, eles estão em um estado diferente que é resultado de um
impulso interno deles. Não desligamos a cabeça deles quando saímos para religá-la
quando voltamos. Ambos possuem um impulso interno que é próprio deles.

Podemos analisar esse impulso interno sob dois pontos de vista. O primeiro é o ponto de
vista da espécie: que espécie de coisa é essa? É um cachorro? É um ser humano? É uma
minhoca? É uma macieira? Dependendo da espécie do objeto, ele terá um tipo específico
de impulsos. Podemos designar isso como motivo ou motivação - se tirarmos desses
termos o aspecto psicológico e dizer que eles são o simples impulso ou inclinação para
operar. Então, um vegetal tem uma inclinação para operar no sentido da reprodução, para
operar todas as operações necessárias para que ele se reproduza. E mesmo que ele não
tenha isso como motivação psicológica, ele a tem como motivação existencial. Isso é o
que ele fará se houver a oportunidade. Também podemos analisar as capacidades
operacionais do ser humano e dizer que ele possui um impulso específico. Ele é capaz de
reprodução, como os vegetais; ele é capaz de prazer e desprazer, como os animais; e ele é
capaz de entender o ambiente e os objetos em torno. Cada uma dessas operações entrará
no conjunto de motivações fundamentais do ser humano. De uma maneira geral, podemos
dizer que a motivação fundamental em qualquer ente corresponde à mais ampla de suas
possibilidades, ou à realização daquilo que ele é mais capaz.

Assim, a diferença fundamental entre o vegetal e o mineral, é que o vegetal é capaz de


assimilar matéria de outros vegetais ou de outros minerais e transformá-la em um
componente de seu próprio ser (ele é capaz de digerir o alimento, tornando-o assim parte
de si, logo, tornando-o vegetal); assim como ele também é capaz de transformar esses
materiais em outros vegetais, por meio da reprodução. Basicamente, a grande diferença
entre um mineral e um vegetal é a capacidade de pegar algo de outros seres e transformá-
lo num componente de seu próprio ser. Ontologicamente, isso é superior à mera reação
química ou física passiva entre os seres em torno. Se pegarmos uma pedra, ou uma pepita
de ouro, ou uma porção de água, ela é capaz apenas de interagir, de maneira passiva,
fisicamente ou quimicamente com os objetos em torno; ela não é capaz de assimilar, por si
134

mesma, outros elementos. Por exemplo, se pegarmos uma porção de água, por maior que
ela seja, ela não é capaz de transformar, ativamente, nada em água para aumentar o seu o
seu próprio volume. E o mesmo vale para qualquer mineral. Num certo sentido, as
capacidades mineiras são disposições receptivas, disposições passivas. Já a capacidade do
vegetal é assimilar outro ser e, ativamente, transformá-lo em si mesmo.

No entanto, o vegetal só é capaz de assimilar a matéria dos outros seres e transformá-la


em ser próprio, enquanto o animal é capaz de assimilar algo da forma dos seres e
transformá-la em ser próprio. Por exemplo, possuímos a visão, e com ela captamos as
cores dos objetos em torno. Essas cores pertencem aos objetos, mas no momento em que
as captamos, elas passam a existir em nós como um fato psicológico, como uma parte de
nosso ser. O fato psicológico se torna parte do nosso ser, pois só existe em nossa mente.
Assimilamos algo das qualidades dos objetos em torno, assimilamos um elemento formal.
Notem que não tiramos do objeto percebido a sua matéria; no caso das cores, não tiramos
o pigmento que faz a cor, apenas assimilamos a qualidade, o elemento formal. Todos
estão familiarizados com as idéias de forma e matéria de Aristóteles? É evidente que o
animal está, então, em uma esfera ontológica superior à do vegetal, porque além de ser
capaz de realizar as mesmas coisas que o vegetal realiza, também é capaz de captar os
acidentes formais dos seres e assimilá-los no seu próprio ser. O ser humano ainda vai um
estágio acima disso; dá um passo mais alto; está numa esfera ainda maior. Além de captar
as formalidades acidentais dos outros seres, ele também é capaz de captar a qüididade
deles, ele é capaz de entendê-los. Esse é um ponto muito importante.

Todos conseguem delinear bem a diferença entre perceber com os sentidos e perceber
com a inteligência? Conseguem perceber a diferença entre entender e ver, ouvir, cheirar e
assim por diante? Um exemplo clássico: uma cabra, quando olha uma montanha, percebe
nela com imensa clareza o seu potencial de escalabilidade. A cabra sabe disso com uma
precisão muito maior do que nós, apenas percebendo a montanha visualmente - ela sabe
onde pode se apoiar, que lugares agüentam o peso dela e etc. Portanto, a cabra é
espontaneamente mais capaz de escalar a montanha do que nós. Porém, ela não é capaz de
separar na mente dela a escalabilidade que existe nesta montanha (que oferece as
possibilidades “a”, “b” e “c” de escalabilidade e que ela está percebendo visualmente) do
fato concreto percebido; ela não é capaz de separar todas as possibilidades que ela percebe
visualmente naquela montanha do fato concreto percebido. A cabra não é capaz de reduzir
a escalabilidade desta montanha a um esquema mental separado do fato concreto “esta
montanha”. E é por isso que ela é incapaz de criar ou inventar instrumentos de escalada
para tornar escalável aquilo que não é. A cabra possui uma capacidade de escalar
naturalmente superior à nossa, mas nós possuímos uma capacidade técnica de escalar
superior à dela, pois inventamos todos os equipamentos de alpinismo, a escada, o
elevador, a corda, ou seja, tudo o que uma cabra não é capaz de inventar. Para poder
135

inventar instrumentos de escalabilidade, o ser humano teve que separar, na mente dele, as
condições gerais de escalabilidade do fato concreto da escalabilidade de um objeto da
percepção visual em particular.

Outro exemplo: inúmeras espécies de animais são capazes de sinalizar estados de


percepção presentes; o macaco é capaz de sinalizar para outro macaco, ou por gestos ou
pela expressão corporal ou até mesmo pela voz, que há um leão ou uma cobra por perto; e
mais, é capaz ainda de dar um sinal diferente para indicar o leão e outro sinal para indicar
a cobra, de maneira que o outro macaco consiga saber qual é o perigo que está iminente.
Porém, o macaco não é capaz de dar esse sinal quando não está vendo o leão ou a cobra;
ele não é capaz de referenciar o leão ou a cobra sem indicar a presença concreta destes;
ele não é capaz de conversar com outro macaco sobre os leões ou sobre as cobras
enquanto não há um leão ou uma cobra presente. O conjunto de sinais que compõe uma
linguagem animal não pode ser considerada idêntica à linguagem humana, porque esse
conjunto só é capaz de referenciar estados concretos de percepção. O macaco pode até
lembrar do leão ou da cobra na ausência deles, mas não pode indicar para outro macaco
uma idéia de leão ou de cobra que só está na imaginação dele, que ele está pensando no
momento mas que não se encontra fisicamente presente à sua percepção visual. As
diversas espécies de animais possuem diferentes técnicas para lidarem com o meio em que
vivem. Os macacos possuem uma técnica para escalar árvores e as cabras para escalar
montanhas, os pássaros possuem uma técnica para construir ninhos, os predadores
possuem uma técnica para caçar e as presas uma técnica para fugir, etc. O sucesso
consistente na realização dessas atividades, pelos animais, indica que a técnica utilizada é
algo permanente; ou seja, indica que o animal está analisando o meio e se valendo de
certas regras para agir nele. No entanto, nenhuma espécie de animal é capaz de separar
esta técnica da circunstância concreta em que ela tem de ser aplicada. Resumindo: o
animal não é capaz de analisar esses atos de maneira abstrata – abstrato significa separado
-, separado da circunstância concreta. Essa é uma capacidade distintiva do ser humano.

A grande diferença do ser humano e de todos os outros animais é simples: o homem é


capaz de considerar as coisas fora das circunstâncias concretas que elas aparecem. Agora
mesmo estou falando de macacos, leões, cabras e montanhas, e ninguém está pensando
que estou indicando coisas presentes na sala de aula em que vocês estão ou na sala em que
eu estou. Todos sabem que estou falando de maneira geral, e não de nenhum macaco em
particular, de nenhum leão em particular ou de nenhuma montanha em particular. Isso é
simplesmente impossível para qualquer espécie animal conhecida, a não ser o homem.
Isso é muito importante, pois não é uma diferença de grau ou intensidade, é uma diferença
de espécie. Por exemplo, entre as diversas espécies de animais dotadas de visão, podemos
estabelecer uma escala que vai do animal que enxerga mais longe, melhor e com mais
detalhes, até o animal que enxerga pior. Essa é uma escala gradativa e contínua, não há
136

um salto real entre uma operação visual e a outra. Da operação visual do ser que possui a
visão mais simples até a operação visual do ser que possui a visão mais sofisticada não há
uma diferença qualitativa, ainda se trata da visão. Então, não é que homem é mais capaz
do que os animais nas operações destes, pelo contrário, a experiência nos mostra que
existem muitas espécies animais que nos superam na sua atividade própria. Existem
animais que têm a visão melhor do que a nossa, animais que têm pernas melhores do que
as nossas, animais que têm uma audição melhor do que a nossa, animais que têm a
digestão melhor que a nossa e assim por diante. Porém, nenhum animal é capaz de
referenciar suas habilidades fora do contexto da sua aplicação concreta. Essa é uma
diferença muito importante, pois ela define o panorama vital ou existencial do ser
humano. Como falamos antes, o que define a existência de qualquer ente é o máximo do
que ele é capaz. O máximo que o vegetal é capaz é a reprodução, o máximo do animal é a
satisfação ou prazer, e o máximo do ser humano é compreender toda a existência de um
ente. Isso quer dizer que o animal, a partir do momento em que nasce e mesmo que nunca
tenha pensado no assunto, está procurando classificar, nas suas experiências, o que é mais
prazeroso e o que é menos prazeroso. A vida dele já está ordenada à satisfação antes de
qualquer reflexão.

Aluno: Fazendo um gancho com o que você acabou de falar sobre a escalada da
personalidade, podemos dizer que o sujeito que ainda está na quarta camada vive uma
vida animal, somente fugindo da dor e buscando o prazer?

Gugu: Sim, num certo sentido podemos. Essas são como que camadas pré-humanas. Se a
pessoa vive conscientemente em busca disso, a vida consciente dela será uma vida animal.
No entanto, ela é uma pessoa. A identidade de espécie é anterior à identidade de
consciência. Antes de ganharmos um nome e pensarmos “eu sou fulano”, já somos um ser
humano; antes de perceber qualquer coisa já estávamos existindo nessa espécie. O
impulso fundamental, a motivação fundamental da existência, é dado previamente à
minha consciência. Se alguém está vivendo somente pensando no prazer e na satisfação, é
simples, essa pessoa estará frustrando a própria vida. Isso porque algo em nós, algo em
nossa própria existência, nos move a uma direção maior que isso. Então, não é muito
adequado dizer que a pessoa está vivendo uma vida animal. Seria mais correto dizer que
ela está vivendo uma vida sub-humana ou infra-humana. A partir do momento em que o
animal se dá conta que a sua existência se resume em escapar da dor e buscar o prazer,
então ele está vivendo plenamente. No caso de um ser humano, se ele vive somente em
função da dor e do prazer, ele não esta vivendo plenamente, então não é exatamente
comparável a um animal.

Tales: A própria capacidade do ser humano de julgamento do que é certo e o que errado
viria dessa capacidade de percepção abstrata?
137

Gugu: Sim, o julgamento do que é certo ou errado é a primeira aplicação concreta dessa
capacidade de percepção abstrata. No momento em que experimentamos prazer ou
desprazer na infância, já começamos a separar prazer e desprazer da circunstância
concreta em que o prazer e o desprazer são experimentados, e então vamos chegando ao
conceito de bem e mal. Por isso, todo julgamento de bem e mal para com animais é
descabido. O animal não faz nada que é imoral, ele é simplesmente bem-sucedido ou mal-
sucedido, mas nunca moral ou imoral.

Vejam, não somente somos capazes, nas experiências de prazer e desprazer, de extrair
delas as noções de bem e mal, como do simples fato de estarmos realizando operações
vitais (ou seja, vendo, sentindo, ouvindo, cheirando etc.) somo capazes de perceber a
existência da nossa própria vida. E a nossa vida é um conjunto que ainda não conhecemos.
No momento mesmo em que o ser humano começa a experimentar a vida, ele não sabe o
que acontecerá amanhã, semana que vem, mês que vem, ano que vem, na década que vem
e muito menos o que acontecerá quando ele morrer. Porém, o ser humano é plenamente
capaz de conceber que ele tem uma vida que se estenderá durante algum tempo. O animal
vai de uma operação que gera satisfação à outra. E como ele não é capaz de separar a idéia
de vida de cada uma das operações vitais que foi realizando, ele não sente a necessidade
ou impulso de planejar a sua própria biografia. Enquanto em nós, a necessidade de
antecipar a vida como um todo vai aumentando a cada ano, até que chega uma certa idade
em que definimos que uma pessoa é adulta.

O que queremos dizer quando definimos alguém como uma pessoa adulta? Significa dizer
que a pessoa é mais ou menos capaz de antecipar que ela possui uma existência que vai do
nascimento à morte, e que ela é quem tem que planejar e guiar a própria vida até a morte.
Alguns anos antes disso (isto é, a passagem para a vida adulta), surge em nós o desejo de
guiar. Lá por volta dos 15 anos de idade já queremos guiar e planejar nossas próprias
vidas. A idéia de alguém de fora guiá-la por nós, começa a parecer cada vez mais
intolerável. Isso quer dizer que o ser humano possui uma motivação fundamental que é
orientar a sua vida de acordo com um rumo pré-estabelecido. Essa é uma motivação
fundamental do ser humano. Queremos chegar em algum lugar com a nossa vida. Só que,
antes de chegar nesse lugar, temos um desejo de saber onde chegaremos. E queremos
chegar nesse lugar por conta própria. Essa sensação surge em nós durante a adolescência;
é a partir dela que começamos a desejar um rumo para nossa própria vida.

Mas se alguém nos pergunta – não só na adolescência, como também anos após ela – qual
é esse rumo, onde queremos chegar com a existência, a resposta não estará clara para nós.
Isso é algo que vamos tateando e montando a partir de certas experiências. Por exemplo,
se em algum momento não temos dinheiro para comprar algo ou pagar uma conta,
138

pensamos: “Ah, ter dinheiro é melhor do que não ter.” Se noutro momento estamos
trabalhando e o chefe nos manda fazer algo idiota, ficamos chateados e pensamos: “É
melhor ser chefe do que ser empregado.” E assim sucessivamente. É uma seqüência de
experiências que vão acrescentando notas à idéia de onde afinal queremos chegar. Vamos
tateando isso no escuro, não nascemos com um manual de instruções. Compomos esse
manual de instruções no decorrer dos anos e no decurso das nossas experiências.

Agora devemos aplicar a capacidade tipicamente humana a esse problema (isto é, “qual o
rumo da vida?”). Como falamos, o ser humano é capaz de separar as idéias das
circunstâncias concretas; então, somos capazes de observar a vida das pessoas e dizer que
umas são felizes e outras infelizes. A partir daí podemos nos perguntar: quais são os
instrumentos pelos quais algumas pessoas realizam a felicidade enquanto outras não
conseguem realizá-la? Ou seja, isso significa que podemos considerar a questão da
existência humana em termos abstratos; não precisamos considerá-la apenas baseados na
série de experiências que nos ensinou o que é melhor e o que é pior. Podemos considerar a
noção da existência humana, a noção da vida humana, e analisá-la desde um ponto de
vista geral. Isso não é difícil de se fazer, como efetivamente foi feito de maneira brilhante
em inúmero tratados de moral. A ciência moral não é senão a ciência de examinar qual o
sentido da vida, qual o melhor rumo que a vida pode tomar e quais são os melhores meios
a serem aplicados para que se alcance esses resultados. Só que, se há algo que a vida nos
ensina, é que as pessoas são muito diferentes das outras; e que um esquema geral, muitas
vezes não é suficiente para explicar por que uma pessoa é feliz e a outra infeliz. Não são
exatamente as mesmas circunstâncias que conduzem duas pessoas diferentes à mesma
felicidade.

Então, um terceiro componente que devemos estudar num mapa astrológico, antes de
avaliar a vida de uma pessoa, é o modo que a motivação primária dela se diferencia da
motivação primária do ser humano em geral. É ponto pacífico que todo ser tem a
inclinação a realizar suas capacidades no curso de sua existência; em todos os seres vivos,
essas capacidades são operações vitais. No caso do ser humano, a principal capacidade é
justamente ter uma visão de conjunto da própria vida, e também a realização do propósito
que ele concebe à ela. O tempo todo ouvimos as pessoas falando: “Você tem que realizar
o seu potencial.” Isso é muito bonito, realmente devemos realizar o nosso potencial. Mas
qual é o potencial de cada um de nós? Do que as pessoas estão falando quando nos dizem
isso? O potencial das pessoas não é sempre o mesmo. Até podemos definir que uma vida
boa consiste na realização consciente, por parte do homem, de um sentido em
conformidade com a espécie humana. Esse é, basicamente, o esquema geral da felicidade
para todos nós: dar-nos conta do que queremos, realizá-lo, e que este algo esteja de acordo
com o esquema da espécie humana.
139

Porém, aquilo que está de acordo com o esquema da espécie pode variar ilimitadamente;
qualquer atividade que é por natureza um bem moral está de acordo com o esquema da
espécie; qualquer coisa que façamos e que não seja imoral, que não seja contrária à
natureza humana, está de acordo com a espécie. Mas a experiência nos mostra que não é
por fazer qualquer coisa que é boa e moral que o sujeito adquire um senso de que está
realizando a sua vida e dando a ela o rumo desejado. Por exemplo, ser cirurgião é uma
coisa muito boa; um cirurgião salva vidas e ajuda as pessoas. Porém, a idéia de ficar
vendo tripas o dia todo pode ser repugnante para algumas pessoas, e dificilmente elas
encontrarão nessa atividade um senso de realização da existência humana. Cuidar de
crianças, educá-las, ensiná-las, fazê-las crescer como bons seres humanos é ótimo,
perfeitamente moral. Mas crianças são muito chatas, porque não podemos conversar de
filosofia com elas. Criar e treinar cachorros para defesa, para vigiar o quintal é muito bom,
mas os cachorros são piores do que as crianças, porque não dá para conversar de
absolutamente nada com eles. Então, há inúmeras atividades que podemos conceber como
compatíveis com a forma humana, e, portanto, como potenciais de felicidade para o ser
humano em geral. Mas cada uma dessas atividades não será necessariamente o que gerará
a felicidade para um indivíduo em particular.

Isso significa que temos, logo no início da vida, um duplo problema. Primeiramente, não
adianta escolher como o caminho da felicidade algo que é contrário à natureza humana,
pois, se existimos em uma sociedade relativamente saudável, alguém irá nos jogar em um
buraco, numa cela ou então dará um tiro em nossa cabeça se tentarmos fazer isso. “Ah, eu
encontro o sentido da minha existência, a máximo satisfação, quando mato as pessoas e
como as tripas delas.” “Ah, é? Então iremos te matar.” Então, o primeiro problema geral é
o sujeito dar para a vida dele um rumo que seja moralmente, ou humanamente,
satisfatório. Um grande problema na existência é o indivíduo se manter no rumo direito.
Só que não basta que o indivíduo se mantenha num rumo direito para que ele viva uma
existência satisfatória. O sujeito que fez tudo certo a vida toda, mas nunca tirou nenhuma
satisfação disso, dificilmente é o exemplo de felicidade e sucesso humano que propomos.
Tirar alguma satisfação consciente do que fazemos faz parte de um projeto de vida
humanamente saudável. Vejam que não estamos falando de achar a profissão adequada
para alguém, não estamos falando de uma questão vocacional. Uma pessoa dificilmente
pode trabalhar em alguma profissão que lhe é insatisfatória ou repugnante e ainda assim
alcançar a máxima felicidade, mas ela pode trabalhar a vida toda em uma profissão que
lhe é indiferente e reservar o grosso da sua atividade para algo fora do trabalho.

Por exemplo, um sujeito pode viver como um monge, e, portanto, trabalhará o dia todo.
Todo monge trabalha o dia todo, todo mosteiro bom distribui 8, 10 e até mesmo 12 horas
de trabalho por dia. Porém, os bons monges sabem que todo esse trabalho é necessário
apenas para a alimentação e a moradia, e que isso não tem nada a ver com a vida deles. A
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vida destes monges centra-se na meditação, na leitura, na oração, e não no trabalho que
ele precisa desempenhar no mosteiro. Não que ele trabalhe menos do que os outros; pelo
contrário, ele trabalha a mesma quantia de horas que os outros monges; mas num
mosteiro, as categorias de trabalho são reduzidas a categorias que tendem a ser neutras do
ponto de vista da satisfação. “Plantamos, colhemos, criamos umas galinhas, tiramos os
ovos delas etc.” Esse tipo de trabalho dificilmente será extremamente repugnante uma vez
que alguém estiver treinado nele, pois a vida da pessoa estará voltada a outra coisa. A
questão da felicidade não está centrada na questão vocacional ou profissional. Basta que o
indivíduo encontre uma profissão que não lhe seja repugnante e que lhe dê os meios de
manter o seu corpo e sua vida do ponto de vista físico, pois assim ele poderá, em outro
momento, em outro período fora do trabalho, realizar aquilo que é realmente da essência
da sua existência.

Isso é importante, pois, hoje em dia, as pessoas confundem essas duas questões. É muito
comum que as pessoas, em questões astrológicas, perguntem qual a melhor carreira para
elas. Mas por que elas querem saber disso? E se elas escolherem o melhor trabalho, mas
não encontrarem felicidade na vida? Outro ponto: o que significa o melhor trabalho? É
aquele que ficamos contentes? Em nenhum trabalho ficaremos contentes sempre! O
melhor trabalho é aquele que dá mais dinheiro? Nem todo mundo fica contente quando
possui um monte dinheiro! O melhor trabalho é aquele em que somos o chefe? Nem todo
mundo fica contente com a posição de chefe! O melhor trabalho é aquele que dá prestígio
e fama? Nem todo mundo fica contente com prestígio e fama! A questão fundamental não
é sobre qual a melhor carreira, profissão ou trabalho. A questão fundamental é sobre o que
podemos produzir na existência cujo resultado, quando olhado por nós, pensamos: “Minha
existência valeu a pena.” Isso pode ser conseguido no trabalho, fora dele, pode ser sentado
sozinho, pode ser com um monte de gente etc. Qualquer atividade decente tem esse
potencial. Há pessoas que podem trabalhar 10 horas por dia em qualquer coisa, e as duas
horas que ela passa com os amigos após isso é a essência da vida delas – interagir com
outros seres humanos é a essência da vida dessas pessoas. Outros sujeitos trabalham 10
horas por dia em alguma outra coisa, e após isso passam duas horas por dia estudando
filosofia - e essas duas horas são o que há de mais importante na vida dele. Ou então pode
ser que ele dedique essas duas horas à reza, à família, ao cachorro.

A felicidade é uma questão de anteciparmos um certo resultado, produzi-lo, e quando


observarmos esse resultado que foi produzido, falarmos: “É isso mesmo! Não há coisa
mais legal do que fazer isso!” Esse resultado pode ser puramente interno, como, por
exemplo, a aquisição de um conhecimento. O conhecimento é um resultado que só existe
dentro de nós, não é algo produzido no mundo, o mundo não aumenta em nada quando
passamos a conhecer alguma coisa. Mas esse resultado também pode ser algo que produza
algo no mundo, como, por exemplo, educar uma criança. Nesse caso, a criança está mais
141

educada, o mundo fora de nós aumentou. Se operamos e curamos um sujeito, então a vida
dele mudou. Se fazemos uma escultura ou pintamos um quadro, também produzimos algo
fora de nós.

Aluno: A maioria desses exemplos são alguma forma de produção. Por exemplo, quando
salvamos alguém, produzimos um resultado para um terceiro; quando educamos uma
criança, produzimos uma melhora num terceiro. Você acha possível que uma atividade
puramente interna - por exemplo, estudar e não compartilhar o que foi aprendido – possa
completar uma pessoa? É possível haver um plano de realização pessoal que seja
profundamente interno?

Gugu: Claro, é evidente! Um eremita procura um plano de vida que é exclusivo dele; o
resultado que ele procura obter da vida só existe dentro dele; e ele ainda faz isso separado
de todo mundo. Quanto mais interior e secreto o plano dele, melhor! Um eremita não tem
facebook.

Aluno: Eu digo isso porque parece que o esquema predominante hoje é que todo mundo
deve gostar de estar feliz, todo mundo deve estar metido em alguma atividade fantástica,
todo mundo deve estar em um trabalho que é a coisa mais gostosa do mundo, todo mundo
deve ter um carrão, um estilo de vida bacana e ainda ostentar isso. Ou seja, em suma, a
vida tem que ser uma declaração. Acho que isso gera uma certa ansiedade nas pessoas,
pois, por mais que elas busquem a felicidade, jamais chegam nela.

Gugu: Hoje em dia, existem basicamente três tipo de plano de vida, isto é, as pessoas
acham que vão achar a satisfação da vida dela em uma dessas três casas. 1) Na Casa X,
que está relacionada ao sucesso profissional, a uma carreira excelente, a ganhar muito
bem, a encontrar um trabalho que se gosta e se é apaixonado, enfim, qualquer modalidade
profissional. 2) Na Casa XI, que é o desejo de ser uma celebridade não importando o que
se faça para isso; se a pessoa ficar famosa está tudo bem, mesmo que ela seja o maníaco
do parque. O facebook, por exemplo, é um instrumento que se alimenta desse desejo que
temos: “Olha só, as pessoas saberão o que estou fazendo e vão admirar, aplaudir ou
cuspir! Não importa, mas elas saberão.” 3) E na Casa XII, que está relacionada ao desejo
de nos doparmos; ficar doidão é o objetivo supremo da existência. Essas são as três
categorias de plano de vida que existem hoje. Por quê? É simples. Houve um tempo em
que a maior parte dos exemplos de existência que tínhamos, vinham de duas fontes: da
nossa interação pessoal (família, amigos e pessoas que conhecemos), e de livros e
biografias. Hoje em dia temos o cinema, a música, a televisão, a internet; e tudo isso nos
bombardeia com informações biográficas, informações sobre vidas humanas. Se
observarmos a maior parte dos meios de comunicação hoje, veremos que eles nos
informam acerca de tipos específicos de pessoas: as que estão no topo das suas carreiras,
142

os políticos, os esportistas, os atores e atrizes, as pessoas que são simplesmente famosas; e


as pessoas que deram profundamente erradas, como os dopados e o os criminosos. Temos
muito mais exemplos de biografias nessas categorias que se encaixam nas Casas X, XI e
XII, do que em outras categorias que fogem disso.

Quais seriam essas outras categorias de biografia? Pegue o seu caderno e faça a lista das
pessoas da sua família que você conhece. Suponha que você colocou quinze pessoas nela.
Agora façamos a lista de amigos, que daria mais uns vinte ou trinta nomes. Depois
façamos uma lista de celebridades que você viu no jornal, na televisão, no rádio etc., e
veremos que só nela há umas duzentas e cinqüenta pessoas! Então, por causa dessa
amostra desproporcional, temos a impressão de que essas três áreas da vida são muito
mais cruciais: “Olha, a maior parte das pessoas são pessoas que tem como característica
uma dessas três dimensões.”

Imaginem o mundo sem televisão e sem internet. Quantas pessoas ricas e milionárias
vocês veriam na vida? Talvez uma. Quantas celebridades vocês veriam na vida? Agora,
com a internet, a televisão e o cinema, quantas pessoas dessas vocês já viram? Vocês
vêem o tempo todo. A lista de nomes de celebridades que podemos oferecer é sempre, no
mínimo, dez vezes maior do que a lista de pessoas com as quais interagimos
concretamente. Antigamente, quando as pessoas se perguntavam sobre as pessoas que
eram felizes, elas as buscariam entre os amigos, entre a família e nas biografias que elas
por acaso houvessem lido – pessoas já mortas, pessoas do passado. E elas procurariam
extrair a idéia de qual o rumo que a vida tem que tomar, do que é felicidade, dessa
amostra. Veja bem, a inteligência funciona independentemente da consciência. Esse é um
fato importantíssimo de se entender no ser humano. Nossa inteligência opera mesmo
quando não estamos pensando num assunto. O tempo todo estamos recebendo amostras de
vidas humanas, e a inteligência já calcula: “Preciso ter uma vida feliz.” Essa é a premissa
número um. E a premissa número dois é: “Essas são as pessoas que existem, e a maior
parte delas se destacam por um desses três fatores. Então, minha única chance de me
destacar na existência é por um desses três fatores.”

Aluno: Quando eu estava na faculdade e conversava com os alunos, eles sempre diziam:
“Tenho que me formar para ficar rico. Eu quero é ganhar dinheiro.” E sempre que eu
escutava isso, ficava me perguntando se eles sempre quiseram isso na vida, se eles já
nasceram pensando em entrar na faculdade para ganhar dinheiro. Não lembro se foi você
ou seu pai que falaram um dia sobre a posição da criança que quer ser policial, bombeiro
ou professor, e não pelo dinheiro ou pelo status, mas porque é algo bom. E aí chega uma
fase em nossa vida que perdemos isso e só pensamos de maneira utilitarista. Como você
vê essa situação, e como perdemos isso? É uma perda do senso da hierarquia do bom, o
medo de ficar pobre, o desejo de agradar os amigos e impressionar os outros com um
143

diploma do Mackenzie ou da USP? É interessante que eu conheci professores na


faculdade que eram pessoas estabilizadas, mas que demonstravam ser pessoas depressivas.
Eles diziam que tomavam remédios tarja-preta, faziam sessões de psiquiatria etc. Então eu
perguntava: “Vocês não sonhavam? Vocês não realizaram os sonhos de vocês?” E esses
professores é que são os exemplos dos alunos, e eles pensam de uma forma meio
utilitarista.

Gugu: Há umas décadas atrás, se perguntássemos para uma criança o que ela gostaria de
ser quando crescesse, a escolha dela corresponderia de certa forma com a vocação
orgânica do ser humano – no sentido de uma disposição física mesmo. A maior parte dos
meninos queria ser policial, bombeiro, militar, enfim, lutar e combater. Por quê? Pois o
corpo masculino é evidentemente estruturado para o combate: ele tem o esqueleto mais
pesado, uma massa muscular maior, um tamanho maior e assim por diante. Já as meninas
queriam ser professoras, enfermeiras, e cuidar de maneira geral. Por quê? Pois o corpo
feminino é todo mole, oferece alimento, é todo protetivo etc. Era uma tomada de
consciência do próprio organismo. Também é evidente que o impulso era moral, era de
melhorar a vida de alguém, era de melhorar a vida em torno. No caso do policial ou do
bombeiro isso se daria pelo combate ao mal e com a salvação de pessoas; e no caso da
professora e da enfermeira, isso se daria com o cuidado de outras pessoas. Hoje em dia já
é um pouco diferente. Se entrevistarmos as crianças, os meninos dirão que querem ser
jogador de futebol, e as meninas que querem ser atriz de cinema ou cantora ou dançarina
de funk.

Isso é um sinal de alerta, pois quer dizer que desde muito cedo na infância as crianças já
estão submetidas a estímulos muito anti-naturais, a uma amostragem do que é a existência
humana muito anti-natural. Se observarmos, o instinto da criança antigamente era
derivado da forma da espécie, e particularizado pela disposição orgânica. Com poucas
exceções, veríamos que os meninos procuravam atividades que eram morais, mas
fundamentadas no seu organismo masculino e no fato de que eles tinham um corpo mais
forte. E as meninas procuravam o mesmo instinto adaptado ao organismo delas. Isso
indica que a amostragem de existências na vida das crianças não era muito desequilibrada.
Havia crianças com esses desejos, ou então as crianças que queriam fazer exatamente a
mesma coisa que os seus pais faziam. Essas eram as categorias de sonhos infantis. Só que,
como essas idéias infantis mudam muito no curso da existência - quer dizer, quando
chegamos nos quinze ou vinte anos de idade já mudamos bastante nosso plano -, a questão
dessa alteração já na infância é menos importante para considerarmos hoje.

O que é importante que nós consideremos é que muitas pessoas são bons profissionais,
bons professores, bons mecânicos etc., e, no entanto, são pessoas deprimidas que tomam
remédios tarja-preta, drogas estimulantes, calmantes ou qualquer coisa dessas, pois não
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encontram satisfação na vida. Isso se deriva de dois fatores. 1) Um geral e que vale para
todo o mundo em que existem os meios de comunicação modernos, que é o desejo de se
destacar em uma carreira profissional, o desejo de ser célebre, ou, se não se conseguir
nenhuma dessas duas coisas, encher a cara passa a ser a melhor saída. 2) E as neuroses
locais ou nacionais, que no caso do Brasil é uma quarta saída, isto é, o pensamento de que
não importa o que se faça, contanto que se consiga muito dinheiro - mesmo que a vida do
sujeito seja uma droga, mesmo que ele seja desconhecido, e mesmo que ele não possa
encher a cara o tempo todo. Isso é interessante pois é um grande desvio de perspectiva.
Não necessariamente extrairemos a felicidade de uma profissão, não extrairemos a
felicidade do status de celebridade e, evidentemente, não extrairemos a felicidade do ato
de nos doparmos. Dopar-se é anestesiar-se: “A vida é tão ruim que eu preciso agüentá-la.”
Essa é a última saída. Mas a verdade é que a satisfação da vida pode ser tirada de uma
área que não necessariamente esteja ligada a uma profissão. Encontramos gente feliz
estudando, rezando, cuidando dos filhos, praticando algum hobby etc. Então, é muito
importante separar uma categoria da outra. A satisfação da vida como um todo tem
alguma ligação com a nossa profissão, mas essa ligação não é nada mais do que a
profissão não interferir nisso. Basta que a profissão não seja profundamente insatisfatória,
caso contrário viveremos num jogo de compensações em que o nosso nível de felicidade
será neutro.

Então, como podemos mapear aquilo que pode nos deixar feliz? Como já disse
Aristóteles, a felicidade envolve inúmeros componentes, dentre eles, algum nível de bens
materiais, boas relações, bons amigos, um bom ambiente familiar, uma boa educação,
fortes valores morais, enfim, muitas coisas. Porém, todas essas coisas são instrumentos da
felicidade. É o material, a base circunstancial da nossa felicidade. O que
fundamentalmente causa a felicidade no ser humano é ele encontrar conscientemente
satisfação em realizar algo que ele planeja e que esteja de acordo com forma da espécie.
Se o sujeito diz que a vocação existencial dele – não meramente profissional – é roubar
bancos, então não vai adiantar muita coisa, pois isso não está de acordo com a forma da
espécie, da mesma forma como vender drogas também não está. Esse é um problema que
coloca o indivíduo em conflito com todos os outros de sua espécie.

Aluno: Esse perfil que você está dando praticamente não existe na literatura brasileira.
Esse tipo de indivíduo raramente é retratado, com algumas exceções, por exemplo, no
José Geraldo Viera, em Terreno Baldio. Quando você deu a aula sobre Machado de Assis
e Lima Barreto, praticamente não se vê esse tipo de personagem. O brasileiro é sempre
aquele cara baixo, vulgar, malandro (inaudível). Não encontramos um exemplo. Talvez,
para nós que estamos aqui, você e o seu pai (o Olavo de Carvalho) foram as primeiras
pessoas que falaram alguma coisa sincera. A gente não tem muitos exemplos de pessoas
assim (inaudível).
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Gugu: A tendência à baixeza e à vulgaridade é outro componente da sociopatia brasileira.


O Brasil, num certo sentido, valoriza a vulgaridade e a pequenez. Raramente as pessoas
no Brasil se dão conta de que uma certa grandeza moral é um instrumento de felicidade e
é algo fundamental para uma vida satisfatória. O brasileiro, de um modo geral, acha que
basta ser honesto, não violar a lei, não matar e não roubar que está tudo bem; ser um bom
cidadão já está de bom tamanho para ele. Isso, de fato, é mais um obstáculo para que o
brasileiro, em geral, se dê conta do que é uma vida humana satisfatória. Só que como isso
é um obstáculo local e, de uma maneira, não é um obstáculo para os alunos desse curso,
não lidaremos com ele especificamente. O trabalho aqui é um pouco diferente. Vocês já
deram uma lida em filosofia, já assistiram a algumas aulas do meu pai, já assistiram a
algumas aulas minhas, já sabem que o brasileiro está abaixo da média humana, e que
enquanto você se propor a ser um bom brasileiro, na melhor das hipóteses, será um
medíocre. Esqueçam esse papo de ser um bom brasileiro e pensem em ser um bom ser
humano.

Nosso problema aqui não somente ser um bom ser humano, porque esse é um problema de
filosofia moral: “Ah, o que é um bom ser humano?” Esse não é um problema específico
de um curso de cosmologia ou astrologia. O problema de um curso de astrologia é
descobrir, dentre as inúmeras possibilidades de ser humano que existem, quais são aquelas
que auxiliam a cada um de nós na realização de uma vida feliz. Como já dissemos, um
sujeito pode viver uma vida boa e até excelente no campo moral em certo sentido, e
mesmo assim possuir um nível de felicidade medíocre. Basta que ele tenha escolhido a
atividade errada para que isso aconteça. Está cheio de bons policiais, bons médicos e bons
professores que sofrem por aí. Se perguntarmos: “A sua vida faz sentido?” Eles dirão:
“Não sei, não tenho certeza. Tenho que esperar para ver, porque, até agora, não faz.” Isso
acontece simplesmente porque o sujeito centra as atividades dele num campo que é
humanamente proveitoso, mas não individualmente proveitoso.

Só para resumir, o que estamos tratando hoje não é a questão moral – qual o sentido da
existência humana e qual a melhor existência humana possível. Até podemos fazer uma
aula sobre isso, pois é um assunto interessante. Mas iremos considerar que isso já é
assunto resolvido. O problema é que esse esquema geral do que é uma vida humana
satisfatória pode ser preenchido de inúmeras maneiras concretas. O problema aqui é saber
concretamente e especificamente qual a maneira que um indivíduo pode encontrar aquilo
que gerará satisfação a ele e que, naquela atividade específica, o possibilite enxergar o
senso de realização humana que ela oferece. Essa é a diferença entre um bom músico e
um músico que está absurdamente contente com o fato de tocar. Um músico que encontra
em sua atividade musical um dos elementos de sua existência humana está contente
mesmo tocando sozinho, tocando para a família ou tocando para um milhão de pessoas,
146

esteja ganhando ou perdendo dinheiro com isso. É ao realizar essa atividade que ele toma
consciência de algo da dimensão humana da existência. E ele nem precisa ser muito bom
para isso. Se for um músico medíocre, ele ainda pode encontrar uma tremenda satisfação
em sua atividade. Vejam, se ele for um músico ruim então ele não será um músico, mas
ele não precisa estar muito acima da média para realmente encontrar a felicidade ali.
Como podemos saber que estudar música ou compor músicas irá acrescentar algo à
existência dele antes mesmo que ele tente isso? De uma forma mais geral, quais são as
atividades que irão gerar mais satisfação em termos humanos antes de tentarmos praticá-
las? O número de atividades humanas que existem é incalculável, e não podemos tentar
tudo até descobrirmos aquilo que nos é bom. Quando descobrirmos as principais
atividades, ou os tipos de atividades, que irão gerar essa felicidade em nós, quais serão os
principais obstáculos que teremos em nossas vidas ao tentarmos realizá-las? Essa é a
questão de hoje: identificar a motivação primária do indivíduo na existência e os
principais obstáculos que se colocam na realização dessa motivação.

Na idade média, quando um sujeito consultava um astrólogo, a idéia de mudança


profissional não estava ao alcance dele. A pessoa não perguntava qual a melhor profissão
para ela, pois só existiam duas ou três opções que ela podia seguir: ou a profissão do pai,
ou a profissão do vizinho que talvez gostasse dela, ou então entrar para um mosteiro. A
primeira coisa que se perguntava a um astrólogo era: “Quando vou morrer?” E a segunda
era: “O que vai me deixar feliz?” Essa pergunta não estava ligada à questão profissional.
Esta já estava definida ao indivíduo pelo ambiente social.

[Intervalo de aula.]

Em termos astrológicos, como uma pessoa pode olhar o próprio mapa, ou o mapa de
alguém, e dizer qual a motivação primária do sujeito? Percebam que a motivação primária
não está ligada a uma atividade específica, ou então a um gênero de atividades, mas a um
tipo de resultado que se pode obter a partir de uma atividade específica. Isso quer dizer
que pode haver centenas de atividades diferentes, e cada uma delas pode oferecer aquele
tipo de realização, bem como um só tipo de atividade pode oferecer realizações diferentes
para pessoas diferentes. Não podemos dizer para alguém que se ele tocar um instrumento
ele será mais feliz, ou então que se ele comprar um cachorro ele será mais feliz. Porém,
podemos dizer que se ele tiver um cachorro e fizer “x”, “y” e “z”, e obtiver do cachorro
“a”, “b” e “c”, então ele será mais feliz; ou dizer isso de uma atividade como a música, o
estudo etc.

O primeiro ponto que olharemos em um mapa, na verdade, já é triplo. Para saber a


motivação do sujeito temos que saber 1) o que o sujeito espera e quer realizar, 2) aquilo
que ele é maximamente capaz de realizar e o que ele faz de melhor, e 3) qual a maior
147

dificuldade na vida dele. Realizar o que podemos realizar é uma fonte fundamental de
satisfação. Realizar algo de uma maneira excelente, ou seja, realizar aquilo que melhor
podemos realizar em nossas vidas, também é uma fonte de satisfação, pois o melhor em si
mesmo é uma fonte de satisfação. Superar nossos maiores problemas também é uma fonte
fundamental de satisfação. Então, já devemos começar olhando três pontos diferentes no
mapa para dizer qual a motivação primária do sujeito. No mínimo três, se dermos sorte.

O primeiro ponto: o que o sujeito quer? A primeira coisa que olharemos é o signo
Ascendente. A segunda coisa que olharemos é o signo onde está o regente do ascendente e
o dispositor do regente do ascendente (quer dizer, o regente do signo do planeta regente).
Por exemplo, se uma pessoa tiver ascendente em Sagitário, temos que ver onde está
Júpiter. De um modo geral, deveríamos nos perguntar: “Que tipo de coisa um Sagitariano
puro iria querer realizar?” Saberíamos então que o primeiro impulso desse sujeito é
realizar tal coisa. Aí olharíamos a posição de Júpiter. Suponhamos que ele está em Touro.
Então deveríamos acrescentar a nota “Touro”, procurar a posição de Vênus e saber que o
principal modo do indivíduo de realizar essa nota “Touro” é com o que Vênus é capaz de
fazer. Precisamos aqui, então, uma dupla lista. 1) A das orientações que são significadas
pelos signos: “Qual é o impulso de Áries? Qual é o impulso de Touro? Qual é o impulso
de Vênus? Etc.”

Aluno: O ascendente também indica o que a pessoa deseja em termos de realização social?
Ou apenas indica o que ela deseja em termos de realização pessoal e interior?

Gugu: Ele não indica nem num sentido, nem no outro. Indica que, se a pessoa realizar essa
coisa na esfera pessoal, ela estará contente com a própria vida; se encontrar isso na esfera
social, estará contente com a vida social; se encontrar isso na esfera profissional, estará
contente na esfera profissional.

Retomando: 1) temos que ver onde está o ascendente, 2) onde está o planeta que rege o
signo ascendente e 3) onde está o dispositor (o planeta que rege o signo onde está o
planeta regente do ascendente). Vamos dar algum exemplo para vocês entenderem
melhor. Suponhamos alguém que tenha o ascendente em Gêmeos. Qual o regente de
Gêmeos? Mercúrio. Em que signo, nesse mapa específico, está o planeta Mercúrio?
Geralmente Mercúrio está perto do Sol, então usaremos Aquário como exemplo. Logo, o
dispositor será Saturno. Outro exemplo: uma pessoa que tenha o ascendente em Sagitário.
Qual o regente de Sagitário? Júpiter. Em que signo está Júpiter? Suponhamos que esteja
em Aquário mais uma vez. Logo, o dispositor será Saturno. Agora, ascendente em Libra.
Qual o regente de Libra? Vênus. Em que signo está Vênus? Digamos que esteja em Leão.
Logo, o dispositor será o Sol.
148

Continuando, podemos dizer que o ascendente indicará a disposição primária, a direção


onde o sujeito deseja ir, o que ele quer realizar, mesmo que ele não saiba dessas coisas,
pois não se trata de uma atividade específica. Trata-se daquilo que, em qualquer atividade,
causa satisfação nele. Vamos usar o exemplo do ascendente em Gêmeos mais uma vez
para mostrar isso. Quem tem ascendente em Gêmeos é o quê? Curioso. A curiosidade é o
impulso fundamental do sujeito que tem ascendente em Gêmeos.

Tales: Dê uma lista dos impulsos primários de cada signo.

Gugu: Seguiremos então a seqüência natural deles, porque o impulso fundamental


corresponde à posição dos signos no ciclo anual.

- Áries – Dar início a algo; iniciativa; ser o primeiro; avançar primeiro; dar o pontapé
inicial. Ele sempre está na ofensiva.

- Touro – Enriquecer; ampliar os resultados obtidos por Áries; aumentar o valor das
coisas; embelezar.

- Gêmeos – Descobrir o que são as coisas; descobrir coisas novas; experimentar trocar
as coisas de lugar; falar.

- Câncer – Coletar; guardar as coisas para que elas cresçam; cuidar; preservar. Câncer
é o curador – não no sentido de curandeiro, e sim de curador de museu, pois é ele quem
cuida das coisas.

- Leão – Crescer; causar o crescimento; evidenciar; estar no centro.

- Virgem – Preparar-se para as dificuldades; estar preparado; precaver; prevenir;


prever.

- Libra – Diferenciar os lados da situação; saber qual o lado do bem e qual o lado do
mal; qual o time de um e qual o time de outro; estabelecer alianças; equilibrar; compensar.

- Escorpião – Diagnosticar o mal; antecipar; investigar; descobrir o oculto. Se Virgem


significa estar preparado para resolver o problema quando ele surge, Escorpião significa
saber quais os problemas que irão aparecer.
149

- Sagitário – Apontar para o que está além das dificuldades; ver além da circunstância
concreta; animar; contar piadas.

- Capricórnio – Organizar; pôr em ordem; administrar; realizar as tarefas necessárias;


saber o que é necessário para cada coisa.

- Aquário - Aumentar as vantagens obtidas pelo esforço; lucrar; tirar vantagens de


situações difíceis e das dificuldades.

- Peixes - Confortar e recuperar a paz quando a dificuldade não pode ser superada;
consolar. Numa situação muito ruim o pisciano é o sujeito que diz: “Poderia ser pior.”

Agora daremos alguns exemplos disso. Começaremos com o Fulano. Ele tem ascendente
em Gêmeos, Mercúrio em Aquário, e Saturno em Capricórnio. Se o ascendente é Gêmeos,
então o instinto fundamental do sujeito é descobrir e experimentar. Ele é impulsionado e
movido pela curiosidade e pelo desejo de descobrir coisas novas. Como o dispositor é
Saturno, então, na prática, o principal meio de ação que ele tem para manifestar esse
impulso fundamental é saturnino. Ou seja, ele irá manifestar o impulso de descobrir e
experimentar pelo planejamento cuidadoso, pelo esforço de longo prazo, pela organização
e pela disciplina. Uma atividade que pode simbolizar isso é o trabalho em um laboratório
de química. Percebam que não necessariamente o sujeito irá tirar satisfação dessa
atividade. Essa é uma atividade que nos serve apenas como um tipo ou modelo. Por
exemplo, suponha que ele lide com crianças. O que dará satisfação a ele ao cuidar de
crianças? Entender como a criança pensa. Como ele irá fazer isso? Mandando ela fazer
determinada tarefa, jogando um jogo com ela e estabelecendo as regras claras desse jogo
etc. Quando esse indivíduo faz isso com uma criança, ele encontra alguma coisa
interessante no ato de cuidar. Mas se fosse uma pessoa com ascendente em Câncer nessa
situação, ela obteria plena satisfação pelo simples fato de estar cuidando de uma criança.

Outro exemplo: o Ciclano nasceu no dia 16 de novembro de 1974, em Indaiatuba – SP, às


11:30 da manhã. O ascendente dele é Capricórnio, logo, o impulso fundamental é
disciplinar, ordenar, descobrir a ordem das coisas e organizá-las em função disso. O fator
(regente) está em Câncer, e o dispositor de Câncer é a Lua. A Lua é o princípio de
geração, crescimento e nutrição, então o instrumento que o sujeito tem para realizar esse
impulso é cuidar das coisas. Por isso, o sujeito é mais tendente a preservar as coisas,
preservar os resultados obtidos e entender como eles se mantêm do que fazer coisas
novas. Isso, para ele, dá mais satisfação do que as novidades em si mesmas. Podemos dar
outro exemplo para mostrar isso.
150

Podemos usar também o mapa do Tales, que tem ascendente em Sagitário. O impulso
fundamental dele é instigar, motivar, animar, apontar para o sentido além das
circunstâncias. Ele está sempre procurando ver o que está além da situação atual: “Para
onde vamos? Em que direção estamos indo? Onde a nossa vida irá aumentar ou ampliar?”
O ascendente em Sagitário indica que a pessoa gosta de ter uma visão geral de para onde a
vida caminha. O regente de Sagitário é Júpiter, que, nesse caso, está em Aquário. E
Aquário é regido por Saturno. Isso quer dizer que o sujeito tende a encontrar satisfação na
capacidade de ordenar a vida dele em torno de uma visão otimista. Em qualquer área em
que o sujeito for agir, seja na vida pessoal, na vida profissional, na vida social etc., é isso
que ele estará tentando fazer o tempo todo. Por exemplo, conversando com um amigo, o
modus operandi natural dele será: “Como posso mostrar ao meu amigo qual é o sentido
maior da existência dele? E como ele pode fazer isso em suas ações cotidianas de uma
maneira ordenada e disciplinada?” Ele agirá dessa maneira no âmbito familiar, no âmbito
profissional e em qualquer âmbito da vida dele. Se a pessoa sentir que está fazendo isso,
ficará contente.

Usemos agora o Beltrano como mais um exemplo. Ele tem ascendente em Câncer, então
sua motivação primária é cuidar das coisas e preservá-las. Após isso, temos que buscar a
posição da Lua no mapa. Nesse caso, ela está em Áries, na casa IX. Desse modo, o
dispositor da Lua é Marte. O que significa isso? Marte é o princípio da combatividade, do
esforço, da superação de obstáculos. Então, o que mais irá gerar satisfação na vida dele
será cuidar de coisas que estão de algum modo em perigo, cuidar de coisas que exigem
um esforço para superar dificuldades. A atividade emblemática que mais simboliza isso é
a de um funcionário da FEBEM, que cuida de crianças problemáticas. Mas percebam que
não necessariamente a pessoa deve se dedicar a essa atividade especificamente. Essa
profissão apenas simboliza de maneira muito clara como o indivíduo com essa
mentalidade busca realizar o seu impulso fundamental. E, também, isso não é uma
indicação que vale estritamente para o âmbito profissional. Um sujeito assim pode pensar:
“Cara, isso é chato. Eu sei, porque o dispositor do regente do meu ascendente também é
Marte. Mas gosto de resolver problemas, gosto do que dá trabalho. Não é que eu goste do
trabalho em si, mas quando resolvo um problema que envolve um certo esforço
combativo, estou no meu melhor.” Como uma pessoa com essa mentalidade pode tirar a
máxima satisfação das suas amizades? Quando ela resolve os problemas dos amigos.
Como ela pode tirar a maior satisfação do seu trabalho? Quando ela resolve os problemas
do trabalho. Quando o dispositor do regente do ascendente é Marte, então a pessoa nasceu
para lutar. E o único jeito decente de lutar é lutar contra coisas ruins. Então esse indivíduo
deve procurar onde estão os problemas, seja na esfera profissional, seja na esfera pessoal,
na relação com os amigos, no casamento, na educação dos filhos etc. Em qualquer esfera
o sujeito deve procurar quais são as questões problemáticas que exigirão um esforço para
serem resolvidas.
151

Tales: Fale um pouco sobre os princípios de cada planeta.

Gugu: Antes disso, queria fazer um alerta. Poderíamos nos perguntar: “Como chegamos a
essas conclusões quanto ao simbolismo dos signos e dos planetas?” Hoje, antes da aula,
fiquei em dúvida se deveria entrar nesse plano mais teórico ou se devia partir para um
plano mais prático. Essa parte teórica precisará realmente de uma aula inteira, e nós não
faremos isso hoje. Portanto, agora, somente daremos os princípios gerais de cada planeta.
Também listaremos algumas profissões típicas de cada um deles, embora isso não seja
uma recomendação vocacional, e sim apenas uma aparência. Dizer que uma coisa é
parecida com outra não é dizer que uma coisa aconselha a outra.

- Lua – É o princípio da geração, do crescimento, da nutrição. A vocação da Lua é


cuidar, guardar, coletar. Câncer é regido pela Lua. Mais para adiante, quando entrarmos
na parte teórica do simbolismo dos signos dos planetas, será fácil entender o porquê de
cada planeta ser regente de determinados signos e não de outros. As profissões que mais
claramente refletem o simbolismo da Lua são o enfermeiro, o cuidador de jardim de
infância, a babá etc. Ou seja, tudo que esteja relacionado a cuidar do que é frágil.

- Mercúrio – É o princípio da articulação, da adaptação, da comunicação. A vocação de


Mercúrio é comunicar, trocar, adaptar. As profissões que mais claramente refletem o
simbolismo de Mercúrio são o vendedor, o narrador, o escritor, o professor etc.

- Vênus – É o princípio da harmonia, da atração, da beleza. A vocação de Vênus é


fruir, adornar, embelezar, enriquecer. As profissões que mais claramente refletem o
simbolismo de Vênus são os artistas em geral, mas especialmente aqueles que geram um
objeto material concreto; portanto, o escultor, o pintor, o joalheiro, o cabeleireiro etc. O
músico não se encaixa tanto nessa categoria, pois a música não produz um objeto material.

ou - Marte – É o princípio da combatividade, da superação de dificuldades, do


esforço. A vocação de Marte é vencer, abrir, combater, libertar. As profissões que mais
claramente refletem o simbolismo de Marte são as militares, evidentemente; isto é, o
policial, o esportista e qualquer tipo de atividade competitiva, o cirurgião de diversas
áreas – mas não o médico que realiza apenas consultas.

- Júpiter – É o princípio da expansão e da ampliação. A vocação de Júpiter é ensinar,


dar sentido, ampliar, transcender, conhecer, compreender. As profissões que mais
claramente refletem o simbolismo de Júpiter são o sacerdote, o político, o ator, e todas as
profissões que envolvem expor-se a um grande público.
152

- Saturno – É o princípio da contração, da dificuldade, do obstáculo, do senso dos


obstáculos. A vocação de Saturno é, portanto, ordenar, garantir, fixar, fundamentar. As
profissões que mais claramente refletem o simbolismo de Saturno são o agricultor, o
monge, o cientista, às atividades que envolvam disciplina de longo prazo.

- Sol – É o princípio do poder e carisma. A vocação do Sol é crescer, reger,


fortalecer, exibir. Quanto às profissões, para o Sol, não existe uma lista específica.
Algumas vezes encontramos nos manuais tradicionais listas semelhantes às de Júpiter e às
vezes listas semelhantes às de Marte. No simbolismo, o Sol acaba ficando entre Marte e
Júpiter.

Tales: A música está vinculada a qual planeta? A profissão de músico é parecida com a de
ator. Dessa forma, a música não estaria ligada a Júpiter?

Gugu: A música está ligada ao planeta Marte e à Lua. O músico é diferente do ator, pois
ele não se dirige ao público. Na verdade, a direção dele é para dentro, é do público para
ele. O músico absorve a disposição do público e gera música para dentro. Apenas
acidentalmente o músico se expõe. O ator é uma profissão que por definição é diante de
outros, já o músico não. O músico muitas vezes tira mais satisfação da sua atividade
tocando sozinho do que tocando na frente de outras pessoas. A música é uma arte que
reproduz uma espécie de combate emocional interno. O sujeito cria um sentimento dentro
dele, e, por meio da música, tenta se libertar desse sentimento. Essa arte é uma espécie de
Marte interiorizado. Ela cria uma relativa desarmonia, para depois criar uma harmonia
mais profunda. O ator, por definição, mostra algo para as outras pessoas. Não faz sentido
o ator atuar sozinho. Como o sacerdote ou o político, ele tem um público amplo, e quer
convencê-lo de alguma coisa. Num certo sentido, a diferença aqui é a direção da atividade
psicológica: o ator, o político e o sacerdote estão todos voltados na mesma direção.

Thales: Se vocês não souberem quais são os planetas regentes de cada signo, poderão
encontrar uma lista na apostila do curso.

Gugu: Também indico a leitura do The Horary Textbook, do John Frawley.5 Ele é uma
cartilha básica. Usando esse livro durante três ou quatro semanas para responder
perguntas horárias, descobrimos, mais ou menos, como o negócio funciona.

Vamos analisar o mapa de mais um aluno. O Alguém nasceu em 29 de janeiro de 1969,


em Itaperuna – RJ, às 15 horas. Ele tem o ascendente em Gêmeos. O impulso fundamental
5
Há uma tradução dessa obra feita pelo Marcos Monteiro.
153

de Gêmeos é descoberta, a curiosidade, o desejo de experimentar, de articular, de


conversar, de falar. O regente de Mercúrio é Aquário, e o planeta que rege o signo de
Aquário é Saturno. Logo, o dispositor, nesse caso, é Saturno. Saturno é o princípio da
organização, da disciplina, do esforço sistemático. Então, o impulso fundamental do
Alguém é conversar sobre assuntos dos quais se podem retirar princípios gerais ou
princípios firmes. Atividades que simbolizam isso são os estudos científicos e a pesquisa.
Um sujeito com essa mentalidade tem curiosidade sobre o que é certo e permanente. Esse
é um impulso fundamental dele. Nos manuais tradicionais, se o ascendente em Gêmeos e
Mercúrio está em Aquário, então o estudo de filosofia é recomendado. Como no caso do
Alguém Mercúrios está bem fraco no mapa, então a profissão de astrólogo não serve. Se
Mercúrio estivesse bem forte, essa seria uma profissão recomendada, mas ele está muito
fraco. Então, um curso de filosofia já está bom.

Quando lidamos com o simbolismo dos signos, podemos nos perguntar: “Por que Áries
significa isso? E por que Touro significa aquilo? Por que o Sol significa isso? E por que a
Lua significa aquilo?” A noção geral do impulso fundamental da pessoa torna-se muito
mais clara quando entendemos o simbolismo referente aos planetas e signos. Porém, é
muito difícil explicar por que os signos e planetas simbolizam certas atividades. Por que
eles simbolizam certas atividades? Por que a Lua ou Câncer simbolizam o ato de cuidar?
Pois, se nos atentarmos ao simbolismo, veremos que a atividade de cuidar apresenta certas
características semelhantes ao traço simbólico universal da Lua ou de Câncer. Só que
esse traço simbólico universal não tem um nome, pois ele não é um objeto concreto.

Lembrem daquilo que dissemos a respeito do vermelho na primeira aula. Quando


perguntados sobre a cor vermelha, ninguém pensou em serenidade, em paz ou em calma.
Podemos pensar em força, em violência, em intensidade, em amor, em luta e em sangue.
Cada uma dessas coisas aponta numa certa direção, e essa direção é como que o eixo
simbólico de todas essas coisas. Esse eixo simbólico não tem um nome. Ele não tem um
nome porque ele não é uma coisa concreta, ele é uma diretriz que é encontrada num
grande número de coisas. E para entendermos qual a motivação primária de uma pessoa,
teremos de captar essa diretriz.

Por exemplo, se o sujeito tem ascendente em Gêmeos e Mercúrio (que é o planeta regente
do signo de Gêmeos) em Aquário, então essa diretriz está apontada na direção de realizar
Gêmeos à maneira de Saturno (que é o regente de Aquário, e, nesse caso, o dispositor de
Gêmeos). Isso não tem um nome. Há um nome para o simbolismo astrológico, mas esse
nome não significa nada para quem não é astrólogo. Grande parte do trabalho nas
154

próximas aulas será aprender o que significa esses nomes; por exemplo, o que significa
Vênus etc. Para isso, o que teremos de fazer ao olhar o mapa natal desse indivíduo com
ascendente em Gêmeos e que tem Saturno como dispositor? Em que mês e em que estação
a pessoa nasceu? Ela nasceu quando era primavera no hemisfério Norte. O que acontece
no terceiro mês da primavera? Respondendo a essa pergunta, temos uma nota. Qual dos
quatro elementos está associado à característica que encontramos no terceiro mês da
primavera? Outra nota obtida. Que atividade humana pode simbolizar Gêmeos? Vendas,
conversa, diálogo, comunicação; mais uma nota. Vamos acumulando notas até que chega
um ponto em que começamos a perceber que todas elas têm um traço comum, assim como
fizemos no exercício do simbolismo das cores. Se o vermelho está associado à violência, à
paixão e ao calor, então todas essas coisas têm algo em comum. No momento em que
percebemos isso, começamos a farejar essa diretriz.

Para que realmente entendamos a motivação primária da pessoa do nosso exemplo (e


também a motivação de qualquer pessoa, de qualquer signo), temos de entender qual é a
diretriz simbólica de Gêmeos. Enquanto estivermos apenas listando que Gêmeos é
disposto a falar e a vender; disposto à diversidade e à agilidade; enquanto estivermos
apenas listando coisas, não entenderemos de fato qual a disposição primária do sujeito. No
máximo estaremos tentando fazer uma cola. “O que uma pessoa deve fazer para ficar
feliz?” Não é algo que ela deve fazer, mas é uma diretriz que ela deve encontrar no que
faz. Para que realmente saibamos isso, temos de captar essa diretriz geral. E a essa diretriz
geral que encontramos, damos o nome astrológico de Gêmeos – e que continua sendo só
um nome.

Voltando ao exemplo do sujeito com ascendente em Gêmeos. Mercúrio é o regente do


Ascendente e está em Aquário. Aqui, Mercúrio representa esse indivíduo - num certo
sentido ele é um sujeito mercurino -, então o impulso fundamental dele é Gêmeos. Isso é
representado no mapa. Depois, vemos que Mercúrio está em quadratura com Marte. O que
isso significa? Que a área da vida significada por Marte, para essa pessoa, é uma área que
gera problemas. Quadratura significa dificuldade, atrasos, problemas inesperados etc.
Digamos que Marte esteja na Casa VI. Então, esse indivíduo terá problemas de saúde ou
de organização cotidiana, que são as coisas significadas pela Casa VI, e terá que lutar
contra essas dificuldades. Marte significa dificuldades, mas não só isso, porque Marte
também é o regente de alguma Casa no mapa dela. Suponhamos que Marte seja o regente
da Casa XI - se o ascendente é Gêmeos, provavelmente a Casa XI estará em Áries. A Casa
XI está relacionada ao futuro. Como regente da Casa XI Marte não significa dificuldades,
apenas significa que o sujeito tende a encarar o futuro de maneira combativa. Marte,
155

então, pode significar tanto a combatividade quanto as dificuldades. O modo como


interpretamos Marte depende do ponto de vista que estamos olhando. O planeta Marte, em
si mesmo, não é a combatividade, nem a dificuldade, nem a competição e nem luta. Ele é
o fio que liga todas essas coisas. Astrologicamente falando, ele é um eixo de significados.
Com isso em mente, qual seria a motivação primária de alguém com ascendente em
Gêmeos? Numa circunstância pode ser conversar; em outra, descobrir; ainda em outra,
adaptar-se.

Esse é o grande salto deve ser dado no estudo da astrologia. Devemos passar da mera
coleção de significados para um eixo simbólico destes. Enquanto estivermos apenas
colecionando os significados, não seremos capazes de discernir o que eles significam. Por
exemplo: o que significa a Casa VI? Ela pode significar saúde, doenças, a organização das
tarefas, o cuidado com os horários, materiais de escritório, os pequenos animais (como
cachorros, gatos, ovelhas, coelhos), os prédios e as edificações em torno da casa em que
moramos. Querem uma lista de significados? Há excelentes livros com listas de
significados, e eles são ótimos instrumentos para aprender astrologia. Porém, não
entenderemos astrologicamente o que é a Casa VI, enquanto não percebermos o que todas
essas coisas listadas possuem em comum. Esse é o grande problema. Isto que todas as
coisas têm em comum não tem um nome particular. A linguagem humana é feita para
significar qüididades, isto é, formas perfeitamente distintas de outras formas. Quando
estamos falando de um simbolismo, não estamos procurando uma forma distinta das
outras formas, mas exatamente o elemento análogo das diversas formas.

Fechando e resumindo isso tudo que dissemos, a motivação primária do sujeito


corresponde ao eixo simbólico do signo em que ele tem o ascendente. Essa motivação
primária deve ser realizada por meio do dispositor do regente, ou com instrumentos que
estão no eixo simbólico do dispositor do regente. Não lidamos ainda com os outros dois
elementos da motivação primária. 1) O primeiro desses elementos é aquilo que a pessoa é
mais capaz de fazer. Para sabermos isso, temos que olhar qual é o planeta mais forte do
mapa. O planeta mais forte do mapa indica aquilo que o indivíduo realiza melhor. 2) O
segundo elemento que devemos olhar é a área da vida do sujeito que é mais problemática
para ele. Essa área problemática será representada pela Casa onde Saturno estiver.
Devemos olhar para essa área problemática para sabermos quais são os problemas que,
quando resolvidos, geram profunda satisfação.

No começo do estudo de astrologia é muito difícil dar esse salto. Se dissermos que
Gêmeos significa “x”, “y” e “z”, alguém que não saiba procurar esse eixo simbólico não
156

saberá qual significado usar ao interpretar um mapa natal. Qual desses significados deve
ser usado num caso concreto? Para fazer essa transposição, temos que aprender a saborear
esse eixo simbólico geral. Temos que acostumar a nossa mente a pressentir as coisas que,
por exemplo, Saturno pode significar. O único jeito de obter isso é ouvir as várias
significações que os planetas podem ter e perguntar: “Por que Saturno significa isto
mesmo? Qual é a relação entre esse significado nesse caso, e aquele outro significado
naquele outro caso?” É só pela exposição exaustiva do assunto que podemos dar esse
salto.

Por isso recomendamos esse livro do John Frawley, pois a técnica da astrologia horária
implica um grau mínimo de percepção e compreensão do simbolismo astrológico, e,
então, o sujeito já começa a ver mais ou menos como o sistema funciona. Esse livro é um
conjunto de indicações práticas. O Frawley pegou muito leve na teoria e deu muitas
aplicações práticas simples no estudo de um mapa horário, justamente para que as pessoas
pudessem ver como a coisa funciona. O livro ajudará a dar esse salto de que falamos,
porque vocês perceberão, de algum modo, que os planetas normalmente significam essas
coisas. E vocês começarão a captar esses significados à medida que forem respondendo as
perguntas horárias e percebendo que a técnica realmente funciona. Isso dará a vocês a
experiência da relação entre os planetas e os seus significados, as casas e os seus
significados etc. É uma amostra experimental e real.

Aluno: A astrologia horária é permitida pela religião? Qual a suposta periculosidade dela?

Gugu: Olha, ninguém sabe. A atitude oficial do Vaticano varia ao longo dos séculos. Hoje
em dia, dizem que é um pecado e, por isso, temos de confessar. Se o sujeito aplica
astrologia horária hoje e confia integralmente no Vaticano - se ele é católico de carteirinha
-, então ele terá de confessar. Talvez o padre nem entenda a confissão dele, mas ele terá de
confessar. “Padre, eu havia perdido a chave do carro, fiz uma pergunta horária para achá-
la e a encontrei. Porém, tenho de confessar, porque é errado.” Para o padre, isso estará no
mesmo nível de matar galinha preta. Hoje em dia, o pessoal católico é assim: “O que o
Vaticano diz? O que a doutrina oficial diz?” Ah! Peguem o que a doutrina oficial diz
sobre o que é fundamental e geral, e tentem guiar as suas vidas por isso. Se vocês forem às
minúcias, aos detalhes, irão se ferrar bonito! Por quê? Pois uma instituição do tamanho da
Igreja Católica age num ritmo secular, não no ritmo quotidiano da vida de cada indivíduo.

Imaginem que vocês vão a um padre e digam: “Padre, dormi com a minha namorada.” O
que ele diria? Ele lhes daria uma diretriz que daria no século XII: “Ah, agora você tem
157

que apanhar!” Hoje em dia, se o sujeito pretende casar com uma mulher que ele não
conhece, se ele não sabe o que esperar de casamento, e se ele pretende seguir estritamente
a regra da Igreja Católica no que se refere à moralidade sexual e moralidade do
casamento, então ele desgraçara a própria vida! Ele entrará num casamento que só se
preservará na base do sadomasoquismo. Se essa situação específica que vivemos hoje e
que se refere ao casamento continuasse exatamente a mesma, daqui a cem anos o
Vaticano ofereceria uma resposta que poderia se aplicar. Esse é um ritmo de ação do
Vaticano. É feito para durar séculos. Entendeu? Vocês podem praticar astrologia horária?
A decisão é de vocês, mas, para o Vaticano, não, não podem. Agora, se a pergunta fosse
feita no século XIII, responderiam: “Claro. Por que não poderia?! Que pergunta idiota!
Isso é um negócio necessário para a vida!”

Aluno: Não sou casado na Igreja. Fui me confessar, e o padre disse que eu não poderia
comungar, porque estava pecando nesse aspecto. É um padre conservador. Então fui a um
padre da teologia da libertação que me disse: “Isso é conservadorismo. Você não é
obrigado e não precisa fazer isso.” O que o senhor acha disso?

Gugu: É um pouco mais complicado do que cada um deles respondeu. Por quê?
Tecnicamente falando, o casamento acontece quando um homem e uma mulher decidem
não somente dormir um com o outro, mas decidem cuidar um do outro para o resto da
vida, e, também gerar filhos. Casamento é a decisão mútua de cuidar um do outro e de
gerar filhos para o resto da vida. Todo casamento tem como intenção a vida toda. “Ah,
mas no budismo e no islam pode divórcio.” Pode, mas o casamento só é válido se a
intenção for para a vida toda. A validade depende da intenção de cuidar um do outro a
vida toda e de haver um certo grau de consciência de que essa intenção é mútua.

Porém, os casais humanos não são ilhas num oceano de solidão, pelo contrário, eles vivem
em sociedade. Se duas pessoas têm a intenção de se casarem, para que essa intenção seja
plenamente válida, deve-se comunicá-la publicamente. As outras pessoas devem saber que
essa é a mulher do Fulano e que o Fulano é marido dela. Se ninguém souber disso, outros
homens também dormir com ela. E, então, o Fulano não poderá falar nada, pois ninguém
sabe que ela é mulher dele. Esse é um outro nível de exigência. O casamento é
tecnicamente válido se o casal tem a consciência da intenção que mencionamos. Mas se
essa intenção não for comunicada aos outros, subsiste um certo grau de imoralidade no
ato, pois está se criando dificuldades humanas.
158

Num certo período na história da Europa, havia sacerdotes para todos os lados. Então a
Igreja estabeleceu a seguinte disciplina: “Olha, meu filho, se você comunicar para o
sacerdote essa intenção, valeu como se você tivesse comunicado para todo mundo. Isso
porque o sacerdote é o representante da moral coletiva. Ele é o fiador da moral coletiva.”
Assim foi criado o matrimônio católico cristão como nós o conhecemos.

Dessa forma, são três os graus de exigência moral para um casamento válido: 1) a decisão
do casal de que cuidarão um do outro pelo resto da vida, 2) de que querem filhos e 3) a
consciência recíproca dessa intenção. Esso é um voto que o casal faz um para o outro. A
moral fundamental, assim, está garantida. Por quê? Porque existem circunstâncias em que
o casal não pode levar o ato ao público. Suponhamos que temos um caso como o de
Romeu e Julieta. Se a família de um dos apaixonados souber que houve casamento,
alguém tomará um tiro. Nesse caso, o casamento deve de ser secreto. Como podemos
garantir a moral fundamental desse ato? Estabelecendo o voto entre o casal. Se um casal
nessa situação perguntar sobre a validade desse casamento a um padre que entenda do
assunto, ele responderá: “Meu filho, se vocês fizeram isso, seu casamento é válido diante
da Igreja. Vocês estão casados.” Se perguntarem para um padre especialista em direito
canônico, ele dirá: “Vocês são casados. Não pode casar de novo na Igreja. Vocês só terão
um rito de comunicação oficial. Se vocês dois já freqüentavam a Igreja antes de fazer esse
voto, o voto deverá ser validado diante do padre.”

É imoral o cara dormir com a mulher quando eles estabeleceram essa intenção? Não, não
é imoral se eles estabeleceram essa intenção. Se eles dois estabeleceram essa intenção, a
moralidade fundamental está garantida. Se o casal se dirigir a um padre e fizer o rito
conforme as exigências da Igreja - com o padre jogando a água benta e dizendo o “eu vos
declaro marido e mulher” -, mas não tiver essa intenção consciente lá dentro, então
acabou! Se algum deles estiver pensando: “Ah, se der errado eu vou dar o fora.” Nesse
caso, não teve casamento. O cerimonial pode ter sido seguido à risca, mas foi só o
cerimonial.

Moral não é um conjunto de regrinhas. Moral consiste em tomar decisões fundamentais de


acordo com uma diretriz impositiva para o ser humano. Uma religião nos ensina certas
regras para facilitar essas decisões. Quando o Vaticano fala: “Casamento? Só se for na
Igreja, na frente do padre.” O que ele está fazendo? Está fazendo uma regra prática para
facilitar as coisas para as pessoas. Quando um casal for até o padre querendo se casar, ele
dirá: “Casamento implica numa intenção para a vida toda etc.” Ele explicará o que valida
um casamento segundo a Lei Natural. E, então, o casal faz os votos em público. Esse é um
159

instrumento prático para garantir uma tomada de decisão correta, mas isso não causa a
moralidade do casamento. Se para o casal está claro a decisão de cuidar um do outro por
toda a vida, e, se possível, gerando filhos nesse processo, a moral fundamental está
garantida. A decisão certa já foi tomada: é casamento.

Praticar astrologia horária é moral ou imoral? Podemos até discutir quais são as
circunstâncias que a tornam moral ou não. É assim como dormir com uma mulher. Dormir
com uma mulher é moral ou imoral? Depende, se ao fazer isso ninguém estiver violando
um voto já feito para uma outra pessoa antes, então esse ato é moral. Se ninguém estiver
fraudando ninguém, não tem o que discutir, houve casamento (o que também não quer
dizer que o Vaticano, sem analisar cada caso concreto por meio de um especialista em
Direito Canônico, pode dizer que, em geral, as pessoas podem fazer somente os votos um
para o outro). Se me perguntarem qual é a regra atual da Igreja sobre a prática da
astrologia, direi: “Não pratiquem a astrologia horária, não pratiquem nenhuma forma de
astrologia.” Isso aí está claro no Novo Catecismo, com todas as letras. Mas essa é uma
diretriz geral. Quer dizer, todo mundo que fizer isso estará cometendo uma imoralidade?
Não necessariamente. É como o sexo fora do matrimônio. Sexo fora do matrimônio é
errado. O que é “fora do matrimônio”? Dormir com uma mulher com a intenção de se
aproveitar dela em um dado momento e depois não querer mais saber dela. Isso é errado e
não tem discussão. Isso é sexo fora do matrimônio. Porém, se o sujeito não casou na
Igreja, isso não quer dizer que o cara está cometendo sexo fora do matrimônio. Moral é
um conjunto de decisões individuais e concretas que são tomadas tendo em vista uma
direção certa. Um conjunto de regras separadas da vida concreta não garante a moralidade
de nada.

A história da Igreja é criar alguma regra e depois dizer: “Ih, Espera aí! Em tal caso, essa
regra não vale.” Fora os 10 Mandamentos, não dá para fazer um conjunto de regras que
vale sempre. Fora regras muito gerais, não tem como. Isso é mais ou menos um conjunto
de regras para consertar um carro. Quando chega um carro na oficina, o mecânico diz:
“Nesse caso, a gente vai fazer diferente e vai funcionar melhor.” Se julgarem pelo manual
técnico, dirão que o mecânico procedeu de forma errada. Só que o mecânico obteve o
melhor resultado. Com moral é a mesma coisa. Moral diz respeito a obter um resultado na
vida humana. É claro que há um manual de instruções para isso, mas também há exceções.
Podemos elaborar isso um pouco mais na próxima aula.

Transcrição: Danilo Roberto Fernandes, Leonardo Boaski, Thiago Feliphe


160

Revisão: Danilo Roberto Fernandes

Instituto Cultural Lux et Sapientia

Curso de Astrologia e Cosmologia


Medieval
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 06

Tópicos da aula:

Como a astrologia funciona em geral? Qual o quadro filosófico que


permite entender o funcionamento da astrologia? A influência astrológica
não exclui o livre-arbítrio: análise conceitual dos dois fenômenos. Alguns
elementos básicos de dialética que nos permitem acessar os conceitos
fundamentais de cosmologia. Substância, qualidade, quantidade, relação e
ação/paixão. Espécie, gênero, acidente, propriedade e diferença específica.
Exemplos de operações racionais. As possibilidades de se existir liberdade.
161

A condição subjetiva para a liberdade é a percepção. A necessidade da


múltipla escolha real para a liberdade. A diferença específica da liberdade
humana é a capacidade de conceber um propósito geral das suas ações. A
religião como catalisadora da moral. A capacidade de antecipar a escolha
de uma pessoa.

Transcrição da aula:

Gugu: Hoje iremos mudar um pouco o foco das aulas. Portanto, caso haja
alguma dúvida em relação às aulas passadas, esse é o momento de
manifestá-la.

Aluno: Eu tenho uma dúvida. O que é a substância? É o princípio de


coerção e frieza ou é a terra em si? A substância é o princípio ou já é a
manifestação concreta do princípio em si?

Gugu: Essa dúvida será, em parte, respondida pela mudança de foco que
daremos. Hoje, em vez de continuarmos comentando a técnica astrológica,
falaremos um pouco dos conceitos filosóficos subjacentes à técnica
astrológica. E, nessa análise, também discorreremos sobre o conceito de
substância. Tentaremos explicar como a astrologia funciona em geral, bem
como daremos o quadro filosófico em que ela está inserida - o que nos
permitirá entendê-la. Se conversarmos com uma pessoa relativamente
informada acerca da cultura atual, e falarmos a ela que a astrologia
funciona, podemos prever dois tipos de reação: ou ela rirá, ou, quando
provarmos o que dissemos, alguns parafusos se soltarão da cabeça dela
imediatamente. Nesse último caso, ouviremos: “Como é possível que haja
essa relação entre uma coisa e outra?” Há também uma segunda questão
envolvida nisso. Se somos capazes de dizer para um sujeito quando ele se
casará, ou então como será a relação dele com a esposa nesse casamento,
como é possível que se diga que há algo como o livre-arbítrio? Se estava
tudo escrito nos planetas, como é que esse sujeito pode ter alguma
162

liberdade? Tentaremos dar um quadro geral do assunto para que o


entendamos de maneira mais fácil.

De modo geral, é muito difícil explicar o que queremos dizer quando


afirmamos que os planetas influenciam no comportamento das pessoas. O
que é uma influência astrológica? De que tipo ela é? De fato, existe
influência astrológica. É possível, ao olharmos o mapa de uma pessoa
qualquer, que digamos algo sobre ela, sobre os relacionamentos dela e
sobre os eventos que acontecem no curso da vida dela. Mas isso de
maneira nenhuma exclui o livre-arbítrio, porque estamos tratando de
questões que estão em planos distintos. As pessoas têm uma concepção
muito inadequada do que é liberdade ou livre-arbítrio. Para encararmos
essa questão e entendermos o que é liberdade e livre arbítrio; para
entendermos realmente o que estamos a dizer quando falamos que alguém
é livre e, portanto, responsável pelas próprias ações; para compreendermos
em que sentido as ações de alguém são determinadas por fatores alheios à
sua vontade; para podermos vir a definir o que é liberdade e o que é
influência astrológica; para isso, teremos que lidar com os princípios
comuns a essas duas coisas. Um planeta é uma pedra gigantesca voando no
céu, e a nossa escolha é um processo mental interno a nós. Esses são dois
eventos de naturezas muito diferentes. Não só diferentes, como muito
distantes no espaço. Um processo mental é uma coisa, outra coisa é o
movimento de um objeto físico. Um planeta está a milhões de quilômetros
de distância da nossa cabeça, que é onde supomos que as nossas decisões
tomam lugar. Para entendermos a relação de fenômenos tão diferentes um
do outro, precisamos mudar o tipo de estudo que empregamos.

Por exemplo, se temos um elemento químico “a”, quando colocamos junto


a ele o elemento químico “b”, gera-se calor e ele esquenta; já quando
colocamos o elemento químico “c”, perde-se calor e ele esfria. Nesse caso,
as três substâncias químicas com que estamos lidando são fenômenos da
mesma ordem, isto é, os três são elementos químicos. É fácil compararmos
todos eles: pegamos um pouco de cada material, colocamo-los juntos e
vemos o que acontece. Não é preciso uma profunda análise conceitual para
163

enquadrar em nossa mente o que acontece nessa situação. Podemos não


saber quais são as possíveis reações geradas por um determinado elemento
químico, mas o próprio conceito de elemento químico nos dá a noção de
que ele [o elemento químico] é uma substância física que pode reagir com
outras. Uma reação química ou física inesperada não implica uma
reavaliação dos conceitos gerais de física e química. Isso quer dizer que
qualquer problema, em um laboratório de química, pode ser
conceitualmente integrado na nossa mente de uma maneira muito fácil. São
precisos muito poucos conceitos para termos uma idéia geral do que ocorre
nesses eventos. A proximidade conceitual entre chumbo e oxigênio é muito
grande. Chumbo e oxigênio são duas coisas, de certo modo, do mesmo
tipo. Porém, o movimento de um planeta no céu e um processo mental são
duas coisas de tipo muito diferentes, e, para entender a correlação entre
eles, temos que procurar quais são os conceitos comuns que ambos
compartilham. A distância conceitual entre esses dois elementos é tão
grande, e o que conhecemos desses dois processos vem de fontes tão
diferentes, que, para entendermos uma relação entre eles, temos de
entender os conceitos mais gerais possíveis, como o conceito de universo,
o conceito de cosmos, o conceito de coisa, o conceito de fenômeno etc.

Na aula de hoje, tentaremos explicar alguns dos elementos básicos de


dialética. Elementos esses que nos permitirão acessar os conceitos
fundamentais de cosmologia, e que permitirão também formular estes
conceitos de uma maneira mais clara. Em cosmologia, os primeiros
conceitos com os quais teremos de lidar são os conceitos de categorias de
Aristóteles. Temos que entender o que são as categorias formuladas por
este filósofo. Ou pelo menos uma lista simplificada delas. Não precisamos
analisá-las extensivamente, mas temos de ter, no mínimo, a noção de cinco
categorias diferentes. Quando falamos em “uma coisa”, em “algo”, em “um
fenômeno”, em um “objeto”, em “um existente”, temos que entender,
primeiro, se estamos nos referindo a algo que é objeto de percepção de um
dos cinco sentidos possíveis.
164

Comecemos então pelas categorias de “substância” e “acidente”. Todas as


vezes que afirmamos que uma coisa é algo, ou que uma coisa existe,
reparem que, aquilo que existe no universo, pode existir de duas maneiras.
Por exemplo, podemos ter algo como uma mesa e podemos ter algo como a
cor verde. A mesa é algo que existe? Sim. A cor verde é algo que existe?
Sim. Porém, qual a diferença entre esses dois conceitos, esses dois objetos,
esses dois seres? Podemos dizer que a mesa é um “substantivo” e a cor
verde um “adjetivo”? Isso nos indica uma direção a seguir, mas esses
termos, assim empregados, não são muito precisos. “Substantivo” e
“adjetivo” são diferenças entre as palavras, são categorias de palavras. A
palavra “mesa” é um substantivo, mas o objeto real “mesa” não. Então, não
é essa a diferença que estamos procurando. Não procuramos a diferença na
linguagem que podemos usar para nos referirmos às coisas existentes, e
sim a diferença nas próprias coisas existentes que estamos a nos referir.
Essa diferença estaria então no conteúdo do que pensamos? Quando
pensamos numa mesa, pensamos em um objeto palpável e concreto, e
quando pensamos no verde, pensamos em uma cor. É esta a diferença que
estamos procurando? Não, também não procuramos a diferença entre esses
objetos tais como eles são pensados. Não queremos encontrar uma
diferença nem na linguagem, nem na inteligência. Queremos uma diferença
na coisa pensada (ou coisa percebida). E a principal diferença na coisa
pensada (ou coisa percebida) a que nos referimos - isto é, a mesa de um
lado e o verde do outro -, é que não podemos ver uma cor verde que não
seja nenhuma outra coisa além de verde ou que só tenha como
característica o próprio verdor. Não há nada que exista que só possua a
característica de ser verde.

Exemplificando isso, podemos dizer que a alface é verde, que um lápis é


verde ou que uma mesa é verde. Mas por mais que entendamos o conteúdo
intelectual da alface, do lápis e da mesa, isso não nos revela nada acerca da
noção da cor verde. A noção de alface não nos explica nada acerca da
noção de verde, a noção de lápis não nos explica nada acerca da noção de
verde, e a noção de mesa não nos explica nada acerca da noção de verde.
Se entendermos perfeitamente o que é uma mesa, isso não aumenta a nossa
165

compreensão do que é o verde nem um pouquinho. Podemos entender


perfeitamente o que é uma mesa e ainda assim não teremos a menor idéia
do que é o verde. No entanto, quando pensamos no verde, percebemos que
ele é uma coisa que, para existir, precisa existir em alguma outra coisa.
Podemos falar em uma mesa verde, em uma alface verde, em um lápis
verde etc. Embora a definição de verde não inclua a definição de alface, ou
a definição de lápis, ou a definição de mesa, para explicarmos o que é o
verde não incluímos a explicação do que é a alface, nem a explicação do
que é o lápis, e nem a explicação do que é a mesa. Já para explicar o que é
o verde, temos que incluir, ou ao menos indicar, a noção de algo que não é
verde e no qual o verde existe.

A mesma coisa acontece quando se trata de números. O número dois, o


número três ou o número vinte e cinco não existem em lugar algum.
Quando nos referimos a eles, a quê estamos querendo apontar? Dois o quê?
Três o quê? Vinte e cinco o quê? O que podemos dizer é que existem dois
lápis, três mesas ou vinte e cinco centavos. O lápis, a mesa e o centavo6
não entram na definição do número dois, do número três e do número vinte
e cinco. Porém, a noção de quantidade indica a noção de outra coisa que
existe naquela quantidade. Nesse ponto, o número dois, o número três, o
número vinte e cinco, a cor verde e também a noção de doce, são muito
diferentes, por exemplo, da noção de pedra ou de cavalo. Para entender o
que é uma pedra, o que é um cavalo ou o que é uma mesa, não precisamos
fazer referência a um objeto que existe fora dele mesmo, pois a simples
análise daquilo que compõe esse objeto nos permite entendê-lo. Já quando
falamos da cor verde ou do número dois, então precisamos fazer uma
referência a algo no qual a cor verde ou o número dois existem. Podemos
ver uma mesa ou um lápis que existem concretamente, mas não podemos
ver a cor verde sem que ela esteja ou em um lápis, ou em uma mesa, ou em
um chão, ou em qualquer coisa que seja verde. Num certo sentido, quando
falamos da cor verde, da noção de doce, do número dois ou do número
vinte e cinco, estamos falando de um modo de existência que subtende

6
Nota do revisor: centavo, aqui, está se referindo à noção de moeda, e não de quantidade.
166

outro modo de existência prévia. Essa é a diferença entre a categoria da


substância e a categoria dos acidentes.

Substância é aquilo que pode ser pensado independente de outras coisas; é


aquilo que pode ser pensado como existente de maneira independente de
outras coisas. Quando pensamos na noção de pedra, conseguimos conceber
que uma pedra possa existir concretamente e que ela possa existir em si
mesma. Já a cor verde, será que é possível conceber que ela exista em si
mesmo e em nada mais? Não. Podemos conceber que exista um líquido
verde ou uma pedra verde, porém a existência no mundo concreto de algo
como um verde exclusivo é algo inconcebível. E o mesmo vale para a
noção de doce ou para a noção espacial “em cima”. É possível que exista,
no mundo concreto, um “em cima” dissociado de tudo o mais? Não, pois a
noção de “em cima” implica em uma coisa estar em cima de outra.
Pensemos ainda na ação andar. É possível que exista concretamente
somente o ato andar sem a existência de alguma coisa que ande? Também
não. Os acidentes em geral só podem existir caso exista alguma substância
da qual eles são predicados. Por fim, lembremos de mais exemplo dado em
uma das primeiras aulas. Foi feita a pergunta: quem ou o quê late? O
cachorro late. É concebível o ato de latir sem um cachorro que o pratique?
Não. O ato de latir é inconcebível sem um agente. Isso quer dizer que as
ações também são acidentes, e elas só podem existir caso haja uma
substancia que seja o sujeito que as pratica. Se dissermos “late”, a primeira
pergunta que virá à nossa mente será: “O quê late?” Se dissermos “verde” a
primeira pergunta quem virá à nossa mente será: “O quê é verde?” Se
dissermos “dois”, a primeira pergunta que virá à nossa mente será: “Dois
de quê?” Se dissermos “em cima” ou “à direita”, a primeira pergunta que
virá à nossa mente será: “O quê está em cima? O quê está à direita?”

Nesses quatro casos apresentados, demos o exemplo das principais


categorias de acidentes: 1) a cor e a doçura são qualidades; 2) “dois”,
“três” e “vinte e cinco” são quantidades; 3) “em cima” e “à direita” são
relações; 4) latir e andar são ações. Dentre de cada uma dessas quatro
categorias, a qualidade é sempre a qualidade de algo, a quantidade é
167

sempre a quantidade de algo, a relação é sempre a relação de algo e a ação


é sempre a ação de algo. Cada um desses conceitos faz referência a alguma
coisa que não é definida por esses conceitos. Cada um desses conceitos não
pode ser concebido como algo que possa existir à exclusão de toda e
qualquer outra coisa. Já quando falamos de substancias – uma pedra, um
cavalo, um cachorro, um planeta -, cada uma dessas coisas pode ser
concebida como algo independente a outras.

Das cinco categorias fundamentais com as quais lidaremos, a primeira é a


categoria de substância. Uma substância é aquilo que pode ser entendido
sem referência a outra coisa; é aquilo que existe em si mesmo, e não em
outro. Por exemplo, um cavalo existe nele mesmo, e não em uma pedra; já
o verde não existe nele mesmo, ele existe ou na pedra, ou no lápis, ou no
líquido etc. Podemos então dizer que essa é a principal diferença entre a
substância e os acidentes. A substância é aquilo que existe em si mesma.
Quando dizemos “existe em si mesma”, isso não significa que a substância
foi causada por si mesma. Nem todas as substâncias são eternas e
imutáveis - ou necessárias. É evidente que uma substância pode ser gerada
por outra. Só que, uma vez que ela está gerada, ela existe nela mesma e não
em outra. Já o acidente, não; o ato de ser dele é em outro.

Aluno: Podemos exemplificar o que foi falado sobre a substância não ser
gerada por si mesma se pensarmos, por exemplo, no leite e na manteiga. O
leite pode deixar de ser leite e passar a ser manteiga. O leite é uma
substância diferente da manteiga, mas esta não seria possível sem aquele. E
mesmo o leite também não seria possível se não houvesse uma vaca.

Gugu: Esse é um caso interessante, porque nos introduz a um outro par de


conceitos. Se batermos o leite, ele se transformará em manteiga. Então,
tínhamos uma substância que era leite e que passou a ser manteiga. Num
certo sentido, podemos dizer que a manteiga existia no leite; no entanto,
ela existia no leite somente como um potencial, e não como uma substância
real; ela existia somente como uma possibilidade do leite. Quando a
manteiga passa a existir efetivamente, ela não existe no leite, mas nela
168

mesma. Uma substância pode existir em potência em outra, mas não


efetivamente. Efetivamente ela tem de existir nela mesma.

A segunda categoria fundamental com a qual lidaremos é a da qualidade.


Por exemplo, a cor verde, a doçura, a agudez etc. É muito evidente que
cada uma dessas coisas só pode existir em outra. A terceira categoria é a da
quantidade: um, dois, três, quatro etc. A quarta categoria é da relação: em
cima, embaixo, à direita, paternidade, sucessão, ordem. Todas essas são
noções relativas, noções de relações. E, por último, o par de categorias de
ação e paixão. Esse é um par porque a toda ação corresponde uma paixão,
e a toda paixão corresponde uma ação. Paixão não é entendida aqui no
sentido emocional, mas no sentido apenas daquilo que passa por ou sofre
algo. Ação e paixão são um par de conceitos correlatos também. A
diferença fundamental entre essas categorias é mais ou menos intuitiva.
Todos sabemos a diferença entre quantidade e qualidade. Se alguém disser
“doce”, não entenderemos um número ou um tamanho; se alguém falar
“quatro”, não entenderemos uma qualidade, e sim uma quantidade.

E, embora possamos analisar e desdobrar um pouquinho as diferenças


entre as diversas categorias, não somos realmente capazes de defini-las.
Não podemos definir uma categoria pelo simples fato de elas não
possuírem um gênero. Qualidade e quantidade – e todas as outras
categorias - não são duas espécies da mesma coisa. Por exemplo, o
cachorro e o cavalo são espécies de animal. Já a quantidade e a qualidade
não são exatamente espécies da mesma coisa. E ainda que possamos ter um
nome genérico para elas, esse nome é, realmente, só um rótulo colocamos,
e não é um qualificativo real. Desse modo, quando dizemos que a
quantidade é uma categoria ou um gênero máximo de entes, não estamos
dando um predicado real da quantidade ou da qualidade, e sim apenas um
nome para essas noções; estamos dando somente um nome geral, e não um
predicado real. Quando dizemos, por exemplo: “Sócrates é um homem.”
Homem, aqui, é um predicado real de Sócrates. Quando dizemos: “A
qualidade é uma categoria.” Categoria não é um predicado real da
qualidade, é só um nome para ela.
169

As cinco categorias são tipos de ser, são tipos de existência. As substâncias


existem, as qualidades existem, as quantidades existem, as relações
existem, e as ações e paixões também existem. Todas essas categorias são
coisas que existem. Se elas são coisas que existem realmente, muitas vezes
podemos usar uma delas como predicado de outra, ou então uma como
sujeito da outra (porém, atenção: sujeito apenas no sentido gramatical). Por
exemplo, podemos dizer: “A mesa é verde.” A mesa é uma substância e a
cor verde é um acidente. Nesse caso, o verde é um predicado real da
substância mesa. Podemos dizer também: “O cavalo é grande.” O cavalo é
uma substância, ser grande é um acidente.

Aluno: Se dissermos: “Ele é o quinto colocado.” Ao mesmo tempo em que


estamos dando a idéia de uma relação, também podemos intuir que há, no
mínimo, cinco pessoas disputando uma determinada coisa. Então o
acidente implícito, nesse caso, é a relação, e o acidente que está explícito é
o número.

Gugu: Exatamente. De fato, podemos ter um acidente que é determinado


por outro acidente. Se falamos em “quinto colocado”, evidentemente que
isso se trata de uma relação que subentende quatro posições anteriores.
“Anterior” e “posterior” são relações, mas relações determinadas pela
quantidade. Não conseguimos explicar o que é “quinto” sem incluir os
conceitos de relação e de quantidade. Alguns predicados podem envolver
simultaneamente diversas categorias de acidentes.

Agora, observemos o seguinte. Quando afirmamos, por exemplo: “O


cavalo é marrom.” Ou: “O cavalo tem quatro patas.” Pois bem, o que é
marrom? Podemos explicar que o marrom é uma qualidade, é uma cor etc.
Isso é muito bonito, muito interessante, e explica muito bem o que
queremos dizer com marrom. Esse é um caminho para entendermos a
afirmação de o cavalo ser marrom. Se avançarmos nesse caminho,
explicamos muito acerca do que é marrom, porém muito pouco acerca do
que é cavalo. O primeiro passo para entendermos o que é o cavalo é
170

justamente listar o que ele é: o cavalo é marrom, é vivo, tem quatro patas,
come capim etc. O segundo passo para entendermos o cavalo, entretanto,
não consiste em analisar cuidadosamente cada um dos predicados listados
para ver em qual categoria eles se encaixam. Isso não explica muito acerca
do cavalo. O que devemos fazer é explicar de que modo cada um desses
predicados se relaciona com o sujeito “cavalo”. E será nessas diferenças
que começaremos a entender melhor o cavalo. Por exemplo, se dissermos:
“O cavalo é marrom.” Correto, o marrom realmente está no cavalo. Mas
que sentido? É simples, basta perceber que aquele outro cavalo é branco, e
não marrom. Alguns cavalos são marrons, outros são brancos. Mas se
falarmos: “O cavalo come.” Comer é uma ação. Portanto, comer é uma
categoria diferente da categoria da qualidade. E quando olhamos vários
cavalos, percebemos que o cavalo que não come não existe. Isso quer dizer
que o ato de comer está no cavalo de uma maneira diferente do que a cor
do pêlo dele.

Aluno: O cavalo marrom também só pode existir se ele for marrom.

Gugu: É lógico! Se falamos que o cavalo é marrom, e se isso for de fato


verdade, é lógico que o cavalo marrom só pode ser marrom sendo marrom.
Um cavalo marrom só existe quando ele é marrom. Mas alguns cavalos
não são marrons, e eles não deixam de ser cavalos por isso. Só que o
cavalo que não é capaz de comer, deixa de ser cavalo pelo ato mesmo de
deixar de ser capaz de comer.

Aluno: Então há acidentes que fazem parte da definição da substância,


enquanto outros não.

Gugu: Exatamente. Alguns acidentes são indispensáveis para explicar o


que é a coisa, e outros são perfeitamente dispensáveis. Isso quer dizer que,
quando afirmamos que uma coisa é outra - por exemplo, “o cavalo é
marrom”, ou “a pedra é pesada” etc. -, nem todas essas afirmações estão
em um mesmo nível de significação. Por isso, o primeiro passo para se
estudar um objeto é justamente listar as afirmações que podemos fazer
171

acerca dele. O segundo passo é pegar cada uma dessas afirmações e tentar
analisar em que sentido estamos afirmando uma coisa da outra. E isso não
quer dizer que há muitos sentidos diferentes. Na verdade, só existem cinco
tipos de afirmações diferentes.

O primeiro tipo de afirmação - e o mais simples - é sobre a espécie da


coisa. Por exemplo: “Sócrates é um homem.” Homem é a espécie de
Sócrates; Sócrates é um caso particular da espécie homem. Outro exemplo:
“Totó é um cachorro. Já isso é um cigarro.” Podemos afirmar a espécie,
sinteticamente, dando simplesmente o nome da espécie, ou, então,
podemos afirmar a espécie dando a definição do objeto. Em vez de dizer
que “Sócrates é um homem”, podemos dizer que “Sócrates é um animal
racional”. Dizer que “Sócrates é um homem”, e dizer que “Sócrates é um
animal racional”, é dizer, com mais ou menos palavras, exatamente a
mesma coisa.

O segundo tipo de afirmação é sobre os gêneros da coisa: “Sócrates é um


ser vivo.” Ou: “Verde é uma qualidade.” Qual a diferença entre dizer que
“Sócrates é um homem” e dizer que “Sócrates é um ser vivo”?

Aluno: A espécie “homem” está contida dentro do gênero “ser vivo”.


Quando falamos de um ser vivo, podemos estar nos referindo a um
homem, a um cavalo, ou a uma lagosta.

Gugu: Realmente, “ser vivo” é mais amplo e mais geral do que “homem”.
Mas poderíamos, então, usar outra comparação. Qual a diferença entre
falar que “Sócrates é um ser vivo” e falar que “Sócrates é uma substância”?
Atenção: estamos usando a palavra substância no mesmo sentido que
usamos agora há pouco. Pois então, qual é a diferença? Os dois são
gêneros de Sócrates. Se dissermos que “Sócrates é um homem”, que
“Sócrates é um ser vivo”, e que “Sócrates é uma substância”, quais são as
características comuns a essas três afirmações?
172

A primeira característica comum é que cada um desses atributos pode ser


aplicado a outros seres que não Sócrates; nenhum desses atributos é
sinônimo de Sócrates. Sócrates é um homem, e Platão também. Sócrates é
um ser vivo, e o cavalo também. Sócrates é uma substância, e a pedra
também. Quando dizemos que “Sócrates é um homem” e que “Platão é um
homem”, a palavra “homem” inclui todas as determinações essenciais tanto
de Sócrates quanto de Platão. A diferença essencial entre Sócrates e Platão
não é uma diferença essencial entre homem e homem. Mas quando
dizemos que “Sócrates é um ser vivo” e que “a tartaruga é um ser vivo”,
existem diferenças essenciais que não estão incluídas na noção ser vivo.
Isso quer dizer que as diferenças entre Sócrates e Platão não são diferenças
de tipo universal; as diferenças entre eles não são diferenças genéricas.
Elas são apenas diferenças concretas que existem no fato concreto que é
Sócrates e Platão. Já quando estamos nos referindo às diferenças entre
Sócrates e a tartaruga, essas não são apenas diferenças concretas entre eles,
pois existem diferenças universais nesse caso. Há certas características que
todas as tartarugas possuem, mas que Sócrates não. Então, quando
afirmamos da coisa a sua espécie, afirmamos dela todas as suas
determinações essenciais. Já quando afirmamos da coisa o seu gênero,
afirmamos apenas algumas determinações essenciais, enquanto outras
ficam indeterminadas. Quando dizemos que “Sócrates é um homem”,
afirmamos todas as características essenciais que fazem parte do ser dele.
Mas quando afirmamos que “Sócrates é um animal”, não afirmamos todas
as características essenciais que definem o ser dele. Esse é segundo tipo de
afirmação. Podemos afirmar o gênero da coisa, e afirmar o gênero da coisa
é afirmar apenas algumas de suas determinações essenciais, enquanto
outras permanecem indeterminadas.

A espécie é o máximo de determinação essencial a que podemos chegar.


Qualquer outra diferença entre Sócrates e outros homens não é uma
diferença essencial. A diferença entre Sócrates e outros homens não
acrescenta nada à noção de homem. Se dissermos que “Sócrates é feio”,
“feio” não explica a noção de homem. “Feio” explica um pouco melhor a
noção de Sócrates, porém não explica nada acerca da noção de homem.
173

Ainda podemos dizer que “Sócrates é um animal”. E, nesse caso, se


quisermos explicar um pouco melhor a noção de animal, diremos:
“Sócrates é um animal racional.” “Racional” determina a noção de animal.
Já quando dizemos que “Sócrates é um homem”, que tipo de homem é ele?
Alguém poderia responder: “Ah, ele é um cara legal.” Mais uma vez,
devemos perceber que “cara legal” não determina a noção de homem,
determina a noção de Sócrates. No outro caso, “racional” é uma diferença
que se refere ao gênero animal. E, por se referir ao gênero animal, refere-se
a este animal que pertence a esta espécie (no caso, o homem). Quando
dizemos “cara legal” ou “feio”, esses conceitos não determinam a noção de
homem, determinam apenas um ser concreto específico. No momento em
que atribuímos a alguma coisa o seu gênero, definimos algo que nela é
essencial, enquanto outras coisas que fazem parte da essência dela
permanecem indeterminadas. “Animal” se refere à essência de Sócrates,
mas refere-se de maneira mais geral e indeterminada. Já “sábio” também se
refere a Sócrates, porém não se refere a nada que seja de sua essência;
“sábio” é apenas uma característica individual de Sócrates.

Até agora, temos então três tipos de predicação: 1) podemos predicar da


coisa a sua espécie ou a essência; 2) podemos predicar da coisa o seu
gênero, que é algo que está contido na essência, porém é mais geral e
indeterminado; 3) e podemos predicar um acidente.

O acidente é algo que pode estar presente ou não em uma coisa. Ele é algo
que caracteriza o indivíduo concreto, mas não é uma determinação da sua
essência. É algo que é verdadeiro quando afirmado de indivíduo em
particular, mas não é verdadeiro quando afirmado da espécie. Quando
dizemos que “Sócrates é sábio”, isso é verdadeiro acerca de Sócrates, mas
não necessariamente é verdadeiro acerca do homem em geral, pois nem
todos os homens são sábios. Mais ainda, quando dizemos que “Sócrates é
sábio”, isso quer dizer que Sócrates foi sábio desde que nasceu? Quando
ele era um bebê de dois meses, já era ele sábio? Não, Sócrates tornou-se
sábio. E ao se tornar sábio, ele não mudou de espécie de maneira alguma.
Ele já era um ser humano aos dois meses de idade e continuou um ser
174

humano durante toda a sua vida. Então, o acidente - a predicação acidental


- é aquilo que, quando afirmado ou negado, não muda a definição da
espécie. Mas há um tipo de acidente que, embora não faça parte da
essência, possui uma relação mais direta com ela. Por exemplo: “O Fulano
ri.” Ora, o ato de rir é um acidente que é característico dos seres humanos.
Se o sujeito nunca ri, ele não deixa de ser humano. Por algum período da
nossa biografia, é possível que sejamos definidos como alguém que não ri.
E é provável que durante alguns minutos, ou horas, ou dias (como os
primeiros dias da sua vida), não rimos em nenhum momento. No entanto,
este não é um acidente como, por exemplo, ter peso. Ter peso não é
característico do ser humano, é característico dos entes corpóreos. A este
tipo de acidente chamamos propriedade. Algo que é próprio, característico,
mas que não explica o que a coisa é.

Por último, temos a predicação da diferença específica. Da mesma forma


que podemos dizer que “Sócrates é um animal”, também podemos dizer
que “Sócrates é racional”. “Racional” é uma determinação da nossa
essência, uma diferença da nossa essência; é o que nos diferencia dos
outros animais; é um atributo essencial. Portanto, “racional” é algo bem
diferente do gênero. Devemos perceber que, quando dizemos que “Sócrates
é um animal”, a palavra “animal”, aqui, refere-se concretamente à
animalidade racional que existe no Sócrates. Não queremos dizer “animal”
no mesmo sentido de quando dizemos que o “cavalo é um animal” - a não
ser que queiramos ofendê-lo, mas este já é um uso secundário da palavra.
O elemento “racional”, nesse caso, está indeterminado, pois não o
explicitamos. E é por isso que podemos usar o predicado “animal” de
maneira ofensiva. Porém, quando dizemos “racional”, não incluímos a
referência à animalidade nem mesmo de maneira indeterminada. É de se
notar que a palavra “animal” já carrega em si um potencial de maior
determinação. Quando dizemos “animal” nos referindo ao cavalo, essa
palavra já inclui algo mais; quando dizemos “animal” nos referindo a
Sócrates, essa palavra já indica algo mais, ainda que de maneira
indeterminada. Já quando dizemos “racional”, a noção de animal não está
incluída nem de maneira indeterminada, nem de maneira implícita. Se
175

observarmos bem, quando predicamos de algo “animal” – por exemplo: “o


cavalo é um animal” –, já deixamos subentendido que existe alguma outra
noção que complementa a noção de animal, e que, junto a esta, pode
explicar o que é um cavalo. Se juntarmos essa noção subentendida à noção
de “animal”, explicamos o que é um cavalo.

O mesmo se dá quando dizemos que o “Luiz Gonzaga é um animal”. Há,


nesse caso, a idéia de que, juntando alguma outra noção à noção de
“animal”, explicamos o que é o Luiz Gonzaga. Já quando dizemos que o
“Luiz Gonzaga é racional”, não há nenhuma determinação do sentido da
palavra “racional” que, se acrescentada, explica o que é o Luiz Gonzaga.
Por quê? Não poderíamos dizer que ele é um “racional animal”? É claro
que poderíamos; poderíamos dizer o que quiséssemos. Mas a verdade é que
“animal” não é uma determinação de “racional”. “Animal” não é um tipo
de “racional”, não é um modo de ser racional. Isso significa que, quando
apontamos uma diferença, não apontamos um gênero de uma maneira
indeterminada, e sim apenas uma diferença formal última. Dizer que algo é
racional não subentende de maneira nenhuma que esse algo é um tipo de
animal. Já quando dizemos “animal”, o conceito de animal evoca a
pergunta em nossa mente: “Que tipo de animal? O que caracteriza este
animal?” O gênero carrega, na sua conotação, a diferença de maneira
indeterminada. O contrário não ocorre; a diferença não carrega, em sua
conotação, o gênero. Se um ser é racional, o fato de ele ser racional, e a
própria noção de racional, não traz consigo a possibilidade de
diferenciação entre “animal” e “não animal”. Se algo é um animal, esse
algo não o é por ser racional; ser animal não é uma diferenciação da sua
racionalidade.

Imaginemos um passo a diante: tentemos conceber um “racional” que não


é um “animal”. Um anjo também é dotado de racionalidade e inteligência;
porém o ser humano também é racional. A animalidade (que é uma nota do
ser humano) e a espiritualidade (que é uma nota do anjo) diferenciam a
própria noção de racionalidade? De maneira alguma. Uma demonstração
de uma operação matemática – por exemplo: dois mais dois é igual a
176

quatro (2+2=4) - vale tanto para nós quanto para os anjos. Qualquer
operação racional vale tanto para nós quanto para os anjos, da mesma
maneira e no mesmo sentido. Isso significa que a “animalidade” não é uma
modificadora da “racionalidade”. Somente o inverso - a “racionalidade”
como modificante da “animalidade” - é verdadeiro. Tudo o que se pode
inferir por meio da razão e da inteligência é válido, seja essa operação
realizada por animais ou não. As leias da aritmética, por exemplo, não
mudarão quando morrermos e deixarmos de ser um animal, bem como
nunca mudarão para os anjos. Tudo o que deriva da racionalidade vale
igualmente para os animais racionais e para os não-animais racionais.
Devemos perceber claramente que a “animalidade” não é modificadora da
“racionalidade”. Desse modo, quando dizemos que algo é um animal,
podemos dizer muitas coisas sobre aquele ser, justamente porque ele é um
animal. Mas algumas das coisas do ato de ser animal não podem ser ditas
sobre esse algo enquanto não notarmos a sua diferença específica.
Podemos descrever muitas operações vitais dos animais, como, por
exemplo, ter percepção sensorial, gostar ou desgostar, ter simpatia ou
antipatia etc. Porém, de repente, temos um animal como o homem. E por
mais que possamos dizer algo acerca do homem a partir da noção de
animal, há algumas operações vitais dele que determinam a sua
animalidade concreta, e que só poderão ser explicadas quando incluirmos a
noção de racional. Mas não há nenhuma operação racional do homem que
só pode ser explicada quando eu inclusa a noção de animal.

Não estamos comparando, aqui, o homem com o anjo. Uma operação


racional é necessariamente a mesma para ambos. Por exemplo, dois mais
dois é igual a quatro (2+2=4) tanto para o homem quanto para o anjo. O
resultado dessa soma, para o anjo, não será oito (8), ou menos quatro (-4),
ou quatro e pouco (uma fração). Uma operação racional é sempre a mesma
para qualquer ser racional, seja esse ser um arcanjo ou um homem de QI
muito baixo. Desde Deus, passando pelos anjos, até o ser humano,
qualquer operação racional é universalmente válida e será sempre a
mesma. Pelas mesmas operações, pode-se alcançar os mesmos resultados.
Isso não quer dizer que a percepção e a racionalidade de um anjo estejam
177

no mesmo grau da percepção e da racionalidade de um homem. Não é isso.


Mesmo nos homens elas não estão em graus iguais. Porém, a operação
racional é a mesma para qualquer ser racional. Uma demonstração que é
válida para um homem, também é válida para Deus e para todos os seres
no meio do caminho.

Aluno: A diferença é que o anjo faz a conta de cabeça e o ser humano tem
que fazer no papel!

Gugu: Mas essa não é uma diferença racional, e sim uma diferença da
memória. É uma diferença do referencial concreto. Toda vez que um anjo
faz uma conta e acerta, e toda vez que um homem faz uma conta e acerta, o
resultado dessas operações é sempre o mesmo. Qualquer outra condição
não modifica a racionalidade, porque a racionalidade é uma diferença
última. Ela [a racionalidade] é que é a modificadora de outras condições.
Poderíamos perguntar se, nesse caso, a racionalidade é um sinônimo de
lógica. E a resposta é não, a racionalidade não é um sinônimo de lógica. A
racionalidade é a capacidade de realizar operações intelectuais e abstratas.
Isso inclui a lógica? Claro, mas inclui a ilógica também, e inclui operações
que são anteriores à lógica.

Vimos nas aulas passadas que o ser humano tem a capacidade de, ao
pensar, por exemplo, em um leão, ele ser capaz de pensar abstratamente no
leão, e não em um leão em particular ou em um leão que está prestes a lhe
causar algum mal. Essa também é uma capacidade racional. Podemos nos
referir mentalmente e verbalmente ao leão, independentemente da nossa
circunstância concreta. Não precisamos ouvir um rugido para pensarmos
em leão. Isso não é lógica, mas é uma operação racional. A lógica é um
capítulo da racionalidade, e não o livro inteiro. E também é claro que há
alguma diferença concreta entre as operações que realizamos com a nossa
racionalidade enquanto humanos e as operações que um arcanjo realiza
com a racionalidade dele enquanto arcanjo. Mas, como já dito, também há
diferenças concretas entre as operações racionais que um ser humano
realiza em comparação a outros seres humanos. Portanto, essas são
178

diferenças de grau, são diferenças concretas, e não diferenças na própria


racionalidade. Os resultados, uma vez certos, têm de ser os mesmos. Os
resultados racionais, derivados da inteligência, têm de ser os mesmos nos
seres humanos, nos arcanjos, e até em Deus. Se não fosse assim, não teria
sentido o homem relacionar-se com os anjos ou com Deus. A relação entre
o homem e Deus seria sempre igual à que existe entre o homem e os
cachorros. No máximo, seria uma relação afetiva; haveria um elemento
unilateral nela. Mas todas as grandes religiões afirmam que a relação com
Deus é completamente bilateral. Isso não significa que o homem e Deus
são iguais: nós morremos, e Deus não. Isso já é uma grande diferença.

Tales: Podemos dar exemplos de operações racionais que não sejam a


lógica ou a abstração? Quais seriam os exemplos de outras operações
racionais?

Gugu: As operações racionais pelas quais entendemos os princípios da


lógica. A lógica é uma ciência específica. Para que exista a lógica, é
preciso que ela tenha princípios que não são explicados pela própria lógica.
Ora, esses princípios têm de ser entendidos, com a inteligência racional,
antes da lógica. Por exemplo, o princípio de não-contradição: algo não
pode ser e não-ser sob o mesmo aspecto e ao mesmo tempo. Não sabemos
disso por meios lógicos. Pelo contrário, saber isso é que permite a
existência de instrumentos lógicos.

Aluno: A percepção intuitiva é uma forma de operação racional? E a


percepção estimativa, é ela uma forma de intuição?

Gugu: Sim, a intuição intelectual é um meio anterior à lógica, e ela é uma


operação perfeitamente racional e anterior à lógica.

Aluno: A intuição intelectual é um tipo específico de intuição? A percepção


estimativa é também outro tipo específico de intuição? Por exemplo, um
animal pode, por meio da percepção estimativa, perceber que não é capaz
179

de pular um determinado obstáculo, e nem por isso o chamamos de animal


racional.

Gugu: O resultado da avaliação estimativa não é intuição e nem algo


intuitivo. A palavra “intuição” tem dois sentidos. O primeiro é o sentido
etimológico estrito. Intuição significa ir dentro, alcançar o interior do
outro, captar o que está dentro do outro. Intuir, no latim, é in tueor, que
significa “ir para dentro”. Nesse sentido, a percepção estimativa não é
intuitiva de maneira nenhuma, porque a percepção estimativa só é uma
percepção de uma relação extrínseca. “Este bicho quer me atacar. O que é
esse bicho? Não sei, mas ele quer me atacar!”. Na estimativa não vamos de
encontro ao íntimo do ser desse animal que está prestes a nos atacar.
Estamos olhando mais os dentes do bicho do que procurando entender o
que ele é. Portanto, no sentido estrito, isso não é intuitivo. O outro sentido
da palavra “intuitivo” é ser algo que é muito rápido, sem uma longa
deliberação mental - algo que é percebido de uma maneira imediata, ou
num intervalo de tempo muito curto. Nesse sentido, uma avaliação
estimativa pode ser intuitiva.

Tales: Explique melhor o que seria a intuição intelectual e o que é uma


operação racional.

Gugu: A intuição intelectual consiste na apreensão imediata de uma


relação essencial entre dois conceitos. Por exemplo, duas coisas iguais a
uma terceira são iguais entre si (em linguagem lógica: A = C, B = C, logo
A = B). É possível perguntar: “Isso não é uma operação lógica?” Não. Na
verdade, isso é um principio da lógica. Toda operação lógica implica em já
saber isto. Note-se que a formulação desse princípio que é lógica. Quando
alguém diz que “duas coisas iguais a uma terceira são iguais entre si”,
podemos ter de pensar um pouco para entender o que foi dito, mas na hora
em que entendemos as palavras, percebemos que já concordávamos com
isso antes mesmo de elas [as palavras] serem enunciadas. Não é a partir do
enunciado do princípio que passamos a concordar com ele, pois nós já
sabíamos o que passou a ser dito em palavras antes mesmo de elas serem
180

pronunciadas. O discurso, aqui, tem um valor meramente indicativo, e não


demonstrativo. A percepção dessa igualdade não é lógica. Já sabíamos isso
antes de pensar nisso! Quando alguém enuncia que “duas coisas iguais a
uma terceira são iguais entre si”, pensamos: “Mas é lógico!” Só que
“lógico”, nesse momento, tem o sentido de ser auto-evidente, e, portanto, é
algo pré-lógico. Para que pudéssemos raciocinar, e até para que
pudéssemos pensar nos termos dessas palavras, já precisávamos saber isso.
Os princípios da identidade e da não-contradição já estavam lá.

Então, o conhecimento desses princípios possui duas características da


intuição. Primeiro, ele é imediato; não demandou um tempo para existir;
essa constatação é imediata. A constatação de que aquilo que foi dito
corresponde a esse princípio, esta sim é mediata. Segundo, a intuição tem
por objeto uma relação essencial. Não se trata de, apenas em um caso
específico, duas coisas específicas serem iguais a uma terceira coisa
também específica e, portanto, de elas serem iguais entre si. Essa é uma
relação válida para todos os casos em que duas coisas forem iguais a uma
terceira. Ela não é como a avaliação do cachorro que quer nos morder. Essa
é uma avaliação particular: “Esse cachorro aqui e agora quer me morder.”
Não é uma avaliação geral e essencial dos cachorros, senão ninguém teria
cachorros, porque todos eles sempre iriam querer morder todas as pessoas.
Então, a avaliação estimativa não existe fora de uma circunstância
concreta. Já no princípio universal - independente de quais sejam as duas
coisas e de qual seja a terceira coisa -, essa relação estrutural é sempre
válida. Basta que façamos a análise. Quando expressamos um princípio, ou
um axioma, talvez tenhamos de pensar um pouco para entender a sua
formulação. Mas quando a entendemos, percebemos que ela [a formulação
do axioma] concorda com algo que já sabíamos evidentemente. Ela não é
uma nova intelecção. E sempre, em qualquer operação lógica, dependemos
de saber isso. Os primeiros esforços para aprendermos a linguagem já
subentendiam sabermos isso.

[Intervalo.]
181

Gugu: Entenderam em que sentido a atribuição da diferença é diferente da


atribuição do gênero? A afirmação do gênero subentende uma
indeterminação que só pode ser preenchida pela diferença, mas a afirmação
da diferença não subentende um gênero indeterminado. Não há algo a
acrescentar à noção da diferença para especificar o que ela é. Já quando
falamos no gênero, há algo a acrescentar para explicar o que ele é. A
diferença é exatamente isso: uma diferença formal última. Não existem,
por exemplo, dois tipos de racionalidade - uma racionalidade dos animais e
outra dos não-animais -, mas existem vários tipos de animalidade.
Tentemos, então, usar esses instrumentos chegarmos à definição de livre
arbítrio (ou liberdade humana). O queremos dizer quando dizemos que
alguém é livre? Se conseguirmos distinguir esse fenômeno de um lado, e
distinguir o que são as influências astrológicas do outro, poderemos
entender como eles são compatíveis. Então, o que queremos dizer quando
dizemos que alguém é livre?

Aluno: Que este alguém é responsável pelas próprias escolhas?

Gugu: A responsabilidade é uma conseqüência da liberdade, e não uma


causa dela. Somos responsáveis porque somos livres, mas não somos livres
porque somos responsáveis. A responsabilidade vem depois; a liberdade
vem primeiro. Nesse momento, por exemplo, o nosso corpo sente uma
inclinação em direção à cadeira ou ao chão. Temos aqui uma tendência de
movimento muito clara. Os nossos corpos estão em cima e tendem a descer
para o chão. Se pularmos, caímos de volta no chão. Temos um movimento
aqui, e esse movimento tem um termo inicial, que é estar separado do chão,
e um termo final, que é estar no chão. Esse termo final é sempre um só.
Isto é, o movimento do corpo em direção ao chão é sempre em direção ao
chão. A força que o impele para o chão sempre o impele para o chão. Mas,
por exemplo, a gazela às vezes vai em direção da grama, às vezes em
direção à água. Nós às vezes ligamos a televisão, às vezes não. A primeira
condição para que haja algo a que possamos chamar de liberdade é a
existência de duas possibilidades mutuamente excludentes: ou ligamos a
televisão, ou não ligamos; ou a gazela come a grama, ou ela bebe água.
182

Ambas as ações são possíveis, mas não ao mesmo tempo. Por serem ambas
possíveis, temos de escolher um término para o movimento. Se não
existisse a possibilidade de um mesmo movimento terminar numa ou
noutra direção, não existiria liberdade de maneira alguma. Para que exista
liberdade, devem existir diferentes termos finais possíveis para um mesmo
movimento. Voltando ao exemplo da gazela: existe o desejo dela de obter
satisfação. Um dos termos desse movimento possível é o alimento, o outro
termo é a água, o outro termo é o descanso etc. E, em cada momento, ela
tem de escolher entre um desses termos, porque não se pode dormir e
comer ao mesmo tempo.

A segunda possibilidade da liberdade é que, dado certo fim, podem existir


vários meios de obtê-lo. Por exemplo, se um homem casado está com sede,
ele pode pedir que a mulher dele pegue um copo d’água na cozinha, ou
então ele pode mover o próprio traseiro e ir até lá buscar. O resultado
“beber água”, nesse exemplo, é o mesmo, mas os meios pelos quais se
chegam a ele são diferentes. Então, por existirem meios diversos para se
chegar a um resultado, é preciso que se escolha um dentre eles. Para que
exista a liberdade, é preciso que exista diversidade de opções. Porém, é
bom notar que, se em uma determinada condição concreta não existe
diversidade de opções, isso não significa que o potencial de liberdade não
exista, significa apenas que a liberdade não existe concretamente naquele
momento. Se um indivíduo estiver na cadeia, ele deve comer a comida que
o carcereiro traz, pois ou ele a come, ou ele morre de fome. “Mas hoje eu
não quero isso, eu quero pizza!” Ele não pode escolher entre um alimento
ou outro. Em todos os dias sentimos fome em algum momento. O que
iremos comer? Possuímos uma certa liberdade de escolha, porque há uma
variedade de alimentos que podemos ou não comer ou naquele dia. Isso
significa que a condição subjetiva para a liberdade é a percepção. Se não
formos capazes de apreender e representar mentalmente o término do
movimento antes de ele acontecer, não temos a condição de exercer
liberdade alguma. Esta é a primeira condição que diferencia o homem ou o
animal da pedra, pois a pedra é atraída em direção ao chão e acabou. Ela
não percebe isso, então ela não tem escolha alguma. A ausência de
183

percepção elimina a liberdade. A segunda causa possível de eliminação da


liberdade é quando, fora do sujeito que percebe, não existem várias coisas
a serem percebidas. Se o leão está com fome e só há uma gazela disponível
para que ele cace, das duas, uma: ou ele caça essa gazela, ou morre de
fome. O leão não pode escolher entre a gazela e outro alimento, porque não
há outro alimento presente para que ele perceba. Outro exemplo é o do
sujeito na cadeia: ou ele come a comida que o carcereiro traz, ou morre de
fome. Não há que se falar nesse caso: “Eu quero pizza.” Nesse sentido - da
existência de alternativas e da existência da percepção das mesmas, antes
do resultado -, os animais também possuem liberdade. E é nisso que
consiste a diferença entre nós e os vegetais.

No entanto, há um capítulo a mais aqui no livro sobre a liberdade humana.


Os animais possuem um tipo de liberdade que não é do mesmo tipo que a
nossa. E qual seria a diferença entre a liberdade de um cachorro e a nossa?
No caso do cachorro, ele tem a escolha de urinar ou dentro de casa, ou
fora. A partir daí, podemos educá-lo para urinar fora de casa, punindo-o
quando ele urinar dentro da mesma. Mas qual é a diferença entre punir um
cachorro que urina dentro de casa e punir um sujeito que comete um
crime? Qual é a diferença entre essa liberdade de escolha do animal e a
liberdade de escolha do ser humano?
Em primeiro lugar, os animais não têm o senso de moralidade e justiça que
o ser humano possui. Mas de onde vem esse senso? O que torna possível a
nós agir de maneira moral ou imoral? Não é possível para o animal agir de
maneira moral ou imoral. Por exemplo, quando corrigimos o cachorro para
que ele não urine dentro de casa, não há em nossa consciência um senso de
reprovação do animal enquanto tal. A reprovação é somente em relação à
ação. Entendemos que, para ele, fomos nós que inventamos que a casa não
é o lugar apropriado para se urinar. Essa não é uma regra que surge da
cabeça dele. Não o reprovamos, porque sabemos que ele não é capaz de
conceber algo como “casa” e “fora de casa”. Mais uma vez, fomos nós que
inventamos que a casa é o lugar onde não se pode urinar – à exceção do
vaso sanitário do banheiro -, e o animal não entende nada disso.
184

Agora, e se uma pessoa viesse nos visitar algum dia e urinasse no meio da
sala? Sentiríamos a mesma coisa que sentimos quando o cachorro faz a
mesma coisa? Ficaremos com vontade de bater nesse sujeito. Só que
também podemos ficar com vontade de bater no cachorro. Então, qual é a
diferença entre a vontade de bater na pessoa que fizer isso e a vontade
bater no cachorro? Como falamos antes, o cachorro não urina dentro da
sala porque ele tem a intenção de nos contrariar. E quem inventou essa
coisa de “sala” fomos nós, e não ele. Já o ser humano, pode até ser possível
que ele esteja urinando dentro da sala sem a intenção por ter um cérebro
meio canino, mas é mais provável que ele esteja fazendo isso de
sacanagem mesmo. E isso, na teoria do delito, é o que se chama de dolo e
culpa, isto é, o sujeito pode cometer um crime com ou sem a intenção de
praticá-lo. O cachorro pode urinar dentro de casa, mas o fará sem a
intenção de nos contrariar deliberadamente; já uma pessoa, é bem mais
provável que o faça apenas de má vontade.

Aluno: O ser humano tem o livre arbítrio determinado? Há um limite para


o livre-arbítrio do homem?

Gugu: É evidente que liberdade é sempre determinada. Como já dissemos,


em primeiro lugar, ela é determinada objetivamente pela existência de
alternativas. Se não existem duas alternativas, não existe liberdade. Em
segundo lugar, ela é determinada também pela consciência que temos das
alternativas. Se existem as alternativas, mas não somos capazes de
percebê-las antes de elas se efetivarem, também não temos escolha. Assim,
é claro que o livre-arbítrio é determinado. Porém, não devemos achar que,
por isso, a nossa liberdade é mais restrita do que a do animal. Muito pelo
contrário. Somos mais livres do que os animais.

Aluno: É por isso que as Artes Liberais ampliam a nossa percepção? Para
que se amplie o nosso universo de escolhas e possamos ser mais livres?

Gugu: Elas são chamadas de Artes Liberais justamente por causa disso.
Nós somos mais livres do que os animais, porque temos mais modos de
185

percepção do que eles. Para um animal, a desculpa de que ele não sabia
que não se podia urinar dentro de casa é válida. Para o homem, nem
sempre. Pois podemos falar: “Você não sabia, mas devia saber!” O animal
não tem nenhuma escolha além das escolhas concretas. Quando ele quer
urinar, ele pensa: “Faço xixi aqui ou não? Já que eu não vou deitar aqui,
mas vou deitar ali, então faço xixi aqui e pronto. Tenho esse espaço para
fazer o xixi, e ali um espaço para deitar”. Suponhamos que alguém, na casa
de outra pessoa, urina na sala desta: “Para mim é simples. Faço xixi ali no
canto e me deito no sofá.” Mesmo que esse alguém não estivesse
informado de nada mais, a pessoa, dona da casa, poderia dizer: “Se você
não estava informado, deveria estar!” Com o animal, no máximo, podemos
dizer: “Poxa, ele estava mal informado acerca da situação. Pior para ele,
pobre coitado.” Mas não podemos dizer que ele devia estar mais
informado. Está clara a diferença entre “podia estar mais informado” e
“devia estar mais informado”? Está claro que o animal não tem deveres
intrínsecos? Os deveres vêm sempre de fora, nunca de dentro. Então, se
algum cachorro urina na sala, ninguém diz: “Esse cachorro devia saber não
fazer xixi na sala.” Caso aconteça de algum cachorro urinar na sala, dirão:
“Deviam treinar esse cachorro para que ele não faça mais xixi na sala.”

Tales: O Fulano disse que o ser humano também tem esse elemento de
condicionamento na infância, pois não é razoável exigir de uma criança
que ela saiba dessas coisas. Então, por isso, a criança deve ser educada do
mesmo modo que um cachorro. Mas é bom notarmos que esse elemento,
no ser humano, é uma etapa provisória, ao passo que, no animal, é um
estado definitivo. Rapidamente o ser humano passa por essa fase; já o
animal, é toda a vida dele.

Gugu: Sim, exatamente. Existem duas diferenças nesse caso. Primeiro,


para nós, isso é um estagio temporário, provisório, apenas para aprender o
básico. Segundo, o aprendizado desse básico é para a conveniência de
quem está aprendendo, e não para a conveniência de quem está ensinando.
É uma diferença fundamental: o cachorro não poder fazer xixi na sala é
inconveniente para ele, mas é conveniente para o seu dono; já ensinar para
186

criança, não fazer xixi na sala é conveniente para ela própria. É a criança
que terá a vantagem de viver separada da própria urina. Ensinar a criança a
não urinar na sala é educação, e não adestramento. É fornecer a ela novas
possibilidades que melhorarão a vida dela. Tanto que ela, normalmente, irá
chegar ao ponto de entender que urinar na sala não é uma coisa boa nem
para ela e nem para os outros (e se ela não chegar a entender, devia
chegar). Enquanto o cachorro vai entender, no máximo, que fazer xixi na
sala desagrada o dono dele.

Tales: Aliás, é por isso que essa noção de ressocialização de presos, com
base numa política de quase adestramento, chega a ser desumana.

Gugu: Tecnicamente falando, não é possível realmente adestrar uma


pessoa; é possível reduzi-la a uma condição em que o adestramento
funcione. E isso é evidentemente imoral. É completamente diferente do
que educá-lo, nem que seja na base da paulada. É possível que se eduque
na base dos castigos físicos, é claro. Se o sujeito sair ganhando, isso é
ótimo. Adestramento é uma coisa, educação é outra. Só que, para os
animais, também existe educação: quando um grupo de leões ensina seus
filhotes a caçarem, eles estão os educando, pois são os filhotes que levarão
vantagem quando aprenderem a caçar. Mas essa é uma educação muito
mais limitada. Quando o filhote de leão não aprende, ele é só um coitado e
não um culpado. Pode-se usar, aqui, a palavra “treinamento” também. No
entanto, não isso não se trata de um adestramento, esse treinamento é de
fato um processo educacional. Os leões que ensinam seus filhotes a
caçarem, os elevam a estatura de leões adultos. O leão não ensina os seus
filhotes apenas para que não tenha mais de caçar para eles. E isso é
diferente do adestramento, que sempre visa beneficiar o adestrador, e não o
adestrado. Só os seres humanos são capazes de adestrar alguma coisa, já os
animais nunca fazem isso. Nenhum cachorro treina outro para caçar para
ele, mesmo porque, se o outro cachorro aprendeu a caçar, ele
automaticamente tornou-se capaz de caçar para si mesmo.
187

A grande diferença entre a liberdade humana e a liberdade animal é que,


quando animal não escolhe a melhor opção, ele não é culpável. Por que ele
não é culpável? Porque ele não é capaz de conceber um propósito geral das
ações; ele não tem esse tipo de percepção. Ele somente tem a percepção da
ação no seu contexto concreto. Ou ele acerta e vive bem, ou erra e vive
mal. O homem, não. Além de perceber o contexto concreto da ação, o ser
humano também percebe a ação no contexto geral da sua existência - a
relação entre a ação e a forma humana. A natureza humana é a mesma em
todos os seres humanos, ao contrário da situação concreta, que nunca é a
mesma entre dois entes diversos. O que é válido para um leão numa
situação concreta, pode não ser válido para o leão logo ao lado dele. Para
os animais, em geral, tudo é avaliado caso a caso. Por exemplo: se o leão
sai para caçar a gazela e a gazela escapa, então ele se dá mal. Mas ele não
pode ser processado pela leoa por não levar comida para os leõezinhos que
ele gerou. Por que ela não pode tem o direito de processá-lo (fora o fato de
que ela não é capaz de conceber essas coisas)? Ela não pode fazer isso
porque o leão não é capaz de conceber essas coisas; não está na natureza
dele. Quando se reprova um ser humano, mede-se a ação dele com a forma
humana em geral, e não somente com a circunstância concreta.

Aluno: Para educar o aluno, o professor faz com que ele adquira
consciência da situação de todo ser humano; o professor faz com que ele
transcenda a situação concreta dele, chegando a um contexto universal.
Então, um professor que queira adestrar o aluno, procura limitá-lo à
situação concreta momentânea e distanciá-lo desta percepção geral do ser
humano.

Gugu: A diferença entre educação e adestramento é simples: na educação,


quer-se dar ao educando as mesmas possibilidades que o educador tem; no
adestramento, não se quer dar novas possibilidades para o adestrado,
apenas o adestrador procura fazer uso das possibilidades do outro para
benefício próprio. E aí poderiam perguntar: “Pode-se dizer que a educação
brasileira seria basicamente um adestramento?” Isso não é novidade. O
sujeito não quer ensinar algo que ele saiba. O adestramento sempre
188

envolve um elemento de ocultação. E o que caracteriza a liberdade humana


– e a educação humana - é o fato dessa liberdade ser medida por dois eixos
diferentes. No caso do animal, a liberdade dele é medida somente no eixo
da circunstância concreta e necessidades internas. O animal, opera desse
modo: “Eu preciso de comida, e há aquela gazela ali.” Se ele conseguir
resolver essa equação – a necessidade de comida e a disponibilidade da
gazela que está ali -, terá sucesso; se não, fracassará. No caso do ser
humano, não é só isso, há também outro eixo: além das necessidades
internas e a circunstância concreta7 existe o panorama da existência
humana.8 Se o leão roubar a gazela caçada por outro leão, ele não é um
canalha. Mas se um homem roubar a presa de outra pessoa, há algo de
errado.

O que há de errado? Um homem é - ou ao menos deveria ser -


perfeitamente capaz de calcular que caçar a gazela demanda tempo e
esforço. E tempo e esforço são recursos que não possuímos de maneira
ilimitada. Uma vez gastos tempo e esforço para caçar uma gazela, não é
possível que alguém os recupere. Quando alguém tem a gazela conquistada
roubada, esses recursos são tirados da vítima. É por isso que o roubo é um
pecado tão grave, pois rouba-se o tempo e o esforço do outro; não é nem
tanto pelo objeto roubado. As pessoas têm recursos e meios de ação
limitados, e com o roubo é tirado delas esses meios. Rouba-se um pedaço
da vida das pessoas. Todo o tempo dedicado para que se conseguisse
aquela gazela acaba sendo tirado daquela pessoa que a caçou, sem a
possibilidade de ser devolvido. Se alguém trabalha o mês todo, ela acaba
ocupando um terço do mês trabalhando, e quem rouba o salário dele, rouba
dez dias da vida dele. É, de certa forma, um assassinato em menor escala.
Por isso sempre foi um pecado e um crime graves. Não é algo pequeno
como se costuma dizer: “Só roubou, mas não matou.” É um passo na
direção do matar.

7
Podemos chamar esse eixo de eixo horizontal.
8
E esse eixo podemos chamar de eixo vertical.
189

Aluno: Em que medida o ser humano tem essa capacidade moral de


perceber o que é errado intuitivamente? E quando perceber o que é errado
só possível através da educação? O quanto se pode atribuir de
responsabilidade ao indivíduo?

Gugu: Em que medida podemos atribuir culpa ao sujeito concreto,


independentemente da educação que ele teve? É simples. Claro que isso
varia bastante caso a caso, porque teríamos que levar em conta todos os
fatores. Mas, em princípio, é concebível que o indivíduo saiba que aquela
conduta específica é errada, independentemente de uma educação prévia?
Em segundo lugar, ele possui alguma experiência análoga? Se é concebível
e ele possui experiência análoga, então ele é culpável. Por exemplo: é
concebível para o homem que obter alimento é trabalhoso. Em algum
momento da vida, qualquer pessoa passou por uma experiência de, no
mínimo, levantar do sofá e ir até a cozinha buscar um sanduíche. Todo
mundo, alguma vez na vida, pediu um sanduíche para a mãe ela disse:
“Não, você já está muito grande para eu ficar fazendo sanduíche para você.
Vai lá e faça você mesmo. Largue mão de ser folgado.” Mesmo que essa
mãe não tivesse um propósito educacional ou pedagógico, todos passaram
pela experiência de ter de se esforçar para obter esse alimento. Portanto, é
concebível que a obtenção de alimento demanda esforço. Sabemos disso
pois passamos por essa situação. Então, automaticamente devemos aplicar
ao outro o mesmo raciocínio. Até que se prove o contrário, o outro também
deve se esforçar para obter o próprio alimento.

Isso também explica porque a esmola é um ato tão meritório. Damos um


pedaço das nossas vidas. Mesmo que seja um pedaço muito pequeno
naquele momento, o damos para o outro. Se uma pessoa precisa de ajuda,
não adianta falar para ela trabalhar durante uma semana para comprar
comida, pois ela está com fome ali naquela hora. O princípio da
misericórdia, da esmola, da caridade, é fantástico, porque ele faz de um
pequeno mal, um grande bem. A misericórdia é um negócio lucrativo em
termos morais: “Poxa, eu perdi dois reais, mas aquela pessoa ganhou mais
um dia de vida.” Uma operação justa simplesmente nos impede de cair no
190

vermelho. Se alguém não rouba a carteira de outra pessoa, a conta fica


zerada. É bom que não se roube a carteira dos outros, mas ninguém sai
lucrando com isso. A carteira do outro já existia, na vida dele, como um
bem. Quando se dá uma esmola, aumenta-se a quantidade de bem e
objetivamente diminuiu-se a quantidade de mal. A moralidade, a justiça e
as virtudes existem porque o homem é capaz de perceber o panorama da
sua existência humana, enquanto o leão não é capaz de conceber o
panorama da existência leonina. O leão é incapaz de conceber o que
acabamos de dizer sobre a caridade. O leão, quando chega à idade adulta,
depõe os leões velhos e os expulsa do bando. Ele também não hesitará em
matar os filhotes dos outros leões. Por quê? Porque ele não percebe que os
outros leões se reproduzem pelo mesmo motivo que ele; ele não percebe
que não tem mais direitos do que os outros leões. Para o leão não existe
isso, pois ele não sente os desejos do outro e não vê o outro como um
sujeito integral, apenas como sujeito fragmentário. O leão vê o outro leão
como uma parte do seu próprio universo. Um ser humano assim é um
sociopata.

Temos, então, a condição de conhecer a condição geral da existência


humana. Tanto somos capazes de perceber esse panorama, que a moral
fundamental de todos os povos, durante toda a história do planeta Terra,
sempre foi exatamente a mesma. Todo mundo ensinava sempre a mesma
coisa. Por quê? Porque esse era um conhecimento que todos possuíam. Por
exemplo: “Ame o próximo como a ti mesmo. Faça ao próximo aquilo que
desejas que façam a ti. Não faça ao próximo aquilo não desejas que façam
a ti.” Essas regras fundamentais sempre existiram para todos, e também as
derivações básicas dela, como as restrições ao homicídio, ao roubo, ao
adultério etc.; todas essas coisas são sempre iguais em todos os povos. E
todos aqueles que falaram “vale-tudo”, extinguiram-se e deixaram de ser
povos.

Aluno: O fio condutor dessa unidade dos povos é a religião? Ou existiu


algum povo ateu, ou que desconhecia a existência de Deus, mas que
possuía a capacidade de fazer esse discernimento?
191

Gugu: A unidade que sempre manteve todo povo coeso, sempre foi a
religião, que pregava essa moral fundamental. E todo povo que não teve
isso, não durou muito tempo. A religião é, em certo sentido, a catalisadora
da existência humana. Em princípio, pode-se derivar essa moral
fundamental da própria experiência. Para isso, basta que reflitamos, pois
essa moral está baseada na estrutura mesma da inteligência humana. Mas
como ter o poder de nos lembrarmos todos os dias da moral concreta? É
nesse ponto que a religião entra em jogo. Ela é, digamos, o despertador que
nos permite acordar na hora do trabalho. Sabemos que é necessário acordar
todos os dias em uma determinada hora para irmos trabalhar, e para isso
não precisamos de um despertador. Porém, precisamos do despertador para
acordar. A moral, enquanto estrutura essencial, não é derivada da religião,
mas a religião é o alimento fundamental da consciência moral concreta. A
religião não sobrepõe algo à natureza humana; ela é algo para que o ser
humano possa tirar proveito de sua natureza; ela existe para que se possa
tirar o máximo proveito dessa natureza. Toda religião tem um fundador
que está claramente no topo da inteligência, da virtude, da sabedoria. Esse
é o primeiro instrumento pelo qual a religião é catalisadora da moral. Ela
dá uma ilustração de até onde a natureza humana pode chegar. Em segundo
lugar, ela dá uma série de meios para que esse limite fique impregnado na
mente dos seus adeptos. A relação entre as duas coisas é como a diferença
entre uma pessoa que estuda um tratado de teoria musical, sem nunca
tentar aprender a tocar um instrumento. Isso é evanescente, evidentemente.
Pode parecer que aquilo tudo é só uma coisa mental. A moral sem religião
tende a se dissolver nesse sentido. Ela não se torna necessariamente
inválida ou errônea, porém fica frágil. Um ateu pode inferir os mesmos
princípios morais que um não-ateu, mas a moralidade dele tende a ser
frágil, no sentido de ser apenas um conteúdo mental.

Mas o ponto é perceber que, no caso do ser humano, a liberdade vai um


pouco além. Por quê? Pois além de conceber a circunstância concreta, ele é
capaz de perceber o panorama geral da existência, coisa que um animal não
pode fazer. O leão não pode perceber o panorama geral da existência
192

leonina, apenas as instâncias concretas em que a existência dele se


desenvolve. Essa concepção geral se manifesta na mente humana na
medida em que se tem a experiência concreta. Ainda que seja concebível,
por exemplo, que obter alimento dê trabalho, essa concepção permanece
como um conteúdo mental até o momento em que é experimentado o
esforço para se obter algum alimento. Isso quer dizer que, o senso concreto
do esforço que o alimento demanda, pode variar imensamente de um ser
humano para o outro. Há vidas em que o alimento demanda pouquíssimo
esforço em relação ao conjunto total da existência, e outras em que esse
esforço demanda a maior parte do tempo. Esse senso pode variar muito;
pode variar até mesmo de um dia para o outro. Há dias em que a pessoa
não se importaria em passar fome por estar interessada em alguma outra
coisa. O foco do interesse dá um direcionamento para a liberdade. Ao
mudar o cenário, muda-se a disposição, a inclinação e a escolha do
indivíduo.

Suponhamos que alguém necessite, para livrar-se de uma doença, de uma


cirurgia que custa cinqüenta mil reais; ou que essa pessoa esteja juntando
cinqüenta mil reais para comprar um carro. No processo que ela está
juntando o dinheiro para fazer a cirurgia, quais as possibilidades reais de
surgir algo que a faça gastar esse dinheiro em alguma outra coisa? Se
surgir algum indivíduo e oferecer um o carro dos sonhos dela por trinta mil
reais – dinheiro esse que ela estava juntado para a cirurgia -, essa pessoa
compraria o carro ou continuaria juntando dinheiro para salvar a própria
vida? Já no processo de juntar dinheiro para comprar um carro, pode
acontecer que se encontre outra coisa de trinta mil reais que seja mais
interessante do que ele. Isso quer dizer que, diante de determinados
cenários, a tendência real efetiva de mudarmos de rumo é muito pequena.
Nesses cenários, é necessário que surjam motivos muito fortes para que
mudemos de direção. Enquanto que em outras escolhas, não; é muito fácil
que mudemos nossos caminhos. Dependendo das possibilidades que o
cenário concreto nos oferece, existem certas escolhas possíveis. Mais
ainda, dependendo de qual o término possível, a inclinação para esse
término é mais forte ou mais fraca. Muita força é necessária para que se
193

tire alguém de um rumo que, por exemplo, seja uma questão de vida ou
morte. Porém, a maior parte das questões não chegam a ser questões de
vida ou morte. Tratam-se apenas de obter um certo lucro, de perder algo
para ganhar outra coisa. Isso quer dizer que, embora o sujeito seja
efetivamente livre em cada momento para escolher qualquer curso de ação
possível (pois, por definição, ninguém escolhe o impossível, a não ser que
não se saiba que a escolha é impossível), caso se tenha uma boa descrição
do cenário e das inclinações dele, é possível que se diga o que esse
indivíduo escolherá. Por exemplo, de vez em quando aparece uma criança
que, entre sorvete e brócolis, escolhe o brócolis. Mas em noventa por cento
dos casos, as crianças escolherão o sorvete. Então, dadas as informações
suficientes, é possível que antecipemos a maior parte das ações de qualquer
pessoa. Porém, isso não quer dizer que elas não sejam livres. Ela só não
seria livre, se a ela não fossem dadas as alternativas antes de escolher.

Aluno: Isso quer dizer que a pessoa não é livre de suas inclinações
pessoais, mas é livre em tomar as decisões de acordo com as inclinações
que possui?

Gugu: Não exatamente, porque a pessoa pode mudar as preferências dela


deliberadamente. As pessoas podem se educar para ter um gosto ou desejos
diferentes. O que constitui a liberdade não é a imprevisibilidade da escolha.
Ainda que a escolha seja perfeitamente previsível, ela foi uma escolha do
sujeito. Mesmo que noventa por cento das crianças escolham o sorvete, são
elas que fazem essa escolha! O fato de que somos capazes de prever o que
a pessoa escolherá, não altera a escolha dela. Previsibilidade não coincide
com necessidade. Poderíamos dizer: “Todo mundo, em algum momento de
hoje, irá deitar em alguma cama parar dormir.” Dizer isso não muda o fato
de que, na hora em que deitamos em nossas camas, fomos nós que
escolhemos deitar e dormir. Ninguém fez essa escolha por nós. Ao
prevermos uma escolha ou uma decisão de outra pessoa, não estamos
determinando aquela escolha ou decisão. Nem sequer há uma sugestão para
que as pessoas durmam. Não há nenhuma relação que modifique ou
influencie nesse resultado. Prever não modifica em nada, não tem nenhuma
194

força causal sobre a decisão, e não acrescenta informação ao cenário.


Temos o poder de influenciar na decisão do outro quando acrescentamos
informações ao cenário, e não quando prevemos o que ele escolherá.
Quando dizemos a alguém que, caso ela escolha “x”, acontecerá “y”, então
estamos acrescentando informações ao cenário. Porém, nesse caso não
estamos prevendo a escolha dessa pessoa, mas o efeito necessário que se
seguirá de uma determinada escolha. A escolha de um sujeito só pode ser
determinada por aquilo que ele mesmo pode prever dela. Em última
análise, prever que o sujeito escolherá “x” em vez de “y” e prever que se
ele pular o seu corpo cairá no chão é a mesma coisa. Isso não altera o
fenômeno de maneira nenhuma.

Retomamos esse assunto na próxima aula. Até a próxima!

Transcrição: Carlos Augusto G. Nascimento, João Neves, Paulo Henrique


B. Ribeiro, Rafael V. Vanni
Revisão: Danilo Roberto Fernandes

Instituto Cultural Lux et Sapientia

Curso de Astrologia e Cosmologia


Medieval
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 07
195

Tópicos da aula:

Exemplo de pergunta horária. As maneiras erradas de se ver a astrologia e


a proibição da Igreja; a questão do libre-arbítrio. O problema da astrologia
vs. ciência. As perguntas sobre a validade da astrologia têm de ser atacadas
em quatro planos diferentes: 1) qual o fenômeno observado?; 2) a técnica
astrológica para formulação de opiniões; 3) quais as hipóteses ou teorias
causais que existem entre o fenômeno e a técnica; 4) depurar, do estudo da
técnica, aquilo que é superstição e que acompanha a prática. A função das
artes práticas. Geocentrismo e heliocentrismo; a cadeia de dependência dos
movimentos. A possibilidade de uma explicação científica da astrologia.
Comparação entre a visão tradicional e a visão moderna das coisas. O
treino na astrologia horária.

Transcrição da aula:

Gugu: Boa tarde. Antes de entrarmos no assunto, fica uma curiosidade que
vamos explicar mais adiante no curso. Como ficamos um pouco atrasados,
fiz a pergunta horária: “Haverá aula hoje?” E temos aqui um mapa para
interpretar. Claro que, como os alunos ainda não sabem astrologia horária
muito bem, não é possível explicar exatamente como funciona.

Basicamente, uma aula é significada pela casa IX. E, eu mesmo - o


professor -, sou significado pela casa I, pois fiz a pergunta. O que podemos
observar aqui no mapa é que o regente da casa IX e o regente da casa I se
aplicam a uma quadratura, e os dois estão em casas cadentes. Isso quer
dizer que haverá aula hoje, porque eles estão se aplicando e formarão um
aspecto. Então, o professor e a aula vão se encontrar. Porém, por se tratar
de uma quadratura e os dois regentes estarem em casas cadentes - o que os
enfraquece muito -, isso indica que a aula começará após algumas
196

dificuldades ou atrasos. Portanto, fica o exemplo para quando começarmos


a aprender astrologia horária. Mas passemos para o assunto de hoje, que é,
em parte, a continuação do assunto da aula passada.

Na aula passada, levantamos um pouco a questão do livre arbítrio e


tentamos explicar que um diagnóstico não tem força causal. Um médico
pode fazer um diagnóstico, por exemplo: “Meu filho, você está com o pior
tipo de câncer que existe, e você vai morrer daqui a seis meses.” Então,
nesse caso, o médico não teve nada a ver com isso, ele apenas avaliou uma
situação. Com o astrólogo se dá o mesmo. Este pode dizer para um sujeito:
“Você está me perguntando sobre mudar de emprego, mas estou vendo
aqui no mapa que você já decidiu e que você vai mudar de qualquer jeito,
mesmo sendo uma droga para você.” Também aqui o astrólogo não tem
nenhum poder causal sobre a decisão do indivíduo.

Porém, isso levanta uma questão mais geral. Alguém perguntou, em uma
das aulas passadas, sobre a Igreja e a atitude dela em relação à astrologia.
Tentaremos explicar, hoje, três questões de maneira um pouco mais geral:
1) a questão do livre-arbítrio; 2) a questão da astrologia em face da Igreja e
do cristianismo; e 3) a questão da astrologia e a ciência.

A questão do livre-arbítrio está muito ligada à questão da astrologia e o


cristianismo. As duas objeções fundamentais da Igreja em relação à
astrologia são: a) uma questão teológica e b) uma questão antropológica,
que está, por sua vez, também ligada à questão teológica.

Passemos ao exame da questão teológica, que pode se dividir em duas. Na


prática de uma astrologia qualquer, o astrólogo pode vir a acreditar na
existência de forças causais no universo que reduzem a transcendência
divina, e que podem, num certo sentido, ser consideradas divinas elas
mesmas. Isto é, o astrólogo pode acreditar que os astros são espíritos como
Zeus, Odin etc., e que eles têm um poder causal independente da vontade
divina. Nesse caso, esse tipo de astrologia é proibida pela Igreja, porque
implica em idolatria. O outro ponto refere-se à prática astrológica que
197

acredita que a posição de Júpiter ou de Marte, ou o aspecto entre um e


outro, tem um poder causal eficiente sobre a vontade humana. Se é,
supostamente, a posição dos planetas que decide o que homem fará, mas
não ele mesmo, esse tipo de astrologia também é proibida pela igreja.

Os motivos dessas proibições são evidentes. Ambas as posições são


contrárias às definições que a Igreja tem do que é Deus e do que é o ser
humano. Teologicamente, a objeção da Igreja refere-se apenas a esses dois
tipos de astrologia. Um indivíduo pode iniciar o estudo ou a prática
astrológica, e começar a acreditar em Odin, Zeus, Cronos, Saturno, Júpiter
etc., como os antigos acreditavam. Esse tipo de crença é condenado pela
Igreja, e ela faz muito bem em condenar. O aspirante a astrólogo também
pode começar a acreditar que existe só um Deus, mas que não existe livre-
arbítrio; ou que o ser humano não é um ser espiritual, e sim determinado
pelos planetas. Essa prática também é contrária à Igreja e é proibida, pois é
errada. As duas práticas são supersticiosas, são pecados contra a fé. Mas,
igualmente, é um pecado contra a fé pensarmos que um indivíduo é um
criminoso por causa do seu DNA, que supostamente determina o seu
comportamento. Essa biologia é igualmente contrária à fé. Qualquer
determinismo absoluto, qualquer proposta de uma causalidade eficiente
sobre a vontade humana que seja externa ao próprio ser humano é contrária
à fé cristã - e não só a ela, mas contrária à fé budista, contrária à fé
muçulmana, contrária à fé hindu, e a qualquer sã avaliação do que é o ser
humano. Essas objeções teológicas são permanentes, não há um momento
na história em que a Igreja muda as suas posições em relação a Deus ou ao
livre-arbítrio humano, porque isso faz parte da definição da religião.

E isso nos leva ao outro aspecto da questão: o aspecto antropológico. As


situações históricas podem mudar a atitude da Igreja em face da astrologia,
mas não mudam a posição dela em relação às teses teológicas. Isto é, se o
sujeito acredita na existência de outros deuses, além do único Deus
onipotente, criador do universo e juiz dos homens, e acredita que esses
outros deuses mandam, independentemente de Deus, então esse sujeito já
está fora do cristianismo. Também, se alguém defender a tese de que existe
198

um determinismo absoluto sobre a vontade humana, seja ele astrológico ou


não, esta pessoa está fora da religião cristã igualmente. Isso não mudará
nunca. Mas o que pode mudar? Se observarmos a literatura dos santos e
dos hierarcas da Igreja nos primeiros cinco ou seis séculos do cristianismo,
não havia nenhum sermão que não incluía uma condenação à astrologia.
Por quê? Pois, a astrologia que fazia parte do corpo de ciências e técnicas
da cultura em geral na antiguidade, era usada com muita freqüência pelos
sacerdotes pagãos como um argumento a favor da sua religião. O sujeito
consultava o astrólogo, a previsão se concretizava, e o sacerdote pagão
dizia: “Está vendo? Foi Zeus quem fez isso! Não é uma coisa astrológica!
Isso aqui é a nossa religião.” Isso deixava as pessoas abaladas, e elas
pensavam: “Esse negócio não deve ser cristão, porque a religião desses
caras aqui está baseada na ciência.” Isso se deu do período logo após a
queda do império romano, até uns trezentos, quatrocentos, quinhentos
anos depois da sua dissolução. Nessa época, toda a estrutura social vigente
era baseada no paganismo.

Porém, ao chegarmos nos séculos X e XI, a estrutura social havia sido


totalmente reformulada em termos cristãos, e o paganismo estava
praticamente extinto do ambiente europeu. Quando lemos os grandes
teólogos e santos desse período, nenhum deles fala da astrologia nos
mesmos termos da antiguidade. Todos eles diziam: “Os corpos celestes
naturais podem ter uma influência sobre os corpos terrestres, por motivos
de ‘x’, ‘y’ e ‘z’.” Havia várias teorias astrológicas, pois eles não estavam
mais preocupados com a volta do paganismo e a volto do culto a outros
deuses, como, por exemplo, Apolo. As pessoas nem tinham mais um local
onde pudessem adorar a Apolo. Essa alternativa não existia mais, então
deixou de ser um problema. Nesse momento, o debate acerca da
compatibilidade da astrologia com o cristianismo volta-se exclusivamente
para a questão do livre arbítrio: “Existe alguma astrologia que não cancela
o livre- arbítrio? Se existe, ela é perfeitamente razoável e pode ser estudada
como qualquer outra coisa.” Essa é a atitude geral de São Tomás de
Aquino, de Duns Scot, de Santo Alberto Magno, dos grandes teólogos e
autoridades do tempo. E isso é assim até mais ou menos o século XVII. Era
199

um fato geral, entre os séculos XI e XVII, as pessoas cultas terem que


estudar astrologia.

Isso mudou novamente com a disseminação das revoluções, da


mentalidade iluminista etc. Foi o iluminismo que começou a expulsar a
astrologia do ambiente cultural em geral, pois ela não convergia com as
concepções que os iluministas tinham do universo.9

Quando chegamos ao século XX, o problema politeísta não é um problema


muito prático realmente. Se entrevistássemos astrólogo por astrólogo,
quantos deles realmente diriam acreditar na existência de mais de um
Deus? Um em cada cem; deveria existir um maluco em cada cem que
acreditava nisso. A maior parte dos astrólogos não tinha um problema
teológico referente à idolatria de falsos deuses. Porém, o que marca esse
período é a severa onda de determinismo e relativismo cultural. O homem,
então, não tem uma vontade autônoma. Esta é resultado do processo
histórico, ou do DNA, ou da sociedade, ou da ideologia do opressor
capitalista.

Ainda hoje, no século XXI, estamos nessa onda determinista e relativista.


Existem inúmeras correntes de pensamento que propõem que o ser humano
não é realmente livre, e a astrologia pode ser usada como mais um
elemento para reforçar essa idéia. Hoje, se entrevistássemos as pessoas que
estão, pelo menos, entre o primeiro e o segundo ano de faculdade, todas
elas diriam: “Nosso comportamento não somos nós que decidimos, é a
sociedade, é o DNA etc.” Todo mundo é deterministas atualmente. E vale
dizer de novo: quem é determinista está fora do cristianismo. Acabou, não
tem conversa. Uma coisa não é compatível com a outra. Só que a prática
astrológica determinista é só mais um capítulo no grande volume de teorias
deterministas que existem hoje.

9
Nota do revisor: É interessante lembrar, no entanto, das aulas do professor Olavo que dizem respeito ao início
da Modernidade. A prática de astrologia, alquimia e magia, bem como a difusão das seitas esotéricas e
sociedades secretas, foram fatos marcantes desse período, porém varridos para debaixo do tapete da História.
200

O estudo astrológico e a prática astrológica, em si, não são contraditórios


com o cristianismo, bem como não são contraditórios com nenhuma
religião. O que é contraditório ao cristianismo são as teses teológicas e
antropológicas contrárias à teologia cristã. Se o homem não é livre, toda a
mensagem das religiões e toda a mensagem cristã não têm sentido. Todas
as religiões pregam: “Você deve se comportar desse jeito, e não daquele ; e
você deve porque você pode, porque é você que decide.” Então, sempre
temos de ter em mente aquilo que é permanente e aquilo que é transitório.
Só que o sujeito desatento ouve toda essa conversa, abre o catecismo e está
lá:

“2166. Todas as formas de adivinhação devem ser rejeitadas:


recurso a Satanás ou aos demônios, evocação dos mortos ou outras
práticas supostamente ‘reveladoras’ do futuro. A consulta dos
horóscopos, a astrologia, a quiromancia, a interpretação de
presságios e de sortes, os fenômenos de vidência, o recurso aos
‘médiuns’, tudo isso encerra uma vontade de dominar o tempo, a
história e, finalmente, os homens, ao mesmo tempo que é um desejo
de conluio com os poderes ocultos. Todas essas práticas estão em
contradição com a honra e o respeito, penetrados de temor amoroso,
que devemos a Deus e só a Ele.” 10

Porém, devemos lembrar do prefácio - ou do prólogo - do catecismo, que


salvo engano é do Ratzinger, cardeal na época. O “novo catecismo” não é
novo porcaria nenhuma. O texto não propõe nada de novo, e deve ser
interpretado à luz da tradição que sempre existiu. Ele não inova, mas diz a
mesma coisa que São Tomás de Aquino falava há 700 anos atrás, com a
diferença de estar com uma nova retórica, uma nova veste. Então, se o
catecismo não propõe nada de novo, nenhuma determinação nova,
realmente não houve nenhuma mudança real. Isso quer dizer que a
proibição que existe no catecismo hoje é tão válida quanto a não proibição
que existia no tempo de São Tomás de Aquino. Ou seja, ela é uma
10
Nota do revisor: O capítulo IV da Introdução à Astrologia Ocidental, de Marcos Vinicius Monteiro, também
trata do tema.
201

proibição à idolatria e ao determinismo, e não à prática e ao ensino da


astrologia em si.

Agora, entramos no terceiro capítulo. Nem o catecismo, nem o papa, nem a


astrologia, e nem mesmo eu podemos servir de substituto da sua
consciência. Cada um deve olhar para si mesmo e analisar: “Espera aí, eu
acredito que os planetas mandam mais que Deus ou que eles estão em pé
de igualdade a Ele? Eu acredito que se Júpiter e Deus decidirem competir,
Júpiter tem alguma chance?” Se alguém acredita nisso, não deve praticar
astrologia e nem estudá-la. Outro ponto a ser analisado: “Eu acredito
mesmo que não sou responsável pelas minhas ações? Acredito que aquilo
que faço não é culpa minha?” Caso alguém também acredite nisso, não
deve praticar e nem estudar astrologia. O quanto você acredita nisso, ou
não, é você que tem que decidir. Eu não posso decidir isso para você, nem
o catecismo, nem o livro de astrologia, e nem o papa. Ninguém é substituto
da sua consciência. Só você sabe o que você sabe e pensa a respeito dessas
questões. Esse é o ponto mais importante. Se alguém tem dúvidas se a
astrologia é permitida ou proibida pela igreja, já demos aqui as linhas
gerais para que procure os textos e reflita acerca dessas questões. Essas
linhas gerais que estamos dando aqui não são substitutas da análise que,
individualmente, cada um deve fazer em caso de dúvida real.

Às vezes, só porque demos essas linhas gerais o sujeito pensa que não tem
esse perigo: “Não creio nem na maluquice da existência de vários deuses,
nem que os planetas são deuses, e nem que eles podem determinar alguma
coisa independente de Deus e em contradição a Ele. Também não acredito
que são os outros, ou os planetas, que decidem o que eu decido. O que eu
decido, sou eu que decido mesmo. Bem ou mal, a culpa é minha.” Só que a
crença dele pode não ser essa realmente, ainda mais se tratando de quem
tem pouca prática religiosa. Mais ainda, se o indivíduo está procurando
alguma coisa em que possa jogar a culpa por aquilo que fez, ele deve
estudar biologia comportamental, genética comportamental, teoria
revolucionária da história etc. Essas matérias fornecem meios muito mais
poderosos para defender a tese de que ninguém é culpado de nada,
202

aliviando então a consciência pesada que a pessoa possa ter. E esses são
meios mais populares também. Podemos dizer: “A culpa não é minha, é de
Júpiter.” Nesse caso, muita gente rirá da nossa cara. Agora, também
podemos dizer: “A culpa não é minha, é do sistema.” Então, muita gente
irá nos aplaudir, e é capaz até que ganhemos um dinheiro.

Se alguém tem alguma dúvida acerca da relação entre a religião cristã - ou


qualquer outra religião - e a prática e o estudo da astrologia, analise essas
questões e vá procurar os termos, porque é somente a consciência
individual que pode esclarecer isso. No meu caso, sei que o estudo e a
prática de astrologia não são contrários a nada disso. Na verdade, eles são
benéficos para a minha religião.

Em última instância, quem pode estudar e praticar astrologia? Só quem


está dentro da religião? Quem não estiver dentro da religião, hoje, e
começar a estudar astrologia, não entenderá a questão da transcendência
divina e da liberdade humana. A pessoa que não estiver em alguma religião
e começar a prática da astrologia, fraquejará em algum desses pontos e
cairá no engano. A convicção religiosa é, hoje, praticamente a única defesa
contra o determinismo ou contra a idolatria. Essa é a verdade. O sujeito
que não tem uma firme consciência da transcendência divina; que não tem
a consciência de que Deus pode tudo, é independente de tudo, e de que
nada faz frente a Ele; que não tem a consciência de que o homem, como
imagem e semelhança de Deus, como representante de Deus na Terra,
participa dessa transcendência justamente na sua liberdade final; o sujeito
que não tem a consciência disso é o sujeito que não pratica nenhuma
religião. O único jeito de a pessoa ter essas firmes convicções é praticando
alguma religião. É claro que podemos conceber o caso teorético do ateu
esclarecido, porém, casos teoréticos geralmente não são exemplos reais.

O grande problema é que a maioria dos cristãos, hoje em dia, por mais
religiosos que sejam, estão contaminados de uma forma muito intensa pelo
determinismo. Por isso, é fundamental aquela purificação da mentalidade
que falamos na primeira aula. Hoje em dia é muito mais importante o
203

sujeito procurar se limpar de outras contaminações não astrológicas de


determinismo do que se preocupar com astrologia. Há muitos cristãos que
dizem: “Sou cem por cento cristão, mas isso que aquele sujeito faz, não é
ele, é a sociedade.” Ou: “Não é ele, são os ricos que o espoliam, são os
banqueiros, a culpa é dos banqueiros.” Ou ainda: “A ciência diz que é o
DNA. O cara nasceu com o gene errado.” Antigamente se falava que a
pessoa nascia sob uma estrela ruim, hoje em dia se diz que ela nasceu com
um gene ruim. Então, o sujeito está se afastando da religião dele por
muitos outros meios que ele não percebe. E, embora não seja, de maneira
nenhuma, má política da Igreja manter esse artigo na edição nova do
catecismo, é uma péssima política não ter acrescentado outros detalhes,
como por exemplo, que a biologia determinista também é contrária à fé,
que teoria da história determinista também é contrária a fé etc. Essas outras
coisas poderiam ter sido incluídas no catecismo, porque essas são questões
um tanto quanto urgentes que estão na mente de muitas pessoas.

E esse processo de purificação mental não é mágico. Às vezes achamos


que estamos conscientes e, de repente, estamos nos justificando com a
biologia, com a sociologia, com a história etc. De repente, o sujeito nem
percebe que justificando para si mesmo que a ação dele foi determinada
pela sociedade, pelos malditos capitalistas, pelos Estados Unidos etc. O
indivíduo está rezando o terço e duas horas depois diz: “Isso é culpa dos
americanos. Fiz por causa dos americanos, e a culpa é deles.” Isso é
contrário à fé. Quem diz isso, está, neste ato, renegando a fé cristã. Como
essa pessoa não teve plena advertência, há aí uma atenuante, mas isso não
melhora a vida dela em nada.

Antigamente, quando uma pessoa dizia que fulano fez algo por causa de
beltrano, ela queria apontar uma influência emocional, e não afirmar a
existência de uma filosofia determinista por detrás. Ela só estava falando
do palco em que fulano agiu. É óbvio que as pessoas não agem num
cenário abstrato, mas diante de informações e da reação interna a essas
informações. Porém, a decisão da ação não é determinada nem pela
informação objetiva, nem pela informação subjetiva. A decisão é escolhida
204

a cada momento. Todo mundo sabia disso. Por exemplo, poderiam dizer:
“Ele fez isso porque a esposa o traiu.” Então, ninguém achava que a culpa
era da esposa e do amante dela. Não havia uma crença determinista.
Ninguém tirava o marido traído do banco do tribunal para colocar a esposa.
Hoje em dia, diz-se que foi por causa disso, foi por causa daquele outro
etc. Ou então, por causa do uso social da terra, o integrante do MST sai do
banco dos réus, e o proprietário da terra é quem fica na posição de culpado.
E vão dizer o seguinte para justificar isso: “Isso aqui é determinismo
sociológico. O cara do MST não tem escolha, ele tem que agir assim.” Esse
modo de pensar é um tipo de filosofia determinista. Então, atualmente há
tantas outras formas de determinismo tão mais difundidas e tão mais
poderosas, que seria de uma certa importância mencioná-las no catecismo.

Aluno: No novo catecismo, comandado por Ratzinger, eles tinham consciência dessa
distinção que acabamos de mencionar?

Gugu: É claro que tinham. Mas temos que entender que o catecismo não é um profundo e
elaborado tratado de teologia. Digamos que o livro para o teólogo deveria ser a Suma
Teológica. O catecismo é leitura para o homem comum, para o pai de família, e não para o
teólogo. Se ficassem elaborando muitas distinções sutis, as pessoas não leriam. Tentem
convencer o católico médio a ler o catecismo. Apenas dez por cento dos católicos lêem o
catecismo. Se a terminologia do catecismo fica muito complicada, reduz-se a proporção
de cristãos que o lêem. Isso só pioraria a situação. O catecismo sempre tem que ser uma
leitura mais fácil, compactada, mas tem que dar indicações suficientes. Não foi errado
terem listado a consulta de horóscopos e a astrologia como exemplos, mas faltaram todas
essas outras coisas que mencionamos aqui. Mas, de maneira geral, o catecismo tem que
ficar mais na linha da segurança do que na linha da insegurança. É preferível que um
católico não corra nenhum risco de consultar um mau astrólogo. Então, o catecismo, como
um conjunto de instruções práticas, sempre tem que ter uma simplificação que seja mais
favorável à salvação do que à precisão teológica ou dialética.

Hoje, todo mundo assiste os documentários do Discovery Channel, ou do National


Geographic, que insistem em passar a mensagem, por exemplo, de que alguém mata outra
pessoa por causa dos genes com que nasceu. Há uns documentários de psicopatas nesses
205

canais, e a coisa descamba ou em um determinismo social, ou em um determinismo


biológico, ou um pouco dos dois. Mais antigamente havia o estudo frenologia, que media
o crânio das pessoas e tirava conclusões acerca dela: “Se o crânio for desse formato, a
pessoa será inteligente, se for desse outro formato, será burra. Se o crânio for desse jeito, a
pessoa será boa, se não, será má.” Atualmente, isso é muito mais sutil e elaborado. O
DNA é misterioso o bastante para que as pessoas acreditem que ele é capaz de fazer
qualquer coisa. Então, há um clero científico que supostamente sabe dessas coisas, e a
população em geral tem que acreditar por fé. E esse é um problema muito maior do que a
astrologia. Quer dizer, uma pessoa só irá ao astrólogo se quiser. Já a televisão, todo
mundo a liga quando chega do trabalho e está lá passando o Discovery Channel. Porém,
há pessoas que não assistem televisão. Mas a coisa não melhora, pois é na escola que as
pessoas aprendem essas besteiradas deterministas.

Por tudo isso, deveriam ter incluído um aviso sobre as formas de divulgação científica,
porque estas simplificam os estudos dos pesquisadores sérios na direção da ideologia do
sujeito que está fazendo a divulgação. Um aviso desse tipo seria importante.

Dito isso, entramos agora no problema da astrologia e a ciência. A astrologia é


verdadeira? Perguntas sobre astrologia e ciência me dão cansaço. Já as perguntas sobre a
veracidade da astrologia, definitivamente, me dão nojo. Se alguém faz essa pergunta é
porque não pensou cinco segundos na questão. A astrologia é uma técnica de formulação
de opiniões. Ela é como o diagnóstico médico ou a mecânica de automóveis. Uma técnica
não é nem verdadeira nem falsa. Ou ela é boa ou ela é ruim, ou ela é eficiente ou ela é
ineficaz. A opinião produzida pela técnica é que pode ser verdadeira ou falsa.

Por exemplo, quando alguém leva o carro no mecânico, este pode dizer: “Olha, temos que
trocar a borrachinha da rebimboca da parafuseta, porque ela está queimada.” Daí, quando
se abre o capô do carro, a borrachinha da rebimboca da parafuseta está queimada, e, ao
trocá-la, o carro volta a funcionar. Não interessa saber a técnica que o mecânico usou para
formular a opinião dele. O ponto chave da questão é: a opinião que ele emitiu é verdadeira
ou falsa? A opinião, e não a técnica! Um mecânico pode dizer que ouviu um barulho
estranho, outro pode dizer que estava saindo uma fumaça, outro ainda pode dizer que
estudou engenharia automobilística etc. A técnica que se usa, desde que a opinião seja
verdadeira, não importa.
206

Isso é exatamente como um diagnóstico médico. Como se chega a um diagnóstico? É pela


sorte? Tira-se um papelzinho de uma jarra com trezentos papéis? É pelo método do Dr.
House? O médico é um Sherlock Holmes da medicina? Não nos interessa qual é o método
utilizado para se chegar ao diagnóstico. Em primeiro lugar, devemos nos perguntar: o
diagnóstico é correto ou não? A opinião a qual chegamos pode ser verdadeira ou falsa. A
técnica não pode ser verdadeira ou falsa.

Isso é muito importante de entender, pois existe uma tremenda diferença. Podemos
perguntar: “A astrologia funciona?” Olha, a boa astrologia funciona; já a astrologia ruim,
não. Por meio da boa astrologia, o bom astrólogo formula opiniões verdadeiras em casos
que, sem a astrologia, não daria para se formular uma opinião. Isso é como o método de
diagnóstico dos chineses. Os médicos chineses só vêem o pulso para fazer diagnósticos,
pois eles tratavam das princesas chinesas e só podiam tocar no pulso delas. Imaginem se
eles dissessem para as princesas: “Tire a camisa, pois quero ver como é.” Se dissessem
isso, cortavam a cabeça deles. Então, eles tiveram que desenvolver uma técnica de
diagnóstico só com o pulso. Essa técnica é verdadeira ou falsa? A técnica não é nem
verdadeira é falsa. A opinião do médico chinês, quando ele diagnostica um problema que
deve ser tratado de uma maneira específica, é verdadeira ou falsa? Essa é a única pergunta
que tem cabimento.

No entanto, podemos perguntar se uma determinada técnica é razoável, partindo dos seus
pressupostos gerais. Uma técnica pode funcionar, mas pode ser impossível de ser
transmitida. Por exemplo, caso haja algum mecânico que descubra o problema de um
automóvel tocando tambor, dificilmente ele conseguirá ensinar essa técnica para outro
mecânico. Para ensinar a técnica para outro mecânico, ele teria que ter uma iluminação
mística que mostrasse outro mecânico capaz de receber a mesma técnica interiormente, ou
ele teria que ser capaz de expor a técnica a partir dos seus pressupostos razoáveis. Então,
esse é outro problema. E, nesse ponto, a astrologia também é uma técnica extremamente
razoável.

As perguntas sobre a validade da astrologia têm que ser atacadas em quatro planos
diferentes, assim como as perguntas sobre qualquer outra técnica humana. Isso é um
esquema universal. Quando alguém diz que tem uma técnica para avaliar algo, essa
técnica tem que ser avaliada segundo esses quatro critérios ou quatro dimensões.
207

Em primeiro lugar, a técnica se baseia na observação de qual fenômeno? É a partir da


observação de alguma coisa que determinada técnica se desenvolve. O que foi observado?
Então, temos que chegar a uma definição comum do fenômeno. Para que alguém ensine
ou explique uma técnica para outra pessoa, essa outra pessoa tem que saber para onde
olhar. Essa é a primeira problemática da astrologia. As pessoas, em geral, não sabem qual
o fenômeno observado na astrologia. E este fenômeno é muito simples: é o simbolismo
dos astros, o simbolismo do céu. Porém, falar do simbolismo dos astros não é falar da
astrologia ainda. O simbolismo dos astros é um fato independente da astrologia. Muita
gente diz que o simbolismo dos astros é coisa de astrólogo. Essas pessoas deveriam
estudar um pouco de simbolismo. Existe de fato um simbolismo objetivo dos astros? Essa
resposta é muito fácil de responder. Se a pessoa ler uns dez livros e meditar no assunto,
ela entenderá que as coisas possuem um simbolismo. Se alguém ler meia dúzia de livros
do Guénon sobre simbolismo e olhar os objetos a que ele se refere, é impossível que essa
pessoa chegue à conclusão de que as coisas não têm um simbolismo. É apenas uma
questão de estudo.

Tales: É interessante mencionar a apresentação do meu pai sobre Ratzinger, René Guénon
e o simbolismo.

Gugu: É verdade. Até o papa em uma ocasião disse que o simbolismo é uma coisa
objetiva. E, não só isso, como ele também fala que o Guénon prova que o simbolismo é
uma coisa objetiva, e não uma projeção; ele diz que esse fenômeno é, portanto, a base
para a constituição de uma ciência simbólica. Ou seja, para os fedelistas 11 de plantão: o
papa Ratzinger estudou René Guénon! O papa Ratzinger já saiu da tradição, já é anátema!
E o que é pior, ele estudou, continuou estudando e falou publicamente. Todos os
fenômenos naturais apresentam relações analógicas uns com os outros e têm um potencial
para simbolizar outros. Se estudarmos um pouco as obras do Guénon sobre simbolismo,
entenderemos que isso é um fato natural. Mas podemos passar a vida toda nos
especializando em estudar o simbolismo astrológico, o simbolismo dos planetas, o
simbolismo dos signos e das casas, e ainda assim não aprenderemos quase nada de
astrologia, porque a astrologia não é apenas o estudo do simbolismo. A astrologia é o
conjunto de técnicas criadas com base na observação do simbolismo astrológico. Só que,
hoje em dia, todo mundo é muito preguiçoso. O sujeito pode dizer: “Não sei se esse
negócio de simbolismo é verdadeiro.” Bem, é fácil resolver isso, é só ler uns dez livros e
meditar sobre a questão. Após ouvir essa resposta, uma pessoa mais teimosa irá replicar:

11
Nota do revisor: Orlando Fedeli foi fundador e presidente da Associação Cultural Montfort, e é conhecido por
acusar o professor Olavo de Carvalho e o professor Gugu de gnósticos e modernistas.
208

“Fácil? Como fácil?” Claro que é fácil! Só é necessário ler dez livros e meditar um pouco.
Isso é fácil demais! Então, em geral, a pessoa prefere ficar com a crença de que há o
simbolismo ou a crença de que não há.

O segundo passo para entender o que chamamos de astrologia é o estudo da técnica


astrológica, e esse passo já é um pouco mais complicado. Também é necessário ler só uns
dez livros, mas aqui há uma diferença: uma técnica é uma arte prática, e não aprendemos
uma arte prática apenas lendo sobre ela. Digamos que alguém queira entender a teoria dos
intervalos musicais. Essa pessoa terá que ler alguns livros sobre o assunto. Após ler esses
livros, ela terá o desejo de aprender a tocar violão. Então ela lerá mais alguns livros e terá
de tocar o violão todos os dias. Do mesmo modo, se alguém quiser entender a técnica
astrológica, terá que ler alguns livros sobre isso, pensar e meditar. Depois disso, terá que
responder uma pergunta horária todos os dias, bem como terá que fazer o mapa natal de
pessoas conhecidas e comparar os resultados obtidos todos os dias. É assim que se
aprende uma técnica. Dá um pouco mais de trabalho, mas ainda assim é fácil. Se alguém
fizer isso por uns dois anos, essa pessoa será capaz de fazer um julgamento sobre a
existência de técnicas astrológicas que são realmente eficazes. Quer dizer, as opiniões
formuladas a partir da aplicação dessas técnicas são, geralmente, mais verdadeiras do que
as opiniões formuladas sem o uso da técnica. A pessoa aprende isso fácil.

Após o aprendizado da técnica, temos o terceiro problema. E, com este, ficamos em um


mato sem cachorro. Uma vez observado um fenômeno (no caso, o simbolismo dos astros)
e uma vez constituída uma técnica de aplicação desse fenômeno para a formulação de
opiniões, devemos nos perguntar: “Mas como isso funciona? Qual é a causa do
funcionamento da técnica?” A partir desse momento, passamos a ter um problema
científico-filosófico-teorético. E aí o avanço é muito pequeno.

Façamos novamente uma comparação com a mecânica de automóveis. Esta se baseia em


uma série de fatos naturais (químicos e físicos). Por exemplo, a resistência dos materiais:
o aço é duro e a borracha é mole; o aço é bom condutor de eletricidade e calor, a borracha
é má condutora de eletricidade e calor. Esses são fatos que, se observados, não deixará
margem para muita discussão, pois realmente é assim que tais materiais se comportam.
Outro exemplo: o processo de combustão da gasolina é muito rápido, e se ela estiver
comprimida, irá não somente queimar, mas também explodirá . Com essa explosão, é
possível que se gere movimento. Portanto, há um monte de fenômenos naturais em que a
209

mecânica de automóveis se baseia, e temos que estudar esses fenômenos para entender do
que essa ciência trata.

Além da observação desses fenômenos, temos a técnica. O mecânico de automóveis pode


chegar ao seu diagnóstico do problema ouvindo o barulho do motor, dando um chute no
pneu, levantando o capô, colocando o dedo em algum lugar etc. E aí nos perguntamos:
“Como a técnica desse cara funciona?” Para responder a pergunta de como determinada
técnica funciona, temos um monte de suportes. Esses suportes são os estudos científicos
que estão entre o fenômeno e a técnica. Por exemplo, no que diz respeito à resistência dos
materiais, há várias teorias físicas e químicas para explicar o porquê do aço ser duro e a
borracha ser mole. Temos também a engenharia automobilística, que é uma aplicação
desses experimentos na produção de objetos. Assim, o terreno cognitivo entre o fenômeno
dos materiais e a técnica do mecânico está bem preenchido.

No caso da astrologia, de um lado, há o fenômeno, que é o simbolismo dos astros; do


outro lado, há a técnica astrológica. Esse terreno intermediário teorético está muito mal
preenchido. Ninguém realmente criou uma teoria causal, só existem hipóteses gerais. Por
exemplo, temos a hipótese teo-teleológica de Platão. Por que a astrologia funciona para
Platão? Porque Deus criou os planetas para que nos entendamos. Essa é basicamente a
teoria causal dele. Temos também a teoria elementar de Aristóteles. Para este, por que a
astrologia funciona? Simples, ela funciona porque os objetos celestes que estão em
movimento a partir do motor imóvel, estão em movimento em dois planos diferentes.
Com isso, eles esfriam e esquentam. Portanto, a frieza, o calor etc. são as causas principais
de variação nos corpos, segundo a teoria dos quatro elementos. E é por isso que a
astrologia funciona para Aristóteles. Temos ainda outras teorias, como a teoria das
perturbações gravitacionais, por exemplo. Mas nenhuma dessas teorias elencadas são, de
fato, teorias. Na verdade, elas são apenas hipóteses gerais, pois não constituem o terreno.

Resumindo, se alguém perguntar por que a astrologia funciona, respondam: “Há a teoria
de Platão, a teoria de Aristóteles, a teoria das perturbações gravitações etc. Mas também
pode não ser nenhuma delas.” Suponhamos que o sujeito diga: “Se você não sabe como
sua técnica funciona, você não devia usá-la.” Então, respondam que da próxima vez que
ele for ao dentista, ele não deve usar anestesia, pois esse é exatamente o caso da
anestesiologia. A anestesiologia é uma técnica que ninguém sabe por que funciona. Há
pelo menos cem anos a ciência médica tenta entender o porquê, quando se injeta essa
substância em alguém, essa pessoa pára de ter sensibilidade táctil. Então, digam a esse
210

sujeito: “Não use a técnica que você não compreende teoricamente. Quando você for ao
dentista, não use anestesia.” Obviamente isso é uma tremenda bobagem, pois as técnicas
práticas sempre vêm antes do conhecimento teorético de qualquer ciência. Quantos
mecânicos de automóvel têm o conhecimento da fundação teorética da sua arte? Quantos
mecânicos têm um diploma de física, ou de química, ou sequer de engenharia? Quase
nenhum! Imaginem: se fosse proibido ser mecânico de automóveis sem algum diploma da
área, quantos mecânicos existiriam no Brasil? Uns dez. E em conseqüência disso haveria
uma fila de dez anos para consertar um carro. Nessa situação seria melhor usar o ônibus.

Tales: Mesmo na teologia é assim. Se observarmos a história das religiões, primeiro surge
a declaração daquilo em que temos de crer e a declaração de como devemos agir. A
religião é, em primeiro lugar, uma série de técnicas apresentadas pelo seu fundador para
nos tornarmos santos, mais sábios e mais espirituais. A consciência da teologia subjacente
a essas técnicas vem bem depois. Na religião é assim. A teologia é algo bem posterior. E
mesmo nas ciências é assim. Somente agora estão descobrindo por que um tipo de metal é
mais duro que o outro etc.

Gugu: Exatamente. Depois de séculos sabendo que o metal “x” é mais duro e o metal “y”
é mais mole, e sabendo também como deixar um metal mais duro e outro mais mole, é
que surge uma teoria científica que explique esses fenômenos. A técnica sempre precede a
teoria. Alguém poderia dizer que a teoria é superior à técnica, mas essa é apenas a ordem
de concepção das coisas, e não a ordem de construção real. O adulto também transcende o
infante, mas a infância vem primeiro em nossas vidas. Apenas os socialistas têm a
opinião de que primeiro surge a teoria e só depois a técnica. Esse negócio não dá muito
certo.

Por fim, entramos na quarta questão. Qualquer técnica que é praticada por tempo
suficiente, sem fundamentação teorética, acumula um conjunto de crenças supersticiosas.
Isso é óbvio. Todo mundo quer saber o porquê do que faz. Por exemplo, na maioria das
sociedades animistas, o sujeito que trabalha com o metal é considerado um bruxo. As
pessoas, nessas sociedades, atribuem um poder sobrenatural ao sujeito que trabalho com o
metal. Na África, aquele que é ferreiro, é considerado um bruxo. Outro exemplo: o sujeito
que diz que é o DNA que determina o comportamento. Isso é a mesmíssima coisa. Não há
nenhum conhecimento científico que afirme isso. Isso é uma crença supersticiosa baseada
no fato de que descobriram o DNA, e este explicar algumas diferenças entre as pessoas.
Então, digamos que um sujeito com determinado gene “x” é preto, aquele outro sujeito
211

com o gene “y” é branco. Realmente, isso é verdade. Mas, partindo disso, a pessoa conclui
que deve haver um gene da psicopatia e um gene da santidade.

Então, toda e qualquer técnica acumula algum elemento de crença


supersticiosa. E, em nossos estudos, para chegarmos a alguma conclusão
sobre as coisas, teremos que nos limpar dessas crenças falsas. Isso quer
dizer que os melhores tratados de astrologia terão cinco páginas de
simbolismo astral, duzentos e cinqüenta páginas de técnica astrológica e
quinze páginas de hipóteses e superstições do autor. Assim, teremos que
separar, no livro, aquilo que é simbolismo, aquilo que é técnica e aquilo
que é mera superstição. Isso é assim em qualquer estudo.

Hoje em dia, as pessoas acreditam que a ciência é diferente, mas não é. O


cientista elabora um experimento, observa certos fenômenos, monta uma
hipótese explicativa, e reporta tudo o que fez para outros cientistas. A
partir disso, os outros cientistas fazem um esforço para separar aquilo que
é real e aquilo que é apenas superstição. É como se fosse um diálogo, em
que o cientista que observa o experimento do outro, diz a este: “Espere aí.
Nesse parágrafo, está vendo isto aqui que você incluiu? Isso é coisa da sua
cabeça, não tem nada a ver com o fenômeno observado, e nem mesmo com
a hipótese.” Se observarmos o mais puro experimento científico e lermos o
seu relato, haverá lá, também, aquele pequeno parágrafo de crença do
sujeito, pois é assim que as coisas funcionam. As pessoas pensam que as
ciências - a física, a biologia, a química etc. - são que nem a matemática,
onde dois mais dois é igual a quatro (2+2=4) e acabou, sem margem
alguma para discussão. Elas pensam, portanto, que as coisas também são
assim na física, por exemplo: “A força da gravidade curva o espaço/tempo.
É assim e acabou.” Não, as coisas não funcionam assim nas ciências
naturais. Estas não possuem esse grau de certeza, que existe apenas em três
campos: na matemática pura, na teologia e na metafísica. São os únicos
três campos em que existe uma ampla margem de certeza absoluta. Nesses
campos, há muitas coisas que temos certeza absoluta, que são irrefutáveis e
212

indiscutíveis. Se alguém discutir, é porque não entende do assunto. Nas


ciências não é assim.

Assim, voltamos à pergunta: qual a relação da ciência com a astrologia? Da


ciência com a astrologia não sabemos. O que querem dizer com “ciência”?
O cientista? Quais deles? Quem? O método experimental científico? Há
discussões e seqüências de experimentos relacionados à astrologia que
estão em andamento desde os anos cinqüenta até hoje. Podemos passar a
literatura relacionada depois, desde o experimento do Michel Gauquelin,
nos anos cinqüenta, até a última discussão sobre o mesmo fenômeno - o
efeito Marte –em 2009. Podemos dar toda a bibliografia, os artigos
científicos que foram publicados um depois do outro. Alguns desses
artigos diziam que o efeito marte era real, outros diziam que não, que o
experimento estava errado por causa de “x”, outros ainda diziam que o
experimento estaria certo apenas se acrescentassem uma variável “y”. Isso
está sendo discutido há cinqüenta anos, e é assim que ciência funciona.
Essa discussão começou em 1955, e somente daqui há uns dez ou vinte
anos chegarão a alguma conclusão sobre esse estágio da pesquisa.
Chegando-se a uma conclusão, poderão começar a elaborar novos
experimentos para ver se fazem a pesquisa avançar, pois é assim que a
ciência funciona. Perguntem a qualquer físico: há cem anos que surgiu a
teoria da relatividade, e até agora estão fazendo experimentos para
continuar vendo se as coisas ainda são desse jeito. Então, se o sujeito quer
alguma coisa da ciência, saiba que é assim que ela funciona, a muito longo
prazo e na base de muita discussão. A diferença é que essa discussão tem
parâmetros claros. Não é como o debate público, que dá para terminar um
jogando tomate no outro e todo mundo continuar achando que é uma
discussão válida.

Pois bem, Michel Gauquelin era um astrônomo cético em relação à


astrologia e resolveu fazer o estudo definitivo para derrubá-la. Ele pegou
algumas alegações típicas, tradicionais, bem universais da astrologia,
afirmações que nenhum astrólogo sério consideraria uma falsificação da
astrologia, e decidiu testá-las estatisticamente. Por exemplo, os astrólogos
213

tradicionalmente dizem que, se o sujeito tem Marte perto do ascendente ou


perto do meio do céu, é favorável para ele a profissão militar ou de
esportista competitivo. O que o Gauquelin fez? Ele pegou os mapas de
centenas de esportistas franceses que se destacavam mais ou menos nos
seus esportes, e começou a verificar se Marte realmente se destacava nos
mapas deles além do destaque da população em geral. Ele checou os dados
recolhidos e disse: “Caramba, é verdade! Há muito mais gente com Marte
ascendendo ou culminando entre os esportistas do que entre a população
em geral.” Quando ele publicou os resultados da pesquisa, a comunidade
científica ficou tremendamente envergonhada e com raiva dele. Então,
fundaram três associações, cujo único propósito era provar que Gauquelin
estava errado. E essas associações fizeram suas próprias compilações de
dados independentes, dizendo que ele teve um viés na seleção dos mapas e
coisas do tipo. Porém, as três compilações confirmavam o que Michel
dizia. Isso está sendo discutido desde os anos cinqüenta até hoje. Salvo
engano, o último exame de dados e de toda a bibliografia relacionada foi
publicado em 2009.

Então, isso prova a astrologia? Não, isso não prova a astrologia, mas prova,
sim, que nem todas as técnicas astrológicas são coelhos tirados de cartolas.
De fato parece que há alguma correlação. É um indício de que o fenômeno
existe e merece ser investigado. Desse ponto até a astrologia entrar no
currículo das ciências naturais, se tudo continuar normalmente, irá demorar
uns trezentos anos.

Então, para quem tiver interesse, mande um e-mail que mandamos a lista
toda dos experimentos e das contestações publicadas. Só saibam de uma
coisa: é necessário estudar estatística primeiro, porque esses caras estão
fazendo ciência, não divulgação científica. Quem não entende realmente de
ciência estatística, não entenderá nada do que eles estão falando. Porém, é
de grande valia para quem tem interesse no método científico moderno e
no método experimental. Para quem tem interesse em ciência e quer ter
alguma indicação científica de que astrologia tem algum potencial, que é
algo que pode ser considerado, há essa literatura.
214

Uma outra mulher, chamada Bernadette Brady, fez um experimento


interessantíssimo na Austrália. Ela quis estudar se havia alguma relação
astrológica transmissível de geração em geração, isto é, se existiam
posições astrológicas que eram passadas dos pais para os filhos. O estudo
dela é especialmente interessante, porque ela fez um estudo duplo. A
Bernadette fez esse estudo comparando os mapas dos pais e dos filhos
usando as técnicas da astrologia moderna, e depois o mesmo estudo, com
as mesmas pessoas, usando as técnicas da astrologia tradicional. A partir
daí, ela chegou à conclusão de que esse negócio de astrologia moderna é
tudo balela. Esse negócio de Urano, Netuno, Plutão é tudo piada. A análise
estatística dos mapas de pais e filhos, considerando Urano, Netuno e Plutão
é igual a da média da população em geral. Mas se considerarmos só as
regências de signos tradicionais e planetas tradicionais, os resultados são
muito relevantes do ponto de vista estatístico. Mas é importante notar que
ela está fazendo trabalho científico. Então, caso alguém queira lê-la, terá
que estudar um pouco de estatística primeiro. Não são artigos de
divulgação, são artigos científicos.

A astrologia é um problema sério que deve ser examinado. E, infelizmente,


para que se organizem esses estudos estatísticos, é necessário dinheiro.
Não é fácil encontrar uma instituição confiável que realize a compilação de
dados das pessoas em uma amostragem sem viés. É preciso muito esforço
para fazer isso. Há muito poucos estudos da astrologia – bem menos do
que deveria haver -, considerando o quanto a coisa funciona. E os cientistas
que se dedicam a fazer esses estudos são pessoas que deveriam ganhar
medalhas, pois eles se tornam extremamente impopulares no meio dos
outros cientistas. Ninguém gosta deles, ninguém quer contratá-los para
nada, todos acham que eles são uns malucos que em casa usam chapéus
pontudos com desenhos de estrelas e da Lua. São pessoas que, só por terem
feito esse esforço, só por terem publicado e perseverado nesses estudos
durante anos, merecem muito respeito. Eles realmente querem saber se
existe astrologia ou não.
215

O caso da Bernadette Brady é um pouco diferente. Ela já era astróloga


praticante antes, e não precisava se convencer da eficácia da astrologia.
Ela queria entender a hereditariedade astral, que é mencionada em muitos
tratados antigos, e que não se sabia a maneira de aplicá-la numa prática
astrológica. Por isso, ela estudou o fenômeno cientificamente e constatou
que, realmente, há umas três ou quatro técnicas tradicionais que se aplicam
de maneira muito claras. Ou seja, há certas posições que são herdadas com
muita clareza entre pais e filhos, que vão muito além da variação estatística
normal. O interessante disso é que ela é uma astróloga moderna, e
constatou que essas regências de Urano, Netuno e Plutão, pelo menos no
caso de pais e filhos, não valem nada. Ela não chega a afirmar
categoricamente que as regências modernas não valem nada, para a coisa
não ficar mal para o pessoal moderno. Só que, no caso da hereditariedade
astral, ela é categórica em dizer que essas regências não se aplicam. Porém,
o fato é: essas regências de Urano, Netuno e Plutão não valem nada. Nós
aqui vamos direto ao ponto.

A questão da relação entre a prática astrológica e a religião por um lado, e


a questão da prática astrológica e a ciência moderna do outro, são coisas
que não podem ser respondidas sem um exame da literatura. Poderíamos
dar uma resposta categórica do tipo “é assim”. Porém, “é assim” apenas
porque já lemos o assunto. Se o sujeito quiser saber por si mesmo, terá que
ler; e, para ler, terá que se preparar. Se alguém quiser entender quais são as
questões teológicas ligadas à astrologia, essa pessoa terá que estudar um
pouco de teologia antes. Se ela quiser saber quais são as questões
científicas relacionadas ao tema, terá que estudar um pouco de ciência
antes. Não há outra saída.

Muitas das objeções das pessoas são só lugares comuns e superstições.


Quando o sujeito fala que a astrologia não tem fundamento científico, ele
não sabe do que está falando. Como já dissemos, nenhuma técnica tem
fundamento científico. A sua explicação ou fundamento científico é a
posteriori, isto é, vem depois. Uma técnica não se desenvolve por causa de
um problema científico, mas por causa de um problema prático. O
216

desenvolvimento da ciência teorética e o desenvolvimento da técnica


prática são duas coisas completamente independentes. Mais ainda, uma
ciência que dê certeza absoluta - como a matemática, a teologia ou a
metafísica, que são ciências dedutivas -, só é aplicável a entes universais,
abstratos e necessários. Já as técnicas são desenvolvidas para lidar com
entes contingentes e singulares. Quando um carro quebra, não temos um
problema teorético sobre o desgaste dos materiais, mas temos um problema
prático, e precisamos do carro funcionando novamente. A arte do mecânico
não existe para examinar o porquê das coisas quebrarem de maneira geral.
A arte do mecânico existe para examinar o que quebrou em um carro
determinado, como esta coisa quebrada pode ser trocada, e como o carro
pode voltar a funcionar. Isso é verdadeiro para toda e qualquer técnica.

Há duas coisas que temos de considerar na aplicação de uma técnica 1) Em


primeiro lugar, toda técnica é acompanhada de uma certa nuvem de
superstição explicativa. O ser humano não agüenta não saber das coisas.
Então, se um indivíduo faz alguma coisa que funciona, e se ele não tiver
uma explicação para isso, ele irá querer inventar uma explicação para ficar
em paz. Portanto, toda técnica é acompanhada de alguma superstição. O
primeiro problema é que temos de viver em paz com a superstição. 2) O
segundo problema é objetivo: a técnica permite que se chegue à opiniões
verdadeiras com mais freqüência do que com a ausência da técnica?
Lembrem-se que as opiniões sobre o fenômeno é que são verdadeiras ou
falsas, e não o método pelo qual chegamos à opinião. Podem existir
inúmeras técnicas para se chegar à mesma conclusão.

Um exemplo disso relacionado não à astrologia, mas à astronomia. Se


usarmos o método matemático de Ptolomeu para calcular a posição dos
planetas, somos capazes de dizer onde Júpiter estará no céu daqui a uma
semana. Porém, se usarmos a técnica de Copérnico, chegaremos à mesma
conclusão. Também se usarmos a teoria da gravitação universal de
Newton, chegaremos à mesma conclusão. E podemos ainda usar a teoria da
relatividade, e chegaremos à mesma conclusão. São quatro técnicas
diferentes que nos dizem onde Júpiter estará. Qual das técnicas é
217

verdadeira? Essa pergunta não tem sentido. O que faz sentido é perguntar
quais são as teorias explicativas associadas a cada uma dessas técnicas.
Somente as teses sobre as causas dos fenômenos podem ser verdadeiras ou
falsas. E, às vezes, ainda não teremos uma resposta definitiva sobre isso.
Então, falar que a astrologia não tem fundamento científico é balela. A
aspirina foi lançada em 1899, e a primeira teoria explicativa razoavelmente
crível para o seu foi elaborada em 1971. Durante setenta e dois anos, todo
mundo curou dor de cabeça sem explicação científica, e isso é
perfeitamente normal. Por que ninguém experimenta fazer uma cirurgia
cardíaca sem anestesia, já que ainda não temos explicação científica para o
funcionamento dela? Essa obsessão com alguma explicação científica faz
parte da grande superstição dos nossos tempos.

A pessoa que quer se livrar desse problema deve ler dois livros: The
Science Delusion, de Rupert Sheldrake; e o outro é Cosmos and
Transcendence, de Wolfgang Smith, que já recomendamos, e que também
vale para explicar essa problemática da cosmovisão científica. Este último
autor diz que muitas pessoas, hoje, levantam objeções a muitas coisas,
porque estas não se enquadram na nossa visão científica de universo.
Porém, para ele, esse negócio de visão científica do universo é uma grande
ilusão. Existe ciência, trabalho científico, pesquisa científica, mas visão
científica do universo é uma bobagem. Wolfgang Smith diz que não
sabemos ainda o que é o universo, pois ainda não existe essa ciência. Este é
um livro muito bom. Todos aqueles que acham há uma explicação
científica para tudo devem lê-lo. O autor mostra claramente que entramos
em contato com os fenômenos muito antes de termos uma explicação
científica para eles. Há muitos problemas que podem surgir na mente
humana e que provavelmente não terão explicação científica nos próximos
mil anos. Outra coisa que ele nota nesse livro é o grande perigo da visão
cientificista do mundo bloquear o avanço da própria ciência. O Wolfgang
Smith faz um alerta muito grande sobre isso. E o problema da relação entre
astrologia e ciência, hoje, está muito ligado a isso. Se alguém disser que
deveríamos pesquisar sobre a hereditariedade astral, muitos cientistas
dirão: “Não! Isso é astrologia, o que não se enquadra em nossa visão
218

científica do universo, portanto não vamos estudar!” Pronto, excluem o


fenômeno do terreno da ciência.

Aluno: Qual a relevância do debate entre heliocentrismo e geocentrismo


para o estudo astrológico? E qual o seu ponto de vista pessoal sobre essa
teoria explicativa da posição dos planetas no universo de uma forma geral,
em oposição simplesmente à parte técnica?

Gugu: O heliocentrismo e o geocentrismo são completamente irrelevantes,


tanto em termos da técnica astrológica, quanto em termos teoréticos e de
levantamento de hipóteses causais para o fenômeno astrológico.
Suponhamos a seguinte hipótese causal: Júpiter lança um raio que alcança
o cérebro do feto num determinado estágio de maturação, e isso vira a
configuração astrológica do indivíduo que nascerá. Então temos uma teoria
puramente material, ou física, da influência astrológica. A Terra pode estar
girando em torno do Sol, ou o Sol pode estar girando em torno da Terra, ou
o Sol e a Terra podem estar girando em torno de Júpiter. Qual é o planeta
que está, de fato, girando ao redor de qual? Não importa, pois em nenhuma
dessas hipóteses muda-se a posição real, relativa entre Júpiter e a Terra, no
momento da influência. A questão é que todo movimento é relativo.
Lembrem-se daquele negócio das aulas de física. Se alguém está viajando a
trezentos quilômetros por hora e bate numa pedra, essa pessoa é
estraçalhada. Agora, se essa pessoa estiver parada e a pedra vier na direção
dela nessa mesma velocidade, ela será estraçalhada do mesmo jeito. Do
mesmo modo, ainda que haja uma causalidade física na astrologia, as
teorias do heliocentrismo e do geocentrismo são irrelevantes para o
fenômeno astrológico. Mesmo do ponto de vista físico isso não é relevante.

Do ponto de vista do simbolismo, a Terra está no centro do universo,


evidentemente. Pois, embora o potencial simbólico das coisas esteja nelas
próprias, nós é que somos os leitores privilegiados desse potencial. Um
leão ou um cachorro apenas sofrem o simbolismo, porém, apenas o ser
humano o entende. E nós estamos na Terra. Portanto, do ponto de vista
simbólico, a Terra é evidentemente o centro. Toda vez que olhamos para
219

baixo vemos o chão, e toda vez que olhamos para cima vemos o céu,
independentemente de qual planeta gire em torno de qual.

Esclarecidos esses pontos, devemos colocar um ponto final nessa questão


do heliocentrismo e geocentrismo. Sobre esse tema, a teoria mais antiga e
aceita pela astrologia é a de Aristóteles. Para este, nem o Sol está girando
em torno da Terra, e nem a Terra está girando em torno do Sol, mas todos
os movimentos do universo giram em torno de um ponto focal, que é o
motor imóvel. Para Aristóteles, todos os movimentos se apóiam no motor
imóvel, que necessariamente tem uma localização física. Essa é a teoria
astrológica, e é a teoria do Aristóteles. E, embora ninguém tenha localizado
esse ponto no nosso universo, Aristóteles demonstra de maneira irrefutável
que isso é necessário. Se a Terra gira em torno do Sol, logo, aquela faz um
movimento elíptico ou circular em torno deste. Mas também existem
indicações de que o Sol está girando em torno de outra coisa, e de que essa
outra coisa gira em torno de mais outra coisa etc. Portanto, na escala
global, seguindo esta seqüência, temos de chegar num termo final: há uma
coisa em torno da qual todas as outras estão girando. Esse é o primeiro
motor imóvel, e Aristóteles demonstra isso de maneira irrefutável na
Física. O primeiro motor imóvel é um lugar no universo, e todas as coisas
que se movem no universo, têm o seu movimento, em última análise,
reduzido a girar em torno desse ponto.

As pessoas, hoje, acham que isso é meio maluco. Pode até ser, mas está
demonstrado e ninguém é capaz de refutar o que disse Aristóteles. Então,
quando dizem que “naquele tempo o pessoal acreditava que tudo girava em
torno da Terra”, isso não é bem verdade. Era o povo que acreditava nisso.
Santo Tomás de Aquino acreditava que tudo girava em torno do primeiro
motor imóvel. Se procurarmos pelas palavras dele, veríamos que ele dizia
que “é mais razoável crer, dados os fatos, que o primeiro motor imóvel se
localiza no centro da Terra, e que, portanto, tudo gira em torno dela”. De
certo modo é isso o que vemos. Mas o que é que sabemos de fato? Santo
Tomás diria que “sabemos que tudo gira em torno do primeiro motor
imóvel”.
220

O princípio de demonstração disso é muito simples. Numa cadeia de


movimentos, qualquer coisa é movida por um agente externo, e esse agente
externo é movido por outro etc. Isso é uma cadeia de dependência
intrínseca. Uma cadeia de dependência intrínseca é necessariamente finita
e limitada, e não pode ser multiplicada indefinidamente. Por exemplo,
alguém está andando no trem e o trem está andando na Terra. Então, o trem
está movendo uma pessoa, e a Terra está movendo o trem. Se desenharmos
o movimento dessa pessoa no espaço, teremos um movimento definido.
Alguém pode estar sendo movido pelo trem, o trem pode estar sendo
movido pela Terra, a Terra pode estar se movendo pelo Sol, o Sol pode
estar se movendo pela galáxia, o centro da galáxia pode estar sendo
movido por alguém. Para termos algum movimento definido, essa cadeia
tem de ter um fim, senão não pode existir movimento algum.

Esse é um ponto muito interessante da filosofia de Aristóteles e de grande


parte do pensamento da filosofia natural da Escolástica, e que ninguém
entende muito bem. Do mesmo modo que Aristóteles diz que a cadeia de
causas eficientes de um movimento é necessariamente limitada, uma
cadeia de dependência extrínseca pode ser ilimitada. Às vezes, o
pensamento Escolástico é um pouco mais bizarro do que pensamos. Por
exemplo, diz Aristóteles que nascemos de um pai, e que esse pai veio de
um avô, e o avô por sua vez veio de um bisavô etc. Essa cadeia pode ser
ilimitada. Pode ser que existam infinitos antepassados, e não existe nada de
estranho nisso. Para ele, essa cadeia não é absurda; mas, aplicada ao
movimento, é. Podemos reservar uma aula só para explicar essa questão do
movimento. Na verdade, a teoria tradicional do movimento diz que tudo
está girando em torno do primeiro motor imóvel, onde quer que ele esteja.

Essa questão do heliocentrismo e geocentrismo é muito superestimada, e é


realmente irrelevante. Há um indivíduo que fez um experimento – um
pouco na brincadeira, um pouco a sério – para provar esse ponto. Também
não devemos levar o estudo dele muito a sério, mas o fato é que ele decidiu
que inventaria uma teoria explicativa natural para a astrologia, e que
221

testaria essa teoria com todos os sistemas de astronomia existente. Pois


bem, ele inventou essa teoria, que é bastante plausível, e diz que não faz
diferença se o sistema é o geocêntrico ou não. Isto é, a validade da teoria
dele não depende da validade de um determinado sistema astronômico. Ele
diz que, se observarmos as variações das manchas solares e as variações do
campo magnético da Terra, é fácil deduzirmos um grande número de
variações das posições planetárias da astrologia tradicional (isto é, das
posições geocêntricas da astrologia). Continua dizendo que, quando
estamos no útero, pode ser que o nosso sistema nervoso, em geral, tenha
uma sensibilidade especial às variações do campo magnético da Terra.
Como essas variações são diretamente proporcionais às posições
astrológicas dos planetas, pode ser que seja assim. Por que não? Ele disse:
“Provem que estou errado.” E até agora ninguém conseguiu provar. Mais
ainda, ele também descobriu que, com a teoria dele, é possível prever o
ciclo de manchas solares melhor do que com outras.

O nome desse sujeito é Percy Seymour. Ele é um astrônomo inglês da


Royal Academy. Ele disse: “Por que não? Não sabemos qual o mecanismo
causal da astrologia, e nem sabemos se existe mesmo a astrologia, mas
dizer que é impossível construir um modelo causal para a astrologia é
balela, é superstição cientificista. Isso é perfeitamente possível, só não
temos os meios ainda. Não temos conhecimento suficiente do sistema solar
e não tem conhecimento suficiente da biologia humana. Não temos!”

Aluno: Há alguma relevância nessa intuição da astrologia enquanto ciência


natural? O próprio Frawley critica essa tentativa de trazer a astrologia para
a ciência.

Gugu: Por um lado é criticado porque corre-se o risco de se perder


conteúdo. Na pressa de inventar uma explicação material para a influência
astrológica, no sentido físico-químico moderno da palavra , pode ser que
essa explicação exclua certos elementos da técnica astrológica que são
extremamente eficazes. Isso é mais ou menos o que aconteceu com a
medicina chinesa desde a revolução cultural, quando decidiram reinventá-
222

la de maneira a torná-la compatível com o credo revolucionário. A partir


daí ela perdeu noventa por cento de sua eficácia. Então, esse experimento
do Seymour é apressado, mas ele mesmo diz: “Não estou falando que este
é o mecanismo. Estou dizendo isso pois não agüento quando os meus
colegas falam que é impossível uma explicação científica da astrologia. É
impossível uma vírgula! Vou tirar uma explicação aqui da cartola e será
impossível provar que não é de verdade!”

Por isso, tentar explicar é muito precipitado, realmente muito precipitado,


mas é bom o sujeito fazer algo assim. Há uma vantagem nisso. Não adianta
também ficar só criticando a sensibilidade de uma geração, ou de uma
cultura, ou de uma civilização, de maneira estéril. Não adianta dizer: Vocês
não entendem isso porque abandonaram toda a cultura tradicional, e agora
vocês estão todos ferrados, virá um apocalipse e todos irão para o inferno!”
Não adianta, as pessoas não escutam esse argumento. De repente podemos
dizer: “Esse negócio que estamos falando não é impróprio, está vendo?
Agora vamos estudar isso aqui a sério?” Isso pode ter um efeito positivo
em alguém.

Tem muita gente, hoje, honesta e boa que é sensível à argumentação da


ciência experimental moderna. Se abrirmos o olho do sujeito nesta direção,
por meio dessa argumentação, ele terá a possibilidade de estudar a coisa
tradicional. Se o sujeito disser que só aceita o que tem validez, então ele já
era idiota antes disso, e continuará idiota do mesmo jeito. Não foi a ciência
que contribuiu para idiotice dele, na verdade ele já era assim. Ele pode
dizer: “A influência magnética e a astromagnetologia não são a mesma
coisa que a astrologia. Elas são astromagnetologia cósmica, pois o
simbolismo não significada nada.” Nesse caso, esse sujeito é mesmo um
idiota. Se alguém quer saber sobre simbolismo, terá de ler meia-dúzia de
livros e meditar no assunto. Só então essa pessoa entenderá do que se trata.
Se ela não quiser ler e meditar porque só acredita numa causa física -
como, por exemplo, a radiação que chega até o cérebro de alguém - não há
nada que possamos fazer para consertá-la. O que houve com essa pessoa é
que o cérebro dela foi inundado com uma radiação errada.
223

Não é que devemos incentivar essas pessoas a fazer esses estudos. Por quê?
Porque isso é precipitado. Se o sujeito tem interesse em estudar a
astrologia do ponto de vista da ciência moderna, então será uma outra coisa
que ele terá de estudar. Não será ainda uma teoria causal que ele deverá
estudar, mas sim fazer uma delimitação mais cuidadosa do fenômeno, da
mesma maneira que o pessoal que já está estudando o assunto está fazendo.
Por exemplo: “Quais são as hipóteses de hereditariedade astral? Vamos
fazer uma verificação estatística sobre isso. E quais são as hipóteses de
escolha profissional? Vamos fazer uma verificação estatística sobre isso
também.” O que é preciso é fundamentar esses experimentos, pois é neste
estágio que a pesquisa se encontra no momento. Apenas daqui a uns
cinqüenta anos é que poderão começar algum tipo de levantamento de
hipóteses causais. Mas, de fato, a teoria do Seymour é realmente genial. Só
que há um porém nisso. A pessoa pode lê-lo e ficar fascinada com ele, e
essa fascinação pode levá-la a não querer ler literatura astrológica anterior.
E então ela nunca aprenderá astrologia. Então, pessoalmente, sou um
pouco crítico quanto a isso, mas não tanto quanto o Frawley. Isso depende
de cada talento individual.

Se observarmos a história do Seymour, veremos que ele fez isso por causa
de suas convicções mais profundas: “Ah, eu não agüento preconceito!
Quando alguém me diz que não se pode estudar a astrologia
cientificamente, fico puto! Sou um cientista, e não agüento essa conversa.
Não quero engolir essa estória da carochinha de ficar delimitando o que
pode ser ciência ou não. E mostrarei para essas pessoas que não preciso
engolir essa besteirada, que elas são idiotas, e que não estão agindo em
nome da nossa ciência!” Quando vemos a história dele, o entendemos. E se
a coisa tivesse acontecido conosco, teríamos feito o mesmo.

Por outro lado, o Frawley diria: “O que temos de fazer é aumentar a


quantidade de pessoas que sabem de fato a astrologia horária. Por quê?
Porque sem pessoas que saibam a técnica astrológica direito, nunca
teremos uma restauração da cosmovisão tradicional, e nem teremos uma
224

explicação científica da astrologia. Se a técnica astrológica for extinta, toda


a esperança será perdida.” Esse é o trabalho dele, a vocação dele. Mas no
que se refere à fundamentação teorética da astrologia, o Frawley não
entende tanto assim, e sai um pouco fora da área dele. Isso acontece por
causa do espírito de polêmica dele. Ele diria para os cientistas: “Vocês não
entendem de astrologia e não devem falar sobre isso.” E os cientistas
responderiam: “Em primeiro lugar, o que você, Frawley, entende de
ciência moderna? O que você entende do método científico e do método
experimental? Nada? Então cale a boca e não encha o nosso saco. Você
não tem nada a dizer a respeito disso e só pode falar daquilo que entende.”
O Frawley comete um erro parecido com o erro do cientista que diz que
não se deve ensinar astrologia por ela não ser, supostamente, científica. Os
cientistas nem mesmo sabem o que é astrologia, e se eles não sabem isso,
também não sabem se devem estudá-la ou não. E o Frawley não sabe o que
é o método científico e a experimentação moderna, então também não sabe
o que deve ou não ser estudado cientificamente.

Portanto, se o sujeito tem o equipamento, se ele se preparou com o


conhecimento da ciência moderna e quer saber essa questão, ele tem
mesmo é que estudar. E a pessoa que se preparou com o conhecimento
tradicional e quer saber sobre a questão tradicional, ela também deve
estudar. Todo mundo deve estudar aquilo que deseja saber! É assim que as
coisas funcionam melhor. Quando dizem que um estudo não é muito
favorável por qualquer motivo que seja, começa-se a entrar numa zona
perigosa. Uma coisa é dar um conselho prático para um indivíduo, ou para
um pequeno grupo de indivíduos, que se conhece diretamente; outra coisa
é dizer que, em geral, certos estudos não são bons. Isso é errado. Nesse
caso, devemos seguir a teoria de Hugo de São Vitor sobre o estudo: todo e
qualquer conhecimento é bom e merece que alguém se dedique a ele. E se
o indivíduo juntar um monte de preconceitos? É porque ele é um burro.
Isso não é culpa do conhecimento, é culpa da burrice.

Também é claro que, cada o indivíduo, quando está estudando alguma


coisa, deve fazer uma auto-análise: “Por que estou querendo estudar isso
225

aqui? É só para provar que o tradicional é melhor que o moderno? Ou é


para provar que o moderno é melhor que o tradicional? Ou é por que eu
quero entender as coisas?” É óbvio que existirá um elemento de
preferência. No meu caso particular, prefiro totalmente aquilo que é
tradicional ao que é moderno. O que é tradicional é mil vezes melhor
àquilo que é moderno. Mas se alguém deseja estudar um fenômeno do
ponto de vista experimental, e esse fenômeno é realmente estudado e
enquadrado dentro de uma perspectiva maior, ele deve fazê-lo. Eu apoiaria
completamente quem desejasse fazer isso. Não interessa quais são as
motivações subjetivas dele, não interessa se ele goste mais do que é
moderno ou não. Isso é problema dele, e não meu.

Se o sujeito obsessivamente rejeita aquilo que é tradicional e só aceita


aquilo que é moderno, ele não faz idéia do universo de sabedoria que está
perdendo e que não conseguirá repor. Todo esse conhecimento ficará
perdido! Por outro lado, a pessoa pode só aceitar aquilo que é tradicional e
rejeitar tudo o que é moderno. Há pessoas que chegam ao ponto de
demonizar qualquer coisa que seja moderna. Nesse caso, essas pessoas
estão querendo dizer que, num mundo onde existem seis bilhões de
pessoas, há um monte de gente que está diretamente ligada ao diabo. E isso
só porque elas queriam saber uma coisa, porque elas tinham curiosidade
acerca de um tipo de fenômeno? Não devemos ir tão longe. E se alguém
tiver curiosidade pelas duas coisas? Em termos de conselho prático, é
melhor não se dedicar às duas de imediato. É melhor que o sujeito se
aprofunde no conhecimento tradicional primeiro, e só depois se aprofunde
no conhecimento moderno.

Isso é assim porque a astrologia, na visão tradicional, é mais integral. Em


que sentido? Ela ajuda as pessoas em outras áreas da vida também. A
cosmovisão simbólica é mais verdadeira, e é uma expressão mais real do
que é o universo, do que é a realidade, do que é Deus e do que é a nossa
alma. E a cosmovisão moderna? Ela é um monte de fragmentos que ainda
não se constituiu numa unidade, e que nunca irá se constituir como unidade
sem o apoio da cosmovisão tradicional. A cosmovisão moderna é um
226

Frankenstein. É impossível fazer um ser vivo com pedaços de coisas


mortas.

Então, se o indivíduo quer estudar as duas coisas, dê preferência temporal


aos estudos tradicionais. Depois disso, estude a cosmovisão moderna a fim
de integrá-la à cosmovisão tradicional. Mas a pessoa pode ter uma
biografia diferente, como é o caso do Seymour. Ele já era astrônomo e
cientista moderno, e só depois decidiu mostrar que o conhecimento
tradicional não era incompatível com o conhecimento moderno. Essa é a
biografia efetiva dele, e não podemos levantar objeções a uma biografia
real. Não é correto dizer: “Não, Seymour, esqueça tudo isso, pois agora
você vai começar do zero. Você deve estudar o que é tradicional e esquecer
toda a ciência moderna que aprendeu.” Não podemos dizer isso a ele. É
uma questão de contraposição entre uma ordem ideal e uma ordem efetiva
de fatos que já aconteceram.

Voltando ao Frawley, ele é um cara muito inteligente, tem muitas sacadas,


e é um astrólogo de primeira. Mas, pelo tom dele, vemos que ele não é
alguém que possui um profundo talento científico. Isso tudo que se refere a
distinções filosóficas, exames de experimento e contas matemáticas, não é
com ele. O Frawley não é a melhor pessoa para dizer o que tem valor e o
que não tem valor na ciência moderna. Ele não tem conhecimento
científico suficiente para fazer uma avaliação, e nem mesmo gosta desse
assunto.

Vamos agora recapitular um pouco do que já foi dito. Temos, primeiro,


que aprender a observar e assimilar os fatos que são necessários para a
assimilação de uma determinada técnica. No caso de quem conserta
automóveis, essa pessoa precisa aprender que o ferro é duro e que a
borracha é mole; precisa aprender que a borracha pode esquentar e
queimar; também que um tanque furado não segura gasolina etc. Alguém
que queria ser mecânico tem que observar esses fenômenos. No caso de
astrologia, temos que entender o simbolismo astral, temos que entender
que as coisas são símbolos. Os astros e o céu são símbolos do quê? Qual a
227

diferença simbólica entre Júpiter e Saturno? E entre Marte e Vênus? Temos


de saber essas coisas. Em segundo lugar, devemos aprender o conjunto
mesmo da técnica. Temos que aprender a interpretar os mapas segundo a
técnica astrológica. Se quiséssemos ser mecânicos, teríamos que aprender a
interpretar o barulho que o carro faz, o cheiro que sai do motor, o
movimento das peças etc. Em terceiro lugar, após termos aprendido essas
duas coisas, temos que examinar o terreno cognitivo intermediário entre
elas. Ou seja, quais são as hipóteses ou teorias causais que existem entre o
fenômeno e a técnica? Existe alguma teoria explicativa? Qual é o seu
fundamento? O quanto ela foi testada? Essa teoria é de tipo filosófico-
metafísica ou física-moderna-natural? Em quarto lugar, temos de depurar,
do estudo da técnica, a superstição que acompanha a prática.

Também temos que entender que, podemos fazer trezentas perguntas


horárias por dia para aprender a técnica astrológica, mas nem por isso
devemos ficar dependentes disso para resolvermos os nossos problemas.
Esse é um dos efeitos típicos do estudo da astrologia. A pessoa que deseja
estudar astrologia horária terá de responder a pelo menos meia-dúzia de
perguntas todos os dias e verificar se a técnica funcionou. Depois ela deve
verificar por que não funcionou, ou num tratado de astrologia, ou num
manual de astrologia, ou perguntando ao professor. Quando o sujeito
começa a aprender e os prognósticos dele começam a dar certo, ele pensa
que, para todo problema que tiver, deve fazer uma pergunta horária. E é
justamente nesse ponto que tudo começa a dar errado. Não podemos
esquecer uma das regras fundamentais da astrologia horária: quando temos
um problema, o planeta que significa nós mesmos no mapa estará
debilitado. Isso quer dizer que a nossa capacidade interpretativa como
astrólogo também estará debilitada, e que erraremos a pergunta. O
astrólogo não pode consultar a ele mesmo. Quando ele tem um problema,
deve consultar outro astrólogo. Geralmente, quando fazemos perguntas
sobre nós mesmos, a resposta sempre é errada, pois surge um elemento
supersticioso. O sujeito vê que a técnica funciona, e ele começa a pensar
que pode ter um domínio global das contingências da sua vida por meio
daquela. Isso é quase que inevitável. O sujeito começa a ter um complexo
228

de bruxo: “Agora vou controlar completamente o fluxo da minha vida, vou


ficar milionário, vou casar com uma supermodelo e ainda vou virar o rei da
Inglaterra!” Então, a tentação de poder é muito grande, e isso é um dos
elementos de superstição que faz com que a astrologia seja proibida em
tantas religiões. O indivíduo pode dizer: “Eu vou dominar a minha vida e a
vida das pessoas em torno!” Ah, é mesmo? Não vai nada, pois quem
manda em tudo isto aqui é Deus, e quem manda em cada ato é cada um.

Tales: Há alguma recomendação a respeito do tipo de perguntas que devem


ser feitas para o exercício de perguntas horárias?

Gugu: As perguntas mais comuns são sobre objetos perdidos: “Onde eu


perdi? Vou recuperá-lo?” Ou então: “Meu irmão vai fazer uma entrevista
de emprego, ele conseguirá a vaga?” Por que perguntar “ele” e não “eu”?
Pois se quem estiver fazendo a pergunta for a mesma pessoa que fará a
entrevista, ela estará debilitada. Essa pessoa já deseja conseguir o emprego
e a dúvida sobre isso a deixará com o julgamento prejudicado. Com relação
às outras pessoas, temos mais liberdade para fazer perguntas. Mas isso
também não quer dizer que não haja perguntas que podemos fazer a nosso
respeito. Há algumas perguntas relacionadas a nós mesmos e que podemos
fazer. Se temos somente uma curiosidade ou um interesse cognitivo, e
muito pouco interesse vital naquele momento, podemos fazer perguntas
relacionadas a nós.

Por exemplo, a pergunta que fizemos no começo da aula: “Haverá aula


hoje ou não?” Eu tenho algum interesse vital em receber as mensalidades
dos alunos, mas não estava muito preocupado com isso na hora em que fiz
a pergunta. E, ainda assim, o planeta significador do querente (isto é, de
quem está perguntando) estava relativamente debilitado, pois eu estava um
pouco preocupado: “E se não tiver aula? Pode ser que eles já tenham
desistido de aprender.” Isso estava lá no fundo. Então, se estivermos
apenas curiosos, mas não preocupados, será mais fácil de obtermos uma
resposta. Já se estivermos mais preocupados, ou profundamente
interessados, e quisermos muito que a resposta seja “a” e não “b”, então
229

erraremos a interpretação. Em casos desse tipo, o sujeito apenas acerta a


pergunta se, durante dez ou quinze anos, ele pratica todos os dias a
astrologia horária profissionalmente. E deve-se somar a essa prática
contínua a vocação. Um sujeito desse tipo se acostuma a criar o estado de
espírito de desejar apenas as respostas verdadeiras às suas perguntas, sejam
aquelas quais forem.

Esse estado de espírito de desejar apenas as respostas verdadeiras é,


primeiramente, uma confiança de que é Deus que determina a capacidade
do astrólogo de ajudar o cliente ou não. O segundo ponto é que o astrólogo
deve ter um sentimento de compaixão, de querer ajudar o outro a livrar-se
do sofrimento, ainda que isso nem sempre seja possível, da mesma forma
como o médico quando examina um paciente. Se o astrólogo quiser ajudar
demais o seu cliente durante uma consulta horária, ele irá enviesar a
resposta para o lado positivo e errará por excesso de otimismo, sendo que
pelo menos setenta e cinco por cento das respostas são negativas. E isso é
assim pelo simples fato de que a maior parte das pessoas só consulta o
astrólogo quando está muito ferrada, com muito medo, muito preocupada,
muito deprimida. As pessoas nunca consultam um astrólogo quando estão
num estado de dúvida que não as preocupam muito.

Quando começarmos a introduzir o assunto, teremos de introduzir os


significados mais comuns das doze casas. E, a partir disso, poderemos
listar as perguntas relacionadas à casa I, à casa II, à casa III etc. Também
listaremos quais são as casas mais fáceis de obtermos uma resposta quando
somos nós mesmos que estamos perguntando, e aquelas casas que somente
conseguiremos responder se alguém muito preocupado com a questão nos
perguntar.

Então, vamos listar alguns tipos de questões horárias. O exercício mais


comum é sobre objetos perdidos ou roubados, e também se alguém está
mentindo ou falando a verdade. Estes são dois tipos de pergunta muito
fáceis de responder. Agora, se alguém pretende ser delegado ou promotor,
lembre-se que muitas pessoas mentem por motivos perfeitamente
230

inocentes. Elas mentem porque estão com medo, e não necessariamente


porque são culpadas; elas mentem porque estão com vergonha, e não
porque cometeram um crime. Isso acontece. Dizer que o sujeito está
mentindo não significa que ele seja culpado. Significa apenas que aquela
questão específica deverá ser examinada com mais cuidado por meio de
outras fontes. Ou então, se não houver outras fontes, deve-se pressionar o
sujeito para que ele desembuche: “Não, você está mentindo!” Isso é
realmente útil. E também o é para o médico, porque os pacientes mentem
muito para os médicos! Então, essas são questões fáceis: “Fulano vai
passar no vestibular?” Ou: “Fulano vai passar no exame ou não?” Ou
ainda: “O Beltrano vai ganhar na loteria?” Essas são as perguntas mais
fáceis do mundo de responder!

Tales: Geralmente a resposta é não.

Gugu: É a coisa mais fácil do mundo de responder. Olhamos o mapa por


mero formalismo. Outra pergunta: “Mês que vem escolherão quem será
promovido no escritório. Vou ganhar a promoção?” Essa também é fácil de
responder. Outra pergunta muito fácil: “Fulana gosta de mim?” Agora sim
o pessoal vai querer saber o negócio! Mas as pessoas passam a querer fazer
perguntas amorosas desse tipo a elas mesmas. Isso nunca funciona. Pode
ser que duas pessoas combinem entre si: “Pergunta isso para mim?” E o
pior de tudo é quando o sujeito responder direito, a resposta for positiva –
ou seja, que a garota gosta do indivíduo que fez a consulta -, e a pessoa
estraga tudo, pois estava pensando que a coisa já estava no papo quando,
na verdade, a menina só gostava dele, porém esperava ser conquistada. É
por isso que em se tratando de aplicação real, perguntas práticas - por
exemplo, “como faço para conquistar aquela mulher?” - são muito mais
úteis. É claro que a resposta pode ser: “Não há o que você possa fazer
nessa condição para ela achar que você é mais do que um verme
insignificante.” Ela pode nem saber que o sujeito existe, e não quer nem
saber também! Ela nem sequer o detesta!
231

Enfim, acho que conseguimos dar algumas indicações suficientes sobre a


questão do livre-arbítrio e da proibição da Igreja. Também veremos uma
bibliografia de estudos científicos sobre astrologia para mandar para os
alunos. Há uma boa bibliografia do tema, e grande parte dela está
publicada na internet. Quanto à questão teológica, é sempre bom estudar o
tema. Lembrando que isso implica num preparo teológico prévio. Ou seja,
o sujeito não entenderá a relação entre teologia e astrologia antes de
entender um pouco de teologia. E o mesmo vale para a questão científica.
Esta é até um pouco mais dura de lidar, porque estatística é algo muito
chato. Até pode ser que existam uns mapas que indicam que o sujeito ache
estatística interessante, mas esse não é o meu!

Se essa questão ficou clara, na próxima aula voltaremos a ver um pouco de


técnica astrológica. E, quem sabe, na outra aula mudamos um pouco para o
simbolismo em geral. A idéia é alternar os diversos temas para que
nenhum deles chegue cansar a mente do aluno.

Aluno: Podemos falar da relação entre o (inaudível) e a música?

Gugu: Muito pouco, porque meu conhecimento de música é muito


genérico. Tenho uma idéia do que são intervalos, as qualidades dos
intervalos, e o que é melodia. Tenho algumas noções, mas não sou um
músico. E tenho também alguma sensibilidade. Sensibilidade estética é um
dos fatores do meu mapa. Outro dia conheci uma dupla de gêmeas, e elas
ficaram sabendo um pouco de astrologia e me perguntaram: “Nós somos
gêmeas, por que somos tão diferentes?” Vi o rosto das duas e estava na lata
a diferença. Então respondi: “É porque você tem ascendente em Câncer e
ela tem ascendente em Leão!” Havia uma diferença de dezessete minutos
entre o nascimento de uma e da outra. Ao calcular os mapas, uma tinha
ascendente em Câncer, e a outra ascendente em Leão. Isso muda tudo. Eu
disse: “Você é a mais velha, mas você tem ascendente em câncer. Você
pega uma florzinha e quer ficar admirando, enquanto sua irmã é a que tem
garra e que é a dominante!” Isso era muito fácil de notar, porque as
diferenças fisionômicas entre elas são diferenças típicas entre Câncer e
232

Leão. Fora a estilização na direção de Câncer e na direção de Leão, elas


eram de fato muito parecidas. Eram gêmeas idênticas univitelinas, isto é,
gêmeas idênticas. Mas, pelo menos para mim, elas não eram idênticas: uma
tem cara de Lua e a outra tem cara de Sol; uma tem cara de Câncer e a
outra tem cara de Leão; uma é a meiga e a outra é a sexy.

Então é isso, até a próxima aula!

Transcrição: Carlos Augusto G. Nascimento, Leonardo Ferreira, Lucas A.


Oliveira, Rafael V. Vanni
Instituto Cultural Lux et Sapientia

Curso de Astrologia e Cosmologia


Medieval
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Aula 08

Tópicos da aula:

Mais explicações sobre a astrologia e o livre-arbítrio. Como descobrir qual


o planeta mais forte no mapa. Estudo de perguntas horárias com textos de
apoio e vários exemplos de mapas horários.

Transcrição da aula:

Gugu: Bem, hoje íamos introduzir a técnica da astrologia horária a partir de


um texto com as regras fundamentais e mais alguns mapas de exemplo.
Mas parece que houve um problema no envio e nem todos puderam ler o
233

material que foi designado.12 Então, há alguma dúvida quanto às aulas


anteriores?

Aluno: Apesar de termos falado bastante sobre a questão do livre-arbítrio,


quando nos deparamos com a astrologia horária e as suas previsões - por
exemplo, onde um gato perdido está, e se ele voltará para casa ou não -,
ainda é difícil compreender de maneira simplificada onde está o livre-
arbítrio ou não.

Gugu: O livre-arbítrio consiste na habilidade de escolher, dada a fórmula


racional ou teorética da ação, entre duas alternativas. Imaginemos que um
sujeito recebe cem reais e quer comprar uma camisa de oitenta reais.
Então, ele tem duas alternativas: ou fica com o dinheiro para poder
comprar alguma outra coisa ou compra a camisa. E justamente por
compreender essas duas alternativas é que ele é realmente capaz de
escolher tanto uma coisa quanto a outra. Se ele olhar internamente, não
existe nada que impõe a escolha de uma delas.

Dessa forma, se nada impõe a ele uma escolha, como é que o sujeito
decide? Ele joga na moeda? Quantas vezes por dia tomamos decisões com
base no cara ou coroa? A maior parte das nossas decisões não são tomadas
assim. Tomamos nossas decisões olhando para aos resultados finais das
ações que se colocam como possíveis diante de nós.

Por exemplo, o sujeito que deseja comprar uma camisa legal imagina que,
ao vesti-la, irá impressionar alguma menina e que as pessoas o acharão um
cara legal; mas esse sujeito também imagina que, se não comprar a tal
camisa, ele terá dinheiro para quando surgir alguma necessidade. Para
tomarmos uma decisão, então, imaginamos e sentimos uma situação
concreta. Após isso, não precisamos mais compreender a situação, pois já a

12
Nota do revisor: estes textos são: 1) Ao estudante de Astrologia; 2) Simbolismo na Astrologia; 3) Notas Sobre
Astrologia Horária; e 4) Dignidades Essenciais e Acidentais. Eles estão disponíveis para download no arquivo da
aula 08 do curso.
234

compreendemos imaginativamente, e essa imaginação gera um impulso


numa ou noutra direção.

Porém, esse impulso também não obriga a nossa vontade. O que acontece é
que, na ausência de um obstáculo, a vontade cede naturalmente a um
impulso. Esse é um princípio da natureza humana. Se praticar uma ação é
legal, é agradável, é útil, é conveniente e não temos nenhum princípio
moral que vai contra ela, então a praticamos. Isso não viola o livre-arbítrio,
porque, teoricamente, seria possível para o sujeito rejeitar a ação. Mas a
vontade humana tem uma inclinação padrão, e, na ausência de obstáculos,
segue a sua inclinação.

Quando o sujeito possui um obstáculo moral, geralmente, aparecerá no


mapa horário que ele tem alguma restrição contra aquilo. Então, os
princípios morais do sujeito são significados, ora pela casa IX, ora pela X.
Se encontrarmos o regente da casa IX ou da casa X afligindo o querente ou
o quesito, veremos que esse indivíduo deseja algo que vai contra seus
princípios morais. Então, normalmente, começamos a descrever quais são
as vantagens e desvantagens de ele obter o que quer, e a resposta que
damos é dependente das alternativas que ele pode escolher.

Se olharmos o texto sobre a astrologia horária, um dos cuidados iniciais


que devemos ter ao examinar uma questão horária é ter bem claro o que o
querente quer e aonde ele quer chegar, pois depende disso a leitura que
faremos do mapa. Uma coisa é lidarmos com questões que não envolvem
ou envolvem muito pouco a vontade do sujeito, outra é lidarmos com
questões que são extremamente importantes para ele.

Por exemplo, alguém pode perguntar: “Se me submeter a esse tratamento,


ou a essa cirurgia, vou me recuperar?” Nesse caso, a recuperação não está
na mão do sujeito. O que está na mão dele é submeter-se à cirurgia ou ao
tratamento. Porém, quando alguém nos faz uma pergunta dessas, já está
claro na própria formulação da questão que ele deseja essa recuperação. Se
o sujeito nos faz essa pergunta é porque ele quer se recuperar. Assim, do
235

ponto de vista da astrologia horária, esse querer se recuperar já faz parte do


cenário, é uma coisa que já está dada. Esse querer é como uma força
natural já presente que não foi determinada pelo mapa horário.

A pessoa que faz uma pergunta horária já chega com certas expectativas,
de modo que estas não são criadas pelo mapa horário. Esse mapa pode, no
máximo, responder que aquilo que a pessoa quer: 1) acontecerá; 2) não
acontecerá; 3) acontecerá, mas não será tudo aquilo que ela pensou que
seria; e 4) acontecerá, mas com muitas dificuldades. Porém, a expectativa
do sujeito é prévia à pergunta. Isso quer dizer que a inclinação primária da
vontade dele é prévia à pergunta. E, na verdade, isso é um traço da ação
humana em geral.

Para que tivéssemos essa aula hoje, eu tive que decidir vir até aqui para dá-
la, e vocês tiveram que decidir vir até aqui assisti-la. A decisão de vocês
virem me assistir, para mim, é parte do cenário da aula, porque eu não
tenho poder sobre essa decisão. Já para vocês, a minha decisão de dar a
aula é parte do cenário das suas vidas.

Então, quando o cliente chega para uma pergunta horária, ele já tem dentro
dele uma expectativa que não é parte do cenário, e sim algo que ele está
criando dentro dele mesmo. Mas a expectativa desse cliente é, para o
astrólogo, parte do cenário da existência, e não algo sobre o qual este
último agiu. Evidentemente que o astrólogo terá alguma ação na formação
dessa decisão futura, dependendo do conselho que der sobre ela. Porém,
essa decisão futura não foi tomada ainda durante a consulta horária.

No caso da previsão de que o gato que está perdido voltará para casa, a
coisa é mais fácil ainda, pois o gato não tem livre-arbítrio. Ele não é capaz
de criar uma formulação racional da situação, e seguirá necessariamente as
suas próprias inclinações. O gato não tem nem a possibilidade teorética de
refletir: “Tenho essas inclinações, mas por algum motivo que não sei, não
vou segui-las.”
236

Isso quer dizer que a vontade tem um funcionamento natural. Esse modo
natural da vontade operar é parte do cenário da astrologia horária, pois é
parte do cenário do mundo. E, às vezes, o cenário está tão consolidado que
parece que os astros decidiram alguma coisa. Mas os astros só indicaram
que, na verdade, a raiz da decisão do sujeito já tinha sido tomada. Às vezes
acontece de um sujeito dizer que quer se casar e perguntar se isso é uma
boa idéia. E, quando olhamos o mapa, dizemos que ele realmente se casará.
Isso é assim, pois, na verdade, ele já tomou a decisão interiormente e às
vezes ainda nem notou. O sujeito já tomou a decisão, mas não a dialetizou
para si mesmo.

Também existe, então, o hiato entre uma escolha e a tomada de consciência


dessa escolha; existe o hiato entre uma decisão e a formulação mental
dessa decisão que já foi tomada. Nesse caso, primeiro escolhemos algo, e
só depois nos conscientizamos de que escolhemos algo. Por exemplo, se
alguém está em casa e tem vontade de ir ao banheiro, ele não precisa
pensar para decidir: “Vou ao banheiro ou não? Sim, vou.” A pessoa vai ao
banheiro antes de pensar nisso. Depois, olhando para trás, essa pessoa
pensa: “Decidi ir ao banheiro. É lógico que decidi. Se eu tivesse decidido
ficar aqui na sala, teria ficado.”

Desse modo, muitas vezes o processo decisório já pode estar resolvido,


mas o sujeito só não se deu conta ou ainda está com alguma insegurança
psicológica. Assim, quando olhamos o mapa dele, vemos que a decisão já
foi tomada e que isso irá mesmo acontecer. Então, fica-se com a impressão
que ocorreu uma mágica astral, que Júpiter caiu na cabeça do indivíduo e
decidiu por ele. Só que a verdade é ele já chegou à consulta decidido.

Aluno: Podemos fazer um paralelo com o livre-arbítrio do ponto de vista


astrológico e com o livre-arbítrio do ponto de vista da vida de qualquer
cristão? Parece que Deus já determinou as coisas, mas pelo motivo de
orarmos, rezarmos e só depois tomarmos a decisão, é que temos a
liberdade. Eu estava vendo uma aula do seu pai em que ele falava sobre
determinismo e livre-arbítrio. Do ponto de vista astrológico é a mesma
237

coisa, é sempre uma tensão que vivemos. Depois que tomamos a decisão,
vemos o destino de forma que parece, a posteriori, que aquela escolha já
estava determinada. A vida de um cristão é mais ou menos assim, não é?

Gugu: Exatamente, há sempre um jogo de tensões que é explicável


posteriormente, e então parece que a coisa era um destino montado. Mas
no processo vital e real das tensões, houve decisões livres. Não é difícil
sabermos o que uma pessoa decidirá se conhecermos o cenário psicológico
e existencial dela muito bem. Todo mundo sabe como seus pais ou esposa
reagirão a alguma coisa.

Por exemplo, antes de olhar o mapa da minha esposa, eu já sabia que,


quando eu mudava os planos de última hora, ela ficava brava. Quando vi o
mapa dela, pensei: “Ah, ela tem Marte na casa VIII, e pessoas com Marte
na casa VIII ficam bravas com mudanças de última hora.” Mas antes disso
eu já sabia que esse era um fato psicológico dela. Mesmo um não astrólogo
seria capaz de dizer que a minha esposa fica brava quando avisam as coisas
de última hora para ela. E o que determina isso? É a psicologia dela.

O ponto é que muitas situações podem ser descritas em termos de liberdade


ou destino. Mas se observarmos o fato concreto da nossa existência,
veremos que ele é justamente isso: um monte de tensões e inclinações em
diversos lados e momentos; pontos focais que temos escolher entre um ou
outro. E aí percebemos que somos realmente livres para decidir.

Aluno: O que me ajudou a entender essa diferença entre o plano da


eternidade, em que está tudo consumado, e o plano temporal - logo, a
questão do determinismo e do livre-arbítrio -, foi ler um pouco da biografia
do Pe. Pio. Sabemos que ele previa coisas, mas há um momento em que o
seu biógrafo diz que ele [o Pe. Pio] costumava falar que rezava pela morte
feliz do bisavô. Porém, ele [o Pe. Pio] também dizia que essas orações já
estavam contadas e já tinham sido levadas em conta por Deus no plano da
eternidade. Então fazia todo sentido rezar pela morte do bisavô dele. É só
uma coisa que me ajudou muito a entender, na prática, esses dois planos.
238

Ele rezava pedindo por um evento passado, porque na eternidade Deus já


tinha levado em conta essas orações.

Gugu: Exatamente. Em último plano, cada momento, agora, está


compreendido por Deus na eternidade, porque Deus é em todo momento
testemunha de si mesmo. Deus não muda, então o que Ele testemunha
hoje, ontem e amanhã, é sempre a mesma coisa. Assim, é perfeitamente
possível, nesse sentido, um evento futuro ter alguma influência sobre um
fenômeno passado. Quer dizer, ao invés de pensar que já estava tudo
consumado, o Pe. Pio rezava pelo seu bisavô. Por isso, não devemos pensar
que já está tudo resolvido e que, portanto, não devemos fazer nada. Se não
fizermos nada, está resolvido que tudo dará errado para nós. Desde toda
eternidade está decidido que, se não fizermos nada, tudo dará errado para a
gente.

Aluno: Posso fazer outra pergunta? Tentando treinar o cálculo do


temperamento, sempre esbarrei na dificuldade de encontrar qual é o planeta
regente do mapa. Tentei usar aquela tabela para calcular a dignidade
essencial de cada planeta, mas essa tarefa de achar o planeta mais forte do
mapa é algo que ainda não consigo fazer.

Gugu: Em primeiro lugar, devemos olhar se há algum planeta com


dignidade maior, isto é, algum planeta em domicílio ou exaltação. Essa é a
primeira coisa: verificar se há algum planeta em domicílio ou exaltação, e
se esse planeta não está nem na casa VIII e nem na casa XII; na casa VI até
dá para agüentar. Algum planeta pode estar angular na casa I, na casa IV,
na casa VII ou na casa X. Devemos lembrar também que um planeta pode
estar geometricamente na casa XII, mas astrologicamente estar na casa I;
se ele estiver bem pertinho da cúspide da casa I - a cinco ou seis graus de
distância -, ele estará na casa I. Então, essa é a primeira coisa. Se algum
planeta tem dignidade essencial maior e não está nas piores casas – XII,
VIII e VI –, certamente esse é o candidato.
239

Porém, há algumas exceções. Se houver um planeta quase tão forte quanto


ele, mas que também é o regente do Ascendente, ou que forma um bom
aspecto com o regente do Ascendente ou com o Ascendente, esse planeta
pode ser um candidato melhor, justamente pela relação com o ascendente.
E esse planeta pode ser inclusive o Sol. Temos algum mapa de exemplo?

Aluno: Posso dar o meu. Nasci em São Paulo, no dia 05 de maio de 1978,
às 12 horas e 50 minutos.
240

(Mapa 1.1)
241

(Mapa 1.2)

Gugu: Quanto a esse mapa não há dúvidas. Só um planeta possui dignidade


maior: Júpiter exaltado na casa XI. É júpiter na cabeça! E podem
perguntar: “Por quê? Mesmo ele não formando aspecto com nada?” Na
verdade, ele forma um aspecto bem largo com o Sol. Porém, mesmo que
ele não forme nenhum aspecto,13 só há um planeta com dignidade maior:
Júpiter. E ele está numa casa boa, que é a casa XI. Então, não tem erro.

No meu mapa, por exemplo, há uma dúvida: Vênus está exaltada em


Peixes, na casa VII; e Júpiter domiciliado em Sagitário, na casa IV. Vênus
tem a vantagem de estar acima do horizonte, pois está na casa VII, e
Júpiter está bem embaixo do horizonte, pois está na casa IV. No entanto, o
ascendente é Leão e o Sol está em Áries. E se Júpiter está em um signo de
fogo, ele tem uma relação melhor com o ascendente e com o Sol. Isso tudo

13
Nota do revisor: o programa usado para calcular o mapa em questão foi o ZET7, e, de acordo com o cálculo,
Júpiter de fato não forma nenhum aspecto com o Sol.
242

torna Júpiter um melhor candidato a regente do mapa, mas não pela sua
dignidade, pois Vênus também está forte o bastante no mapa. Júpiter é um
melhor candidato porque também é o dispositor de Vênus.

Aluno: Podemos usar o meu mapa como exemplo? Nasci em São Paulo, no
dia 08 de junho de 1989, às 13:20.
243

(Mapa 2.1)
244

(Mapa 2.2)

Gugu: Nesse caso, mais uma vez, não há erro. Só um planeta possui
dignidade maior: Saturno domiciliado em Capricórnio. Ele também está na
casa IV, que é uma boa casa. Nesses dois exemplos que usamos agora, só
há um planeta com dignidade maior. Só teríamos dúvida de qual o planeta
regente nesses casos, se Júpiter (no primeiro caso) e Saturno (no segundo)
estivessem ou na casa VIII ou na casa XII ou na casa VI.

Daremos agora uma olhada nas questões de astrologia horária que haviam
sido propostas para essa aula. É importante que os alunos acompanhem
essa análise com o texto Notas Sobre Astrologia Horária. O primeiro
exemplo será o da questão: “Vai ter aula hoje?” 14

14
Nota do revisor: também coloquei, para facilitar a visualização do pontos indicados pelo professor, os mapas
do programa ZET7 e ZET9. Outro ponto a se notar é que, a depender do sistema de casas usado, a posição destas
pode variar ligeiramente. O professor usou o sistema Regiomontanus nos mapa dos exemplos dados em aula.
245
246

(Mapa 3.1)
247

(Mapa 3.2)
248

(Mapa 3.3)

Muito bem, fiz essa pergunta um pouco antes de começar a última aula no
mês passado. Eu estava bastante atrasado na ocasião, então pensei: “Será
que haverá aula hoje?” Desse modo, podemos ver que o mapa acima é
referente a essa pergunta. E, para começar a interpretá-lo, vamos usar
como base o texto já mencionado sobre astrologia horária.

Em primeiro lugar, quais os cuidados que devemos tomar? Vejamos no


texto:

“Primeiro cuidado: se necessário, pedir esclarecimentos sobre a


questão.”

Essa é uma pergunta bem fácil, mas, muitas vezes, alguém irá ao astrólogo
com algumas perguntas confusas. Por exemplo, uma moça pode perguntar:
“Então, há esse cara, e eu não sei muito bem...” Nesse caso, o astrólogo
249

deve replicar: “O que você quer dizer? Essa é uma pessoa com quem você
deseja namorar? É uma pessoa que você já está namorando? É uma pessoa
que você já namorou?” Então, o astrólogo deve entender bem claramente a
pergunta.

“Segundo cuidado: anotar a hora com precisão.”

Bem, esse é um passo que não deu problema algum para essa questão em
particular, pois eu já estava com as horas bem na minha frente. Apenas tive
o trabalho de rodar o programa e tudo foi calculado. Porém, às vezes o
astrólogo aceita uma pergunta num determinado local – seja no trabalho,
na faculdade, no ônibus etc. – e numa determinada hora, mas faz o cálculo
da mesma num momento posterior. Nesse caso, não esqueçam de anotar a
hora em que a pergunta foi aceita.

“Terceiro cuidado: colocar os dados corretamente no computador.”

Isso, muitas vezes, também é causa de erros. Às vezes, por algum lapso, o
astrólogo insere algum dado errado no programa do computador, que dará
uma resposta errada.

“Quarto cuidado: ter bastante certeza de qual resposta o querente


espera como positiva.”

No caso desse mapa que estamos analisando, eu esperava como positiva a


resposta de que haveria aula. Às vezes, o sujeito pode fazer essa mesma
pergunta e desejar ardentemente que não haja aula. Por exemplo, um
sujeito assim, ao fazer essa pergunta, pode estar pensando: “Queria tanto
que não houvesse aula hoje! Droga, não gravo nada na memória e
perguntarão coisas que não vou entender!” Então, pode ser que uma
pessoa, fazendo essa mesma pergunta, deseje que não haja aula. E, como
falamos, a expectativa do cliente faz parte do cenário que o astrólogo deve
assimilar.
250

“Quinto cuidado: refletir sobre qual é a resposta padrão para a


pergunta. Ignorados os fatores astrológicos, qual é o resultado mais
provável ou natural para essa pergunta?”

Qual seria a resposta padrão para a pergunta desse nosso mapa?15 A


resposta padrão seria: “Sim, haverá aula.” Isso porque se trata de um
compromisso formal e habitual, então, normalmente, espera-se que haja
aula.

Agora que já tratamos do cenário prévio à astrologia, podemos entrar nos


cuidados astrológicos, que são chamados de “impedimentos”. Vejamos se
há algum impedimento quanto à capacidade de responder a pergunta
astrologicamente:

“Primeiro impedimento: Não há parentesco algum entre o signo


Ascendente e o regente da hora. Os parentescos são os seguintes: o
regente da hora é o regente do signo Ascendente; o regente da hora
é regente da triplicidade do signo; o regente da hora é da mesma
natureza elemental; o regente da hora está exaltado no signo
Ascendente; o regente da hora forma um aspecto partil favorável
com o Ascendente ou com o regente do Ascendente.”

O signo Ascendente, nesse mapa, é Gêmeos. Notem que Gêmeos está na


casa I, portanto, ele é o regente dessa casa. O regente da casa I é o signo
Ascendente de um mapa. E qual o planeta regente do signo de Gêmeos?
Mercúrio. Após isso, temos que ver se Mercúrio é o regente da hora. Se
olharmos na tabela “chart results”16 do mapa horário acima, vemos que o
regente da hora é a Lua.

Por que o regente da hora é a Lua? Pois é um sistema de descida. O dia da


pergunta é de Saturno, e vai do nascer até o pôr do Sol. Esse período (que

15
Nota do revisor: isto é - “vai ter aula hoje?”
16
Nota do revisor: está no lado esquerdo, embaixo da tabela “aspects”.
251

pode ser de dez, onze, doze ou treze horas) é dividido em doze partes
iguais (de quarenta, cinqüenta ou sessenta minutos, por exemplo), a
depender do comprimento do dia. Nesse momento, aqui na Romênia,
temos um dia de nove horas. Essas nove horas devem ser divididas em
doze partes. Se o dia é um dia de Saturno - como é o caso de sábado – a
primeira dessas doze partes é regida por ele mesmo, a segunda parte do dia
é regida por Júpiter, a terceira parte por Marte e assim vamos seguindo a
seqüência dos planetas.

Então, nesse mapa, o primeiro parentesco já está negado: o regente do


signo Ascendente (Mercúrio) não é o regente da hora (Lua). Esse é o
primeiro parentesco que pode gerar um impedimento.

O segundo tipo de parentesco aparece quando o regente da hora ser


também o regente da triplicidade do signo Ascendente. Como vemos a
triplicidade do signo Ascendente? Gêmeos é um signo de ar, e o regente da
triplicidade de ar é Mercúrio. Então, mais uma vez, não temos um
parentesco aqui, pois o regente da hora é a Lua.

A terceira forma de parentesco acontece quando o regente da hora é do


mesmo elemento que o regente do Ascendente. Por exemplo, se o
Ascendente fosse Touro e o regente da hora fosse Saturno. Nesse caso,
tanto o signo de Touro quanto o planeta Saturno são do elemento terra, o
que gera um impedimento. No nosso mapa, isso não acontece, pois a Lua
(que é regente da hora) é do elemento água, e Gêmeos (que é o signo
Ascendente) é do elemento ar.

O quarto tipo de parentesco ocorre quando o regente da hora está exaltado


no signo Ascendente. Também não é o caso no nosso exemplo.

O último caso de parentesco acontece se o regente da hora forma um


aspecto partil favorável com o signo Ascendente ou o regente do signo
Ascendente. Ora, o regente da hora é a Lua, que até forma um trígono com
o Ascendente, pois aquela está em 10º de Aquário e este em 16º de
252

Gêmeos, porém esse não é um trígono partil. A Lua também forma um


aspecto favorável com Mercúrio,17 que é o regente do Ascendente.
Tecnicamente, então, deixemos essa nota: não há parentesco entre a hora o
e Ascendente. Mas como a Lua está formando um aspecto com o signo
Ascendente e com o regente do Ascendente, há um parentesco bem fraco.
Devemos considerar isso, de certa forma, como um “meio impedimento”.
Não é um impedimento completo, mas um “meio impedimento”.

“Segundo impedimento: A Lua está fora de curso, isto é, no fim de


um signo e só formando aspecto no signo seguinte.”

Se olharmos a Lua, ela está se aplicando a uma quadratura com Saturno e a


uma quadratura com o Sol, e se separando também de uma quadratura com
Mercúrio. Portanto, a Lua não está fora de curso, pois está aplicando e
separando aspectos. Então, não há esse segundo impedimento.

“Terceiro impedimento: Se a questão não envolve a casa sete -


maléfico debilitado na casa sete ou maléfico debilitado se aplicando
ao regente da casa sete.”

Agora temos de procurar qual é a pergunta e quais são os significadores


naturais dessa pergunta. Como fazemos isso? Primeiro, temos de achar o
querente, isto é, quem faz a pergunta. O querente é significado pelo regente
do Ascendente e pela Lua, sempre com o significado voltado para a Lua.
No caso, o regente do Ascendente é Mercúrio, portanto, o querente será
Mercúrio e Lua.

O segundo passo é procurar o quesito, ou seja, aquilo acerca do que se faz


a pergunta, que no caso é “aula”. Como podemos descobrir o que significa
“aula”? Se olharmos mais adiante no texto Notas sobre Astrologia
Horária, encontraremos uma lista de significados das casas. “Aula”, como
podemos ver, está significada pela casa IX. Só teríamos alguma dúvida se

17
Nota do revisor: na tabela “aspects”, há a indicação de quadratura entre a Lua e Mercúrio.
253

essa fosse uma aula muito primária. Por exemplo, uma aula de
alfabetização ou de aritmética, e uma aula do primeiro ou do segundo ano,
podem ser representadas pela casa III ou pela casa V. Então, ensinamento
básico é representado pela casa III e pela casa V. Fora isso, o aprendizado
em geral é representado pela casa IX.

Essa indicação da casa IX está fortalecida, pois a Lua – que significa o


querente – está justamente nessa casa. A casa onde está o querente, muitas
vezes, indica no que ele está pensando ou com o que ele está preocupado.
A Lua está na casa IX, o que indica que o querente está preocupado com a
aula. Mercúrio está na casa VI, que é a casa dos atrasos, o que indica que o
querente está preocupado também com o atraso. Ambas as coisas
confirmam a significação. Portanto, “aula” é representada pela casa IX. E
quem é o regente da casa IX nesse mapa? A casa IX está começando bem
no final de Capricórnio, então, o regente é Saturno.

Devemos lembrar que estamos pesquisando o terceiro impedimento, que


diz respeito à questão estar envolvida com a casa VII. Então, esse
impedimento deve ser levado em conta, e temos que verificar se ele está
presente. Como vimos, a questão não envolve a casa VII, porque o quesito
é significado pela casa IX.

Em seguida devemos ver se há algum maléfico debilitado na casa VII ou se


há algum maléfico se aplicando ao regente da casa VII. Os planetas
maléficos são Saturno e Marte, e eles não estão na casa VII. Se
observarmos, a única coisa que há aqui é que Marte forma uma quadratura
com a cúspide da casa VII. Isso não está desenhado no mapa, mas a
distância de 14º de Virgo (onde Marte está) até 16º de Sagitário (onde a
cúspide da casa VII está) forma uma quadratura. Como no mapa Marte não
está tão mal posicionado e só está se aplicando à casa VII, devemos
considerar ele apenas como um “meio impedimento”. Então, já temos dois
“meios impedimentos”, o que constitui apenas um impedimento.
254

Porém, há uma atenuante nesse caso. O signo regente da casa VII é


Sagitário, e ele este está bem forte no mapa. O planeta regente de Sagitário
é Júpiter, que, por estar na casa II em Câncer, está exaltado.18 Júpiter está
exaltado em Câncer e, além disso, está na casa II, que não é uma casa ruim.
Mais ainda, Júpiter em si é um planeta benéfico. Então, temos um planeta
benéfico em exaltação e em uma casa boa.

Por que fazemos essas considerações sobre a casa VII quando a pergunta
não diz respeito a ela? Pois a casa VII é a significadora natural do
astrólogo, isto é, aquele a quem a pergunta é feita. Se a casa VII é muito
ruim, há a possibilidade de uma má interpretação do mapa pelo astrólogo.
Se a questão não envolve algo que diz respeito à casa VII e essa casa
estiver muito ferrada, isso é uma indicação de que o astrólogo não
conseguirá ler corretamente o mapa, e portanto é melhor que ele suspenda
o julgamento e o deixe para outro momento.

Qual a exceção dessa regra? Se a pergunta for justamente sobre algo


relacionado à casa VII. Nesse caso, toda essa debilidade será parte da
resposta. Por exemplo, alguém está querendo mudar de estado e pergunta
se isso é bom ou ruim. O local em que essa pessoa mora é representada
pela casa IV, e o local para onde ela tem intenção de mudar é representado
pela casa VII. Se esta estiver toda ferrada, isso é sinal de que ela apenas
sofrerá no lugar para onde pretende se mudar.

“Quarto Impedimento: Ascendente nos três primeiros ou três


últimos graus de um signo. Ascendente no começo do signo pode
indicar que é cedo demais para dar uma resposta; no fim do signo
pode indicar que é tarde demais para mudar o resultado. Nos dois
casos, esse impedimento pode indicar que o querente não leva a
questão a sério, que tem receio de fazer a pergunta, ou que quer testar
o astrólogo. Em épocas passadas esse impedimento era ainda mais

18
Nota do revisor: ler a apostila Introdução ao Simbolismo Astrológico para checar qual planeta rege qual signo,
e em que signo os planetas estão exaltados.
255

relevante devido ao instrumental usado para medir o tempo e calcular


o mapa.

A presença de um único impedimento geralmente não é suficiente


para impedir uma resposta.”

No mapa que estamos analisando, vemos que o Ascendente está em 16º de


Gêmeos. Então, esse impedimento não está presente. No nosso mapa, o
Ascendente não está nem nos três primeiros graus e nem nos três últimos.
Se o Ascendente estiver em alguma dessas posições, geralmente isso é
indicação de que a pessoa está perguntando algo cedo demais e que a
questão não pode ser definida ainda; ou que a pessoa fez a pergunta por
uma mera curiosidade momentânea, sem nenhum interesse ou preocupação
real sobre o assunto. Se o Ascendente está posicionado bem no final da
casa, isso é sinal de que é tarde para que se faça alguma coisa a respeito
daquilo que se pergunta; a situação já está definida e só resta esperar o
resultado dos acontecimentos. Esse é o único conselho que podemos dar
nesse caso. Ou a vaca já foi para o brejo, ou então tudo acontecerá da
melhor forma possível.

A nota final do que acabamos de ler também é muito importante. Um único


impedimento, geralmente, não é suficiente para impedir uma resposta. Se
houver dois impedimentos, temos que estar muito confiantes de que a
resposta está claríssima. Se houver três impedimentos, temos que nos negar
a responder a questão. Caso respondamos, iremos nos arrepender.

Se alguém estiver meio perdido com tudo isso que estamos dizendo, fique
tranqüilo. Nas próximas aulas traremos muitos exemplos, portanto não se
preocupe se não estiver entendendo nada.

Voltando para a questão dos mapas astrológicos, se olharmos do meio do


círculo para o lado esquerdo, teremos o Ascendente (ou casa I). No lado
esquerdo do mapa que estamos usando de exemplo, temos Gêmeos em 16º
33’. Isto quer dizer que o Ascendente começa em 16° de Gêmeos.
256

Seguindo de forma anti-horária na leitura do mapa, veremos que há outro


risquinho, que é onde começa a casa II: em 11º 12’ de Câncer. Isto quer
dizer que o Ascendente começa em 16° de Gêmeos e termina em 11° de
Câncer. Não estamos falando dos minutos aqui, mas devemos olhá-los
também.

Então, a Casa II começa em 11° de Câncer e termina em 29° de Câncer. Se


olharmos neste espaço, há um planeta: Júpiter em 20º de Câncer. Então
Júpiter está a 20º de Câncer na casa II. E o que isso significa? Que, se
houver aula, o professor ganhará algum dinheiro.

Se continuarmos descendo, veremos que em 29º de Câncer começa a casa


III, que vai até 18º de Leão. Não há nenhum planeta na casa III.

A casa IV que começa em 18º de Leão e vai até 17º de Virgo. Podemos ver
que dentro da casa IV há outro planeta: Marte em 14º de Virgo.19 Ele está
desenhado na casa IV, mas entre ele e o começo da casa V a diferença é de
apenas 3º. Isto quer dizer que ele está em conjunção com a casa V, e,
portanto, está nela. Outro ponto interessante a se notar é que ele não está
retrógrado. Se olharmos o planeta Júpiter na casa II, vemos que ele está
marcado com um “R”, que indica o movimento dele. Mas, mesmo que
Marte estivesse retrógrado, ele ainda estaria em conjunção com a casa V.

Continuando, a casa V começa em 17º de Virgo e vai até 4º de Escorpião.


Percebam que Libra está inteiro dentro da casa V. Também temos
Mercúrio a 2º de Escorpião, um pouco antes da casa VI. E como Mercúrio
está a 2º da cúspide da casa VI, então ele está em conjunção com essa casa,
isto é, ele está na casa VI.

Na Casa VI temos o Nodo Norte, Saturno e o Sol.

19
Nota do revisor: a posição dos planetas foi arredondada para cima no programa ZET7, por isso a ligeira
diferença com a posição que o professor indica.
257

Após isso, chegamos na casa VII, que começa em 16º de Sagitário e vai até
11º de Capricórnio. Essa casa é exatamente oposta à casa I. Podemos ver
que Vênus está nessa casa.

A casa VIII começa em 11º de Capricórnio, e assim por diante.

Então, a primeira coisa que olhamos no mapa é quem está do lado


esquerdo, na horizontal, que é onde está o Ascendente. Essa é a primeira
coisa que temos de olhar, pois é ela que significa o querente. A partir daí,
seguimos as casas no sentido anti-horário, e na ordem numérica, até a casa
XII. Lembrando que o planeta que estiver muito perto de uma cúspide está
na casa seguinte, e não na casa em que estiver desenhado.20

Tales: Podemos fazer uma pergunta horária para os alunos verem como se
interpreta um mapa, e então o professor vai interpretando e explicando a
interpretação.

Gugu: Vamos interpretar esses mapas de exemplo e depois nos


exercitaremos com eles,21 pois fazer uma pergunta horária assim tão de
repente geralmente é uma péssima idéia. Isso porque as pessoas não estão
realmente interessadas naquelas questões.

Voltemos então aos impedimentos.22 O programa que eu uso já calcula,


mais ou menos, os impedimentos. Não é um cálculo muito exato, mas
olhando do lado esquerdo da tela, no primeiro quadrado denominado
“considerations”, vemos duas notas: que o regente da casa VII está
retrógrado e que a cúspide da casa VII aspecta um maléfico. Então, temos
que dar uma olhada para ver se esses impedimentos são muito fortes.
Podemos ver que o regente da casa VII está retrogrado, mas ele é Júpiter,

20
Nota do revisor: a cúspide é a reta que indica o início de cada casa astrológica.
21
Nota do revisor: o professor está se referindo aos mapas disponibilizados no começo da aula, e que se
encontram no arquivo de download desta.
22
Nota do revisor: usar tanto o mapa da questão horária disponibilizado pelo professor quanto o mapa feito pelo
ZET7.
258

está exaltado, e está na casa II. Por isso, esqueçamos que ele está
retrógrado. Quanto ao aspecto maléfico, ele é só uma quadratura com
Marte, portanto não é relevante para a pergunta.

A partir disso, como vimos que não existem impedimentos sérios, vamos
direto para quem é o querente e quem é o quesito.23 No caso, já sabemos se
haverá aula, pois o quesito é o regente da casa IX. Feito isso, procuramos:
onde está o regente da casa IX? O regente da casa IX é Saturno e está na
casa VI. Saturno na casa VI indica atraso. Isso é até obvio, porque a aula já
estava atrasada e eu já sabia de antemão que o mapa não estava me dando
nenhuma novidade, apenas estava só me indicando que o atraso era
significativo.

Pois bem, o querente é representado por Mercúrio e pela Lua. Mercúrio


também está na casa VI e retrógrado, portanto indicando dificuldades.
Porém, a Lua está se aplicando a uma quadratura com Saturno. Saturno
está em 14º de Escorpião e a Lua está em 10º de Aquário. Como todos
sabem, o Sol e a Lua nunca ficam retrógrados. E a Lua também é o planeta
mais rápido, então ninguém vai interferir na velocidade dela. Ela está se
aplicando a uma quadratura com Saturno e minha pergunta é: “Vai ter aula
hoje?” A resposta é sim, vai ter aula hoje. O querente e o quesito se
encontram no aspecto que vai se completar. Então, a resposta é: vai ter
aula, apesar das dificuldades e atrasos. E foi de fato o que aconteceu.

Outro ponto que devemos tocar rapidamente nesse momento é sobre o que
são os aspectos.24 Um sextil é quando dois planetas estão 60º distantes
entre si. A quadratura é quando dois planetas estão a 90º de distância um
do outro. Temos o trígono quando dois planetas estão a 120º de distância
23
Nota do revisor: o quesito significa aquilo sobre o que se faz a pergunta, e o querente significa o próprio
sujeito que faz a pergunta.
24
Nota do revisor: durante a aula houve de fato uma pergunta relacionada a isso e que foi respondida. Porém, o
áudio estava ruim, o que me levou, para explicar um pouco melhor como identificar os aspectos, a usar o
capítulo I do livro I da Astrologia Cristã, de William Lilly. Essa explicação também pode ser encontrada no
texto Curso de Astrologia Tradicional - Os Elementos do Sistema Simbólico na Astrologia, mencionado logo à
frente pelo professor.
259

um do outro. Quando dois planetas estão a 180º de distância um do outro,


chamamos isso de oposição. E quando dois planetas estão exatamente no
mesmo grau e minuto de qualquer signo, dizemos que eles estão em
conjunção. Junto com o texto sobre astrologia horária, demos outro texto
sobre o simbolismo na astrologia, chamado Curso de Astrologia
Tradicional - Os Elementos do Sistema Simbólico na Astrologia. Nesse
texto há, isoladamente, os significados básicos de cada um dos elementos
no mapa.

Então, olhando nesse texto, vemos, por exemplo, que o trígono é a divisão
do círculo por três, ou seja, 120º. E ele representa a harmonia entre dois
princípios que tendem a realizações diferentes, mas complementares.
Portanto, o trígono é um aspecto harmônico. Num mapa natal, se a pessoa
tem um trígono com qualquer outro planeta, isso é sempre indicativo de
algo bom. O trígono sempre indica que aquelas duas áreas da vida estarão
em harmonia uma com a outra, que uma irá complementar a outra.

Já a quadratura é a divisão do círculo por quatro, ou seja, 90º. Ela


representa a luta entre dois princípios, que procuram cada qual subordinar
a ação do outro à sua própria. É bom notar que esses princípios não se
opõem. A quadratura representa dois princípios que querem realizar a
mesma coisa, mas cada um deles quer ser o chefe. Digamos que eles não
decidiram quem é o Batman e quem é o Robin. Os dois querem combater o
crime e lutam pela posição de chefe.

Aluno: Basicamente o que aconteceu nesse mapa da aula ninguém é que


brinca com fluência da velocidade da Lua. E os impedimentos que haviam
não eram suficientemente fortes para impedir ação dela no mapa.

Gugu: Só havia dois impedimentos, e mesmo eles não estavam completos,


isto é, não havia um parentesco total entre o Ascendente e a hora. Porém, a
Lua, que é o regente da hora, está em trígono com o Ascendente. Então há
um pouco de parentesco, há um meio parentesco. A resposta habitual para
perguntas desse tipo, como falamos antes, já seria sim. Então, se a resposta
260

padrão já é sim, precisamos de fortes indicações de que o evento não


ocorrerá. É o caso contrário do sujeito que pergunta se vai ganhar na Mega
Sena. Nesse tipo de pergunta, a resposta padrão é não. Então, precisamos
de fortes indicadores de que ele ganhará.

E se alguém perguntar: “Por que não ganho na loteria?” Bem, podemos até
olhar a resposta para essa pergunta, mas é provável que apareça uma casa
V bem ruim no mapa dizendo que é porque o sujeito é azarado mesmo.
Também podem perguntar: “Como faço para ganhar na loteria?” Se o
sujeito fizer essa pergunta, geralmente o mapa indicará que não há nada
que se possa fazer. Mas, por exemplo, existe a pergunta: “Como eu faço
para melhorar minha situação econômica?” Essa já é uma pergunta mais
razoável, porque a resposta padrão é que, muitas vezes, existem vários
meios para se melhorar a situação econômica de alguém. No caso da Mega
Sena, nem sempre existe um meio para ganhar o prêmio.

Tales: Darei um exemplo disso. Há uns dez anos atrás, fiz essa pergunta
sobre como melhorar minha situação econômica e a resposta foi que esta
só iria melhor dali a muito tempo. Mais recentemente, há uns meses atrás,
perguntei sobre a mesma coisa mais uma vez. A reposta foi que eu deveria
continuar fazendo o que já estava fazendo porque portas iriam se abrir para
mim e a minha situação econômica melhoraria. Pouco tempo depois disso,
surgiu este instituto, as celebridades começaram a me escrever querendo
saber mais sobre nosso trabalho e apareceram propostas de editoras.

Gugu: Posso dar outro exemplo. Faz um tempo que um sujeito chegou para
mim e perguntou: “Perdi todos os meus bens esse ano. Vou me levantar de
novo algum dia de algum jeito? Isso vai acontecer de novo? Vou perder
tudo de novo?” E o retorno solar desse cara foi o pior retorno solar em
termos econômicos que já vi em toda a minha vida. O indivíduo estava
ferrado mesmo. Se havia um ano para ele perder tudo na vida, era esse.
Porém, o próximo retorno solar dele já indicava uma boa melhora e que
ofertas de trabalho do passado ressurgiriam. Então, eu disse para ele:
“Procure as relações de trabalho que você tentou estabelecer no passado e
261

comece a tentar reatá-las. Ligue para as pessoas, mande e-mails e refaça


esses contatos, porque disso surgirá alguma coisa.”

Tales: Deixem-me falar outra coisa bem legal sobre isso. O Avicena, que
era médico, também era especialista em astrologia horária. Só que nem
todo médico era astrólogo, apesar de todos os hospitais possuírem
astrólogos. Por volta dos séculos XII e XIII, todos os hospitais islâmicos da
região da Pérsia possuíam astrólogos especialistas em questões horárias
voltadas a diagnósticos médicos.

Por exemplo, há um tempo atrás, minha filha estava dando sinais de que
uma doença crônica que ela tem iria atacar. Fiz uma consulta com um
astrólogo e este disse que ela deveria ficar em casa durante uns três dias
que a coisa iria passar. E foi de fato o que aconteceu. Também
recentemente, uma pessoa fez uma pergunta relacionada à saúde ao Gugu,
e vimos que, dentre outras coisas, na casa VI estava Caput Algol. Ou seja,
a pessoa deveria tomar muito cuidado, pois poderia chegar até mesmo a
morrer. Depois ficou realmente comprovado que ela estava com uma
doença muito grave, e que não era apenas uma dor qualquer. Então, a
maior parte dos médicos de antigamente possuíam algumas noções básicas
de astrologia horária.

Gugu: Voltando ao ponto principal, no caso do mapa que usamos, os


impedimentos eram fracos e a resposta padrão é muito clara. Portanto, esse
é um mapa fácil de ler.

Vejamos agora o mapa “cliente/dinheiro”.25

25
Nota do revisor: esse mapa está disponibilizado no arquivo de download desta aula. Também acrescentei os
mapas feitos nos programas ZET7 e ZET9.
262
263

(Mapa 4.1)
264

(Mapa 4.2)
265

(Mapa 4.3)

A pergunta que o cliente fez nesse mapa foi: “A minha situação financeira
irá melhorar?” Então, devemos começar desde o comecinho. Voltemos no
texto das Notas sobre Astrologia Horária. Qual o primeiro cuidado?

“Primeiro cuidado: se necessário, pedir esclarecimentos sobre a


questão.”

Ao menos a mim, me parece que a questão está bem clara.

“Segundo cuidado: anotar a hora com precisão.”

Está tudo direitinho quanto a esse ponto também.

“Terceiro cuidado: colocar os dados corretamente no computador.”


266

Nenhum problema quanto a isso.

“Quarto cuidado: ter bastante certeza de qual resposta o querente


espera como positiva.”

Notem que é óbvio que a resposta o cliente espera é positiva. Raramente


alguém perguntará se a situação financeira dele irá melhorar, mas
desejando que ela piore. Talvez São Francisco desejasse isso, mas ele nem
mesmo faria essa pergunta horária, porque ele não estaria interessado nessa
questão.

“Quinto cuidado: refletir sobre qual é a resposta padrão para a


pergunta. Ignorados os fatores astrológicos, qual é o resultado mais
provável ou natural para essa pergunta?”

Qual a resposta padrão para essa pergunta? A resposta padrão é não. Se a


pessoa não fizer nada, geralmente a situação financeira dela não melhora.
Não é uma coisa neutra; não há cinqüenta por cento de chance de que,
mesmo sem fazer nada, a situação financeira de alguém melhore. Digamos
que há apenas dois por cento de chance de que, mesmo sem fazer nada, a
situação financeira de um sujeito melhore. Então, a resposta padrão é não.
Ou seja, precisamos ter indicações muito positivas de que essa área da vida
irá melhorar.

Agora, passemos aos impedimentos:

“Primeiro impedimento: Não há parentesco algum entre o signo


Ascendente e o regente da hora. Os parentescos são os seguintes: o
regente da hora é o regente do signo Ascendente; o regente da hora
é regente da triplicidade do signo; o regente da hora é da mesma
natureza elemental; o regente da hora está exaltado no signo
Ascendente; o regente da hora forma um aspecto partil favorável
com o Ascendente ou com o regente do Ascendente.”
267

O regente da hora é o Sol e o Ascendente é Virgo. Se vocês lembrarem está


no quadro chamado “chart results”. Como o Ascendente é Virgo, o planeta
regente do Ascendente é Mercúrio. Não há relação de triplicidade entre
Mercúrio e o Sol, e eles também não são do mesmo elemento. A verdade é
que não há nenhum relacionamento entre o Ascendente e a hora, portanto,
há esse primeiro impedimento. E mesmo que Mercúrio e o Sol estejam na
casa III, isso não significa nada, pois estar na mesma casa não é uma
relação de parentesco. Se olharmos na lista de parentescos, veremos que
uma conjunção não é um parentesco. Então, nesse mapa, há esse primeiro
impedimento. Porém, devemos lembrar que um impedimento geralmente
não é suficiente para impedir uma resposta.

“Segundo impedimento: A Lua está fora de curso, isto é, no fim de


um signo e só formando aspecto no signo seguinte.”

A Lua está na casa IV e bem no comecinho do signo de Capricórnio. E é


muito raro que a Lua esteja fora de curso quando ela está no começo de um
signo. Se olharmos o mapa, do lado da Lua está Vênus, então aquela está
se aplicando a uma conjunção com esta. Também podemos ver que a Lua
está se aplicando em um sextil com Mercúrio. Por isso tudo, ela não está
fora de curso. Ela formará vários aspectos antes de sair desse signo. Então,
não há esse segundo impedimento no mapa.

“Terceiro impedimento: Se a questão não envolve a casa sete:


Maléfico debilitado na casa sete ou maléfico debilitado se aplicando
ao regente da casa sete.”

A casa VII está em 08º de Peixes, e não há nenhum maléfico e nenhum


planeta nela. Relembrando que, se a questão não tem nada a ver com a casa
VII, esta só representa o astrólogo mesmo. Como a casa VII começa em
Peixes, o planeta regente dela é Júpiter. Este está exaltado na casa XI,
portanto está muito bem colocado. Também é bom notar que, às vezes e
somente em casos muito particulares, a casa XI pode reger os
conhecimentos astrológicos, o que não é o caso desse nosso mapa de
268

exemplo. Porém, mesmo assim, não há nenhum impedimento aqui. Pelo


contrário, esse Júpiter é indicação de que o astrólogo terá boas condições
de ler o mapa. O importante é que o planeta regente da casa VII [Júpiter]
está exaltado na casa XI e, portanto, muito bem posicionado. Também não
há nenhum maléfico nem na casa VII e nem se aplicando a nenhum aspecto
com ela. Júpiter sendo regente da casa VII já é favorável para uma resposta
astrológica. Se ele estiver bem posicionado, ele será mais favorável ainda.

Em caso de dúvidas sobre isso, há uma tabelinha no texto Dignidades


Essenciais e Acidentais26 em que podemos ver que Júpiter rege Peixes e
Sagitário. Mais uma vez, como a casa VII começa em Peixes, temos que ir
nessa tabela e ver qual o planeta regente desse signo. Nesse caso, o planeta
regente de Peixes é Júpiter. Onde está Júpiter nesse mapa? Está em Câncer,
na casa XI, e, portanto, exaltado. Podemos encontrar esses dados nessa
tabela. Então, isso quer dizer que o regente da Casa VII está bem colocado;
e, em si mesmo, o fato do planeta regente da casa VII ser Júpiter já é uma
coisa boa. Também não é necessário decorar a tabela. O máximo que as
pessoas decoram são os dados referentes ao domicílio, à exaltação e à
triplicidade. É muito difícil decorar todos os termos, porque é uma coisa
irregular e com poucos graus. Então, sempre teremos de olhar a tabela.

“Quarto Impedimento: Ascendente nos três primeiros ou três


últimos graus de um signo. Ascendente no começo do signo pode
indicar que é cedo demais para dar uma resposta; no fim do signo
pode indicar que é tarde demais para mudar o resultado. Nos dois
casos, esse impedimento pode indicar que o querente não leva a
questão a sério, que tem receio de fazer a pergunta, ou que quer testar
o astrólogo. Em épocas passadas esse impedimento era ainda mais
relevante devido ao instrumental usado para medir o tempo e calcular
o mapa.”

26
Nota do revisor: o texto está disponibilizado no arquivo desta aula. Também no texto Introdução ao
Simbolismo Astrológico podemos ver qual planeta rege qual signo, e onde os planetas estão exaltados, em exílio
ou queda.
269

Onde está o ascendente? Em 08º de Virgo, logo, não há esse impedimento.

“A presença de um único impedimento geralmente não é suficiente


para impedir uma resposta.”

Como vimos, encontramos apenas um dos impedimentos dessa lista. Mas


devemos considerar que, com apenas um impedimento, ainda é possível
olhar o mapa e tentar dar uma resposta. Só para relembrarmos, o
impedimento se refere ao regente da hora e o regente do Ascendente não
terem nenhum tipo de parentesco. Porém, é até inadequado tomar somente
esse impedimento como base para não darmos uma resposta, justamente
pelo fato do regente da casa VII estar tão bem colocado.

Tomadas essas precauções, continuemos com a nossa análise. A pergunta


se refere à situação financeira, portanto o quesito é a situação financeira.27
A situação financeira de uma pessoa é significada por três coisas diferentes
no mapa, o que nos mostra que essa já é uma pergunta um tanto mais
complexa do que a pergunta passada. Esses três indicadores naturais da
situação financeira de alguém são: 1) a casa II e o seu regente, 2) a casa XI
e o seu regente, e 3) Júpiter, que é o regente natural dos bens materiais.

A casa II começa em 01º de Libra, portanto o planeta regente dela é Vênus,


que está na casa IV, em Capricórnio. A casa XI começa em 12º de Câncer,
portanto o regente dela é a Lua, que está bem no comecinho de
Capricórnio, também na casa IV. Podemos ver também que Júpiter está
exaltado em Câncer, na casa XI.

Porque Júpiter está exaltado, isso significa que a situação da pessoa que fez
essa pergunta irá melhorar? Antes de responder a essa pergunta, devemos
primeiro analisar a situação do querente. Há três notas relacionadas a isso.
Já sabemos que a situação financeira dele, no momento da pergunta, era
ruim. Como? Há três indicações: 1) Em primeiro lugar, Marte, que é um
27
Nota do revisor: lembrando que o quesito significa aquilo sobre o que se faz a pergunta, e o querente significa
o próprio sujeito que faz a pergunta.
270

planeta maléfico, está no Ascendente. Marte ascendendo significa que o


cliente está afligido pela situação financeira dele naquele momento. 2) Em
segundo lugar, o regente do Ascendente é Mercúrio, que está na casa III.
Se o olharmos no mapa, veremos que ele está retrógrado. Isso nos mostra
outra debilidade, que indica que o indivíduo está arrependido da sua
situação financeira e das suas decisões, e que por isso está por baixo. 3)
Por fim, devemos lembrar que a Lua, que sempre é co-significadora do
querente, acabou de entrar em Capricórnio, o seu exílio.

Aluno: Quando vejo esses mapas horários, automaticamente me lembro do


meu mapa natal. Porém, não me parece correto fazer nenhum tipo de
relação entre o mapa natal e uma pergunta horária.

Gugu: É muito raro uma pergunta horária precisar de uma consulta ao


mapa natal. Uma curiosidade relacionada a isso é que, na idade média, a
astrologia natal era só para os reis. A astrologia horária era para o povão,
pois a maior parte das pessoas não sabia os próprios dados.

Voltando, o que significa um planeta estar em exílio? Exílio é o contrário


de exaltação ou de domicílio? Exílio é o contrário de domicílio e queda é o
contrário de exaltação. Por exemplo, o Sol está domiciliado em Leão e
exilado em Aquário, e está exaltado em Áries e em queda em Libra. Já a
Lua está domiciliada em Câncer e em exilada em Capricórnio, bem como
está exaltada em Touro e em queda em Escorpião. Domicílio e exaltação
são coisas boas; queda e exílio são coisas ruins.

Portanto, temos três indicações quase idênticas sobre a situação do


querente, o que nos mostra que essa é uma significação astrológica muito
forte. Isso quer dizer, com certeza, que o sujeito está realmente oprimido
pela situação financeira dele. Por isso,tanto na astrologia horária quanto na
astrologia natal ou qualquer outra forma de astrologia, quando aparecer três
notas como essas desse mapa, que indicam mais ou menos a mesma coisa,
então isso deve ser, para nós, um sinal forte e claro. Já sabemos então que
o cliente está mesmo preocupado.
271

Agora, vejamos o que está previsto para acontecer com ele. Devemos
notar, em primeiro lugar, que a Lua está em Capricórnio e se aplicando a
uma conjunção com Vênus, que é o regente da Casa II. O fato de o regente
da casa II ser um planeta benéfico já é uma boa indicação. Vênus, no
começo de Capricórnio, está no seu termo. O que é um termo? Termo é
uma dignidade menor.28 Isso quer dizer o quê? Estando Vênus numa
dignidade menor, isso indica que muito em breve o sujeito receberá algum
dinheiro. Como é Vênus que está em termo, essa será uma quantia até que
razoável - digamos que não será nenhuma esmolinha -, mas também nada
que deixará o indivíduo maravilhado, pois o termo, como dissemos, é uma
dignidade menor. O termo indica que o cliente ficará em bons termos e
seguro da situação. Ao ver isso, podemos dizer para a pessoa do mapa:
“Não se preocupe que você não se afogará em dívidas no mês que vem.
Surgirá alguma coisa razoavelmente estável que te manterá acima da
água.”

A segunda nota é que Mercúrio está retrógrado, e, além disso, se encontra


em 3º de Escorpião; Vênus está a 1º de Capricórnio; e ambos estão se
aplicando a um sextil. Como Mercúrio está retrógrado e pode ficar direto a
qualquer momento, esse é um dos casos em que temos de consultar as
efemérides para ver se esse aspecto vai se completar. Na internet podemos
encontrá-las a partir dos termos “efemérides astrológicas”.29 Estas estão
também junto dos mapas que foram enviados. Então, olhando para elas, o
que podemos dizer? Basicamente que Mercúrio ficará retrógrado até
formar um sextil com Vênus.30 Isso reforça a situação financeira do sujeito.
Depois disso, antes de Mercúrio sair do signo de Escorpião, ele ficará
direto e formará um novo sextil com Vênus. Depois desse novo sextil,
Mercúrio fará uma conjunção com Saturno. E depois da conjunção com
Saturno, Mercúrio formará um trígono com Júpiter, que está na casa XI.
28
Nota do revisor: ver na tabela de dignidades essenciais e acidentais.
29
Nota do revisor: é possível encontrar essa tabela no site astro.com.
30
Nota do revisor: não está aparecendo a distância exata entre os planetas no mapa, mas ela é de 57º 35’ 22’’.
Portanto, o aspecto ainda está para se completar.
272

O que todos esses dados indicam? Temos três indicações quanto à Vênus,
isto é, três vezes o cliente se encontra com Vênus, que é o regente da casa
II: 1) a conjunção entre ela a Lua, 2) o sextil entre ela e Mercúrio
retrógrado e 3) o sextil entre ela e Mercúrio direto. Isso indica que, durante
um tempo, o cliente receberá algum dinheiro, mas nada excepcional.
Depois disso, Mercúrio se encontrará com Saturno e Marte, o que nos
indica que o sujeito ganhará uma grana que estabilizará a sua condição e
que irá permitir a ele pagar as dívidas daquele momento. Por fim, ele
ganhará uma bolada, pois é o que indica o trígono que irá se formar entre
Mercúrio e Júpiter exaltado na casa IX. Júpiter é o significador natural da
riqueza, do excesso, da plenitude; e, além disso, está exaltado. Isso quer
dizer que esse dinheiro é mais do que o indivíduo está acostumado. A casa
XI é a casa das expectativas da pessoa, do que ela deseja; também é a casa
do salário e das rendas. Mercúrio formará um trígono com Júpiter exaltado
na casa XI, o que indica que o nosso cliente ganhará uma bolada.

Aluno: Olhamos as casas para identificar os regentes de tudo o que se


referia à pergunta, mas o diálogo todo se desenvolveu entre os aspectos dos
planetas e onde eles estão entrando ou não, e não os signos.

Gugu: Os signos indicam a força ou a fraqueza dos planetas. Por exemplo,


Vênus é o regente da casa II, sendo que este já é um planeta benéfico. Se
Vênus é o regente da casa II e faz aspecto com o próprio querente
(Mercúrio na casa I), isso indica que o cliente ganhará algum dinheiro.
Como Vênus é benéfico, será uma quantia razoável, e não uma miséria. Se
Vênus estivesse muito fraco, essa seria uma quantia razoável, mas que não
daria para pagar todas as dívidas dele. Mas esse não é o caso, pois Vênus
está no seu próprio termo e está em boas dignidades acidentais. Vênus no
próprio termo nos indica que o sujeito estabilizará a sua situação
financeira. O signo indica força ou fraqueza e, às vezes, nos dá um pouco o
tom da situação. Vênus em Capricórnio – um signo de terra - dá um tom de
estabilidade àquilo que é significado. Porém, essa é somente outra
273

indicação um pouco mais geral, que tem de ser confirmada pelos aspectos,
pois são eles que nos indicam o que acontecerá.

Se olharmos neste mapa os ângulos (ou casas angulares – isto é, a casa I,


IV, VII e X) caem todos em signos mutáveis.31 Ângulos (ou casas
angulares) em signos mutáveis, numa questão horária, indicam que a
situação está para mudar. Numa situação em que o cliente deseja que a
situação mude, isso é geralmente uma indicação positiva. Se os ângulos
estiverem em signos fixos, isso é uma indicação de que a situação se fixará
por um tempo.

Tales: Agora está dando para começar a entender como funciona a


interpretação de um mapa. Não é que sairemos da aula e imediatamente
seremos capazes de analisar mapas horários complicados, mas já estamos
começando a entender o processo pelo qual fazemos interpretações. E esse
é justamente o nosso objetivo. Para entendermos mesmo, temos de praticar
muito, e também observar quem é perito no assunto. Esse é o típico
exemplo de astrologia horária, que sempre foi usado pelo povo, como já
dissemos. Já o mapa natal era só para os nobres e a família real; o povo
nem sabia o que isso era. A astrologia horária independe do momento do
sujeito, e ela é baseada na posição dos planetas no Céu no momento em
que a pergunta é entendida e aceita pelo astrólogo. Dependendo da posição
que a pessoa ocupa naquela sociedade, o mapa natal dela não é muito
importante para a astrologia horária. Enfatizando mais uma vez o que
define o mapa horário: ele mostra como está o céu no momento em que o
astrólogo entende e aceita a pergunta feita pelo cliente.

Gugu: Vejamos o que diz o primeiro parágrafo do texto de Notas Sobre


Astrologia Horária:

“A astrologia horária é a arte de responder a uma pergunta pela


interpretação do mapa do momento em que a pergunta foi entendida
31
Nota do revisor: no texto de Introdução ao Simbolismo Astrológico está definido o que significa um signo ser
cardinal, fixo ou mutável, bem como quais signos são uma ou outra coisa.
274

e aceita pelo astrólogo. O mais importante nesse ramo da astrologia é


a identificação dos significadores apropriados e a correta avaliação
de suas dignidades, debilidades e aspectos.”

Portanto, o único dado astrológico importante, para a astrologia horária, é o


momento em que a pergunta foi entendida e aceita pelo astrólogo. Também
é óbvio que, se nascer alguém na mesma hora e local em que a pergunta foi
feita, a posição dos planetas no Céu será o mapa natal dela. Provavelmente
alguém em Bucareste, na Romênia, nasceu na hora em que essa pergunta
que analisamos foi feita, e esse mapa horário será o mapa natal dela. E o
que um mapa natal desse indica para nós? Que, em geral, as expectativas e
planos os quais essa pessoa fizer para o futuro tenderão a se realizar.

Já o mapa horário nos indica apenas aquilo que se relaciona à pergunta que
foi feita. A casa XI, por exemplo, é indicadora de várias coisas, mas nessa
pergunta que analisamos agora ela indica a situação financeira do cliente.
Se alguém está com problemas de relacionamento e deseja solucioná-los,
essa pessoa deve perguntar ao astrólogo, que verá o mapa da hora em que a
pergunta foi feita, para, a partir deste, analisar tudo o que for relativo a
relacionamentos. E caso duas pessoas fizerem a mesma pergunta na mesma
hora e local, os mapas de cada uma delas serão os mesmos,
independentemente do momento e do lugar em que ambas nasceram.

Em tese as coisas são assim, mas é praticamente impossível encontrar um


caso em que isso aconteça. Quem é que está sujeito a atender duas pessoas
diferentes que não se conhecem e que vão revelar questões das suas vidas,
na mesma hora e local, na frente de um terceiro? Se já é muita coisa
quando uma pessoa decide fazer uma pergunta sozinha a um astrólogo,
quão impossível não é então que dois desconhecidos decidam ir perguntar
algo a um astrólogo enquanto o outro observa o um? E mais, quão mais
impossível ainda não é que essas duas pessoas que se desconhecem
decidam fazer exatamente a mesma pergunta? São duas pessoas que não se
conhecem diante do mesmo astrólogo, na mesma hora e no mesmo local, e
que farão uma mesma pergunta. Essa é apenas uma situação hipotética que
275

não existe. Em tese, seria o mesmo mapa, e então daria o mesmo resultado
para os dois, mas essa situação não existe para o astrólogo.

No exemplo da situação econômica, algo que pode acontecer - e que


freqüentemente acontece – é dois sócios perguntarem alguma coisa relativa
ao negócio deles. Eles podem ter acabado de abrir uma loja juntos e, então,
querendo saber sobre o futuro do empreendimento, vão a um astrólogo
perguntar: “A nossa loja irá prosperar?” Também acontece de casais virem
perguntar. Mas, nesses casos, essas pessoas são coletivamente o querente.

Portanto, não acontecerá de duas pessoas diferentes perguntarem a mesma


coisa a um astrólogo na mesma hora. E é mais impossível ainda que o
astrólogo entenda e aceite as duas perguntas ao mesmo tempo. Isso é
humanamente impossível! Devemos lembrar que a maior parte das
questões necessita de esclarecimentos prévios, e isso leva tempo.

O mapa horário indica a posição dos planetas no momento em que o


astrólogo entendeu e aceitou a pergunta, e não a posição deles no momento
em que a pergunta foi feita. Por exemplo, alguém manda uma pergunta por
e-mail ao astrólogo no dia “x”, e, apenas dois dias depois, este abre a
mensagem, a lê, a entende e aceita respondê-la. O mapa horário, nesse
caso, será o desse momento em que o astrólogo entendeu e aceitou
responder a pergunta, e não do momento em que o cliente enviou o e-mail.
Mas, digamos que, ao abrir o e-mail, o astrólogo não tenha entendido a
questão. Então ele envia uma resposta ao cliente pedindo mais
esclarecimentos. Após mais dois dias chega o esclarecimento do cliente, e,
após o astrólogo o ler, enfim entende e aceite a pergunta. O mapa será,
então, o desse momento em que a pergunta foi entendida e aceita. Não há
problema algum de que os esclarecimentos sejam feitos dois ou três dias
depois.

A astrologia horária tem como premissa básica a idéia de que não existe
coincidência. No momento em que entendemos e aceitamos uma pergunta,
aquela situação passa a existir para nós. O mapa que fazemos esclarece a
276

questão que está em nossas mentes. Se entendermos errado a pergunta,


mesmo que leiamos o mapa corretamente, daremos a resposta errada.

Agora, voltando aos aspecto, por que os olhamos? Os aspectos que já se


completaram - e que, portanto, estão começando a se separar – geralmente
indicam o que já aconteceu. Os aspectos que estão se aplicando indicam o
que vai acontecer. Se não há nenhum aspecto, geralmente a resposta é que
nada acontecerá e a situação continuará exatamente a mesma. No final do
texto de Notas Sobre Astrologia Horária, depois dos impedimentos, estão
as “regras de interpretação”. Vejamos o que diz ele:

“Regras

Primeira Regra Geral: a casa I e seu regente sempre significam o


querente.”

Não há exceções a essa regra.

“Segunda Regra Geral : o querente é geralmente co-significado


pela Lua. Exceções: 1. Quando a pergunta se refere a objetos
perdidos – pois a Lua é significadora natural das coisas perdidas. 2.
Quando a Lua é significadora do quesito.”

Por exemplo, quando a pergunta é sobre a casa IX e acontece de a Lua ser


o regente desta casa. Portanto, nesse caso, ela não pode ser co-
significadora do querente. Outro exemplo: suponhamos que, nesse mapa
que acabamos de analisar, em vez de o sujeito ter perguntado sobre a sua
situação financeira, ele tenha perguntado: “Uma pessoa está me devendo
um dinheiro. Ela vai me pagar?” Rendas, pagamentos, expectativas em
relação ao futuro são significadas pela casa XI. Se observarmos no mapa, a
casa XI está em Câncer. O regente de Câncer é a Lua. Então, nesse caso,
ela não significa o querente, pois já significa o pagamento.
277

“Nota: Querente é o sujeito que faz a pergunta, quesito é aquilo


sobre o que se faz a pergunta.

Causa comum de erro: não achar os significadores corretos.”

Se usarmos a casa errada ou o planeta errado, daremos uma resposta


errada. No próximo mapa veremos como isso é comum.

Agora, isto que vem a seguir é fundamental:

“Terceira Regra Geral: se o regente do querente e o do quesito


estão fortes em dignidades essenciais e acidentais e se aplicando a
bom aspecto um com o outro então ocorre o que espera o querente.”

Esse é o caso mais claro em que podemos responder: “Vai acontecer!”


Raramente haverá uma resposta tão clara assim, pois geralmente algum
planeta estará fraco ou então os dois estarão fortes mas se aplicarão a um
aspecto difícil, como uma quadratura. Continuando a terceira regra:

“Se não tem aspecto não ocorre o esperado, exceto em três casos: 1.
Quando um terceiro planeta forma aspecto com um dos regentes e
depois com o outro, sem o envolvimento de um quarto – melhor
ainda se o terceiro planeta forma recepção com os regentes. 2. Mútua
recepção por dignidade maior – positiva mas nem tanto se Marte está
em Touro e Vênus em Áries. 3. Quando não há impedimentos e a
resposta natural ou padrão é positiva.”

Por exemplo, nesse nosso mapa, a Lua se aplica a uma conjunção com
Vênus, e depois de fazer essa conjunção, forma um sextil com Mercúrio.
Porque a Lua é muito rápida, temos aqui um caso do que se chama
“translação de luz”. A Lua encontra Vênus e passa o que encontra nesta
para Mercúrio. Um terceiro planeta forma aspecto com o quesito e o
querente sem um quarto planeta interferir.
278

“Se a regra geral se aplica, mas o regente do quesito está debilitado,


ocorre o desejado, mas abaixo das expectativas.”

Se em nosso mapa Vênus estivesse debilitado - digamos, por exemplo, que


estivesse em Virgo, onde Vênus está em queda -, então a resposta seria:
“Receberá o dinheiro, mas será menos do que você espera”.

“Se a regra geral se aplica, mas o regente do querente está debilitado,


ocorre o esperado, mas pode haver prejuízo para o querente se ele vai
com muita sede ao pote; recomendar ir aos poucos.”

Ainda em nosso mapa, os significadores do querente estão todos mais ou


menos enfraquecidos: Marte na casa I, Lua em exílio, e Mercúrio peregrino
e retrógrado. Nesse caso, diremos ao cliente: “Você receberá uma bolada,
mas continue fazendo exatamente o que está fazendo. Não mude os seus
planos, não se apresse.” Por que isso? Pois os significadores do querente
estão debilitados. Se ele começar a mudar suas decisões, pode ser que
acabe estragando a situação. Nesse caso, temos de responder: “Vá devagar.
Não se preocupe que a sua situação vai melhorar muito.”

“Se o aspecto é bom, a coisa é obtida com facilidade; se ruim, a coisa


é obtida com dificuldade – a não ser que o objetivo seja a separação
entre o querente e o quesito e o aspecto seja uma oposição; no caso
de dívidas, por exemplo.”

Por exemplo, no caso de um sujeito que deseja se divorciar e o aspecto


entre o querente e o quesito é uma oposição. Ora, oposição significa
separação. Nesse caso, o aspecto ruim significa algo positivo, porque o
querente quer se divorciar. Outros exemplos: o cliente quer se livrar de
dívidas, ou ganhar uma questão judicial etc.

“Em certas situações é boa a debilidade do quesito – quando você vai


comprar algo, e o regente da coisa está dignificado e do preço está
debilitado, ou quando a casa está dignificada e o vendedor debilitado.
279

O preço de uma coisa é a casa VII da coisa, e o vendedor de uma


coisa é a casa IV da coisa.”

Por exemplo, alguém quer comprar uma casa. Se o regente significador


dela estiver bem dignificado, então a casa é boa. Se o regente do preço
estiver debilitado, é possível abaixar o preço da casa e comprá-la abaixo do
preço normal. Ou, ainda, se o vendedor estiver debilitado - o que indica
que ele está precisando de dinheiro - também é possível negociar melhor.

Tales: Um planeta estar debilitado, ou em oposição, ou em algum aspecto


negativo, não é necessariamente algo ruim. Isso depende do assunto. Como
foi explicado, se o assunto for, por exemplo, a compra de uma casa, o
importante é o que rege a casa não estar debilitado. Se o que rege a casa
estiver debilitado, isso quer dizer que a casa é ruim. Se aqueles que regem
o preço da casa e o vendedor estiverem fracos e debilitados, isso não é
ruim para o comprador, muito pelo contrário. Já se o vendedor estiver
muito forte, ele irá esnobar o cliente e colocar o preço lá em cima.

Se o assunto é casa, vou olhar a casa IV. O dono da casa é significado pela
casa IV da casa IV do mapa. Ou seja, se considerarmos a casa IV do mapa
como a casa I, portanto, deveremos andar três casas para alcançarmos a
casa IV. Então, andando três casas a partir da casa IV, chegaremos à casa
VII.

Já o preço da casa é significado pela casa VII da casa IV. Isto é, se


considerarmos a casa IV como a casa I, para que alcancemos a casa VII,
deveremos andar seis casas no mapa. Logo, andando seis casas a partir da
casa IV, chegaremos à casa X. Provavelmente, se a casa X estiver muito
forte, o dono colocará um preço bem alto.

Gugu: E por que o preço é significado pela casa VII da casa IV? Porque
esse é um dos significados gerais da casa VII. A casa VII representa a outra
parte, o outro, a segunda metade. Por exemplo, a casa VII representa a sua
esposa, a sua cara metade; o seu sócio, a outra parte do negócio; o seu
280

adversário, a outra parte na competição; e no valor de um objeto, há um


valor intrínseco, mas há outro valor, que é o seu preço - o outro valor.

Tales: Resumindo, se a casa IV está boa, então a casa é boa. Se a casa VII
– que representa o dono da casa - está forte, ele não precisa do dinheiro e
está em uma situação boa, então ele irá se fazer de difícil. Se casa X está
boa, há um monte de gente querendo comprar a casa; ela está concorrida e
o nosso cliente terá de implorar ao dono e aceitar o preço que este
estabelecer.

Gugu: Vamos interpretar esse nosso mapa como se, hipoteticamente, nosso
cliente quisesse comprar uma casa.32 A pergunta é, então: “Devo comprar
esta casa?” Quando alguém faz uma pergunta dessas – por exemplo:“Devo
comprar uma coisa?” -, o que, em geral, ela está perguntando? Não
precisamos dos detalhes. Ela irá tirar dessa coisa mais beneficio do que se
guardar o dinheiro da compra? Não importa se esse benefício é a felicidade
de se morar ou alugar uma casa, ou se é um investimento para vender a
casa no futuro. Objetivamente, o que vale mais, guardar o dinheiro ou
comprar a coisa?

Então, a primeira coisa que devemos ver é a condição da casa. E por que
não vemos o querente primeiro? Pois se o sujeito veio perguntar se deve
comprar a casa, isso já é, de maneira geral, uma indicação de que ele tem
como adquirir os meios para comprá-la. Seria diferente se ele tivesse
perguntado: “Vou conseguir juntar o dinheiro para comprar a casa.” Nesse
caso, seria outro problema.

Começamos então olhando a casa IV. Qual o regente da casa IV? Ela
começa em Sagitário, portanto o regente é Júpiter. O planeta Júpiter é o
significador natural da riqueza, da expansão e do crescimento, o que já é
um bom sinal. Ele está exaltado em Câncer, o que também é um ótimo
sinal, pois significa que a casa está em ótimas condições. Mais ainda:

32
Nota do revisor: ver mapa 4 (cliente/dinheiro).
281

Júpiter está na casa XI, ou seja, a casa preenche todas as expectativas e um


pouco mais. Então, a casa está ótima.

Vamos agora ver o preço dela. Devemos verificar a casa VII da IV.
Lembrem-se: se a considerarmos a casa IV como a casa I, para chegarmos
à casa VII, devemos andar seis casas; logo, nesse caso, devemos verificar a
casa X. Em que signo está a casa X? A casa X começa em Gêmeos,
portanto o seu planeta regente é Mercúrio. Onde Mercúrio se encontra? Em
Escorpião, na casa III. Ele está bem ruim: peregrino e retrógrado. Isso
significa que o preço está baixo, e que pode-se conseguir um preço bem
abaixo do valor de mercado.

De maneira geral, se a casa vale muito e o preço tende a estar mais baixo,
podemos responder ao sujeito: “Compre a casa, pois vale a pena.” Mas será
que o sujeito terá margem para negociar ainda mais? Vejamos se ele terá
margem para isso.

Então, agora devemos ver a situação do dono da casa, que é significado


pela casa IV da IV. Mais uma vez: se considerarmos a casa IV como a casa
I, para chegarmos à casa IV, devemos andar três casas; logo, nesse caso,
devemos verificar a casa VII. Em que signo está a casa VII? Em Peixes.
Então qual será o planeta regente? Júpiter. Isso significa que o dono da
casa está por cima da carne seca. Ele não precisa do dinheiro, então
provavelmente não estará muito disposto a deixar o preço menor do que ele
já ofereceu.

E o regente da casa I, isto é, o sujeito que quer comprar a casa? A casa I


começa em Virgem, portanto o planeta regente é Mercúrio. Como já
dissemos, Mercúrio não está muito bem nesse mapa.

Agora, com essas quatro informações, como deveríamos ler esse mapa? O
que diríamos ao cliente? Deveríamos dizer que: “A casa é muito boa e o
preço está muito em conta. Sei que o preço parece alto, pois você está
282

numa situação difícil. Mas, se eu fosse você, faria tudo para comprá-la pelo
preço que o dono estiver oferecendo.”

O sujeito então poderia perguntar: “Mas eu conseguirei comprá-la?” Diante


das informações que já temos - sabendo que, apesar do preço da casa estar
no limite ou um pouco acima do limite do orçamento do nosso cliente na
verdade -, é necessário observarmos se o querente, no caso Mercúrio,
formará aspecto com a casa. Caso a resposta seja positiva, isso quer dizer
que o sujeito irá adquiri-la.

Em nosso mapa, Mercúrio está se aplicando a um sextil com a Lua.


Mercúrio também está em conjunção com Vênus, que representa as
finanças do nosso cliente, isto é, a casa II no mapa. Isso significa que o
sujeito irá juntar um dinheiro. Depois haverá outro aspecto com de
Mercúrio com a Lua, pois ele irá ficar direto e se aplicará a um novo sextil
com ela. Ou seja, o indivíduo irá juntar mais um pouco de dinheiro. Então
Mercúrio fará aspecto com Saturno, o que indica que o cliente ficará
preocupado, porque provavelmente comprar essa casa vai zerar a conta
bancária dele. E, no final, Mercúrio fará um trígono com Júpiter. Portanto,
o sujeito conseguirá comprar a casa e se dará muito bem com isso, pois a
casa vale muito mais do que o que ele está pagando.

Esse era um mapa muito bom. A pessoa fez a pergunta nessa hora deu
muita sorte.

Agora, como só temos mais dez minutos, não será possível interpretar
outro mapa. Vamos então terminar de ler terceira regra geral:

“Se há um aspecto ruim com um maléfico debilitado, a coisa é


dificultada mas será obtida. Se há bom aspecto com benéfico
dignificado, a obtenção será mais fácil do que o sujeito pensa.”

No nosso exemplo, Mercúrio irá se aplicar a um sextil com Marte, o que


não é um aspecto ruim. Mas também irá se aplicar a uma conjunção com
283

Saturno. Isso significa que o indivíduo terá algumas dificuldades para


juntar o dinheiro. Porém, isso não é um impedimento ou obstáculo, é só
uma dificuldade.

“Tempo para a coisa ser obtida: a melhor maneira é olhar mapa


natal e aferir períodos astrológicos. Se não for possível, olhar
quantos graus separam os regentes do aspecto e aplicar as escalas.
Primeira Escala: Se o aspecto ocorre em casa angular, use as
menores escalas de tempo: dias ou horas. Se em casa sucedente, use
escalas intermediárias: semanas ou meses. Se em casa cadente,
escalas maiores: meses ou anos. Segunda Escala: Se os ângulos e os
regentes do querente e do quesito estão em signos fixos, aplicar
escalas maiores; se estão em signos cardinais, escalas intermediárias;
em signos mutáveis, usar escalas menores. Se um dos regentes está
numa casa de um tipo e o outro numa de outro tipo, fazer uma média.
Isso vale quando a questão não determina tempo.”

As escalas só valem quando o tempo não está determinado pela própria


questão. Por exemplo, se o sujeito tem um teste ou uma entrevista de
emprego numa quarta-feira, sabe o dia em que o evento irá ocorrer, pois ele
mesmo nos disse. Porém, no mapa que analisamos, o querente perguntou
se a sua situação financeira dele iria melhorar, então aqui podemos olhar as
escalas de tempo. O nosso cliente não perguntou se a situação dele iria
melhorar até a semana que vem. Não, ele perguntou se a situação
financeira dele iria melhorar algum dia. É algo que naturalmente tem um
tempo indeterminado. Mas não é um tempo absolutamente indeterminado.
Por quê? Se alguém nos pergunta se a situação financeira dele irá melhorar,
ele não está perguntando se ela irá melhorar só daqui a vinte anos. Aí está
implícito que é um tempo razoável que ele está esperando. Não é até o
sujeito morrer de fome.

Então, a primeira coisa que temos de estabelecer é quais são os tempos


razoáveis para a questão. No caso dessa pergunta – “minha situação
financeira irá melhorar?” -, sabemos que a escala máxima é de alguns anos.
284

Não pode ser de décadas. Isso não se aplica a essa questão. Por exemplo, se
o sujeito pergunta: “Eu vou ficar santo?” Nessa pergunta a escala de
décadas até se aplica. Ou então se ele pergunta: “Eu vou ficar rico?” Isso
também pode acontecer em algumas décadas.

Já sabemos que a maior escala de tempo para a nossa pergunta é a de anos.


E qual seria a menor escala de tempo? No caso dessa pergunta, a menor
escala de tempo não deve ser minutos ou horas. Na melhor das hipóteses a
escala deve ser a de dias. Então, temos quatro escalas possíveis: dias,
semanas, meses e anos. Agora, observemos o mapa para ver qual a escala
de tempo que devemos aplicar.

Em primeiro lugar, os ângulos estão em signos mutáveis: a casa I está em


Virgo, a casa IV está em Sagitário, a casa VII está em Peixes e casa X em
Gêmeos. Isso indica que devemos usar uma escala de tempo mais breve,
pois as coisas irão acontecer mais rápido. Em segundo lugar, o querente
(Mercúrio) está num signo fixo e numa casa cadente,33 e isso nos indica
uma escala maior de tempo. Também devemos notar que Mercúrio está
retrógrado, o que geralmente deixa as coisas mais lentas. Em terceiro e
último lugar, o quesito (Júpiter), a bolada que o indivíduo irá receber, está
num signo cardinal e numa casa sucedente,34 o que nos indica uma escala
intermediária.

Tirando a média de tudo isso, podemos dizer que devemos escalas


intermediárias, isto é, semanas e meses. Se fôssemos usar uma escala de
tempo breve, usaríamos dias; e se fôssemos usar uma escala de tempo
maior, usaríamos anos. Quantos graus separam o querente do quesito?
Mercúrio está em 3º de Escorpião e Júpiter em 20º de Câncer. Então 17º os
separam. Portanto, a resposta para a pergunta “minha situação financeira
irá melhorar” é: em dezessete semanas ou dezessete meses.

33
Nota do revisor: as casas cadentes são a III, a VI, a IX e a XII.
34
Nota do revisor: as casas sucedentes são a II, a V, a VIII e a XI.
285

Porém, devemos notar que, quando alguém nos pergunta se a situação


financeira dele irá melhorar e ele está numa situação tão ruim como vimos
nesse mapa, a expectativa do querente não é de que isso melhore apenas
em dezessete meses. Então, podemos com certeza dizer que a escala
intermediária é de semanas, que também já é um longo tempo. Está
implícito na pergunta do cliente que ele não pode esperar dezessete meses.
O indivíduo está mal e não pode esperar dezessete meses, caso contrário
ele será expulso de sua casa, terá sua luz e água cortadas etc. Está
implícito, quando ele faz esse tipo de pergunta, que ele está pensando em
termos de semanas.

Então, vamos analisar isso nessa escala com mais calma. Sabemos que o
sujeito está numa situação extremamente ruim e que ele precisa de
dinheiro. Vimos em seguida que há dois aspectos bem próximos, que são o
sextil de Mercúrio com Vênus, e a conjunção da Lua com Vênus. Isso
indica que muito rápido algo acontecerá. Em questão de uma semana algo
irá acontecer. A conjunção da Lua com Vênus indica que em uma ou duas
semanas ele receberá algum dinheiro. Portanto, esse aspecto calculamos
que será mais ou menos em uma semana. Se a escala é de semanas, a
escala para o trígono de Mercúrio com Júpiter será de semanas também.
Então, convertendo semanas em meses, podemos responder que dali a uns
quatros meses ele receberá uma bolada. Dezessete semanas dá algo em
torno de quatro meses. Devemos lembrar que tudo indicava uma escala
intermediária.

Portanto, isso é uma questão de raciocinar sobre o cenário da questão, para


vermos o que realmente significa uma escala intermediária para essa
pessoa nesse contexto. Se fosse o Roberto Justus perguntando, a escala que
usaríamos seria a de meses, pois ele não estaria numa situação financeira
ruim como a do nosso cliente. Então, na verdade, se a situação deste só
fosse melhorar em dezessete meses, a resposta que daríamos a ele
provavelmente seria: “Não, a sua situação não irá melhorar. Agüente essa
parada, porque não irá melhorar.”
286

Deu para pegar uma impressão geral de como funciona o sistema? Uma
dica: leiam todos os textos até a próxima aula. Olhem esses dois mapas de
exemplo que usamos para lembrar o que foi falado em aula, e apliquem o
que consta nos textos para esses dois mapas. Vocês aplicarão errado muitas
vezes. Isso é normal quando se está aprendendo uma técnica nova. Já o
significado geral dos aspectos dos planetas e dos signos está nos outros
textos, e não nos textos de astrologia horária. Os arquivos de texto que eu
enviei estão numerados de um a quatro, e eles devem ser lidos nesta ordem.
O primeiro é a carta de William Lilly ao estudante de astrologia. Essa carta
é importante porque dá dicas muito claras de quais devem ser as
disposições do astrólogo e do querente numa pergunta horária.

Por que esse mapa que analisamos foi tão claro para respondermos?
Simples: porque quando o cliente perguntou sobre a melhora da sua
situação financeira, isso não foi uma questão que surgiu na cabeça dele
naquela hora. Não foi algo que deu na telha. Ele já estava tentando resolver
a sua situação financeira há tempos. Ele, por si mesmo, já estava
trabalhando e rezando para aquilo ser resolvido. E, depois de fazer esse
esforço, ele chegou à conclusão: “Talvez um conselho possa me ajudar.”
Portanto, a questão estava clara para ele, o qual havia se dedicado àquela
por um tempo. Essa é a melhor condição para uma questão horária. Na
carta de William Lilly, este fala explicitamente que a pessoa deve
considerar a questão no mínimo um dia e uma noite e rezar para a solução
desta antes de perguntar ao astrólogo. Se ele o cliente não fizer isso, não há
muitas chances da pergunta ser respondida com seriedade.

Por hoje é só. Até a próxima aula.

Transcrição: Carlos Augusto G. Nascimento, Danilo Roberto Fernandes,


Leonardo Ferreira Boaski, Luan Cavalcanti Viana, Rafael V. Vanni
Revisão: Danilo Roberto Fernandes
287

www.icls.com.br

Cosmologia e Astrologia
Medieval – Aula 09
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo


professor.
288
289

Transcrição: Carlos G. Augusto Nascimento, Daniel Bárbara,


Leonardo F. Boaski, Rafael Vanni Revisão: Danilo Roberto
Fernandes
290

Índice

1. Os limites morais e práticos da Astrologia Horária. 3

2. A idéia
de situação consolidada como requisito prévio à leitura de um
mapa horário 3
3. O cenário ideal para se responder uma pergunta horária. 4

4. O que
fazer quando os quesitos de uma pergunta são representados pela
mesma casa. 4

5. O papel que o astrólogo desempenha na identificação dos problemas


efetivos do cliente e na correta formulação das perguntas a serem
respondidas 5
6. Primeira pergunta horária analisada: “o trabalho dará certo?” 6

7. Segundapergunta horária analisada: “ficarei com a minha amante de


alguma forma?” 9
8. Ainda sobre os limites morais e práticos de uma pergunta horária. 10

9. Terceirapergunta horária analisada: “minha licença para armas de fogo


será expedida sem complicações?” 10
10. Quarta pergunta horária analisada: “a Fulaninha gosta de mim?” 12

11. Mais considerações sobre a idéia de situação consolidada e a correta


formulação das perguntas horárias. 13

12. A diferença
entre as técnicas de leitura de mapas natais e de mapas
horários 14
13. A Astrologia pode ser usada como instrumento para guiar a vida espiritual?
14
291

1. Os limites morais e práticos da Astrologia Horária.

Na aula de hoje falaremos um pouco sobre os limites práticos e morais


da Astrologia Horária, tentaremos abordar mais uma vez os mapas de
exemplo da aula passada e, por fim, tentaremos fazer uma análise mais
detalhada do cálculo do temperamento e da mentalidade, que é uma das
primeiras coisas que fazemos quando olhamos um mapa natal.

Pois bem, os limites práticos e morais da Astrologia Horária coincidem


perfeitamente. Os limites morais da Astrologia Horária remetem à
questão da idolatria astral e da crença no determinismo da vontade
humana.1 E esses limites morais coincidem exatamente com os limites
práticos desse tipo de Astrologia. A partir do momento em que
entendermos essa técnica, perceberemos que algumas coisas não são
possíveis de serem respondidas, pois estão além do uso prático que
podemos fazer dela. Nesse caso, tentar responder essas questões usando
a técnica astrológica é mais ou menos imoral.2

Quando começamos a ensinar Astrologia Horária para um neófito,


usamos duas ou três questões como exemplos, de preferência aquelas
que resultam em mapas mais claros e fáceis de serem apresentados a ele.
Não podemos começar mostrando mapas confusos. Porém, na prática, os
mapas e as indicações neles aparecem confusos em cerca de setenta a
oitenta por cento dos casos. Isso é assim pois em grande medida as
pessoas são confusas e não sabem exatamente a expectativa que têm com
as perguntas que levam ao astrólogo. Então, quando pela primeira vez
mostramos ao neófito alguns mapas de exemplos muito claros, ele fica
com certa impressão de que a Astrologia Horária transforma a vida numa
espécie de cassino com crédito ilimitado. O aluno geralmente fica com a
impressão de que, antes de fazer qualquer coisa que seja, ele pode fazer
uma pergunta horária e ver quais são suas chances de lucro ou prejuízo,
o que de certa forma aumentaria suas chances de ganhar no jogo da vida.
292

Mas essa é só uma impressão falsa, porque grande parte das perguntas
horárias não poderá de ser respondida por meio da Astrologia Horária.
Por quê? Pois oitenta por cento das perguntas que ocorrem nas nossas
mentes são perguntas superficiais e de momento, não são perguntas
referentes a uma situação consolidada.

2. A idéia de situação consolidada como requisito prévio à leitura de


um mapa horário.

Podemos explicar melhor a idéia de “situação consolidada” com o


exemplo do mapa natal. Hoje, é extremamente comum que os astrólogos
digam que o mapa natal, em alguma medida, determina quem a pessoa é.
E isso é francamente estúpido, porque, antes de nascermos, fomos sendo
formados no ventre de nossas mães por cerca de sete a nove meses. No
momento em que fazemos um mapa natal, consideramos apenas o
horário em que um indivíduo qualquer nasceu e ignoramos todo esse
período anterior. Portanto, já éramos entes em processo de consolidação
na existência meses antes de termos um mapa natal. Não é porque
decidimos repentinamente abrir um mapa -- por exemplo, em São Paulo
-- que iremos olhá-lo e ele irá nos mostrar que alguma pessoa está
nascendo nesse exato momento. Podemos olhá-lo o tempo que for, mas
nenhuma parte dele nos mostrará isso.

A pergunta fundamental quanto à existência ou inexistência de um ente


mapeado não pode ser dada pelo mapa. Por isso, quando alguém faz uma
pergunta horária sobre o que deseja fazer, ou sobre alguma coisa que
aconteceu, ou sobre uma pessoa que conhece, qual grau de garantia
temos de que, ao fazermos o mapa, essas perguntas não sejam apenas
uma ilusão na cabeça do sujeito? Isso é especialmente verdade quando
quem está fazendo perguntas ao astrólogo é uma mulher. As mulheres
lançam uma pergunta atrás da outra na esperança de obter pelo menos
uma resposta maravilhosa e positiva, como se elas estivessem na loteria
293

de um cassino astral. Porém, de uma seqüência de perguntas umas atrás


das outras, é impossível que a décima seja uma expectativa tão certa e
tão consolidada a ponto do mapa poder nos mostrar algo além do estado
mental de quem está perguntando naquele momento. A expectativa dessa
décima pergunta já não corresponde a nenhuma situação real
consolidada.

Também é verdade que nem sempre a primeira pergunta feita é a que


melhor expressa uma situação que de fato pode ser respondida. Às vezes
estamos conversando com alguém, pedindo mais informações a respeito
da situação sobre a qual iremos fazer a consulta e, depois da terceira
pergunta que fazemos, ele percebe que chegamos realmente no cerne da
questão que o está perturbando, e nesse momento obtemos uma
formulação clara a qual pode ser mais bem respondida.

Por si mesmo, o mapa horário não pode nos dizer se existe ou não uma
situação consolidada que é passível de ser expressa na pergunta que o
querente fez. Isso quer dizer que o mapa não determina a situação, ele
apenas a representa, caso ela efetivamente exista. E dificilmente há
realmente um plano de seriedade interior no sujeito quando chegamos
em sua quinta ou sexta pergunta. Assim, o limite da Astrologia Horária
é, num certo sentido, o limite da realidade. Se existe uma situação
consolidada, explicável e definível em termos humanos, o mapa deve,
em tese, representar de maneira adequada as forças atuantes. Mas o
próprio mapa não pode dizer se existe uma situação ou não.

1
Nota do revisor: as limitações morais relativas à Astrologia foram comentadas brevemente no fim da aula
um, amplamente desenvolvidas na aula seis e sete, e retomadas brevemente no começo da aula oito.
2
Nota do revisor: é imoral na medida em que, sabendo o astrólogo da impossibilidade de se responder uma
pergunta, ao aceitá-la, estará ludibriando o seu cliente.
294

3. O cenário ideal para se responder uma pergunta


horária.

Podemos melhor exemplificar isso da seguinte maneira: suponhamos


que Fulano esteja querendo fazer um negócio com uma pessoa ou que
ele esteja namorando. Esse Fulano possui dois amigos: Aristóteles e
Platão. Certo dia, Aristóteles diz a Fulano que seu provável sócio é uma
pessoa muito confiável, mas logo depois Platão diz que, pelo contrário,
esse sócio é uma pessoa suspeita. Ou então, caso se trate da namorada de
Fulano, Aristóteles e Platão também manifestam opiniões contrárias
sobre ela. No cenário em que o possível sócio está em jogo, Fulano fica
preocupado e pensa: “Estou contando com esse negócio para pagar de
três a seis meses de contas. Se ele der errado e eu perder o dinheiro que
estou investindo nele, a coisa vai ficar feia para mim.” Quanto ao
cenário em que sua namorada está em jogo, uma dúvida semelhante
surge para Fulano: “Estou me aplicando para que este relacionamento dê
certo, mas se o que disseram a respeito dela for verdade, então eu só
terei dores de cabeça com ela.”

Então, essas dúvidas vão se formando e aumentando na mente de


Fulano. Para respondê-las, ele tenta obter informações de fontes
diferentes, e, quando consegue tais informações, passa a confrontá-las
umas com as outras. Porém, ao longo de dias e semanas, ele chega à
conclusão de que não consegue responder nem se o negócio será
lucrativo nem se seu relacionamento será positivo ou negativo. Em
situações assim, é fácil perceber que existe de fato uma situação
consolidada que é importante para o sujeito. No caso de Fulano, em
ambas as situações existem motivos para que ele pense algo positivo e
algo negativo. Se alguém está numa situação dessas, pesou todas as
possibilidades que se referem a ela, mas não conseguiu chegar a uma
conclusão, então podemos afirmar: esse é o cenário ideal para que se use
a Astrologia Horária. Em casos assim, existe uma situação bem clara e
definida, a pessoa pesou e tentou medir a situação, mas não conseguiu
295

chegar a nenhuma conclusão. Então, ela vai ao astrólogo e pergunta:


“Esse relacionamento é bom ou mau? Para onde ele vai? O que posso
fazer para melhorá-lo e o que não posso?”

Quando chegamos a esse ponto, estejamos nós na posição de Fulano, na


posição de astrólogo ou em ambas, devemos sempre nos lembrar de
medir nossas perguntas ou respostas de acordo com a experiência
humana universal. E o que diz a experiência humana universal? Que a
vida não é um cassino. Se, por exemplo, num mapa natal, vemos que as
chances de sermos bem sucedidos num negócio ou que as chances de
termos um bom relacionamento são altas, isso não quer dizer que essas
coisas não nos custarão nada. Todo esforço na aquisição de algum bem
implica na perda de outros bens, e a Astrologia Horária não pode mudar
esse fenômeno, ela não pode mudar a natureza. Esso é um limite dado
pelas coisas, e a técnica astrológica não nos permite ir além dele. A
Astrologia não é um instrumento sobrenatural, ela não permite que
descubramos algo que está além da natureza humana. O que ela nos
permite é descrever melhor uma situação que já está formada, assim
como um mapa natal permite descrever melhor uma pessoa que já
nasceu e cujo processo de consolidação na existência se dá entre sete a
nove meses antes desse evento. Esse é o limite exato da Astrologia
Horária, que deve ser tomado como um princípio impossível de ser
violado.

Se um sujeito dispara uma seqüência de perguntas e percebemos que


psicologicamente ele está esperando uma resposta satisfatória, então
temos que filtrar aquilo que de fato o está preocupando, pois é
praticamente impossível que haja quinze problemas que o afetem
seriamente ao mesmo tempo. Um caso extremo assim até poderia
acontecer num campo de batalha, pois numa situação dessas é esperado
que um sujeito pense no futuro de sua família, se irá morrer e ir para o
296

inferno, se a morte é dolorosa etc. Nesse caso, esse conjunto de


preocupações é uma expressão objetiva da situação real em que ele está.

4. O que fazer quando os quesitos de uma pergunta são representados


pela mesma casa.

Agora, é possível que uma pessoa tenha vários problemas na área


profissional e faça perguntas sobre isso. Então teremos que olhar a Casa
X. Porém, apesar de se tratar de uma mesma casa, são feitas várias
perguntas que abre possibilidades diferentes. O que fazer numa situação
dessas? É possível que para uma pergunta obtenhamos uma resposta
negativa e para outra obtenhamos uma resposta positiva? Esse é
justamente o problema que ocorre quando é feita uma série de perguntas.

Suponhamos que um sujeito está na seguinte situação: ele tem a


possibilidade ou de arrumar um emprego num banco ou de arrumar um
emprego público; ou então tem a possibilidade de abrir um restaurante
ou de abrir uma padaria. Todas essas situações se referem à Casa X. Se
essa for uma situação real e consolidada, se essas forem realmente as
alternativas que estão à frente dele e o preocupa, e se elas se tornaram na
prática imponderáveis, o que fazer? O que acontecerá, num caso assim, é
que essas alternativas provavelmente aparecerão no mapa. Ele deve
então abrir um restaurante ou uma padaria?

Para responder isso, olharemos quem é o regente da Casa X. Para esse


exemplo, iremos dizer que o regente da Casa X é a Lua. O que ela deve
significar? Deve significar a padaria, porque ela é uma das significadoras
naturais da digestão. Também verificamos que Vênus está na Casa X. O
que podemos dizer sobre Vênus na Casa X nesse contexto? Que Vênus
deve representar o restaurante, pois é o planeta dos prazeres e o
significador natural dos restaurantes. Mas agora esbarramos em outro
297

problema, pois apareceram significadores correspondentes. Essa é uma


situação muito comum na prática.
298

Há um exemplo clássico em que a cúspide da Casa VII era regida por


Marte,3 que era então o quesito no mapa. Porém, o Sol também estava
dentro dessa mesma Casa. Nesse caso, William Lilly fez uma pergunta
horária para ele mesmo, buscando saber se conseguiria comprar a casa
de um sujeito. Ele queria muito comprá-la, e, na interpretação do mapa,
acaba minimizando os aspectos negativos dessa compra, que acabou
sendo realizada. Depois, em sua biografia, ele confessa que realmente
minimizou esses aspectos negativos, e que a compra aconteceu, de
acordo com sua interpretação, pois ele queria muito realizá-la. E como se
deu essa interpretação? Lilly encontrou o Sol na Casa VII, na casa do
vendedor. Assim, ele achou preferível usar esse planeta como
significador do vendedor em vez de Marte, porque esse vendedor seria
um tipo muito mais solar do que marcial, e seria muito mais passível de
ser descrito pelo Sol do que por Marte. É bastante comum um cliente
fazer perguntas numa situação semelhante.

No caso do nosso exemplo inicial, devemos perguntar ao cliente: “Como


você ficou sabendo deste trabalho?” Ao que ele responderá: “Fiquei
sabendo por um colega.” E perguntaremos em seguida: “Como é o seu
colega? Descreva-o para mim.” A partir da resposta dele, saberemos se o
tal colega é mais parecido com Vênus ou com a Lua. Isso nos indica que,
em uma situação tal, devemos olhar ou para os significadores naturais ou
para os significadores que dependem do mapa. No exemplo do Lilly,
Marte, o regente da Casa VII, naturalmente significaria o vendedor, que
é a outra parte de uma relação comercial. Mas o Sol também estava na
Casa VII, e a pessoa era um tipo mais solar que marcial, o que justificou
a interpretação dada àquele contexto. Se no nosso exemplo vermos que a
pessoa é de tipo mais venusina do que lunar, então podemos pensar que
nosso cliente está mais significado por esse planeta do que pelo próprio
regente da Casa.
299

Mas pode ser que as coisas se dêem de maneira diversa. Se no caso da


pergunta “abro uma padaria ou um restaurante?” vermos que os dois
significadores estão péssimos, então devemos dizer ao cliente que é
melhor ele manter seu dinheiro e não abrir nem um restaurante nem uma
padaria. Porém, nosso cliente é uma pessoa muito curiosa, e logo em
seguida nos perguntará sobre a possibilidade de abrir uma escola ou uma
creche. De fato, a situação consolidada que existia antes era a
perspectiva de abrir um restaurante ou uma padaria. No entanto, e
continuando nosso exemplo, verificamos que Mercúrio está muito bem
colocado na cúspide e em trígono com o regente da Casa I. O que isso
está indicando? Que é mais favorável ao cliente abrir um negócio
mercurino como uma escola ou uma creche. Só que essa resposta não
cancela o fato de que não é recomendado ao cliente abrir um restaurante
ou uma padaria. E no caso do mapa estar apontando apenas aspectos
negativos, as perguntas subseqüentes do mesmo tipo não anularão a
previsão de um resultado futuro ruim.

5. O papel que o astrólogo desempenha na identificação dos problemas


efetivos do cliente e na correta formulação
das perguntas a serem respondidas.

Desse modo, o astrólogo deve perceber essas nuances do mapa, da


sucessão das perguntas e da disposição psicológica do sujeito. Até que
ponto quem pergunta possui uma preocupação profunda em relação
àquilo que está perguntando? O fato dele fazer várias perguntas não
estaria indicando uma confusão mental a qual devemos ajudá-lo a
organizar melhor? Às vezes ele pergunta sobre abrir uma padaria, sobre
guardar o dinheiro no banco, mas o que de fato ele deseja saber é a
maneira pela qual pagará suas contas nos próximos seis meses. Na
verdade, pode ser que a pergunta fundamental seja uma só. Ou pode ser
que o sujeito foi se dispersando, esqueceu da primeira pergunta e passou
a se agarrar a uma vã esperança de que as coisas dessem certo. Ele pode
achar que está num cassino astral e que, se a primeira ficha não foi a
300

premiada, ele pode jogar a segunda, a terceira e assim sucessivamente.


Num cassino, temos que ter dinheiro para apostar, mas dinheiro temos
em quantidade limitada, e a tendência é que o percamos. A mesma coisa
se dá com as perguntas horárias. No cassino horário chegamos com duas,
três, ou talvez quatro perguntas. Se chegarmos na quinta, ou reduzimos
todas elas a uma só, ou, se isso não for possível, saberemos que estamos
mais no terreno da fantasia do que no terreno da nossa vida real e
consolidada.

Mudando um pouco nosso exemplo, é possível fazer uma pergunta


simples, como, por exemplo, “o trabalho tal vai dar certo?” O que
sabemos de antemão é que implicitamente há várias perguntas embutidas
nela. Pode ser que o indivíduo tenha uma grande expectativa quanto a
algum resultado, pode ser que ele tenha consciência de alguns obstáculos
e que algumas possibilidades se confrontam com outras etc. Mas, para
simplificar a situação, ele resume a pergunta numa só: “O trabalho tal
vai dar certo?” É possível ser sucinto na pergunta e tentar analisar o
quadro todo de uma dada situação? Sim, é possível. No entanto, o
astrólogo responderá a pergunta inicial com uma outra: “O que é o
trabalho dar certo? É fechar um negócio? É ganhar mais dinheiro do que
perder?”

3
Nota do revisor: portanto, a cúspide dessa casa ou estava em Áries ou estava em Escorpião.
301

Suponhamos que a essa pergunta o sujeito responda que o tal trabalho é


algo por que nutre uma expectativa muito grande, algo que ele acredita
ser uma coisa muito boa e muito nobre, algo com um caráter religioso e
que irá trazer vários benefícios nesse aspecto. E, esclarecendo um pouco
mais a situação, ele ainda diz que o negócio já está praticamente
fechado, e que não há dúvidas quanto ao sucesso dessa fase do negócio.
Dentro desse contexto psicológico e fático, ele deseja saber se, no futuro,
esse trabalho realmente dará certo e produzirá os frutos que ele espera.
Portanto, desde que haja os devidos esclarecimentos necessários, é
evidente que o indivíduo pode fazer essa pergunta mais simples.

E como poderemos responder essa pergunta? A resposta só poderá ser


um “sim” caso os dois significadores -- querente e quesito -- estiverem
muito bem dignificados, tanto essencialmente quanto acidentalmente, e
se aplicando a uma conjunção, a um sextil ou a um trígono. Também não
adiantará muito se esses três aspectos se formarem na Casa XII. Se este
for o caso para essa pergunta, então querente e quesito não estarão bem
dignificados de maneira alguma, a não ser que esse trabalho se relacione
com hospitais, hospícios, lugares de doença. Nesses casos, tais aspectos
podem ocorrer na Casa XII, pois ela se refere a esse tipo de coisas.

6. Primeira pergunta horária analisada: “o trabalho dará


certo?”

Esse exemplo que estamos usando agora foi uma pergunta realmente
feita por um de nossos alunos, o Fulano. Comentaremos agora o mapa,
aberto às 20 horas, no dia 16 de janeiro de 2014, em Mogi das Cruzes. O
tal trabalho é algo relacionado com arte, pois a profissão dele é ser
desenhista.
302

O que podemos dizer logo de cara? Que nem tudo será mil maravilhas.
Por quê? O Ascendente está 28º de Câncer. Quando o Ascendente está
no final do signo, isso significa que a situação está praticamente
definida. Como já vimos, o negócio do aluno estava praticamente
fechado nesse momento. A Lua não está domiciliada, mas está na Casa I,
em Leão. Entre o regente da Casa I e o regente da Casa X, que é Vênus,
não há nenhum aspecto. Vênus está em Capricórnio e a Lua está em
Leão. Essa não é uma relação ideal. No entanto, todo o signo de Leão
está contido Casa I, o que nos indica que o Sol é cosignificador do
querente.4 E o Sol também está em 26º de Capricórnio. Já Vênus está
303

retrógrado, em de 17º de Capricórnio. Isso é interessante, pois o Sol é


um significador natural dos princípios e

4
Nota do revisor: o aluno deve se lembrar das regras apontadas nas Notas sobre Astrologia Horária.
Conforme exposto nesse texto, querente é o sujeito que faz a pergunta, e quesito é aquilo sobre o que se faz a
pergunta. Como se determina qual planeta significa o querente e qual planeta significa o quesito? Ainda de
acordo o texto indicado nesta nota, a Casa I e seu regente sempre significam o querente, que geralmente
também é cosignificado pela Lua. Já o quesito deve ser determinado pela Casa referente ao objeto da
pergunta que foi feita. No caso deste exemplo, a Lua é a significadora do querente, pois a cúspide da Casa I
está em 28º de Câncer, que é regido por este planeta. Já Vênus é o significador do quesito, pois a Casa X está
em Touro, que é regido por este planeta. Por que a casa X deve representar o quesito nessa pergunta? Pois
esta é ela que se refere, entre outras coisas, à realização e vocação profissional.
304

convicções da pessoa, e ele está, em tese, na Casa VI, que é a casa do


trabalho. Por que em tese? Na verdade o Sol já está na Casa VII, pois se
olharmos nas efemérides, embora Vênus e o Sol estejam no mesmo
signo, este não completará uma conjunção com aquele antes de sair de
Capricórnio. Três ou quatro dias após a pergunta o Sol entrará em
Aquário.

O que mais dizer deste mapa? Que o trabalho não dará tão certo assim.
Considerando que o negócio já está fechado e acontecerá, o que mais
poderíamos dizer? Que algum dinheiro o negócio dará, pois o Sol sairá
de Capricórnio, entrará em Aquário e formará uma conjunção com a
Parte da Fortuna e com Mercúrio, que é o regente da Casa II.
Considerando que este é um trabalho de longo prazo, podemos dizer que
ele gerará algum dinheiro, pois Mercúrio não está mal posicionado. Ele
está angular, em conjunção com a Fortuna, e em Aquário, que é um
signo fixo. Mercúrio, em suma, está bem posicionado. Então, em termos
financeiros, o negócio irá gerar algum retorno.

Agora veremos a relação entre o trabalho e as convicções do sujeito.


Vênus está retrógrado, em Capricórnio, se separando de uma quadratura
com Marte, que está em Libra. Marte é o regente da Casa IX, portanto é
o regente das convicções e dos princípios do sujeito. 5 Podemos dizer
que, em termos profissionais e financeiros, provavelmente esse trabalho
dará algum lucro, mas não em sua fase inicial, pois o Sol tem que mudar
de signo para entrar em conjunção com a Fortuna e com Mercúrio. Por
isso, demorará um pouco para ele dar resultados positivos em termos de
lucro econômico. E o alinhamento do próprio trabalho com as
convicções e os princípios do sujeito demandará esforço. Eles querem
combinar um com o outro. Vênus, que é o trabalho, está em Capricórnio,
que é a exaltação de Marte. Marte, que são as convicções do sujeito, está
em Libra, que é domicílio de Vênus. O trabalho e os princípios dessa
pessoa querem concordar um com o outro, mas eles estão em quadratura,
305

e o trabalho está retrógrado. Portanto, para isso, serão necessários


ajustes, adaptações e esforço. Como a mútua recepção é algo muito forte
-- isto é, um planeta exalta o outro e cada qual está no domínio alheio --,
é perfeitamente possível que esse não será um trabalho frustrante, pois
planetas nessa situação não se odeiam. Porém, há uma quadratura entre
eles, e um dos significadores está retrógrado. Isso está muito longe da
resposta ideal que delineamos, isto é, os dois planetas estarem em
trígono, ou sextil, ou conjunção.

Então, o trabalho é significado por Vênus, que está bem fraco,


retrógrado, peregrino [00h 42min 44seg – inaudível] Caramba! Será um trabalhão!
Dará muito trabalho. Com esforço e sacrifício, com suor e lágrimas, será
possível alinhar o trabalho com os princípios do sujeito e ganhar algum
dinheiro. Se a pergunta é “vai dar certo?”, podemos dar como resposta o
seguinte: em termos de princípios foi um esforço válido. Mas se alguém
perguntasse para esse aluno, depois de todo esse processo, se ele faria
isso de novo, a resposta seria: “De jeito nenhum! É trabalho demais para
pouco resultado.” Se olharmos bem o mapa, ele parece descrever bem a
situação.

Quanto a esse ponto específico, não poderíamos relacionar essa


quadratura de Marte com Vênus a outra coisa? Como Marte está em
Libra e na Casa III, não poderíamos relacionar esse aspecto a algum tipo
de oposição de certos valores midiáticos mais fúteis como a opinião
pública? E essa oposição não se daria justamente pela natureza mais
elevada do trabalho em questão? Ao mesmo tempo, não podemos dizer
que essa é uma oposição fraca, uma vez que Marte está em Libra e na
Casa III?

Na verdade, se quisermos olhar os opositores do projeto, eles são


significados por Saturno, que está em Escorpião e em sextil com Vênus.
306

Nesse mapa, Saturno está mais forte do que Vênus. Como a questão
fundamental não era sobre as oposições que seriam feitas ao projeto, ela
aparece como uma questão secundária. Aqueles que se opõem a esse
trabalho farão alguma coisa? Nem tanto, porque Marte não representa os
adversários ao projeto. Ele significa dificuldade, como maléfico em
geral. Como o significador natural desse mapa, Marte significa a Casa
IX, ou seja, significa os princípios do querente. Em termos naturais é um
maléfico que está em quadratura, então ele apresentará algumas
dificuldades. Porém, se ele está em quadratura e em uma mútua recepção
com o trabalho, que é Vênus, muito forte, isso indica as dificuldades que
o sujeito terá para alinhar o trabalho com os seus princípios. Mas essas
dificuldades não são insuperáveis, porque temos uma mútua recepção
muito forte entre esses dois planetas.

O fato do regente da Casa IX, que é Marte, estar na Casa III, indica que
devemos começar a analisá-lo como prováveis dificuldades que podem
ocorrer nas coisas significadas pela Casa III? Aqui levantamentos um
ponto que é então bastante razoável: onde aparecerão essas dificuldades?
As dificuldades provavelmente aparecerão na Casa III. Como esse aluno
pode apresentar esse trabalho de maneira perfeitamente profissional e ao
mesmo tempo de acordo com os seus princípios? Isso de fato pode gerar
um pouco de dificuldade para ele. Mas Marte, aqui, não representa os
opositores ao projeto, porque ele está representando a cúspide da Casa
IX, em Áries.

Devemos perceber que quando um astrólogo com experiência em


questões horárias olha o mapa, fica muito claro o quanto ele corresponde
à situação. E a clareza deste é um indicador geral de que a situação é real
e consolidada, e não apenas uma série de pensamentos na mente do
sujeito.
307

5
Nota do revisor: a Casa IX é geralmente associada à filosofia, à religião e aos ideais e convicções mais
superiores da pessoa. No mapa deste exemplo ela é regida por Marte, pois a sua cúspide se encontra em Áries.
308

No entanto, nesse ponto surge mais uma questão: uma vez que o sujeito
tem uma informação dessas, o que ele pode fazer? Porque se há a
vontade de fazer aquele trabalho, se ele está completamente imerso nisso
e olha que a coisa não está tão favorável assim, fica complicado. Até que
ponto deveríamos levar a leitura da Astrologia Horária para nossas
opções práticas? Bem, o sujeito munido dessa distinção dada pelo
astrólogo pode se perguntar: “O que é mais urgente na minha vida
agora?” E, no caso do nosso exemplo, essa não parece uma batalha tão
ruim assim. Fulano apenas terá de fazer um esforço para conciliar uma
coisa com a outra. Mas pensando bem, de modo geral, não temos de
fazer esse esforço todo o dia em qualquer trabalho que fazemos? Essa
análise de fato não moveu o Fulano a desistir de seu projeto. Como para
ele o bem advindo disso é grande demais, a interpretação que demos o
moveu a se empenhar ainda mais. E, agora, munido dessa leitura, ele
sabe o que esperar, e ficou bastante contente.

Outra coisa que devemos ter em mente é que as pessoas são diferentes.
Se fosse outra pessoa, talvez ela só prosseguisse nesse negócio caso
necessário, tanto por motivos de princípios morais, quanto por motivos
materiais. Se alguém quer muito um trabalho alinhado com as suas
convicções e princípios, e tem a consciência de que haverá muitas
batalhas para se chegar ao resultado, então vale a pena o esforço, porque,
apesar de tudo, o objetivo será alcançado. Já se o sujeito precisa de um
negócio que renda dinheiro num período muito próximo, talvez esse não
seja o trabalho mais adequado para isso. Se ele está contando com esse
dinheiro para pagar as contas no mês seguinte, esse trabalho não é o
mais indicado. Por quê? Como vimos, terá de haver toda uma mudança
de estágio para o negócio render algum dinheiro efetivamente. Por isso,
nesse caso específico de uma necessidade financeira imediata, o mais
prudente é dizer: faça outra coisa! Em qualquer outra situação, o que
deveríamos dizer? Que ele deve se fortalecer e se consolidar, porque
nem tudo será um mar de rosas. Será algo que demandará muito suor.
309

Podemos ainda fazer alguns comentários extras. O Sol e a Lua, que são o
significadores do querente, não estão nem no signo de Mercúrio, nem na
Casa II e nem na Casa XI. Portanto, o Fulano, que fez essa pergunta, está
mais interessado em seus princípios e idéias do que numa renda
imediata. Não parece que essa necessidade financeira imediata seja a
questão principal que está em jogo. Na verdade, o que está em jogo é a
ordenação dos seus princípios e convicções com seu trabalho, de modo
que ele possa gerar algum bem com isso que não seja exclusivamente
material. Como dito, o mapa mostra que isso é possível, porém com
muito esforço.

O que sabemos sobre Fulano que nos indica ser a resposta que demos a
mais adequada? Sabemos que ele basicamente faz esse esforço
diariamente no seu trabalho; isso é algo que ele já conhece. Mesmo em
trabalhos atuais, ele nos diz que seu retorno financeiro aparece em
apenas um ou dois anos. O trabalho específico dessa questão é, então,
apenas uma continuidade do que ele já faz. É só um acordo com pessoas
diferentes, só isso. Então, o que aconselhamos é: faça o acordo. Só
aconselharíamos de modo diferente se a pessoa não tivesse nenhuma
expectativa quanto à necessidade de tamanho esforço para conciliar
essas duas dimensões, que são os princípios do sujeito e o seu trabalho.
Porém, de maneira geral, esse esforço interno já existe em todas as
pessoas, em todos os momentos e em todos os trabalhos. E o Fulano está
bastante consciente disso e se mostrou disposto a pagar o preço.

Outro ponto interessante desse mapa é que há um trígono entre o Meio


do Céu e Vênus, portanto um trígono em terra. Isso parece favorecer um
tipo de trabalho consolidado, firme e persistente. Se olharmos o eixo
horizontal, a reta que vai da Casa I até a Casa VII, veremos que ele está
em um signo cardinal. E o eixo vertical, a reta que vai da Casa IV até a
Casa X, está em signo fixo. Isso é realmente uma indicação de que o
310

negócio se consolidará. Não há nesse mapa uma impressão de


insegurança ou incerteza geral. Também o regente da Casa II e a Fortuna
estão angulares e em signos fixos, e isso é indicador de uma coisa bem
garantida e segura. Este trabalho não é como uma aposta de cassino. O
fato do regente da Casa X estar retrógrado, combusto, peregrino e na
Casa VI indica que, mais uma vez, o trabalho demandará muito esforço.
Mas na vida tudo dá trabalho. Essa situação é igual a uma mulher difícil.
Algumas mulheres difíceis valem a pena, certo?

Também como já dissemos, Fulano espera ter algum resultado financeiro


daqui a um ou dois anos. Por isso, o Sol passar de Capricórnio para
Aquário pode representar perfeitamente essa expectativa. Acontecendo
essa mudança, esse planeta logo encontrará a Fortuna e Mercúrio, que é
o regente da Casa II e da Casa XI. E Mercúrio nessa mapa está firme,
consolidado, num signo fixo e angular. Portanto, o trabalho
corresponderá financeiramente; o Fulano não falirá e não se frustrará
nesse sentido.

Tales: Antes de passarmos para o segundo exemplo, há um caso


interessante de ser contado. Certa vez, a filha de um indivíduo estava em
época de matrícula escolar e ele precisava da certidão de nascimento
dela. Porém, não a encontrava em lugar algum. Haviam perdido o
documento. O problema é que havia um prazo para efetivar a matrícula
na escola. Então, ele decidiu fazer uma pergunta horária: “Onde está a
certidão da minha filha?” Aberto o mapa, não entendeu nada. Resolveu
apelar a um astrólogo profissional,6 que abriu o mapa e disse que o
documento não seria encontrado naquele momento, pois estava muito
inacessível ou até mesmo destruído, além de estar na direção “x” de
algum ponto cardeal. Após dizer isso, chegou-se à conclusão de que
seria melhor pedir a segunda via da certidão de nascimento em questão.
Passado um tempo, e já tendo feito a tal matrícula, o sujeito da pergunta
descobriu que a certidão estava
311

6
Nota do revisor: no caso, o Gugu.
312

destruída e que ela ficara no posto de saúde. E em que direção ficava


esse posto? Na direção apontada durante a consulta. Esse é um exemplo
de mapa que dá para ser feito com fins de prática. Embora seja ruim ficar
fazendo perguntas de coisas aleatórias e sem cabimento, sempre há
algumas questões que, embora não sejam coisas de vida ou morte, são
importantes. A pergunta que acabamos de mostrar agora é uma pergunta
pertinente e real.

7. Segunda pergunta horária analisada: “ficarei com a minha amante


de alguma forma?”

Gugu: A única forma de aprender Astrologia Horária é fazendo


perguntas. Esta é uma arte prática semelhante a trocar pneus: teremos de
trocar uns três ou quatro para termos a certeza de que sabemos fazer.
Passemos então ao nosso segundo exemplo. Um de nossos alunos nos
disse que um amigo seu tinha uma amante, e que a situação era bem
problemática. Chamaremos esse amigo de Beltrano. Pois bem, Beltrano
não sabia se ficava com sua amante ou com sua mulher, pois aquela
partira para o Rio de Janeiro e não sabia se voltava para São Paulo, e
então resolveu abrir um mapa horário com o nosso aluno no dia 13 de
janeiro de 2014, às 21 horas e 08 minutos, em São Paulo. A pergunta
era: “ficarei com a minha amante de alguma forma?”
313

O aluno interpretou como sendo o significador de Beltrano o regente da


Casa I, e nisso ele agiu corretamente. 7 Porém, ele errou em considerar
como significador do quesito o planeta Júpiter, que é o regente tanto da
Casa V quanto da Casa
VIII.8 Na verdade, devemos olhar para o Descendente, isto é, para a Casa
VII, pois é ela que representa esposas, namoradas e amantes. E onde está
a cúspide da Casa VII? Em Aquário. Portanto, o regente é Saturno. Pois
bem, o Sol,
314

que é regente da Casa I, está em 23˚ de Capricórnio. E Saturno, que é


regente da Casa VII, está em 21˚ de Escorpião. Ambos os planetas estão
se separando de um sextil. O que isso nos diz? Beltrano, representado
pelo Sol, está num signo de Saturno, indício de que ele está interessado
pela amante, mas ela não dá a mais mínima bola para ele. Saturno ainda
está entrando na Casa IV, que, entre outras coisas, significa o fim de uma
questão. A Lua também é a significadora natural das coisas desejadas,
especialmente de mulheres desejadas, e ela e o Sol estão disjuntos. Dessa
maneira, que mais a Lua nos indica? Ela está fora de curso, portanto a
amante não voltará para o Beltrano.

Claramente não diríamos isso dessa maneira a Beltrano diretamente.


Seguiríamos as recomendações de William Lilly para os estudantes de
Astrologia e tentaríamos amenizar um pouco o impacto da resposta
negativa. Porém, a verdade é o que o mapa reforça bem essa resposta
negativa. Cedo ou tarde sempre aparece alguém com uma expectativa
completamente fantasiosa, querendo muito uma coisa que não
acontecerá de jeito nenhum. Isso é especialmente comum quando o
assunto envolve questões amorosas. As pessoas ficam cegas quando se
trata disso, mesmo quando a resposta

7
Nota do revisor: como a cúspide da Casa I está em Leão, o regente dela é o Sol, que passa a ser o significador
do querente.
8
Nota do revisor: a Casa V tem a sua cúspide em Sagitário e a Casa VIII tem a sua cúspide em Peixes, sendo
ambas as casas regidas por Júpiter. Porém, nenhuma delas pode significar a amante.
315

vem muito positiva. É comum aparecer alguém com um mapa muito


favorável e que não faz a menor idéia de que a outra pessoa também
corresponde o sentimento.

8. Ainda sobre os limites morais e práticos de uma pergunta


horária.

Então, quais o limites de uma pergunta? Por um lado, a capacidade do


astrólogo determinar a existência de uma situação consolidada
correspondente à pergunta. Devemos fazer o máximo de esforço possível
para ver se há uma situação consolidada referente àquela pergunta.
Porém, se isso não for possível, fazemos o mapa de qualquer jeito. Por
outro lado, há também um limite moral. Se alguém está interessado num
negócio de tráfico de drogas porque parece a ele algo lucrativo, mesmo
que esteja tudo livre no mapa horário, mesmo que haja muitas indicações
positivas, como seres humanos, devemos dizer que ele terá problemas
com a polícia, que ele irá para a cadeia e lá será estuprado. Nesses casos
de perguntas evidentemente absurdas, temos de agir com o mínimo de
moral.

E se a pessoa perguntar quando morrerá? Se soubermos a resposta


podemos dá-la. O maior problema nesse caso é justamente acharmos a
resposta. John Frawley tem um artigo muito engraçado em que ele dá
todos os sistemas de cálculo de quando a pessoa morrerá. Esse artigo foi
escrito na forma de um diálogo com o sobrinho dele, que pergunta: “E
funciona?” Ao que Frawley responde: “Funciona todas as vezes em que
o indivíduo não morre em outras ocasiões.”

O que podemos saber pela Astrologia é, em termos de probabilidade,


mais ou menos o período em que a pessoa corre mais risco de morte.
Isso é de fato possível, mas o único problema é o seguinte: não existe um
316

jeito de determinar, de maneira definitiva, quando uma relação com a


Casa VIII significa efetivamente morte, a não ser que já haja um cenário
consolidado de morte. Por exemplo, alguém é piloto de Fórmula 1 nos
anos setenta, então cada vez que ele entrar em uma corrida isso é um
cenário consolidado de morte. Ou então o sujeito é um policial que atua
nas favelas de morro; nesse caso, cada vez que ele sai para trabalhar é
um cenário consolidado de morte. Em casos assim, as perguntas são
mais significativas.

Se alguém perguntar “quando morrerei?” sem ter um cenário fático


consolidado que indique um risco real, devemos perguntar: “Há alguém
ameaçando a sua vida? Você está com alguma doença? Teve algum
sonho estranho? Aconteceu alguma coisa para consolidar um cenário de
preocupação com a morte? Ou você só tem Saturno na Casa VIII no
mapa natal? Ou só te ocorreu perguntar agora porque de repente pensou
que tinha só uma semana de vida e achou que era hora de liberar geral?”
Devemos lembrar sempre: a resposta que daremos é sempre proporcional
à solidez do cenário que nos é apresentado. Perguntar se “alguma vez,
em alguma ocasião, alguma mulher me largará?”, é diferente de
perguntar se “essa mulher aqui está me largando de vez?” Então, caso
alguém faça uma pergunta sobre morte sem ter uma situação consolidada
que indique isso fortemente, devemos dar uma olhada no mapa natal do
sujeito e avisá-lo caso haja algum indício de morte violenta ou
repentina. Se tiverem fortes indícios disso, devemos dizer para o sujeito
rezar todos os dias, porque a morte o pegará de surpresa.

Não é que não exista um sistema para responder esse tipo de pergunta. A
morte é um fenômeno muito específico e só acontece uma vez em nossas
vidas, por isso a técnica não pode responder essa pergunta sem que já
exista um cenário prévio. Então, o máximo que podemos fazer quando
alguém nos pergunta quando morrerá é dizer para ele não se preocupar e
que não será agora. Devemos dizer para o sujeito tirar isso de sua
317

cabeça, convidar uma menina para sair e ir assistir a um filme. Também


podemos dar aquela resposta evasiva básica: “Você morrerá antes do que
gostaria.”

Outra situação completamente diferente é o sujeito perguntar, por


exemplo, se o tio que está hospitalizado e em coma morrerá, pois os
médicos pediram um padre para dar a extrema unção. Nesse caso,
abriremos o mapa e veremos qual planeta é o regente do tio e qual
planeta é o regente da morte, veremos se há um aspecto ruim ou se esses
planetas estão mal colocados. Se tudo no mapa estiver indicando
aspectos negativos, diremos para mandar o padre rápido, porque existe
um cenário consolidado indicando fortemente a ocorrência de morte.

Portanto, a resposta que daremos tem de ser proporcional não apenas à


formulação discursiva da pergunta, mas também ao cenário por detrás
dela. Existe alguma razão para estar preocupado? A razão para essa
pergunta ter sido formulada pode ser até um sonho ruim que deixou a
pessoa preocupada. Alguma razão concreta deve existir, e não
simplesmente a razão de que, em geral, as pessoas preferem viver do que
morrer.

9. Terceira pergunta horária analisada: “minha licença para armas de fogo será
expedida sem complicações?”

A próxima pergunta a ser analisada é a do Ciclano: “Minha licença para


armas de fogo será expedida sem complicações?” É uma questão
importante para ele. Que casa pode representar essa licença para armas
de fogo? Licença, documentos, papéis são representados pela Casa III. A
pergunta está sendo feita agora, no dia 18 de janeiro de 2014, às 20:46,
Bucareste. É importante lembrar que a pergunta horária é feita com base
no horário local do astrólogo para quem se está perguntando.
318

Como falamos, o querente é significado por Mercúrio, pois a cúspide da


Casa I está em Virgem, que tem esse planeta como regente. E o quesito,
a licença a ser expedida, é significado por Marte, pois a cúspide da Casa
III está em Escorpião. Como se trata de uma licença para porte de armas
de fogo é mais ou menos natural que ela seja significada por Marte. Um
ponto interessante a se notar é que Marte está bem fraco em Libra, mas
esse planeta e Mercúrio, que está em Aquário, logo formarão um
trígono. Então, a primeira coisa que devemos olhar é em que momento
eles completarão esse aspecto. Abrindo as efemérides, vemos que
Mercúrio formará um trígono com Marte quando aquele estiver em 20˚
319

de Aquário e este em 20˚ de Libra. Assim, como uma primeira resposta,


podemos dizer que Ciclano conseguirá a licença. Isso porque, como
dissemos, haverá a formação de um trígono entre os regentes do
querente e do quesito, e porque Mercúrio está num signo fixo. Por isso, é
muito provável que a licença seja expedida.

Mas a pergunta não foi essa. A pergunta foi se a licença ainda demoraria
muito para ser expedida. Podemos notar que o teor da pergunta é
indicado pela posição de Mercúrio, que está junto à cúspide da Casa VI,
que, entre outras coisas, significa os entraves burocráticos e a burocracia
em geral. O regente dessa casa, a qual tem a cúspide em Aquário, é
Saturno, que está na Casa III. Também notamos que ambos os planetas
estão em signos fixos, e que Mercúrio está a dez graus de se aplicar a
uma quadratura com Saturno, o que indica que a licença demorará a ser
expedida.9 Porém, temos certeza que ela sairá, porque Mercúrio se
aplicará a um trígono com a licença, que é Marte, o regente da Casa III.
Outro ponto que reforça essa certeza é que a Cabeça do Dragão, o
Nódulo Norte, está na cúspide da Casa III. Por isso sabemos que a
licença será sim expedida, mas como Saturno, o regente da burocracia,
está também na Casa III e o querente se aplicará a uma quadratura com
ele, então a coisa continuará atrasando por mais um tempo.

O que talvez poderia gerar alguma dificuldade na interpretação desse


mapa? A Lua, que é a significadora das coisas desejadas e está presa na
Casa XII. Mas isso só indica que o Ciclano não tem poder nenhum para
expedir a licença para si mesmo. As licenças, documentos e papéis
oficiais são representados pela Casa III. Porém, outra questão
interessante que poderia gerar alguma dúvida é: no caso de um visto para
ficar em outro país, devemos olhar a Casa III ou Casa IX, que representa
as longas viagens? Pois bem, no caso de um visto, devemos checar
primeiro a Casa III. Se não encontrarmos nenhuma relação com ela,
checamos a Casa IX. Se também não encontrarmos nenhuma relação aí,
320

verificamos a Casa X, que pode ser um terceiro significador de visto,


pois representa os atos oficiais de uma autoridade.

9
Nota do revisor: olhando as efemérides, a quadratura se formará no dia 25 de janeiro de 2014. A posição de
Mercúrio será 21º 28’ em Aquário e a de Saturno será 22º 11’ em Escorpião.
321

10. Quarta pergunta horária analisada: “a Fulaninha gosta


de mim?”

Passando ao próximo exemplo, temos uma situação em que um de


nossos alunos está apaixonado por uma garota. Porém, ele desconfia que
ela não lhe dá muita importância. Assim, perguntou se vale a pena
apostar num relacionamento com ela ou se é melhor esquecer toda a
situação.10
322

De acordo com o mapa, podemos dizer a garota em questão não está


apaixonada pelo nosso aluno, e sim por algum amigo dele. O regente da
Casa I, que tem a cúspide em Virgem, é Mercúrio, que está em Aquário e
na Casa V. O regente da Casa VII, que tem a cúspide em Peixes, é
Júpiter, que está em Câncer e na Casa XI. 11 Querente e quesito estão
disjuntos e não estão bem relacionados. A garota, representada por
Júpiter, não está em nenhuma dignidade específica de Mercúrio. O
regente do quesito só está no termo e face, o que indica uma amizade,
uma boa disposição. Mas ela está interessada, por um lado, nela mesma,
porque está na sua exaltação. Essa menina provavelmente se acha a
gostosona. Por outro lado, ela gosta mesmo é da Lua, que é a regente da
Casa XI, e possivelmente indica um amigo em comum entre os dois. 12
Por acaso, esse amigo também não está nem aí para ela, pois Lua e
Júpiter estão disjuntos. Apesar de estarem próximos, não há formação de
sextil entre ambos, o que só acontecerá quando a Lua mudar de signo.13

Outro ponto que poderia gerar alguma dúvida e que devemos comentar
aqui é o fato de Mercúrio estar quase em sextil com a Parte da Fortuna.
Isso afeta a leitura do mapa de alguma forma? Não afeta em nada, pois a
Parte da Fortuna não é um significador do interesse amoroso do
querente, ela é um significador natural do seu interesse material. Se essa
fosse uma pergunta sobre dinheiro, este seria certamente um indicador
favorável. Numa pergunta sobre relacionamento amoroso, não significa
muita coisa.

Sobre esse tipo de questão em que uma pessoa não está interessada na
outra, devemos analisar muito bem a circunstância concreta em que o
cliente está. No caso específico do nosso aluno, sabemos que ele tem
vinte e poucos anos, e, talvez, daqui a um ou dois anos, encontrará
novamente essa garota e a questão poderá surgir mais uma vez. Isso é
uma coisa de astrologia horária, é coisa de momento. E contrapondo-se a
esse exemplo prático que demos, temos a situação em que alguém
323

casado há dezessete anos faz uma pergunta parecida a respeito da


esposa. Nessa situação, caso

10
Nota do revisor: o mapa foi aberto em aula, no dia 18 de janeiro de 2014, por volta das 20:55.
11
Nota do revisor: lembrando mais uma vez que, por estar a menos de cinco graus da cúspide da Casa XI,
considera-se que Júpiter está nela.
12
Nota do revisor: Júpiter “gosta” da Lua justamente por estar na Casa XI, regida pelo signo de Câncer, e por
estar neste próprio signo.
13
Nota do revisor: de acordo com as efemérides, no dia 20 de janeiro de 2014, dois dias após esse mapa ter
sido aberto, a Lua estará a 11º 20’ de Virgem e formará um sextil com Júpiter, que estará a 13º 36’ de
Câncer.
324

saia uma resposta semelhante à que vimos agora, sabemos que ela será
de uma gravidade muito maior. Não teremos como dizer que, talvez,
depois de um ou dois anos, marido e mulher podem se reencontrar e
engatar de novo o casamento. Não, numa situação assim o
relacionamento realmente terminou. Portanto, temos de contextualizar a
situação e pôr as coisas em escala.

No caso do nosso aluno e da garota que ele gosta, agora ela não está
interessada nele. Júpiter, que a representa, está em termo e face, então
ela tem uma boa disposição para com ele. Na verdade, ela o considera
apenas um cara legal. Nosso aluno não está na lista de pessoas que ela
odeia. Mas a questão era sobre um potencial relacionamento amoroso, e
ambos estão disjuntos.

Também devemos enfatizar novamente o ponto de que contextualizar a


pergunta horária é algo fundamental. Se alguém perguntar sobre um
marido ou esposa com quem está casado há vinte anos e der uma
resposta como a que acabamos de ver agora, isso é sinal de que o
relacionamento acabou. É fundamental que se entenda sempre a escala e
o contexto em que a pergunta horária é feita.

No exemplo do mapa ora analisado, pode ser que alguém levante a


questão do sextil que se formará entre a Lua e Júpiter. De fato, se nosso
aluno deixar esse assunto para lá e continuar uma amizade com ela, pode
ser que algo aconteça daqui a um ou dois anos. 14 Mas se o sujeito
enfatizar isso demais, ele não irá desencanar. No máximo, se
determinará a esperar esse período de tempo. Porém, devemos também
dizer que esse sextil não é algo muito otimista para ambos os planetas.
Por isso, não está excluída a possiblidade de um relacionamento futuro
entre nosso aluno e a garota de quem ele gosta. O que está excluído é a
possiblidade de um relacionamento presente.
325

11. Mais considerações sobre a idéia de situação consolidada e a correta


formulação das perguntas horárias.

Tales: Certa vez, um sujeito estava com alguns problemas financeiros e


fez uma pergunta horária. Porém, antes da pergunta, ele já tomara várias
decisões que vinham sendo adiadas há dez ou quinze anos. Nesse ponto,
a coisa tinha chegado a nível tal, que ele precisava agir de alguma forma.
Então, a pergunta foi feita, o mapa foi aberto e descobriu-se que tudo
daria certo. E, no fundo, ele já sabia que as coisas se dariam de maneira
favorável. Então, durante todo esse tempo em que nenhuma atitude fora
tomada, como seria possível esperar que algo fosse dar certo? Como um
problema se resolveria se o sujeito nem estava disposto a fazer nada? Em
Astrologia Horária, muitas vezes quando fazemos perguntas,
provavelmente já sabemos a resposta para elas. Isso de fato não é
incomum. Quando uma pergunta realmente traduz uma situação a qual o
sujeito ponderou, é muito comum a resposta estar quase pronta para
aflorar na mente dele mesmo. Ele só não conseguiu explicitá-la. É
natural isso, porque ele ponderou a questão.

Gugu: É muito raro, por exemplo, o sujeito passar quarenta anos sem
batalhar para ficar rico e, numa pergunta horária, descobrir que ficará
rico muito rápido. Da mesma forma, é raríssimo que um sujeito o qual
nunca procura mulher, numa pergunta horária, descubra que em um mês
conhecerá a pessoa com quem ele se casará. Essas são situações
raríssimas.

Mas também pode ser que aconteçam, porque tudo acontece na vida, até
mesmo cair meteorito na cabeça das pessoas! Já aconteceu de cair raio
sete vezes numa pessoa durante o curso da sua vida. Há também um
famoso azarado na história americana, cujo quintal foi o palco da
primeira batalha da guerra civil em seu país. Sabe-se que ele fugiu da
326

cidade, e a guerra seguiu para a cidade em que ele foi morar, e então ele
fugiu para outra cidade, e a guerra seguiu para a nova cidade em que ele
foi morar. Mas o fato mais engraçado dessa história é que o armistício
foi assinado no fundo do quintal dele, sendo que durante todos os anos
da guerra ele teve de fugir dela. Coisas estranhas acontecem na vida.
Mas elas acontecem com um sujeito entre milhões.

Tales: Normalmente as coisas se dão como dissemos em aulas anteriores:


se o sujeito pergunta se terá dinheiro para sustentar sua família e não
estiver trabalhando para isso, então não, ele não terá dinheiro para
sustentá-la. Se uma menina que só frequenta bailes funks ou forrós
pergunta se achará um bom marido, a resposta para isso é que não, ela
não achará um bom marido, pois os lugares que ela frequenta não são
propícios para isso. Claro, pode ser que exista alguém que seja uma
exceção a essa regra e que encontrou um bom marido no baile funk. Isso
não é impossível. Porém, normalmente, a menina não encontrará ali um
bom marido. Já se ela vai à igreja e se socializa com as pessoas de lá,
então sim, é provável que ele encontre um bom marido nesse local.

Gugu: Então, devemos sempre avaliar se estamos conseguindo visualizar


realmente a situação subentendida na pergunta. Se estivermos
conseguindo, então talvez exista uma situação consolidada em nossas
mentes, e, nesse caso, fazemos a pergunta horária. Se existe uma
situação que é passível de levantar justamente aquela pergunta do
cliente, geralmente o mapa é muito claro, a não ser que a situação,
apesar de bem definida e consolidada, seja ela mesma definitivamente
confusa. Assim, naturalmente o mapa será também confuso, porque ele
descreve uma situação muito complicada.

14
Nota do revisor: como visto na nota anterior, em apenas dois dias Júpiter formará um sextil com a Lua, o
que é uma indicação desfavorável às pretensões do querente, representado por Mercúrio, pelo menos para um
futuro próximo.
327

Outro perigo, como já dissemos, é o sujeito fazer muitas perguntas a si


mesmo sucessivamente na esperança de sair alguma resposta positiva.
No entanto, ele deve perceber que está procurado apenas um alívio
mental. Ele só quer achar uma pergunta que seja significada pelo trígono
com Júpiter. Em casos assim, deve-se dar um tempo, e depois de três
pode-se procurar outra pergunta para ser feita como exercício.

12. A diferença entre as técnicas de leitura de mapas natais e de


mapas horários.

E há ainda mais um erro que alguém pode cometer: aprender como são
respondidas as perguntas horárias e aplicar isso à leitura do próprio mapa
natal. Por exemplo, pode ser que uma pessoa faça um pergunta aleatória
a um astrólogo. E, após ouvir a pergunta, este responderá que o objeto da
questão pode ser significado por Marte em queda e em oposição com
algum outro planeta qualquer. Depois disso, o astrólogo abrirá o mapa
natal do cliente, verá um Marte em queda e em oposição com a Lua e
deixará a pessoa que fez a pergunta pensando que está destinada ao
sofrimento. Por isso, é importante enfatizar que nós não somos uma
questão horária. Diferente da questão horária, que representa uma
situação temporária, um quadro menor numa existência humana mais
ampla, o mapa natal deve representar a vida de alguém como um todo, e
por isso funciona numa escala diferente. Então, nunca devemos
interpretar um mapa natal utilizando a técnica de interpretação da
Astrologia Horária. Se assim fizermos, sairemos com algum tipo de
ilusão, seja ela deprimente ou não. Num mapa natal, outras coisas são
relevantes que não a força ou a fraqueza isolada dos planetas.

Por exemplo, numa questão horária, dois planetas disjuntos significam


duas coisas que não se encontram. Num mapa natal, dois planetas
disjuntos significam duas áreas da vida de alguém. Por isso, elas
necessariamente se encontram, porque é a vida de uma pessoa. Num
328

mapa horário as perguntas têm respostas astrológicas bem definidas. Há


o querente e o quesito. Eles se encontram em boas condições ou más
condições? Isso é algo muito simples de se interpretar.

Astrologia Horária é mais simples do que Astrologia Natal e tem de ser


dominada antes desta. É evidente que a técnica mais simples deve ser
entendida antes da técnica mais complexa. É claro que é bom, desde o
começo, saber algumas coisas sobre Astrologia Natal. É legal podermos
olhar algumas coisas do nosso próprio mapa natal e já podermos resolver
algumas questões. Mas o que não devemos fazer em hipótese alguma é
tentar analisá-lo como um mapa horário, pois isso não dará certo.

Podemos levantar ainda mais uma diferença entre a leitura de um mapa


natal e a leitura de um mapa horário: embora as questões horárias
envolvam seres humanos livres, elas raramente são questões simples
sobre escolhas individuais. Elas são questões sobre cenários ou situações
humanas. Numa situação ou cenário, a proporção entre liberdade e
destino é diferente da proporção que se usa quando se descreve um
indivíduo. E essa proporção é diferente a ponto de existir cenários que
são determinantes e irreversíveis. Se alguém pula de um precipício, ele
não tem mais livre-arbítrio para voltar atrás, pois o cenário se tornou
definitivo nesse caso. Então, quando descrevemos uma pessoa, ela é
fundamentalmente um ente livre em circunstâncias determinadas. E uma
situação é fundamentalmente um cenário determinado com um
componente de liberdade dos agentes que nele estão dentro.

13. A Astrologia pode ser usada como instrumento para guiar a


vida espiritual?

Agora chegamos numa questão que sempre surge para nossos alunos:
através da Astrologia Horária podemos ter uma idéia sobre a situação
329

espiritual de uma pessoa e a partir disso ajudá-la? Depende do grau de


entendimento e familiaridade que se tem com o assunto “espiritualidade
humana”. Antes de tudo, teríamos que entender realmente o que é estar
com problemas espirituais para poder usar a Astrologia Horária. Isso se
dá da mesma maneira com a Medicina, por exemplo. Podemos usar
Astrologia Horária na Medicina, mas, para isso, também temos que
entender de Medicina. Portanto, antes devemos saber se uma pessoa está
realmente com problemas espirituais, ou se simplesmente estamos vendo
as coisas de maneira errada.

Por exemplo, quando São Francisco decidiu se tornar mendigo, o pessoal


achava que ele estava louco! Se prestarmos bem atenção, havia um
monte de gente que fazia a mesma coisa e estava meio maluca! Quando
estudamos a história da Idade Média, percebemos um monte de malucos
que faziam a mesma coisa que São Francisco, e eles eram só malucos
mesmo. Mas ele, São Francisco, não era. Então, isso vai depender do
conhecimento que temos do assunto.

Mas se Medicina já é algo que demora dez anos para ser entendida,
“espiritualidade” já leva uns vinte e cinco anos. E quem tem dez anos de
estudos em Medicina é considerado apenas um principiante! As pessoas
normalmente se encontram qualificadas para falar profundamente sobre
espiritualidade por volta dos setenta anos. Essa é a idade normal das
pessoas que dão conselho sobre esse assunto. Dentre os cartuchos, não
há um monge com menos de sessenta anos que abre a boca para falar
disso! Alguém que está lá dentro desde os vinte anos, com sessenta
começa a abrir a boca para a molecada. Antes disso, ele nem abre a boca.
Isso não é brincadeira. A idade média dos bons conselheiros espirituais é
de setenta a oitenta anos.
330

Uma das desgraças da Igreja, hoje em dia, é a existência de moleques


com vinte anos que entram em seminário e, com vinte e quatro ou vinte e
cinco anos, saem achando que conseguem salvar e santificar multidões,
dar conselho espiritual e orientar! Um padre que é ainda um moleque, e
que muitas vezes ainda tem espinhas, fica pensando que sabe o caminho
da salvação para todos! Não, um sujeito desses deve calar a boca! Ele só
fez um seminário, mas não sabe nada! Essa é a verdade! Isso é também
uma questão de segurança. Sabemos que um sujeito com sessenta ou
setenta anos, e que está na Igreja desde os vinte, não nos dirá algo hoje e
outra coisa diferente amanhã. Além do conhecimento, ele já tem uma
estabilidade. Na juventude, frequentei bastante o mosteiro de São Bento,
em São Paulo, e os únicos lá dentro que na época tinham alguma
autoridade espiritual – sem brincadeira! – estavam entre os oitenta e os
cento e vinte anos. O Dom Plácido, que era o superior do mosteiro, era o
mais jovem que havia lá, e tinha uns oitenta e seis anos, e estava no
mosteiro desde os dezoito. E por que essa é a idade para se dar esse tipo
de aconselhamento? Pois o que um padre é aos oitenta e seis anos é
provavelmente o que ele será por toda a eternidade.

Tales: Podemos dizer que, nesse âmbito, existem coisas diferentes.


Ensinar alguém a rezar, ou ensinar a doutrina da religião, é uma coisa.
Isso qualquer pessoa com conhecimento pode fazer. Consertar um
problema espiritual de alguém é outra coisa completamente diferente.
Ensinar um Pai Nosso, ensinar Teologia, ensinar o catecismo etc., isso é
matéria escolar. Tecnicamente falando, ensinar alguém a rezar um Pai
Nosso não é diferente de ensinar a cantar uma música; ensinar a
catequese, tecnicamente, não é diferente de ensinar um manual de
instruções de alguma coisa. A diferença é só a importância qualitativa da
matéria, mas o processo é o mesmo.

Já quando alguém não consegue parar de trair a esposa e, desejando


aconselhamento, vai à igreja, isso é evidentemente um caso de
331

aconselhamento espiritual. Quando padres moleques, de vinte e quatro a


vinte e cinco anos, tentam intervir e aconselhar nesses casos, estão
agindo da mesma maneira que um cego levando outro cego para o
abismo! Um padre jovem deveria imediatamente encaminhar o sujeito a
um padre mais velho e com muita experiência espiritual. Que garantia
alguém pode ter que um padre jovem cumpra ao menos o seu voto de
celibato? Não há nem essa garantia! Em situações assim, deve-se tratar
com um padre que o cumpriu a vida toda. Ele sim poderá aconselhar
alguém, por exemplo, em situações em que não se consegue rezar, em
que não se consegue ser fiel ao cônjuge, em que não se consegue
controlar a ira. Tudo isso é tratado com aconselhamento espiritual. Isso é
diferente de dizer à pessoa que trair a mulher é pecado. Isso é catecismo.
Se o sujeito quer aconselhamento e o dizem que aquilo é pecado, ele
dirá: “Grande novidade! Eu sei que é pecado e não preciso que me
digam! O que quero saber é como faço para parar!” Quando não se é
uma pessoa apta a aconselhar outra espiritualmente, deve-se de dizer a
esta que se rezará por ela e encaminhá-la a alguém mais apto para isso.
Esta é a atitude mais certa e que qualquer um pode fazer. Agora, bancar
o pai espiritual alheio é brincadeira!

Gugu: É claro que essa fórmula também possui notáveis exceções. Há


um ou outro sujeito de trinta anos que é um São Bernardo de Claraval,
um São Francisco de Assis etc. Nesse caso, ele evidentemente está
qualificado para dar conselhos espirituais. Mas isso é a exceção.
Portanto, de maneira geral, não se deve pedir conselho espiritual para
quem tenha menos de setenta anos.

Tales: As pessoas hoje se equivocam muito com os padres. Vêem um


padre tradicional, que celebra a Missa Tridentina, cumpre o voto de
celibato etc., e imediatamente decidem que é para ele que pedirão
conselhos espirituais. Mas isso também está errado! O que se deve fazer
é procurar aquele católico que todos conhecem, e que desde os dezenove
332

anos até sua velhice estava e continua fazendo aquilo, mesmo que ele
seja um leigo, um faxineiro, ou qualquer um. Se alguém, por exemplo,
não consegue rezar, deve perguntar a esse sujeito como ele consegue
rezar tanto.

Por isso, não devemos confundir padre com conselheiro espiritual.


Embora muitos padres posem de conselheiros espirituais, eles não são.
Só por seguir a doutrina e cumprir os mandamentos, eles não são
conselheiros espirituais. E, muitas vezes, são pessoas inaptas para dar
conselhos práticos sobre como as pessoas conseguem parar pecar. Eles
sabem ensinar a doutrina, sabem o que é pecado, sabem ensinar como se
reza o terço, e, como exemplo, de fato, isso é suficiente.

Gugu: Mas quando se trata de conselho espiritual, e voltando a


relacionar isso com Astrologia Horária, é até mesmo perigoso. Não se
deve fazer isso. Como fonte de orientação espiritual é muito mais seguro
que se procure um velhinho que parece bem santo por todo um histórico
de vida do que consultar um astrólogo. E dificilmente um velhinho
experimentado na vida espiritual precisará de Astrologia Horária para
dar um conselho espiritual. É claro, existem certas perguntas horárias
ligadas a esse tema. Podemos perguntar se um padre é honesto ou não,
ou se certos sonhos recorrentes que alguém esteja tendo são de origem
demoníaca ou não. Essas são perguntas horárias cabíveis, e até há uma
técnica consolidada sobre como respondê-las.

Tales: Quando eu e meu irmão nos hospedamos no mosteiro de São


Bento há uns vinte anos atrás, o Dom Isidoro deu para nós carta branca e
acesso a tudo que lá havia. Certa vez, chegamos para o Dom Plácido,
que era o bibliotecário, e perguntamos se podíamos pegar uns livros. Ele
disse que sim, mas nós não disséramos nada sobre nossas preferências.
Então, ele deu uma olhada em mim e no Gugu e disse: “Não precisam
333

falar nada, só de olhar já sei os livros que vocês querem. Vou trazê-los
já.” Logo depois, ele veio com uns vinte livros: São João Clímaco, Santa
Catarina de Siena, São
334

João Cassiano etc.; exatamente os temas que queríamos ler naqueles


dias. Esse sim era um velho com sensibilidade espiritual. Não faláramos
nada com ele sobre o que gostávamos ou o que queríamos da vida. Aliás,
era um alemão que falava muito mal o português. Um sujeito desse não
precisa de Astrologia Horária para nada, pois ele tem sensibilidade.

Nessa época, Dom Plácido tinha uns oitenta e seis anos, e nos contou
que entrou no mosteiro com dezoito. Já eram setenta anos rezando,
buscando e servindo a Deus. Alguém alguma vez ouviu falar do São
Plácido brasileiro? Ninguém nunca ouviu falar e nem ouvirá. Mas ele é
um santo que já está no céu. Não tenho a menor dúvida disso. Empenho
minha palavra, minha honra, que é um santo que já está no céu.

Quando alguém vê essas coisas que eu e meu irmão vimos, e depois se


depara com um diácono ou um padre moleque querendo aconselhar os
outros espiritualmente, é evidentemente algo que parece um absurdo.
Esse tipo de padre não tem ideia do que é aconselhamento espiritual. Ele
conhece catecismo e olhe lá, e o que deveria fazer é, justamente, ensinar
o catecismo, rezar pelos outros e indicar pessoas como o Dom Plácido
para dar conselhos espirituais a quem pedir.

Outro santo de quem me lembro agora é o Carlos Borges, um velhinho


português analfabeto de uma igreja do centro de São Paulo. Ele
frequentava a mesma igreja desde os quinze anos e já tinha uns sessenta
e cinco. Ele só rezava. Um dia, quando eu tinha uns dezoito anos, ele
pretendia fazer uma peregrinação religiosa e queria me treinar para que
eu ficasse como seu substituto. Então, aceitei o convite e fui trabalhar.
Lá eu vi que o Carlos Borges rezava o dia todo sem cessar. Ele tinha um
trabalho muito humilde, ganhava por dia, e um terço do seu salário
diário dava para os pobres. Ele dizia: “Um dia dou para os pobres, um
dia dou para a Igreja e no outro mantenho para mim.” Fora isso,
335

trabalhava que nem um burro de carga: ele pegava pães na padaria e


entregava em lanchonetes e restaurantes. Então, é evidente que esse é um
tipo de sujeito que está apto a dar conselhos espirituais. Até o bispo da
Igreja Católica Melquita, quando lhe perguntavam sobre alguém que
fosse santo, indicava o Carlos Borges.

Portanto, não devemos nos impressionar com padres tradicionais. Isso é


um ponto positivo, claro, mas não se pode confundir alhos com
bugalhos. Se alguém quer saber como fazer para ter vontade de rezar,
esse padre não poderá ajudá- lo como um Carlos Borges. A não ser que
ele também seja um padre de oitenta anos que, além de ser um padre
tradicional, tenha feito tudo o que o Dom Plácido ou o Carlos fizeram.
Porém, o simples fato de ser um padre tradicional não o habilita a dar
conselho espiritual para ninguém, e muita gente se arruína achando isso.

E o problema não é nem a falta de conselheiros espirituais. O problema é


que as pessoas procuram chifre em cabeça de cavalo. As pessoas querem
conselho espiritual e pedem curriculum, pergunta em qual seminário o
sujeito estudou. Lógico, é muito melhor um seminário tradicional do
que, por exemplo, o seminário do Campo Limpo, 15 que é composto de
um bando de bichas comunistas. Se um padre estudou nesse seminário,
ninguém deve nem perguntar-lhe nada. Mas não é suficiente um padre
ter estudado num bom seminário para sair dando conselho espiritual para
todo mundo. Não existe nenhuma graça que garanta que ele conseguirá
fazer isso direito. Se alguém disser que traiu a mulher, o que o padre
tradicional dirá? Mandará a pessoa rezar dez terços e fazer três dias de
jejum. Porém, alguém acredita que depois de rezar dez terços e fazer três
dias de jejum o sujeito nunca mais terá desejo de trair sua mulher?

Agora, quando alguém pede conselho para um santo, este dará um


conselho que aquele será capaz de seguir? É óbvio. Um santo dará um
336

conselho que a pessoa será capaz de seguir. Geralmente as pessoas


acreditam que os santos dão conselhos que estão acima da capacidade
humana, mas isso é completamente falso. Os santos têm sabedoria e dão
conselhos que estão na medida de cada pessoa, ao contrário de um
sujeito piedoso, que pode dar conselhos que estão acima da capacidade
individual de cada um. A compreensão humana por parte dos santos é
realmente muito ampla.

Um exemplo disso é o próprio Carlos Borges. Um padre do centro de


São Paulo me contou que havia uma mulher adúltera a qual sempre traía
o marido e confessava logo em seguida. Todo mês essa mulher ia para
esse padre e confessava a mesma coisa. Claro, ele não citou nenhum
nome, porque é segredo de confessionário. Então, chegou um ponto em
que a mulher reclamou que não conseguia cumprir mais as penitências
passadas. E, um dia, ela chegou para o Borges e contou seu problema:
“Confesso para o padre, então fico de consciência limpa, porque a
confissão é tão boa! Posso trair meu marido, vou lá, confesso e fico
zerada!” Ao que o Carlos respondeu: “Sua vagabunda! Desclassificada!
Sem vergonha!” A partir daí, a mulher tomou jeito e nunca mais traiu o
marido. O que isso nos diz? O padre ficou dando penitência, mas tudo o
que ela precisava era de um escracho. A mulher tomou vergonha.

O Padre Pio também fazia coisas assim de vez em quando. Às vezes


alguém ia confessar e ele dizia: “Você não! Não entre no confessionário!
Crie vergonha na cara! Você falará comigo fora da confissão, para que
eu possa te esculachar publicamente!” Ele agia como padre nesses
momentos? Não, pois como padre ele tinha que entrar no confessionário,
absolver e dar penitência. E essas confissões que o Padre Pio negava,
caso realizadas, seriam justamente confissões inválidas. Mas o que é
importante aqui? O fato é que a pessoa, por sua culpa exclusiva, estava
com uma doença espiritual, que foi curada pelo santo. E essa cura não
teve nada a ver com o fato dele ser padre. As pessoas pensam que o
337

15
Nota do revisor: bairro da cidade de São Paulo.
338

Padre Pio fez isso porque ele era um bom padre, o que não é verdade.
Ser um bom padre é celebrar a missa e ensinar a doutrina corretamente.
Mas as habilidades do Padre Pior não são frutos disso, são frutos dele
rezar incessantemente desde a infância rezando.

Gugu: Para ser um bom padre é necessário apenas competência e


probidade, como em qualquer outra profissão. Um bom padre deve
cumprir o voto de celibato, reproduzir a doutrina tal como aprendeu e
celebrar a missa corretamente. Não se pode atribuir a aura espiritual
inerente ao cargo ao indivíduo. Não se pode confundir as duas coisas e
esperar de um padre o conselho que só se pode obter de um santo. E o
que se deve fazer com um bom padre as pessoas não fazem. Se alguém
conhece um, então que frequente a missa dele. Não interessa se a igreja
dele é longe ou qualquer outra desculpa do tipo. É necessário esvaziar as
igrejas de padres ruins e lotar as igrejas dos padres bons até à porta. Isso
é o que se deve fazer, não pedir conselho espiritual.

Tales: Isso vale para todos os cargos eclesiásticos. Ultimamente temos


recebido muitos e-mails de amigos e alunos reclamando do novo papa.
Mas do que eles estão reclamando? Se estudassem a história da Igreja,
veriam que já houve papas pedófilos e assassinos, verão que houve a
família Médici e coisas assim. Então, do que estão reclamando? As
pessoas acham que o papa deve ser santo, mas isso está completamente
equivocado. Elas não deveriam se surpreender quando, depois de um
papa bom, surge um papa ruim. Se se apoiam nisso, atribuem santidade a
um sujeito só por ele ser papa. E no séc. XVI existiram teólogos que isso
propuseram. Porém, essa tese foi derrubada por outros teólogos da
época. Isso não é doutrina da Igreja, e foi proposto exatamente na pior
época dos papas da Igreja Católica, entre os sécs. XV a XVI, pois os
papas ruins queriam o prestígio dos papas do século XI-XII.
339

Gugu: No séc. IV, houve um santo que saiu batendo o pé do Concílio de


Niceno, e que disse: “Vocês são uns pederastas e pedófilos, e eu não vou
participar de concílio nenhum com vocês, seus sem-vergonhas!” E todo
mundo ficou quieto, porque pelo menos eles tinham vergonha na cara
naquela época. Hoje em dia os fiéis se iludem muito com as pessoas que
ocupam um cargo de diácono, de padre, de bispo e mesmo de papa, e
depois se decepcionam. Eles esquecem que Judas era bispo! E essas
pessoas dirão que a ordenação dele foi inválida? É claro que não dá para
dizer isso.

Tales: Então, não devemos esperar muito de um hierarca. O hierarca


bom é o que dá o exemplo moral, ensina a doutrina e ministra os
sacramentos corretamente. Alguém não se torna santo por ser um
clérigo, um padre, um diácono, um bispo, ou mesmo o papa. Só porque
ele está no cargo de bispo deve-se chamar ele de santo? A não ser que
com “santo” estejam se referindo ao sacramento da ordem, aplicar essa
palavra para se referir à pessoa que ocupa o cargo é um equívoco. E
geralmente os fiéis que fazem isso se decepcionam. A maioria dos
grandes santos ou eram leigos ou de ordem monásticas fechadas. Claro,
existiram santos bispos também, mas houve mais bispos sacanas do que
santos. E se o sujeito era bispo e santo, é claro que podemos pedir
conselho espiritual a ele. Mas um bispo não se torna automaticamente
santo em função do cargo que ocupa.

É claro que, por exemplo, se conhecemos um médico que não é


mercenário, sabe muito sobre Medicina e está sempre disposto a curar as
pessoas, devemos tratá-lo com o máximo de respeito, concordem ou não.
Então se encontramos um padre ou bispo que cumpre seu voto de
celibato, declara a doutrina oficial, faz os sacramentos todos
corretamente e está sempre aberto a receber qualquer pessoa, ele merece
todo respeito e admiração. Mas disso a achar que ele é o porta-voz de
Deus é realmente um exagero. Ele tem de ser tratado com um respeito
340

mais do que reverencial, é evidente. O menor padre, que não seja nem
pároco, mesmo um assistente de pároco, se for um sujeito honesto,
merece mais reverência do que qualquer governante, e deve ser tratado
com o máximo respeito. Mas se ele começa com historinhas de guiar as
almas dos fiéis, não devemos dá-lo crédito.

Gugu: Conheci um padre de vinte e cinco anos que alegava aconselhar


espiritualmente da mesma forma como São João da Cruz aconselhava.
Um sujeito desses evidentemente cheirou alguma coisa ou fez algo do
tipo. O triste é que muitos fiéis de pouca idade, com dezoito anos, por
exemplo, acreditam. Esse padre é um cego guiando outros cegos. E o
pior disso são as consequências, gravíssimas aliás. Na época em que
conhecemos esses santos mencionados, eu e meu irmão éramos novos, e
todos os nossos amigos católicos da mesma idade estavam entrando em
seminários e mosteiros querendo ficar santos. Quando chegavam lá,
formavam amizade com os seminaristas de mesma faixa etária e juntos
iam pedir conselhos para os seminaristas cinco anos mais velhos em vez
de pedirem aos monges de bem mais idade e com vidas todas dedicadas
a Deus. Qual foi o resultado disso? Metade deles viraram veados. Isso
não é brincadeira, pois é muito perigoso que um padre assim tenha
algum tipo de distorção na cabeça.

Tales: Os ambientes um pouco mais saudáveis que conhecemos são os


mosteiros mais severos, como o de Trapa e o de Cartuxa. Existem santos
nesses lugares ainda, pois alguns sucessores esses caras deixaram e
alguém aprendeu alguma coisa com eles. Em princípio, podemos dizer
que são os sujeitos mais velhos os mais aptos a serem conselheiros
espirituais. Outro critério que podemos usar é observar as pessoas que
procuram o conselho deles e se elas estão melhorando ou piorando.
341

Porém, no geral, com a idade o disfarce dos bispos some. Se for ele for
um sujeito mau isso será sempre mais evidente quanto mais velho ele
for. No caso de um monge ou de um padre, se ele for veado, parecerá
uma tia afetada; se ele for
342

bocó, a burrice também se tornará evidente; se ele tem profundidade e


reza muito, logo de cara isso será visível. Já os mais novos são
dissimulados, pois são mais adaptáveis às circunstâncias. Um jovem
padre que que não é tão profundo, mas de quem se espera profundidade,
se comportará mais como uma pessoa profunda. O mais velho consegue
fingir menos nesse sentido.

Gugu: A primeira coisa que se percebe nesses lugares com os monges


mais velhos é se eles são gentis ou ranzinzas. Não tem como disfarçar.
Porém, não se deve confundir rabugice com macheza. Conhecemos
muitos monge caducos e ranzinzas. Mas também conhecemos o Dom
Martim, também do mosteiro de São Bento, que em princípio fazia cara
feia para todo mundo, e que em nosso segundo encontro nos deu uma
cópia da chave da biblioteca com manuscritos do séc. XIV. Ele era o
bibliotecário, era um sujeito bem fechado e nada amigável, pois nem
todo santo é amigável.

Tales: Um exemplo disso é a ordem franciscana, que começa muito


rígida. Os frades não podiam aceitar dinheiro, só podiam receber esmola
ou pagamento de trabalho manual em comida ou outra coisa. Certo dia,
um frade aceitou dinheiro como esmola e São Francisco disse: “Coloque
na boca essa moeda e coloque-a naquela pilha de estrume.” está Isso está
na biografia dele escrita por São Boa Ventura.
Gugu: Talvez isso seja um problema da Hagiografia, pois, da renascença
para cá, há aquelas interpretações de santos em que todos aparecem com
uma expressão boquiaberta olhando para cima. Porém, quando olhamos
a iconografia anterior, os santos estão todos com uma expressão séria.
Até a capa do livro sobre o Padre Pio escolheram uma foto que ele está
olhando para cima boquiaberto. Mas pelo amor de Deus! Mostrem o
sujeito como ele é! Normalmente eles tinham uma expressão muito séria,
e só ficavam olhando para cima quando iam falar com Deus. Não há um
343

ícone anterior ao séc. XI que mostra os santos fazendo cara de bonzinho.


Metade dos ícones dá medo! A filha de três anos do Tales já viu um
ícone antigo e perguntou: “Por que ele está bravo?” Bem, os santos
parecem bravos pois estão combatendo o diabo.

Então, hoje conseguimos dar uma avançada no tema de introdução geral


à Astrologia Horária. Também é importante mencionar este ponto mais
uma vez: se alguém desejar conselho espiritual, procure o pessoal mais
velho de mosteiro. Primeiro, comece a frequentar os mosteiros, se não,
não os encontrará. O santo não baterá em nossas portas dizendo: “Ouvi
falar que você estava procurando conselho espiritual e Deus me mandou
vir aqui te dar uma orientação” Não, não somos tão especiais assim.
Deus não está tão interessado em que o sigamos. Em segundo lugar, um
bom padre merece todo o respeito e reverência, e se alguém falar mal
dele merece ser mandado se calar. Se alguém vier com fofoquinha sobre
um sujeito que é um bom padre, mande o sujeito ir pastar. Porém, não se
deve pedir conselho espiritual a ele, pois isso se pede a quem achamos
que é santo, de preferência acima dos setenta anos, como diz a prudência
humana. Eu e o Tales também conhecemos sujeitos santos que tinham
uns quarenta anos de idade nesses mosteiros, mas o que eles diziam?
Para irmos perguntar para o Dom Plácido, para o Carlos Borges e
pessoas assim. Sabíamos que um sujeito assim também devia ser santo,
mas ele estava como havia outros mais velhos, todos sabíamos que estes
dariam conselhos melhores.

Enfim, na próxima aula mudaremos um pouco de tema e ou faremos


uma pequena introdução de como calcular o temperamento e a
mentalidade usando alguns mapas de exemplo, ou voltaremos um pouco
para a teoria cosmológica em geral. O mais provável é que entremos no
assunto do cálculo de temperamento e mentalidade só para diferenciar
claramente como é a interpretação de um mapa natal e como é a
interpretação de um mapa horário. Mas façam os alunos o seguinte:
344

resolvam perguntas horárias como exercício, pois é o melhor jeito de


aprender. Mesmo que o tema de uma aula seja algo que não a técnica
horária, podemos gastar uma meia hora para ver quais perguntas foram
feitas, como os alunos responderam, como e por que eu responderia do
meu jeito. Até a próxima aula.
345

www.icls.com.br

Cosmologia e Astrologia Medieval


– Aula 10
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo professor.


346
347

Transcrição: Carlos Augusto G. Nascimento,


Leonardo F. Boaski Revisão: Danilo Roberto
Fernandes
348

Índice

1. Apresentação do mapa natal a ser analisado – cálculo de temperamento


e mentalidade do Lobão 3

2. O Ascendente, o Descendente, o Fundo do Céu, o Meio Céu e as casas


astrológicas. 3
3. A maneira correta de se indicar a posição dos planetas no mapa. 4

4. Primeirodeterminante do temperamento: signo Ascendente, regente


do signo Ascendente e planetas em aspecto com o signo Ascendente.
4

4.1. O signo Ascendente. 4


4.2. O planeta regente do signo Ascendente e sua posição oriental ou
ocidental. 5
4.3. Planetasque formam aspecto com o regente do Ascendente. 5

5.Segundo determinante do temperamento: fase da Lua, seu dispositor e


planetas que formam aspecto com ela. 7

5.1. Como determinar a fase em que a Lua está. 7


5.2. O dispositor da Lua - e dos planetas em geral. 7
5.3. Planetas que formam aspecto com a Lua. 8
6. Terceiro determinante do temperamento: a estação do Sol. 8

7. Quarto determinante do temperamento: o planeta mais forte do mapa. 8

8. Outros determinantes do temperamento: estrelas fixas; natureza e


condição do regente do Ascendente e do seu dispositor; mentalidade;
planetas que se destacam por razões excepcionais. 10

8.1. As estrelas fixas. 11


349

8.2. Natureza e condição do regente do Ascendente e do seu dispositor


11
8.3. Mentalidade e seu cálculo 11
8.4. Planetas que se destacam por razões excepcionais. 11

9. Finalizando o cálculo de temperamento 12

10. Descriçãodas mentalidades venusina, jupterina-marcial e jupterina-


venusina. 13
11. Considerações gerais acerca do temperamento e da mentalidade. 13

12. Mais considerações sobre os determinantes da mentalidade. 15

13. Mais considerações gerais acerca do temperamento e da mentalidade.


16

14. Consideraçõessobre Saturno e outros planetas na Casa XII, e sobre a


mútua recepção 16
15. O que fazer quando um planeta está a menos de 5º de uma casa. 17

16. Considerações sobre a Casa VIII 18


350

1. Apresentação do mapa natal a ser analisado – cálculo de temperamento e


mentalidade do Lobão.

Gugu: Começaremos hoje analisando o mapa do Lobão. Os símbolos dos


signos podem ser vistos na apostila de número dois, chamada
Simbolismo na Astrologia.1

2. O Ascendente, o Descendente, o Fundo do Céu, o Meio Céu e as casas


351

astrológicas.

Depois de conhecer os símbolos dos doze signos do zodíaco e os dos


sete planetas, a próxima coisa a entender é que essa linha vermelha
horizontal com uma seta apontando para a esquerda é justamente o
horizonte. Essa seta à esquerda da linha indica o Ascendente, que é o
leste, e à direita temos o Descendente, ou Casa VII, que é o oeste.
Seguindo a partir do Ascendente nessa linha horizontal, há um espaço e
uma segunda linha, mais um espaço e uma terceira linha, e mais um
espaço e uma quarta linha. Pois bem, essa quarta linha, que é a cúspide
da Casa IV e da Casa X, é a linha vertical fundamental no céu. Essa
linha é um fio tirado do círculo do Meridiano.

É interessante notar que nem toda representação de mapa tem a linha do


Fundo do Céu e do Meio do Céu, ou Casa IV e Casa X respectivamente,
perpendicular à linha do horizonte. E por que isso é assim? Pois os
planetas e as casas são achatados no plano do zodíaco, e não num plano
perpendicular ao horizonte. Isso é uma questão de projeção geométrica
apenas. Essas duas linhas representam planos que são perpendiculares,
mas como é feita uma representação a partir do zodíaco, e porque
queremos saber as posições dos planetas nele, a linha do Meio do Céu
aparece um pouco inclinada.

Continuando, a partir do Ascendente é fácil dizer cada uma das casas


zodiacais. Basta lembrar sempre essas quatro fundamentais, que serão a
referência: A Casa I, ou Ascendente -- os dois são equivalentes na
maioria dos sistemas astrológicos --, começa na linha horizontal do
352

Ascendente e é todo esse espaço que vai até à Casa II; em seguida temos
a Casas II, a Casa III, e finalmente a Casa IV, ou Fundo do Céu.

1
Nota do revisor: ela se encontra no arquivo da aula de número oito.
353

Geralmente, as linhas da cúspide das Casas I, IV, VII e X são


representadas por uma cor diferente ou uma linha mais grossa,
justamente para termos uma referência visual muito rápida, e não
precisarmos contar doze casas sempre que quisermos ver em qual delas
está um planeta. Por exemplo, olhando esse mapa instintivamente
sabemos que a Lua está na Casa V. Não precisamos contar desde o
Ascendente, apenas desde a Casa IV.

3. A maneira correta de se indicar a posição dos planetas no mapa.

Sempre que o professor perguntar aos alunos onde está um planeta, a


resposta que ele deseja deverá indicar o grau no signo, o próprio signo e
a casa em que ele se encontra. Por exemplo, a Lua está em 17º de Touro
na Casa V. Ao lado da Lua, no mapa, deve estar escrito “17º”.
Repetindo: quando o professor perguntar a posição de um planeta, ele
quer três dados: grau, signo e casa. Agora, vamos identificar onde se
encontra o planeta Saturno. Olhando no mapa, vemos que está em 10º de
Sagitário na Casa XII. Onde está Marte? Em 11º de Libra na Casa X.
Onde está o Sol? Em 17º de Libra na Casa X. E Mercúrio? Em 8º de
Libra também na Casa X. E o Ascendente? Em 8º de Capricórnio.
Naturalmente, quando perguntarem a posição do Ascendente, não
falaremos em que casa ele está, porque o Ascendente é uma casa. E onde
começa a Casa VIII? Em 5º de Leão.

Então, os alunos terão duas coisas para memorizar durante esse mês:
primeiro, o alfabeto astrológico básico, isto é, os doze signos, e os sete
planetas. Depois de decorar o alfabeto, terão que olhar um mapa
354

qualquer e saber dizer quase espontaneamente as posições dos planetas e


das casas.

4. Primeiro determinante do temperamento: signo Ascendente, regente do


signo Ascendente e planetas em aspecto com o signo
Ascendente.

Agora, já que pegamos este mapa e sabemos qual é a profissão do


Lobão, ou pelo menos qual ela foi durante todos esses anos, daremos um
exemplo de como funciona a Astrologia Moderna e como funciona a
Astrologia Tradicional. O que diz a Astrologia Moderna sobre as pessoas
com Ascendente em Capricórnio, que é o caso do Lobão? Que elas são
sérias, disciplinadas e responsáveis. Esses são os clichês que todo mundo
já ouviu. Outro clichê da Astrologia Moderna é dizer que quem tem Sol,
Júpiter e Marte na Casa X nasceu para ser militar. Juntando com o
Ascendente em Capricórnio, portanto, nasceu para ser militar e para
viver na disciplina do quartel. Em suma, Astrologia Moderna não
funciona, e é ela o que leva as pessoas a crerem que Astrologia é pura
superstição.

E quanto a Astrologia Tradicional? Qual é a primeira coisa que devemos


fazer quando lemos um mapa na com esse método? A primeira coisa a se
fazer é calcular o temperamento, e para calcular o temperamento temos
de saber qual é o planeta mais forte do mapa. Como apenas esse cálculo
demora um tempo razoável para ser feito, iremos calculá-lo com os
alunos. Usaremos o texto cinco, chamado Temperamento
355

- Qualidades, e o texto seis, chamado Temperamento - Tabela. No


primeiro texto está a lista dos determinantes do temperamento, que são
cinco, sendo cada um deles mais ou menos complexo.

4.1. O signo Ascendente.

Dando início a esse trabalho, qual o signo Ascendente do Lobão?


Capricórnio. Então, na tabela dada no texto de número seis, na coluna
“símbolo”, na linha “Ascendente”, devemos anotar “Capricórnio”.
Agora, também podemos ver que existem mais quatro colunas nessa
tabela: a coluna do calor, da umidade, da frieza e da secura. Precisamos
descobrir, no texto de número cinco, chamado Temperamento -
Qualidades, quais são as qualidades de Capricórnio. De acordo com o
texto, o signo de Capricórnio se caracteriza pela secura e pela frieza.
Portanto, devemos marcar um “x” na coluna da frieza e outro “x” na
coluna secura. Cada uma dessas qualidades ganha apenas um ponto.
356

4.2. O planeta regente do signo Ascendente e sua posição oriental ou


ocidental.

Após isso, devemos saber qual planeta é o regente do Ascendente. Já


sabemos que o Ascendente é Capricórnio. Qual o planeta regente deste
signo? Saturno. Então, procurando as qualidades de Saturno, vemos que
1) se ele está oriental, suas qualidades serão a frieza e a secura, e 2) se
ele está ocidental, sua qualidade será apenas a secura.

Mas como descobrimos se Saturno ou qualquer outro planeta está


oriental ou ocidental? Temos de dividir o mapa em duas partes com uma
linha imaginária que vai do Sol até o ponto oposto a ele. Agora, os
planetas que estiverem antes do Sol, isto é, no caso desse mapa, no lado
direito da linha, são orientais. E os planetas que estiverem depois do Sol,
portanto no lado esquerdo dessa linha, são ocidentais. Por que isso é
assim? Pois os planetas que estão antes dessa linha imaginária traçada
por nós são os que, nesse dia, apareceram no horizonte antes do Sol
nascer.

Sabendo isso, quais planetas nesse mapa estão orientais e quais estão
ocidentais? A Lua, Júpiter, Marte e Mercúrio estão orientais. Já Vênus e
Saturno estão ocidentais. Mais uma vez: os planetas ocidentais o são
porque, nesse dia, irão se pôr depois do Sol.

Um ponto que deve ser muito enfatizado é: os alunos não devem pensar,
quando estamos falando da posição dos planetas, “à direita” ou “à
esquerda” não são posições fixas que significam “oriental” e “ocidental”
respectivamente. Nesse mapa os orientais estão à direita, mas se o Sol
357

estivesse na Casa IV, os orientais estariam à esquerda, pois surgiriam no


horizonte antes dele. Por isso, é melhor pensar em “antes do Sol” ou
“depois do Sol”. Aqueles que surgiram ou surgirão na linha do
Ascendente, que representa a posição onde os planetas surgem no
horizonte, antes do Sol são orientais. E aqueles que surgiram ou surgirão
na linha do Ascendente depois do Sol são ocidentais.

Nesse mapa, Saturno está ocidental ou oriental? Ele está ocidental. E


qual é sua qualidade como ocidental? A secura. Então, devemos anotar
mais um “x” na coluna da secura, na linha “Regente do Ascendente”.
Nossa tabela, por enquanto, deve estar assim:

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza S

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

4.3. Planetas que formam aspecto com o regente do Ascendente.

Vejamos quais planetas formam algum aspecto com o Ascendente. Pois


bem, Marte, Júpiter e Mercúrio estão em quadratura com o Ascendente.
Devemos notar que o Sol também está em quadratura com o Ascendente
porque tem um orbe maior. Pode ser que alguns programas não
calcularam esse aspecto do Sol, pois alguns deles não permitem
configurar os orbes para cada planeta. Então, listaremos todos os
planetas citados e mais a Lua, que está em trígono com o Ascendente.
Nesse mapa, esse aspecto também não foi calculado, mas como ela está
358

em 17º de Touro e o Ascendente está em 8º de Capricórnio, faltam


apenas uns 9º para que o trígono se forme, e por isso podemos dizer que
há algo desse aspecto entre ambos. Por último, listaremos também a
Cabeça do Dragão, ou Nodo Norte, que está em Escorpião e em sextil
com o Ascendente.
359

Bom, agora devemos pontuar todos esses planetas. Em primeiro lugar,


vejamos o Sol em quadratura com o Ascendente. Quais são as qualidades
do Sol? Depende da estação no Hemisfério Norte. Como o Sol está em
Libra, e este é um signo de outono, então consideramos que este planeta
é frio e seco.2 Então marcaremos na tabela, na linha do Sol, um “x” na
frieza e outro na secura.

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza S

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

Sol de outono x

Marte oriental

Mercúrio oriental
Planetas em
Júpiter oriental
aspecto com o
ASC Lua3

Nodo Norte

Uma coisa interessante de se dizer é que, na Astrologia Moderna, essas


considerações acerca da posição dos planetas não são feitas. A
Astrologia Moderna simplificou tudo. Porém, quando simplificou,
deixou de funcionar. Os astrólogos modernos dizem o Sol é quente e
seco, portanto ele é colérico, mas a coisa não é bem assim. O simbolismo
do Sol, considerado em si mesmo, é quente e seco, mas a sua qualidade
como determinante do temperamento depende da estação. Então, ao
360

contrário do que pensa o astrólogo moderno, as pessoas de Sol em Áries


têm uma tendência sanguínea e não colérica.

Como dissemos anteriormente, outro clichê da Astrologia Moderna é a


interpretação que dão para alguém que tem planetas na Casa X. Muitas
pessoas famosas, como no caso do Lobão, têm o Sol nessa casa. Mas, no
caso mesmo do Lobão, isso não se torna um clichê, porque além do Sol
ele possui mais outros três planetas nessa posição.

Continuando, quais as qualidades de Marte oriental? Ele é quente e seco.


E a qualidade Mercúrio oriental? É ser quente. E de Júpiter oriental? É
ser quente e úmido.

Passemos às qualidades do Nodo Norte. No texto de número cinco,


vemos que as suas qualidades são como as de Júpiter e Vênus. É preciso
notar que, como estamos misturando as qualidades de dois planetas,
devemos anotar sempre apenas um “x” na coluna correspondente das
qualidades que eles tiverem, independente destas se repetirem. Como
Vênus está ocidental, sua qualidade é a umidade, e como Júpiter está
oriental, sua qualidade é o calor e a umidade.

E as qualidades da Lua? Para dizer isso, os alunos devem identificar a


fase da Lua só olhando o mapa. Ela está minguante, que é a terceira fase
de quatro.
361

2
Nota do revisor: as estações dos signos foram mencionadas na aula um e também no texto de número cinco,
chamado
Temperamento – Qualidades.
3
Nota do revisor: logo a frente será explicado como definir a fase da Lua, e quais características atribuir a cada
uma delas.
362

5. Segundo determinante do temperamento: fase da Lua, seu dispositor e


planetas que formam aspecto com ela.

5.1. Como determinar a fase em que a Lua está.

Aqui nos deteremos um pouco para explicar como descobrir a fase da


Lua. Em primeiro lugar, devemos nos lembrar da linha imaginária
traçada do Sol até o seu ponto oposto. Agora, precisamos dividir essa
linha imaginária ao meio com uma linha perpendicular a ela. É preciso
notar que a linha do Sol vai de 17º de Libra a 17º de Áries. Quanto a essa
nova linha que traçamos, ela começa 90º adiante do ponto em que o Sol
está e deve ir de 17º de Câncer a 17º de Capricórnio. Desse modo,
formamos uma cruz a partir do Sol. Deste até o primeiro braço da cruz,
em 17º de Capricórnio, temos a Lua em sua primeira fase. Do primeiro
braço da cruz, em 17º de Capricórnio, até o segundo braço da cruz, em
17º de Áries e oposto ao Sol, a Lua estará em sua segunda fase. Do
segundo braço da cruz, em 17º de Áries, até o terceiro braço da cruz, em
17º de Câncer, a Lua estará em sua terceira fase. Desse terceiro braço,
em 17º de Câncer, até o Sol, a Lua estará em sua quarta e última fase.

Portanto, no caso do mapa do Lobão, como a Lua se encontra em 17º de


Touro, essa posição indica que ela está em sua terceira fase, isto é, que
ela está minguante. E em sua terceira fase, quais são as qualidades da
Lua? Ser fria e seca.

5.2. O dispositor da Lua - e dos planetas em geral.


363

O próximo ponto é descobrirmos qual o dispositor da Lua. O que é isso?


O dispositor da Lua é o regente do signo no qual ela está, e que, como
vimos, é Touro. Qual o planeta regente do signo de Touro? Vênus é,
portanto, o dispositor da Lua. Em Astrologia, quando se fala em
dispositor, esse termo indica qual o planeta regente do signo em que
outro planeta está. Exemplificando um pouco mais esse ponto, Saturno
está em 9º de Sagitário, e o regente deste signo é Júpiter, que passa a ser
dispositor daquele planeta. E o dispositor de Júpiter, que se encontra em
13º de Libra, é também Vênus.

Os alunos devem perceber que anotamos a Lua na linha “Planetas em


aspecto com o Ascendente” e as respectivas colunas. Depois disso,
anotamos, na linha “Fase da Lua”, as mesmas colunas que anotamos na
linha anterior. Isso significa que a Lua está determinando esse
temperamento duplamente, e que devemos anotar suas características
tanto na linha “Planetas em aspecto com o Ascendente” quanto na linha
“Fase da Lua”.

Voltando ao dispositor da Lua, ele é Vênus, que está ocidental. Quais as


qualidades deste planeta quando está ocidental? Ser úmido.

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza Se

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

Sol de outono x
364

Marte oriental x

Planetas em Mercúrio oriental x


aspecto com o
ASC Júpiter oriental x x
365

Lua minguante – 3ª x
fase

Nodo Norte x x

Fase da Lua 3ª fase x

Dispositor da Lua Vênus ocidental x

5.3. Planetas que formam aspecto com a Lua.

Passemos aos planetas que formam algum aspecto com a Lua. Aspectos
são só conjunção, sextil, quadratura, trígono e oposição. Olhando o mapa
vemos que a única coisa em aspecto com esse planeta é a Cauda do
Dragão, ou Nodo Sul, que não é um planeta. Ele é o ponto de intersecção
entre o zodíaco e a órbita da Lua. A Cabeça e a Cauda do Dragão são os
pontos do zodíaco onde podem acontecer os eclipses. Pois bem, a Cauda
do Dragão está formando uma conjunção com a Lua, apesar de estar a
uns 7º de distância dela. Porém, como ela e o Sol têm um orbe muito
grande, iremos considerar isso como uma conjunção.

Qual é a qualidade da Cauda do Dragão? O que diz o nosso texto? Que


ela deve ser igual a Saturno e Marte. Portanto, as qualidades do Nodo
Sul são como uma mistura das qualidades de Saturno e Marte. Temos de
ver nesse mapa quais são as qualidades de desses dois planetas e
combiná-las. Como Saturno está ocidental, então ele é só seco, e como
Marte está oriental, ele é quente e seco. Logo, anotaremos um ponto no
calor e mais um ponto na secura. Deve-se notar que, se Saturno também
estivesse oriental, ele seria frio e seco. E, nesse caso, Saturno somado a
Marte resultaria apenas secura, porque o calor e a frieza se cancelam.
366

6. Terceiro determinante do temperamento: a estação do Sol.

Prosseguindo, vejamos a estação do Sol, que é outono. Nesta estação,


esse planeta é frio e seco, como já dito. Portanto, anotaremos um ponto
na frieza e um ponto na secura.

7. Quarto determinante do temperamento: o planeta mais forte do


mapa.

O próximo passo é descobrir qual o planeta mais forte no mapa. Nesse


caso, há dois ou três candidatos. Mas para facilitar a vida dos alunos, já
diremos que é Júpiter oriental, ainda que ele esteja combusto 4 e em
conjunção com Marte, duas coisas que são evidentemente debilidades.
Porém, mesmo assim, os dois planetas mais fortes em dignidades
essenciais nesse mapa são, de longe, Júpiter e a Lua.

Notem que Júpiter está em sextil e mútua recepção com Vênus. O que é
uma mútua recepção? Vênus é o planeta regente de Libra, signo em que
Júpiter está; e Júpiter é o planeta regente de Sagitário, signo em que
Vênus está. Essa é mais uma regra de Astrologia Tradicional: planetas
em mútua recepção maior formando um aspecto benéfico – trígono ou
sextil -- são o mesmo que um planeta que esteja ele mesmo domiciliado
em seu signo. Devemos imaginar que Júpiter é um rei que está no
palácio de Vênus, e Vênus é uma rainha que está no palácio de Júpiter.
Os dois se deram procurações para fazerem o que quiserem no palácio
um do outro. Então, é como se eles estivessem em seus próprios
palácios.
367

Dito isso, façamos as anotações dessas qualidades:

4
Nota do revisor: se diz que um planeta está combusto quando ele está muito próximo do Sol.
368

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza Se

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

Sol de outono x

Marte oriental x

Mercúrio oriental x

Planetas em Júpiter oriental x x


aspecto com o
ASC Lua minguante – 3ª x
fase

Nodo Norte

Fase da Lua 3ª fase x

Dispositor da Lua Vênus ocidental x

Planetas em Nodo Sul x


Aspecto com a
Lua
Estação do Sol (HN) Outono x

Planeta mais Forte Júpiter oriental x x

Também podemos ver que outro planeta com dignidade essencial forte
nesse mapa é a Lua, que está exaltada. Mas entre um planeta na Casa X e
um planeta na Casa V, ambos com dignidade essencial, aquele que
estiver na Casa X prevalece em noventa por cento dos casos. Outra nota
é que a Lua também está disposta por Vênus.
369

Se olharmos a Tabela de Dignidades Essenciais e Acidentais,5 no trecho


sobre a exaltação, aparece sempre um grau exato. Isso significa que só
está exaltado o planeta que estiver próximo daquele grau ou não? Não,
significa que se o planeta estiver naquele grau, ele terá umas vantagens
especiais. No signo inteiro ele está exaltado, mas, se ele estiver no grau
certo, terá alguns benefícios. Mas isso é só para depois, então não
devemos nos preocupar com isso agora.

Então, como dissemos, Júpiter é o planeta mais forte do mapa. Também


já fizemos as anotações de suas qualidades de acordo com a sua posição
em relação ao Sol.

5
Nota do revisor: disponibilizada no arquivo da aula oito.
370

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza Se

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

Sol de outono x

Marte oriental x

Mercúrio oriental x

Planetas em Júpiter oriental x x


aspecto com o
ASC Lua minguante – 3ª x
fase

Nodo Norte x x

Fase da Lua 3ª fase x

Dispositor da Lua Vênus ocidental x

Planetas em Nodo Sul x


Aspecto com a
Lua
Estação do Sol (HN) Outono x

Planeta mais Forte Júpiter oriental x x

Total - 6 4 5

Considerações

Temperamento
371

8. Outros determinantes do temperamento: estrelas fixas; natureza e


condição do regente do Ascendente e do seu dispositor; mentalidade; planetas
que se destacam por razões excepcionais.

Vejamos a que resultado chegamos até agora: temos quatro pontos de


umidade e oito pontos de secura. Portanto, quanto ao par umidade-
secura, estamos completamente desempatados em favor da secura.
Então, já sabemos que ele é predominantemente seco. Temos ainda seis
pontos de calor e cinco de frieza. Quanto ao par calor-frieza, estamos
quase empatados. Assim, como resultado, podemos dizer que esse é um
temperamento colérico-melancólico. O lado colérico vem primeiro e o
lado melancólico depois.

Mas devemos ter calma agora, pois o cálculo ainda não terminou. Notem
que na tabela está escrito “total” e, embaixo disso, temos
“considerações” e “temperamento”. Se olharmos no texto
Temperamento - Qualidades, o item número cinco dos determinantes do
temperamento são as “considerações”:

5. Considerações: estrelas fixas; natureza e condição do regente do


Ascendente e do seu dispositor; mentalidade; planetas que se destacam por
razões excepcionais.
372

8.1. As estrelas fixas.

Prosseguiremos então item por item. Em primeiro lugar, temos as


estrelas fixas: não há nenhuma de muita importância nesse mapa.

8.2. Natureza e condição do regente do Ascendente e do seu


dispositor.

O próximo item é a “natureza e condição do regente do Ascendente e do


seu dispositor”. O que é a natureza do regente? Se olharmos a lista dos
planetas no texto Simbolismo na Astrologia, veremos que as qualidades
naturais de Saturno são as frieza e a secura. Saturno isoladamente, na sua
natureza intrínseca, é excessivamente frio e muito seco. É um planeta
extremamente melancólico. E o seu dispositor? Se olharmos nesse
mesmo texto, Júpiter é muito quente e um pouco úmido.

Olhando esses dois planetas no mapa, notamos que Saturno, o regente do


Ascendente e um planeta melancólico, está preso na Casa XII. Essa é a
pior casa. Júpiter, o dispositor de Saturno, está na Casa X, que é uma das
melhores casas. Isso leva à seguinte conclusão: devemos diminuir um
pouco o “melancólico” proveniente de Saturno e aumentar um pouco o
“sanguíneo” proveniente de Júpiter. Mas não ponham nenhum ponto.
Assim, na linha das considerações, devemos colar um “+” em calor e
outro “+” em umidade.

8.3. Mentalidade e seu cálculo.


373

A próxima consideração é sobre a mentalidade, e, portanto, faremos o


seu cálculo, que é bem mais fácil que o cálculo do temperamento. Temos
de descobrir, em primeiro lugar: qual é o planeta mais forte na posição
em que está a Lua. Qual seria esse planeta? É Vênus. Devemos ter
bastante cuidado aqui, pois nem sempre esse planeta será o regente do
signo em que a Lua está. Nesse caso, Vênus é o regente do domicílio do
signo, e também o regente da triplicidade em que a Lua está. Por isso
Vênus está excepcionalmente forte na posição da Lua.

Em seguida: qual é o planeta mais forte na posição de Mercúrio? Vênus


também. Então, já sabemos que este é o planeta determinante da
mentalidade. Assim, anotaremos mais um “+” em calor e um outro “+”
em umidade.

8.4. Planetas que se destacam por razões excepcionais.

Chegamos à última consideração: planetas que se destacam por razões


excepcionais. Nesse caso, Júpiter e Vênus se destacam por razões
excepcionais. Ambos estão em casas boas; estão em bom aspecto, isto é,
em recepção mútua; e são os dispositores finais de todos os outros
planetas. Notem que todos os outros planetas estão sob o comando deles;
estão todos num signo de Júpiter ou de Vênus. Por ambos serem os
dispositores finais, e estarem em casas boas, em posições boas e
relativamente fortes, anotaremos mais dois “+” no calor e mais dois “+”
na umidade. Isso porque as qualidades de Júpiter e de Vênus são as
mesmas.
374

Mas as qualidades naturais de Vênus não se alteram se ela for oriental ou


ocidental? Esse é realmente um ponto que pode gerar dúvidas, mas a
resposta para isso é não. A “qualidade natural” refere-se ao planeta em si
mesmo, já a qualidade por orientalidade ou ocidentalidade é algo
dependente da posição em que ele está. Nessas considerações finais,
consideramos apenas a natureza intrínseca dos planetas,
independentemente deles estarem orientais ou ocidentais.

Devemos entender o seguinte: os planetas estarem orientais ou


ocidentais, as fases da Lua, a estação do Sol, são indicadores do papel
que esses planetas estão representando no mapa. Assim representamos
um papel social, por exemplo, de professor, de marido etc. Mas, no
fundo, por trás desses papéis,
375

continuamos sendo a mesma pessoa. Essas “considerações” que agora


estamos analisando são a pessoa que está no pano de fundo.

9. Finalizando o cálculo de temperamento.

Temos agora, ao fim deste cálculo, quatro “+” para calor e quatro “+”
para umidade. Sumiu um empate, mas apareceu outro. Agora calor e
frieza estão bem desempatados. Então, o resultado é “quente”. E entre
umidade e secura, não está tão desempatado assim. Se antes havia quatro
pontos para umidade, agora há seis. Outro ponto importantíssimo: quatro
“+” não significam quatro pontos. Cada “+” vale, no máximo, meio
ponto.

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza Se

Ascendente Capricórnio x

Regente do ASC Saturno ocidental

Sol de outono x

Marte oriental x

Mercúrio oriental x

Planetas em Júpiter oriental x x


aspecto com o
ASC Lua minguante – 3ª x
fase

Nodo Norte x x
376

Fase da Lua 3ª fase x

Dispositor da Lua Vênus ocidental x

Planetas em Nodo Sul x


Aspecto com a
Lua
Estação do Sol (HN) Outono x

Planeta mais Forte Júpiter oriental x x

Total - 6 4 5

Considerações - ++++ ++++

Temperamento - 8 6 5

Então ficamos com oito pontos para o calor, seis pontos para a umidade,
cinco pontos para a frieza, e oito pontos para a secura. Como temos um
diferença de três pontos entre o par calor-frieza, diremos que eles estão
razoavelmente desempatados. Já o par umidade-secura tem dois pontos
apenas de diferença, o que indica que eles estão mais empatados.
Portanto, podemos dizer que esse temperamento, em geral, é levemente
colérico, com um toque de sanguíneo. Por que levemente colérico? Pois
ainda não há tanta
377

diferença entre oito pontos de calor e cinco pontos de frieza. Há muito


desta última qualidade ainda presente.

Como podemos descrever esse temperamento? Ele é equilibrado, e,


quando precisa, puxa um lado colérico, que termina num lado sanguíneo.
O Lobão faz o pessoal calar a boca falando alto e depois fala o que quer.
E as conversas dele sempre terminam assim: “Que maravilhosa foi a
conversa! Obrigado por estar com você!” A base do seu temperamento
até que é bem equilibrada; não é profundamente desequilibrada. Um
temperamento desequilibrado seria, por exemplo, um sujeito sanguíneo
com uns oito pontos de umidade e apenas uns dois pontos de secura. O
Lobão, por natureza, tem um temperamento equilibrado, e quando
precisa puxa um pouco para o lado colérico. Seu temperamento não é
naturalmente, constantemente, fundamentalmente colérico.

10. Descrição das mentalidades venusina, jupterina-marcial e jupterina-


venusina.

Agora, daremos a descrição do Ptolomeu da mentalidade venusina:

“Vênus deixa a mentalidade benigna, bondosa, voluptuosa, abundante em


humor, alegre, apegada à dança, ciumenta, uma pessoa que se alegra e se
delicia nas artes, bem disposta, de sonhos felizes, afetiva, compassiva, que
tende a se reconciliar facilmente, tratável e inteiramente amigável”.

Apenas por curiosidade, daremos também outras descrições de


mentalidades. Começaremos pela jupterina-marcial, que é a de meu pai e
378

do Tales.6 Júpiter e Marte são os dois planetas mais bem colocados do


mapa dele:

“Junto com Marte, Júpiter faz dos homens durões, guerreiros, hábeis em
matérias militares, impetuosos, ousados, francos, rápidos na ação, amigos das
disputas e discussões, generosos, judiciosos e felizes”.

A minha mentalidade e a do Tales é jupterina-venusina:

“Júpiter com Vênus torna a mentalidade pura, alegre, que se apraz na


elegância, nas artes e nas ciências, na poesia e na música, valiosos na amizade,
sinceros, beneficentes, compassivos, religiosos, amigos dos exercícios e dos
esportes, prudentes, afetivos, graciosos, nobres, brilhantes, cândidos,
generosos, discretos, modestos, piedosos, justos”.

Essa é a melhor mentalidade que existe! Isso é universal na Astrologia.


Se o sujeito tem a mentalidade jupterina-venusina, e Júpiter e Vênus
estão relativamente bem colocados no mapa, essas são as melhores
pessoas que existem. Juntando isso com o temperamento sanguíneo, que
concorda naturalmente com Júpiter e Vênus, as pessoas são melhores
ainda.

11. Considerações gerais acerca do temperamento e da


mentalidade.

De maneira geral, o que podemos notar desse cálculo do temperamento e


da mentalidade? Em primeiro lugar, temos que saber que o pano de
fundo da pessoa é o temperamento e a mentalidade. O temperamento
mais num sentido de uma necessidade física, e a mentalidade mais num
379

sentido das inclinações naturais da pessoa. A mentalidade é como que o


estilo natural das opiniões e sentimentos da pessoa quando ela não tem
nenhum motivo para ter uma opinião diferente. Então, saibamos que o
sujeito pode ter Ascendente em Capricórnio e o Sol na Casa X, mas
ainda assim ser, em primeiro lugar, um venusino. Para ele, no fundo, o
que será mais importante é sempre a beleza, o prazer, as artes, coisas

6
Nota do revisor: caso o aluno ainda não saiba, o Gugu está se referindo ao professor Olavo de Carvalho.
380

harmoniosas, jóias, riquezas, comida. E o Ascendente, a Casa X etc. se


construirão em cima desse pano de fundo.

Ainda devemos pontuar que fizemos esse cálculo de temperamento, mas


ele às vezes dá errado. É possível, por exemplo, que o Lobão seja um
pouco mais colérico do que o indicado, ou que tenha algum lado
melancólico. Pode ser que o resultado não bata exatamente. A verdade é
que, pelos seus vídeos e entrevistas, temos a impressão dele ser um
sujeito equilibrado em termos de temperamento físico.

Mas o que é um temperamento astrológico exatamente? A pessoa, para


agir, para pensar, para imaginar, para decidir, para levantar da cama,
para trabalhar, tem de usar a energia do corpo. Essa energia, na
Cosmologia, Astrologia e Alquimia Tradicional ocidental, se chama
“energia vital”, “espírito vital”, “prana” (dos hindus), ou “chi” (dos
chineses).

Numa pessoa de temperamento equilibrado, esse espírito vital é gerado


de maneira mais ou menos indiferenciada. Assim, ela pode usar essa
energia para qualquer tipo de atividade e está tudo bem. Já uma pessoa
muito colérica, ao gerar energia para agir, sobra um pouco de calor e
secura. Ela levanta da cama, escova os dentes, lava o rosto, sai pra
trabalhar, e quando chega na metade do dia resta ali um pouco de calor e
secura. O que acontecerá com essa pessoa? Se ela não pegar esse
excedente e usá-lo numa atividade colérica -- quente e seca --, esse
excedente se manifestará em comportamento colérico. Ou se a pessoa
reprimir os comportamentos coléricos, isso resultará em doenças físicas
381

como pressão alta, problemas cardíacos, derrames, paradas cardíacas,


arritmias cardíacas, erupções na pele, febres etc. E se a pessoa for
predominantemente melancólica? Ela estará sujeita a doenças de
estômago como a gastrite, que também pode ocorrer, em alguns casos,
em um sujeito predominantemente sanguíneo.

Mas quanto a esse ponto da relação entre doenças e temperamentos,


pode ser que num dado mapa exista uma indicação específica de
problemas no estômago, e, então, independente do temperamento e da
mentalidade, a pessoa terá problemas nessa área. Esse problema pode
não ser causado por algo que o sujeito estaria fazendo errado, e sim
porque a causa da doença é um elemento naturalmente deficiente em seu
organismo. As doenças podem ter muitas origens diferentes.

Por isso, em primeiro plano, o temperamento não é um modo de se


comportar. Ele é, em primeiro lugar, uma necessidade física, que pode
gerar um modo de se comportar. Ou pode ser ainda que, em vez de gerar
um modo de se comportar, gera certos hábitos. Por exemplo: o sujeito de
temperamento colérico pode ser alguém que fica bravo fácil, que está
sempre pronto para partir para a ação. Nesse caso, ele pode gastar essa
energia aprendendo uma arte marcial, praticando um esporte competitivo
de contato, trabalhando com fogo etc.

Aluno: Para a pessoa de comportamento colérico, parece ser mais natural


brigar com as pessoas e entrar em conflito. Um colérico parece lidar com
esse tipo de situação com mais naturalidade do que os outros
temperamentos. No caso do Lobão, ele parece ser uma pessoa que entra
em conflitos e depois volta à vida normal dele como se nada tivesse
382

acontecido. Mas outras pessoas que não são coléricas parecem ficar
esgotadas nessas mesmas situações. Essa maneira de lidar com conflitos
está diretamente ligada ao temperamento ou à mentalidade?

Gugu: O Lobão tem uma mentalidade fortemente venusina. Isso significa


que, de maneira geral, mesmo quando entra em conflito, internamente
ele não se vê como um sujeito que está brigando com o outro. Deve-se
lembrar que ele é um sujeito que se reconcilia fácil. Ele enxergar as
situações de conflito sob uma ótica venusina. Ele não sente que está num
confronto ou num conflito. Para o sujeito venusino, tudo é mais ou
menos ou uma brincadeira, ou um passatempo, ou um esporte. Então, ele
não fica exaurido com isso.
383

Já o sujeito de mentalidade marcial é quente e seco. Quando se vê numa


situação de briga, ele parte para cima com todas suas forças e energias
visando destruir completamente a pessoa ou a coisa que é sua inimiga. É
natural que uma pessoa dessa saia de uma briga acabada.

O sujeito venusino pensa: “Isso é apenas um duelo, apenas uma queda de


braço.” Podemos ver que o Lobão realmente se comporta dessa maneira.
Ele vê como se aquilo fosse realmente um esporte. Não é que há
insinceridade da parte dele quanto a isso, apenas ele não sente a
violência. A parte dele que está comprometida com as situações de
conflito é mais leve, é mais venusina. Para ele, existe adversário, existe o
outro lado, existe o inimigo. Mas a situação não é uma violência de
verdade, é apenas um duelo. Os duelos foram inventados por gente de
mentalidade venusina. E, num duelo, alguém pode sair morto, mas é
tudo feito com muita elegância!

Já o sujeito marcial pensa: “Que duelo? Agora é hora de pegar pelo


pescoço!” Para ele, não há duelo. Há que se exterminar o inimigo! O que
há é guerra, pois duelo é frescura!

E como seria uma pessoa com uma mentalidade marcial e com um


temperamento fortemente sanguíneo? Uma pessoa assim puxa energia do
corpo para brigar, porém essa energia não gera um excedente colérico
que a ajuda a lutar. Essa energia não a coloca de prontidão para a ação.
Essa pessoa gera um excedente sanguíneo, então o sujeito começa a
brigar e começa a ficar na dúvida se é certo estar brigando, se é certo ir
tão longe. Ele até começa bem a briga, porque a mentalidade é marcial.
384

A primeira porrada ele dá bem, e a segunda porrada também. Mas


quando a briga começa a se estender, ele começa a pensar demais,
começa a virar sanguíneo: “Será que não tinha outro jeito de resolver
isso? O que estou fazendo aqui? Como me meti nessa?”

Já o Lobão, com sua mentalidade é venusina, pensa assim: “Estamos só


duelando, só jogando aqui. É só um jogo de capoeira. Isso é só no dojo”.
E quando está fazendo esforço, por ter um temperamento levemente
colérico, ele está gerando fogo, o que lhe dá capacidade de reagir de
maneira pronta e imediata. Isso dá a impressão ao seu adversário de que
o Lobão está golpeando violentamente, partindo para a violência e
ficando bravo. Mas, internamente, ele não está ficando bravo.

E às vezes as pessoas perguntam se isso pode ser aprendido. E a resposta


é não, isso não pode ser aprendido. O que se deve aprender é qual o
conjunto de atividades que é favorável para combinar o temperamento e
a mentalidade da pessoa. Se o temperamento e a mentalidade são muito
diferentes, o sujeito vai querer agir de um jeito, porque essa é a
mentalidade dele. E na medida mesma em que ele agir daquele jeito, o
seu corpo começará a pedir para ele agir de outro modo. Por exemplo,
um sujeito muito sanguíneo e com mentalidade marcial, acha que o legal
da vida é brigar, bater e vencer. Mas o que ele deve fazer? Como ele é
sanguíneo, tem de pensar três meses para decidir se brigará ou não.
Depois de pensar três meses, se ele decide brigar, se dará melhor. Outra
coisa: se um sujeito de mentalidade marcial e temperamento sanguíneo
ficar bravo, ele deve dar uma volta, caminhar – e não correr, porque esta
é uma atividade marcial --, em suma, deve gastar sua energia sanguínea.
385

12. Mais considerações sobre os determinantes da mentalidade.

Devemos fazendo mais algumas considerações sobre os determinantes


da mentalidade. Já sabemos que, para calculá-la, vemos o dispositor da
Lua e o dispositor de Mercúrio. Esses são os principais determinantes da
mentalidade. No entanto, por exemplo, os planetas que estão em
conjunção com Mercúrio e a Lua também influenciam um pouco no
cálculo. E os planetas em conjunção com o Ascendente, também podem
modificar um pouco a mentalidade. Por isso, podemos ver nesse mapa
que a conjunção tão próxima de Mercúrio e Marte dá uma pitada marcial
à mentalidade, dá um gostinho pela briga.
386

13. Mais considerações gerais acerca do temperamento e da


mentalidade.

No caso de alguém ter temperamento sangüineo e mentalidade venusina,


no quesito briga, como essa pessoa se comportaria? De uma maneira
geral, suponhamos que Vênus está bem colocada. As mentalidades têm
um lado positivo e um negativo, todas elas. Então, por exemplo, quanto à
mentalidade venusina, falamos apenas sobre seu lado positivo. Por quê?
Porque Vênus está bem colocada. Então esse é o lado que predominará
espontaneamente. Mas ela também tem um lado negativo. Então, temos
de olhar, na mentalidade, os seus regentes. No caso do Lobão, Vênus
está bem colocada ou mal colocada? Se estiver mal colocada, está um
pouco mais forte o lado maligno da mentalidade, e isso aparecerá muito
nas brigas da pessoa.

Qual seria esse lado negativo de Vênus? Uma mentalidade venusina


negativa torna as pessoas covardes, mulherengas, luxuriosas. Essas são
pessoas que abusam de suas reputações e são extremamente ciumentas.
Essas são os sujeitos venusinos no seu pior.

Voltando ao sanguíneo-venusino, primeiramente é certo que ele evitará


brigar a qualquer custo. E, se Vênus estiver bem colocada em seu mapa,
essa atitude não é reflexo de uma covardia. Ela é um sentimento
fundamental de que, em geral, dá para resolver as coisas no acordo. Uma
pessoa assim tem um gosto natural pela harmonia. Esse não será um
sujeito briguento. A tendência dele, naturalmente, sendo Vênus bem
colocada, certamente será encarar todos os conflitos da sua vida dele
como conflitos formais do tipo duelístico, ou do tipo adversário-debate.
387

Ele dificilmente ficará com raiva do sujeito com quem brigou. Quando
odiar, falará: "Odeio a causa que você defende, a sua posição, o que você
fez. Mas não te odeio.”

Nas próximas aulas podemos calcular o temperamento e a mentalidade


de alguma pessoa, e, após isso, podemos tentar dar a descrição detalhada
de alguns temperamentos e mentalidades mais gerais. Não
conseguiremos fazer uma descrição exaustiva de tudo, porque só de
mentalidades temos cento e vinte combinações diferentes. E se
combinarmos isso com os cinco temperamentos mais básicos -- isto é, o
temperamento equilibrado, o colérico, o sangüíneo, o melancólico e o
fleumático --, teremos aí uns seiscentos tipos fundamentais. Portanto,
tentaremos fazer uma descrição dos vinte tios fundamentais simples. Por
exemplo: o colérico-mercurino, o colérico-venusino, o colérico-marcial,
o colérico- jupiterino, o colérico-saturnino; o sangüíneo-mercurino, o
sanguíneo-venusino, o sanguíneo-marcial etc. Tentaremos fazer a
descrição dos cinco tipos de temperamento combinados com os cinco
tipos de mentalidades fundamentais.

Voltando à análise do sujeito colérico-venusino, em uma sua conversa


típica, ele sempre quer encontrar a outra pessoa no meio do caminho. Ele
sempre procura ver qual é a opinião do outro, qual a sua posição. A
partir disso, ele tenta estabelecer uma posição conciliatória. Se o outro
permanece fechado e não vai até o meio do caminho como ele, então,
por ter um temperamento colérico, ele começa a ficar bravo. O colérico-
venusino é o sujeito que numa negociação falaria assim: “Te ofereço
R$100,00 por isso que você tem.” Ao que o outro responderia: “Não,
meu preço é R$200,00.” Ele: “Está bem. Então te ofereço R$150,00.” E
388

o outro insiste: “Não, meu preço é R$200,00 e não vou muda-lo.” A


partir desse ponto o colérico-venusino ficaria bravo com a outra pessoa.

14. Considerações sobre Saturno e outros planetas na Casa XII, e sobre a


mútua recepção.

Aluno: Quando estávamos analisando o mapa do Lobão, vimos que ele


tem Saturno na Casa XII. Sabemos que essa é uma casa fraca, e
sabemos também que Saturno é um planeta com uma força negativa
muito grande. Como podemos interpretar isso?

Gugu: Na verdade, se é para ter algum planeta na Casa XII, que seja
Saturno, porque, afinal, a Casa XII é a casa do gozo de Saturno. Esta é a
casa do isolamento. Ela significa asilos, hospícios, mosteiros. Ora,
Saturno é o planeta da solidão, do recolhimento, do silêncio. Então ele
não está tão mal colocado num
389

ambiente em que se tem de ficar sozinho em silêncio refletindo. O Lobão


fala muito disso em sua autobiografia e em suas entrevistas. Ele chegou
a ser preso também, e já disse que gosta de ficar sozinho. E, geralmente,
esses períodos de isolamento podem ser sentidos como coisas muito
difíceis. Porém, eles tendem a levar a pessoa que tem Saturno na Casa
XII a reflexões de longo prazo, a reflexões sobre seu passado longínquo,
a reflexões sobre sua vida como um todo. Por isso, o sujeito terá uma
boa lembrança dos tempos de solidão e do que ele aprendeu nesses
períodos.

E existe alguma configuração que torna extremamente difícil o


isolamento da pessoa? Se o sujeito não tiver nenhum planeta na Casa XII
e o regente dessa casa for um planeta maléfico mal posicionado. Por
exemplo, se a Casa XII for regida por Saturno e este planeta estiver em
Escorpião na Casa VIII, será uma desgraça! Se essa pessoa for presa,
será torturada, sairá aleijada e louca.

No caso de nossa aluna Fulana, a Casa XII dela é regida por Vênus, e ela
tem Vênus em Áries. Porém, devemos lembrar que um benéfico mal
colocado traz menos benefícios do que ele gostaria. Ele é uma pessoa
boa, mas pobre. Um maléfico mal colocado é uma pessoa ruim com
poder.

No caso do Fulano, ele tem como regente da Casa XII o planeta Marte,
que está em Touro. Mas Marte está em trígono com Vênus, que está em
Capricórnio. Então, é como se ele tivesse Marte em Capricórnio, que é a
exaltação desse planeta. Supondo que Fulano não tivesse Vênus bem
390

colocada em seu mapa, e apenas Marte estivesse em Touro, imagine que


tivesse só Marte em Touro, a sua Casa XII estaria enrolada. A Astrologia
é muito sutil. Fulano achava que seu Marte era mal colocado, mas ele
nunca teve problemas de Casa XII. E isso porque ambos estão em
trígono, Marte está no signo de domicílio de Vênus, e Vênus está no
signo de exaltação de Marte. Essa é a mesma situação do mapa do
Lobão: seu Vênus e seu Júpiter estão em mútua recepção e formando um
bom aspecto.

15. O que fazer quando um planeta está a menos de 5º de uma casa.

Um ponto interessante de se mencionar nessa aula é: como interpretar


um planeta que está em uma casa, mas também está a 5º da próxima?
Bem, a menos de 5º de uma casa, o planeta está em conjunção com ela.
A exatamente 5º, ficamos na dúvida, e teremos de conversar com a
pessoa para determinar essa posição.

Por exemplo: meu Saturno está a 5º e meio da Casa X. Mas eu tenho


Saturno na Casa IX, e sei que essa e a casa em que ele está. Todo bom
astrólogo, se conversar comigo, saberá que tenho Saturno nessa casa.
Porém, há pessoas que têm Saturno a 5º 5’ da Casa X e é nítido que, na
verdade, o planeta está nessa casa, e não na Casa IX. Isso não tem a ver
com a velocidade dos planetas. Ninguém de fato saber por que é assim.
Talvez seja uma indeterminação do real, talvez as casas não tenham um
limite preciso realmente. Minha esposa, se não me engano, tem Marte a
menos de 5º da cúspide da Casa IX. Porém, sei que ela tem Marte na
Casa VIII.
391

Pode ser que isso dificulte na hora de fazer o mapa de uma pessoa que
não conhecemos. Em situações assim, devemos faz saber quais são as
perguntas fundamentais a serem feitas para matar a charada. Mas, às
vezes, fazer perguntas também não adianta. Há casos em que se deve
olhar o mapa para ver se adianta fazer à pessoa perguntas sobre ela
mesma, pois pode ser que ela não consiga ou não queira responder. Por
exemplo, um melancólico não iria querer falar, e um fleumático não
conseguiria falar. Já um sanguíneo falaria demais e ainda perguntaria por
que motivo estávamos perguntando isso para ele.

Por isso, em casos assim, temos de observar o comportamento da pessoa.


No caso de alguém que tenha Marte na Casa IX, essa pessoa fica brava
quando fazem piada com a cara dela. Já outro sujeito com Marte na Casa
VIII não fica. Quem tem Marte na Casa VIII fica bravo com mudança de
planos na última hora. É assim: você quer deixar a pessoa brava é falar
para ela 10 minutos antes.
392

16. Considerações sobre a Casa VIII.

Outra pergunta que sempre surge quando falamos isso é: qual é a relação
da Casa VIII com essa coisa da última hora? Bem, a Casa VIII é aquilo
que se apresenta para nós como uma mudança inevitável. Quando
alguém convida uma pessoa para sair de última hora, aquela impôs uma
escolha para esta, que terá de escolher entre sair ou não. Colocou-se um
limite para quem foi convidado, e tirou-se um horizonte de escolha que
antes ele tinha. Antes, essa pessoa não estava nem obrigada a escolher
algo, e agora ela tem um horizonte de escolha muito limitado.

Essa casa também tem uma ligação direta com a morte, pois, após a
morte, não há escolha alguma. A morte é o limite último das escolhas, o
limite último da liberdade. Até a morte temos alguma liberdade de
escolha, após ela não mais.

A pessoa que tem Marte na Casa VIII sente essas situações de escolhas
súbitas como pequenas tragédias. Ela sente como que fora imposto um
destino inevitável sobre sua vida. Por exemplo, se alguém disser que ela
precisa ir à padaria nesse exato momento pois esta fechará em dez
minutos, ela dirá: “Caramba! Por que você não me lembrou uma hora
atrás?!” É realmente um drama.

Enfim, façam a experiência de calcular a mentalidade e o temperamento


de alguns mapas e pessoas conhecidas. Ao mesmo tempo iremos nos
familiarizando com os símbolos e com um pouco dessa técnica. Por hoje
é só. Até a próxima aula.
393

www.icls.com.br
394

Cosmologia e Astrologia
Medieval – Aula 11
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo professor.


395

Transcrição: Carlos A. G. Nascimento, Luan C. Viana, Lucas A. Oliveira, Rafael


Vanni, Ronaldo Bertoni Revisão: Danilo Roberto Fernandes
396

Índice

1. Primeiro
exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: São
Thomas More. 3

2. Segundo exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: Santa


Teresa D’Ávila. 8

3. Sobre asdiferenças entre mentalidades regidas por planetas benéficos e


maléficos 11
4. O papel do Sol e da Lua na determinação da mentalidade. 12

5. Terceiro exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: Hitler


12

6. Abase fundamental da personalidade humana: o temperamento e a


mentalidade. 16
7. Temperamento e espírito vital. 17

8. Mentalidade e disposições naturais da alma como o intelecto e a


sindérese. 17

9. Considerações finais sobre a Lua e o Sol como determinantes da


mentalidade. 19

10. O problema da aplicação simultânea de diferentes técnicas


astrológicas. 19
397

1. Primeiro exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: São


Thomas More.

Gugu: Na aula passada, vimos o mapa do Lobão, um sujeito que eu não


conhecia e não tinha a menor idéia de como era. Fiquei na dúvida,
porque olhei o mapa e disse: “O cara é totalmente venusino!” Então,
comecei a descrever sua mentalidade, e os alunos não reconheceram os
traços como sendo dele. Decidi então assistir à entrevista que ele deu no
programa Roda Viva e cheguei à seguinte conclusão: o sujeito é
evidentemente venusino! Os alunos devem assistir àquela entrevista
com as notas dos traços da mentalidade venusina, e ver se não são de
fato esses traços e sentimentos subjacentes nele.

Por isso decidi me vingar, e aprontarei com os alunos. Mandei para o


Tales dois mapas, porém sem dar os nomes das duas pessoas.
Calcularemos hoje a mentalidade e o temperamento de ambos e só no
final direi quem são.1
398

Começaremos falando do Ascendente, do regente do Ascendente e dos


planetas em aspecto com o Ascendente. Pois bem, o Ascendente está
em Sagitário. E quais são as qualidades de Sagitário? Este é um signo
de fogo, portanto suas qualidades são o calor e a secura. E qual o
planeta regente de Sagitário? Júpiter, que está na posição ocidental, o
que significa que ele nascerá depois do Sol. 2 Quais são as qualidades
desse planeta nessa posição? É a umidade. Quais planetas estão em
aspecto com o Ascendente? A Lua e Vênus, ambos os planetas em
trígono com o Ascendente. Vênus está ocidental, portanto é úmido. E a
Lua está em sua primeira fase, portanto é quente e úmida.

Façamos as anotações dessas qualidades:

1
Nota do revisor: em aula, como dito pelo professor, o mapa foi descrito sem ser dado o nome, a data, a
hora e o local de nascimento de São Thomas More. Porém, para facilitar a vida dos alunos e a minha, já
coloquei o mapa dele para que melhor se acompanhe este exercício de cálculo.
2
Nota do revisor: na aula passada, o professor explicou como saber se um planeta está ocidental ou oriental.
Em suma, deve-se traçar uma linha reta que vai desde a posição em que o Sol está até o grau e signo
opostos a ele. Os planetas que estiverem nos
primeiros 180º dessa linha reta em sentido horário estarão orientais, pois nascerão/nasceram antes do Sol.
Os planetas que estiverem posicionados após esse primeiro trecho estarão ocidentais, pois
nascerão/nasceram depois do Sol.
399

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Sagitário x

Regente do ASC Júpiter ocidental x

Lua 1ª fase x x
Planetas em
Aspecto com o Vênus ocidental x
ASC

Devemos explicar mais uma vez como identificamos a fase em que a


Lua está. Temos que dividir mapa em quatro quadrantes, definidos a
partir da posição em que o Sol está. O primeiro deles vai do ponto que o
Sol está até a sua primeira quadratura no sentido anti-horário. No caso
do mapa ora analisado, o Sol se encontra em 27º de Aquário. Portanto,
desta posição até 26º 59’ 59” de Touro temos o primeiro quadrante.
Então, como a Lua se encontra em 14º de Áries, isso significa que ela
está em sua primeira fase. O segundo quadrante desse mapa vai de 27º
de Touro até 26º 59’ 59” de Leão e, se a Lua aqui estiver, estará em sua
segunda fase. O terceiro quadrante vai de 27º de Leão até 26º 59’ 59” de
Escorpião, e, neste quadrante, a Lua estará em sua terceira fase. E o
quarto e último quadrante vai de 27º de Escorpião até 26º 59’ 59” de
Aquário, e aqui a Lua estará em sua quarta fase.

Como dito, a Lua está em sua primeira fase -- entre a Lua Nova e a
Meia-Lua crescente --, e, portanto ela é quente e úmida. Por isso,
anotaremos duas vezes essa suas qualidades, tanto na coluna de
“Planetas em aspecto com o Ascendente”, quanto na coluna de “Fase da
Lua”.
400

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Sagitário x

Regente do ASC Júpiter ocidental x

Lua 1ª fase x x
Planetas em
Aspecto com o Vênus ocidental x
ASC
Fase da Lua 1ª fase x x

O passo seguinte é descobrir qual o dispositor da Lua, que é Marte. Este


planeta está oriental, portanto suas qualidades são o calor e a secura.

Agora, devemos ver quais os planetas formam aspecto com a Lua.


Comecemos pelos que estão mais próximos a ela: Vênus e Júpiter
ocidentais em conjunção. Ambos os planetas têm como qualidade a
umidade. Temos também Mercúrio oriental e o Sol, ambos em sextil.
Mercúrio oriental é quente, e o Sol está num signo de inverno, portanto
é frio e úmido. Por fim, temos a Cauda do Dragão. Devemos notar que
tanto a Cauda do Dragão quanto a Cabeça do Dragão estão sempre em
pontos opostos do zodíaco. Logo, se a Lua está formando um sextil com
aquela, está formando simultaneamente e necessariamente um trígono
com esta. Como o sextil e o trígono são aspectos positivos, devemos
considerar o aspecto com a Cabeça do Dragão e não com a Cauda. Mas
se a Lua estivesse em quadratura, que é um aspecto negativo, ela estaria
simultaneamente em quadratura com a Cauda e com a Cabeça do
dragão, e então levaríamos em conta o aspecto com a Cauda, que é
negativa. A qualidade do aspecto define qual lado do dragão contamos.
Se fosse uma conjunção, olharíamos qual lado do dragão formaria a
401

conjunção. Este não é um aspecto bom nem mal, nem positivo nem
negativo.
402

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Sagitário x

Regente do ASC Júpiter ocidental x

Lua 1ª fase x x
Planetas em
Aspecto com o Vênus ocidental x
ASC
Fase da Lua 1ª fase x x

Dispositor da Lua Marte oriental x

Vênus ocidental x
(conjunção)

Júpiter x
ocidental
(conjunção)
Planetas em Mercúrio x
aspecto com a oriental
Lua (sextil)
Sol de inverno x x
(sextil)

Cabeça do Dragão ou x
Nodo Norte (trígono)

Vejamos agora o planeta mais forte do mapa. Para isso, devemos ver a
Tabela de Dignidades Essenciais e Acidentais. Nesse caso, Júpiter
ocidenal em Áries é o candidato favorito. Ele está em trígono com o
Ascendente, é o regente do Ascendente e está na sua triplicidade.
403

Então, quanto pontos temos de calor até agora? Cinco: um ponto de


calor porque o Ascendente é Sagitário; um ponto de calor porque a Lua
forma aspecto com o Ascendente; um ponto de calor porque a Lua está
sanguínea, isto é, está em sua primeira fase; um ponto de calor para
Marte oriental, que é o dispositor da Lua; e um ponto de calor para
Mercúrio oriental formando aspecto com a Lua.

Quantos pontos temos de umidade? Dez: um ponto de umidade por


Júpiter ocidental, que é o regente do Ascendente; um ponto de umidade
pela Lua em sua primeira fase que faz aspecto com o Ascendente; um
ponto de umidade por Vênus ocidental, que faz aspecto com o
Ascendente; mais um ponto de umidade pela Lua, agora por ela mesma;
um ponto de umidade por Vênus ocidental, que está em conjunção com
a Lua; um ponto de umidade por Júpiter ocidental, que está em
conjunção com a Lua; um ponto de umidade pelo Sol, que forma
aspecto com a Lua; mais um ponto de umidade pela Cabeça do Dragão
ou Nodo Norte; mais um ponto de umidade pelo Sol mesmo, que está
num signo de inverno; e, por fim, mais um ponto de umidade por
Júpiter ocidental ser o planeta mais forte do mapa.
404

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Sagitário x

Regente do ASC Júpiter ocidental x

Lua 1ª fase x x
Planetas em
Aspecto com o Vênus ocidental x
ASC
Fase da Lua 1ª fase x x

Dispositor da Lua Marte oriental x

Vênus ocidental x
(conjunção)

Júpiter x
ocidental
(conjunção)
Planetas em Mercúrio x
aspecto com a oriental
Lua (sextil)
Sol de inverno x x
(sextil)

Cabeça do Dragão ou x
Nodo Norte (trígono)

Estação do Sol Inverno x x


(Hemisfério Norte)

Planeta mais forte Júpiter ocidental x

Total - 5 10 2
405

Devemos fazer uma observação: contamos o Sol duas vezes, tanto


porque ele está em aspecto com a Lua, quanto por ele ser um fator
determinante no temperamento.

Temos então dez pontos de umidade. Se tivéssemos sete pontos em


secura, talvez um ponto a mais fizesse diferença. Porém, como ela tem
apenas dois, podemos dizer com segurança que este é um temperamento
completamente úmido. Por fim, quanto à frieza temos dois pontos.

Até agora, vimos que este é um temperamento claramente sanguíneo,


com uma leve tendência para o fleumático. Este é um mapa fortemente
úmido. Nele, temos um bom predomínio do calor sobre a frieza. Assim,
o temperamento, de um modo geral, será sanguíneo. Porém, isso não
exclui um pouco das características de um temperamento fleumático,
porque temos cinco pontos de calor em comparação com dois pontos de
frieza. Por isso, de vez em quando, esse sujeito será fleumático.

Porém, ainda devemos calcular a mentalidade. Aqui são três os pontos


fundamentais. 1) Há algum planeta em conjunção exata com o
Ascendente? Não, não há nenhum planeta nascendo naquele momento.
Esse planeta poderia ajudar a determinar a mentalidade geral. Os outros
dois pontos que devemos levar em consideração são: 2) o planeta mais
forte na posição da Lua e 3) o planeta mais forte na posição de
Mercúrio. A Lua está em 14° de Áries. Que planeta está mais forte em
14° de Áries? Marte. Já Mercúrio está em 19 de Aquário. Que planeta
está mais forte nessa posição? Saturno.
406

Uma nota muito importante aqui é que, para determinar a mentalidade,


não devemos apenas olhar qual o regente dos signos em que a Lua e
Mercúrio estão. Poderíamos ter uma parte em Áries ou Aquário em que
tivéssemos um planeta exaltado e no seu próprio termo. Por exemplo,
no começo de Libra, Saturno está mais forte do que Vênus. Nesse caso,
a mentalidade seria Saturnina. E, se estivéssemos lidando com um mapa
diurno, então com certeza Saturno nessa posição estaria mais forte do
que Vênus. Outro exemplo disso: entre 10º e 19º de Áries, o Sol está tão
forte quanto Marte. Libra, no comecinho de Libra, Saturno está mais
forte do que Vênus. Por isso, devemos olhar que planeta está mais forte
em dignidades essenciais na posição em que a Lua e Mercúrio estão.

Voltando ao nosso mapa, temos então uma mentalidade marcial e


saturnina. Essa é tradicionalmente a pior mentalidade que há. Iremos
agora descrevê-la. O texto ainda não está totalmente afinado, pois é
ainda provisório, mas já serve para termos uma idéia. Então, em
primeiro lugar, olharemos o lado positivo:

“Associado à Marte e no seu melhor, Saturno torna os homens excessivamente


diligentes, francos, prepotentes, austeros em seus negócios, impiedosos,
ferozes, guerreiros, ousados, implacáveis, obstinados, inflexíveis, imutáveis em
suas opiniões, ocupados, competentes, ativos, inflexíveis diante de seus
adversários e suas dificuldades e sobretudo bem-sucedidos em seus
empreendimentos.”

Vejamos o lado negativo dessa mentalidade:

“No seu pior, Saturno associado a Marte torna os homens imprudentes,


turbulentos, tendentes ao desprezo pelos outros, amantes dos tumultos,
insidiosos, enganadores, sediciosos, vorazes, homens que se deleitam em
contendas, vingativos, impacientes, insolentes, maldosos, arrogantes, maus,
injustos, desumanos, tirânicos, saqueadores, ladrões, adúlteros, submissos ao
mal, buscadores de ganhos por meio de sua torpeza, infiéis na religião, vazios
407

dos afetos mais comuns, trapaceiros, traiçoeiros, desonestos, perjuros,


sanguinários, comedores de alimentos proibidos e profanos, assassinos,
feiticeiros, sacrílegos, ímpios, violadores de túmulos, em suma, completamente
perversos e depravados.”

Quem é esse sujeito? Ele nasceu no século XV. Pela mentalidade, a


tendência dele é ser alguém do mal, mas também pode ser alguém do
bem. Outra pista de quem ele pode ser: morreu de morte violenta no
século XVI, e é um sujeito fundamental na história da Inglaterra.

Pois bem, esse é o mapa do São Thomas More. Se lermos o seu


epistolário e a descrição que os amigos faziam dele, vemos que a
personalidade de São Thomas More era durona assim mesmo. Porém,
desde a juventude ele foi acumulando senso de deveres cada vez mais
elevados, e foi transformando essa inflexibilidade em um senso de
responsabilidade. Ele pegou o material que tinha e fez o melhor que
pôde. A última coisa que ele escreveu em seu diário foi: “sempre um
bom servo do rei, mas de Deus em primeiro lugar”. E, pensando bem,
para encarar o Henrique VIII era preciso um cara com essa mentalidade.
Ou por acaso um sujeito bonzinho iria encará-lo? São Thomas More era
um cara muito sério e de muita consciência. Mas ele definitivamente
não era um sujeito dócil e bonzinho. Podemos ver isso nos seus sermões
contra o Lutero, que são compostos de metade sermões e metade
palavrões. São cinquenta por cento de Teologia da época e cinquenta
por cento dos palavrões da época. Vemos palavras como sodomita,
pederasta e outras que vão bem mais longe do que elas. Quando os
lemos, temos a impressão de que o True Outspeak é um diálogo entre
monjas.3

Então, temos aí um sujeito com a pior mentalidade possível, mas que


era um santo. Por isso, devemos entender que a mentalidade e o
temperamento são materiais de construção da personalidade. Quando
408

observamos a que o sujeito constrói para si, percebemos, subjacente ao


todo dela, esse material que agora descrevemos. Porém, temperamento e
mentalidade não são suficientes para qualificar o sujeito moralmente.4

3
Nota do revisor: o True Outspeak era um programa transmitido pelo professor Olavo de Carvalho, em que
ele, adotando um personagem boca suja, respondia a perguntas enviadas e tecia comentários sobre os
eventos recentes do Brasil.
4
Nota do revisor: o aluno deve se lembrar do tópico oito da aula de número dez. Nele, podemos ver outros
fatores determinantes do
temperamento, que são: estrelas fixas; natureza e condição do regente do Ascendente e do seu dispositor;
mentalidade; planetas que se destacam por razões excepcionais. No cálculo do mapa ora analisado, não
foram levados em consideração tais fatores. Porém, caso os levássemos, não chegaríamos a um resultado
muito diferente do que chegamos. Talvez as características de calor e frieza ficassem mais equilibradas.
409

2. Segundo exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade: Santa


Teresa D’Ávila.5

Passemos ao próximo mapa. O Ascendente está em 15º de Áries. A


cúspide da Casa II está em 22º de Touro. A cúspide da Casa III está em
18º de Gêmeos. A cúspide da Casa IV está em 8º de Câncer. A cúspide
da Casa V está em 2º de Leão. A cúspide da Casa VI está em 2 de
Virgem. As outras casas estão opostas a estas.

Quanto aos planetas, o Sol está em 25º de Áries. Mercúrio está em 5º de


Touro. Bem juto à cúspide da Casa III, temos Júpiter em 14º de Gêmeos
e Marte em 15º do mesmo signo. A Cabeça do Dragão em 20° de Leão.
410

Saturno está em 6° de Sagitário e retrógrado. A Lua está em 9° de


Aquário. E Vênus está em 27° de Peixes.

Quanto aos aspectos, temos Júpiter e Marte em conjunção. Ambos


formam um sextil com o Ascendente e também um trígono com a Lua.
Poderíamos marcar uma oposição com Saturno, porém esse aspecto está
muito distante, então não o consideraremos. Que mais temos no mapa?
Uma quadratura entre Mercúrio e a Lua. E também temos um sextil
entre esta e Saturno.

Agora, comecemos o cálculo pelo Ascendente, que está Áries. Quais


são qualidades deste signo? O calor e secura. Após isso, temos que
descobrir o regente do Ascendente. Quem é o regente de Áries? Marte,
que está ocidental.

Uma dica para que consigamos determinar mais facilmente quais


planetas estão ocidentais e quais estão orientais: devemos girar o mapa
até que o Sol fique exatamente na metade horizontal do círculo. Os
planetas que ficarem na metade de cima estarão orientais, e os planetas
que ficarem na metade de baixo estarão ocidentais. É importante dizer
que o Sol e os outros planetas se movem em sentido horário em relação
às casas. Dito isso, vemos que Vênus, a Lua e Saturno estão orientais, e
o restante dos planetas estão ocidentais.

O terceiro passo é a verificação dos planetas que formam aspecto com o


Ascendente. Quais são eles? Marte e Júpiter, que estão ocidentais.
Quais as qualidades deles? Marte ocidental é seco, e Júpiter ocidental é
úmido.
411

Passemos a analisar a Lua deste mapa. Podemos considerá-la em sextil


com o Ascendente, pois ela está em 9º de Aquário e o Ascendente está
em 15º de Áries. Portanto, faltam apenas seis graus para que o

5
Nota do revisor: em aula, como dito pelo professor, o mapa foi descrito sem ser dado o nome, a data, a
hora e o local de nascimento de Santa Teresa D’Ávila. Porém, para facilitar a vida dos alunos e a minha, já
coloquei o mapa dela para que melhor se acompanhe este exercício de cálculo.
412

sextil se forme.6 Considerando o orbe da Lua, essa é uma distância


muito pequena. Então, passaremos a considerar a Lua em aspecto sextil
com o Ascendente.

E em que fase ela está? Para determinarmos os quatro quadrantes do


mapa que nos dirão em que fase a Lua está, contaremos três signos no
sentido anti-horário a partir da posição do Sol, que está em 25º de Áries.
Deste ponto, passamos para 25º de Touro, 25º de Gêmeos e 24º 59’ 59”
de Câncer, e, se a Lua estiver nesse limite, estará em sua primeira fase.
De 25º de Câncer a 24º 59’ 59” de Libra, a Lua estará em sua segunda
fase. De 25º de Libra a 24º 59’ 59” de Capricórnio, ela estará em sua
terceira fase. E se posicionada entre 25º de Capricórnio e 24º 59’ 59” de
Áries, estará em sua última e quarta fase. No nosso mapa, podemos ver
que a Lua está em sua última fase, e portanto ela é fria e úmida.

Devemos nos lembrar de contá-la duas vezes: uma vez pelo aspecto
com o Ascendente, e outra por causa de sua fase:

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Áries x

Regente do ASC Marte ocidental

Lua 4ª fase (sextil) x x

Marte
Planetas em ocidental
Aspecto com o (sextil)
ASC
Júpiter x
ocidental
(sextil)
413

Fase da Lua 4ª fase x x

Agora olharemos o dispositor da Lua, que é o regente de Aquário, signo


em que ela está. Qual é o planeta regente deste signo? Saturno, que está
oriental. Quais as qualidades deste planeta nessa posição? A frieza e a
secura.

O próximo passo desta análise é verificar quais planetas estão em


aspecto com a Lua. Temos quatro planetas: Júpiter e Marte ocidentais
em trígono com ela; Saturno oriental formando um sextil; e Mercúrio
ocidental em uma quadratura. Desses planetas, o único que ainda não
computamos na tabela foi Mercúrio ocidental, que tem como qualidade
a secura.

Após isso devemos ver a estação do Sol, que está em Áries. Neste
signo, o Sol está na primavera, e portanto suas qualidades são o calor e
a umidade.

E o planeta mais forte deste mapa qual seria? O Sol está exaltado e
angular no Ascendente, então ele é o candidato favorito. Para
procurarmos o planeta mais forte, a primeira coisa que procuramos é se
há algum planeta com dignidades maiores que está ou domiciliado ou
exaltado. Se houver, devemos verificar se ele está numa casa boa, se
está angular e se não está afligido nem por Marte e nem por Saturno.
Caso essas condições se verifiquem, então esses serão os planetas
candidatos. No caso deste, como dissemos, o planeta mais forte é
mesmo o Sol. Alguns poderiam pensar em Vênus, que está exaltado.
Porém, ele está na Casa XII.
414

Então, contamos o Sol duas vezes: uma porque ele é um dos fatores
determinantes do temperamento, e outra porque ele é o planeta mais
forte do mapa.

6
Nota do revisor: o sextil se forma quando dois planetas estão a 60º de distância um do outro.
415

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Áries x

Regente do ASC Marte ocidental

Lua 4ª fase (sextil) x x

Marte
Planetas em ocidental
Aspecto com o (sextil)
ASC
Júpiter x
ocidental
(sextil)
Fase da Lua 4ª fase x x

Dispositor da Lua Saturno oriental x

Júpiter x
ocidental
(trígono)
Marte
Planetas em ocidental
aspecto com a (trígono)
Lua Saturno x
oriental
(sextil)
Mercúrio ocidental
(quadratura)

Estação do Sol Primavera x x


(Hemisfério Norte)

Planeta mais forte Sol de primavera x x


416

Total - 3 6 4

Ficamos então com três pontos de calor, seis pontos de umidade, quatro
pontos de frieza e sete pontos de secura. Praticamente está tudo
empatado! E isso quer dizer o quê? Que essa pessoa tem o melhor
temperamento que existe: o temperamento equilibrado.

Quantos pontos de diferença deve haver entre um par de qualidades


para considerarmos um desequilíbrio? Quando temos uma pontuação
baixa -- como no caso deste mapa em que temos três pontos para calor e
quatro para frieza --, dois ou três pontos já é uma boa diferença, porque
as duas qualidades estão fracas. Então, se tivéssemos três pontos em
calor e cinco em frieza, isso seria um desequilíbrio. Porém, quando
temos uma pontuação alta – digamos sete pontos em umidade e nove
em secura --, uma diferença de uns dois pontos é considerada um
equilíbrio. Por isso, de maneira geral, devemos analisar o equilíbrio ou
desequilíbrio entre as qualidades com base na proporção do número real
que obtemos pelo cálculo: se o número de pontos do calor e da frieza,
ou da secura e da umidade, é baixo, mesmo que haja pouca diferença
entre ambas as qualidades, isso já pode ser considerado um
desequilíbrio; se o número é dessas qualidades é alto, é necessária uma
diferença maior entre uma e outra para que consideremos um
desequilíbrio.

Passaremos agora ao cálculo da mentalidade. Há algum planeta que se


destaca no Ascendente próximo de nascer no horizonte? Bem, o Sol
está bem próximo disso. No entanto, o Sol não é significador natural de
417

mentalidade, pois não existe mentalidade solar. Quando ele está


excepcionalmente bem colocado, isso pode facilitar à pessoa uma
consciência moral de sua própria mentalidade, isto é, isso facilita ao
indivíduo fazer um análise objetiva de sua própria mentalidade. Porém,
o Sol não determina a mentalidade de ninguém.

Então, temos que procurar a Lua e Mercúrio, como no mapa passado.


Mercúrio está em 5º de Touro. Portanto, seu dispositor é Vênus, que
está na Casa XII. Mas, de qualquer jeito, Mercúrio está no comecinho
de Touro, e, nessa posição, Vênus tem seu domicílio e termo. Por isso,
Vênus é evidentemente o planeta mais forte nessa posição, e é um dos
determinantes da mentalidade com toda certeza. E a Lua? Ela está em
Aquário, e portanto o seu dispositor é Saturno. Isso nos diz que temos
aqui uma mentalidade saturnina-venusina. Neste mapa, Vênus até que
está razoável, pois tem dignidade essencial e debilidade acidental. Mas
Saturno está bem mal posicionado: está retrógrado, peregrino e na Casa
VIII.

Leremos a descrição da mentalidade saturnina-venusina. Primeiro o lado


bom:

“Associado a Vênus e no seu melhor, Saturno torna os homens desprovidos de


curiosidade e malícia em relação ao sexo oposto, amantes do bom governar,
propensos à solidão, muito reservados, indiferentes ao status social,
indiferentes à aparência física, austeros, de opiniões singulares, amantes das
artes divinatórias e dos serviços religiosos, solícitos para com o sacerdócio,
piedosos, solenes, reverentes, calmos, estudiosos da sabedoria, fiéis na
amizade, continentes, reflexivos, circunspectos e escrupulosos em relação à
virtude feminina.”
418

O lado bom até que é razoável. Mas devemos nos lembrar que Vênus e
Saturno estão bem mal colocados neste mapa. Por isso, o lado mau
dessa mentalidade deve aparecer com mais naturalidade:

“Associado a Vênus e no seu pior, Saturno torna os homens licenciosos e


libidinosos, praticantes de lascívias, descuidados, impuros nas relações
sexuais, obscenos, traiçoeiros para com o sexo oposto, devassos, briguentos,
invejosos, insociáveis, sórdidos, inimigos da elegância e da beleza, bêbados,
supersticiosos, adúlteros, ímpios, blasfemadores, escarnecedores dos rituais
sagrados, caluniadores e feiticeiros.”

Agora, esse é o mapa de que pessoa? Ela morreu há alguns séculos e é


espanhola. Quem é ela? Santa Teresa de Ávila. Seus pais a mandaram
para o mosteiro porque ela ficava penteando o cabelo na janela para os
homens que passavam na rua. No século XVI, isso era equivalente a
colocar um piercing no umbigo hoje. Com treze anos ela começou a
ficar espevitada demais. Isso é algo interessante de se dizer, pois ela era
uma mulher que atraía até mesmo certos padres depravados. A história
conta sobre um padre que tentou agarrá-la. Antes da Reforma, os frades
conviviam muito com as monjas, e um padre perdeu o controle e tentou
agarrá-la, deixando-a toda horrorizada. Outra coisa interessante sobre
Santa Teresa é que, quando criança, ela foi com seu irmãozinho para as
Cruzadas. E isso tem bastante relação com Saturno em Sagitário na
Casa VIII.7

3. Sobre as diferenças entre mentalidades regidas por planetas benéficos e


maléficos.

Em geral, a mentalidade saturnina-venusina é considerada boa, e melhor


que a mentalidade de um São Thomas More, por exemplo. Procurando
os personagens históricos com a mentalidade saturnina-marcial, quem
encontramos? Lula, Hitler, etc. Então, é realmente verdade que há essa
diferença de inclinação natural entre as mentalidades. O sujeito de
419

mentalidade ou venusina, ou jupiterina, ou jupiterina-venusina, mais


naturalmente é menos mau do que o sujeito de mentalidade saturnina-
marcial, pois tende naturalmente a uma mentalidade mais humana. Mas
isso não quer dizer que ele irá tirar proveito disso para se tornar uma
boa pessoa. As pessoas que tem as mentalidades determinadas por
planetas mais benéficos não tendem naturalmente a engendrar planos
maquiavélicos para a humanidade.

Já se o indivíduo, por exemplo, tem uma mentalidade ou marcial, ou


saturnina, ou marcial-saturnina, é mais fácil para ele se tornar
maquiavélico e tirano, caso os aspectos negativos dessa mentalidade
prevaleçam, assim como num Hitler ou num Lula. Quem lida com
crianças percebe claramente que algumas delas devem ser duramente
corrigidas desde pequeninas enquanto outras não. Essas crianças com

7
Nota do revisor: o aluno deve se lembrar do tópico oito da aula de número dez. Nele, podemos ver outros
fatores determinantes do temperamento, que são: estrelas fixas; natureza e condição do regente do
Ascendente e do seu dispositor; mentalidade; planetas que se destacam por razões excepcionais. No cálculo
do mapa ora analisado, não foram levados em consideração tais fatores. Porém, caso os levássemos, não
chegaríamos a um resultado muito diferente do que chegamos.
420

mentalidades regidas por planetas benéficos geralmente não praticam


nenhuma maldade. Porém, como dissemos, isso não determina a
qualidade final da alma do sujeito.

A filha mais velha do Tales tem o temperamento sangüíneo e a


mentalidade saturnina-marcial, e a mais nova, de apenas quatro anos,
tem o temperamento melancólico e a mentalidade marcial. Esta é
teimosa e briguenta; tem que ser tudo do jeito dela, caso contrário ela
parte para cima dos outros. Às vezes algo acontece que a desagrada, e,
se houver alguém ao seu lado, qualquer um que seja, esse será
arranhado, mesmo que não tenha nada a ver com nada.

Já a sua filha do meio, que é predominantemente venusina é o contrário:


ele nunca precisou adverti-la para que não batesse em alguém. E o
engraçado disso é que essa com a mentalidade venusina é justamente
quem tem o Sol em Escorpião. Isso nos mostra que o clichê da
Astrologia Moderna de que quem tem Sol em Escorpião é briguento e
ruim é só um clichê mesmo, pois a que tem o Sol nesse signo é a mais
doce das suas três filhas.

Outro exemplo disso: se ele desse cinqüenta reais para sua filha do
meio, ela diria: “Muito obrigado, pai!” Já se ele desse o mesmo tanto
para sua filha mais velha, ela diria: “Só isso? Não dá para dar mais?”
Portanto, a filha do meio é mais facilmente educável, enquanto que as
outras com mentalidades e temperamentos mais difíceis é preciso ser
mais rigoroso. Não dá para pensar em educar todas as crianças da
mesma forma, e quem tem vários filhos ou lidou com crianças vê isso
claramente.
421

O lado negativo disso é que, às vezes, a pessoa com temperamento mais


doce, para empreender alguma coisa ou tomar iniciativa, é mais difícil.
Isto foi justamente o que o Tales teve de corrigir em sua filha do meio:
não ser covarde na escola. Por exemplo, se ele dissesse que a família
toda iria passear e que suas filhas faltariam da escola, a de mentalidade
venusina diria ser melhor não faltar por causa de uma prova qualquer.
Mas, se encurralada a falar a verdade, descobriríamos que ela estava
com medo do professor fazer cara feia na frente de todos os seus
colegas. Então, o Tales teve de corrigi-la muito mais nesse aspecto,
enquanto que sua filha mais velha teve que ser ensinada a não mandar o
professor calar a boca!

4. O papel do Sol e da Lua na determinação da mentalidade.

Quando falamos em mentalidade, temos que saber que o Sol e a Lua


são, classicamente, na Astrologia Tradicional, forças para agir. Porém,
eles não determinam a forma da ação, e não inclinam numa direção ou
na outra, apenas fortalecem ou enfraquecem a energia para se ir por
uma ou outra. E se a Lua estiver em Leão, que é regida pelo Sol? Não
teremos uma mentalidade solar, pois, como dissemos, isso não existe.
Se a Lua estiver em Leão, temos que ver qual planeta está mais forte no
grau específico que ela ocupa nesse signo. Se o planeta mais forte for o
Sol, devemos checar quem é o segundo planeta mais forte.

5. Terceiro exemplo de cálculo de temperamento e mentalidade:


Hitler.8

Vamos agora ao nosso próximo exemplo. Temos o Ascendente em 26°


de Libra. A Casa II está em 20° de Escorpião. A Casa III está em 26° de
Sagitário. A Casa IV está em 4° de Aquário. A Casa V está em 9° de
Peixes. E a Casa VI está em 5° de Áries.
422

Quanto aos planetas, a Lua em 6° de Capricórnio. Júpiter está em 8° de


Capricórnio. A Cauda do Dragão está em 15° de Capricórnio. Mercúrio
está em 27° de Áries. O Sol está em 1° de Touro. Marte e Vênus estão
em conjunção em 16° de Touro. E saturno está em 13° de Leão.

Os principais aspectos deste mapa são o trígono do Sol com a Lua e


Júpiter, o trígono de Marte e Vênus com Júpiter, a quadratura de
Marte e Vênus com Saturno, e a oposição de Mercúrio com o
Ascendente.

8
Nota do revisor: idem notas dois e cinco.
423

Pois bem, começando o cálculo, temos o Ascendente em 26° de Libra.


Qual é a qualidade desse signo? O calor e a umidade. Quem é o regente
do signo Ascendente? Vênus, que está ocidental, pois nasceu depois do
Sol. Quais as qualidades desse planeta nessa posição? A umidade.
Agora, quais planetas formam aspecto com o Ascendente? Há apenas
uma oposição com Mercúrio, que está oriental, pois surgiu no horizonte
antes do Sol. Quais as qualidades desse planeta nessa posição? O calor.

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Libra x x
424

Regente do ASC Vênus ocidenal x

Planetas em Mercúrio x
Aspecto com o oriental
ASC (oposição)

O próximo passo é descobrir a fase da Lua. E qual é? A terceira. Quais


as qualidades da Lua em sua terceira fase? A frieza e a secura. Após
isso, temos que ver também o seu dispositor, que é Saturno ocidental.
Quais as qualidades dele? A secura. Então, chegamos aos planetas que
formam aspecto com a Lua. Quais são eles? Em primeiro lugar, temos
uma conjunção entre ela e Júpiter oriental, que e é quente e úmido.
Temos também um trígono entre ela e Vênus ocidental, que é úmido.
Marte também se aplica a um trígono com a Lua, e, por ser ocidental,
tem como qualidade a secura. Como a Cabeça do Dragão está se
aplicando a um aspecto negativo com a Lua, devemos considerar apenas
o aspecto com a Cauda do Dragão, que está em conjunção com ela.
Qual a qualidade da Cauda do Dragão? Na tabela dada na aula passada,
podemos ver que ela tem as mesmas qualidades de Saturno e Marte no
mapa. Ambos estão apenas secos, então anotaremos apenas um ponto
na secura. Temos também o trígono do Sol, que está num signo de
primavera, com a Lua.9
425

9
Nota do revisor: o professor esqueceu de mencionar o trígono da Lua com o Sol, mas acabei o adicionando
na transcrição e na tabela do cálculo.
426

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Libra x x

Regente do ASC Vênus ocidental x

Planetas em Mercúrio x
Aspecto com o oriental
ASC (oposição)
Fase da Lua 3ª fase x

Dispositor da Lua Saturno ocidental

Júpiter x x
oriental
(conjunção)
Vênus ocidental
(trígono)

Planetas em Marte
aspecto com a ocidental
Lua (trígono)
Sol de primavera x x
(trígono)

Cauda do Dragão
(conjunção)

Quanto ao Sol, devemos anotar mais uma vez um ponto na umidade e


no calor por ele estar num signo de primavera.

E chegamos então no planeta mais forte do mapa. Qual é ele? Poderia


ser Vênus, porque ele é o único planeta com dignidade essencial maior
nesse caso. Mas por que não diremos que é ele? Pois Vênus tem quatro
427

aflições graves aqui: está numa conjunção partil com um Marte


maligno; está retrógrada na direção de Marte; ambos esses planetas
estão na cúspide da Casa VIII; e Vênus ainda sofre com uma quadratura
com Saturno. Então, Vênus pode estar forte, mas está apanhando de
todos os lados. Também podemos ver que Mercúrio está perto do
ângulo do Descendente, mas ele está totalmente peregrino. A Lua em
Capricórnio também está exilada. Júpiter também tem uma dignidade
essencial, mas ele está em queda. Quanto a Saturno, ele não tem
nenhuma dignidade essencial direta, mas é co-regente da triplicidade de
fogo – por esse fator ele não ganha pontuação –, está na Casa X, além
de estar exaltado no seu próprio termo. Então ele é o único candidato
plausível aqui. Saturno está ocidental, e por isso tem como qualidade a
secura.

Determinante Símbolo Calor Umidade Frieza

Ascendente Libra x x

Regente do ASC Vênus ocidental x

Planetas em Mercúrio x
Aspecto com o oriental
ASC (oposição)
Fase da Lua 3ª fase x
428

Dispositor da Lua Saturno ocidental

Júpiter x x
oriental
(conjunção)
Vênus ocidental x
(trígono)

Planetas em Marte
aspecto com a ocidental
Lua (trígono)
Sol de primavera x x
(trígono)

Cauda do Dragão
(conjunção)

Estação do Sol Primavera x x


(Hemisfério Norte)

Planeta mais forte Saturno ocidental

Total - 5 6 1

Podemos dizer que entre cinco pontos de calor e um ponto de frieza,


está claramente desempatado para o calor. Já entre as qualidades da
secura e da umidade temos empate. Portanto, esse é um temperamento
sanguíneo-colérico ou colérico-sanguíneo.

Passemos às considerações finais. Devemos lembrar do primeiro mapa


que analisamos, de um sujeito claramente sanguíneo com uma tendência
a ser fleumático, mas com uma mentalidade marcial e saturnina. Como
Marte e Saturno são contrários em relação ao calor e à frieza, eles não
afetam muito o temperamento nesse sentido, mas certamente o secam
429

um pouco, porque os dois são planetas secos. No entanto, aquele


temperamento era excessivamente úmido, com dez pontos para essa
qualidade. Por isso a mentalidade não chegava a mudar tanto o
temperamento fundamental.

No caso ora em análise, o que matará a dúvida entre sanguíneo e


colérico é justamente a mentalidade, e assim devemos olhar o mapa.
Não há nenhum planeta notável se destacando no Ascendente, então a
Lua e Mercúrio serão os significadores de mentalidade. O regente da
Lua, que está no comecinho de Capricórnio, é Saturno. E, em segundo
lugar, o regente de Mercúrio, que está no finalzinho de Áries, é Marte.
Mercúrio está no domicílio e termo de Marte, e a Lua está no domicílio
de Saturno e exaltação de Marte. Então, a mentalidade é saturnina-
marcial. Isso seca o temperamento. Por isso, podemos dizer que este é
um colérico com uma leve tendência para o lado sanguíneo.

Pois bem, e de quem seria este mapa agora visto? De Hitler. Como
temos duas pessoas com mentalidade saturnina-marcial, podemos
indicar alguns aspectos favoráveis que o mapa de São Thomas More
nos mostrou e outros aspectos desfavoráveis revelados pelo mapa de
Hitler. No primeiro caso, o planeta mais forte era, sem sombra de
dúvidas, o regente do Ascendente. Qual é o signo Ascendente de São
Thomas More? Sagitário, cujo planeta regente, Júpiter, está em Áries,
formando um trígono com o Ascendente. Assim, podemos ver que o
regente do Ascendente está mais ou menos livre. Já no caso de Hitler,
apesar de o regente do Ascendente estar dignificado, ele se encontra
cercado de maus sinais: está retrógrado na direção de um Marte
debilitado, está numa conjunção partil no mesmo grau que Marte, na
cúspide da Casa VIII, está fugindo de Saturno e está cercado por este e
Júpiter. Este é o tipo de mapa que, quando analisado, se revela o de um
tirano. Uma pessoa com um mapa como o de Hitler deve ser bem
educada desde pequena.
430
431

Outra coisa muito interessante que também podemos ver nesse exemplo
é a posição chave de algumas estrelas fixas malignas: a Lua está em
conjunção à Facies, uma das principais estrelas maléficas do zodíaco
associada à violência e a acidentes; Mercúrio está em conjunção com
Vértex, estrela também associada à violência; e Saturno está em
conjunção com Praesepe, uma terceira estrela associada à violência.

Ainda devemos lembrar que, sendo a mentalidade do líder nazista


saturnina-marcial, tanto Saturno quanto Marte estão peregrinos e,
portanto, debilitados. Apenas elegemos Saturno como o mais forte por
ser ele, na verdade, o menos fraco dos planetas do mapa. Ele se
encontra na Casa X, e ganha alguma dignidade acidental por isso, mas,
ainda assim, esse ganho é muito pequeno. Podemos dizer que o único
planeta com dignidade essencial é o próprio regente do Ascendente, isto
é, Vênus.

6. A base fundamental da personalidade humana: o temperamento e a


mentalidade.

Depois de vermos todos esses aspectos extremamente negativos no


mapa, percebemos que, se simplesmente olhássemos a posição do Sol
em Touro e a posição do Ascendente em Libra, ficaríamos com a
impressão de que Hitler fosse um bon-vivant ou algum tipo de
diplomata. Como Libra e Touro se manifestam num quadro tão ruim
assim? Isso é muito importante de ser esclarecido. Quem é a pessoa
fundamentalmente? Qual a base fundamental da personalidade?
Temperamento e mentalidade. Não é onde está o Ascendente, não é
onde está o Sol, não é onde está Urano, etc. A base fundamental da
personalidade é a mentalidade e o temperamento. Isso é a fórmula
básica do sujeito, e é com isso que ele terá que trabalhar.
432

O temperamento é a base inclusive física da pessoa, é aquilo que


alguém precisa fazer para não ficar doente. Já a mentalidade é a maneira
geral do sujeito sentir e opinar acerca das coisas quando não está
formulando a opinião por meio de uma educação. Quando conhecemos
uma pessoa, temos um certo sentimento em relação a ela. Esse
sentimento original é uma modalidade do nosso temperamento e da
nossa mentalidade, porque não a conhecemos ainda, não temos uma
base educada para formular uma opinião a respeito dela. No entanto, já
temos um certo sentimento em relação a essa pessoa. O sujeito que
começa a pensar muito em idéias abstratas ou generalidades e não tem
uma educação muito abrangente sobre esse tipo de tema – como, por
exemplo, a “humanidade” ou “o povo alemão” --, formula suas opiniões
de acordo com seu temperamento e mentalidade.

Sobre Marte e Saturno, podemos dizer que eles são dois planetas muito
inflexíveis. Se juntarmos a isso a condição da Alemanha antes do
nazismo, percebemos que muitos alemães estavam revoltados com a
humilhação e a condição em que seu país se encontrava. Então, é fácil
para um sujeito criado nessa época, com um mapa como o de Hitler,
sentir que a pátria estava sendo colocada abaixo da sua dignidade e
começar a pensar em um monte de idéias malucas. E é muito fácil
também que, numa situação assim, essas idéias encontrem ressonância
nas outras pessoas. Tanto os franceses como os alemães vêm de povos
que eram muito marciais, muito orgulhosos, muito altivos. Isso não é
uma coisa ruim em si, mas era uma inclinação deles, o que acaba os
inclinando a uma coisa desse tipo.

O professor Olavo falou muitas vezes dA Análise Espectral da Europa,


livro de Hermann Keyserling. Esse autor faz uma espécie de caricatura
dos povos, e, resumidamente, diz o seguinte do povo alemão: que cada
um deles é isolado como uma ilha; que mesmo numa família eles não se
comunicam muito bem; que o alemão tem a tendência de compensar
433

essa falta de compreensão, de afeto um pelo outro, aceitando facilmente


papéis que digam a cada um deles o que fazer; e que eles são o povo
mais facilmente organizável desde fora. O mundo ideal de um alemão é
mais ou menos como um quartel. A unidade entre as pessoas está no
fato delas terem uma ordem organizada que vem de cima, isto é, delas
terem uma vida hierárquica estruturada desde cima. Ele diz ainda que o
alemão é o mais profundo dos povos, mas que é também o mais
individual e o mais idealista.

Já o italiano, nesse aspecto, seria o contrário, seria aquela tipo coesão de


família e a bagunça. O povo italiano é muito mais solar do que marcial.
O calor deles é afetuoso e irradiante, não é o calor da violência, que
pode até existir, mas que com certeza terminará em pizza.

Essa é a diferença entre Astrologia Tradicional e Astrologia Moderna:


nesta os astrólogos não ligam para temperamento e mentalidade, e por
isso tudo fica confuso. Por exemplo, na última aula fizemos o mapa do
cantor Lobão. Caso não analisássemos o seu temperamento e sua
mentalidade, diríamos que ele era
434

algum tipo de militar intransigente. Qualquer astrólogo moderno, por


uma interpretação simplista, diria isso. Mas, como vimos, a mentalidade
dele é o completo oposto disso.

7. Temperamento e espírito vital.

Diante do que já expomos, uma dúvida sempre surge: qual a diferença


entre o temperamento e a mentalidade? Bem, como dito, o
temperamento é a base quase física da nossa personalidade.
Tradicionalmente, os organismos vivos possuem corpos que são
compostos dos quatro elementos. E o organismo humano não é exceção
a isso. Em todas as coisas, mas principalmente nas coisas vivas, o que
mantém o organismo funcionando é o que se chama espírito vital no
ocidente, o prana dos hindus e o chi dos chineses. O espírito vital é
como se fosse um tipo de combustível permanente depositado pela alma
no organismo para que este realize as suas funções. Quando temos que
fazer alguma coisa, o espírito vital se põe em movimento, e, então, toma
uma forma para cada atividade interna ou externa que temos de realizar,
transformando o nosso organismo num instrumento para praticar aquela
ação.

Por exemplo, se temos que brigar, essa energia toma uma forma vital
análoga ao fogo e produz em nós uma inclinação de movimento análoga
a esse elemento. Prova disso é que, se nos preparamos para uma briga,
nosso corpo começa a esquentar, a tremer e não conseguimos ficar
parados. Se temos que falar, pensar ou caminhar livremente, o espírito
vital toma uma forma análoga ao ar.

Assim, uma pessoa de temperamento colérico sentirá dificuldades cada


vez que seu espírito vital começa a tomar a forma de um elemento
diferente. Digamos que um indivíduo desses tenha que realizar certas
435

atividades que rementem ao elemento terra; atividades em que é


necessário aguentar passivamente, apoiar, sustentar, manter, ordenar,
fixar. Tendo um temperamento colérico, esse sujeito encontrará
dificuldades para tomar essa forma, e isso acaba produzindo um
excedente de fogo que ficará em seu organismo. Após certo tempo, essa
pessoa terá que fazer uma atividade análoga ao fogo para dispender esse
excesso, ou então irá adquirir uma doença característica desse elemento.

É justamente desse modo que o temperamento afeta a personalidade.


Alguém muito colérico sentirá uma necessidade física de atividades
coléricas. E quando realizar essas atividades, verá que é mais fácil e
natural para ele fazer isso do que fazer outras coisas. Seu espírito vital
toma essa forma com maior facilidade, então normalmente ele passará a
gostar dessas atividades mais do que as outras pessoas. Se os planetas
coléricos, Sol e Marte, estão bem colocados em seu mapa, não somente
ele terá uma facilidade para fazer essas atividades, como geralmente ele
as fará um pouco melhor do que outras pessoas, gerando então uma
preferência. Por isso dizemos que o temperamento é algo
fundamentalmente físico e secundariamente psíquico.

8. Mentalidade e disposições naturais da alma como o intelecto e a


sindérese.

E o que podemos dizer da mentalidade? O que é ela? Podemos começar


dando uma definição: a mentalidade é o conjunto de disposições
naturais e particulares das potências racionais e irracionais da alma. No
entanto, precisamos explicar o que queremos dizer com isso. Na alma
há dois tipos de hábitos: os naturais, ou seja, aqueles com que
nascemos; e os que vêm da educação ou do ambiente.
436

Por exemplo, todos sabemos somar e subtrair. Ora, isso é um hábito da


inteligência, mas não é algo natural, porque não nascemos sabendo
somar e subtrair. No entanto, todo ser humano nasceu com a disposição
do intelecto, pois essa é uma disposição natural nossa. E o que é o
intelecto? É uma disposição natural para compreender o princípio de
identidade e de não-contradição. Os princípios fundamentais mais
elementares da atividade intelectual são disposições naturais. Ninguém
nos ensinou isso. Desde o momento em que começamos a pensar, a
refletir e a comparar as coisas, já começamos a usar essa disposição.

Um outro hábito natural é a sindérese. O que é isso? É a disposição


natural que temos de perceber os primeiros princípios da razão prática.
Quais são os princípios fundamentais da razão prática? Aquilo que nos
diz que devemos buscar o que é bom e nos afastar do que é mau, aquilo
que nos diz que não devemos fazer para o próximo o que não queremos
que seja feito para nós mesmos, etc. Isso também é algo que captamos
facilmente desde pequenos. A educação pode evidentemente reforçar ou
enfraquecer esse hábito, mas ele é uma disposição natural nossa,
porque, sem a consciência de que devemos buscar o que é bom e não o
que é mau, não podemos decidir e não podemos agir.
437

E devemos perceber que tanto o intelecto quanto a sindérese não vêm


acompanhados de sinais. Não temos uma linguagem para expressar essa
percepção. Quando nascemos não temos linguagem ainda, então não
sabemos nem que sabemos o que percebemos por um e outro meio. Mas
esses são hábitos naturais e universais. Por quê? Porque são disposições
próprias da espécie humana e todos nascem com eles.

Todo ensino consiste em focar a atenção dessas disposições ao assunto


que se está ensinando. Na primeira vez que vimos uma parede branca,
soubemos exatamente o que a tornava branca. Quando vimos uma
parede azul pela primeira vez, não foi preciso que alguém nos contasse
a diferença entre esta e aquela. E quando vimos uma parede preta,
ninguém precisou nos dizer qual é a diferença desta para as duas
anteriores. Perceber a impossibilidade de que uma parede de uma cor
seja igual a uma parede de outra cor é algo espontâneo e não pode ser
ensinado. O que se pode ensinar às pessoas é a formulação disso em um
axioma. Da mesma forma que o intelecto opera naturalmente em nós,
ninguém precisou nos ensinar, quando éramos bebês, que não
deveríamos pôr na boca o que antes havíamos colocado mas não
gostamos, e que deveríamos continuar colocando na boca as coisas que
nos foram agradáveis ao paladar. Decidimos isso por nós mesmos. Por
isso, dizemos que esses são hábitos ou disposições naturais e universais
ao ser humano.

No entanto, também existem as disposições naturais e particulares de


cada indivíduo. Há coisas que para um sujeito é naturalmente mais fácil
perceber ou sentir, mas que para outro se torna mais difícil. Então,
alguém com uma mentalidade saturnina-marcial desde pequeno
começará a perceber que no mundo existem coisas que doem, que o
incomodam e que o impedem. Ele é mais sensível para perceber a
realidade dos obstáculos e das dificuldades. Isso é registrado na
438

memória dele com mais facilidade, porque Marte e Saturno são planetas
maléficos.

Já o sujeito com a mentalidade jupiterina-venusina é rapidamente


impressionado por aquilo que é agradável, que é gostoso e que facilita
sua vida. Então, ele terá uma disposição natural a prestar mais atenção
na metade cheia do copo, ao contrário da pessoa de mentalidade
saturnina-marcial, que prestará atenção na metade vazia. É natural que
uma pessoa assim, cuja mente está ocupada mais facilmente de coisas
agradáveis que facilitam a vida dela, sinta uma inclinação mais
generosa. Apenas pessoas extremamente perversas são más quando
estão felizes, pois a maior parte delas fica mais bondosa.

Todos os seres humanos experimentam o prazer e a dor, experimentam


a felicidade e a infelicidade, o sofrimento e a alegria. Porém, alguns
percebem mais claramente desde pequenos a realidade do sofrimento e
são mais impressionados imediatamente pela infelicidade. Já outros são
mais impressionados pelas experiências que geram prazer, felicidade e
alegria.

Também é importantíssimo dizer que sentir prazer no que é mau ou


tristeza no que é bom é uma disposição moral. Essa disposição moral é
necessariamente posterior à própria sensação de sofrimento ou prazer.
Quando o bebê saturnino-marcial nasce, a primeira coisa que ele sente é
um tapa do médico e o ar queimando seus pulmões. Então, colocam-no
junto da mãe, o que o alivia. Mas na cabeça dele, fica o pensamento de
que há algo de ruim por perto e que pode voltar a qualquer momento.
Um sujeito jupiterino-venusino na mesma situação, pensará que o tapa
do médico e o ar queimando seus pulmões são só uma ilusão
momentânea, e que o mundo mesmo é constituído de sensações boas
como a de estar junto de sua mãe.
439

E por que essa forma de interpretar as percepções não é uma disposição


moral? Porque o mundo nos bater ou nos fazer carinho é uma
experiência que sofremos, e não uma disposição moral nossa. As duas
coisas são igualmente reais, tanto o sofrimento, quanto a satisfação.
Mas há pessoas que percebem a metade cheia do copo e outras que
percebem sua metade vazia. A impressão do sujeito jupiterino-venusino
é achar que tudo dará certo, e a do sujeito saturnino-marcial é que se
não tomar cuidado dará tudo errado. E as duas impressões têm
fundamento na realidade. Elas por si mesmas não são determinações
morais.

Por exemplo, se alguém precisasse de uma cirurgia no coração, quem


ela escolheria para ser seu cirurgião? Aquele que acha que o mundo é
composto de florezinhas e passarinhos e que tudo dará certo? Ou ele
escolheria aquele que acha que o mundo é perigoso, e que por isso
deve-se prestar atenção e ter-se o máximo de controle sobre as coisas,
caso contrário tudo dará errado? Evidentemente que ela escolheria
o segundo tipo. E essa escolha não seria feita com base na moralidade
ou imoralidade dos candidatos a cirurgiões. Ela seria feita pois essa
impressão e tensão da mentalidade saturnina-marcial provavelmente
daria um resultado melhor na cirurgia, que, aliás, é significada
tradicionalmente por Saturno e Marte. Quem escolheríamos como
guarda na prisão? Um sujeito que acha que no fundo os presos são
bons? Ou
440

escolheríamos o sujeito que diz para termos cuidado, pois os presos


podem estar fazendo facas a partir de escovas de dente?

Ambas as percepções, sensações ou impressões podem levar a atitudes


imorais ou atitudes morais. Da mesma forma que vimos alguém como
Hitler, também não temos conhecimento de tipos como a Maria do
Rosário, que pensam que todos os presos são pessoas boas e que, na
verdade, as vítimas deles é que são os carrascos? Por isso, a única coisa
que podemos dizer sobre essas duas mentalidades é que uma é mais
agradável e fácil, enquanto a outra é mais desagradável e mais difícil.

9. Considerações finais sobre a Lua e o Sol como determinantes da


mentalidade.

Esta semana mandaremos aos alunos um texto com todos os fatores


secundários que modificam a mentalidade. O texto na verdade já está
pronto. Só falta somar a ele as descrições dessas quinze mentalidades
fundamentais e a resposta para como o Sol e a Lua afetam a
mentalidade. Também estamos adicionando o que a torna mais sutil,
mais grosseira, mais extrovertida ou mais introvertida. Há muitas coisas
que podem se combinar e que dão um pouco mais de nuance na
mentalidade. Porém, de um modo geral, o sujeito de mentalidade
puramente marcial é um que sabe que a vida é luta. Ele sente que a
qualquer momento pode pular um tigre na sua frente e que deverá
enfrentá-lo.

Ainda nesse ponto, e como já dito anteriormente, os determinantes da


mentalidade são Mercúrio e a Lua. Caso eles estejam posicionados em
signos regidos ou por ela mesma ou pelo Sol, então deve-se olhar os
almutens dos determinantes, isto é, quais os planetas com mais
dignidades na posição em que estes se encontram.10
441

10. O problema da aplicação simultânea de diferentes técnicas


astrológicas.

Aluno: É viável, nesse tipo de análise astrológica, dentro do objetivo do


curso, usarmos o zodíaco sideral? Ou temos que forçosamente usar o
zodíaco tropical?

Gugu: Sinceramente, não tenho conhecimento suficiente de Astrologia


Sideral para fazer um juízo sobre ela. Sei que há na Índia pessoas muito
boas nesse campo, porém não tenho conhecimento suficiente para dizer
como fazer essa adaptação. O sujeito teria primeiro que aprender as
técnicas deles, para depois começar a comparar. Eu não sei no que dá o
sujeito pegar as técnicas da astrologia tropical e simplesmente jogar no
zodíaco sideral, eu não a mínima ideia no que vai dar. As técnicas
astrológicas de cada povo foram desenvolvidas a partir de certas
premissas, por isso não sei se as técnicas que foram desenvolvidas a
partir da premissa tropical são aplicáveis ao zodíaco sideral, e se as
técnicas desenvolvidas para o zodíaco sideral são aplicáveis ao zodíaco
tropical. É certo que é possível fazer uma tradução do simbolismo de
um zodíaco para o outro. Mas o simbolismo é uma coisa e a técnica é
outra. Temperamento e mentalidade não são apenas simbolismo. São
técnicas. Por exemplo, o simbolismo de Marte e Saturno inclui
inúmeras coisas. Dessas coisas, os praticantes das técnicas astrológicas
ocidentais escolheram algumas e disseram que as pessoas com essa
mentalidade possuíam apenas elas, enquanto outras coisas do
simbolismo desses planetas passaram a não fazer parte dessa descrição
psicológica. Como eles ficaram sabendo isso? Por observações práticas.
Por isso, a técnica é algo que não tem uma justificativa teórica exata
ainda, então não sei se seria possível fazer uma tradução para um outro
simbolismo.
442

Bem, temos que encerrar a aula por hoje. Até a próxima.

10
Nota do revisor: essa é a apostila chamada Notas sobre a mentalidade ou disposição da mente.
443

www.icls.com.br

Cosmologia e Astrologia Medieval


– Aula 12
Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada pelo professor.


444
445

Transcrição: Carlos A. G. Nascimento, Leonardo F. Boaski, Paulo H. B. Ribeiro,


Rafael Vanni, Revisão: Danilo Roberto Fernandes
446

Índice

1. Introdução ao tema da aula: teoria do simbolis mo 3

2. Os objetos categóricos 3

3. Os objetos não categóricos 3

4.Os Céus (experiências não categóricas ou espirituais) e a Terra


(experiências categóricas) de que fa la a Bíblia 4

5.O erro do dualismo cartesiano: considerar como realidade apenas


a Terra (res extensa e res cogitans) e negar a realidade dos Céus
(espírito) 5

6.Os objetos não categóricos (ou Céus) como símbolos e medida


valorativa dos objetos categóricos (ou coisas terrestres) 5

7. A diferença entre o símbolo e o signo (ou sinal) 7

8. O simbolis mo do dia e da noite, do Sol e da Lua 8

9. Importância e natureza das práticas religiosas 9

10. O simbolis mo de Saturno 9

11. O cristianis mo como mística da encarnação 10

12. O simbolis mo de Marte e Vênus 11

13. O simbolis mo de Mercúrio e Júpiter 11

14. O simbolis mo de um mapa natal 12


447

15. Esquema do simbolis mo dos planetas e dos signos por eles regidos
13

15.1. Sol e Lua, regentes de Leão e Câncer respectivamente 14


15.2. Marte, regente de Áries e Escorpião, e Vênus, regente de Touro
e Libra 14
15.3. Mercúrio, regente de Gê meos e Virge m, e Júpiter, regente de
Sagitário e Peixes 14
15.4. Saturno, regente de Capricórnio e Aquário 15

16. As metades solar e lunar do zodíaco 15

17. O modo de presença de Saturno nos diversos signos 15

18. Considerações finais acerca da natureza do simbolismo dos


planetas e signos 16
448

1. Introdução ao tema da aula: teoria do simbolismo.

Até a última aula, tratamos de técnicas astrológicas como o cálculo


de temperamento e de mentalidade. Por isso, hoje o assunto será
sobre a teoria do simbolismo, que é a fundamentação teórica da
Astrologia. As indicações de leitura já foram dadas.

A primeira coisa a se entender é que, atualmente, é comum haver


uma espécie de reducionismo quando se encara os fenômenos
naturais. Na observação da nossa vida, vemos que ela é uma sucessão
de experiência às quais correspondemos de maneira interna:
percebemos as coisas acontecendo, sentimos inclinações e passamos
a nos corresponder a elas. A vida é uma interação sucessiva entre o
sujeito e diversos objetos, ou entre o sujeito em suas diversas
instâncias e entre os objetos em suas diversas instâncias. Em nenhum
momento esse sujeito e esses objetos aparecem como uma pura e
simp les massa corpórea quantitativa. Por exemplo: quando vemos
uma sala, percebemos formas e cores. Essas formas e cores não são
vistas como radiações, frequências da energia eletromagnética etc.
Elas são vistas como figuras e cores. O mundo se apresenta a nós
como figuras e cores que são ou belas, ou indiferentes, ou
repugnantes. Assim, a nossa existência consiste nessa interação.

2. Os objetos categóricos.

No mundo da vida humana real, apresentam-se dois tipos de


objetos. O primeiro deles são os objetos categóricos, que são os
definíveis em categorias e que, portanto, são pertencentes ao mundo
delas. Esses são os objetos formais no sentido guenoniano da
palavra “formal”. Se vemos um cachorro andando, pensamos que ele
449

é um tipo de animal, que um animal é também um tipo de ser vivo, e


que um ser vivo é também um tipo de substância. Nesse ponto
chegamos ao limite lógico de definição da coisa. Então, esse é um
tipo de objeto perceptível.

3. Os objetos não categóricos.

O outro tipo de objeto que percebemos são os não categóricos,


justamente por não poderem ser definidos em categorias. Por
exemplo: quando vemos a beleza de um animal, ou do nascer e do
pôr do Sol, percebemos que isso é bonito e belo. Nessas
experiências, a beleza está evidentemente diante de nós, e é uma
experiência tão real quanto à experiência de perceber um cachorro
ou uma pedra em algum lugar. No entanto, a beleza não é um tipo de
coisa. Ela é algo que se apreende nas coisas. O mesmo vale para a
verdade: quando alguém diz que estamos em São Paulo ou em
alguma outra cidade qualquer, apreendemos nessas palavras uma
verdade, ou seja, uma correspondência entre elas e outras
experiências. A verdade não pertence a uma das categorias, porque
ela não se reduz apenas à relação. E também isso ocorre com a
bondade. Digamos que alguém esteja sem dinheiro e com um bebê
doente precisando ir ao médico. Se alguém oferece o dinheiro para
pagar o tratamento, a bondade desse ato não é mensurável
quantitativamente pelo seu valor monetário. Todo ato de bondade
tem essa característica não mensurável.

A bondade, a verdade e a beleza não podem ser mensuráveis


quantitativamente, isto é, não fazem parte do mundo da matéria. Mas
essas três coisas também não podem ser enquadradas em uma das
categorias, pois ainda que estejam presentes nestas, não podem ser
enquadradas no mundo das formas. Elas são a manifestação daquilo
450

que o Guénon chama de “o terreno do supraformal”, ou seja, da


manifestação pura. Por que esses fenômenos são chamados
supraformais ou manifestações puras? Porque são coisas que não
podem ser aprisionadas. Tudo o que é quantificável é algo
manipulável fisicamente e pode ser aprisionado, separado, contado,
pesado, dividido, fundido com outro.

Por isso enfrentamos uma barreira toda vez que nos perguntamos por
que alguma coisa é bela. Seria pela proporção? Pela simetria? Pela
cor? Na verdade, isso é tudo conversa fiada, pois num caso pode ser
a simetria que revela a beleza de algo, noutro caso pode ser a
proporção, noutro ainda pode ser a cor ou qualquer outra coisa. Cada
vez que algum idiota inventa um conceito de beleza, na semana
seguinte surge um artista que faz uma coisa bonita contrária a esse
conceito. Se um idiota diz, por exemplo, que a beleza do rosto
humano é a simetria, na semana seguinte surge um artista que
desenha um rosto assimétrico e bonito e outro simétrico e feio. É
algo que não podemos agarrar nem em termos lógicos ou
categóricos, e nem em termos quantitativos e materiais. A beleza, a
verdade e a bondade são coisas que são ou não percebidas. Ou a
pessoa tem a sensibilidade para percebê-las ou não tem. Elas não
podem ser pensadas, agarradas ou medidas. São dons espirituais.
451

A palavra “espírito” antigamente significava exatamente isso: algo


que não pode ser contido, que não pode ser aprisionado nem numa
fórmula especulativa, nem numa caixa. Não se pode colocar algo
espiritual nem numa proveta, e nem no raciocínio especulativo, que é
uma proveta mental. As coisas que existem em nossa mente e no
mundo corpóreo às vezes são veículos de bondade, beleza e verdade.
O que existe em nossa mente e no mundo corpóreo s erve de
instrumento para que as percebamos, mas a própria bondade, verdade
e beleza não são redutíveis a nenhuma das coisas.

4. Os Céus (experiências não categóricas ou espirituais) e a Terra


(experiências categóricas) de que
fala a Bíblia.

As pessoas não costumam lembrar que a vida é constituída desse


tipo de experiência por conta de uma série de reducionismos
históricos que entraram em suas cabeças. Alguns personagens
cruciais que participaram desses reducionismos podem ser citados :
William de Ockham, René Descartes, Isaac Newton e Kant. Cada um
deles deu sua contribuição para que a humanidade ficasse um pouco
mais idiota.

Porém, a verdade é que nossa experiência básica continua sendo a


mesma: as coisas corpóreas podem ser entendidas em categorias,
mas nelas se manifesta algo que não é limitável em termos
categóricos. Esses dois tipos de experiências são a capacidade que o
homem tem de perceber as duas coisas criadas por Deus:

“No princípio Deus criou os Céus e a Terra”.


452

O que se quer dizer com “Terra”? Essa palavra se refere às coisas


limitadas, que são definíveis seja quantitativamente seja logicamente.
“Terra” é aquilo que pode ser limitado, e aqui é usada para designar
tanto a forma quanto a matéria das coisas naturais, que são todas
compostas de forma e de matéria. E o que se quer dizer com a
palavra “Céus”? Com essa palavra, Deus se refere ao que o homem
experimenta como beleza, bondade e verdade; se refere àquilo que é
ilimitado, indefinível, inaprisionável e que, no entanto, circunda e
abarca todas as coisas limitadas.

A Bíblia começa com uma afirmação irrefutável. Quando se diz que


Deus criou os Céus e a Terra, é como se Ele dissesse que a criação é
composta de duas coisas, e que, se olharmos nossa experiência,
veremos que ela é exatamente assim. Que Deus tenha criado os Céus
e a Terra pode até ser matéria de fé, mas só o é se a pessoa for idiota,
porque ao observarmos nossa própria existência, vemos que ela é
constituída dessas duas experiências. Não precisamos de fé alguma
para constatar isso. O que é matéria de fé? Não tentar reduzir um tipo
de realidade à outra. Matéria de fé é tentar se convencer de que não
existe Terra e de que não existem Céus, ou que estes são um eco
daquela e vice-versa.

Mas é preciso observar que esses dois tipos de realidade possuem


certa hierarquia. Os Céus são as realidades puramente espirituais, e
por isso têm uma afinidade com Deus, que é também espírito:

“Deus é espírito, e em espírito e verdade Ele quer ser adorado”.

Já a Terra é composta de coisas materiais e limitadas.


453

Devemos notar que “Céus” e “Terra” não significam essas duas


zonas do universo corpóreo, como se a Terra fosse nosso planeta e os
Céus as galáxias. Não, todas essas coisas são “Terra”, mas todas elas
são “Céus” também, porque estes são a beleza, a bondade e a
verdade que se manifestam nas coisas.

Precisamos entender que, numa cosmovisão tradicional, o mundo, ou


a manifestação para hindus, é constituído de Céus e Terra. A idéia de
que a criação seja constituída apenas da Terra é invencionice, pois
nossa vida não é formada apenas de reações fisiológicas, de
endorfinas etc. Ela não é algo totalmente quantificável, não é algo
que se encaixa em meras categorias e jogos mentais e lógicos. Nossa
vida é constituída de experimentar essas duas realidades, Céus e
Terra, e nós as testemunhamos e com elas interagimos. Das coisas
que dessas duas realidades fazem parte, algumas podem ser definidas
em termos de categorias, algumas podem ser mensuráveis em termos
de quantidade e algumas não podem ser definidas nem de uma e nem
de outra maneira. No entanto, o que não pode ser definido em termos
quantitativos e categóricos nos mostram a qualidade real das coisas.
Os Céus nos dão o senso de verticalidade, do que é mais precioso e
menos precioso, do que é mais importante e menos importante, do
454

que é mais nobre e menos nobre. Todo o senso do que é bom, do que
é importante, do que é dign o e do que não é, vem da experiência que
se tem dos Céus.

Admitir que existe beleza, verdade e bondade, e que seus contrários


são piores do que elas, é necessário até mesmo para um ateu. Se
alguém diz que nada disso existe, que essas coisas são meras
fantasias, que essa pessoa então não nos encha a paciência! Por ter
renunciado a sua condição humana, ela quer que também
renunciemos a nossa; por ela ter renunciado a sua humanidade, ela
considera que todos os seres humanos perderam a sua. E isso
sempre termina em tirania.
5. O erro do dualismo cartesiano: considerar como realidade apenas a
Terra (res extensa e res cogitans) e negar a
realidade dos Céus (espírito).

Devemos nos lembrar que, da escolástica para cá, e mais


especificamente de William de Ockham para cá, tendemos a pensar
na criação como apenas como a Terra. Passamos a não mais acreditar
que “no princípio Deus criou os Céus e a Terra”, mas somente que
Ele no princípio criou a Terra. E mais uma vez devemos nos
perguntar: o que é a Terra? A Terra é mente e corpo; ela é matéria e
pensamento.

As duas coisas que para René Descartes constituem o real, isto é, a


res extensa e a res cogitans, são somente componentes da Terra.
Essas duas coisas não são o espírito, e, no entanto, ele é algo
testemunhado todos os dias em nossa vida. E qualquer tentativa de
explicá-lo por meios materiais ou mentais é uma escolha arbitrária e
reducionista, que nega o que a experiência espiritual tem de única.
455

Quem diz que a felicidade é um processo químico-fisiológico do


cérebro, não sabe a diferença entre o sujeito alegrar-se porque gosta
de comer excrementos e o sujeito alegrar-se porque vê uma mulher
bonita. Quimicamente no cérebro essas experiências são a mesma
coisa, mas se a pessoa não percebe a diferença que há entre uma e
outra, não podemos explicar-lhe, pois ela já renunciou ao senso das
coisas. É impossível explicar algo a alguém nessas condições. Por
isso, devemos perceber como a nossa vida é constituída dessa dupla
dimensão: uma mensurável e outra não.

E devemos notar que até agora falamos apenas da criação, e que não
tratamos do Criador ainda. Uma coisa comum nos dias de hoje é que,
quando falamos dessas coisas espirituais, as pessoas as entendam
como algo divino, sobrenatural ou místico. Sempre haverá alguém
para dizer que as experiências espirituais não fazem parte da esfera
da ciência e do conhecimento. Esse sujeito deve calar a boca! Não
estamos falando de Deus. Estamos falando do que vemos com
nossos próprios olhos, do que saboreamos com nossa própria
língua, do que sentimos com nosso coração. Estamos falando da
nossa vida, da vivência humana, da vida de todos os seres humanos.
Os Céus, isto é, a beleza, a bondade e a verdade, são a razão de
existência da Terra. Um animal procura o alimento porque o
alimento é bom e belo para ele, e não porque o alimento o destrói.
Tudo que existe na Terra está sempre em busca do s Céus, e estes
são a escala pela qual as coisas terrestres podem ser medidas
realmente.

6. Os objetos não categóricos (ou Céus) como símbolos e medida valorativa dos
objetos categóricos (ou coisas
terrestres).
456

Então, podemos dizer que existem duas maneiras de se medir as


coisas. A primeira delas é a maneira quantitativa e formal. Por
exemplo: o peso, a altura e a força de um cachorro são medidas
quantitativas; e a espécie, a raça, e as potências necessárias para ser
um cachorro, como a percepção sensorial e as atividades vegetativas,
são medidas formais.

A segunda maneira de se medir as coisas é, por exemplo, perceber


que o bom cachorro tem as virtudes do guerreiro ideal, sempre
protege a família, sempre ataca os inimigos da família e nunca
confunde a família com os inimigos da família. Essa medida do
cachorro, que permite dizer qual deles é melhor e qual é pior, não o
define como espécie e nem o mede quantitativamente, mas permite
uma avaliação real sobre ele. Entender do que um cão é símbolo é o
que nos permite avaliar a diferença real entre um cachorro e outro em
sua própria, digamos, “caninidade”.

Isso é uma relação tão profunda e objetiva que, na história, grandes


guerreiros e combatentes muitas vezes foram anunciados por sonhos
premonitórios envolvendo cães. Um exemplo clássico disso é que a
mãe de São Bernardo Claraval, quando ficou grávida, teve um sonho
em que dava a luz a um cachorro branco muito feroz. Então, ela foi
ao padre perguntar o que aquilo significava. Este explicou que aquele
homem foi representado por um cachorro pois seria um grande
guerreiro defensor da cristandade, e que a brancura simbolizava sua
pureza. Isso é muito interessante, pois o hábito cisterciense era
branco e São
457

Bernardo foi o fundador dos Templários. Ou seja, ele pôs ordem na


milícia cristã e foi mesmo um grande guerreiro. Os grandes
guerreiros são sempre representados pelo cão, e há mesmo uma raça
de cachorros chamada São Bernardo.

Hoje o cachorro só é usado como símbolo da baixeza, mas ele tem


suas qualidades próprias e es tas são perfeitamente análogas às do
guerreiro. Em todos os povos existe essa relação, mesmo, por
exemplo, nos mongóis. A mãe de Genghis Khan também teve um
sonho em que o filho dela era um cachorro celestial. Isso não é uma
associação feita pelas pessoas. Pelo contrário, as pessoas olharam os
cães e perceberam a que realização esse animal tende e a que ideal de
perfeição ele busca em sua existência.

O cachorro é um animal que não tem medo de nada. Nos seus


encontros com os ursos na Romênia, por exemplo, podemos ver um
pequinês os enfrentando e os colocando para correr. Os cães nunca
confundem e nunca mordem a família. São guerreiros ferozes e, ao
mesmo tempo, não são criaturas violentas que atacam seus amigos. É
evidente que este é um ideal de perfeição escrito no próprio animal,
que este é o seu arquétipo ou modelo celestial que ele persegue. E
não somente isso: esse é o modelo celestial que dá origem à própria
existência canina na Terra.

Aluno: (inaudível).

Gugu: De modo geral, no ambiente semítico, o cachorro repres enta o


impuro; na bíblia, ele regularmente o representa; e no ambiente
muçulmano a mesma coisa. Aliás, a missa começava com “foris
458

canes”, que significa “os cães saiam”. A palavra “cães” era entendida
como o não batizado, que no momento da missa deveria sair, pois
esse rito só era destinado a quem era puro, ou seja, a quem já tinha
recebido o batismo.

Aluno: (inaudível).

Gugu: O sujeito pode inventar o que for, mas, no final, isso é uma
escolha arbitrária, porque ele não quer reconhecer que em sua
experiência há algo de ilimitado. Ele não quer reconhecer que sua
experiência e sua vida real se abrem para certas possibilidades que
transcendem as coisas. Mas a verdade é que a vida do cachorro o
inclina a esse propósito transcendente. Mesmo a existência das
pedras as inclina a isso, pois cada pedra tem um molde que ela capta
em si mesmo e nas coisas, e ao qual ela tenta corresponder. E é claro
que, quando falamos na captação da pedra, não queremos dizer ser
essa uma captação que remeta a faculdades cognitivas. Porém, há sim
uma captação desse propósito transcendente nelas.

Aluno: (inaudível).

Gugu: A afinidade de São Francisco com a natureza está justamente


no fato das coisas naturais serem belas e despretensiosas. Há uma
leveza, mesmo uma despretensão nas coisas naturais. Já as coisas
humanas às vezes são carregadas de pretensão. A superioridade do
homem sobre as coisas da natureza o torna eventualmente muito
orgulhoso, e isso é algo que não encontramos num cachorro, numa
árvore, num rio. Essa é uma sobrecarga que carregamos e que
regularmente temos de nos livrar; regularmente temos de fazer jejum
459

só para isso ir embora, só para lembrarmos que também somos


apenas uma pedra, que morreremos um dia e viraremos terra num
túmulo.

As exigências da vida fazem com que nos levemos muito a sério. Por
quê? Porque temos que fazer contas, temos que trabalhar, temos que
receber um salário e isso dá um trabalho muito grande. Por isso nos
levamos tão a sério. E de vez em quando precisamos parar e pensar
que isso tudo não é importante, que um dia morreremos. Devemos
parar de pensar nessas coisas para olhar o pôr do Sol e esquecer a
vida um pouco. E então veremos que as árvores estão fazendo isso
naturalmente, pois elas não se sobrecarregam de “arboricidade”
como nos sobrecarregamos de humanidade. Elas não fazem drama
acerca da vida delas, enquanto nós somos cheios de drama e
estamos sempre pensando em como somos importantes, em como
ninguém gosta de nós, em como fizemos algo bom para alguém e
outra pessoa brigou com a gente. Ficamos muito carregados disso e
de vez em quando precisamos descarregar. Quando São Francisco
olhava as coisas naturais, ele via que elas nunca reclamam. Se damos
uma machadada na árvore, ela não reclama.
460

Então, podemos dizer que os extremos do simbolismo se tocam: as


coisas terrestres mais baixas como os vegetais, os minerais e as
pedras, são também as mais espontâneas e puras. Essa simplicidade,
essa despretensão, essa ausência de tensão e drama, é o traço dos
Céus nelas. Já o ser humano é das coisas terrestres a mais elevada e
mais nobre. Mas com isso esquecemos que somos uma coisa
terrestre, enquanto uma pedra nunca esquece isso.

7. A diferença entre o símbolo e o signo (ou sinal).

Devemos nos lembrar que todo símbolo é uma referência ao


conteúdo celestial das coisas. O símbolo é uma referência aos Céus, e
tem de ser distinguido de outras coisas semelhantes, como os nomes
das coisas. Quando falamos “cadeira”, essa palavra é um sinal ou
signo. Se desejamos que alguém entenda do estamos falando, basta
mostrarmos uma cadeira que a pessoa entenderá, a não ser que ela
seja muito burra. Precisamos reparar que os sinais estão sempre se
referindo a coisas, seja em suas quantidades concretas imediatas, seja
em suas estruturas formais. A palavra “cadeira” ou significa a cadeira
na qual estamos sentados, ou significa a cadeira na qual Fulano está
sentado, ou ainda significa a estrutura formal que define todas as
cadeiras. Com essa palavra estamos nos referindo ou a um limite
material, a uma quantidade de matéria, ou estamos nos referindo a
um limite formal.

Esse é o porquê dos sinais não poderem ser símbolos, pois sempre
podemos trazer à outra pessoa o objeto em sua integridade e
inteireza, sempre podemos mostrar a cadeira da qual estamos
461

falando, sempre podemos dar a definição da estrutura formal do


objeto do qual estamos falando com seu gênero próximo e sua
diferença específica. O sinal é, portanto, meramente conveniente,
pois teríamos muito trabalho se, ao falar, precisássemos apontar cada
objeto a que nos referimos. As palavras então são sinais
convenientes, mas, caso necessário, se o receptor da mensagem
estiver muito em dúvida, podemos lhe mostrar a cadeira ou lhe dar a
definição teórica de cadeira.

Mas isso não ocorre com a beleza, a bondade e a verdade. Es sas


são coisas que só podemos indicar indiretamente. Mesmo que
vejamos uma coisa bela e a apontemos, pode ser que o sujeito não
experimente a beleza naquele momento, pode ser que ele diga estar
vendo apenas um colorido. Quando à verdade, se explicarmos
alguma coisa a alguém, pode ser que ele entenda a explicação
mentalmente e a considere uma hipótese razoável, e, ainda assim,
não capte a identidade entre nossa descrição, os conceitos que
expressamos com palavras e a coisa conceituada. Nesse caso, ele
pode não captar essa relação transcendental que é a verdade: o
sujeito entendeu o discurso, mas não a coisa acerca da qual se
discursava. Não temos o poder de apresentar a beleza, a bondade e
a verdade para o outro como podemos apresentar as coisas
terrestres. Podemos apenas indicá-las. E porque só podemos indicá-
las, para elas existe uma linguagem própria.

A simples linguagem das palavras é suficiente para indicar as coisas


que se podem tornar presentes. Quando, por exemplo, falamos
“cadeira”, não é preciso que esse som evoque por si mesmo a
imagem da cadeira. Por quê? Porque podemos mostrar a cadeira para
462

o indivíduo. Por isso, não é necessária uma relação direta entre o som
da palavra e a coisa referida. Porém, quando falamos das realidades
celestes, não podemos pegá-las e botá-las na cabeça da outra pessoa.
E mais uma vez é importante dizer que com “realidades celestes” não
estamos falando de Deus. As realidades celestes são um elemento da
criação. Portanto, a melhor maneira de indicá-las são os símbolos,
cujos sinais possuem em si algo da realidade simbolizada.

É interessante notar que Deus começa a Escritura usando símbolos


em vez de usar um grande discurso racional. A Bíblia não começa
dizendo que, “no princípio, Deus criou coisas mensuráveis
quantitativamente e logicamente, e coisas não mensuráveis”. Em vez
disso, Ele nos diz que, “no princípio, Deus criou os Céus e a Terra”.
Por que são usados símbolos? Porque se observarmos a experiência
concreta da nossa vida, a Terra é aquilo que podemos medir, aquilo
que está dividido claramente em pedacinhos: há aqui uma pedra, ali
um rio, acolá uma árvore e um cachorro. Já os Céus são uma
totalidade envolvente e ilimitada dentro da qual a Terra existe.
463

8. O simbolismo do dia e da noite, do Sol e da Lua.

A segunda coisa que lemos na Bíblia é, justamente, que Deus criou a


luz e com isso estabeleceu dia e noite:

“Disse Deus: Haja luz; e houve luz. E viu Deus que a luz era boa; e fez
separação entre a luz e as trevas. Chamou Deus à luz Dia, e às trevas Noite.”

Os Céus, então, se apresentam na experiência humana como dia e


noite, o que nos diz que dia e noite são as principais diferenças
qualitativas dos Céus. E é justamente do simbolismo desses dois
aspectos que qualificam as coisas espirituais que surge o simbolismo
astrológico fundamental do Sol e da Lua.

Desse modo, o que a noite representa? Ela representa o poder que os


Céus têm de reunir as coisas ao seu princípio. Na noite as coisas se
juntam, se unem, se guardam e repousam. Então, isso é a intimidade,
ou a familiaridade, ou mesmo a própria unidade, num certo sentido,
das coisas celestes (ou espirituais) com seu princípio, que é Deus. Os
Céus guardam em si algo que recebem diretamente de Deus. Eles são
receptivos para com Deus e estão em união com Ele. Os Céus estão
do lado divino das coisas. E a Lua? Ela representa a receptividade, a
afinidade e a familiaridade dos Céus, daquilo que é espiritual, em
relação a Deus. Os Céus e seus habitantes fazem parte da família dO
Espírito. E devemos fazer outra advertência nesse ponto: não
podemos confundir os Céus com seus habitantes, os santos e os
anjos, que são parte da família divina e celestial.
464

Então, podemos notar que, quando estamos diante da bondade, da


beleza e da verdade, nossa alma sente uma afinidade com essas
coisas. Nossa alma sente um amor íntimo e natural pela beleza, pela
bondade e pela verdade. Ela pressente imediatamente que aquilo é
algo da sua família, que ela pertence àquela ordem. E a Lua
representa justamente isso, a familiaridade das coisas com os Céus, e
mesmo a familiaridade destes com Deus. É evidente que existem os
tolos e insensatos que odeiam a verdade, o bem e a beleza. Mas
também é evidente que eles são tolos e insensatos. Eles só
inventaram confusão na cabeça deles. Ao observamos as pessoas
boas quando estas vêem a beleza, a bondade e a verdade, percebemos
que elas sentem um amor profundo por essas coisas, percebemos que
elas sentem que tudo isso já estava dentro delas.

E o dia, o que representa? Representa os Céus como aquilo que


vivifica as coisas terrestres. O dia representa justamente a
explicitação do conteúdo das coisas divinas. Então, quando estamos
diante da beleza e com ela nos alegramos, essa alegria nos mostra
uma medida, uma afinidade profunda, uma qualidade única das
coisas. Este é todo o simbolismo do Sol: os Céus como manifestação
de um conteúdo transcendente. Enquanto a noite reúne as coisas, o
dia as mostra. Enquanto a Lua representa a familiaridade e a
intimidade dos Céus com Deus, o Sol representa a dignidade e a
santidade do Deus que se manifesta. É evidente que, além de
percebermos essa familiaridade e intimidade, percebemos também
como a beleza, a bondade e a verdade são coisas preciosas e valiosas.
Essa experiência é muito importante, pois ao mesmo tempo
percebemos uma afinidade íntima e uma exaltação da realidade,
percebemos que essas coisas estão acima e dentro de nós . Assim, o
465

Sol representa justamente esse aspecto dos Céus. Ele nos faz
perceber essa realidade que está acima de tudo, que é melhor e maior
do que tudo. E a Lua é a percepção de que isso está dentro de nós,
que existe um lugar em nossa alma só para isso.1

E quanto ao simbolismo dos signos? Quais deles podemos associar


ao Sol e à Lua? Podemos dizer que o simbolismo de Leão 2 e Câncer3
é justamente este: a dignidade e a excelência das coisas celestiais
quanto ao primeiro signo; e a intimidade dos Céus com a sua própria
fonte, que é Deus, quanto ao segundo.

1
Nota do revisor: a Lua, então, representa a participação e intimidade nossa e das coisas celestes com
Deus; ela representa co mo que um retorno de tudo o que é espiritual ao seu princípio e origem. Já o Sol
representa a transcendência e infinitude das pr óprias coisas celestes e de Deus; ele representa como
que o caminho inverso da Lua, ou seja, representa o caminho da unidade ao inf inito e transcendente.
2
Nota do revisor: o planeta regente de Leão é o Sol.
3
Nota do revisor: o planeta regente de Câncer é a Lua.
466

9. Importância e natureza das práticas religiosas.

Mas alguém poderia nos perguntar: há, para cada pessoa, algo que
determina a percepção dessas realidades celestes? Na verdade, essa
percepção é um dom divino. É Deus quem a dá, pois o Espírito sopra
onde quer. O que podemos fazer é nos esforçar muito. Mas como?
Em primeiro lugar, devemos constatar que os Céus existem, estão
diante de nós e passam por nossas vidas. Então, após isso, devemos
nos dedicar a todos os exercícios religiosos de purificação, de
limpeza e de humildade, para que nos tornemos mais receptivos a
essas realidades celestes. Por fim, devemos aprender a sempre
equilibrar o dia com a noite, ou seja, devemos aprender a perceber o
quanto os Céus são grandes e maiores, mas também o quanto eles nos
são profundamente íntimos.

Assim, é muito importante que a pessoa piedosa tenha essa intenção


em suas práticas religiosas. É muito importante ter em mente que
todas as orações, os jejuns, as esmolas, as leituras e meditações são
tanto uma forma agradecimento porque o Senhor nos mostra os Céus,
quanto uma forma de limpeza daquilo em nós que é incompatível
com as realidades espirituais e que Ele em nós opera, para que os
vejamos mais e com eles sejamos afins. Devemos lembrar que o
propósito das atividades religiosas é nos tornar familiares com os
Céus, com o Espírito, e que essas práticas são extremamente
preciosas. Elas são dons de Deus, que permitiu ao homem, como diz
São Serafim de Sarov, “com coisas terrestres comprar bens celestes”,
porque rezar é falar, é mover o corpo com uma intenção, é uma coisa
física e mental. Todas essas práticas religiosas são coisas terrestres
com as quais compramos bens celestes, então temos sempre de
467

lembrar que seu valor é o de negociação, isto é, seu valor é o de


adquirir os bens celestes. E é por isso que é ruim não rezar.

Mas também é um pouco ruim as pessoas pensarem que rezar é um


valor em si mesmo, que rezar não é algo que fazemos para obter bens
celestiais. Quem assim pensa, raciocina em termos de méritos
quantitativos: se Fulano fez cem orações, ele só pode ser melhor e
mais santo do que Beltrano, o qual fez cinquenta. Porém, isso está
errado, Fulano não é mais santo por isso. Na verdade, são os bens
celestiais que qualificam as pessoas e todas as coisas. E a religião é a
moeda com a qual compramos esses bens celestiais. O que fazemos
com uma moeda? Certamente não a comemos, pois é fedida, e serve
para que com ela compremos os bens celestes. Mas se a religião é só
uma moeda de troca, por que devemos muito praticá-la? Justamente
para criar essa afinidade com os Céus, para tornar nossa mente livre
de movimentos que a impedem de tirar proveito dos momentos em
que o Espírito e nos mostra a beleza, a bondade e a verdade.

10. O simbolismo de Saturno.

O Sol então está no meio, mais abaixo dele está a Lua, e mais em
cima está Saturno.4 Como dissemos, o Sol representa a presença do
celestial, a manifestação do celestial, e a Lua representa aquilo que
abraça o celestial imediatamente por uma afinidade profunda, porque
no fundo ambos compartilham de uma mesma natureza. A Lua é a
afinidade, a intimidade ou a familiaridade do sujeito em relação à
presença celestial. E Saturno? Ele representa, pelo contrário, a
ausência e a descontinuidade entre qualquer fenômeno terrestre e os
fenômenos celestiais. Saturno, em seu melhor, representa a
consciência de que os Céus não são a Terra. Na perspectiva desse
planeta, não adianta explicarmos a natureza da beleza, pois qualquer
468

explicação terrestre acerca dela estará distante de sua realidade.


Saturno é a intuição do celestial pela diferença entre este e o terrestre.
Nesse sentido, Saturno é o oposto do Sol, que é a intuição pela
presença imediata. Saturno intui o ilimitado pela diferença entre este
e o limitado.

Por exemplo, se mostrássemos a um sujeito a beleza do pôr do Sol,


ele poderia dizer que isso é o efeito da refração da luz na atmosfera, e
que por isso esse fenômeno se torna belo. Saturno diria que ele não
captou a beleza ainda, pois isso o que disse acerca da refração da luz
é apenas a abstração do fenômeno visual que é a cor do pôr do Sol.

Num outro sentido, Saturno representa as práticas de mortificação e


de isolamento; representa os mosteiros, toda a espiritualidade zen e a
espiritualidade trapista. A vida monástica, segundo este planeta, seria
apenas os trabalhos, como lavar a louça, e as rezas diárias, e também
tudo aquilo que não se viu enquanto se fazia essas coisas.

4
Nota do revisor: é interessante que o aluno veja a figura um do tópico quinze desta aula.
469

Um exemplo disso é um sujeito que foi a um mosteiro trapista e


voltou todo decepcionado de lá, porque os monges do local
trabalhavam cerca de oito horas por dia na lavoura. Ele pensou que as
pessoas ficavam lá cantando hinos a Deus e a Jesus Cristo, quando na
verdade elas ficavam apenas com a mão na enxada. E eles falam: O
lado positivo do Saturno é justamente esse, que é representado pela
vida num mosteiro trapista e num mosteiro zen. Esse lado positivo é
o trabalho, a simplicidade e a despretensão. As pessoas pensam que
sob um mosteiro paira toda uma aura espiritual, mas não se trata
disso. Espiritualidade para esses monges é aquilo que não vemos
enquanto vivemos a nossa vida diária, é aquilo que não tem forma, é
aquilo que não tem limite, é aquilo que não tem cor. Em suma, é
aquilo que não é a vida terrestre limitada, pois o ilimitado não pode
ser definido.

Uma das coisas mais impressionantes na existência é observar o


sorriso de um verdadeiro monge trapista ou monge zen. É um sorriso
muito despretensioso, sem afetação de espiritualidade, sem afetação
de uma profundidade ou de um suposto amor por alguma coisa. Não,
um monge desses observa algo , diz como esse algo é legal e então
sorri. E quando ele percebe que estamos ficando muito místicos, nos
explica que a vida espiritual consiste em trabalharmos e rezarmos
todos os dias da mesma maneira. Esse é o tipo de espiritualidade
mais saturnina que há, pois é muito profunda. Mas ela é também
profundamente despretensiosa e desapegada. Nenhum monge trapista
se destaca dos outros monges trapistas. São todos iguais.

Devemos observar que, nesse sentido, Saturno não é o planeta que


mais fundo chega em tentar mostrar simbolicamente a verdadeira
espiritualidade. Não, esse é o jeito de Saturno mostrar o que há de
470

mais profundo na própria realidade. Já o jeito do Sol mostrar o que


há de mais profundo no real é nascendo. Assim, alguns podem falar
que há certa pretensão no Sol. Porém, nada mais errado do que isso,
pois ele não é pretencioso, ele é majestade. Não há pretensão alguma
no Sol, mas se o homem tenta imitar esse modelo exaustivamente,
acaba ficando pretensioso. Se ele tenta imitar exaustivamente o
modelo de Saturno, fica prosaico, terrestre e mesquinho. Na verdade,
o homem precisa de todos esses alimentos, e existem diversos tipos
de espiritualidade por causa das diversas necessidades naturais.

Cada um dos planetas e dos signos é um modo dos Céus


aparecerem. E os Céus são, simultaneamente, a mais brilhante
majestade e dignidade, a mais íntima familiaridade e amor, e a mais
despretensiosa e oculta de todas as coisas. Os Céus são aquilo que
ninguém viu. Ninguém jamais viu Deus, e essa é uma expressão bem
trapista, bem zen, bem saturnina. Ele é aquilo que não vimos. A
expressão “não é bem assim” é a favorita das pessoas saturninas, e
também a seguinte: “Você não entendeu direito, há algo que você
não viu, há uma coisa que escapou”. Desse modo, a profunda
aceitação de que os Céus são aquilo que nos escapa é uma maneira
de união com eles, assim como a intimidade e familiaridade lunar
também o é, e da mesma forma que o senso de dignidade e
majestade do Sol também. Todas essas são maneiras de interagir
com os Céus.

11. O cristianismo como mística da encarnação.

Uma coisa que percebemos quando estudamos as ordens religiosas


católicas é que o modo de vida delas é bem claramente uma extensão
da personalidade, do temperamento e da mentalidade dos seus
fundadores, que universalizam um tipo com a sua santificação. A
471

regra monástica de um fundador de uma ordem religiosa é quase uma


encarnação do tipo espiritual dele. E é justamente esse o porquê da
gravidade do rompimento com a regra, pois metade da potência
espiritual se perde quando a esquecem. Hoje as pessoas esquecem
que o cristianismo é uma mística da encarnação, de algo tomar uma
forma fixa para que nos alimentemos dela. As regras das ordens
cristãs têm essas características, isto é, elas são encarnações da
santidade daquele sujeito. E viver a regra da ordem é comungar
daquela forma de presença do Verbo.

É interessante apontar que, na espiritualidade islâmica, as tariqas se


diferenciam principalmente pelas fórmulas de orações usadas e pelo
aspecto do livro que é enfatizado. Isso, para os muçulmanos, é mais
importante do que qualquer regra disciplinar, porque a
espiritualidade islâmica é uma recordação feita por meio do livro. Já
uma espiritualidade cristã é uma encarnação, e essa é uma diferença
de ênfase e estilo. Por isso, a regra é muito mais importante do que
aquilo que o santo falava. E, evidentemente, alguns santos podem ser
mais saturninos, alguns mais venusinos e alguns mais jupiterinos.
Porém, eles o são no sentido mais puro e elevado dessas palavras,
não somente no seu sentido astrológico, mas no sentido dessas coisas
como símbolos dO Espírito. Esses símbolos não são a expressão da
psicologia do fundador da ordem, mas sim expressão do molde
espiritual dele! E a sua própria psicologia é também somente uma
expressão desse molde!
472

12. O simbolismo de Marte e Vênus.

Voltando ao nosso tema, dissemos ser possível entender o


simbolismo dos planetas a partir do simbolismo do Sol. Como dito, a
Lua e Saturno são dois modos maximamente diferentes dos Céus se
manifestarem em relação ao Sol. Também podemos analisar da
mesma maneira Vênus e Marte, que são os planetas mais próximos
ao Sol na estrutura das esferas planetárias na cosmovisão
tradicional.

Vênus é o céu que está logo abaixo ao Sol, e Marte, o céu logo
acima. Podemos notar que Marte e Vênus são justamente como que
os dois efeitos mais imediatos da presença do celestial. Então, Marte
representa o fervor interno de quem sente a necessidade, quando nota
a presença, a nobreza e a dignidade celestial, de agir dessa maneira.
Marte representa o romper com a nossa mesquinhez e pequenez.
Assim, Marte representa essa vitalidade de rompermos com o que é
menor em nós. E Vênus representa, pelo contrário, o aspecto de
beleza da presença celestial, representa a presença celestial como fim
almejado.

Por isso, podemos dizer que Marte é um Sol enfatizando a vida que
surge em nosso interior para que vençamos e superemos nosso mal e
pequenez. E Vênus representa a razão pela qual queremos superar
esses aspectos negativos, representa onde queremos chegar. Marte é
um leve desequilíbrio na direção do movimento, e Vênus é um leve
desequilíbrio na direção do repouso, considerando o Sol como a
manifestação mais centrada e equilibrada do celestial. O Sol é a
nobreza, Marte é o aspecto guerreiro dessa nobreza, e Vênus o
aspecto cortês.
473

13. O simbolismo de Mercúrio e Júpiter.

Logo ao lado do signo de Câncer temos Gêmeos, e ao lado de Leão


temos Virgo, ambos regidos por Mercúrio. E, nas órbitas da esfera
celeste, Mercúrio está dois céus abaixo do Sol, e Júpiter está dois
céus acima do astro rei. E o que podemos dizer sobre Mercúrio?
Podemos dizer que ele representa a capacidade de semelhança das
coisas terrestres em relação às coisas celestes, representa a
capacidade que as coisas terrestres têm de imitar as celestes,
representa a capacidade que as coisas terrestres têm de serem
perfeitas adequações aos seus modelos celestes, representa o
entendimento da linguagem da natureza. Mas isso de que maneira?
Mercúrio representa olharmos um cachorro e sabermos o que ele
significa, e que tal cão é perfeito e um outro não. Esse planeta é a
capacidade de ler nas imagens as coisas imaginadas.

E será que há algumas cores que podem ser associada ao simbolismo


de cada um dos planetas? Há várias cores que podem, mas nesse
momento não iremos enfatizar muito isso, porque queremos chegar
aqui a indicar a raiz celestial ou espiritual dos significados desses
símbolos. Queremos usar hoje os signos e os planetas não como
símbolos astrológicos, não como símbolos da técnica astrológica
referentes às coisas. O que queremos é indicar a raiz simbólica deles
mesmos: o que eles representam nO Espírito?

Então, se pensarmos assim, o Sol pode ser considerado o Batman e


Mercúrio o Robin; ou o Sol pode ser considerado o samurai perfeito,
o guerreiro perfeito, o cavaleiro, e Mercúrio o aprendiz que interpreta
as ações do cavaleiro e as imita, para assim crescer àquela estatura.
Mercúrio é, por exemplo, a arte de entender o que é o cachorro em si,
474

para que após esse entendimento se crie e se eduque cães tendo em


vista esse modelo de perfeição. Mercúrio é a arte posterior à
percepção e a intuição, as quais são relacionadas ao Sol e à Lua.

Devemos sempre entender os signos a partir dos planetas: no meio


das esferas celestes temos o Sol, de um lado temos Mercúrio e do
outro temos Júpiter. O Sol representa o homem nobre. Mercúrio
representa seu escudeiro ou seu aprendiz, representa o jovem que está
subindo àquela estatura. E Júpiter representa o cavaleiro já
aposentado, já retirado do campo de batalha, porque, não estando no
auge de suas forças físicas, ele ainda dá as diretrizes e orientações. O
Sol representa o sujeito entre esses dois planetas, o sujeito que está
entre a energia criativa da juventude e a percepção sábia da velhice.
O Sol é o capitão, Mercúrio é o tenente, e Júpiter é o general, o
coronel, o sujeito que dá a orientação geral.

Mercúrio então representa a capacidade que os Céus nos dão para


que entendamos e assim possamos medir e transformar a Terra. Ele é
a capacidade de imitar os Céus, ou, ainda, a capacidade que os Céus
têm de imitar a Deus. Assim, Mercúrio é um princípio de atividade.
Júpiter representa, ao contrário, a capacidade que os Céus têm de agir
apenas em função da receptividade ao seu princípio. Mercúrio é
como uma atividade que visa a uma recordação dos Céus e à
produção de uma imagem deles. Já Júpiter é
475

como que a lembrança e o repouso neles, para que assim essa


imagem celestial se reproduza por si mesma. Então, Mercúrio é a
atividade que termina em contemplação, e Júpiter é a
contemplatividade que termina em ação.

Que exemplo podemos dar de um tipo de espiritualidade jupiterina?


A arquearia zen. O arco é um símbolo muito jupiterino, pois apenas
puxamos sua corda e nos mantemos atentos, esperando que algo
acertará o alvo para nós. Júpiter é isso, é esse olhar vago na direção
do seu princípio e a posterior espera. E o que é essa espera? É a
passividade contemplativa que produz a ação perfeita e exata.
Mercúrio é a atitude contrária, é o exercitar-se numa atividade para
que se recupere a recordação do seu significado. Assim, Júpiter é
uma espécie de oração silenciosa, é um silêncio para que escutemos a
palavra de Deus, e Mercúrio é uma repetição da palavra de Deus para
que recordemos o seu sentido. Mercúrio é uma produção de imagens
para se resgatar o imaginado. Júpiter é um repouso na orientação
daquilo que é imaginado, é um repouso na orientação do celeste, que
termina por produzir uma imagem.

Temos sempre que lembrar que os Céus são o intermediário natural


entre a Terra e Deus. Eles são uma maneira de Deus se manifestar
para a Terra, e uma maneira da Terra receber Deus. Os Céus
representam isto: um meio de interação entre a Terra e Deus. Ora,
essa interação pode se dar de muitas maneiras. Ela pode ser evidente,
espontânea, imediata e equilibrada, assim como é evidente que o Sol
nasce e que ele é a coisa mais brilhante e mais nobre que existe. E em
que consiste essa nobreza? Ou o sujeito espontaneamente está no
centro do palco, ou ele observa a natureza do que está nesse centro, o
que irá gerar nele um sentimento ou marcial de elevar-se àquela
476

altura, de romper com a sua pequenez, em suma, os sentimentos


heróicos e sacrificiais, ou irá gerar os sentimentos corteses de
correspondência pacífica àquilo e o amor à beleza do que é nobre.

Do mesmo modo, se temos a intuição da presença do divino, o que


fazer para permanecermos nela? Podemos fazer como Mercúrio e
repetir várias vezes uma imagem daquela presença. O que é o “orai
sem cessar”? É repetir uma imagem para se recuperar a presença
divina. No “orai sem cessar”, o que fazemos? Repetimos a oração
mais e mais, prestando atenção a se estamos fazendo uma imagem
correta da realidade da santidade. Por quê? Porque se continuarmos
fazendo isso, em algum momento iremos captar, nessa imagem, a
presença real e original daquilo que é celeste. Ou então podemos
fazer como Júpiter: silenciar-nos e olhar na direção dos Céus
enquanto nos desapegamos das outras direções, para que então eles
se manifestem como uma flechada. O processo descrito, por
exemplo, na Nuvem Do Não-Saber, é uma atitude jupterina: devemos
esquecer as coisas, pôr-nos numa nuvem de esquecimento e esperar
as flechadas de Deus.

A atitude de Júpiter é uma atitude de passividade. É a certeza de


que os Céus estão presentes por si mesmos, e por sua própria
natureza e generosidade eles se manifestam a nós. É a sabedoria de
que, se estivermos apenas os olhando pacificamente, eles se nos
apresentarão. Isso é o que representa Júpiter. Já Mercúrio nos diz
que talvez estejamos sendo preguiçosos por dormir e esperar que
eles cheguem por si. Mercúrio nos diz que temos de nos exercitar,
que temos de lembrar e fazer imagens dos Céus. Este planeta nos
diria: “Jesus Cristo não apareceu? Ponha um ícone na sua frente. Os
anjos não desceram até você? Faça a novena dos anjos. Exercite-se
na recordação dos Céus, e eles se tornarão presentes para você”.
477

Por isso, quando a atitude jupterina vira preguiça, está na hora de


colocar em ação a atividade mercurina. E quando a atividade
mercurina vira agitação, está na hora de colocar em prática a
serenidade jupiterina.

14. O simbolismo de um mapa natal.

A fundamentação da Astrologia consiste no fato dos planetas e os


signos serem realmente símbolos , isto é, consiste no fato deles
indicarem algo do que é essa beleza, bondade e verdade as quais
guiam o mundo o tempo todo, e as quais, ao mesmo tempo, indicam
qual a fonte e o propósito do mundo o tempo todo. E isso quer dizer
o quê? Isso significa que, quando olhamos nosso mapa astrológico,
em vez de usá-lo para massagear nosso próprio ego, devemos saber o
seguinte: ele não é o nosso mapa, ele é um mapa do Céus. É um
mapa de como a beleza, a bondade e a verdade aparecem como
ausência, presença, vida, paz, imagens diferenciadas e receptividade.
Por acaso, somos uma das coisas criadas no momento em que os
Céus -- entendidos não como o conjunto das bolinhas que estão
voando em cima de nossas cabeças, mas como essa dimensão
espiritual do mundo -- estavam agindo daquela maneira.

Isso significa que, se aprendermos a nos guiar em nossa existência


pela beleza, bondade e verdade, se buscarmos corresponder a isso nas
formas adequadas, e se procurarmos criar afinidade com essas coisas,
478

no fim da vida, quem olhar para nós verá também um mapa dos
Céus. E este será muito parecido com nosso mapa natal. Por
exemplo, digamos que o Saturno de alguém que procedeu dessa
maneira estava em Touro. Então, o aspecto celestial representado por
esse signo aparecia na vida desse sujeito como uma ausência, como
uma intuição daquilo que não foi captado, como um “não é isso!” O
Sol nesse mesmo signo aparecia como um modo de presença, ou seja,
era onde podíamos ver a nobreza dessa pessoa, a sua correspondência
espontânea e imediata à inspiração celeste. E assim por diante.

Mas também podemos não fazer esse esforço. Podemos pensar que
não existe a beleza, a bondade e a verdade. Podemos achar que o
desejo de nos enobrecermos e de nos tornarmos seres humanos
melhores, assim como a esperança de nossa salvação, são coisas dos
antigos. Podemos acreditar que devemos mesmo é aproveitar a vida e
encher a barriga, e que devemos fazê-los de maneira científica,
obviamente, para que todas essas coisas sejam feita da maneira mais
eficaz possível! No entanto, nosso mapa natal, nesse caso, será
simplesmente a indicação de uma frustração e de como realmente
não fomos nada, porque esse mapa não é realmente nosso, mas é sim
o mapa dos Céus. Só houve uma coincidência de termos nascido
naquele momento.

Se alguém nasceu quando Saturno estava em Touro, há um aspecto


da beleza, da bondade e da verdade que, ao aparecerem na forma e
no estilo desse signo, faz o sujeito perceber uma ausência, um “não é
isso, não é essa a coisa!”. E se ele não perceber isso, se dará mal,
porque os Céus estão lhe mostrando Touro na forma de Saturno,
segundo a qualidade desse planeta. Por isso, um mapa astrológico
não é uma descrição da psicologia de um indivíduo ou de um grupo
de indivíduos. Ele é uma descrição de como os Céus -- entendidos
479

aqui como a presença do espiritual no ambiente das coisas medidas,


como a presença do ilimitado no seio do limitado – apresentam-se
para as coisas, e como essas coisas podem corresponder a eles.

15. Esquema do simbolismo dos planetas e dos signos por eles


regidos.

Fig.1.
480

Fig. 2.
481

15.1. Sol e Lua, regentes de Leão e Câncer respectivamente.5

Para entendermos essas coisas, os modelos fundamentais que


devemos ter em mente são o dia e a noite, e o Sol e a Lua. Entender
o simbolismo do Sol é perceber que o Espírito é evidente, e que é
evidente que Ele nos transcende e é maior do que qualquer coisa. O
Sol simboliza a aceitação de algo superior. Se uma pessoa duvidar da
superioridade deste planeta, ela deve fazer um teste: tentar olhá-lo
fixamente. O que acontecerá? Ela ficará cega, mas talvez aprenda
uma lição. E o simbolismo da Lua, qual é? É perceber que o bem, a
beleza e o Espírito, são algo com que temos uma afinidade profunda.
Há algo dentro de nós que é da mesma natureza e só existe para
essas realidades espirituais.

15.2. Marte, regente de Áries e Escorpião, e Vênus, regente de Touro e


Libra.

Dessa percepção da presença da verdade, da bondade e da beleza,


surgem dois potenciais, e logo percebemos como essas coisas nos são
superiores. Então, o primeiro desses potenciais é a tomada de
consciência de que devemos melhorar, vencer nossos defeitos e viver
de acordo com isso; e tomamos consciência de que viver de acordo
com isso é morrer para nós mesmos. Qual planeta simboliza isso?
Marte, que é o regente de Áries e Escorpião. Áries representa
justamente a identificação espontânea com a vida de acordo com o
que é celestial, e Escorpião representa o sacrifício que é necessário
para se ter essa vida.
482

Já Vênus é a significadora do segundo desses potenciais que surgem


com a percepção dos Céus, e representa o amor, o desejo, a
gentileza, a gratidão e a paz que essas realidades celestes nos
causam. Diante das realidades espirituais, percebemos que não
temos o direito de agir de maneira descuidada e desleixada, o que
exige uma perfeição, educação e etiqueta de nossa parte. O celeste é
belo, é o que desejamos, e isso é representado por Touro; mas ele
também exige uma etiqueta, e isso é representado por Libra. O signo
de Touro representa a percepção clara do quanto a beleza enriquece
nossa vida, de como é nela que repousamos, de como é nela que
temos paz e segurança, e do quanto ela é firme. Touro representa a
percepção de que a beleza é algo que tem de ser preservada,
guardada e mantida, porque ela é preciosa em si mesmo. E Libra
representa o quanto essa beleza exige que a tratemos de uma
maneira adequada e correspondente, pois a beleza sensível exige a
beleza de comportamento. A beleza, em Libra, não é algo para ser
usada, mas para ser tratada com dignidade e delicadeza. Para esse
signo, a beleza é algo a que temos de corresponder com a devida
dignidade, é algo que exige nossa gratidão. E a educação é a
gratidão à beleza. É por causa de Libra que falamos “Santíssima
Virgem” e não somente “Maria”. Libra seria aquilo que exige uma
mudança do nosso jeito de nos comportar perante a Soberana
Princesa. E Touro seria aquilo que faz com que guardemos uma
imagem da Mãe de Deus com carinho e como a coisa mais preciosa
que temos.

15.3. Mercúrio, regente de Gêmeos e Virgem, e Júpiter, regente de


Sagitário e Peixes.

Chegamos a Mercúrio e Júpiter. Mercúrio rege Gêmeos e Virgem.


Virgem representa a dedicação à perfeição formal de cada ato, pois
os Céus não podem ser representados por algo imperfeito, mal feito
483

e desleixado. O sujeito que vai à missa, fica se coçando e pega a


bíblia como se estivesse pegando uma revista Veja é o oposto do
que represente esse signo. O ator de ir a uma missa exige uma
perfeição formal. Portanto, se queremos saber o que são os Céus,
temos de representá-los em nossa vida de maneira perfeita, sem
desleixo e sem preguiça. Já o lema de Gêmeos é: “sem cessar”. Esse
signo representa a necessidade de sempre estarmos atentos para que
entendamos o sentido das imagens que produzimos. Não adianta
fazermos apenas uma coisa perfeitinha e nada mais. Temos de fazer
muitas coisas e nunca parar, pois a vida é uma sucessão de
exercícios.

E do outro lado temos Júpiter, que rege Sagitário e Peixes. Sagitário


representa justamente essa lembrança da direção dos Céus: basta
lembrarmos que eles estão lá e que irão nos alcançar aqui, enquanto
os alcançaremos lá. Já para Peixes não existe “aqui” e “lá”, pois os
Céus já estão aqui! Quem disse que a Terra está em algum outro
lugar que não os Céus? Para esse signo, basta parar de querer pegar
as coisinhas terrestres que elas deixam de ser meras coisinhas
terrestres, pois elas só são isso enquanto as tratamos assim. O mundo
só é Terra porque fechamos os olhos para os Céus.

5
Nota do revisor: observar a figura dois para os tópicos subsequentes.
484

15.4. Saturno, regente de Capricórnio e Aquário.

E com Saturno temos então Capricórnio e Aquário. Ambos


expressam o seguinte: “O Céu não é isto”. Capricórnio, porque
pertence à metade solar do zodíaco, representa esse planeta usando a
força do Sol, representa esta percepção: “Não é isso ainda, não
estamos no topo da montanha. É preciso subir mais, purificar mais,
disciplinar mais”. E Aquário é um Saturno lunar, que representa isto:
“Não é isso. É o que está mais íntimo, mais fundo, mais sutil”.6

16. A metade solar e lunar do zodíaco.

Devemos lembrar ainda que há uma metade solar e uma metade lunar
do zodíaco. Temos, por exemplo, um signo mercurino solar e um
signo mercurino lunar. E podemos perceber que o primeiro é um
Mercúrio no estilo do Sol, no estilo da presença, da medida objetiva
e da exaltação dos Céus, enquanto o segundo signo, que é Gêmeos,
é um Mercúrio no estilo da Lua, no estilo da intimidade, do que vem
de dentro e é afim às realidades celestes.

Mas dizemos isso porque esses signos pertencer ao hemisfério do


zodíaco em que está o Sol, e que portanto faz com que eles alternem
entre positivo e negativo? Fazemos essa divisão s omo se
estivéssemos olhando um mapa em que o Ascendente esteja no
começo de Áries, o que faz com que todos os signos que estiverem
acima dessa linha sejam solares e os que estiverem abaixo sejam
lunares? Não. Os signos de Leão, Virgem, Libra, Escorpião,
Sagitário e Capricórnio são a metade solar do zodíaco, e os outros
signos são a metade lunar. Como estabelecemos isso? Dividimos o
zodíaco da seguinte maneira: fazemos uma linha de 0º de Leão até 0º
485

de Aquário. A metade que estiver no território da linha em que o


signo de Leão está é a metade solar, e a metade que estiver no
território da linha em o signo de Câncer está é a lunar.7

Por exemplo, Marte rege Áries e Escorpião. Marte é o esforço de


dominar-se e de superar-se para que se corresponda aos Céus. Como
Áries faz isso? Ele olha essas realidades celestes e conclui: “Eu sou
isso!” Ele se identifica com os Céus e entra nesse rio de vitalidade. Já
Escorpião se pergunta o que há de contrário às realidades espirituais
e mata o que houver. Então, Escorpião apela para a objetividade do
bem que é capaz e que tem o direito de eliminar o mal. Áries apela
para a subjetividade do bem. Para esse signo, existe em nós um fundo
ao qual podemos apelar e que é o mesmo que as realidades
espirituais. Portanto, Áries é regido por Marte usando a força da Lua
e Escorpião é regido por Marte usando a força do Sol. Devemos notar
que isso é o que signos simbolizam, e não o que temos em nossa
vida. Teremos isso apenas se formos santos. Nesse caso, o zodíaco
será assim para nós.

17. O modo de presença de Saturno nos diversos signos.

Quanto ao modo de presença de Saturno, como ele é um planeta que


gera muitas dúvidas, diremos mais algumas coisas sobre ele. Como
ele aparece nos diferentes signos? O tipo de ausência saturnina que
uma determinada pessoa experimenta em sua vida é o que os signos
mostram. Se o sujeito entender o simbolismo de cada signo como
uma direção celestial, e a partir disso ele observar o signo em que
tem Saturno, ele perceberá que, na experiência de vida dele, não há
nada natural que possa garantir-lhe a posse dos Céus, e que quem lhe
dá essa posse não é Terra, é Deus, é o Senhor do universo
486

Como dissemos Escorpião é aquilo que percebe que o bem objetivo


nos liberta do mal. E o sujeito que tem Saturno nesse signo percebe
que não há nenhuma coisa neste mundo que pode libertá-lo do mal:
dinheiro não o libertará do mal, cerca elétrica não o libertará do mal
etc. E então ele se pergunta: “Quem me libertará do mal? Só o
Senhor do universo pode me libertar do mal.”

Se o sujeito tem Saturno em Touro, ele se pergunta: “Quem me dará


a satisfação de repousar na beleza? Só o Senhor do universo pode me
dar isso. Não é o acumular coisas belas e ficar rico. Só Deus pode me
dar isso, porque eu posso acumular coisas belas e riqueza, mas ainda
assim sinto privação e pobreza.”

6
Nota do revisor: deve-se perceber o movimento de Capricórnio, que se volta para fora de acordo com o
simbolismo do Sol, e o movimento de Aquário, que se dá para dentro de acordo com o simbolismo da
Lua.
7
Nota do revisor: ver a figura dois.
487

A pergunta de quem tem Saturno em Peixes é: “Quem pode me


mostrar o sentido de tudo isso que liberta, não do mal, mas do
sofrimento e da tristeza? Quem me libertará da tristeza? Quem me
libertará da pequenez, da falta de sentido, da confusão que é o
mundo?”

Saturno em Áries: “Quem me dará essa força do Bem? Quem me


dará essa vida própria e autêntica? Apenas Deus pode me dar.”

Saturno em Gêmeos: “Quem me dará a perseverança inteligente, a


perseverança lúcida? Só Deus , pois, se eu tentar, não consigo”.
Como Gêmeos representa o sujeito que gera imagens sucessivas dos
Céus para estar sempre no fio do entendimento dessas imagens,
tendo Saturno nessa posição, a pessoa se pergunta: “Quem
perpetuará os Céus no tempo para mim? Apenas Deus.”

Saturno em Câncer: “Quem me dará essa união íntima com a


felicidade? Como eu não estarei vazio aqui? Este vazio que foi feito
para Deus, quem vai preenchê-lo? Isto mesmo que sente afinidade
com o que há de melhor e celestial está só. Quem irá preenchê-lo? Só
Deus.”

Saturno em Leão: “Quem me dará a dignidade dos Céus? Quem me


dará a honra de ser aqui e agora o representante dos Céus? Quem me
porá nesse centro, nesse trono? É Deus. Só Deus.”
488

Saturno em Virgem: “Quem me dará a perfeição? Quem me dára algo


perfeito? Quando tudo estará no seu lugar, sem nenhuma fraqueza,
sem nenhuma imperfeição?”

Saturno em Libra: “Quem me dará exalar o perfume de uma flor e ser


esta correspondência à beleza? Quem me dará a natural gratidão e
graciosidade de Deus? Quem me dará a gentileza de Deus? Quem me
tornará justo e gentil?”

Saturno em Sagitário: “Quem me mostrará o sentido disso tudo?


Quem me permitirá alcançar os Céus, nem que seja só com o olhar?
Onde eles estão? Para que direção olho? Quero esperá-lo, mas não
sei para que lado olhar.”

Saturno em Capricórnio: “Quem me livrará da indignidade? Quem


me elevará? Quem não me humilhará?”

Saturno em Aquário: “Quem me mostrará aquilo que o olho não viu e


o coração não pressentiu? Quem me levará até lá?”

Dito isso, entender Saturno é profundamente humilhante. Saturno


não é apenas uma ausência, se fosse uma mera ausência não seria
problemático, porque o homem não é infeliz por não ser anjo. Não é
apenas uma ausência, é a percepção de algo que é necessário, que é
maximamente desejado e amado e que nada que é natural pode dar.
Não é a percepção de uma ausência, é a percepção de uma privação.
É como se fosse uma presença que não pode ser fruída.
489

Por exemplo, quem tem Saturno em Touro tudo como sendo feio.
Não, ele vê a beleza também, mas, ao vê-la, se pergunta: “Como
posso ter uma vida que é apenas repousar na beleza?” E então ele vê
que nada pode dar isso para ele. E ele olha os outros e vê que nos
outros não está doendo tanto , o que significa que eles devem estar
mais ricos do que ele.

Por isso, não se trata apenas de uma ausência. Mas tendo Saturno
num determinado signo, o sujeito experimenta a vivência daquela
dimensão celestial e diz: “Caramba! Isso aqui é melhor do que tudo.
Se eu viver só nisso, todos seus problemas acabaram!” Porém, ele
tenta uma coisa, tenta outra coisa e tenta outra ainda, mas nunca
consegue atingir esse objeto desejado.

18. Considerações finais acerca da natureza do simbolismo dos planetas


e signos.

Falamos mais de Saturno, mas devemos usá-lo como símbolo em


contraste com o Sol. Na próxima aula tentaremos fala do Sol, porém
sempre tendo em mente que, mesmo quando usamos um traço
psicológico
490

para indicar o seu simbolismo, o assunto não é o traço psicológico


em si. Esse traço psicológico é apenas um símbolo de uma coisa
celestial que estamos querendo indicar. Então, Touro representa o
repouso na beleza, porque nos Céus tudo repousa em beleza. Áries
representa a vitalidade que é o amor ao que é melhor. Por quê?
Porque nos Céus todos têm essa vida em relação a Deus.

Então, quando usarmos um traço psicológico ou um objeto material


para indicar algo do simbolismo dos planetas, devemos perceber que
o símbolo não se reduz a essas coisas. Um símbolo existe porque
existem coisas que o discurso humano não pode tornar presente por
si. Se falarmos de uma coisa e pensarmos que ela é algo que
podemos presente, então já não entendemos o que é o simbolismo. A
própria explicação do símbolo é muito menor do que o símbolo
sempre. Essa representação verbal é um instrumento para que
olhemos o símbolo como janela.

Com toda a certeza podemos dizer que um símbolo é uma matriz de


intelecções. Devemos olhá-lo e perceber que às vezes os Céus
aparecem em nossa vida na forma de Touro, na forma de fruição e
repouso na beleza. Às vezes eles aparecem como correspondência à
beleza, como gentileza, como graça, o que é simbolizado por Libra.
Este signo representa a graça, a gratuidade da beleza, o que é dado
por acréscimo; representa aquilo que nem mesmo Salomão em sua
glória recebeu, e que, no entanto, está presente numa simples flor.

Temos que perceber cada signo dessa maneira. Se assim fizermos e


começarmos a observar a nossa vida, veremos que os Céus se nos
491

mostram nessas formas. E dependendo de onde tivermos o Se alguém


tem Saturno em Touro, não adianta ele pensar que pode corresponder
à fruição da beleza como quem tem o Sol, Mercúrio ou Júpiter nesse
signo.

Os Céus, em seu sentido tradicional, são a parte espiritual da Criação,


são aquilo pelo qual chegamos a perceber que o que é criado tem
uma fonte excelente. Porém, a existência das realidades espirituais é
parte da natureza, enquanto a possibilidade de irmos para os Céus é
um dom sobrenatural, pois o homem não tem o poder de ir até eles
como se isso fosse uma simples mudança de endereço. Como dito, a
existência dos Céus e a presença deles diante do homem não é algo
da religião, e sim da existência real. Foi Deus que nos amou primeiro
para que nós pudéssemos amá-Lo, e esse é o dom da criação.

As pessoas querem salvar suas almas, querem ser santas, querem ser
muito religiosas, mas não aprenderam a receber nem mesmo o
primeiro dom de Deus, que é a criação. E a criação em sua totalidade
é composta de Céus e Terra, e não somente a mesquinhez das
coisinhas terrestres. Estas são veículos acidentais da beleza, da
bondade e da verdade.

Por isso, em primeiro lugar temos que agradecer a Deus pela criação,
temos que perceber como tudo isso que o Senhor fez é muito bom. E
depois, temos que nos perguntar: como corresponder a iss o? As
pessoas querem ficar muito santas antes de se alimentarem da criação
de Deus por uma doideira que há na cabeça delas. Elas separam o
sobrenatural e o natural, e pensam que se ficarem apenas orando um
492

anjo lhes aparecerá e lhes falarão. Não, isso está errado. Quando
vemos a beleza de uma flor, quando vemos a bondade de alguém,
quando surge em nós a bondade e temos o desejo de fazer uma coisa
boa e a fazemos, isso são os Céus falando conosco. Temos que
reparar nessas coisas e escutar os Céus.

Então, quando olharmos nosso mapa, é legal sabermos a parte


técnica de calcular o temperamento e a mentalidade; é legal ver se
seremos ricos ou pobres. Mas um mapa natal não é o que somos, e
não somos um assunto interessante nem para nós mesmos. Esses
mapas que analisamos são mapas do mundo, e esse é um assunto
muito mais interessante. Aí, quando analisarmos as pessoas, veremos
o que é simbolizado por Sol em Touro, e como isso é perfeito. E
nesse momento estaremos aprendendo tanto a técnica astrológica
quanto o simbolismo. Estaremos percebendo como os Céus trazem
os dons celestes na existência terrestre. E também estaremos usando
isso para aprendermos a adorar Deus em espírito e verdade, o que
vale muito mais do que a técnica astrológica. De fato, se
aprendermos apenas o simbolismo astrológico, percebendo como os
Céus se nos manifestam de diversas maneiras, mas não aprendermos
nada da técnica astrológica, nossa vida será muito melhor do que se
tivéssemos aprendido todas essas técnicas e continuássemos sendo
idiotas.
493

E de que forma aprendemos a identificar a beleza, a bondade e a


verdade? Como criamos sensibilidade para essas dimensões
espirituais? Temos que procurar contemplação de belezas cada vez
maiores, mais perfeitas, mais elevadas, mais sutis. Temos que ir para
cima e depois olhar e medir bem o que está abaixo disso. E com os
signos isso se dá da mesma maneira: temos que ir o mais longe que
podemos no simbolismo de Áries, de Touro, de Gêmeos etc., para
quando olharmos alguém que tenha Sol em Gêmeos, percebermos
toda essa dimensão dele. É o mesmo processo que passamos
quando estamos aprendendo a apreciar música, pintura e dança, ou
quando estamos apreendendo um raciocínio, uma verdade ou a
dialética. Como fazemos tudo isso? Temos que nos exercitar com o
que é cada vez melhor naquele campo específico, até criar essa
sensibilidade, para que então olhemos as outras coisas de acordo
com nossa experiência real do celestial.

Por exemplo, nas aulas de dialética ensinamos um ou dois temas, e os


analisamos dialeticamente para que o aluno entenda essas questões
aqui o mais claramente e detalhadamente possível. Quando ele chega
a entender claramente um conceito e compara essa experiência com
todos os outros pensamentos que tem, percebe que alguns deles não
são tão claros como imaginava e que são apenas um embaralho
mental. A mesma coisa acontece com o aprendizado da música: a
pessoa ouve um intérprete bom, ouve outro melhor e outro melhor
ainda. Quando ela ouvir um músico ruim, perceberá imediatamente a
qualidade inferior dele.
494

Então, se queremos analisar o comportamento das pessoas que, por


exemplo, tem Sol em Gêmeos, devemos proceder da mesma maneira,
caso contrário não aprenderemos nada. Temos que entender a
natureza celestial que é Gêmeos, para quando olharmos essas pessoas
percebermos que Fulano é um Gêmeos bem feito, que Ciclano é um
Gêmeos mal feito, e que Beltrano não é Gêmeos, mas Virgem.

O hábito de contemplar os Céus é o que nos permite medir a Terra.


Como falamos anteriormente, se entendemos o arquétipo do cão e o
que ele simboliza, nos tornamos capazes de dizer qual é o cachorro
mais perfeito e o menos perfeito. E é dessa maneira que podemos
medir as coisas terrestres adequadamente. Se olharmos só os
cachorros, se apenas os medimos, os pesamos e os comparamos um
com outro trezentas vezes, não aprenderemos nada. Aprenderemos
apenas que um é mais gordo e outro é mais magro, que um é mais
alto e outro é mais baixo, que um late mais agudo e outro mais grave,
que um é tem olhos maiores e outro as orelhas. E isso não nos diz
nada acerca do que torna um cão perfeito ao seu modelo ideal ou
não.

Ficamos então por aqui. Até à próxima aula.

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