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O Que é Cosmologia Tradicional (Hangout)

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O Que é Cosmologia Tradicional (Hangout)


Prof. Luiz Gonzaga de Carvalho

Transcrição não revisada ou corrigida pelo professor.

O que é cosmologia tradicional1? Por que chamá-la “cosmologia tradicional” e


não simplesmente “cosmologia”? Vamos começar pela palavra “cosmologia” no
contexto desta expressão “cosmologia tradicional”. O sentido básico ou fundamental
da palavra é mais ou menos claro: Cosmos significa este universo que conhecemos,
o mundo dos fenômenos, que aparece e desaparece diante de nós o tempo todo, ou o
conjunto dos fenômenos cuja existência é testemunhada por nós. Cosmologia seria o
estudo dos fenômenos que acontecem no universo. Embora a palavra “cosmos”
signifique o universo como um todo, cosmologia não significa o conjunto de todas
as ciências possíveis sobre as coisas existentes no universo, mas somente, num certo
sentido, um enfoque mais universal; não é o estudo das árvores, ou dos planetas, ou
dos animais, mas do que todas essas coisas têm em comum – que é o fato de elas
num determinado momento surgirem, existirem e interagirem umas com as outras,
nas suas maneiras próprias, e depois desaparecerem. Cada uma dessas coisas
consiste num ente natural, no sentido da filosofia medieval, ou seja, um ente, algo
dotado de ser, mas que nasce num momento e desaparece no outro; algo composto
de forma e matéria, no sentido aristotélico. Portanto, cosmologia é o estudo disto,
nos termos mais gerais: como as coisas surgem e desaparecem, e o que elas são
enquanto existem, entre o seu surgimento e o seu desaparecimento?

“Tradicional” significa basicamente esse estudo tal como foi praticado desde a
Antiguidade grega até a Idade Média, sob a ótica da cristandade medieval.
Poderíamos usar ao invés de “cosmologia tradicional” a expressão “cosmologia
cristã”, mas isso teria alguns inconvenientes. Primeiro, um inconveniente aos
cristãos: “cosmologia cristã” pode dar a impressão que esse estudo faz parte do
depósito da fé, daquilo em que um cristão tem que crer e meditar, daqueles
conhecimentos ou verdades que ele tem que integrar na sua vida. Isso pode impor a
um cristão um fardo completamente artificial, fazê-lo pensar que precisa aprender
cosmologia para ir para o Céu, ou que algum erro em relação a isso vai levá-lo para
o inferno. Mas isso não é verdade, para ser um bom cristão ninguém precisa fazer
um estudo de cosmologia. Por outro lado, é verdade que um estudo de cosmologia
pode enfatizar aspectos da realidade cósmica tal como ela aparece para nós na
revelação cristã. Então, ainda que a cosmologia medieval tenha começado pelos
gregos, o seu texto fundamental é o Gênesis, o relato dos seis dias da criação – esse
é o resumo do cosmos do ponto de vista cristão.

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Trecho do Hangout “Cosmologia Tradicional & Ciência Moderna” realizado em Dez. 2014.

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O Que é Cosmologia Tradicional (Hangout)

E há também um inconveniente ao não-cristão. “Cosmologia cristã” pode levá-


lo imediatamente a pensar “Isso não tem nada a ver comigo, eu não me interesso por
esse assunto. Eu quero apenas compreender o universo, as coisas que acontecem
nesse mundo em que nós vivemos. Se isso é especificamente cristão, não tem
importância para mim”.

Veja bem, a cosmologia não é exclusivamente cristã. Mesmo os autores cristãos


que trataram de cosmologia o fizeram dentro de uma tradição de conhecimento – daí
o uso da palavra “tradicional”. Quer dizer, os filósofos gregos encararam o cosmos
desta maneira, levantaram estas e aquelas idéias e hipóteses para explicar o que é um
ente natural, o que é cosmos, o que é a “ordem”, o que é o mundo, o que é o
universo; e os pensadores cristãos simplesmente pegaram essas investigações e lhes
acrescentaram algo, retificaram uma parte, rejeitaram outra, e juntaram aquela
referência com a base intelectual da tradição cristã, que é a Revelação da Bíblia. Ao
mesmo tempo, filósofos e pensadores judeus e muçulmanos fizeram a mesma coisa.
Então, todos esses filósofos gregos, cristãos, judeus e muçulmanos fazem parte
dessa tradição cosmológica – que inclusive herda indiretamente elementos das
tradições egípcias, da astrologia caldaica, de coisas que até antecedem a influência
dos filósofos gregos. O que importa é que existe uma tradição justamente nesse
sentido. Quando Sto. Tomás fala de cosmologia, ele primeiro comenta o Livro das
Causas, que foi escrito alguns séculos antes, muito provavelmente por um judeu ou
muçulmano, baseado em Proclo, um autor grego, baseado em Plotino, baseado em
Platão e Aristóteles, e assim por diante. Existe então um desenvolvimento, uma
cadeia de transmissão mais ou menos regular de quais são as idéias fundamentais a
serem tratadas. Nesse sentido é mais conveniente chamá-la “cosmologia tradicional”
do que “cosmologia cristã”, ainda que seja a cosmologia à qual aderiram os grandes
pensadores da cristandade: Sto. Tomás, São Boaventura, ou Sto. Alberto pensavam
em cosmologia todos nessa mesma linha. E nenhum deles tinha o menor receio de
pegar elementos descobertos ou desenvolvidos por um pensador judeu, grego pagão,
ou muçulmano; o importante era se esses elementos serviam para ilustrar ou
desenvolver o núcleo fundamental da cosmologia cristã que é o relato dos seis dias
da criação, o Gênesis.

Podemos dizer que a base da cosmologia cristã é, por um lado, o relato dos seis
dias da criação – os dois primeiros capítulos do Gênesis – e a passagem no
Evangelho de São João em que é dito que todas as coisas foram feitas por meio do
Verbo e nada foi feito senão por meio Dele. Esse é o núcleo essencial da cosmologia
cristã, e essas duas coisas certamente fazem parte do depósito da fé cristã. A
disciplina filosófica “cosmologia cristã”, porém, não faz parte do depósito da fé, ela
ilustra ou desenvolve esse depósito na direção de investigar o que é o universo em
torno de nós. Ela é cristã na medida em que não contradiz esse depósito original e,
na verdade, se inspira nele; mas ela é, digamos, extra-cristã na medida em que ela
lança mão de recursos de uma tradição de pensamento que é anterior à cristandade e
também se estende para fora dela, no mundo judaico e no mundo islâmico.

Transcrição: Carlos Augusto G. do Nascimento

Revisão: Tiago de Pauli

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