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PRÓXIMA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
Organização
Fernanda Bellicieri
Glaucia Davino

CAPA
CAPA
CAPA
HISTÓRIAS DE ROTEIRISTAS
MÚLTIPLAS TELAS SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

São Paulo
PM Studium
ANTERIOR
ANTERIOR
2012
ANTERIOR

2
APOIO:

CAPA
CAPA
CAPA

PARCEIRO:
SUMÁRIO
SUMÁRIO
University of Nevada Las Vegas SUMÁRIO

FICHA
NUDRAMA — ECA — USP FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

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ANTERIOR

3
Ficha catalográfica elaborada por: PMStudium Comunicação e Design.

Histórias de roteiristas: Multiplas Telas | organização: Glaucia Davino


e Fernanda Bellicieri. São Paulo: Universidade Presbiteriana Mackenzie,
2012.

ISBN: 978-85-62814-09-9
610 p. ; 51 il.; 0 vid.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

978-85-62814-09-9
FICHA
FICHAFICHA
1. Audiovisual. 2. Roteiro. 3. Comunicação. I. Núcleo Audiovisual – UPM.
II. Centro de Comunicação e Letras - UPM. III. DAVINO, G. IV. BELLICIERI,
F. - IV MACKPESQUISA PRÓXIMA
CDD – 791.043
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

4
CREDITOS

1. C orpo D iretivo I nstitucional


1.1. Corpo Diretivo Universidade Presbiteriana Mackenzie

• Chanceler | Rev. Davi Charles Gomes

• Reitor | Prof. Dr. Benedito Guimarães Aguiar Neto

• Vice-Reitor | Dr. Marcel Mendes CAPA


CAPA
• Decano Acadêmico | Profª Drª Esmeralda Rizzo CAPA

• Decano de Pesquisa e Pós Graduação | Prof. Dr. Moises Ari Zilber


SUMÁRIO
• Decano de Extensão | Prof. Dr. Cleverson Pereira de Almeida SUMÁRIO
SUMÁRIO

1.2. Corpo Diretivo Centro de Comunicação e Letras


FICHA
FICHAFICHA
• Diretor | Prof. Dr. Alexandre Huady Torres Guimarães

• Coordenador de Publicidade e Propaganda | Prof. Dr. Perrotti Pietrangelo Pasquale

• Coordenador de Jornalismo | Prof. Ms. Osvaldo Takaoki Hattori PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA
• Coordenador de Letras | Prof. Dr. Ronaldo Batista

• Coordenador de Pesquisa | Profª Drª Ana Lucia Trevisan

• Coordenador de Extensão | Profª Drª Isabel Orestes Silveira. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

5
2. C omissão O rganizadora
A comissão organizadora foi composta por docentes do Centro de Comunicação e Letras, da Facul-
dade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade Presbiteriana Mackenzie, e por professores pes-
quisadores de outras instituições públicas e particulares.

• Prof Dr Adolpho Queiroz | Líder do Grupo Jornalismo e Marketing Político | Cen-


tro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Profª Drª Angela Schaun | Vice-líder do Grupo Núcleo Audiovisual - NAv | Centro
de Comunicação e Letras - Mackenzie CAPA
CAPA
• Profª Drª Ariane Daniela Cole | Líder do Grupo Design, arte, linguagens e processo CAPA
| Desenho Industrial - FAU - Mackenzie

• Profª Drª Debora Burini | Docente e Pesquisadora do Curso de Imagem e Som | SUMÁRIO
Universidade Federal de São Carlos SUMÁRIO
SUMÁRIO
• Prof. Ms. Edson Capoano | Pesquisador do Núcleo Audiovisual - NAv | Centro de
Comunicação e Letras - Mackenzie
FICHA
FICHAFICHA
• Profª Ms Fernanda Nardy Bellicieri | Pesquisadora do Núcleo Audiovisual -
NAv | Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie Vice- Coordenadora do III
Seminário Histórias de Roteiristas
PRÓXIMA
• Prof. Ms. Flávio Duarte C. de Albuquerque | Pesquisador do Núcleo Audiovisual - PRÓXIMA
PRÓXIMA
NAv | Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Mestrando Francisco Tupy Gomes Correa | Pesquisador no Grupo Cidade do Co-


nhecimento | Universidade de São Paulo ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

6
• Prof. Dr. Gilson Schwartz | Líder do Grupo Cidade do Conhecimento - USP | Dire-
tor para América Latina Games for Change | Universidade de São Paulo

• Profª Drª Glaucia Davino | Líder do Grupo Núcleo Audiovisual - NAv | Centro de
Comunicação e Letras - Mackenzie | Coordenadora do III Seminário

• Profª Drª Leticia Passos Affini | Líder dos Grupos de Estudos Audiovisuais GEA e 
de Alálise do Audiovisual GRAAu | UNESP PPG TV Digital

• Prof. Dr. Pelopidas Cypriano de Oliveira Pel | Líder do Grupo de Pesquisa Artemi-
dia Videoclip | Livre docente do Instituto de Artes - UNESP  - SP
CAPA
• Prof. Dr. Roberto Moreira | Membro fundador do NUDRAMA | Docente e pesqui- CAPA
sador | Universidade de São Paulo CAPA

• Prof. Dr. Rubens Rewald | Membro fundador do NUDRAMA | Docente e pesquisa-


dor | Universidade de São Paulo SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

3. C omissão E xecutiva
A comissão executiva do “3º Seminário Historias de Roteiristas. Múltiplas telas” foi composta por
FICHA
FICHAFICHA
membros internos da Universidade Presbiteriana Mackenzie e por membros de outras instituições
universitárias brasileiras listados a seguir

• Débora Burini | Docente e Pesquisadora do Curso de Imagem e Som | Universidade PRÓXIMA


Federal de São Carlos PRÓXIMA
PRÓXIMA
• Denise C Paiero | Pesquisadora do Núcleo de Estudos de Gênero e Etnia GERE |
Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Fernanda Bellicieri | Vice-Coordenadora do III Seminário | Pesquisadora NAv | ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

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Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Flávio Albuquerque | Pesquisador NAv | Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Glaucia Davino | Líder do NAV | Coordenadora Geral e Presidente do III Seminá-


rio | Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Isabel Orestes da Silveira | Coordenação de Extensão | Centro de Comunicação e


Letras - Mackenzie

• Leticia Passos Affini | Líder dos Grupos de Estudos Audiovisuais GEA e


de Alálise do Audiovisual GRAAu | UNESP PPG TV Digital
CAPA
CAPA
• Osvaldo Takaoki Hatori | Coordenação de Jornalismo | Centro de Comunicação e
CAPA
Letras - Mackenzie

• Pelópidas Cypriano Pel | Líder do Grupo de Pesquisa Artemidia Videoclip | Livre


SUMÁRIO
docente do Instituto de Artes - UNESP  - SP SUMÁRIO
SUMÁRIO
• Perrotti Pietrangelo Pasquale | Coordenador de Publicidade e Propaganda | Centro
de Comunicação e Letras - Mackenzie

• Roberto Moreira | Membro fundador do NUDRAMA | Docente e pesquisador | FICHA


FICHAFICHA
Universidade de São Paulo

• Ronaldo de Oliveira Batista | Coordenador de Letras | Centro de Comunicação e


Letras - Mackenzie PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
• Rubens Rewald | Membro fundador do NUDRAMA | Docente e pesquisador |
Universidade de São Paulo

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

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Alunos de Graduação

• Fernando Berlezzi | Organizador do concurso e mostra de vídeos “Vida de Roteirista” |


Pesquisador do Núcleo Audiovisual - NAv | Centro de Comunicação e Letras - Mackenzie

4. M onitoria
Foi realizada por alunos de graduação do Centro de Comunicação e Letras do Mackenzie, de forma
voluntária. Foram responsáveis por receber os participantes, encaminhá-los, dirimir dúvidas, con-
trolar a frequência e estar presente em cada atividade para auxílio no bom andamento do evento.

• Alana Parra CAPA


CAPA
• Camila Regueiro CAPA
• Eduardo Lima Cabral

• Guilherme Martins
SUMÁRIO
• Isabela Bolzani SUMÁRIO
SUMÁRIO
• Laura de Oliveira Fernandes

• Vitor Watanabe

FICHA
FICHAFICHA
Equipe de Apoio
• Sra. Rosana Mattos

• Sra. Sheila Lima Souza Cunha PRÓXIMA


PRÓXIMA
• Sra. Janaina Santiago PRÓXIMA

5. C omissão T écnico C ientífica ANTERIOR


ANTERIOR
Foi formada por doutores e profissionais convidados pro bono acadêmico, por sua competência ANTERIOR

9
profissional, científica e/ou acadêmica em áreas relacionadas aos temas do Seminário. Foram
responsáveis por avaliar e emitir pareceres sobre os artigos e trabalhos submetidos, opinando
sobre sua qualidade e relevância. Consultores ad hoc foram acionados para emissão de opinião
quando o coordenador considerou necessário.

• Adelina Silva Univ. Aberta de Lisboa e CEMRI

• Alexane Kieling UCB

• Alfredo Caminos RED INAV

• Almir Almas ECA - USP

• Ana Silvia Rocha Ipiranga FUNCAP


CAPA
• Angela Schaun CCL-Mackenzie CAPA
CAPA
• Ariane Daniela Cole FAU - DI- Mackenzie

• Casimiro Pinto Univ. Aberta de Lisboa e CEMRI

• Celso Figueiredo CCL -Mackenzie SUMÁRIO


SUMÁRIO
• Charles Vincent Coordenador Desenho Industrial - FAU - UPM SUMÁRIO
• Glaucia Davino CCL –Mackenzie (presidente Comitê)

• Helena Bonito Couto Pereira PPG-Letras CCL/ Mackenzie

• Isabel Orofino PPGCOM -ESPM FICHA


FICHAFICHA
• Jerónimo León Rivera Betancur Director RED INAV

• João Anzanello Carrascoza PPG ESPM


PRÓXIMA
• Jorge Campos Cinema –Politécnica de LIsboa
PRÓXIMA
• José Ribeiro Pós Graduação Universidade Aberta Lisboa PRÓXIMA

• Leticia Passos Affini Unesp -Radio e TV - Bauru

• Márcia Perencin Tondato PPG ESPM


ANTERIOR
ANTERIOR
• Marcos Rizolli PPG-Educação Arte e Historia da Cultura - Mackenzie ANTERIOR

10
• Maria Cristina Lima Paniago Lopes UCDB, MTS

• Maria do Céu Marques Universidade Aberta de Lisboa

• Maria Fátima Nunes Instituto Superior da Maia - ISMAI, Portugal

• Maria Ignês Carlos Magno PPG Anahembi - Morumbi

• Mônica Morais de Oliveira USP - SP

• Ortelinda Barros Univ. Porto

• Paulo Cezar Barbosa Mello - USP - SP

• Pelopidas Cypriano de Oliveira (PEL) Instituto de Artes - UNESP

• Peo Helín Universidad Murcia, Espanha


CAPA
• Regina Giora PPG EAHC/ Mackenzie CAPA
CAPA
• Rogério Ferraraz PPG Anhembi Morumbi

• Rubens Eduardo de Toledo FAAP - SP

• Sabina Anzuategui Casper Líbero/ Escritora/ roteirista SUMÁRIO


SUMÁRIO
• Tânia Hoff PPG ESPM SUMÁRIO
• Vander Casaqui PPG ESPM

• Vicente Gosciola PUC, SP e PPG/ ANHEMBI MORUMBI


FICHA
FICHAFICHA

6. C omissão E ditorial e A rtística


• Organização | Drª Glaucia Davino PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
• Co-organização | Ms. Fernanda Nardy Bellicieri

• Editor Executivo | Ms Paulo Cezar Barbosa Mello

• Identidade visual | Maria Lúcia Nardy Bellicieri ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

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7. A poios e P arceirias
• Apoio | Mackpesquisa

• Parceiros

• Autores de Cinema [Associação]

• Latin America for games

• Nevada University

• Artemídia Videoclip [grupo de pesquisa IA UNESP]

• Rede Internacional Imagens da Cultura Cultura das Imagens

• Universidade Aberta de Lisboa


CAPA
• Cidade do Conhecimento [grupo de pesquisa USP] CAPA
CAPA
• Red Iberoamericana de narrativa audiovisuales

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

12
SUMÁRIO

A P R E S E N TA Ç ÃO

III SEMINÁRIO HISTORIAS DE ROTEIRISTAS 19


G laucia Davino

P R E F Á C IO

UM UNIVERSO PLURAL: MERCADO E ACADEMIA, PROFISSIONAIS E NOVOS TALENTOS. 28


Alexandre H uady Torres G uimarães

CAPA
C A P ÍT U L O 1 - P E NS AME NTO S, PRÁTICAS E REFLEXÕ ES N AS MÚ LTI P L AS TE L AS CAPA
CAPA
O PERSONAGEM CONCEITUAL E O CINEMA DE FICÇÃO-FILOSÓFICA 31
Leonel A guiar | A ngela Schaun

TELENOVELA: DA PRODUÇÃO À RECEPÇÃO. ASPECTOS DA FICÇÃO BRASILEIRA


TRADICIONAL E TRANSMIDIÁTICA 50 SUMÁRIO
Maria A parecida Baccega SUMÁRIO
IMPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE ROTEIRO NA UNIVERSIDADE -
SUMÁRIO
ESCREVENDO A SESSENTA MÃOS 67
Leandro V ieira Maciel

COMO TORNAR VISÍVEL O INVISÍVEL 90


Roberto Moreira FICHA
FICHAFICHA
ARTEMÍDIA INFLUENTE: ROTEIRO PARA CRIAÇÃO DE ATELIÊ-LABORATÓRIO NA
INTERFACE ARTE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. 102
Célio Martins da Matta | Pelópidas Cypriano de O liveira P el

ROTEIRO PARA GAME: O CASO DO GAME ACADÊMICO ILHA CABU 112 PRÓXIMA
Arlete dos Santos Petry
PRÓXIMA
ENSINAR DRAMATURGIA AUDIOVISUAL- NOVOS PARADIGMAS EM TEMPOS
PRÓXIMA
DE DIGITAL 135
Luciana Rodrigues Silva

GÊNEROS TELEVISIVOS: RETOMADAS HISTÓRICO-CONCEITUAIS NA EXPLORAÇÃO


DOS FORMATOS FICCIONAIS 150 ANTERIOR
ANTERIOR
Marcia P erencin Tondato
ANTERIOR

13
C A P ÍT U L O 2 - R OT E IR O E H ISTÓ RIA: AN ÁLISE E TRAJETÓ RIA D O TE M P O

UMA TRADUÇÃO VISUAL E SONORA DA FEIRA DO VER-O- PESO: EM BELÉM DO PARÁ,


A ESTÉTICA NA CULTURA DE BORDAS. 164
Marlise Borges | Cilene N abiça

I AM DRACULA – O VAMPIRO CAMALEÔNICO DO CINEMA 188


Yuri G arcia

O NOME DA ROSA: UMA VIAGEM À IDADE MÉDIA PELAS MÃOS DE ANNAUD 201
Maria do Céu Martins Monteiro Marques

MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO NO TRATAMENTO CINEMATOGRÁFICO DA HISTÓRIA -


ESTRATÉGIAS NARRATIVAS NO CINEMA DE UGO GIORGETTI 215
Luciano V az F erreira Ramos

HISTÓRIA E MÍDIA: O CINEMA COMO DOCUMENTO 229


Rosana Schwartz
CAPA
NARRATOLOGIA AUDIOVISUAL DO HIP HOP 238 CAPA
Marcos Zibordi CAPA

C A P ÍT U L O 3 - F R A GME NTAÇÃO VISUAL: ESTRUTURA, CRIAÇÃO E AN ÁL I S E


SUMÁRIO
JOGOS DIGITAIS E DISPOSITIVOS MÓVEIS: AS NARRATIVAS E SUMÁRIO
A FRAGMENTAÇÃO DO ATO DE JOGAR 246 SUMÁRIO
Bruno H enrique de P aula

A EXPERIÊNCIA DA FICÇÃO ATRAVÉS DA EXPLORAÇÃO NO JOGO:


O CASO DE RED DEAD REDEMPTION 260
Alessandra Maia | Ivan Mussa
FICHA
FICHAFICHA
A ESTÉTICA DO DOCUMENTÁRIO NO CINEMA CONTEMPORÂNEO DE FICÇÃO
CIENTÍFICA. UM OLHAR SOBRE O FILME “DISTRITO 9” , DE NIELL BLOMKAMP. 274
Marcio A lmeida Ribeiro.

DOJO DIGITAL – ESTÉTICA E CONSCIÊNCIA EM “SUPER STREET FIGHTER IV” 292 PRÓXIMA
F rancisco Tupy
PRÓXIMA
PRÓXIMA

C A P ÍT U L O 4 - DIÁ L OGOS : AN ÁLISES E IN TERTEXTUALID AD ES

DA CRIAÇÃO AO ROTEIRO E DO ROTEIRO AO ROMANCE 319


Maria Luiza G uarnieri A tik ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

14
ADAPTAÇÃO DE LITERATURA PARA O AUDIOVISUAL: TRADUÇÃO E
INTERPRETAÇÃO NO PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO ENTRE MEIOS. 331
F abrício Barbosa Cassiano

A DANÇA DE AMÉLIE POULAIN 343


Jean P ierre Chauvin

O ROTEIRO NO TEATRO DE CRIAÇÕES COLETIVAS E NO PERSONAGEM PALHAÇO 356


Marlene F ortuna

AMORES ARDENTES: A PAIXÃO DA REDE GLOBO PELO “IMPÉRIO DAS HEROÍNAS”


E DO CINEMA BRASILEIRO PELOS MARGINALIZADOS SOCIAIS A PARTIR DE
ADAPTAÇÕES DOS ROMANCES DE JORGE AMADO 372
Márcio Rodrigo Ribeiro

C A P ÍT U L O 5 - NA R R AT IVA S E SEMIO SIS: AN ÁLISES E MÉTO D O S CAPA


CAPA
A PERCEPÇÃO DA IDEIA DE IDENTIDADE NA MODERNIDADE LÍQUIDA:
UMA ANÁLISE DO FILME GRAN TORINO 385
CAPA
Adalberto Bastos N eto

ROTEIROS DE AUDIODESCRIÇÃO: EM BUSCA DE UMA VISUALIDADE NO NÃO VER 398


F lávia Mayer
SUMÁRIO
ROTEIROS ROTEIROS ROTEIROS – MULTIFORMATO EM MULTIPLATAFORMAS 407 SUMÁRIO
Regina Mota SUMÁRIO
EU NÃO GOSTO DE SAMBA! UMA ABORDAGEM ACERCA DAS DIFERENÇAS
PSICOSSOCIOCULTURAIS NO FILME “RIO”. 424
Isabel O restes Silveira | Mirtes de Moraes | N ora Rosa Rabinovich

FICHA
FICHAFICHA
C A P ÍT U L O 6 - C R IAÇ Ã O: P RO CESSO S CRIATIVO S

SERIADO DESLOCADOS: GÊNESE DE UMA SÉRIE TELEVISIVA UNIVERSITÁRIA


TENDO COMO BASE A ANÁLISE DOS ROTEIROS DE SITCOM’S DE SUCESSO 444 PRÓXIMA
F ernando Luis Cazarotto Berlezzi | F ernanda N ardy Bellicieri
PRÓXIMA
A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COMO REVELAÇÃO DO SER: INVESTIGAÇÕES SOBRE
PRÓXIMA
O JOGO CRIATIVO DO CINEMA DE AUTOR – UMA INTRODUÇÃO 459
P atricia Dantas

A COR NA PROPOSIÇÃO DE ATMOSFERAS NARRATIVAS NO CINEMA 470


Renata H einz ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

15
MARIZA, UM FILME 480
Roberto G ustavo Reiniger N eto

PROJETO EXPERIMENTAL: A ERA DA INFORMAÇÃO 498


Mirna A yumi K ajiyama | G abriel Sidorenko | Mariana Buglia | Thiers G omes Silva

C A P ÍT U L O 7 - R OT E IR O E MERCAD O

O FLÂNEUR DA CONTEMPORANEIDADE 517


Isabela Sanchez | Raquel do N ascimento G omes

PRÓFUGOS: NOVOS FORMATOS NA FICÇÃO SERIADA LATINO-AMERICANA 529


Luiza Lusvarghi

GÊNEROS E FORMATOS AUDIOVISUAIS NOS ESTUDOS DE


COMUNICAÇÃO NO BRASIL 542
Aécio Magalhães Santos CAPA
CAPA
SEGUNDA TELA: DESAFIOS DE UM MERCADO EM EXPANSÃO 554 CAPA
Elissa Schpallir Silva

GÊNESE DE UM PROGRAMA EDUCATIVO MULTIMÍDIA APLICANDO


OS OBJETIVOS DO MILÊNIO 564
F ernando Luis Cazarotto Berlezzi | F red Izumi Utsunomiya SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
C A P ÍT U L O 8 - E M C ONS T R UÇÃO : PRO CESSO E CRIATIVID AD E

EM CONSTRUÇÃO: A DESCOBERTA DE NOVOS AUTORES


EM BUSCA DAS MÚLTIPLAS TELAS 581
G laucia Davino FICHA
FICHAFICHA
O CATARINA 584
Rodrigo A yres de A raújo

DAS PÁGINAS PARA AS TELAS: PROPOSTAS PARA A


TRANSPOSIÇÃO CINEMATOGRÁFICA DO ROMANCE PRÓXIMA
‘AGORA É QUE SÃO ELAS’ DE PAULO LEMINSKI 589
J oão K nijnik
PRÓXIMA
PRÓXIMA
CONCERTO EM RÉ MAIOR 603
N icole Zatz

RESUMOS
BILHETE 615 ANTERIOR
ANTERIOR
Darlielson de Sousa Lima
ANTERIOR

16
FOTO , A 616
Artur H enrique da Costa Pinto

VITÓRIA 617
G isele da Mota Trindade

MARIZA - O FILME 618


Roberto G ustavo Reiniger N eto

ALCÂNTARA 623
Miriam Rezende G onçalves

PROJETO EXPERIMENTAL: A ERA DA INFORMAÇÃO 625


Mirna A yumi K ajiyama | G abriel Sidorenko | Mariana Buglia | Thiers G omes da Silva

CONCERTO EM RÉ MAIOR 639


N icole Z atz

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

17
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Apresentação ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
III SEMINÁRIO HISTORIAS DE ROTEIRISTAS

G laucia D avino
Os Seminários Histórias de Roteiristas são eventos de cunho acadêmico e profissional realizados
pelo grupo de pesquisa Núcleo Audiovisual (NAV) e o Centro de Comunicação e Letras da Univer-
sidade Presbiteriana Mackenzie. Seus objetivos são os de promover trocas de conteúdos acadêmicos,
culturais e issionais nas áreas do roteiro audiovisual (cinema e outras mídias) com diálogo perma-
nente com a tecnologia e a geração de novos conhecimentos.

A terceira edição dos Seminários Histórias de Roteiristas contemplou o enfoque das múltiplas telas.
CAPA
Roteirista e público se envolvem atualmente com a multiplicidade telas, fixas, móveis, imensas, pe- CAPA
quenas, 3D, 2D, etc. que relacionam sua diversidade em diálogos. Personagens da TV, cinema, games CAPA
e outras modalidades viajam entre uma tela e outra. Cada individuo os vê sob perspectivas únicas
pois a construção destes personagens e de suas trajetórias podem ser fornecidas de forma picotada
SUMÁRIO
e espalhada. Não se trata apenas de escolha de suporte de imagem e som para acessar determinados SUMÁRIO
conteúdos. Se ele está longe de seu computador de tela de 21 polegadas, ele pode acessar o conteú- SUMÁRIO
do de seu smatphone e esta é apenas uma opção. Também não se trata somente dos dispositivos de
interatividade, em que o espectador “clica” e determina a ordem em que irá assistir às tramas nar-
rativas, que é a segunda opção. Outra, dentre tantas opções, pode se estabelecer um diálogo quase FICHA
FICHAFICHA
randômico entre essas telas, determinado pelos recursos que o espectador tem naquele momento. As
telas permitem a diversidade. Assim, o espectador pode montar seu conhecimento sobre a historia
de seu interesse a partir de informações que ele absorve de várias plataformas de comunicação e PRÓXIMA
expressão audiovisual. PRÓXIMA
PRÓXIMA
As atividades desta terceira edição/ Múltiplas telas foram realizadas em 29, 30 e 31 de outubro de
2012, no Centro de Comunicação e Letras. O tema proposto está relacionado ao crescente prestígio
do roteirista do audiovisual no Brasil e no  mundo e às necessidades mercadológicas e artísticas de- ANTERIOR
ANTERIOR
sencadeadas pela multiplicidade de formatos de concepção, produção, distribuição e recepção de ANTERIOR

19
mensagens nos formatos, tamanhos e proporções mais diversos.

S obre as atividades do S eminário / P rogramação


As duas edições anteriores (2009 “Novo paradigma Audiovisual” e 2010 “Arte e comunicação na era
dos roteiristas”) consolidaram experiências sobre a programação que foram adotadas em favor do
3º Seminário. Desta forma, foram oferecidos os mini cursos, palestras acadêmicas, apresentação de
trabalhos nos GTs e workshops “Vivências e Experiências”. As novidades da terceira edição recaem
sobre as Mesas de Debates e ao Concurso de Vídeos.

CAPA
CAPA
M esas de D ebates CAPA
Diferentemente das duas edições anteriores, à 3ª edição foram acrescentadas as “Mesas de Debates”
com o intuito de tratar e debater assuntos contemporâneos e específicos do roteiro audiovisual, num
SUMÁRIO
trabalho conjunto com membros de outras instituições. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A primeira mesa, foi concebida e organizada pelas professoras doutoras Letícia Passos Affini (PPG
TV Digital/ UNESP) e Débora Burini (UFSCAR) e abordou o tema “Desafios dos Roteiristas na TV
Digital”. Participaram deste debate os professores doutores Adib Salomão - ECA - USP (São Paulo),
FICHA
FICHAFICHA
Jefferson José Ribeiro de Moura - FATEA (Lorena) e UNITAU (Taubaté), Lauro Teixeira UNESP (Bau-
ru) e Gerente de Programação da TV Aparecida (Aparecida), Letícia Passos Affini - UNESP (Bauru),
Rosana Hermann - R7 e FAAP (São Paulo) com a mediação de Débora Burini (UFSCAR)
PRÓXIMA
O segundo debate girou em torno do tema “Ensino do Roteiro, Experiências e Resultados”. Esta mesa PRÓXIMA
PRÓXIMA
foi concebida e realizada pelo NUAMA- USP, com a coordenação dos professor doutores Roberto
Moreira e Rubens Rewald. Neste debate participaram os professores Leano Vieira Maciel (Anhembi-
-Morumbi), Luciana Roigues Silva (FAAP), Renata Correia Lima Ferreira Gomes (SENAC), Roberto
Franco Moreira (ECA-USP), Sabina Reggiani Anzuategui (Casper Líbero), Rubens Rewald (ECA - ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

20
USP), com a mediação de Carlos da Silva Pinto (ECA USP).

A terceira mesa de debates com o tema “Roteiro de Games”, foi concebida e realizada pelo Grupo de
pesquisa Cidade do Conhecimento, coordenado por Gilson Schwartz e Ms Francisco Tupy Gomes
Correa (USP), Neste debate participaram os professor doutores Marília Franco (USP), Pollyana N.
Mustaro (Mackenzie), Sergio Bairon (USP), e Arlete dos Santos Petry (FMU) com a mediação de Tupy
Gomes Correa (USP).

P alestras
Centrado no conhecimento de pesquisadores de longa e unda experiência acadêmica, com publica- CAPA
CAPA
ções de artigos e livros nas áreas da comunicação, linguagens, o ciclo de palestras teve o intuito de
CAPA
aproximar pesquisadores, novos pesquisadores e interessados, de trazer ao público um dos saberes
consolidados, temas que envolvem o pensamento reflexivo sobre o audiovisual e propostas de novos
desafios. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A pesquisadora e uma das fundadoras do “Núcleo de Telenovela” (ECA USP), Maria Aparecida SUMÁRIO
Baccega (ECA USP e PPG ESPM) versou sobre o gênero narrativo televisivo com ênfase nas telenove-
las brasileiras. Ela é autora dos livros Trabalho e consumo, Gestão da Comunicação, Comunicação e
Culturas do Consumo, Gestão de Processos Comunicacionais, Comunicação e Linguagem - discursos FICHA
FICHAFICHA
e ciência, dentre outros.

Erick Felinto (PPG Comunicação da UERJ), abordou sob aspectos da filosofia e da comunicação o
tema “Cinema de gênero no novo milênio”. O professor é autor de A Religião das Máquinas: Ensaios PRÓXIMA
sobre o Imaginário da Cibercultura (Sulina, 2005), Passeando no Labirinto: Ensaios sobre as Tecnolo-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
gias e Materialidades da Comunicação (EDIPUCRS, 2006) e Avatar – O futuro do cinema e a ecologia
das imagens digitais (Sulina, 2010, em co-autoria com Ivana Bentes), entre outros.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

21
W orkshops V ivências e E xperiências
Voltado ao público universitário, à pesquisadores, à acadêmicos e profissionais no ciclo de “Workshops
Vivências e Experiências” profissionais da área compartilham suas experiências na prática da rotei-
rização ou nos usos e funções dos roteiros, sem necessariamente estarem relacionadas ao universo
acadêmico. Este ciclo tenta aproximar as reflexões sobre as relações entre teorias e realidades, entre
a obra e o autor, etc.

David Schmoeller, professor da Universidade de Nevada (LV, USA), diretor e consagrado considera-
do um dos ícones do gênero de terror, fez a projeção de seu último e inédito filme “Little Monsters”
(2012) e explanou sobre o processo criativo do roteiro no gênero terror.
CAPA
Ana Paula, roteirista brasileira com vasta experiência em cinema e televisão e membro da Associação CAPA
de Roteiristas (AR) desenvolveu workshop sobre a especialidade do “Roteiro para Series de TV”, da CAPA
concepção, o fluxo de trabalho, a equipe, as estruturas, a forma criativa.

O evento foi encerrado pelo workshop de Mara Mourão, produtora e diretora de documentários que SUMÁRIO
trouxe para expor “Quem se Importa ou Todo Mundo Pode Mudar o Mundo” (inédito), experiência SUMÁRIO
SUMÁRIO
de construção documental em que empreendedores pequenos conseguem ajudar outras pessoas com
idéias e soluções simples.

FICHA
FICHAFICHA
G rupos de T rabalho (GT s )
Esta atividade, tradicional e de caráter essencialmente acadêmica, reúne grupos de pesquisadores,
seus pares, para exporem e debaterem resultados de seus trabalhos de pesquisa. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Esses grupos foram formados segundo a proximidade de assuntos, abordagens, estética, etc. Como
sugestão inicial, porém em aberto, as propostas e respectivas publicações poderiam alinhar-se dire-
tamente a um dos temas propostos e até três enfoques ou terem como proposta temas emergentes e/
ou referentes às buscas individuais. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

22
Os temas propostos foram

• Criação (ementa)

• Estudos teóricos; narratologia audiovisual; análise do roteiro, estética.

• Prática do roteirista; manuais, técnicas e modelos de roteiros; “anti-modelos”; escri-


ta fílmica e adaptações; personagem; métodos e procedimentos criativos; etapas de
roteirização. Roteiro e Recepção.

• Produção (ementa)

• Relações da peça escrita ou de sua confecção com o desenvolvimento do trabalho CAPA


CAPA
do diretor; do fotógrafo; do diretor de arte; do ator; dos especialistas em efeitos es-
CAPA
peciais; dos atores; dos produtores; dos distribuidores e com as condições/recursos
financeiros e materiais.
SUMÁRIO
• Mercado (ementa) SUMÁRIO
SUMÁRIO
• Relação do roteirista com o mercado; legislação; políticas de incentivos governamentais;
as modalidades e estética do trabalho dos roteiristas; mercado nacional e internacional;
legislação e ensino/aprendizagem; roteiro e mídias.
FICHA
FICHAFICHA
• História (ementa)

• Abordagens e reflexões históricas, memorial, documental, arquivos e processos de


construção da história do roteiro e da trajetória dos roteiristas. Biografias. Os rotei- PRÓXIMA
ristas do cinema nacional e internacional. Linguagens e Inovações. Relações interna-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
cionais. Regionalização. Roteiristas e tecnologias contemporâneas.

Os enfoques e ou linguagens sugeridas, mas não limitadas a elas, foram:


ANTERIOR
ANTERIOR
1. Animação ANTERIOR

23
2. Áudio e/ou Rádio

3. Cinema

4. Games

5. HQ

6. Institucional e documentário

7. Internet e mídias móveis

8. Mídias Digitais
CAPA
CAPA
9. Roteiros na Publicidade
CAPA
10. Tecnologias

11. TV SUMÁRIO
SUMÁRIO
12. Vídeo SUMÁRIO

13. Outros ou Multidisciplinar

A partir dos resumos submetidos e aceitos, formaram-se dez grupos com temas afins, ficando os GTs FICHA
FICHAFICHA
divididos desta forma a seguir.

• Análises e Intertextualidades
PRÓXIMA
• Criação: Processos criativos PRÓXIMA
PRÓXIMA
• Diálogos audiovisuais: Contemporaneidade

• Fragmentação audiovisual Estrutura, Criação e análise


ANTERIOR
ANTERIOR
• Linguagens, experimentações, análises e práticas ANTERIOR

24
• Narrativas e Semiosis Análises e métodos

• Roteiro e História: Análise e Trajetória no tempo

• Roteiro e mercado

• Televisão, Formatos, Tecnologia e multiplataforma

• Especial: Processo e Criatividade em construção

Cabe ressaltar que o grupo de trabalho Especial “Processo e criatividade em construção”, até então
inédito, foi constituído por roteiristas iniciantes, fora dos moldes acadêmicos de artigos fechados
para que seus participantes expusessem e debatessem seus roteiros, suas idéias, seus trabalhos em CAPA
CAPA
progresso.
CAPA

M ini C ursos SUMÁRIO


Nesta rica malha de conhecimentos, durante os três dias, há participantes que desejam ampliar seus SUMÁRIO
SUMÁRIO
conhecimentos e realizam os mini cursos. Em “Múltiplas Telas” foram oferecidos dois:

• “Elaboração de projetos culturais e Economia Criativa” (duração 6 hs), teve como


responsáveis Leonardo Cassio, Thais Polimeni e Willian Alexanino, sócios proprie- FICHA
FICHAFICHA
tários da empresa “Cultcultura Marketing”. Este curso foi realizado em dinâmica
teórico-pratica sobre a formação de projetos para Lei de Incentivo à Cultura e a Ca-
deia da Economia Criativa no setor Audiovisual  PRÓXIMA
• O roteirista issional Di Moretti (AC), que participa destes seminários desde
PRÓXIMA
PRÓXIMA
sua primeira edição, foi responsável pelo mini curso de 9 horas de duração,
de “Roteiro Básico”, no qual engloba temas específicos que descrevem a
confecção de um roteiro cinematográfico, documental ou ficcional, curta ou ANTERIOR
ANTERIOR
longa-metragem, dividido em módulos que enfocam as diversas atividades ANTERIOR

25
do roteirista.

C oncurso e M ostra de V ídeo


Para incentivar novos talentos, o terceiro seminário ofereceu um concurso de roteiro, com a mostra
de vídeos intitulado “Vida de Roteirista”. Esta atividade foi criada e coordenada pelo aluno do
curso de graduação de Publicidade e Propaganda, do Centro de Comunicação e Letras, Fernando
Berlezzi.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

26
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Prefácio ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
UM UNIVERSO PLURAL: MERCADO E ACADEMIA,
PROFISSIONAIS E NOVOS TALENTOS.

Alexandre H uady Torres G uimarães


Diretor do Centro de Comunicação e Letras - Universidade Presbiteriana Mackenzie

No Salão Grand Café, na Paris de 1895, precisamente no dia 28 de dezembro, os irmãos Lumière li- CAPA
CAPA
bertaram as fronteiras da nossa imaginação com a exibição de dez filmes, entre eles o mais conhecido
CAPA
do grande público, L’Arrivée d’un Train à La Ciotat.

Esse foi um marco histórico, entretanto o homem já contava sua história e suas histórias por meio de
SUMÁRIO
tecnologias que uniam imagens e movimentos como o zoopraxiscópio, o praxinoscópio, o fenacisto- SUMÁRIO
cópio, o teatro de sombra e, também, por outros meios como as tapeçarias – a de Bayeux que conta SUMÁRIO
a conquista da Inglaterra pelos normandos –, as colunas – a Trajano que com imagens em sequência
conta a vitória dos romanos sobre os dácios – e as pinturas rupestres muitas vezes gravadas em con-
tinuidade. FICHA
FICHAFICHA
O cinema amplia nossa capacidade de criar e recriar histórias perpetuando imagens, diálogos, trilhas
sonoras, locais, épocas, personagens que chegam, inúmeras vezes, a ultrapassar barreiras geográfi-
cas e temporais criando e perpetuando diferentes imaginários e, inclusive, mitos. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Cronologicamente posterior ao cinema, a televisão foi outra mídia que expandiu a nossa capacidade
de contar, de imaginar e de desfrutar a linguagem audiovisual. Passado quase meio século desde o
evento dos irmãos Lumière, transmitindo do alto do Empire State Building, na cidade de Nova Ior-
que, em 1941, a NBC inaugurou a televisão. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

28
Dos anos 1940 para o século XXI, diversas outras mídias surgiram. Hoje, além dos prestigiosos e
históricos cinema e televisão, novas múltiplas telas despontaram como campos de comunicação, de
informação, de entretenimento, de arte e, consequentemente, de atuação para os roteiristas.

Diante das mídias tradicionais, desafiado pelas novas mídias e pelas necessidades mercadológicas,
o roteirista tem à sua disposição uma pluralidade de linguagens, de formatos, de distribuição, de
produção, de formas de recepção, de estéticas que, acima de tudo, estendem e expandem as possibi-
lidades de seu exercício profissional.

Tendo em vista a movimentação e a dinâmica da área, são fundamentais os espaços de reflexão em


que dialoguem as esferas acadêmica, cultural e profissional, como ocorre há três edições com os
CAPA
Seminários Histórias de Roteiristas realizados pelo grupo de pesquisa Núcleo Audiovisual (NAV) e CAPA
pelo Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. CAPA

Espaços com esse reforçam o crescente prestígio dos roteiristas de audiovisual e concedem a pos-
sibilidade de contato, de comunicação e de correspondência entre os profissionais e destes com os SUMÁRIO
estudantes, ou seja, com os novos possíveis talentos. SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

29
Capítulo 1 -
CAPA
CAPA

Pensamentos, práticas
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

e reflexões nas
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

múltiplas telas ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR
O PERSONAGEM CONCEITUAL E O CINEMA DE
FICÇÃO-FILOSÓFICA

Leonel Aguiar | Angela Schaun


Professor do Programa de Pós-graduação em Comunicação Social da PUC-Rio. Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ.

| Professora adjunta e pesquisadora do Centro de Comunicação e Letras da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Doutora em

Comunicação e Cultura pela UFRJ.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
R esumo SUMÁRIO
SUMÁRIO
A proposta desse artigo é estudar os olhares de determinados estudiosos brasileiros sobre um fenô-
meno comunicacional francês: o filme O Abecedário de Gilles Deleuze. Para conhecer certos aspec-
tos das influências do pensamento deleuziano, pesquisa alguns autores e artigos que discutem as
FICHA
FICHAFICHA
questões teóricas presentes nessa obra de Deleuze. Como premissa, entende que O Abecedário não
é um documentário com a gravação de uma longa entrevista de um filósofo. A partir da apropriação
conceitual produzida pelos autores brasileiros pesquisados, o filme é analisado como possibilidade
de invenção de um personagem conceitual para atuar em uma nova forma de expressão para o pen- PRÓXIMA
samento: o cinema de ficção-filosófica.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Palavras-chave: cinema de ficção-filosófica; personagem conceitual; formas de expressão.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

31
A bstract
The purpose of this essay is to study some Brazilian scholars’s point of views about a French commu-
nicational phenomenon: the Gilles Deleuze’s film The Abecedaire. In order to learn about certain
aspects of the influences of Deleuzian thoughts, this essay studies some authors and articles that
discuss the theoretical issues present in such Deleuze’s work. As a premise, this essay understands
that The Abecedaire is not a documentary that contains a record with a philosopher`s long interview.
From the conceptual appropriation made by Brazilian authors who were surveyed, the film is analy-
zed as a possible invention of a conceptual character born to act in a new form to express a thought:
the philosophical-fiction film.

Keywords: fiction-philosophical film; conceptual character; forms of expression. CAPA


CAPA
CAPA

I ntrodução
Para que serve uma conversa, pergunta Deleuze. A resposta é encontrada no poema de Bob Dylan, SUMÁRIO
pois para os dois pensadores não serve para o pensamento “sentar e meditar/perdendo e contem- SUMÁRIO
SUMÁRIO
plando o tempo/pensando pensamentos que não foram pensados”1. Esse trabalho, portanto, se en-
saia como uma conversa, pois seríamos todos ladrões de pensamento que produzem encontros pela
e na escritura, construindo e reconstruindo.
FICHA
FICHAFICHA
Encontrar é achar, é capturar, é roubar, mas não há método para achar, nada além de uma longa pre-
paração. Roubar é o contrário de plagiar, de copiar, de imitar ou de fazer como. A captura é sempre
uma dupla-captura, o roubo, um duplo-roubo, e é isso que faz, não algo de mútuo, mas um bloco as- PRÓXIMA
simétrico, uma evolução a-paralela, núpcias, sempre “fora” e “entre”. Seria isso, pois, uma conversa PRÓXIMA
PRÓXIMA
(DELEUZE e PARNET, 1998, p. 15).

O Abecedário de Gilles Deleuze (1996) foi exibido em um seminário promovido pelo Núcleo de

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Trecho de um poema de Bob Dylan citado por Deleuze. Cf. DELEUZE e PARNET (1998, p. 15). ANTERIOR

32
Cinema e Vídeo (NCV) do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ)2
durante três dias, em setembro de 2004.

O ensaio aqui apresentado tem como proposta revelar determinados aspectos das influências do
pensamento deleuziano a partir de autores e artigos que discutem as questões teóricas presentes
nessa obra de Deleuze. Escolhemos dois filósofos que, além de terem participado desse evento, tam-
bém produziram artigos sobre o filme: Jorge Vasconcellos, autor do artigo “Estilo e criação filosófica:
apontamentos sobre a constituição de novos meios de expressão filosófica, O Abecedário de Gilles
Deleuze” e Elton Luiz, autor do artigo “Letra G, de Gilles”3. Capturamos de Vasconcellos a idéia de
ficção-filosófica, produzida também nas obras de Rosset (1995; 1999) e de Flusser (1998). Já de Elton
Luiz, tomamos a vinculação entre personagem conceitual, humor e conversação, segundo os pró- CAPA
CAPA
prios conceitos deleuzianos. Dessas duplas capturas, emergiu o personagem conceitual no cinema de
CAPA
ficção-filosófica: o professor que encontra a concepção musical de aula, heterônimo do filósofo. Em
suma, esse artigo é tributário dos trabalhos de Jorge Vasconcelos e Elton Luiz, dos quais “roubamos”
e misturamos as principais linhas de potência do pensamento sobre o filme deleuziano. SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

453 minutos

Ao pensar sobre a relação entre estilo e criação filosófica, Jorge Vasconcelos (2006, p. 47) lembra que,
FICHA
FICHAFICHA
em Diferença e Repetição, Deleuze já apontava para a importância de se continuar a pesquisar novos
meios de expressão após a reincorporação do poema e do aforismo à filosofia realizada por Nietzs-
che. Essa pesquisa, segundo Deleuze, deveria prosseguir estando relacionada com a renovação que
acontecem no teatro e no cinema. Autor de dois livros que são, simultaneamente, de cinema e de PRÓXIMA
filosofia4, Deleuze assume, no filme O Abecedário, um personagem conceitual (DELEUZE, 1997, p.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
2 O seminário O Abecedário de Gilles Deleuze na UERJ (2004) exibiu o filme pela primeira vez em uma instituição
pública de ensino superior no Brasil com legendas em português. Mais detalhes sobre a programação e o evento em http://
br.geocities.com/NCVUERJ/. O filme foi apresentado em três partes, nos dias 21, 22 e 23 de setembro de 2004.
3 Os dois artigos estão publicados no livro organizado por Jorge Cruz (2006): Gilles Deleuze: sentido e expressões. ANTERIOR
ANTERIOR
4 A imagem-movimento e A imagem-tempo, lançados originalmente em 1983 e 1985. ANTERIOR

33
81) para experimentar novas possibilidades de formas de expressão filosófica: “Deleuze, em O Abe-
cedário, faz ficção-filosófica” (VASCONCELLOS, 2006, p. 61).

Quando aceita o convite de Claire Parnet para filmar uma longa conversa com 453 minutos de du-
ração que toma, como ponto de partida, as 26 letras do alfabeto, Deleuze inventa, conjugando as
inspirações abertas por Vasconcellos e Luiz, o cinema da ficção-filosófica encenado por um persona-
gem conceitual. O filme O Abecedário de Gilles Deleuze (1996), dirigido por Pierre-André Boutang,
recebeu uma cláusula de só ser divulgado após a morte de Deleuze, pois o filósofo considerava in-
concebível responder a uma questão sem ter refletido com maior rigor. Conforme sua declaração no
início da filmagem: “já me sinto reduzido ao estado de puro arquivo de Pierre-André Boutang, de
folha de papel, e isso me anima muito, é quase no estado de puro espírito, eu falo, falo... após minha CAPA
CAPA
morte...” (DELEUZE, 1996). Está criado, pela singularidade do estilo deleuziano, o personagem con-
CAPA
ceitual, o “heterônimo” do filósofo, enquanto que o nome do próprio filósofo não passa do simples
pseudônimo de seu personagem.
SUMÁRIO
O personagem conceitual é o oposto do filósofo – ou melhor, “o filósofo é somente o invólucro de SUMÁRIO
seu principal personagem conceitual” (DELEUZE e GUATTARI, 1997, p. 86). Como na enunciação SUMÁRIO
filosófica não se faz algo dizendo-o, mas faz-se o movimento por intermédio de um personagem con-
ceitual, pensando-o, esse se torna o agente de enunciação e, simultaneamente, potências de concei-
tos. Platão escreveu por Sócrates; Nietzsche assinou “Dionísio crucificado”; Deleuze inventa, a partir FICHA
FICHAFICHA
dessa filmagem, o “professor da aula musical” em descaracterização da aula magistral realizada na
universidade. Um concerto de pop’filosofia, onde “não há nada a compreender, nada a interpretar”
(DELEUZE e PARNET, 1998, p. 12), pois os conceitos são intensidades como sons, cores ou imagens. PRÓXIMA
Assim, “os princípios em filosofia são gritos, em torno dos quais os conceitos desenvolvem verda- PRÓXIMA
PRÓXIMA
deiros cantos” (DELEUZE e GUATTARI, 1995, p. 09).

Mil Platôs (1995) retoma a dupla articulação entre forma de conteúdo – a máquina social técnica – e
forma de expressão – a máquina coletiva semiótica constituinte dos regimes de signos – para apontar ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

34
que o conteúdo e a expressão possuem, em desdobramento, uma forma e uma substância5. Percor-
rendo a trilha de Vasconcelos, podemos apontar que Deleuze recria esta articulação no Abecedário,
pois para ele “o próprio cinema é uma nova prática das imagens e dos signos, cuja teoria a filosofia
deve fazer como prática conceitual” (DELEUZE, 2005, p. 332).

4 de novembro de 1995
A câmera desliza sobre uma multidão que ouve o filósofo, mas não escutamos o que ele diz. Uma
suave trilha sonora e a voz de Parnet nos impedem de ouvir o que se fala: a ex-aluna nos alerta que
Deleuze sempre se negou a aparecer na televisão. Em 1988, entretanto, no início das filmagens do
CAPA
Abecedário, talvez por achar a sua doença parecida com a “petit mort” entoada pela delicada canção CAPA
francesa, ele mudou de opinião. A partir de uma cláusula de que o filme só fosse exibido após sua CAPA
morte, Deleuze faz sua primeira intervenção: “eu falo depois de minha morte” (DELEUZE, 1996).
Seguindo a pista de Elton Luiz (2006, p. 15), sugerimos que o humor deleuziano aspira a uma alegria
SUMÁRIO
espinosista: anuncia que não conhece bem os temas propostos para as conversações e que apenas SUMÁRIO
refletiu um pouco sobre as questões; mas que, entretanto, a cláusula o “salva”, pois os espectadores SUMÁRIO
do filme sabem que “um puro espírito não dá resposta muito profundas, nem muito inteligentes, é
um pouco sumário” (idem).
FICHA
FICHAFICHA
O humor deleuziano transparece quando ele, já sabendo que sua fala ficaria para a posteridade,
pois estaria morto, avisa que sobreviverá como imagem e palavra, ou seja, como signo (LUIZ,
2006, p.17). Para Espinosa, a imortalidade é inseparável de uma alegria que a filosofia é capaz de
produzir, pois um homem que é capaz de expandir sua potência consegue reduzir, ao mínimo, “o PRÓXIMA
poder de subtração do acontecimento-morte” (idem, p. 16). Os que são afetados pela potência do
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pensamento deleuziano permitem que esse afeto perdure como imortalidade. Essa alegria possi-
bilitada pela filosofia é, antes de tudo, mais estética do que intelectual: se não podemos conhecer

ANTERIOR
ANTERIOR
5 Essa discussão aparece em dois textos: “10.000 a.C. – A Geologia da Moral (quem a Terra pensa que é)”; “20 de
novembro de 1923 – Postulados da Linguística”. Ver, respectivamente, volumes 1 e 2 de Mil Platôs. ANTERIOR

35
essa imortalidade, podemos senti-la como um campo de intensidade. A questão espinosista acerca
da imortalidade-intensiva nos permite entender, conforme aponta Elton Luiz no artigo “Letra G,
de Gilles”, que – ao se converter naquilo que sua filosofia mesma afirma – Deleuze se torna, no
Abecedário, em um signo expressivo que habita a superfície do acontecimento-tempo. “Deleuze
metamorfoseou-se em sentido incorporal encarnado no signo material que o evoca. Para além da
imagem-movimento-Deleuze, mas habitando-a, vive a imagem-tempo-Deleuze” (LUIZ, 2006, p.
17).

É esse “Deleuze-signo” que, no exercício da sua potência, “ri da morte que dele só levou a menor
parte” (idem, p. 18) e a parte maior que perdura, intensamente, é o exercício criativo de um devir-
-criança. Elton Luiz lembra que desde Heráclito até Nietzsche, a criança se constitui como persona- CAPA
CAPA
gem conceitual de uma filosofia do devir. Em Heráclito, com sua imagem da existência como um jogo
CAPA
de criança; em Nietzsche, no trecho “As três metamorfoses do espírito” de Assim falou Zaratustra,
com a alegoria representada pelos três estágios que o homem e a própria filosofia atravessam, ex-
pressas na tipologia do burro, do leão e da criança. O próprio Deleuze ressalta que um filósofo mere- SUMÁRIO
ce viver sua vida enquanto um devir-criança: dizer sim ao que ainda não emergiu, afirmando desse SUMÁRIO
SUMÁRIO
modo que aquilo que já emergiu tem que ser superado para que o novo produza a sua emergência e
se torne possível.

“Um pouco de possível, senão eu sufoco” (DELEUZE, 1992, p. 131). A frase de Foucault foi repetida, FICHA
FICHAFICHA
em entrevista sobre a morte do amigo, por Deleuze ao afirmar que o pensamento jamais foi questão
de teoria e sim “problema de vida, é a própria vida”. Como a criança diz sim à vida, Deleuze muda
de opinião em relação ao momento de exibição do filme e, com seu assentimento, O Abecedário é exi- PRÓXIMA
bido, entre novembro de 1994 e maio de 1995, no canal franco-alemão TV Arte. No dia 4 de novembro PRÓXIMA
PRÓXIMA
de 1995, Deleuze precipita-se, talvez (in)voluntariamente ou não, para a morte. “São os organismos
que morrem, não a vida” (idem, p. 179).

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

36
B estiário filosófico

Deleuze está sentado à frente de uma cômoda, em cima da qual há um espelho. Pendurado na pare-
de, seu conhecido chapéu. Quase em frente ao filósofo, está Claire Parnet. A câmera localiza-se atrás
do ombro esquerdo dela, suas costas estão parcialmente visíveis, ocupando um terço do quadro.
Com a abertura do ângulo, seu rosto reflete-se no centro do espelho, atrás de Deleuze. Esse espelho
oferece o encantamento do duplo: no momento em que coloca o rosto de Parnet de frente para o es-
pectador, este é capturado para entrar na tela: o espelho inesperado faz brilhar o rosto que o filósofo
vê, mas também faz aparecer aquela quem olha e conversa com o filósofo. Tal reflexo mostra aquilo
que os espectadores olham no primeiro plano. A lembrança de um texto clássico de Foucault – “Las
meninas”, em As palavras e as coisas (1999, p. 03-21) – é inevitável. “Talvez haja, neste quadro de
CAPA
Velásquez, como que a representação da representação clássica e a definição do espaço que ela abre” CAPA
(FOUCAULT, 1999, p. 20), pois, nessa dispersão que a imagem reúne e exibe em conjunto, o sujeito CAPA
representado é elidido e a representação pode se dar como pura representação. O que se apresenta
na cena, lá em Velásquez, como aqui em Deleuze, é o desaparecimento necessário daquilo que funda
SUMÁRIO
a representação, daquele a quem a imagem se assemelha e daquele a cujos olhos ela não passa de SUMÁRIO
semelhança. Esse sujeito representado – lá na pintura, como no filme – foi elidido: Deleuze apresen- SUMÁRIO
ta-se como um personagem conceitual do seu próprio fazer filosófico.

O Abecedário é uma obra única: apresenta-se como uma conversação 6 na perspectiva nietzschiana
FICHA
FICHAFICHA
em oposição ao diálogo socrático. “Uma conversa, o que é, para que serve?” (DELEUZE e PARNET,
1998, p. 07). Para Deleuze, é difícil “se explicar – uma entrevista, um diálogo, uma conversa; quando
me colocam uma questão, mesmo que ela me interesse, percebo que não tenho estritamente nada a
dizer” (idem, p. 09). O importante, ressalta, é a arte de construir um problema mais do que respon- PRÓXIMA
der as questões. “Uma entrevista poderia ser simplesmente o traçado de um devir” (idem, p. 10).
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Ao invés de um abecedário, Deleuze provavelmente teria preferido um “bestiário” como o de “uma
certa enciclopédia chinesa” transcrita por Jorge Luis Borges e que inicia o prefácio de As palavras e

ANTERIOR
ANTERIOR
6 Cf. LUIZ (2006, p. 11) e VASCONCELLOS (2006, p. 60). ANTERIOR

37
as coisas:

‘Os animais se dividem em: a) pertencentes ao imperador, b) embalsa-


mados, c) domesticados, d) leitões, e) sereias, f) fabulosos, g) cães em
liberdade, h) incluídos na presente classificação, i) que se agitam como
loucos, j) inumeráveis, k) desenhados com um pincel muito fino de pêlo
de camelo, l) et cetera, m) que acabam de quebrar a bilha, n) que de longe
parecem moscas’. No deslumbramento dessa taxonomia, o que de súbi-
to atingimos, o que nos é indicado como o encanto exótico de um outro
pensamento, é o limite do nosso: a impossibilidade patente de pensar isso
(FOUCAULT, 1999, ix). CAPA
CAPA
Para Foucault, o que transgride todo o pensamento possível, no texto de Borges, é a série alfabética CAPA
(a, b, c, d) que liga, a todas as outras, cada uma dessas categorias. Para nós, entretanto, O Abecedário
de Deleuze apresenta-se como um acaso nessa linha pré-ordenada que é o abecedário. Segundo José
SUMÁRIO
Gil (2000), o alfabeto – composto de letras que formam palavras e frases para articular uma questão SUMÁRIO
e construir um problema – não deve ser confundido com uma gramática ou um código. Para esse au- SUMÁRIO
tor, o alfabeto é uma potência virtual e móvel, um simples meio para se aprender a pensar. Por isso,
“não só permite pensar as singularidades como continua também o pensamento de autores a que
se aplica” (GIL, 2000, p. 15). Podemos, portanto, inventar que uma alegoria para se compreender o FICHA
FICHAFICHA
pensamento de Deleuze seja o alfabeto; ou melhor, um abecedário de conceitos deleuzianos que nos
evite cair na armadilha do pensamento representativo, agrupado sob as categorias de identidade e
de unidade, como aponta José Gil. Melhor do que um abecedário filosófico: um bestiário filosófico. PRÓXIMA
O Abecedário é, como afirma Elton Luiz, uma conversação sobre conceitos que emergem nos platôs
PRÓXIMA
PRÓXIMA
deleuzianos (LUIZ, 2006, p. 09). A conversação não é um diálogo platônico ou socrático, no qual o
contexto comunicacional requer, como pressuposto fundamental, o bom senso entre os interlocuto-
res. “O efeito da partilha do bom senso é a suposição de um senso comum universal” (idem). Esta ANTERIOR
ANTERIOR
suposição se toma como a premissa o fato de que um dos participantes do diálogo é o representante ANTERIOR

38
do senso comum. Para esse autor, o diálogo platônico-socrático deve apresentar evidências de que
opiniões divergentes encontrarão uma solução única com a revelação da verdade. É através desse
modo de construção do diálogo que o filósofo platônico – isto é, o portador da verdade – “demonstra
que o lugar de sua enunciação coincide com a neutralidade de um sujeito do enunciado” (idem).

Já a conversação aponta é uma criação que se desdobra em “quarta pessoa do singular” (DELEUZE,
2006, p. 143), um sujeito coletivo de enunciação produzido no agenciamento.

Ao contrário do que ocorre no diálogo platônico, onde um dos interlocu-


tores procura impor-se diante de seu rival, na conversação-agenciamento
o que se busca é criar as condições de possibilidade para a emergência
CAPA
de um ‘terceiro indivíduo’, no qual cada indivíduo comprometido com o CAPA
processo de conversação será incorporado como uma espécie de sub-in- CAPA
dividualidade. Este ‘terceiro indivíduo’ está presente em cada sub-indi-
víduo como potência de pensar não-egóica e não pessoal. Esse ‘terceiro
SUMÁRIO
indivíduo’, segundo Deleuze, é a “quarta pessoa do singular”, cuja sub- SUMÁRIO
jetividade é automodeladora de seus universos incorporais de referência SUMÁRIO
(LUIZ, 2006, p. 11).

Na perspectiva desse autor, não se trata, portanto, de uma questão de poder, mas de potência.
FICHA
FICHAFICHA
Deleuze utiliza-se do humor contra a ironia socrática (DELEUZE, 2006, p. 138), estratégia retórica
sempre presente nessa perspectiva de diálogo. O destino da ironia está ligado à representação, pois
ironia assegura a individuação do representado ou a subjetivação do representante. A ironia clássica PRÓXIMA
consiste em mostrar que o mais universal na representação se confunde com a extrema individuali- PRÓXIMA
PRÓXIMA
dade do representado que lhe serve de princípio. “Há, na ironia, uma pretensão insuportável: a de
pertencer a uma raça superior e ser a propriedade dos mestres” (DELEUZE e PARNET, 1998, p. 83).
O humor solicita, ao contrário, de um devir-minoritário: é ele quem faz uma língua gaguejar, que
lhe impõe um uso menor ou constitui todo um bilingüismo na mesma língua. O humor não utiliza ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

39
jogo de palavras, equívocos que pertencem ao significante, que são como um princípio dentro do
princípio. O humor é a arte das conseqüências, faz alguma coisa fluir: o humor é uma arte dos acon-
tecimentos puros. Nunca se trata de jogos de palavras, mas de acontecimentos de linguagem, uma
linguagem minoritária tornada, ela própria, criadora de acontecimentos.

F icção - filosófica
Para Vasconcellos (2006, p. 47), Deleuze já ressaltava, em Diferença e repetição (1988), a importância
da filosofia pesquisar novos meios de expressão. “Já não será possível escrever um livro de filoso-
fia como há muito tempo se faz” (DELEUZE, 1988, p. 18). Lembra Vasconcellos que, em Nietzsche
CAPA
(1985), Deleuze apontou que o pensador alemão reintroduziu o aforismo e o poema na filosofia. CAPA
“Nietzsche integra na filosofia dois meios de expressão: o aforismo e o poema” (DELEUZE, 1985, CAPA
p. 17). Se Nietzsche faz de seu estilo de escrita, em cada um de seus livros, uma forma de expressão
muito mais próxima da dança do que propriamente da literatura ou da escrita literária – “escrever
SUMÁRIO
como quem baila” (VASCONCELLOS, 2006, p. 50) –, Deleuze prefere ter um estilo que está mais pró- SUMÁRIO
ximo da composição musical. SUMÁRIO

A composição de um livro é algo que não se resolve previamente. Ela


acontece ao mesmo tempo em que o livro é escrito. Há dois livros meus
FICHA
FICHAFICHA
que me parecem compostos. Sempre dei importância à composição. Penso
em um livro chamado Lógica do sentido que é composto por séries. Para
mim, é uma composição serial. E Mil platôs é uma composição por platôs.
Para mim, são duas composições musicais, sim. A composição é um ele- PRÓXIMA
mento fundamental do estilo (DELEUZE, 1996).
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Vasconcellos (2006, p. 53) discute como Clement Rosset pode afirmar que os textos filosóficos, em
função de seu caráter reflexivo, não fogem ao domínio geral da literatura, apesar de se constituírem
em um domínio particular. Os textos filosóficos pertencem ao domínio da literatura “pela simples ra- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

40
zão de que são, como um romance, uma poesia, uma peça de teatro, exclusivamente constituídos de
palavras” (ROSSET, 1995, p. 62). Ou seja, é possível dizer que o texto filosófico também é um gênero
literário: o gênero “ficção-filosófica”. Vasconcellos lembra que Rosset segue a perspectiva aberta por
Nietzsche ao afirmar que a filosofia também é ficção (ROSSET, 1999, p. 54).

Em seu texto “Da ficção filosófica” (2001), Gustavo Bernardo lembra que, entre alguns filósofos que
tiveram uma relação de proximidade com a ficção, Wittgenstein chegou a sugerir que convinha fazer
filosofia como poesia. Para Vilém Flusser, em Ficções Filosóficas (1998), o tratado filosófico não en-
contra mais adequado à situação da cultura:

Há muito tempo estou com a idéia de que o tratado filosófico não mais
CAPA
se adequa à situação da cultura, de que os filósofos acadêmicos são gente CAPA
morta, e de que a verdadeira a filosofia atual é feita por gente como Felli- CAPA
ni, como os criadores de clips, ou os que sintetizam imagens. Mas como
eu próprio sou prisioneiro do alfabeto, e como sou preso da vertigem
SUMÁRIO
filosófica, devo contentar-me em fazer textos que sejam pré-textos para SUMÁRIO
imagens. A maneira de fazê-lo é escrever fábulas, porque o fabuloso é o SUMÁRIO
limite do imaginável (FLUSSER, 1998, p. 07).

A possível alternativa entre a sistematicidade do tratado e a fluência do ensaio, Vilém Flusser cha-
FICHA
FICHAFICHA
mou de “ficção filosófica”.

A tarefa dos filósofos, conforme Deleuze e Guattari, é inventar conceitos do mesmo modo que um
romancista cria seus personagens. Estamos, então, diante dos personagens conceituais da filosofia e PRÓXIMA
o filósofo deve se preocupar não só com o que está sendo escrito, mas como está sendo escrito. Na PRÓXIMA
PRÓXIMA
filosofia, pensar e escrever são indissociáveis. Para Vasconcellos (2006, p. 61), O Abecedário é uma
nova forma de expressão filosófica, na qual Deleuze faz ficção-filosófica, ou segundo a própria ter-
minologia deleuziana, pop’filosofia: “não há questão alguma de dificuldade nem de compreensão:
os conceitos são exatamente como sons, cores ou imagens, são intensidades que lhes convêm ou ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

41
não, que passam ou não passam” (DELEUZE e PARNET, 1998, p. 12). Nesta mesma direção, pode-
mos, foucaultianamente, apostar que Deleuze inventa uma narrativa de cinema: o filme de ficção
filosófica encenado por um personagem conceitual. Na letra P de professor, encontramos a modo de
construção desse personagem conceitual – o professor da aula musical. No momento da filmagem,
Deleuze vivia seu primeiro ano sem dar aulas, depois de exercer o magistério no ensino médio e na
universidade durante 40 anos. “Uma aula é ensaiada. É como no teatro e nas cançonetas, há ensaios.
Se não tivermos ensaiado o bastante, não estaremos inspirados. Uma aula quer dizer momentos de
inspiração, senão não quer dizer nada” (DELEUZE, 1996). Inspiração já presente quando era pro-
fessor do ensino médio, onde, mesmo sendo muito consciencioso ao seguir o currículo mínimo da
disciplina, era capaz de tocar serrote em sala de aula.
CAPA
CAPA
Ainda era a época em que o professor de filosofia era recebido com muita
CAPA
complacência, perdoavam-lhe muitas coisas porque ele era uma espécie
de louco, de idiota da aldeia. Eu podia praticamente fazer tudo que qui-
sesse. Eu ensinava meus alunos a tocar serrote: eu tocava e todos achavam SUMÁRIO
normal. O serrote, como você sabe, tem de ser curvado e obtemos o som SUMÁRIO
SUMÁRIO
num ponto da curva. São as curvas móveis que lhes interessavam muito
(DELEUZE, 1996).

O destino do filósofo é transformar-se em seu personagem conceitual, ao mesmo tempo que esse FICHA
FICHAFICHA
personagem conceitual se torna, ele mesmo, coisa diferente do é historicamente. As possibilidades
de vida ou os modos de existência não podem inventar-se, senão sobre um plano de imanência que
desenvolve a potência de personagens conceituais. O rosto e o corpo dos filósofos abrigam estes PRÓXIMA
personagens que lhes dão, frequentemente, um ar estranho, sobretudo no olhar, como se algum ou- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tro visse através de seus olhos. Ou, como afirmam Deleuze e Guattari: “nós, filósofos, é por nossos
personagens que nos tornamos sempre outra coisa, e que renascemos como jardim público ou zoo-
lógico” (1997, p. 97). Traçar, inventar, criar: esta é a trindade filosófica. Cada personagem conceitual
inventar seu próprio modo de expressão. Já na universidade, Deleuze inventa um novo modo de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

42
expressão: a “concepção musical de aula”, ao invés do termo – muito usado na academia – aula ma-
gistral, do professor que fala sem interrupções.

Uma aula é uma espécie de matéria em movimento: é por isso que é mu-
sical. Uma aula é tanto emoção quanto inteligência. Não é uma questão
de entender e ouvir tudo, mas de acordar em tempo de captar o que lhe
convém pessoalmente. É por isso que um público variado é muito impor-
tante (DELEUZE, 1996).

Se a filosofia mobiliza e trata de conceitos, uma aula implica que haja vocalizações dos conceitos – “o
mais importante é a relação entre a voz e o conceito” (DELEUZE, 1996). Os filósofos elaboram um
CAPA
estilo, que para Deleuze é algo puramente auditivo: “o estilo é sonoro, só me interessa a sonorida- CAPA
de”. Outro ponto destacado, ainda nessa relação entre audição de uma música e a concepção musical CAPA
de aula, é que o público não interrompe o andamento da música, mas pode muito bem interromper
palavras.
SUMÁRIO
Não interrompemos a música, mas podemos muito bem interromper pala- SUMÁRIO
SUMÁRIO
vras. O que significa uma concepção musical de aula? Conhecendo o que
foi meu público, penso: ‘sempre tem alguém que não entende na hora. E
há o que chamamos de efeito retardado’. Também é como na música. Na
FICHA
FICHAFICHA
hora, você não entende um movimento, mas, três minutos depois, aquilo
se torna claro porque algo aconteceu nesse ínterim. Uma aula pode ter
efeito retardado. Podemos não entender nada na hora e, dez minutos de-
pois, tudo se esclarece. Há um efeito retroativo. Se ele já interrompeu... É PRÓXIMA
por isso que as interrupções e perguntas me parecem tolas. Você pergunta
PRÓXIMA
PRÓXIMA
porque não entende, mas basta esperar (DELEUZE, 1996).

Deleuze destaca a importância de um público variado nas aulas e para realizar esse “concerto musi-
cal” inventou o termo pop’filosofia: a filosofia deve ser dirigida tanto a filósofos quando a não-filóso- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

43
fos. Do mesmo modo, a pintura está voltada tanto aos pintores e quantos aos não-pintores e a música
não se dirige preferencialmente aos especialistas em música, mas aos músicos e aos não-músicos.

A filosofia deve ser exatamente igual, dirigir-se tanto a não-filósofos quan-


to a filósofos, sem mudar. Quando dirigimos a filosofia aos não-filósofos,
não temos de simplificar. É como na música. Não simplificamos Beetho-
ven para os não-especialistas. É a mesma coisa com a filosofia. Para mim,
a filosofia sempre teve uma dupla audição: uma audição não-filosófica e
uma audição filosófica. Se não houver as duas, ao mesmo tempo, não há
nada. Senão, a filosofia não valeria nada (DELEUZE, 1996).
CAPA
CAPA
CAPA
C omunicação e duplo instável

Foi em Conversções que Deleuze voltou a criticar os “universais da comunicação”; aliás, em sua obra
encontramos vários momentos permeados pelas críticas a todo tipo de universais. Na verdade, o que SUMÁRIO
ele propõe em primeira instância é a valorização de paradoxos em contraponto às doxas do senso SUMÁRIO
SUMÁRIO
comum e do bom senso. Sua perspectiva está longe de estabelecer consenso entre indivíduos de va-
riados pontos de vistas e que vão em busca de uma intersubjetividade universalizante e idealizada,
a exemplo de Habermas. A comunicação para Deleuze desestabiliza, pois sempre ocorre no âmbito
FICHA
FICHAFICHA
da heterogênese, a saber: “quando a comunicação é estabelecida entre séries heterogêneas, toda sorte
de conseqüências flui no sistema. Alguma coisa ‘passa’ entre os bordos; estouram acontecimentos,
fulguram fenômenos do tipo relâmpago ou raio” (DELEUZE, 1988, p. 197 -198).
PRÓXIMA
Alessandro Sales (2005) buscou refletir sobre relações possíveis entre comunicação e semiótica na PRÓXIMA
PRÓXIMA
obra de Deleuze. Para esse autor, a conclusão é de que existe sempre uma “espécie de desnível, de
desequilíbrio entre as séries, cuja comunicação é garantida pelo estatuto de um terceiro: o objeto = x,
o precursor sombrio em Diferença e Repetição, a casa vazia na Lógica do Sentido” (SALES, 2005, p.
9). Na verdade, identifica-se o duplo na realização de um terceiro. O duplo, enquanto conceito, que ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

44
é um aspecto fundamental na construção criativa da obra deleuzeana.

Como escapar da fala excessiva e vazia? Deleuze (1992, p. 170) aponta um outro caminho. “A filo-
sofia consiste sempre em inventar conceitos. O conceito é o que impede que o pensamento seja uma
simples opinião, um conselho, uma discussão, uma tagarelice. Todo conceito é forçosamente um pa-
radoxo”. Para ele, a racionalidade comunicativa nunca foi capaz de produzir conceitos (DELEUZE e
GUATTARI, 1992, p.14).

Buscando uma analogia dessas questões com o Abecedário, podemos dizer que Deleuze e Claire
Parnet buscam criar justamente esse elemento que impede o fechamento das séries em uma situação
de espelho perfeito, de pura semelhança, pela qual um objeto nada mais faria que refletir a imagem
CAPA
do outro, o que terminaria podando qualquer tipo de deslizamento, de escape, de novidade (SALES, CAPA
2005, p.9). CAPA

Em Diferença e Repetição, Deleuze afirma essa instabilidade do duplo. Se supomos que as séries
entram em comunicação sob a ação de uma força qualquer, vemos que esta comunicação relaciona SUMÁRIO
diferenças a outras diferenças ou constitui, no sistema, diferenças de diferenças: “estas diferenças em SUMÁRIO
SUMÁRIO
segundo grau desempenham o papel de ‘diferenciante’, isto é, relacionam umas às outras as diferen-
ças de primeiro grau” (DELEUZE, 1988, p. 196-197).

No final de Conversações, Deleuze cria o conceito de sociedade de controle, onde o aspecto político FICHA
FICHAFICHA
é relacionado, mais uma vez, à comunicação. Para ele, a racionalidade comunicativa teria encontrado
lugar como sustentação teórica dos requisitos e normas relativos ao imaginário predominante nos
mercados e nas mídias (SALES, 2005). A comunicação nada tem a ver com o pensamento nem com a PRÓXIMA
criação. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Retomando a idéia de conceito enquanto ato de criação, e buscando estabelecer um ponto de ligação
entre o problema da filosofia e o da comunicação no filme o Abecedário podemos dizer que nos 453
minutos de conversação com Claire Parnet, Deleuze está o tempo todo estabelecendo um duplo sen- ANTERIOR
ANTERIOR
tido, onde parece buscar sair da fala enquanto simples ato e encontrar o paradoxo do conceito, onde ANTERIOR

45
algo finalmente acontece. O conceito é o que impede que o pensamento seja uma simples opinião,
um conselho, uma discussão, uma tagarelice. Todo conceito é forçosamente um paradoxo. Para De-
leuze, a racionalidade comunicativa nunca foi capaz de produzir conceitos (DELEUZE e GUATTARI,
1992, p.14).

Em o Abecedário fica ainda mais evidente a missão que Deleuze se propõe de abolir com a fala, en-
quanto comunicação, por considerá-la envelhecida, passada, apodrecida. Para ele, urge um desvio,
algo que a torne instável e criativa. Em entrevista a Toni Negri, Deleuze manifesta sua idéia de que
“talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. É preciso um desvio da fala. Criar foi sempre
coisa distinta de comunicar. O importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação,
interruptores, para escapar ao controle” (DELEUZE, 1992, p. 217). CAPA
CAPA
Para Alan Badiou (1997, p. 47-49), todo o empreendimento levado por Deleuze está voltado a um mo- CAPA
vimento de duplo percurso, golpe de pensamento que precisa se dar sem mediações, em velocidade
absoluta, segundo um método intuitivo. A idéia do duplo, da dupla articulação, está contida numa
SUMÁRIO
ação informal, de um lado enquanto contidas no conceito de páthos e de poíesis e, do outro, numa SUMÁRIO
atividade mais empírica, que poderia abrigar a idéia do logos e da alétheia, ambos parte de um mes- SUMÁRIO
mo processo, que se apresentam enquanto figuras conceituais comunicantes, o dentro e o fora, que
produzem no movimento, na instabilidade, o acontecimento, o sentido.
FICHA
FICHAFICHA
Em Conversações, Deleuze afirma que “os signos são as imagens consideradas do ponto de vista de
sua composição e de sua gênese. É a noção de signo que sempre me interessou” (DELEUZE, 1992,
p.83).
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
C onsiderações finais

O que Deleuze faz é retomar a dupla articulação entre forma de conteúdo e forma de expressão,
apontando que o conteúdo (a máquina social técnica) e a expressão (a máquina coletiva semiótica ANTERIOR
ANTERIOR
constituinte dos regimes de signos) desdobram-se em uma forma e uma substância. O que tentamos ANTERIOR

46
demonstrar nesse trabalho foi que esta dupla articulação é recriada no Abecedário, durante todo o
tempo, uma letra do alfabeto, qualquer que seja, nunca remete ao seu significante, ela sempre cria
um paradoxo, desestabiliza, pois é letra e signo, cuja possibilidade é infinita e não se restringe ao
campo dominado do significante.

Os grandes diretores de cinema são como grandes pintores ou grandes


músicos: são eles que melhor falam do que fazem. Mas, falando, tornam-
-se outra coisa, tornam-se filósofos ou teóricos (...) Tanto assim que sem-
pre há uma hora, meio-dia ou meia-noite, em que não se deve mais per-
guntar ‘o que é cinema?’, mas ‘o que é filosofia?’(DELEUZE, 2005, p. 332).
CAPA
Então, um dia, talvez, o cinema possa ser deleuziano. CAPA
CAPA

R eferências
SUMÁRIO
AGUIAR, Leonel. Deleuze, um personagem conceitual no cinema de ficção-filosófica. In: ENCONTRO IN- SUMÁRIO
TERNACIONAL DA SOCINE, 9., 2007, Rio de Janeiro. SUMÁRIO

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PRÓXIMA
PRÓXIMA
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ANTERIOR
ANTERIOR

47
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FLUSSER, Vilém. Ficções filosóficas. São Paulo: EDUSP, 1998.


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PRÓXIMA
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GS, v. 1, n. 12, p. 1-22, jan./jun. 2005. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

48
VASCONCELLOS, Jorge. Estilo e criação filosófica: apontamentos sobre a constituição de novos meios de
expressão filosófica, O Abecedário de Gilles Deleuze. In: CRUZ, Jorge (org.). Gilles Deleuze:
sentido e expressões. Rio de Janeiro: Ciência Moderna, 2006. p. 47-62.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

49
TELENOVELA: DA PRODUÇÃO À RECEPÇÃO.
ASPECTOS DA FICÇÃO BRASILEIRA TRADICIONAL
E TRANSMIDIÁTICA

Maria Aparecida Baccega1


ESPM-SP e ECA-USP

CAPA
CAPA
A telenovela continua a ser o mais importante produto da indústria cultural brasileira. Ela continu-
CAPA
ará sendo veiculada no horário nobre, com o formato que tem e garantirá sua posição de destaque
enquanto as narrativas fizerem parte da constituição do humano.
SUMÁRIO
Se a importância desse produto cultural é fato incontestável, reafirmamos que o menosprezo da aca- SUMÁRIO
demia, por um longo tempo, parece ter significado uma “aprovação silenciosa, num desaprovando SUMÁRIO
debochado” dos jogos que a telenovela sempre instituiu.

Afinal, lugar da reflexão e da crítica, compete à Universidade produzir e divulgar novos olhares,
FICHA
FICHAFICHA
científicos e não de senso comum, dialógicos e não maniqueístas (bom e mau) sobre os produtos da
indústria cultural, colaborando, assim, para a construção de uma nova variável histórica. Esse, aliás,
um dos objetivos prioritários da inserção social da Universidade.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
U m P ouco D e H istória
A primeira característica à qual podemos atribuir o êxito da telenovela é seu caráter narrativo. A

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Livre-Docente da Escola de Comunicações e Artes da USP. Decana do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da
ESPM. Coordenadora do OBITEL-Brasil/ESPM e da RIEC-Brasil. ANTERIOR

50
narrativa acompanha desde sempre o ser humano, desde que o homem adquiriu a faculdade de
representar. Como lembra Milly Buonanno 2, o termo narrativa, na sua acepção alargada, pode ser
utilizado para

qualquer forma de conto de imaginação que a história humana tenha conhecido – da pintura rupestre
à poesia épica, às obras teatrais, aos diversos gêneros de prosa literária; da narração cinematográfica,
aos quadrinhos e aos desenhos animados. Contemporaneamente, o termo ficção tende a ser utilizado
em duas principais e específicas acepções: a primeira se circunscreve, no âmbito literário, à produção
em prosa de romances e novelas; a segunda se refere, no âmbito da mídia, à produção narrativa de
televisão, ou ficção televisiva.
CAPA
O narrador sempre ocupou lugar de destaque nas sociedades: quer seja ao redor da fogueira, quer CAPA
seja nas cortes ou nas ruas, quer seja nos jornais, no rádio, na televisão e, agora, na chamada ciber- CAPA
cultura.

Embora se pudesse lembrar, para estabelecer as origens da telenovela, que Charles Dickens tinha o SUMÁRIO
hábito de dramatizar seus romances diante do público usando vozes diferentes e Mark Twain decla- SUMÁRIO
SUMÁRIO
mava seus contos, consideramos mais adequado estabelecer a origem desse formato de narrativa – a
telenovela – em meados dos Anos 20, na soap opera americana, transmitida pelo rádio.

Na América Latina, o ponto de partida é Cuba, que vai incluir no formato mais tarde transformado FICHA
FICHAFICHA
em gênero, a característica do melodrama, que tão bem espelha a América Latina. Segundo Délia
Fiallo3, em Cuba “o gênero teve um curioso antecedente nos ‘leitores de tabacaria’, os quais, para
entreter os trabalhadores enquanto estes torciam e despalhavam as folhas de tabaco, liam as novelas PRÓXIMA
melodramáticas e românticas mais famosas, seguindo a preferência de seu auditório”. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Essas afirmações de Délia Fiallo nos remetem ao período Glória Magadã, ou Maria Magdalena Iturrioz,

2 BUONANNO, Milly. Leggere la fiction. ‘Narrami o diva revisitata’. Napoli, Liguori Ed., 1996. p. 19
ANTERIOR
ANTERIOR
3 FIALLO, Délia. La telenovela, el viejo melodrama que nunca muere. Comunicación. Estudos venezolanos de
comunicación. Nº 91. 3º trimestre de 1995. p. 16. Os dados históricos referentes a Cuba foram retirados desse artigo. ANTERIOR

51
no Brasil. Fugida da Revolução Cubana, essa selecionadora de sinopses da Colgate-Palmolive cubana,
que nunca havia escrito uma radionovela ou uma telenovela, carrega consigo as sinopses que lá estavam
e com elas acaba por se tornar, no Brasil, durante alguns anos, a “dona” da teledramaturgia, fazendo
adaptações não de obras teatrais, mas de sinopses dos dramaturgos cubanos, sem conhecimento deles.

A radionovela cubana prossegue com êxito e entre seus dramaturgos se destaca Félix B. Caignet,
autor de Chan Li Po, A serpente vermelha, entre outras, e da mais conhecida de todas, O direito de
nascer, a qual, no Brasil, foi apresentada no rádio, com enorme êxito. Além das transmissões radio-
fônicas, foram produzidos, à época, livretos, que continham os capítulos da novela e eram vendidos
em bancas de jornais (duas mídias como suporte, portanto). Também já teve duas versões para tele-
novela (Tupi, 1965 e Tupi, 1978). CAPA
CAPA
No Brasil, a primeira telenovela diária aconteceu em 1963, chamava-se 2-5499 Ocupado, escrita por CAPA
Dulce Santucci. Baseada em original do argentino Alberto Migré, teve Glória Menezes e Tarcísio Mei-
ra nos papéis principais e foi veiculada pelo Canal 9 (Excelsior, São Paulo) e Canal 2 (Rio de Janeiro).
SUMÁRIO
Segundo Ismael Fernandes4, “desde então a telenovela já mostrava seu poder de penetração junto às SUMÁRIO
massas. Um rapaz, no Sul do país, foi obrigado a mudar o número do seu telefone por coincidir com SUMÁRIO
o número do título da telenovela”.

Certamente essa penetração da telenovela – como afirma Délia Fiallo – é que deve ter levado Gabriel
FICHA
FICHAFICHA
Garcia Marques a Cuba para perguntar a Félix Cagnet o segredo do seu sucesso. Ou ainda deve ser o
que embasa a afirmação de Jorge Amado, citada no mesmo artigo: “Seria muito classista pensar que
são tolas as milhões de pessoas que vêem uma boa telenovela em todos os países do mundo”.
PRÓXIMA
A telenovela brasileira tem suas raízes na telenovela cubana. PRÓXIMA
PRÓXIMA

T elenovela B rasileira : D as T radicionais À s S ocioculturais


ANTERIOR
ANTERIOR
4 FERNANDES, Ismael. Telenovela brasileira. Memória. São Paulo: Brasiliense, 1987. p. 39 ANTERIOR

52
Na verdade, produto antropofagicamente construído pelos brasileiros, que deglutiram as influências
do circo, do folhetim e do cordel, da soap opera, dos cubanos e de Glória Magadã, já se pode perce-
bê-la em fases: da brasilidade que Beto Rockfeller, de Bráulio Pedroso, instalou às novelas críticas
dos tempos da ditadura, sobretudo década de 70 e princípios da década de 80, quando dramaturgos
como Dias Gomes e Lauro César5, cassados do teatro, abrigam-se na televisão, dividindo o país em
povoados onde se exercita a crítica e se prega a liberdade, até à telenovela contemporânea, escrita e
dirigida por uma equipe e não mais por um único autor e diretor, com todos os problemas daí de-
correntes.

Nas primeiras telenovelas – início da década de 60 –, as quais podemos chamar tradicionais, a con-
cepção de mundo era maniqueísta, dividindo os personagens entre bons e maus, sem possibilidade CAPA
CAPA
de mudança; os diálogos eram pobres e as situações, baseadas em estereótipos consagrados por todas
CAPA
as classes sociais: o homem é o que pensa e decide e a mulher é um ser emocional dele dependente;
existem profissões só masculinas e só femininas; os médicos são sempre abnegados e os políticos,
corruptos; a família era sempre do tipo nuclear, com pai, mãe e filhos, etc. Diferentemente, passamos SUMÁRIO
a ter, no elenco das telenovelas que podemos chamar de socioculturais, a presença da complexidade SUMÁRIO
SUMÁRIO
social, em todas as esferas: as personagens deixam de ser planas, com possibilidade de construir seu
próprio “destino”, em interação com o contexto socioeconômico-cultural, à vista do telespectador.
Abordam-se novas temáticas e se modifica o tratamento dado ao melodrama e à estruturação dos
FICHA
FICHAFICHA
capítulos. A família vai se configurar de modos múltiples, incluindo arranjos familiares, mais de
acordo com a sociedade; a corrupção e o mau caratismo nem sempre são punidos, como é o caso da
novela Vale tudo; ou Belíssima, de Sílvio de Abreu, não há personagens só boas ou só más e, talvez
o mais importante, cria-se um número grande de subtramas que passam a ter grande importância no PRÓXIMA
desenvolvimento da história, gerando a possibilidade de discussão múltipla de uma ampla varieda-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
de de temas e exposições de vários pontos de vista. A história de amor, central, não desaparece, mas
se torna muito mais complexa. Esta é a telenovela brasileira.

ANTERIOR
ANTERIOR
5 MUNIZ, Lauro César. Nos bastidores da telenovela. Comunicação & Educação nº 4. São paulo, CCA/ECA-USP;
Moderna, set/dez de 1995. p.94-103 ANTERIOR

53
Sobre ela falam, hoje, 200 milhões de brasileiros. E falam também alguns milhões de estrangeiros.
Conforme aponta Márcia Perencin Todato6, as exportações americanas, hegemônicas no período 65-
70, começam a declinar após 72. Seu lugar é ocupado pelas produções de México, Brasil, Argentina e
Venezuela, da qual 70% são telenovelas. “Num contexto de internacionalização, a ficção é promovida
e, dentro dela, o melodrama revela seu potencial de universalidade. Neste processo, a telenovela,
formalmente derivada da soap opera americana, se destacou como um produto acessível, ideal para
exploração publicitária, até tornar-se o principal produto de exportação cultural de países tradicio-
nalmente importadores, se não invertendo, pelo menos modificando os fluxos de comunicação inter-
nacionais.

Ver novela diariamente é muito difícil tanto para homens quanto para mulheres. A novela já é feita CAPA
CAPA
para não ser vista diariamente, ela tem uma estrutura dramatúrgica que prevê a “repetição”, de tal
CAPA
modo que aqueles que só podem vê-la duas ou três vezes por semana não vão perder o conteúdo da
história.
SUMÁRIO
Renata Pallottini7, dramaturga e pesquisadora, lembra que também pela extensão do gênero, quem SUMÁRIO
escreve telenovela sabe que deve repetir, e não apenas pode fazê-lo – redundar é um dever. O que é SUMÁRIO
mau é redundar pura e simplesmente. O autor de telenovela – a quem um amigo meu chama cari-
nhosamente de “noveleiro” – sabe que precisa repetir, mas sabe também que deve:
FICHA
FICHAFICHA
• repetir de outro modo;

• repetir com outro personagem;

• repetir acrescendo informação.” PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

6 TODATO, Márcia Perencin. Telenovelas exportadas. Mimeo. Apresentado no XXI Congresso da Intercom, Recife, Pe,
1998. 17p.
ANTERIOR
ANTERIOR
7 PALLOTTINI, Renata. Dramaturgia de televisão. São Paulo, Moderna, 1998. Optamos pela citação de todo o trecho por
considerá-lo importante para nossas reflexões sobre telenovela. ANTERIOR

54
T elenovela : I nfluência D a e N a S ociedade
Ainda que a pessoa nunca se sente diante da telenovela e faça questão de dizer que nunca se sentou
diante dela, ela estará discutindo a temática da telenovela porque é a que estará presente no seu lo-
cal de trabalho, no seu meio de transporte, nos jornais, nos telejornais. Podemos afirmar, então, que
tanto as telenovelas educam as pessoas quanto as pessoas, através de pesquisas de opinião e outros
meios, influenciam os rumos de uma telenovela.

As telenovelas abordam temas que estão presentes na sociedade. Ela se institui como relação ficção
e realidade, ou seja, a própria temática da telenovela emerge daquele período histórico, daquela so-
ciedade em que está vivendo o artista, em que está vivendo o dramaturgo.
CAPA
A partir daí, evidencia-se a relação com a sociedade, o que, aliás, é característica de qualquer produ- CAPA
ção no nível da superestrutura. No momento em que a telenovela vai para o ar, ela tem dez, quinze, CAPA
até vinte capítulos gravados. São os primeiros capítulos. Esses capítulos emergiram dessa história
construída a partir do tema que veio da sociedade e que tem o dramaturgo como intermediário. A
SUMÁRIO
partir dos capítulos seguintes há uma interação com a sociedade, através de pesquisas, como hoje se SUMÁRIO
sabe, através da própria repercussão na mídia, através de fatos históricos, ou de catástrofes, enfim SUMÁRIO
de acontecimentos que possam ocorrer naquele período. Tudo isso vai estar presente na telenovela.
A telenovela brasileira, que é um gênero construído pelos brasileiros, e que se diferencia de todas
as produções de ficção televisiva seriada existentes no mundo, incluindo a maioria das telenovelas FICHA
FICHAFICHA
latino-americanas, é uma obra em aberto, onde há uma interação permanente entre a obra que está
sendo levada e a sociedade que está opinando, que está interferindo de algum modo, nos caminhos
dessa própria telenovela. Há uma interação permanente. Toda a produção dos meios de comunica- PRÓXIMA
ção, e não só a telenovela, está marcada pelos processos de interpretação-recepção de outros discur- PRÓXIMA
PRÓXIMA
sos, midiáticos ou não que envolvem o emissor/produtor e o receptor/usuário. Existirá sempre um
diálogo, uma interlocução, ainda que mediata, indeterminada, até mesmo tênue. Afinal, o sujeito-co-
municador, no caso o dramaturgo, forma-se no conjunto dos discursos sociais, nos quais se banha,
reelaborando-os. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

55
Essas interações com a sociedade não significam que a telenovela venha a se desfigurar em função
daquilo que a sociedade quer que aconteça. A sociedade quer que se mate um personagem. Esse
personagem será morto, dentro da história, se no universo ficcional, arquitetado pelo dramaturgo
com base na verossimilhança, convier que ele seja morto, se isso não prejudicar a espinha dorsal da
história que o dramaturgo planejou. Há, portanto, uma grande influência da sociedade, do momento
histórico etc, mas não no sentido de que essa influência venha a desfigurar a telenovela enquanto
construção que circula no universo ficcional, com suas “regras” próprias, características desse gênero.

A R ecepção D a T elenovela
CAPA
Os receptores tornam-se co-produtores do produto cultural. São eles que o (re)vestem de significado, CAPA
possibilitando a atualização de leituras, o rompimento de caminhos pré-estabelecidos de significa- CAPA
dos, a abertura de trilhas que poderão desaguar em reformulações culturais8.

Durante o período em que a telenovela está sendo exibida, existe uma apropriação daquilo que está SUMÁRIO
acontecendo na telenovela: moda, música, determinadas expressões lingüísticas, determinados jeitos SUMÁRIO
SUMÁRIO
de ser etc. No entanto, isso não se incorpora na população. A telenovela se confronta sempre com o
conservadorismo que caracteriza a população.

E não apenas do receptor individual, aquele que assiste à telenovela e a interpreta. No caso desse FICHA
FICHAFICHA
gênero televisivo, a recepção é constituída por uma rede de receptores que se falam, se comunicam,
que dialogam entre si ou com publicações especializadas. Ou seja: a recepção da telenovela, ainda
que num primeiro momento se constitua num ato individual que acontece numa sala com ruídos PRÓXIMA
domésticos, telefones tocando e filhos chorando ou brincando ruidosamente, acaba entrando no cir- PRÓXIMA
PRÓXIMA
cuito dos diálogos ente as pessoas nos locais de trabalho, nas feiras livres, nos espaços públicos em
geral. E, além disso, a recepção é uma cadeia da qual fazem parte, também, as publicações especiali-

ANTERIOR
ANTERIOR
8 Outras reflexões sobre recepção feitas por nós estão publicadas em Recepção: nova perspectiva nos estudos de
comunicação. Comunicação & Educação, São Paulo, (12), 7 a 16, mai/ago.1998. ANTERIOR

56
zadas, como a tradicional Contigo, além das colunas ou suplementos dos jornais, onde a construção
de sentidos se realiza. E tudo isso ocorre, hoje, na rapidez das redes sociais.

Nessa rede, aquela recepção primeira, solitária, reformula-se, constituindo-se apenas em uma das
vozes nessa polifonia da recepção. E, ao retornar à telenovela (cuja exibição dura em média 6 a 8
meses) vai engendrando um significado outro, resgatando o potencial de significados dela que, de
outro modo, ficaria escondido. E o significado da telenovela resultará, portanto, não apenas dela
própria enquanto produção, nem apenas da relação de sua temática com a realidade, mas do proces-
so de recepção que, na verdade, compreende os e resulta dos aspectos anteriores. Ou seja: o sentido
se constrói no encontro emissor-receptor, carregando traços de ambos.
CAPA
CAPA
CAPA
P ara L er A T elenovela : A lgumas O bservações
A telenovela proporciona a experiência da sensação de viver determinadas situações, e não uma
análise conceptual dessas situações. No entanto, ela não se limita a “refletir” passivamente essa ex- SUMÁRIO
periência e, por isso, embora contida na ideologia, possibilita o distanciamento dela. Permite ao te- SUMÁRIO
SUMÁRIO
lespectador “sentir” e “apreender” a ideologia da qual se originou, não no sentido do conhecimento
da “verdade” que a ideologia mascara, mas no sentido de que a vivência emocional de uma situação
permite conhecê-la numa de suas dimensões e leva à transformação do sujeito-receptor. Como diz
FICHA
FICHAFICHA
Terry Eagleton, não se trata de “conhecimento científico – o tipo de conhecimento, por exemplo, do
capitalismo que nos é dado pel’O Capital de Marx e não por Hard Times de Dickens”. A vivência da
experiência pela emoção pode “conduzir-nos no sentido da compreensão plena da ideologia que é o
conhecimento científico”9. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Assim, a telenovela permite o exercício da faculdade de julgar, própria do telespectador. Esse “julga-
mento” está preso, obviamente, ao universo do espectador: ele vai “iluminar” determinados concei-
tos e pré-conceitos que circularam na telenovela e submetê-los a esse universo. Nesse diálogo se es-
ANTERIOR
ANTERIOR
9 EAGLETON, Terry. Marxismo e crítica literária. Porto, Afrontamento, 1976. p. 31 ANTERIOR

57
tabelecerá a interpretação, a qual, ainda que vinculada à hierarquia dos valores dos telespectadores,
ao instituir o diálogo acaba por permitir uma reflexão com conseqüências no “real”. A ficção mostra
um outro horizonte para o mundo que está sendo vivido. Ela não reflete esse mundo, nem apenas o
refrata. Trabalha no território entre reflexo e refração, possibilitando que aí sejam construídas e “ex-
perimentadas” pelo telespectador novas experiências, instaurando novos horizontes.

As fronteiras da ficção, enfim, não se desfazem. Elas permanecem claramente determinadas, ainda
que algumas das conexões temáticas que circulam no universo ficcional sejam extremamente próxi-
mas da realidade vivida pelo receptor. Isso porque, no mundo ficcional, a relação entre os temas e os
horizontes de possibilidades se dão num outro universo, que se fixa apenas quando o leitor adentra
o universo da ficção, no qual se tematiza a própria relação entre tema e horizonte de possibilidades. CAPA
CAPA
E é essa condição que conduz o telespectador “no sentido da compreensão plena da ideologia que é
CAPA
o conhecimento científico”.

SUMÁRIO
T ransmidialidade E P rodução D e I nteratores À L uz D a N arrativa T elevisiva SUMÁRIO
SUMÁRIO
Esta parte do trabalho tem sua autoria dividida com Andrea Antonacci, mestranda da ESPM e bol-
sista do PROSUP-CAPES, e Mariana Garatelli, bolsista de iniciação científica da ESPM.

O surgimento das redes digitais estabeleceu novas configurações nos âmbitos da produção, circula- FICHA
FICHAFICHA
ção e consumo dos meios de comunicação de massa. De um lado, produtores iniciaram ações diver-
sas – tanto para estar presente neste ambiente digital quanto para tentar garantir a manutenção de
público. De outro, consumidores encontram um novo cenário para consumir produtos midiáticos. PRÓXIMA
Jesús Martín-Barbero nos fala das conexões propostas entre comunicação e cultura, colocando a tec-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
nicidade como um dos processos relevantes nas mudanças culturais ocorridas em nossa sociedade a
partir da cibercultura. Ao fugir do determinismo tecnológico, Martín-Barbero posiciona nosso olhar
para enxergar tecnicidade não como sinônimo de aparatos digitais mas sim para novas maneiras de ANTERIOR
ANTERIOR
percepção e linguagem que surgem a partir da comunicação digital interativa. (MARTÍN-BARBERO, ANTERIOR

58
2002, p. 10-11). Ainda ao advogar contra análises centradas no caráter puramente tecnológico, Mar-
tín-Barbero, no prefácio do livro Hipermediaciones, do argentino Carlos Scolari, reflete:

todas as tecnologias da comunicação são sociais pelo valor que imprimem


a seus produtos, pelos processos de consumo que desatam e pelas liga-
ções que estabelecem com outras tecnologias (…). Todas as tecnologias da
comunicação são cognitivas, pelo modo que transformam nossa percep-
ção de mundo, pela capacidade de nos reprogramarmos como usuários,
pelo que nos deixam (é nós nos deixamos) fazer (MARTÍN-BARBERO IN
SCOLARI, 2008, p. 14).
CAPA
Que caminhos a narrativa da telenovela parece estar tomando na cibercultura? Recorremos a Slater, CAPA
para quem “é através das formas de consumo culturalmente específicas que produzimos e reprodu- CAPA
zimos culturas, relações sociais e, na verdade, a sociedade” (SLATER, 2002, p. 131). Assim, faz-se
necessário estabelecer um diálogo entre a presença das telenovelas nas redes digitais e a construção
SUMÁRIO
social ocorrida a partir do consumo da narrativa teleficional. Assim: SUMÁRIO
SUMÁRIO
As culturas dos sujeitos, as práticas socioculturais de ambos os polos
(emissão e recepção) dão as trilhas da produção e da recepção e funda-
mentam a interpretação dos programas televisivos. E provavelmente ser-
FICHA
FICHAFICHA
vem de suporte às transformações desses conteúdos televisivos nas ou-
tras plataformas (BACCEGA, 2012, p. 1304).

PRÓXIMA
A internet como personagem
PRÓXIMA
PRÓXIMA
O melhor exemplo que temos, até agora, é a telenovela Cheias de Charme. Levada ao ar no horário
das 19h, estreou em 16 de abril de 2012 com um claro propósito da produção: ampliar a audiência na

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

59
emergente classe C, que em 2011 passou a representar 54% da população brasileira 10. Assim, inovou
ao colocar como protagonistas três empregadas domésticas, normalmente relegadas a personagens
acessórias. Na trama, Penha (Taís Araújo), Rosário (Leandra Leal) e Cida (Isabelle Drummond) são
domésticas, criam um grupo musical e conquistam o sucesso. Com bons índices de audiência, que
ultrapassavam os 30 pontos11, Cheias de Charme representou uma inovação na Rede Globo pois, pela
primeira vez, uma cena importante do enredo foi exibida antes na internet. Trata-se do clipe Vida
de empreguete, que foi lançado no site oficial da emissora e em 24 horas teve 4 milhões de acessos.
Em crítica da jornalista Patrícia Kogut publicada em seu blog no site O Globo, um dos autores da
telenovela, Filipe Miguez, confirma a relevância da internet na trama, colocando-a como um dos
personagens. “E o internauta, quando reproduz o clipe, criando memes, passa a difundir e viralizar
CAPA
conteúdo para a novela” (KOGUT, 201212). CAPA
CAPA
A estratégia adotada pela Rede Globo em Cheias de Charme vem ratificar esse olhar voltado ao uni-
verso digital. Ela foi a pioneira no país na inclusão da transmidialidade, integrando novas platafor-
mas de comunicação em suas produções teleficcionais. Utilizamos o conceito de transmidialiade de SUMÁRIO
Henry Jenkins, para quem: uma história transmídia desenrola-se através de múltiplas plataformas SUMÁRIO
SUMÁRIO
de mídia, com cada novo texto contribuindo de maneira distinta e valiosa para o todo. Na forma
ideal da narrativa transmídia, cada meio faz o que faz de melhor [...]. Cada produto determinado é
um ponto de acesso à franquia como um todo. A compreensão obtida por meio de diversas mídias
FICHA
FICHAFICHA
sustenta uma profundidade de experiências que motiva mais consumo (JENKINS, 2009, p. 138).

A Globo possui uma de suas centrais dedicada a projetos dessa natureza – Central Globo de De-
senvolvimento Artístico (CGDA). Embora tenha iniciado as ações voltadas à transmídia em 2007, PRÓXIMA
a temporada 2006-2007 de Malhação contou com um blog para uma das personagens da série, que PRÓXIMA
PRÓXIMA
10 Disponível em: <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2012/03/22/classe-c-inclui-mais-da-metade-
da-populacao-brasileira-em-2011-mostra-pesquisa.jhtm>. Acesso em junho de 2012.
11 Disponível em: http://virgula.uol.com.br/ver/noticia/diversao/2012/05/17/300447-cheias-de-charme-surpreende-e-
conquista-audiencia-de-novela-das-nove. Acesso em junho de 2012.
ANTERIOR
ANTERIOR
12 Disponível em: <http://oglobo.globo.com/cultura/kogut/posts/2012/05/25/critica-cheias-de-charme-pioneira-em-
casamento-com-internet-446958.asp>. Acesso em junho de 2012. ANTERIOR

60
consistia na publicação de conteúdo com histórias sobre esoterismo – um dos temas abordados na
ficção. Em 2009, a emissora ampliou a proposta interativa de Malhação, promovendo sua primeira
websérie. No mesmo ano, foi lançado o programa Ger@l.com, que utilizava além da plataforma tele-
visiva, internet, o microblog twitter e celular.

Em telenovela, podemos destacar Caminho das Índias e Viver a Vida (ambas de 2009), que lançaram
mão de conteúdo informativo ou serviços em blogs, revista feminina online, newsletter, vídeos das
gravações etc. No caso de Viver a Vida, a Globo criou o Portal da Superação e o blog Sonhos de Lu-
ciana. O primeiro, como o nome já adianta, trouxe casos de superação, com depoimentos verídicos
de pessoas que enfrentaram situações difíceis mas transpuseram as adversidades. Já Sonhos de Lu-
ciana apresentou relatos em primeira pessoa da personagem (vivida pela atriz Alline Moraes) e de CAPA
CAPA
sua rotina de superação após tornar-se tetraplégica em um acidente de ônibus. Em ambos, a emissora
CAPA
abriu espaço para comentários do público e Sonhos de Luciana trouxe antecipação de elementos da
trama da telenovela na mídia social (FECHINE; FIGUEIRÔA, 2011, p. 45-48).
SUMÁRIO
Recentemente, Ti Ti Ti, Passione, Insensato Coração (2010-2011) Cordel Encantado e Morde & Asso- SUMÁRIO
pra (2011) são produções que utilizaram transmidialidade e interatividade. Nelas, encontram-se, por SUMÁRIO
exemplo, elementos da trama que foram adiantados –Ti Ti Ti –; pistas sobre assassinatos – Passione;
blog de personagens que ganharam popularidade como os de Jacques Leclair (Alexandre Borges) e
Victor Valentim (Murilo Benício) – ambos em Ti Ti Ti – e Natalie Lamour (Deborah Secco), em In- FICHA
FICHAFICHA
sensato Coração; blog informativo como o de paleontologia da personagem Júlia (Adriana Esteves)
em Morde & Assopra e jogos – para vestir as personagens – Cordel Encantado –, encontrar fósseis –
Morde & Assopra – e até consertar problemas de encanamento numa casa – Fina Estampa –, dentre PRÓXIMA
outros. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Mas, se anteriormente a Rede Globo já utilizava estratégias transmidiáticas e interativas, Cheias de
Charme mostrou-se a experiência mais audaciosa e, ao mesmo tempo, bem-sucedida da emissora no
processo de integração entre redes digitais e telenovela. Além de o uso da internet para adiantar um ANTERIOR
ANTERIOR
conteúdo da trama transformar-se em sucesso, a emissora criou o concurso “A empregada mais cheia ANTERIOR

61
de charme do Brasil”, para que os telespectadores criassem um videoclipe mostrando seu talento. O
concurso foi lançado no programa Fantástico. O produtor do clipe mais criativo ganharia participa-
ção na telenovela. Além disso, elaborou uma campanha para as redes sociais que nasceu na ficção
mas chegou à vida real. Na novela, as domésticas foram presas depois do sucesso conquistado pelo
clipe. Os amigos Elano (Humberto Carrão) e Kleiton (Fábio Neppo) elaboraram a campanha #em-
pregueteslivres. O resultado na vida real: entrou para os assuntos mais comentados (trending topics)
do twitter.

A chegada aos trending topics também não é novidade nas telenovelas da Globo. Personagens como
a Gérson (Marcello Antony) e Diana (Carolina Dieckmann) de Passione, Naomi (Flávia Alessandra)
de Morde & Assopra, Vinícius (Thiago Martins) de Insensato Coração são alguns dos que ganharam CAPA
CAPA
notoriedade no twitter. Inovadora é a maneira como Cheias de Charme faz uso das redes digitais,
CAPA
utilizando estratégias de transmídia e crossmídia e, especialmente, dando novos espaços para a par-
ticipação do interator na trama.
SUMÁRIO
De fato, interpelar e engajar o espectador como interator13 parece ser cada vez mais importante, não SUMÁRIO
somente em termos propriamente comerciais como também para conferir uma roupagem contempo- SUMÁRIO
rânea a formatos e gêneros midiáticos mais tradicionais, como no caso da telenovela, preservando
seu interesse e relevância em tempos de convergência e transmidialidade. (CASTRO, 2012, p. 36).
FICHA
FICHAFICHA
A participação do receptor de maneira ativa – modificando inclusive a trama – também não é inova-
ção. O que muda no cenário de redes digitais é a velocidade e a capilaridade – “agora tudo ocorre
com uma velocidade maior e tem condições de atingir um número quase incalculável de pessoas”
(BACCEGA, 2012, p. 1298). Além da quantidade de usuários, há ainda um caráter tribal estabelecido. PRÓXIMA
São criadas novas redes de pessoas, que se relacionam tendo como base gostos em comuns. Em de-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
fesa de seu caráter social, André Lemos afirma que “a cibercultura não é uma cibernização da socie-
dade, mas a tribalização da cibernética” (LEMOS, 2010, p. 90). Outro autor a pensar na participação

ANTERIOR
ANTERIOR
13 A autora utiliza o conceito de interator de Janet Murray para designar receptores que são também produtores em
plataformas transmidiáticas. ANTERIOR

62
social dos espectadores é Scolari:

Basta terminar a emissão de um episódio de uma série televisiva, para


poucos minutos depois, os fóruns e páginas web entrem em estado de
agitação. Os espectadores discutem o texto que acabaram de ver, analisam
suas possíveis continuações e debatem sobre os personagens e a trama
do episódio. Ou seja, em muitos casos a construção de mundos possíveis
deixou de ser um processo individual para converter-se em um processo
coletivo que se desenvolve nas redes sociais (SCOLARI, 2011, p. 130).

Em diálogo com a teoria proposta por Martín-Barbero – de transferir os estudos comunicacionais


CAPA
dos meios para as mediações – Scolari sugere que ampliemos nosso campo de visão para as hiper- CAPA
mediações14. Ainda em seu blog, ao comentar sobre o conteúdo proferido por Martín-Barbero em CAPA
conferências realizadas em universidades de Barcelona, no ano de 2010, Scolari enfatiza a atenção
dada pelo teórico à narrativa:
SUMÁRIO
Jesús Martín-Barbero não deixou de mencionar a fragmentação das audi- SUMÁRIO
SUMÁRIO
ências e experiências de consumo audiovisual, a dissolução das barreiras
entre os meios e os processos de convergência… Qual convergência? A
tecnológica? A empresarial? Segundo ele a convergência mais interessan-
FICHA
FICHAFICHA
te é a narrativa, a convergência de relatos que moldam nossas indentida-
des e surfam pelos meios e pelas redes (SCOLARI, 2010, tradução nossa).

PRÓXIMA
Os caminhos da narrativa – apropriações e ressignificações das tecnicidades
PRÓXIMA
PRÓXIMA
As ressignificações narrativas anteriormente mostram a atualidade das colocações de Omar Rincón

14 Hipermediação é entendida por Scolari como o processo de “intercâmbio, produção e consumo simbólico ANTERIOR
ANTERIOR
desenvolvidos em um entorno caracterizado pela grande quantidade de sujeitos, meios e linguagens interconectados
tecnologicamente e de maneira reticular entre si” (SCOLARI, 2008). ANTERIOR

63
sobre os modos de contar. Para este autor, a narração ocorre a partir de regras narrativas15 para com-
preender e imaginar histórias (RINCÓN, 2006, p. 102). O filósofo Paul Ricoeur tem uma elucidativa
reflexão sobre inovação e sedimentação no discurso. Qualquer desvio só é possível com base numa
cultura tradicional, que cria espectativas para o que será revelado por quem cria a narrativa (RICO-
EUR, 2000, p. 194).

Nas colocações de Rincón e Ricouer, vislumbramos um diálogo com o papel das temporalidades no
processo cultural. Raymond Williams classifica as mediações culturais em três categorias – residual,
dominante e emergente. Embora haja narrativas dominantes, elas estão em constate negociação com
os discursos residuais (aqueles que nascem no passado e mantêm sua presença na atualidade) e com
os emergentes – matrizes culturais recentes (WILLIAMS, 1979). Isso se pode perceber com mediana CAPA
CAPA
clareza nos videoclipes produzidos pelos espectadores a partir de Vida de empreguete: há discursos
CAPA
que imperam mas também há outros que surgem, num processo de negociação entre dominante, re-
sidual e emergente. (Vejam-se o vídeo das estudantes baianas e o videoclipe Vida de piriguete, entre
outros) SUMÁRIO
SUMÁRIO
Quando a telenovela reaparece nas outras plataformas podemos também verificar as camadas de SUMÁRIO
sentido presentes nos novos produtos. Ou seja: acompanhar o palimpsesto, verificar quais “perga-
minhos” foram apagados, quais os mantidos nas transformações de linguagem, logo de sentidos,
que caracteriza cada uma das plataformas – e acompanhá-las na sua apropriação pelas várias plata- FICHA
FICHAFICHA
formas nas quais se desdobre essa matriz. Cada nova plataforma carrega as anteriores, modifica- as,
mas sem se desfazer delas (BACCEGA, 2012, p. 1306).

Na telenovela, da mesma forma, estão presentes narrativas dominantes, residuais e emergentes. A PRÓXIMA
história da Gata Borralheira mantém-se principalmente na figura de Cida, que é empregada na casa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
da família Sarmento. Lá, vive como “meio empregada, meio cria de Sônia Sarmento, meio irmã das
filhas dela, Ariela e Isadora” (CHEIAS DE CHARME, 2012). As irmãs da Borralheiras, personagens

ANTERIOR
ANTERIOR
15 Rincón entende que as regras narrativas são estabelecidas “pela presença rotineira na vida”e “retomando modelos de
referência canônicos a partir dos quais se constrói o imaginário narrativo” (RINCÓN, 2006). ANTERIOR

64
fixadas na memória social, estão na música Vida de empreguete: são “as filhas da patroa, a nojenta e
a entojada”, que só sabem explorar, não valem nada”. Mas, no discurso das empreguetes, são colo-
cadas como “as filhas da patroa”, ao invés de “as filhas da madastra”.

C ultura da mídia , cultura social

Conhecer as narrativas que se contam pela mídia é mapear a cultura de uma sociedade (Baccega,
2012, p. 1300). A reflexão sobre os discursos presentes na telenovela Cheias de Charme – e o diálogo
que se estabelece entre eles com os videoclipes surgidos por interatores – ratificam esse olhar. São
elementos que nos dão sinais das ressignificações estabelecidas.
CAPA
CAPA
Por isso podemos afirmar que, tal qual em outras obras ficcionais, a telenovela se caracteriza pela
CAPA
autonomia, mas não pela independência: suas raízes se fundam na cultura que a produz. A realida-
de que ela constrói não é nem pode ser separada de tudo o que a rodeia. Se assim fosse, não haveria
possibilidade de compreendê-la, pois o sentido se forma a partir do que já é, do que já está. Ela se SUMÁRIO
relaciona com outras telenovelas. Se a telenovela tem normas específicas, também é verdade que não SUMÁRIO
SUMÁRIO
é nela própria que ela vai encontrar substância para elaborar estas normas.

Os dizeres presentes nas narrativas dos interatores igualmente reforçam o papel da cotidianeidade
social, que age como mediadora no processo de ressignificação. A multiplicidade dos dizeres e a FICHA
FICHAFICHA
riqueza dos discursos, adaptados de maneiras diversas, revelam ainda assuntos em destaque na so-
ciedade brasileira.

No caso de Cheias de Charme e de Vida de empreguete, são as domésticas que representam a ascen- PRÓXIMA
dente classe C, que “acorda cedo, mora longe do emprego e enfrenta condução cheia”, que trabalha
PRÓXIMA
PRÓXIMA
muito mas mas sonha com a casa própria e a ascensão social: “um dia compro apartamento, viro
socialite”.

Nas produções dos interatores, surgem narrativas que criticam as desigualdades sociais e a necessi- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

65
dade de um ensino público brasileiro de qualidade. Há da mesma forma narrativas que combinam
discursos dominantes na sociedade sobre comportamento sexual das mulheres e práticas sexuais nas
permissivas na contemporaneidade.

Rincón defende que “somos na medida em que sabemos narrar em relação a nossos modelos de refe-
rência, que podem ter alterações mas jamais podem ser esquecidos” (RINCÓN, 2008, p. 108). Assim,
Cheias de charme, Vida de empreguete, Vida de estudete e Vida de piriguete revelam aproveitamen-
tos e apropriações das narrativas na cibercultura. Elas revelam ainda caminhos que a ficção televisi-
va segue quando se transmidializa. Caminhos que convivem com discursos de ontem e de hoje, nar-
rativas da contemporaneidade que controem hoje a maneira que contaremos histórias no amanhã.
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

66
IMPRESSÕES E EXPERIÊNCIAS NO ENSINO DE
ROTEIRO NA UNIVERSIDADE - ESCREVENDO A
SESSENTA MÃOS

Leandro Vieira M aciel


Universidade Anhembi Morumbi | lvmaciel@anhembimorumbi.edu.br | lvmaciel@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
Este artigo se propõe a analisar a disposição das disciplinas de roteiro dos cursos de audiovisual, em
SUMÁRIO
particular no curso de Rádio e Televisão da Universidade Anhembi Morumbi. Serão analisadas as SUMÁRIO
metodologias de teoria e prática de escrita, com destaque para experiências de criação coletiva em SUMÁRIO
roteiro. Uma destas experiências em destaque considerou a adaptação de métodos práticos (alguns
usados profissionalmente), num processo que questionou o papel do aluno e do professor, e estimu-
lou a participação coletiva num projeto de série. Assim, o roteiro será analisado como ferramenta de FICHA
FICHAFICHA
ensino, e a sala de aula como um reduto revelador do imaginário de um grupo.

Palavras-Chave: roteiro, metodologia de ensino, criação coletiva, imaginário.


PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A bstract
This article aims to analyze the arrangement of writing disciplines in cinema and radio&television
courses, particularly Radio & TV´s course from Anhembi Morumbi University. It will analyze the- ANTERIOR
ANTERIOR
orical and practical methodologies for writing, highlighting experiences of collective creation scre- ANTERIOR

67
enwriting. One remarkable experience was the adaptation of practical methods (some them used
by audiovisual market), a process that challenges student and teacher ’s roles, encouraging group
participation in a tv series project. Thus, the screenplay will be analyzed as a tool for teaching, and
the classroom space as a potential “catcher” of an imaginary´s group and revealing the inner space
of the student.

Keywords: screenplay, teaching methodologies, collective creation, imaginary.

“- Professor, se tiver erro de português eu perco nota?”

“ - Ah, mas eu não preciso de roteiro mesmo...”


CAPA
“- A gente ainda não vai entregar o trabalho... quem vai a trazer é a Carol” CAPA
[autor de fato do trabalho]. CAPA

“- Como faço pra ser criativo?”


SUMÁRIO
Estas frases são exemplos cotidianos de nossa convivência com os alunos ao longo de 7 anos como SUMÁRIO
professor de roteiro, e cada uma delas de certa forma encarna os obstáculos do período. SUMÁRIO

Nossa experiência com ensino começou antes da carreira universitária. Em 2003, após prêmio na área
de roteiro, fomos convidados a dar palestras sobre o assunto. Dois anos depois, iniciamos as aulas
FICHA
FICHAFICHA
das disciplinas de roteiro, na Universidade Anhembi Morumbi, em sua maioria aulas no curso de
Rádio & TV.

Avaliando os benefícios e contratempos da dupla disposição como docente e roteirista freelancer, PRÓXIMA
podemos considerar o saldo positivo do período. Afinal de contas, o que poderia ser melhor do que PRÓXIMA
PRÓXIMA
trabalhar diariamente com um tema de que se gosta tanto?

Como professor, notamos a necessidade de avaliação constante do processo do ensino, onde atua-
lizações e falhas são variáveis comuns. Assim, aqui relatamos algumas experiências e impressões a ANTERIOR
ANTERIOR
partir da vivência com os cerca de 300 alunos com que travamos contato a cada semestre. Incluímos ANTERIOR

68
também algumas percepções sobre o roteiro: como ferramenta de ensino e como filtro do imaginário
de um grupo.

Iremos apresentar agora nosso campo de experimento: o curso e as disciplinas; o perfil do aluno com
quem se travou contato; algumas das experiências relevantes; e por fim descreveremos a experiência
que consideramos mais importante: a criação coletiva de um projeto de série, com atribuições indi-
viduais e por grupo, e que pode indicar caminhos para a pedagogia na atualidade.

O C urso e as D isciplinas
Segundo dados de 20091, o curso de Rádio & TV da Universidade Anhembi Morumbi é considerado CAPA
CAPA
um dos maiores do país. Contando com cerca de 1000 estudantes no total, tem o ingresso de mais de
CAPA
300 alunos anualmente. Os alunos cursam disciplinas semestrais, por no mínimo 4 anos, com aulas
teóricas e práticas. O curso foi criado em 1993, como uma resposta à chegada das companhias a cabo
no país. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Desde então, o curso passou por algumas atualizações em sua grade. Em 2005 foram implementadas SUMÁRIO
4 disciplinas de roteiro, que o aluno cursava nos 4 primeiros semestres. Ao final deste período, ele
receberia um diploma (uma formação parcial em criação de roteiros, um diploma de roteirista). A
proposta era competir com os cursos que formavam tecnólogos2. FICHA
FICHAFICHA
Em 2010, o curso precisava se adequar ao panorama atual de convergência e democratização de aces-
so a equipamentos digitais de alta resolução. Além disso, a Universidade deveria seguir as normas
de sua nova proprietária, a empresa americana Laureate Universities. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A multinacional tem cobrado um maior controle orçamentário de cada curso. Uma das soluções dos

1 Dados relacionado no artigo FERREIRA, Gisele Sayeg Nunes; LAGO, Claudia. Radio as a means for democratization:
the use by students. Paris: IAMCR, 2007, p. 10. Os dados de 2012 ainda não se encontram consolidados.
ANTERIOR
ANTERIOR
2 Segundo nos informa o Prof Ms. Cláudio Suetu Yutaka, coordenador do curso de Rádio & TV de 2010 a 2012, em
entrevista concedida em 16 de outubro de 2012. ANTERIOR

69
coordenadores foi manter um quadro docente relativamente enxuto, considerando-se o número de
alunos. No momento, por exemplo, há 3 professores de roteiro no curso de Rádio & TV - cada um
com pelo menos 24 horas-aula.

Outras medidas desta mudança de grade foram a ampliação das aulas online, com um mínimo de
carga horária para todos os cursos, e a padronização do sistema de ensino, com a obrigatoriedade de
um certo número de trabalhos de provas individuais, no semestre, seguindo suposto modelo estipu-
lado pelo MEC3.

No primeiro semestre de 2010 as novas turmas encontraram uma grade com 3 disciplinas de roteiroo
( no caso a última disciplina foi eliminada: Projeto Experimental em Roteiro, no 4º semestre). Segun-
CAPA
do o coordenador Yutaka (2012), o grande número de atendimentos que o plano de aula previa (no CAPA
sistema conhecido como script doctor4) gerava algumas reclamações por parte dos alunos. CAPA

Além disso, ainda segundo Yutaka, era um contrassenso dar o diploma de roteirista para o aluno que
realizava os quatro semestres, sem a garantia de que ele de fato era um roteirista. Na opinião dele, SUMÁRIO
para se alcançar um nível profissional em roteiro seria necessário um número reduzido de alunos por SUMÁRIO
SUMÁRIO
sala, para que o professor pudesse ler os projetos individuais, dividindo a turma em duplas eventu-
almente.

Hoje neste curso pode-se dizer que o foco saiu da formação de possíveis roteiristas para uma educa- FICHA
FICHAFICHA
ção mais generalista de roteiro. Levamos em conta o contexto da universidade (como salas com cerca
de 70 alunos nos semestres iniciais) e a pequena parcela de estudantes com preferência pela espe-
cialidade. A intenção hoje é chegar a um conjunto de habilidades e conhecimentos mínimos que um PRÓXIMA
produtor ou técnico audiovisual deve ter, para criar, ler ou criticar um projeto ou o próprio roteiro. PRÓXIMA
PRÓXIMA

3 Sigla para Ministério da Educação e da Cultura


4 Script doctor, ou consultor de roteiro, é um especialista contratado por grandes estúdios, produtoras e emissoras de
televisão, que analisa e critica ( faz o doctoring) os roteiros de interesse da empresa. Um dos script doctors mais conhecido ANTERIOR
ANTERIOR
é o americano Syd Field, que explica um pouco desta ocupação em FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva,
1995, p. 8 ANTERIOR

70
No curso de Rádio & TV atualmente as disciplinas de roteiros estão dispostas da seguinte maneira5:

• 1º semestre: Estrutura de Roteiro 6: disciplina voltada às teorias narrativas, com ati-


vidades lúdicas eventuais.

• 2º Semestre: Técnicas de Roteiro: a disciplina oferece repertório técnico para as múl-


tiplas possibilidades de adaptação;

• 4º Semestre: Práticas de Roteiro: o estudo do processo criativo e a formatação de ao


menos um projeto de roteiro, realizado em caráter interdisciplinar.

CAPA
CAPA
O P erfil do A luno CAPA
Os dados apontam um perfil sócio-econômico razoavelmente homogêneo, ainda que culturalmente
os alunos sejam bastante diferentes entre si.
SUMÁRIO
Em sua pesquisa, LAGO, SAYEG (2009) levantaram dados do aluno de Rádio & TV7: SUMÁRIO
SUMÁRIO
“Com relação aos dados sócio-econômicos, observou-se que a maioria dos
alunos (80%) têm entre 17 e 22 anos, mas não há muita diferença entre
o número de estudantes do sexo masculino (52%) e mulheres (48% ). A
FICHA
FICHAFICHA
maioria (64%) tiveram seus estudos fundamentais em escolas particula-
res, um número que sobe para 65% quando se considera o ensino médio.
Mais de metade dos alunos (53%) trabalha e uma parcela significativa
(39%) já trabalham em rádio ou televisão. (...). Os dados revelam alunos PRÓXIMA
PRÓXIMA
5 É importante relatar que no momento da redação deste artigo a carga horária de cada disciplina de roteiro foi
PRÓXIMA
reduzida para 60 horas semestrais, sendo que a exigência inicial era eliminar uma das disciplinas de roteiro.
6 A disciplina Estrutura de Roteiro é oferecida para todos os cursos da Escola de Comunicação no primeiro semestre,
mas cada curso adapta pedagogicamente a matéria de acordo com suas demandas.
7 As disciplinas de roteiro no curso de Cinema são muito parecidas com as de Rádio & TV, mas o perfil é diferente do ANTERIOR
ANTERIOR
aluno médio deste último curso (no geral o aluno de Cinema é mais velho, de família mais rica e com repertório audiovisual
maior). Esta diferença que demandaria um artigo à parte. ANTERIOR

71
com um nível econômico relativamente elevado, que foram capazes de
estudar em escolas particulares e que, apesar do fato de que trabalham,
continuam a contar com a família para pagar seus estudos.” FERREIRA,
LAGO (2007), p.12 [tradução nossa].

Yutaka (2012) afirma que, segundo dados parciais do ano corrente, os alunos de Rádio & TV na ver-
dade pertencem em sua maioria à classe B, com menor participação das classes A e C. Alguns poucos
alunos utilizam bolsas oferecidas pelo governo federal, através do PROUNI8 .

Pode-se inferir que pela localização do campus (no bairro do Brás, próximo ao metrô Bresser) e pelo
nível da mensalidade (aproximadamente mil reais), o curso atende a famílias em ascensão econômi-
CAPA
ca, provenientes dos bairros periféricos de São Paulo e de algumas cidades no entorno da Grande CAPA
São Paulo, como Jundiaí e Guarulhos. Ressalta-se que o “achatamento” de classes dos últimos anos CAPA
ampliou a base de alunos atendidos.

É comumente aceito entre os professores que o aluno pretendente a radialista é o que chamamos SUMÁRIO
informalmente de despojado, ou liberal, na média. Generalizando, o aluno de Rádio & TV é por na- SUMÁRIO
SUMÁRIO
tureza aberto a todo tipo de referências, sem grandes barreiras a novos conteúdos, mesmo que dos
mais diversos. Mas a falta de um repertório mais específico (como filmes, literatura e programas de
TV mais antigos) é um dos desafios iniciais da faculdade.
FICHA
FICHAFICHA
No caso de roteiro, soma-se a crença na instrumentalização (a ânsia, de certa forma aceitável, em uti-
lizar o aparato técnico disponibilizado pela universidade, e a busca pelo DRT 9 como uma permissão
para funções técnicas na área). PRÓXIMA
Traçado o perfil do curso e do alunado, passaremos agora a debater o imaginário deste e as experi-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ências que realizamos em nossa jornada.

8 PROUNI é a sigla para Programa Universidade para Todos, institucionalizado em 2005. ANTERIOR
ANTERIOR
9 DRT é a sigla para Delegacia Regional do Trabalho, que emite um certificado de qualificação profissional na área. ANTERIOR

72
R epertório e imaginário dos alunos

Seria necessário dedicar um artigo completo apenas ao estudo do imaginário dos alunos, mas por
hora daremos apenas um panorama deste tópico. Colocamos uma questão muito ampla e quase
poetica no caminho do professor de roteiro: como o espaço limitado da sala de aula pode revelar o
espaço interno do aluno?

Num recente evento que participamos, os professores de roteiro ecoaram a mesma queixa: a falta de
repertório audiovisual e de conhecimentos gerais dos alunos ingressam no curso (como dissemos
anteriormente). No entanto, pouco se falou do repertório que o aluno já traz consigo. Isto é, sem
deixar de lado a necessidade de conhecimento histórico sobre cinema (em especial), a aula de roteiro
permite uma medida do que se passa na mente do aluno e, indiretamente, do grupo social dele. CAPA
CAPA
No nosso dia-a-dia na sala de aula notamos diferenças culturais mesmo dentro do mesmo perfil só- CAPA
cio-econômico. Um caso recente, indiretamente ligado à nossa cadeira, aconteceu na disciplina Dire-
ção em TV: os alunos do 7º semestre sob nossa orientação deveriam criar e produzir um talk show.
SUMÁRIO
Um debate dividiu a turma entre os alunos que preferiam um conteúdo e estilo mais anárquico e SUMÁRIO
polêmico, e outros alunos que optaram por algo mais convencional e que tivesse mais aceitação de SUMÁRIO
público. O centro da polêmica, no caso, foi a criação de um apresentador cujo texto e maneirismos
seria vagamente inspirado num Jesus histórico.
FICHA
FICHAFICHA
Encontramos alguns temas ou mesmo recursos narrativos mais populares, que se repetem mesmo
com o passar do tempo. Ainda é comum o roteiro “de meninos”: alguns grupos gostam de sugerir
histórias cheias de ação, com policias de óculos Rayban, fazendo escutas wireless dentro de uma van
branca- situação copiada diretamente dos seriados policias americanos. Por outro lado, há a influên- PRÓXIMA
cia ainda presente da novela como principal produto ficcional consumido; recursos melodramáticos
PRÓXIMA
PRÓXIMA
como a mocinha injustada ou situações trágicas deus ex-machina são populares entre os alunos.

Nas atividades que envolvam adaptações do dramaturgo William Shakespeare, por algum motivo os
alunos costumam transferir a ação que se passa numa corte medieval para uma luta de traficantes na ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

73
favela, ou outro contexto parecido. A brincadeira que costumamos fazer é que “este ano está vetado
Romeu e Julieta no baile funk”. Possivelmente a favela e a periferia se tornaram espaços cool para o
grupo cujo perfil analisamos; para ele produções como “Cidade de Deus” 10 ou “Tropa de Elite”11 são
obras populares. Precisamos também considerar o próprio repertório do professor, pois estudamos
este universo Cidade de Deus no mesmo semestre em que a adaptação de Shakespeare é proposta.
Assim, os alunos podem de alguma forma buscar a aceitação por parte do professor.

Os temas do noticiário televisivo mantêm a repercussão na sala de aula. No primeiro semestre, um


exercício previsto é a criação de uma lenda urbana baseada na observação do próprio aluno, e uma
redação da Trajetória do Heroi12 aplicada a um monstro de caráter mitológico. O grande tema de 2011
foi a Cracolândia; podemos atestar isso pelo número de lendas urbanas ligadas ao consumo e tráfico CAPA
CAPA
de drogas. O usuário de crack (o craqueiro) e o mendigo surgem como os monstros do imaginário
CAPA
do alunado. O curioso é que no mesmo exercício com as turmas de 2012, o mendigo monstruoso deu
lugar ao poeta lunático, ou ao sujeito com ar messiânico.
SUMÁRIO
O subgênero mais popular entre os alunos tem sido o terror. Na metade de 2012, os alunos do 4º se- SUMÁRIO
mestre realizaram um interdisciplinar de áudio. O roteiro foi definido a partir de tutoria de diversos SUMÁRIO
professores de diferentes cadeiras. A coordenadora do interdisciplinar, Cláudia Lago, comentou que
o terror foi escolhido como subgênero em uma reunião de planejamento pedagógico, quando “avalia-
mos que o tipo educativo, aplicado no semestre anterior, não deu muito certo. Então decidimos por FICHA
FICHAFICHA
um tema que tem grande apelo junto aos alunos, para que eles pudessem fazê-lo em tempo hábil13”.

No entanto, durante a realização das atividades para este interdisciplinar, alguns grupos apareceram
com histórias muito parecidas a respeito de exorcismo. Questionamos alguns alunos a respeito da PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
10 “Cidade de Deus” é um longa-metragem dirigido por Fernando Meirelles, co-dirigido por Kátia Lund, escrito por
Bráulio Mantovani, em 2002. O filme é inspirado no livro homônimo de Paulo Lins.
11 “Tropa de Elite” é um filme dirigido por José Padilha, escrito por Bráulio Mantovani, em 2007.
12 Assim como descrito em: VOGLER, Christopher. A jornada do escritor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. ANTERIOR
ANTERIOR
13 Profª. Drª. Cláudia Lago, em entrevista concedida em 23 de outubro de 2012. ANTERIOR

74
preferência sobre o tema, e transcrevemos aqui o comentário de um deles:

“Em 2010 com a legião dos espíritos [tema da Noite do Terror do Playcen-
ter, evento no qual o aluno entrevistado trabalhou] percebi que a curio-
sidade das pessoas e medo eram maiores porque não era um tema óbvio
de não ser real. [...]tudo aquilo que acontece e não podem explicar [as
pessoas] jogam para o espiritismo a resposta. O fato de termos escolhido
exorcismo([o] que acho que cabe aos outros grupos) é o medo que o tema
causa, a dúvida e a sensação de e “se for verdade”? Você se questiona so-
bre espíritos, o que é diferente em zumbis e vampiros” 14.
CAPA
A popularidade desse tema precisa considerar um grande leque de variáveis, como: idade dos alunos CAPA
(no caso a turma do 4o semestre está na faixa dos 20-25 anos), hábitos e costumes religiosos e espiri- CAPA
tuais deste grupo social (a turma analisada parece se interessar particularmente por temas espiritu-
ais), referencial filmográfico da turma.
SUMÁRIO
Por hora apontamos aqui algumas direções, para serem retomadas com maior profundidade em ar- SUMÁRIO
SUMÁRIO
tigo futuro.

FICHA
C onflitos nas aulas sobre conflito FICHAFICHA
Ainda que o cenário descrito pareça pouco favorável para o ensino de roteiro, as experiências deba-
tidas a seguir apontam alguns caminhos.
PRÓXIMA
Os subitens deste capítulo são frases corriqueiras ditas com alguma frequência pelos alunos. Elas PRÓXIMA
PRÓXIMA
representam embates que surgiram e que ainda se mantêm nas nossas aulas. A cada um deles, expo-
remos que tentativas foram feitas para a superação estes conflitos.

ANTERIOR
ANTERIOR
14 Victor Soriano Silva, aluno do 4o semestre de Rádio & TV ,em entrevista realizada em 10 de outubro de 2012. ANTERIOR

75
“ - Professor, se tiver erro de português eu perco nota?”

Aula de roteiro também é aula de português, já que o centro da aula é a escrita. Para muitos alunos
pode parecer uma surpresa, já que do ponto de vista deles, um curso com alto teor tecnicista não pre-
cisa mais de Português. Considerando que essa barreira é superada ao menos psicologicamente nos
primeiros semestres, a dificuldade persiste quando os alunos precisam modular a língua da norma
culta para formas mais orais, o que acontece quando escrevem diálogos ou loucuções, por exemplo.

Para enfrentar essa dificuldade, exibimos compilações com os erros ortográficos mais comuns come-
tidos pelas turmas anteriores, e pedimos ao alunos que apontasse o que era incorreto:

CAPA
UMA BELÍ SSI MA HI STÓRI A CAPA
CAPA
Este filme é sobre gente como agente:
uma sucesão de intrigas e reviravoltas
que vai te prender o expectador na
poltrona do começo ao fim! SUMÁRIO
A história vai girar entorno de um SUMÁRIO
começo bem original: Marta tem que SUMÁRIO
escolher entre dois homens. Lucas, um
jovem rico e ambicioso que não mede
esforços para conseguir o que quer; e
Luan, que não tem emprego.
Mais quem vai escolher o destino dela é FICHA
ele. FICHAFICHA

PRÓXIMA
(figura 1- slide com exemplos de erros de redação) PRÓXIMA
PRÓXIMA
No caso do slide acima, foram incluídos erros ortográficos comuns como expectador (no lugar do
correto espectador); mais (no lugar de mas, porém); agente (no lugar de a gente). O texto também
usa vícios comuns do aluno que iniciante em roteiro, como a linguagem vaga e o uso de clichês me- ANTERIOR
ANTERIOR
lodramáticos. ANTERIOR

76
“- Como faço pra ser criativo?”

O professor demasiado humano e o aluno um tanto genial é algo que tentamos mostrar às turmas
com que convivemos.

Historicamente enfrentamos 2 mitos. O primeiro é que, aos olhos de alguns alunos, o professor é
um arcabouço do saber, capaz de reter uma quantidade exponencial de informação, infinito em sua
sabedoria (será fácil responder “em que ano nasceu Aristóteles, prof?”).

Este mito parece se opor ao do aluno ainda apegado ao conceito romântico da criação (por isso a
pergunta “como eu faço para ser criativo?”). Este apego pode vir travestido de um certo pudor pós-
-adolescente(“professor, posso terminar o trabalho em casa?”). CAPA
CAPA
Um dos trabalhos propostos para se enfrentar este obstáculo é o “Saco de Ideias”15, feito a cada se- CAPA
mestre de acordo com a dinâmica de cada professor, mas valorizado particularmente no 4º semestre
(Práticas de Roteiro). Este registro particular do aluno é um levantamento do seu perfil criador e de
SUMÁRIO
potenciais cenas, personagens, situações e cenários. À medida que este registro é feito pelo aluno, SUMÁRIO
ele o utiliza como ponto de partida de alguns exercícios16, tais como a criação de diálogos a partir de SUMÁRIO
observação do real17 ou a situação a partir do sonho.

O “Saco de Ideias” sugere ao aluno que “a grande história” já está dentro da mente dele, precisando
FICHA
FICHAFICHA
ser quase que extraída diariamente, sem precisar de um lampejo regado a ópio e vinho. Realizamos
exercícios rápidos em sala de aula, com pequena atribuição de nota, registrados na forma de uma
“diário de bordo”; a rapidez dos exercícios ajudava o aluno a encarar a sua criatividade dentro do
que era mais adequado e possível dentro das limitações de tempo e de produção. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
15 Assim como descrito, entre outros, CANNITO, Newton; SARAIVA, Leandro. Manual de Roteiro - ou Manuel, o primo
pobre dos manuais de roteiro. São Paulo: Conrad, 2004.
16 A referência é: RABINGER, Michael. Developing Story Ideas: Find the Ideas You Haven’t Yet Had. Boston:
Butterworth-Heinemann, 2005;
ANTERIOR
ANTERIOR
17 Adaptamos este exercício para uma oficina de criação de documentário, onde os grupos deveriam no mesmo produto
analisar voyeuristicamente algum anônimo, e depois entrevistá-lo, comparando - através do vídeo- o real e o imaginário. ANTERIOR

77
“- Ah, mas eu não preciso de roteiro mesmo...”

Em geral essa frase é dita pelo aluno que já trabalha na área, ou que tem amplo conhecimento técnico.
Aquele que se identifica como um diretor ou um fotógrafo, e para quem a etapa do roteiro pode ser
suprimida. Este conflito surge da crença de que o roteiro e as disciplinas que o debatem são deman-
das meramente teóricas. Isso é potencializado pela glamurização da figura do diretor (como o autor).

Para superar este embate são realizadas atividades que demonstram o roteiro como um meio, uma
peça de comunicação entre os integrantes de uma equipe, equipe esta que no mínimo precisa ser li-
derada pelo autor. E ainda que não se apresente fisicamente, o roteiro precisa ser internalizado por
essa equipe, seja como a história a ser contada, a nossa premissa ou qualquer outra metáfora capaz
CAPA
de ser compartilhada. CAPA
CAPA
A maioria das atividades realizadas em torno deste tópico é feita no 2º semestre (Técnicas de Rotei-
ro), como uma espécie de transição entre a iniciação feita no semestre anterior e o projeto prático a
ser feito no semestre seguinte. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Uma das atividades propostas é a leitura dramática. A exigência é que os alunos criem cenas breves SUMÁRIO
a partir da adaptação livre de alguns cânones da literatura (como o já citado Shakespeare), parte de
um projeto da instituição, chamado “Universidade que Lê”. Os grupos leriam a peça, adaptariam
uma das cenas e então fariam sua leitura em sala de aula. FICHA
FICHAFICHA
Normalmente gravamos esta leitura e exibimos o material bruto para os alunos. Assim, os alunos
vivem de forma simplificada as etapas do processo audiovisual, podendo identificar qual é a impor-
tância do roteiro neste processo. Ainda que haja uma dificuldade em se variar o autor utilizado na PRÓXIMA
atividade, ela efetivamente tem funcionado, uma vez que a maior parte dos alunos parece gostar da
PRÓXIMA
PRÓXIMA
atividade e então compreende o roteiro como esta peça de comunicação.

No ano de 2012, foi proposta a redação de um projeto integrado de série. O aluno faria trabalhos
interdependentes em cada disciplina do 2º semestre, com o objetivo de publicar um projeto de série ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

78
transmídia num portal chamado “Lumlab”18. Cada disciplina dedicaria espaço a itens deste projeto.
Assim, a disciplina de Técnicas de Roteiro organizaria os trabalhos iniciais, com a criação de uma
sinopse geral da série, enquanto a disciplina de Linguagem Audiovisual colaboraria com a redação
de uma proposta de linguagem.

A atividade, apesar do objetivo positivo, falhou em sua realização, pela falta de comunicação entre
os próprios professores (com itens pedindo a mesma coisa com nomes diferentes), pelo semestre re-
lativamente curto, e pelas deficiência do próprio portal (com uma profusão muito grande de itens,
alguns com diferenças muitos sutis).Uma solução para experiências futuras será a criação de um
formulário simplificado onde cada aluno pode colocar sua participação dentro de parâmetros bem
simples. CAPA
CAPA
“- A gente ainda não vai entregar o trabalho...quem vai trazer é a Carol” CAPA

Após alguns resultados frustrados na disciplina Projeto Experimental em Roteiro (atual Práticas de
Roteiro), decidimos adotar uma nova postura. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A frustração vinha quando os alunos se dividiam em grupos e criavam a bíblia (o projeto comercial) SUMÁRIO
de um curta-metragem de 15 minutos. Após um mês de exercícios de aquecimento, de revisão dos
semestres anteriores e de análise do processo criativo, era criada uma escala de atendimento, divi-
dindo o horário da aula para o doctoring dos projetos. FICHA
FICHAFICHA
Nos atendimentos, os alunos deveriam receber a crítica do professor e discutir em grupo os possíveis
caminhos para o roteiro. A reescrita prosseguiria dentro de um cronograma razoavelmente extenso
(variando de 4 a 6 semanas), considerando a realidade do curso. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Apesar da inegável profundidade deste trabalho (a reescrita de um projeto de roteiro completo), o
que acontecia na prática é que a maior parte dos alunos de cada equipe ficava à deriva enquanto o
professor discutia o roteiro com “a mina que escreve do grupo” (que chamamos de Carol, como parte
ANTERIOR
ANTERIOR
18 O portal, criado pela Fundação Padre Anchieta, está disponível em http://www.lumlab.com.br. ANTERIOR

79
de uma piada interna dos professores de roteiro. Além de ser um nome comum, um dos alunos acaba
naturalmente liderando o grupo. No caso do trabalho em roteiro, este aluno ou aluna é que costuma
redigir e entregar os roteiros).

Dois princípios, que podem soar como opostos, são definidores deste conflito seminal. O primeiro
princípio pode ser resumido pela afirmação de senso geral que diz: “as melhores ideias aparecem
em grupo”. Apesar de aparentemente previsível, uma vez que valorizamos os brainstormings 19,
pitchings 20e outras atividades que envolvam algum nível de criação coletiva, recentes pesquisas
revelaram que confiar demais na máxima duas cabeças pensam melhor do que uma 21 pode ser im-
produtivo.
CAPA
Por outro lado, entre os escritores e roteiristas se aceita que “Não se escreve em grupo”.22 Este prin- CAPA
cípio diz que boa parte do trabalho de escrita, como a entrega da versão final de um roteiro, deve ser CAPA
feita por um único escritor. Ele considera que dentro do processo de escrita, alguém precisa literal-
mente dar a última palavra. Outro problema a ser considerado é que o tempo que se gasta para se
SUMÁRIO
escrever o roteiro sozinho é em geral menor do que quando se discute em grupo. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Lidando com estes dois princípios divergentes em sala de aula, decidimos por criar regras ou passos
de trabalho que alternem entre ambos os princípios (individual/grupo), o que é de certa forma “um
aprendizado por pares”23. Assim, realizamos atividades em grupos, com alguns momentos de livre
FICHA
FICHAFICHA
19 É aceito que a técnica de brainstorming meeting nasceu na publicidade americana. O publicitário Alex Osborn é
considerado o formulador do conceito, descrito em: OSBORN,Alex. Your Creative Power. London: Charles Scrimers Sons, Ltd.,
1948.
20 Muito comum na televisão, o Pitching é uma seleção que envolve 2 etapas: a primeira é a leitura prévia de projetos PRÓXIMA
por um júri, seguida por uma defesa rápida feita pelo autor da proposta. Há diversos guias que explicam o funcionamento
dos pitchings, como: Koch, Jonathan; Kosberg, Robert; Norman, Tanya Meurer. Pitching Hollywood: How to Sell Your TV PRÓXIMA
Show and Movie Ideas. Chicago: Linden Publishing , 2004. PRÓXIMA
21 Matéria sobre esta pesquisa: http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,duas-cabecas-nem-sempre-pensam-melhor-
que-uma-mostra-estudo,600783,0.htm; Pesquisa sobre trabalho em grupo, com uma nota sobre o efeito Dunning-Kruger:
http://people.howstuffworks.com/decisions-groups-decisions-alone.htm
22 Muitos escritores já comentaram a solidão da escrita. O escritor Jessamyn West certa vez disse que “família, amigos, e
a sociedade são inimigos naturais do escritor”. ANTERIOR
ANTERIOR
23 O aprendizado pelos pares, ferramenta de ensino sistematizada pelo professor de Física Eric Mazur, avalia os alunos ANTERIOR

80
associação de ideias (com a redação de itens individuais mínimos), para em seguida “afunilarmos”
o trabalho, estabelecendo uma hierarquia dentro do grupo, com a escolha de um líder (que podemos
chamar de editor de texto), responsabilizado por filtrar o trabalho criativo da equipe.

Então, feita esta reflexão sobre a necessidade de alternância do trabalho individual e em grupo na
redação do roteiro, partimos para uma experiência em sala de aula a título de teste, que descrevemos
agora.

E xperiência em destaque : C riação C oletiva de U ma S érie de TV


Em 2008, inspirado pela experiência de trabalho na série “9 mm: São Paulo”, e com 2 turmas de pou- CAPA
CAPA
co mais de 30 alunos com um desempenho bastante satisfatório nos semestres anteriores, propuse-
CAPA
mos a redação de uma quadra de série de televisão criada coletivamente.

A quadra, ou beat sheet, é uma tabela que relaciona o que acontece com cada personagem em uma
SUMÁRIO
série, de acordo com cada episódio. Na organização da sala de aula, cada aluno pôde propor um SUMÁRIO
personagem diferente; cada grupo sugeriu uma série com este personagem; e a sala como um todo SUMÁRIO
escolheu a série favorita, cuja primeira temporada foi resumida nesta quadra.

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

diariamente e, a partir dos resultados dessa avaliação, direciona o andamento da aula (definindo, por exemplo, uma possível
atividade em grupo). A aproximação à instrução por pares em roteiro é a nomeação de editores de texto, que tem por função
coordenar seu grupo na redação de itens de determinado projeto. Estabelecemos alguns itens mínimos que o aluno deveria ANTERIOR
ANTERIOR
criar nos trabalhos do semestre. A descrição deste método está em: CROUCH, Catherine H.; MAZUR, Eric. Peer Instruction:
Ten years of experience and results. Harvard University, Cambridge: American Association of Physics Teacher. 2001, p.1 ANTERIOR

81
101 – MAYARA 102- VINICIUS 103- CLAYTON

VAL V - 1.01: VAL x entrar na V - 1.02: VAL x a sabotagem de PROBLEMA NESTE EPISÓDIO:
sociedade Leila FALTA LINHA QUE SÓ DURE
ESTE EPISÓDIO . SUGESTÃO:
CRIAR UMA SITUAÇÃO OU
“FECHAR” A DE MARCAO AQUI
?) MOMENTO QUE ?) MOMENTO QUE LEMBRE VAL
APRESENTE VAL COMO UMA COMO UMA MASSOTERAPEUTA
MASSOTERAPEUTA (VOLTANDO (??)
DO ESTÁGIO?) V - 1.03: VAL X as chantagens de
Henrique

A) Ensaio na sociedade. Val A) Val chega tarde em casa. Leila


A) A caminho da Sociedade, Leila sente garganta raspar (pigarreia). discute com ela. Val insiste: estava
discute com V. (não quer que ela Salvador recomenda remédio. no ensaio do coral. CAPA
entre na sociedade).]
(EM PARALELO, Alicinha paquera B) (H - 1.03) Val chantageia
CAPA
B) Nos fundos da igreja, V. chega Salvador) Henrique (por causa do suborno)- CAPA
e o Salvador explica o teste para ela pede para H ajudar a manipular
1ª cantora. Reação das meninas, B) em casa, Val aplica o remédio leila, do mesmo modo que ele
aflitas. Segue o ensaio (spray de garganta). Leila observa, ajudou Marcao.Contrariado, H.
curiosa. – Leila reclama da aceita
C) Val ensaia em casa (expectativa proximidade de Val com o líder SUMÁRIO
para o teste)- Leilla, irritada com a C) Henrique escuta conversa SUMÁRIO
historia do casal gay, pega no pé C) Secretamente, Leila coloca “suspeita” entre Val e Líder;
de Val. alguma substancia no remédio SUMÁRIO
(Henrique vê Leila). D) Henrique planta suspeita na
... cabeça dos pais, de que Val tem
... algo com o Líder

FICHA
FICHAFICHA

(FIGURA 2. Trecho de quadra de série criada por alunos)

No exemplo acima, a ação de um episódio corresponde à coluna, enquanto o personagem agente PRÓXIMA
desta ação corresponde à linha da tabela. Cada episódio foi nomeado de acordo com o editor de texto
PRÓXIMA
PRÓXIMA
do grupo responsável pela redação final do episódio. Exemplo o grupo da Mayara deveria entregar
o roteiro final do episódio 1.

As etapas na ordem foram as seguintes: ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

82
- Definição do projeto coletivo: a partir da discussão com a sala, fechou-se como objetivo: redigir a
bíblia e os 5 primeiros roteiros de uma série cômica de 30 minutos, possivelmente próxima ou dentro
do formato de sitcom. O professor incentivou este objetivo, pois seria viável escrevê-lo dentro do
prazo sem gerar expectativas ambiciosas demais, e o conhecimento prévio que a maioria dos alunos
possui do formato facilitaria a discussão. Cada grupo ficaria responsável por alguns itens da bíblia
e pelo roteiro de um dos episódios;

- Estudo de caso: um par de aulas foi dedicado a análise de pelo menos um caso de série, estudando
os arquivos de trabalho dela até o resultado final. Apresentamos como critérios de redação da sitcom:

- um espaço compartilhado por todos ou pela maioria dos personagens;


CAPA
CAPA
- na ausência do espaço, algum elo que unisse o grupo de personagens;
CAPA
- a série se concentra num núcleo de 4-8 personagens centrais (restringimos este número à quantida-
de de grupos, para que cada equipe se responsabilizasse pelo perfil de um personagem)
SUMÁRIO
- “Brainstorming individual”: em seguida, os alunos atenderam a demandas individuais: SUMÁRIO
SUMÁRIO
• Redação ou consolidação do Saco de Ideias, que deveria incluir ao menos uma refe-
rência de série;
FICHA
FICHAFICHA
• Criação da Biografia de Egri para um personagem;

-Pitching do grupo: Nisso, os grupos foram reunidos e estimulado a tentar unir os personagens cria-
dos individualmente em uma série dentro da meta. Cada grupo deveria redigir uma ou duas sinop- PRÓXIMA
ses de projetos que julgavam adequados ou que simplesmente gostavam; PRÓXIMA
PRÓXIMA
-Pitching da turma: cada grupo elegeu um orador e, num tempo delimitado, expôs à sala pelo menos
uma das propostas selecionadas na etapa anterior. A sala, através do debate e finalmente de uma
votação, escolheu a série da turma. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

83
Nesse momento o aluno era convidado a se posicionar na frente da sala, trocando de lugar com o
professor.

- Organização do trabalho: a partir da seleção da turma, os grupos elegeram um representante (ora-


dor) e um redator final (ou editor de texto); o representante era o articulador, deveria participar de
reuniões entre os representantes de cada grupo, além de servir como porta-voz do grupo em outros
pitchings que poderiam acontecer. O redator final era chamado carinhosamente de “o menos analfa-
beto do grupo”, e a função dele era recolher os itens escritos pelo grupo, revisá-los e publicá-los num
fórum compartilhado através da intranet da faculdade (Unidade Web)

Deu-se preferência a uma dupla que trabalhasse dividindo as duas tarefas, idealmente como os pro-
CAPA
dutores executivos das séries no sistema das emissoras americanas, mas caso necessário foi permiti- CAPA
do que o mesmo aluno acumulasse as funções. CAPA

Cada grupo recebeu como demanda extra-classe:


SUMÁRIO
Criar um banco de situações possíveis de cada personagem, escrito dentro de certo padrão, numa SUMÁRIO
planilha; SUMÁRIO

Resumir e publicar a biografia do seu personagem, já sugerindo a história da temporada desse per-
sonagem (uma linha narrativa contínua [ou arco longo] que atravessaria todos os episódios);
FICHA
FICHAFICHA
Fechar a sinopse de uma história forte do episódio (linha narrativa unitária), com total liberdade
para o grupo;

Progressivamente colocar todos esses dados na quadra, atualizada e visível a todos os alunos pela PRÓXIMA
intranet.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

- Oficina/ Doctoring: a aula era dividida em 2 tempos, que algumas vezes eram transformados em 2
aulas alternadas:
ANTERIOR
ANTERIOR
Os representantes/ redatores finais se reuniam com os professores para, via datashow, analisar a ANTERIOR

84
progressão dos itens coletivos (o banco de situações e a quadra). Enquanto isso os demais integrantes
do grupo deveriam trabalhar na redação de outros itens da bíblia (como, por exemplo, a proposta de
direção)24.

Nessas reuniões as decisões eram tomadas por estes líderes, com professor e estes alunos sentados
em semicírculo. Nos primeiros encontros nessa organização, foi permitido que o grupo todo acompa-
nhasse o seu representante, por isso a dispersão foi constante. A partir do terceiro encontro, somente
um representante se reunia com o professor. Os demais alunos iam para laboratórios ou salas de
aula, com a obrigação de trazer algum resultado mesmo que manuscrito ao final da aula.

No tempo restante da aula era feita a análise crítica dos itens redigidos até o momento. O primeiro
CAPA
critério era sempre a comunicabilidade: os demais membros da sala poderiam compreender o con- CAPA
flito descrito naquela sinopse? A adequação à proposta da série e o inusitado das situações também CAPA
era discutido;

Todos os arquivos gerados deveriam ser atualizados semanalmente, e os grupos mantiveram a co- SUMÁRIO
municação via email (a penetração das redes sociais na época não era tão proeminente como hoje). SUMÁRIO
SUMÁRIO

R esultados
FICHA
FICHAFICHA
Ao final de 6 semanas, a turma “A” chegou à bíblia completa de uma série cômica que narrava o
cotidiano de um jornal de bairro, incluindo a quadra em anexo, além do roteiro de 4 episódios (no
decurso do processo um dos grupos foi extinto por falta de integrantes). Cada grupo defendeu em
banca pública seu episódio e determinados itens da bíblia. A banca formada pelo professor orienta- PRÓXIMA
dor e por professor convidado atribuiu a nota média de 9 para os grupos.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

A turma “B” realizou a bíblia de uma série mais próxima do formato de minissérie, com 5 capítulos

ANTERIOR
ANTERIOR
24 Admitimos que nesta etapa seria mais eficiente a reserva de um laboratório de informática para acompanhamento dos
alunos. ANTERIOR

85
com “ganchos” mais evidentes entre si. A história se concentrava nas intrigas de moradores de uma
“rua fechada”, típica de bairros tradicionais de São Paulo. Os grupos também foram aprovados com
nota média 9.

Mas cada grupo recebeu sua nota à parte, de acordo com o roteiro do episódio escrito por ele. A prin-
cipal diferença de notas entre os grupos se deveu às habilidades específicas em roteiro: justamente
aqueles que conseguiram criar e escrever melhores diálogos receberam notas maiores- aqueles que
tinham mais domínio da língua e que conseguiram do modular as normas desta língua.

Esta é uma boa medida do funcionamento do laboratório, pois é senso comum que uma das habilida-
des mais difíceis de se atingir como roteirista é a escrita de diálogos adequados ao roteiro proposto.
CAPA
Assim, ainda que o projeto tenha sido coletivo, e ainda que dentro da composição da quadra cada CAPA
aluno pôde participar individualmente, a decisão final do grupo (ou do roteirista líder de cada gru- CAPA
po) no roteiro de cada episódio também foi determinante. Pôde-se garantir os conhecimentos gerais
em roteiro; no entanto, a capacitação de roteiristas ficou relevada a um número limitado de alunos
SUMÁRIO
dentro do contexto. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No entanto, posteriormente não foi possível repetir os resultados deste laboratório. Para funcionar,
ele demanda muita preparação pré-aula, o que para nós tem sido inviável no atual cenário. É ne-
cessário também algum tipo de sintonia entre professor, redatores/editores de texto e as equipes.
FICHA
FICHAFICHA
Ainda, parece-nos que acima de 30 alunos, mesmo esta organização não pode ser adequadamente
mantida por apenas um professor.

PRÓXIMA
C omentários e provocações finais
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Uma de nossas conclusões mais fortes é de que filosoficamente falando o roteiro seja como disciplina
seja como ferramenta de aprendizado é uma das mais belas e prolíficas. Acreditamos numa aptidão
quase vanguardística da matéria, que sempre é ao mesmo tempo estudo e realização prática. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

86
A dinâmica de criação é ao mesmo tempo ferramenta de avaliação em grupo e termômetro do imagi-
nário coletivo do grupo que o aluno- e que possivelmente o próprio professor- se insere.

Na nossa experiência em destaque, deixando de lado a avaliação quantitativa, alguns resultados


qualitativos foram percebidos por nós:

O sistema alternando participação individual, por grupo e coletivamente permitiu um contato mais
variado com diferentes exigências na criação do roteiro, que foram desde a articulação verbal de
ideias até a capacidade em utilizar as ferramentas online;

A escolha do tema foi feita pelos alunos, valorizando o imaginário deles; a referência dos espaços (o
jornal de bairro e a rua fechada) foi baseada na observação de locais reais das regiões onde os alunos CAPA
CAPA
moram.
CAPA
A narrativa está mais viva do que nunca e o dia-a-dia das aulas de roteiro provam isso, com um sem
número de histórias, desde aquelas que os alunos contam a todo momento até aquelas que fazem
SUMÁRIO
parte do imaginário do alunado. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Mas como ensinar roteiro nessa perspectiva de salas lotadas, dividindo a atenção dos alunos com
todas as suas “próteses eletrônicas”?

Uma das possibilidades seria investir em sistemas criativos informatizados, nos moldes do laborató- FICHA
FICHAFICHA
rio que descrevemos aqui. Um laboratório de roteiro prático, assumindo redes sociais e ferramentas
de busca com parte do processo criativo.

Consideramos nosso modo de dar aula ultrapassado, até mesmo condenado. É um drama diário para PRÓXIMA
nós o modo como a sala de aula está distante da realidade da profissão e mesmo de nosso cotidiano.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Salvo exceções em determinados momentos, o computador, em todas as suas formas, ainda não foi
merecidamente integrado e controlado em nossa sala de aula.
ANTERIOR
ANTERIOR
Do nosso ponto de vista, no caso de nossa disciplina o futuro ideal seria um laboratório para criação ANTERIOR

87
coletiva, com registro diário das atividades, avaliações já “presetadas”, mas que possam mudar di-
namicamente, e amplo acesso às redes sociais e às ferramentas de comunicação e pesquisa. Mas pen-
semos num conflito quase épico: seria possível escrever um roteiro a sessenta mãos, sentados todos
na frente de um computador?

Para nós é como se saíssemos de uma pedagogia do afeto, e admitíssemos uma pedagogia por con-
flitos. Para nós a amizade cede lugar a um respeito bastante tenso, já que a natureza do ensino é con-
flituosa, mas que não precisa ser transformada num embate de classes (como diria GADOTTI, 1998).

O roteiro - sua análise, prática e discussão em sala de aula- é o palco ideal da encenação do conflito
motor do ensino: o professor, aquele que deve ensinar (ou assim lhe parece); e o aluno, aquele que
CAPA
deve aprender (idem). A sala de aula é o lugar do drama. CAPA
CAPA

R eferência
SUMÁRIO
ARISTÓTELES. Arte poética. São Paulo: Martin Claret, 2007; VOGLER, Christopher. A jornada do escritor. SUMÁRIO
Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. SUMÁRIO

CANNITO, Newton; SARAIVA, Leandro. Manual de Roteiro - ou Manuel, o primo pobre dos manuais de
roteiro. São Paulo: Conrad, 2004.
FICHA
FICHAFICHA
CROUCH, Catherine H.; MAZUR, Eric. Peer Instruction: Ten years of experience and results. Harvard Uni-
versity, Cambridge: American Association of Physics Teacher. 2001.

FERREIRA, Gisele Sayeg Nunes; LAGO, Claudia. Radio as a means for democratization: the use by stu- PRÓXIMA
dents. Paris: IAMCR, 2007.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

FIELD, Syd. Manual do roteiro. Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.

GADOTTI,Moacir.Educação e poder:introdução à pedagogia do conflito.São Paulo:Cortez,1998. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

88
HOWARD, David & Edward MABLEY. Teoria e Prática do Roteiro. Globo, RJ,1996.

Koch, Jonathan; Kosberg, Robert; Norman, Tanya Meurer. Pitching Hollywood: How to Sell Your TV Show
and Movie Ideas. Chicago: Linden Publishing , 2004.

OSBORN,Alex. Your Creative Power. London: Charles Scrimers Sons, Ltd., 1948.

POE, Edgar Allan. A Filosofia da Composição. Martins Fontes, SP, 2008.

RABINGER, Michael. Developing Story Ideas: Find the Ideas You Haven’t Yet Had. Boston: Butterworth-
-Heinemann, 2005;

“Cidade de Deus”. Filme. Dir: Fernando Meirelles, Kátia Lund. Brasil, 2002. O2 Filmes/ Globo Filmes. CAPA
CAPA
“Tropa de Elite”. Filme. Dir: José Padilha. Brasil, 2007. Universal Pictures. CAPA

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acessado em 20/11/2012 SUMÁRIO
SUMÁRIO
http://www.estadao.com.br/noticias/vidae,duas-cabecas-nem-sempre-pensam-melhor-que-uma-mos- SUMÁRIO
tra-estudo,600783,0.htm, acessado em 20/11/2012.

http://www.lumlab.com.br, acessado em 16/10/2012.


FICHA
FICHAFICHA
http://people.howstuffworks.com/decisions-groups-decisions-alone.htm, acessado em 20/11/2012.

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

89
COMO TORNAR VISÍVEL O INVISÍVEL

R oberto M oreira
Professor de direção e roteiro no curso de Audiovisual ECA-USP

CAPA
R esumo CAPA
Este artigo faz um balanço das diferentes estratégias pedagógicas adotadas pela disciplina Drama- CAPA
turgia Audiovisual, primeiro contato do aluno com a atividade de escrita de roteiros no Curso Su-
perior do Audiovisual da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Ao longo
SUMÁRIO
de 10 anos várias experiências foram tentadas articulando o processo de escrita e a reflexão sobre a SUMÁRIO
dramaturgia. Em especial, foram usados os exercícios de Ripeau (1998), Dancynger (1995) e Rabiger SUMÁRIO
(2005), cujos resultados são analisados. Hoje, a prioridade foi deslocada dos aspectos técnicos da es-
crita, para uma compreensão do porque precisamos contar histórias, de como a narrativa dá forma
à experiência e quais suas estratégias de comunicação. Cada aula propõe um problema que o aluno FICHA
FICHAFICHA
precisa resolver através da escrita ou da pesquisa de textos e analise de obras audiovisuais.

O maior desafio colocado ao professor de dramaturgia é tornar palpável seu assunto. Ao contrário
da fotografia, da montagem e da encenação, aspectos ligados ao estilo do filme e perceptíveis na su- PRÓXIMA
perfície mesma da imagem, a matéria do drama não é visível. Compreender, se interessar e emocio-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
nar-se por um filme, são efeitos produzidos na mente do espectador. Através da análise de exemplos
e da escrita de roteiros, o professor de dramaturgia deve auxiliar o aluno a utilizar os conceitos da
dramaturgia de modo a tornar tangíveis as estruturas profundas que permeiam a experiência de ver ANTERIOR
ANTERIOR
um filme. ANTERIOR

90
A bstract
This paper analyses the pedagogical strategies of the Audiovisual Dramaturgy subject, the first en-
counter of the student with screenwriting in the Audiovisual Arts Course of the School of Communi-
cations and Arts at São Paulo University. Over ten years, many experiments were attempted in order
to articulate the process of writing and the understanding of drama. In particular, we used the exer-
cises by Ripeau (1998), Dancynger (1995) and Rabiger (2005), and analyzed their results. Today, the
focus has shifted from the technical aspects of writing to investigating why we need to tell stories,
how narrative organizes experience and the way it communicates with the audience.

The teacher ’s challenge is to make drama palpable. The material of drama is invisible, unlike photo-
graphy, editing and staging -- aspects linked to the film’s style and noticeable on the surface of the CAPA
CAPA
image. The understanding of the characters’ actions, the ability to interest and to arouse emotions in
CAPA
the public are all effects produced in the viewer ’s mind by these deep structures. Through the analy-
sis of examples and exercises in writing, the teacher helps the student to use dramaturgical concepts
to make tangible the deep structures that underlies the experience of seeing a film. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Palavras chave: Dramaturgia, Ensino, Audiovisual SUMÁRIO

A decisão de prosseguir a carreira acadêmica em paralelo à minha atividade de cineasta, nasceu da FICHA
FICHAFICHA
necessidade de esclarecer as técnicas artísticas ligadas à direção e ao roteiro. No meu curso de gra-
duação, apesar do esforço de meus professores, apenas resvalamos num universo que me fascina até
hoje. Tratar a produção artística como um objeto de estudo e ensino me parece imprescindível para o PRÓXIMA
audiovisual brasileiro se confrontar com outras cinematografias cuja formação artística conta já com PRÓXIMA
PRÓXIMA
uma longa história.

Na academia brasileira ainda vige uma concepção escolar e romântica do ensino das artes: trata-se
de apreender a história da disciplina e seus grandes teóricos, ou seja, de ilustrar o futuro artista. ANTERIOR
ANTERIOR
Essa visão teve sua expressão mais caricatural no curriculum dos cursos de comunicação e artes que ANTERIOR

91
surgiram nos anos 60 e 70. Para “ilustrar” o artista/comunicador, estudava-se Sociologia da Comu-
nicação, Filosofia da Comunicação, Psicologia da Comunicação, História das Artes, etc. Fui vitima
desse curriculum cujas disciplinas eram um difícil purgatório.

O melhor caminho é o inverso, do particular para o geral, porque aí sim o aluno percebe o conceito
no próprio material com o qual está trabalhando. Os alunos de audiovisual querem colocar a mão na
massa e temos que partir dessa necessidade autêntica -afinal eles são artistas!- para daí então abrir
perspectivas mais amplas sobre nossa cultura.

Mas o que são essas “perspectivas amplas”? Muitas vezes vejo alunos perseguindo aquilo que acham
que nós queremos que eles façam, ou seja, querem conformar seu trabalho às expectativas criadas
CAPA
pela leitura dos textos teóricos que entregamos. Na sua angustia em entender o mundo, abraçam CAPA
esquemas consensuais na academia. Isso é terrível porque os condena ao passado. A beleza da arte CAPA
é propor leituras inesperadas do mundo, e, por definição, deve procurar o que não foi dito. Sobre-
carregar o jovem artista com grandes narrativas da cultura, faz com que ele se veja como mais um
SUMÁRIO
evento nessa tradição e dificulta o surgimento do novo. É melhor deixar que eles mesmos construam SUMÁRIO
suas respostas e não se contentar com a repetição de respostas que julgamos corretas. Condenar essa SUMÁRIO
atitude não significa que os alunos não devam ser ilustrados, mas sim refletir como essas leituras
devem se articular à atividade poética de modo construtivo.
FICHA
FICHAFICHA
Na nossa tradição acadêmica a prática artística é considerada um dom que não pode ser ensinado.
Até hoje, na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP o ensino da literatura como
atividade criativa não é praticado. Me parece que o Curso Superior do Audiovisual, a partir do traba-
lho pioneiro de Jean-Claude Bernardet nos anos 90, foi o primeiro a desenvolver de modo sistemático PRÓXIMA
a escrita criativa no Brasil. A título de contraste, nos Estados Unidos, em 1905 George Pierce Baker
PRÓXIMA
PRÓXIMA
já possuía um workshop de escrita para teatro em Harvard, do qual participou Eugene O’Neill, e,
em 1925, fundou o primeiro curso com diploma em dramaturgia na Universidade de Yale. Em 1930
foi criado por Norman Forster o primeiro curso de creative writting, o The Iowa Writers Workshop. ANTERIOR
ANTERIOR
De lá para cá muitos autores foram formados em escrita criativa. Para citar alguns bem conhecidos: ANTERIOR

92
Michael Chabon, Kazuo Ishiguro e Ian McEwan.

Transformar a escrita numa atividade acadêmica não “seca” a criatividade, pelo contrário, revitali-
za a crítica e a história da literatura. No nosso departamento, Ismail Xavier sempre defendeu que
era importante para o crítico de cinema realizar o exercício de fazer um filme. Só assim ele poderia
entender a dificuldade da empreitada e romper com uma visão ingênua e transparente do meio que
estuda. Isso também vale para o estudante de literatura. Quem já tentou escrever um soneto e en-
frentou os rigores da metrificação, lê Camões com mais cuidado. Estes dois movimentos, análise e
composição, já estão interligados no texto fundador da crítica literária ocidental, a Poética. Aristóte-
les chega a dar conselhos ao dramaturgo. Recomenda, por exemplo, que o autor visualize a cena que
está descrevendo, ou que, antes de escrever a peça, faça uma escaleta da história. CAPA
CAPA
Portanto, reflexão e exercício devem andar juntos e este tem sido o grande desafio que enfrentamos CAPA
nas disciplinas de dramaturgia do Curso Superior do Audiovisual. Nosso curriculum prevê quatro
matérias: duas obrigatórias, Dramaturgia Audiovisual e Roteiro 1, e duas optativas: Roteiro 2 e Ro-
SUMÁRIO
teiro 3. Dramaturgia Audiovisual é uma introdução, Roteiro 1 tem ênfase na escrita para televisão, SUMÁRIO
Roteiro 2 já é uma disciplina da especialização e se dedica à escrita dos vários gêneros do audiovisu- SUMÁRIO
al, e Roteiro 3 ao processo de desenvolvimento de projetos.

Desde que o curso foi criado dez anos atrás, tenho ministrado Dramaturgia Audiovisual e como este
FICHA
FICHAFICHA
é o primeiro contato dos alunos com a matéria ensaiei várias estratégias de ensino. Confesso que
ainda não encontrei uma boa solução.

A principal dificuldade dos alunos no primeiro ano do curso é desenvolver a sensibilidade para con- PRÓXIMA
ceitos básicos como conflito, motivação, exposição, caracterização etc. Ao contrário da fotografia ou PRÓXIMA
PRÓXIMA
da direção, aspectos visíveis de uma peça audiovisual, o roteiro é intangível. Os alunos dificilmente
reconhecem a matéria que faz a dramaturgia. Todo o esforço da disciplina Dramaturgia Audiovisual
é encontrar estratégias que coloquem em evidência esta estrutura difícil de ser percebida.
ANTERIOR
ANTERIOR
Primeiro, tentei estudar textos clássicos do teatro (Édipo Rei, As Troianas, Macbeth, Casa de Bone- ANTERIOR

93
cas, A Gaivota e Os Ossos do Barão), com a expectativa de chamar a atenção para o desenvolvimento
histórico de diferentes estratégias dramáticas. É claro que o contato com tais textos é de grande valia
para os alunos, mas infelizmente a dificuldade deles em dominar os conceitos básicos de dramatur-
gia persistiu. Eles se perdiam em meio a tantas referências.

Resolvi então concentrar todo o semestre no estudo da forma do curta-metragem de ficção: partindo
do surgimento do conto e de sua consolidação nas teorias de Edgar Allan Poe, passando pelo pro-
blema da transposição da literatura para o cinema e chegando na análise de vários curta-metragens.
O curso pretendia, assim, esgotar um formato que para os alunos é fundamental, pois será aquele
usado nos seus trabalhos de conclusão do curso. Também a forma curta parece mais sintética, mais
possível de ser apreendida e, importante, mais fácil de ser exibida em sala de aula, abrindo a pos- CAPA
CAPA
sibilidade de apresentar vários exemplos. Ao final do semestre fui novamente surpreendido pela
CAPA
dificuldade dos alunos em absorver conceitos fundamentais.

Mudei de estratégia e estabeleci um sistema gradual, em que cada conceito é introduzido lentamente
SUMÁRIO
e só são estudados aspectos mais complexos de dramaturgia conforme o aluno consolida o conteú- SUMÁRIO
do anterior. A referência inicial passou a ser o cinema de longa-metragem clássico, cujas estratégias SUMÁRIO
narrativas descrevia com minúcia. Como o filme clássico parece “natural” aos olhos dos alunos, em
seguida analisava um filme com problemas de dramaturgia justamente para mostrar como o efeito
de transparência é difícil de ser construído. Também era muito produtivo analisar cenas isoladas. FICHA
FICHAFICHA
Decompunha a cena em bits e procurava ressaltar como toda cena tem uma estrutura semelhante,
começando com um gancho, uma progressão dramática até o clímax e um novo gancho para a próxi-
ma cena. A análise de cenas é interessante porque permite diferenciar com clareza o estilo e a drama- PRÓXIMA
turgia. Nos vários exemplos o estilo sempre varia -fotografia, decupagem, composição da imagem, PRÓXIMA
PRÓXIMA
encenação- mas os procedimentos dramáticos são constantes.

Simultaneamente, buscava articular este conhecimento da dramaturgia à atividade de escrita. No


início, a abordagem era excessivamente escolar: ensinava a teoria na esperança que os alunos “apli- ANTERIOR
ANTERIOR
cassem” o que aprenderam em seus textos nas várias atividades práticas. Não havia uma articulação ANTERIOR

94
entre a escrita e os textos que liam.

Os primeiros exercícios que utilizei enfatizaram a habilidade de escrita. Minha referência principal
foi um workshop do qual participei ministrado por Jean-Claude Carrière e Marie-Geneviève Ripeau,
professora na escola de audiovisual francesa FEMIS, em Quito no ano de 1992. Os exercícios de Ripe-
au (1998) não seguiam uma progressão previsível e pretendiam justamente colocar os alunos frente
a situações inesperadas. Eram no total dez exercícios:

Escreva um argumento no qual você se projeta no personagem principal. Em outras palavras, se


apresente através de uma ficção curta na qual o personagem principal é uma projeção de você mes-
mo.
CAPA
CAPA
1. Escrever uma história a partir de uma foto.
CAPA
2. Escrever o início de um filme.

3. A partir de uma foto, escrever um diálogo sem indicação de cena. SUMÁRIO


SUMÁRIO
4. Quatro personagens estão sentados em volta de uma mesa em frente a um bolo. SUMÁRIO

5. Escolher uma cena clichê e subvertê-la.

6. Contar uma mesma história de dois pontos de vista diferentes. FICHA


FICHAFICHA
7. Escrever um diálogo sem pé nem cabeça, como se dois loucos estivessem conversan-
do.
PRÓXIMA
8. Escrever uma cena cômica entre duas pessoas reunidas contra a vontade. PRÓXIMA
PRÓXIMA
9. Escrever uma cena que contenha um homem nú no balcão de um prédio.

Apesar de alguns exercícios serem bem abertos, todos enfatizam aspectos técnicos da escrita. A ques-
tão da busca criativa do autor só é resvalada no primeiro exercício. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

95
Nessa mesma linha trabalha o professor da New York University Ken Dancyger (1995), cuja ênfase
é desenvolver uma escrita adequada do roteiro, despojada dos vícios literários característicos dos
estreantes. Os exercícios enfatizavam a observação da realidade e sua descrição. Por exemplo, pri-
meiro descrevia-se separadamente, uma pessoa que o estudante conhece, depois uma locação e, num
terceiro momento o estudante tinha que imaginar esse personagem adentrando a locação e a situação
que seria criada. Em seguida retornava-se à locação e observava-se os sons. Aí eles eram somados à
cena. E assim por diante.

O resultado dos exercícios de Ripeau e Dancynger é uma melhora na qualidade da escrita dramática
mas os roteiros ficam corretos e desinteressantes, incapazes de tocar aspectos significativos da expe-
riência humana. Este problema, identificado em várias escolas de cinema de todo o mundo, levou à CAPA
CAPA
metodologia desenvolvida por Michael Rabiger (2005) na Universidade de Chicago. Como encontrar
CAPA
boas idéias? Como o aluno pode desenvolver uma disciplina criativa? Como pode encontrar o seu
universo de temas e inquietações? Como simular em sala de aula uma pequena audiência capaz de
colocar em contexto a idéia do aluno? O autor propõe três tipos de exercícios. SUMÁRIO
SUMÁRIO
1. Identidade criativa, onde trata-se de esquadrinhar os temas e influências do aluno, SUMÁRIO
suas questões, anseios e vontade expressiva.

2. Improvisações, onde trata-se de exercitar o “músculo” da criatividade, como dizia


FICHA
FICHAFICHA
Bunuel, através da invenção de histórias em sala de aula num prazo máximo de dez
minutos.

3. Tarefas, onde são apresentadas dez diferentes estratégias ficcionais, como o conto da PRÓXIMA
infância, a história a partir de notícia de jornal ou a descrição de um sonho. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Este conjunto de atividades leva o aluno no final do semestre a apresentar um caderno que reúne
todos estes materiais, compondo um retrato de seu momento como escritor.

O uso desses exercícios apresentou resultados excelentes, muito superiores às tentativas anteriores. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

96
As aulas passaram a ser um fórum dinâmico de discussão dos projetos e anseios criativos dos alu-
nos. Seus exercícios traziam experiências e questões profundamente vivenciadas. Também o nível
de invenção aumentou muito com o uso das improvisações. Foram adotadas diversas atividades em
sala de aula para incentivar o trabalho em colaboração e ressaltar o caráter lúdico de toda atividade
criativa. A visão romântica do artista que cria sozinho obras geniais que surgem da pura atividade
de sua imaginação é colocada radicalmente em xeque. Trata-se, ao contrário, de procurar estímulos
externos capazes de desafiar os alunos. O roteirista de cinema e televisão é obrigado a lidar com
limitações financeiras e artísticas, que devem ser encaradas de modo positivo, como problemas a
serem solucionados. Também o trabalho em equipe é a norma nessa área. Portanto, o aluno precisa
estar aberto a provocações do exterior e aprender a reagir de modo rápido, preciso e inventivo. Estes
CAPA
exercícios transformam a atividade de escrita numa experiência e obrigam o aluno a assumir a res- CAPA
ponsabilidade pelo o que cria. CAPA

No entanto, atividades desse tipo exigem classes pequenas e um tratamento individualizado do alu-
no. O que é impossível na atual estrutura curricular, onde Dramaturgia Audiovisual tem de 36 a 40 SUMÁRIO
alunos. O resultado é que limitamos esses exercícios aos 12 alunos de Roteiro 3. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Outra experiência importante desses anos foi a difícil tarefa de integrar as atividades de dramaturgia
com as demais disciplinas do departamento. No desenho original do curso, as disciplinas de roteiro
foram pensadas sem relação com as demais; acreditava-se que a dramaturgia poderia ser objeto de FICHA
FICHAFICHA
estudo por si só, sem estar diretamente vinculada a uma atividade prática.

No entanto, esta escolha revelou-se problemática. O resultado apresentado nos roteiros estava muito
aquém do esperado. Mesmo com uma ênfase maior em vários exercícios de escrita criativa, perce- PRÓXIMA
bemos que os alunos encaravam as várias tarefas de escrita sem compromisso e que se interessavam
PRÓXIMA
PRÓXIMA
apenas pelos roteiros dos exercícios que seriam realizados no semestre seguinte. O que motiva os
alunos são trabalhos que serão filmados.

Decidi então colocar a elaboração desses roteiros como atividade central dos cursos. No início de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

97
cada semestre eram exibidos os exercícios realizados pelos alunos do ano anterior. Os problemas
narrativos apareciam com extrema contundência e eram rapidamente assinalados. Ficava claro, por
meio dos trabalhos dos colegas, o descompasso entre intenção e capacidade de realização. A partir
dessa análise organizava-se uma série de atividades durante o semestre para suprir as carências mais
agudas da classe. Textos teóricos eram lidos, filmes analisados, exercícios criativos experimentados -
mas sempre articulados com o processo de roteirização dos exercícios. Esta experiência foi estendida
a todos os semestres e os alunos passaram a escrever projetos que seriam realizados nos semestres
seguintes em outras disciplinas. Como no processo de produção audiovisual, nossos alunos primeiro
escreviam e depois realizavam. Os resultados foram muito bons e os roteiros apresentados na con-
clusão das disciplinas passaram a atender a um padrão mínimo de dramaturgia, compatível com um
CAPA
curso universitário. CAPA
CAPA
No entanto, fomos percebendo dois problemas. O primeiro é que os alunos tendem a transformar
o menor exercício em projeto de filme, com todas as implicações de produção e investimento emo-
cional que isso acarreta. O curso, ao articular várias disciplinas em torno de uma única atividade, SUMÁRIO
reforçou essa tendência. Assim, o que era para ser um simples exercício, vira um esforço titânico de SUMÁRIO
SUMÁRIO
produção que anula quaisquer outras atividades pedagógicas. Ler e estudar desaparece do horizonte
dos alunos.

Mas, pior do que isso, o curso se amesquinhou, colocou-se a serviço de um objetivo muito pequeno: FICHA
FICHAFICHA
um semestre inteiro de curso universitário para chegar no roteiro de um exercício de 3 minutos! É
pouco e muito frustrante para professores e alunos.

Por isso retomei a carga teórica no curso Dramaturgia Audiovisual e o desvinculei em parte das ou- PRÓXIMA
tras atividades departamentais. As perguntas que procuro responder são: qual o repertório mínimo
PRÓXIMA
PRÓXIMA
de um aluno de dramaturgia? Como se estrutura uma cena? Como se dá o processo criativo? Elaborei
então um programa onde lemos Sófocles, Shakespeare, Aristóteles, Stanislavski, McKee, Egri, Bor-
dwell, entre outros. Também vemos cenas de filmes recorrentes em manuais e textos teóricos como ANTERIOR
ANTERIOR
Chinatown (Polansky, 1974), Crepúsculo dos Deuses (Billy Wilder, 1950), A Malvada (Mankiewics, ANTERIOR

98
1950), Umberto D (De Sica, 1952), mas também Ivan, O Terrível (Eisenstein, 1944), Barry Lyndon (Ku-
brick, 1975), Beijos Roubados (Truffaut, 1968), Psicose (Hitchcock, 1960). O único filme que analiso
mais extensamente é Tootsie (Pollack, 1984), justamente por ser hiper-clássico. A ênfase em todo o
curso é na poética, ou seja, como essas obras foram escritas e quais os procedimentos que utilizaram.
É uma leitura especializada e voltada para a escrita. Por exemplo, um trabalho de leitura solicitado
é a realização do pitching de um projeto de produto audiovisual a partir de Édipo Rei. O resultado
tem sido excelente. Os alunos leem os clássicos com outros olhos e treinam a expressão verbal de
seus projetos, o que é uma qualidade fundamental no mundo profissional hoje.

Simultaneamente, desenvolvi uma série de exercícios voltados para a construção de personagens.


Minha formação privilegiou os aspectos estruturais da narrativa e sempre subscrevi a afirmação de CAPA
CAPA
Aristóteles que diz ser possível uma história sem personagens, mas não sem enredo; ou seja, que o
CAPA
personagem é um dispositivo narrativo e que vê-lo como um ser humano é uma atitude ingênua.
Esta visão foi ratificada nos estudos literários do século XX pelo estruturalismo. É um pano de fundo
que molda nossas atitudes e todos os exercícios descritos até agora compartilham esse pressuposto. SUMÁRIO
Não é hora de entrar no percurso teórico que me levou a questionar esta descrição da ficção como um SUMÁRIO
SUMÁRIO
fato de linguagem, mas hoje vejo os personagens como entidades que habitam o universo ficcional e
que partilham muitos traços “humanos”. Decidi então partir do personagem nos exercícios. Mesmo
porque esse também é um ponto fraco nos trabalhos dos alunos e do audiovisual brasileiro em geral.
FICHA
FICHAFICHA
Esta é a nova sequência dos exercícios:

1. Descrição de um personagem: Utilizando como inspiração o texto de Lajos Egri,-7


faça uma descrição pormenorizada de um personagem. É importante escolher uma PRÓXIMA
pessoa conhecida, mas esconda a identidade mudando o nome ou até mesmo o sexo.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

2. Escrever uma cena que revele o seu personagem: Escreva uma cena de 2 páginas que
permita ao espectador entender quem é o seu personagem.
ANTERIOR
ANTERIOR
3. Escrever o monólogo do seu personagem na cena: Escreva um monólogo do seu per- ANTERIOR

99
sonagem na cena do exercício anterior , com no máximo 1 página .

4. Reescreva sua cena.

Os resultados foram excelentes. O personagem é uma ponto de partida bem mais acessível ao alu-
no, menos árido do que a ênfase no enredo. É fundamental a exigência dele basear seu personagem
numa pessoa conhecida, pois o obriga a escapar dos clichês. No ano passado criei a exigência de
uma situação dramática única: um encontro entre desconhecidos. Foi uma estratégia para fugir do
mini-filme, ou seja, um curta de 3 minutos com várias locações e um enredo. Ao contrário, minha
ênfase durante o curso foi na escrita da cena. A avaliação dessa última experiência também foi muito
positiva. A sequência de exercícios produziu cenas mais interessantes, personagens credíveis que
CAPA
vivem conflitos humanos. No próximo ano pretendo manter estes exercícios e os pitchings a partir CAPA
de clássicos. CAPA

A sequência de leituras teóricas precisa ser revisada de modo a se inserir melhor nas inquietações
que a prática da escrita produz. Meu ideal é organizar o curso de modo a confrontar o aluno com SUMÁRIO
uma sucessão de problemas a serem resolvidos. Por exemplo, para enfrentar o excesso de ações pou- SUMÁRIO
SUMÁRIO
co motivadas, ler um texto de Stanislavsky sobre as circunstâncias dadas, ou Umberto Eco sobre a
coerência das normas do mundo ficcional. Devem ser intervenções pontuais que atendem a necessi-
dades bem específicas dos alunos. Também pretendo deixar para o final textos de maior fôlego, como
FICHA
FICHAFICHA
a Poética, e realizar uma prova teórica para diminuir o peso do roteiro na avaliação. Nem todos os
alunos são obrigados a serem roteiristas.

Depois de 10 anos da criação do Curso Superior do Audiovisual creio que construímos uma grade PRÓXIMA
sólida para a formação de nossos alunos de roteiro. Mas não ideal. O certo seria começar com uma PRÓXIMA
PRÓXIMA
disciplina dedicada ao desenvolvimento de idéias logo no primeiro semestre com a classe dividida
em 3 turmas de 12 alunos. Em seguida, teríamos o curso Dramaturgia Audiovisual, cujo conteúdo
seria mais histórico e teórico. A especialização começaria com Roteiro 1, onde os vários gêneros dra-
máticos seriam estudados e continuaria com Roteiro 2, visando a escrita de um roteiro com mais de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

100
20 páginas.

Apesar de tantas idas e vindas, de tantas dúvidas, posso assegurar que os resultados obtidos nos úl-
timos anos tem sido muito animadores. Nossos alunos tem obtido boas oportunidades profissionais
como roteiristas e ganharam vários prêmios em concursos de produção. Sem dúvida, hoje essa é a
maior carência do audiovisual brasileiro. Temos nível técnico e excelentes realizadores. Mas faltam
roteiristas. Faltam boas histórias bem contadas.

R eferências
BÍRÓ, Y.; RIPEAU, M. To dress a nude: exercises in imagination. Dubuque, Iowa: Kendall/Hunt, 1998. CAPA
CAPA
DANCYNGER, K.; RUSH, J. Alternative Scriptwriting. Nova York: Focal Press, 1995. CAPA

RABIGER, M. Developing story ideas. Boston: Butterworth-Heinemann, 2005.Roberto Moreira


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

101
ARTEMÍDIA INFLUENTE: ROTEIRO PARA CRIAÇÃO
DE ATELIÊ-LABORATÓRIO NA INTERFACE ARTE
CIÊNCIA E TECNOLOGIA.

C élio M artins da Matta | Pelópidas C ypriano de O liveira Pel


Professor Mestre da FAU Mackenzie - Doutorando do programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes UNESP - zcelio@yahoo.

com.br | Prof Dr Livre Docente do programa de Pós-Graduação do Instituto de Artes UNESP - Orientador

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo
SUMÁRIO
O artigo visa demonstrar a resultados parciais da pesquisa de doutorado em desenvolvimento no SUMÁRIO
Programa de Mestrado e Doutorado em Artes do Instituto de Artes da Universidade Estadual Pau- SUMÁRIO
lista – UNESP.

Tratando de possíveis correlações da Arte Contemporânea com a interface Arte, Ciência e Tecnologia
FICHA
FICHAFICHA
observável na construção e manutenção do Ateliê-Laboratório de Imagem Cinética Eletrônica [ALI-
CE] (Figura 01).

O texto relata a importância de um ambiente no qual o pesquisador nele inserido possa fazer experi- PRÓXIMA
mentações e, pela via mais empírica, possa chegar a conclusões de algum pensamento ou sentimento PRÓXIMA
PRÓXIMA
que ele esteja procurando, sentindo ou analisando.

Partindo antecipadamente do pensamento de que seria necessário um ambiente onde o artista pu-
desse trabalhar seus conceitos criativos de artes visuais em duas e três dimensões, procuro adaptar ANTERIOR
ANTERIOR
esse ambiente para que promova melhor qualidade e capacidade de estudos para estudantes de artes ANTERIOR

102
e áreas correlatas que serão futuros profissionais.

O local vem sendo utilizado e organizado como um laboratório de experimentação para estudos na
captura e tratamento de imagens estáticas e cinéticas. Para tal, procuro a elaboração, aplicação e ava-
liação de protótipos que se apresentam em formas de maquinas, experimentos, testes ou situações.

O intuito do trabalho também é procurar entender o processo criativo dos futuros profissionais (hoje
alunos) através da aplicação de processos e procedimentos artísticos.

Palavras chave: 1. Design 2. Artes Visuais 3. Ateliê 4. Laboratório 5. Experimental

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Figura 1 - [ALICE] - Ateliê Laboratório de Imagem Cinética e Eletrônica

Fonte: acervo do autor Célio M. Matta


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

103
A bstract
The article aims to demonstrate the partial results of doctoral research in the development of Mas-
ter ’s and Doctoral Program in Fine Arts Institute of the Universidade Estadual Paulista - UNESP.

Addressing the possible correlations with the interface Contemporary Art Art, Science and Tech-
nology observable in the construction and maintenance of the Atelier-Picture Kinetics Electronics
Laboratory [ALICE].

This report describes the importance of an environment in which the researcher involved can do
experiments, and via more empirical, can reach some conclusions or thought or feeling that he is
looking, feeling or analyzing.
CAPA
CAPA
Starting early thought it would take an environment where the artist could work their creative con-
CAPA
cepts of visual art in two and three dimensions, try to adapt to this environment that promotes im-
proved quality and capacity studies for students of arts and related areas who will be future profes-
sionals. SUMÁRIO
SUMÁRIO
The site has been used and organized as a laboratory for experimentation in studies to capture and SUMÁRIO
imaging static and kinetic. To do this, try the design, implementation and evaluation of prototypes
which are in forms of machines, experiments, tests or situations.
FICHA
FICHAFICHA
The aim of the work is trying to understand the creative process of future professionals (students
today) through the application process and artistic procedures.

Keywords: 1. Design 2. Visual Arts 3. Workshop 4. Laboratory 5. Experimental PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

I ntrodução
Partindo de uma dificuldade (em local escolhido), realizar experimentos que são sugeridos e prati-
cados por usuários selecionados em cada ocasião para que esses experimentos laboratoriais venham ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

104
apresentar soluções para problemáticas em arte através de aplicação prática de arte, design e áreas
correlatas.

São utilizados diversos livros para verificação de informações teóricas sobre problemáticas e solu-
ções em arte além de aplicação de conhecimento técnico, de bacharelado e mestrado do autor e com
essa coletânea de dados, pela via empírica desenvolver um laboratório de experimentos que possa
gerar novas experimentações.

Por exemplo, os experimentos e criações nos ambientes desenvolvidos serão construídos com base
em conhecimento anterior, mas procurando atender a necessidade do momento dos envolvidos em
uma experiência ou teste, e a cada momento são determinadas novas necessidades. Apresentando
CAPA
um funcionamento e um avanço contínuo e cíclico. CAPA
CAPA
O pesquisador necessita de um ambiente para que possa criar, representar e elaborar a sua arte. Ao
mesmo tempo em que ele deve fazer experimentações desta arte.
SUMÁRIO
Para essas experimentações, é sugerido a via empírica, para que teste na prática seus mecanismos SUMÁRIO
de trabalho e que possa chegar a conclusões de algum ou pensamento ou sentimento a que ele esteja SUMÁRIO
procurando, sentindo ou analisando.

Essa pesquisa dentro de um ateliê controlado promove ao pesquisador uma análise dos usuários e
FICHA
FICHAFICHA
este sendo um professor pode utilizar essas pesquisas para fomentar e dar subsídios as suas aulas e
metodologias de ensino.

PRÓXIMA
O bjetivo PRÓXIMA
PRÓXIMA
A intenção deste trabalho é propiciar as bases práticas e teórico-metodológicas para a criação de um
ambiente propício para pesquisas científicas, e com isso colher informações para aplicação em aulas
laboratoriais técnico-práticas. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

105
M étodos
A maneira que acredito ser a mais específica para se conseguir criar um espaço ou adaptar um espa-
ço existente para realizar essas experiências seria me embasar nas experiências de fato; experiências
estas que serão realizadas mediante a utilização dos conhecimentos advindos a formação pretérita,
bem como a que venho adquirindo; além disso, agrego os dias testes e simulações de ambientes, que
me permitiram (e ainda permitem) estudar formas de se capturar as imagens de diversas maneiras
possíveis dentro de um ateliê em construção no Instituto de Artes da UNESP (Universidade Júlio de
Mesquita Filho).

Para estudar este fato, a maneira proposta segue a idéia de inventividade contínua segundo Parey-
son (1993). CAPA
CAPA
Além disso, procuro utilizar uma vertente fenomenológica – Ênfase no sujeito. O que ele pode pro- CAPA
duzir e como sua produção sofre interferências do meio. Especificamente do ateliê- laboratório em
que está inserido.
SUMÁRIO
Podemos chamar a experiência de “experienciar”, testar. Tomada a análise fenomenológica para SUMÁRIO
SUMÁRIO
evidenciar as vivências subjacentes àquela experiência, indicando o movimento intencional da cons-
ciência.

Em minha pesquisa, esses testes empíricos trazem além de observações, conceitos e técnicas de arte, FICHA
FICHAFICHA
design e áreas correlatas, a situação criativa de estimulação e ordenação de insights criativos através
de uma sequencia racional, que é um processo de materialização utilizado em Arte.

Isso ocorre porque um doutor deve estar preparado para atender as duas vertentes de projeto – o PRÓXIMA
técnico e o artístico – e deve com desenvoltura permitir com que os novos alunos (criadores/autores)
PRÓXIMA
PRÓXIMA
aperfeiçoem-se utilizando-se de técnica e tecnologia disponível para o desenvolvimento de projetos
no mundo atual, sem que essa utilização prejudique ou intervenha de forma ou negativa na expres-
são do processo criativo do aluno (criador/autor). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

106
A partir dessa preocupação com o aluno que se tornará um profissional, é possível verificar a neces-
sidade de zelar principalmente pela utilização dessa tecnologia, mas não de maneira desenfreada a
ponto de estagnar o processo de concepção e intuitivo de novas criações, principalmente na arte e
no design.

Os professores devem procurar perceber de que mais do elaborar uma imagem, escultura ou produto
criativo qualquer mediante a um software ou plugin de criação de imagens, seria necessário ter o
conhecimento teórico referente à tecnologia aplicada na concepção.

Através de aplicações de exercícios na aula, é possível que se verifique que mesmo com a correta
utilização de algum software ou plugin, a imagem criada pode não passar exatamente a mesma sen-
CAPA
sação pensada e previamente ensaiada porque a ferramenta tecnológica é subutilizada ou mecanica- CAPA
mente utilizada. CAPA

Nesse caso, a tecnologia deve contribuir com o processo completo de criação e de concepção de pro-
jeto, ela deve ultrapassar a sua real funcionalidade que é a de servir de ferramenta para o processo SUMÁRIO
representativo do aluno e não para bloqueá-lo em seu processo criativo. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Todo o processo criativo deve ser acompanhado pelo professor que orienta o trabalho na sala – o
ateliê – e deve intervir de maneira positiva estimulando o aluno a mais do que utilizar técnicas ou
tecnologias, fazendo com que o assistido consiga expressar sua criação de diversas maneiras. FICHA
FICHAFICHA
O professor precisa reforçar que o importante é a criação em design ou arte e que a ferramenta deve
ser híbrida para facilitar a sua expressão.
PRÓXIMA
Devem-se utilizar conceitos teóricos, mas não se pode esquecer-se da aplicação dos conceitos para PRÓXIMA
PRÓXIMA
que se obtenha uma condição prática, essencial para quem busca analisar processos e procedimen-
tos, pois as aplicações de métodos processuais requerem essa prática. Dessa forma um local deve
ser adaptado ou modificado para abrigar essas aplicações, no caso uma sala, um ambiente, que foi
denominado de ateliê-laboratório. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

107
Muitas vezes o falar não substitui a tentativa prática de pintar, desenhar, modelar, esculpir entre ou-
tras tentativas utilizadas no estudo da arte.

Ao se tentar realizar essas práticas, o ateliê-laboratório modifica-se fisicamente para atender a con-
dição imposta para o desenvolvimento de um ou outro trabalho.

Por exemplo, se o professor puder ensaiar a modelagem de elementos de maneira tradicional antes
de passar para uma modelagem assistida por software, esse aluno irá unir conhecimentos de mode-
lagem tradicional com a modelagem digital que irá facilitá-lo no desenvolvimento de sua represen-
tação corretamente, ou seja, se não conseguir representar seu insight através de softwares, poderá
tentar fazê-lo através de argila, plastilina, clay ou outro material, mas conseguirá registrar aquele
CAPA
momento criativo. CAPA
CAPA
Na ocasião, o ateliê-laboratório deverá prever as duas opções de desenvolvimento e apresentação da
arte ou design em questão. Ou seja, as ferramentas de modelagem e os computadores com os softwa-
res específicos. Se não for previsto antecipadamente, será modificado para tal. É o rigor do método SUMÁRIO
essencial, legitimando uma fundamentação filosófica através de uma prática laboratorial. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O ambiente em testes fenomenológicos em minha pesquisa de doutorado tem o intuito procurar um
local “ideal” que possa oferecer qualidade e segurança em um local para os estudos de artistas, en-
quanto esses desenvolvem seu trabalho. FICHA
FICHAFICHA
É de extrema importância salientar que o principal não é a construção somente no âmbito físico de
um ateliê laboratório, ou de um ou outro equipamento específico, mas sim expor o conhecimento dos
testes acessíveis para todos aqueles que desejem construir seu próprio ateliê laboratório e ter acesso PRÓXIMA
a aplicação da rotina de criação envolvida no assunto de uma maneira geral.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Este trabalho contará também com as seguintes obras que forneceram aspectos teórico-metodológico
para o desenvolvimento e estruturação da pesquisa: Zamboni (2001, .Aumont (1993), Neufert (1987)
entre outros. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

108
D esenvolvimento da P esquisa
Antes de qualquer conclusão precipitada que se possa levar essa experiência como tentativa de erro
e acerto, deve ser salientado que todo projeto tem uma metodologia e a essa metodologia é agregado
o valor de conhecimentos já estudados e uma base de dados já pesquisada no trabalho de mestrado.

Mas também é verdade que o mesmo poderá ter conhecimentos agregados por Serendipidade, (tam-
bém conhecido como Serendipismo, Serendiptismo ou ainda Serendipitia, que é um neologismo que
se refere às descobertas afortunadas feitas, aparentemente, por acaso), é que é interessante se enten-
der que história da ciência está repleta de casos que podem ser classificados como serendipismo,
então caso ocorra, o fato será também considerado e não descartado.
CAPA
Para a análise e aplicação de testes (protótipos de vivência), é aplicado o uso da Cibernética Pedagó- CAPA
gica Freneitiana. CAPA

“A Cibernética Pedagógica possibilita, através de princípios científicos de


comunicação e controle – portanto cibernético -, aperfeiçoar as relações SUMÁRIO
entre dois sistemas; Sistema Docente (S.Do), aquele que pretende ensinar; SUMÁRIO
SUMÁRIO
e sistema Discente (S.Di.), aquele que deve aprender, sejam eles constitu-
ídos por seres humanos ou máquinas.” (SANGIORGI, 1999).

Essa pedagogia foi apresentada pelo Prof. Dr. Pelópidas Cypriano de Oliveira em aula no Instituto FICHA
FICHAFICHA
de Artes da UNESP e também é utilizada dentro do grupo Artemídia e Videoclipe.

Resumidamente, exemplifica a utilização de ensinos e ensaios laboratoriais, utilizando-se de um tra-


tamento ao aluno como sendo um futuro artista. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Com a utilização de exercícios direcionados a solução de problemas de apresentação de projetos em
arte e design é possível identificar como os alunos se comportam na concepção e materialização de
insights criativos e como utilizam esses insights para formularem outros e criarem referenciais e sub-
sídios para um processo cíclico, enquanto controlados em utilização segura de um ateliê. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

109
Conforme desenvolvem seus trabalhos, o professor em formação (doutorando) estimula a sua criati-
vidade para que esta venha a ser utilizada de maneira natural na solução de outras problemáticas e
analisa cientificamente os resultados.

Nesse tipo de pedagogia pretende-se incluir na formação do aluno uma visão mais ampla do meio
em que pesquisam e que vivem.

Dessa forma, se tornará natural o estímulo da mente para resolução de problemas diversos com cria-
tividade, algo imprescindível.

CAPA
C onsiderações F inais CAPA
Os alunos devem criar ou modificar um trabalho mediante orientação do professor que ao mesmo CAPA
tempo em que obriga uma qualidade técnica, permite o desenvolvimento criativo controlado até o
ponto em que não interfira na solução ou aplicação da técnica em questão.
SUMÁRIO
E devo salientar que a utilização de ferramentas ou técnicas não devem se sobressair à criação e a SUMÁRIO
SUMÁRIO
personalidade do indivíduo.

O “fazer” deve estar na formação artística dos envolvidos na pesquisa.


FICHA
FICHAFICHA
Ao mesmo tempo em que irão alterando o espaço de trabalho, os envolvidos irão procurando auxi-
liar no desenvolvimento dos equipamentos e ambientes para atender as suas próprias necessidades
e colaboram nas pesquisas científicas.
PRÓXIMA
É de extrema importância informar que o interesse principal deste trabalho não é obrigar a cons- PRÓXIMA
PRÓXIMA
trução física em si deste ou aquele ateliê-laboratório materialmente ou ditar uma regra obrigatória.
O mais importante é expor um modelo de pesquisa conhecimento acessível para todos aqueles que
desejem construir seu próprio ateliê ou espaço de criação.
ANTERIOR
ANTERIOR
Com o andamento da pesquisa, será possível realizar e apresentar um roteiro completo dos proces- ANTERIOR

110
sos e procedimentos que servirão como exemplo para a construção de ambientes que irão carregar
valores humanos e as interfaces de arte ciência e tecnologia.

A poio
Grupo de Pesquisa “ARTEMÍDIA E VIDEOCLIP” | http://dgp.cnpq.br/buscaoperacional/detalhe-
grupo.jsp?grupo=0330609JCMT3EO

Grupo de Pesquisa “ARTE E LINGUAGENS CONTEMPORÂNEAS”, | http://dgp.cnpq.br/bus-


caoperacional/detalhegrupo.jsp?grupo=0514803PHUCSSA
CAPA
Ambos do Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq. CAPA
CAPA

R eferências
SUMÁRIO
AUMONT, Jacques. A Imagem. Campinas: Papirus, 1993. SUMÁRIO
SUMÁRIO
D’AMBROSIO, Oscar. Arte: Design aplicado. UNESP Ciência, São Paulo, ano3, n. 32, 44-45, julho, 2012.

FREINET, Célestin. As Técnicas Freinet da Escola Moderna; tradução de Silva Letra. Lisboa: Estampa, 1975.
FICHA
FICHAFICHA
MATTA, Celio Martins da. Artemídia: Processos e Procedimentos no Ateliê-Laboratório do Artista-Cineas-
ta. São Paulo: UNESP – Dissertação de Mestrado

NEUFERT. A Arte de projetar em Arquitetura; tradução da 21.ª edição alemã. 1987 PRÓXIMA
PAREYSON, L. Estética: Teoria da Formatividade; trad. De Ephraim Ferreira Alves. Petrópolis: Vozes, 1993.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

SANGIORGI, O. Cibernética e Educação. Comunicação & Educação. São Paulo, 1999.

ZAMBONI, Silvio. A pesquisa em arte: um paralelo entre a arte e a ciência. São Paulo: Editores Associados, ANTERIOR
ANTERIOR
2001. ANTERIOR

111
ROTEIRO PARA GAME: O CASO DO GAME
ACADÊMICO ILHA CABU

Arlete dos Santos Petry 1

Escola de Comunicações e Artes - ECA | Universidade de São Paulo - USP

CAPA
CAPA
R esumo CAPA
Este artigo aborda reflexões e descreve ações realizadas para a produção de um game. Como o game
visou a transposição da linguagem verbal escrita de certos conceitos teóricos em game, esse se inse-
SUMÁRIO
re na tipologia que denominamos jogos acadêmicos. Nosso foco neste texto será apontar para uma SUMÁRIO
metodologia de trabalho que objetivou a construção de passos de roteirização a seguir quando do SUMÁRIO
planejamento e da produção de games. Essa proposta de trabalho foi organizada a partir de uma
metodologia aberta, ou seja, o planejamento de cada passo do processo se dava mediante a avaliação
dos resultados do passo precedente. Para a reflexão a respeito do andamento do processo de trabalho FICHA
FICHAFICHA
e de sua organização, contamos com alguns recursos que se mostraram eficazes.

Palavras-Chave: Roteiro. Game acadêmico. Método. Produção de conhecimento. Game design docu-
ment. Videojogos. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

1 Doutora em Comunicação e Semiótica-PUCSP. Mestre em Educação-UNISINOS. Especialização em Psicopedagogia- ANTERIOR


ANTERIOR
FEEVALE. Graduação em Psicologia. Pós-doutorado em andamento na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de
São Paulo - USP com apoio da FAPESP. ANTERIOR

112
A bstract
This article discusses considerations and describes actions taken to produce a game. As the game
aimed the transposition of the verbal language writing of certain theoretical concepts in game, it oc-
curs in the typology that we call academic games. Our focus in this paper will be point to a working
methodology that aimed to construct routing steps to follow the planning and production of games.
This propose of work was organized from an open methodology; in other words, the planning of
each step of the process occurred by evaluating the results of the preceding step. For reflection about
the progress of the work and its organization, we have some resources that have proven effective.

Keywords: Screenplay. Academic Game. Method. Knowledge production. Game design document.
Videogames. CAPA
CAPA
CAPA

1. I ntrodução
Os games2 se constituem em uma das novas fronteiras na qual se dá o enfrentamento do espírito hu- SUMÁRIO
mano. Essa é a ideia básica que já havia sido apresentada na década passada, tanto por Sherry Turkle SUMÁRIO
SUMÁRIO
como por Janet H. Murray, duas pesquisadoras dos fenômenos da tecnologia, em estudos que indica-
vam que os games seriam o próximo horizonte da revolução digital. Envolvendo uma multiplicidade
de aspectos e áreas, os games se apresentam como um objeto dinâmico, de natureza interdisciplinar,
FICHA
FICHAFICHA
transitando pelas mais diversas áreas do conhecimento, desde a tecnologia3, atravessando a arte,
a matemática, a filosofia, a psicologia e chegando à comunicação 4. Envolvidos com essas e outras

2 Utilizamos a palavra inglesa game, por ser a expressão usual entre os jogadores brasileiros para indicar os jogos
possibilitados pelas tecnologias eletrônicas e digitais, independente da mídia que os suporta. PRÓXIMA
3 É interessante atentar para a avaliação de McLuhan no texto Visão, som e fúria, de suas antigas posições frente às PRÓXIMA
novas tecnologias. Escreve: “quando escrevi The mechanical bride há alguns anos, não tive a noção de que estava tentando PRÓXIMA
uma defesa da cultura do livro contra os novos meios. Agora posso verificar que procurava fazer incidir nos novos meios
da visão e do som a consciência crítica favorecida pela formação literária. Minha estratégia estava errada, porque a minha
obsessão pelos valores literários cegava-me quanto a muito do que estava acontecendo de bom e ruim. O que temos de
defender hoje não são os valores desenvolvidos em qualquer cultura especial ou por qualquer modo de comunicação”
(McLuhan 2000: 162).
ANTERIOR
ANTERIOR
4 Esse é, por exemplo, o ponto de vista de Jenkins (2008), quando mostra a inter-relação entre as várias mídias e como os
games podem dialogar com a televisão, com o cinema e a literatura, ampliando e aprofundando cada vez mais os horizontes ANTERIOR

113
questões de fundo, um grupo de pesquisadores da PUCSP iniciou, em 2009, um projeto que buscou
realizar o diálogo entre os saberes da academia, as estruturas narrativas e o universo da produção de
games. Os resultados colhidos pelo trabalho dessa equipe, organizaram-se em uma estrutura triádi-
ca: uma tese de doutorado realizada no Programa de Comunicação e Semiótica da PUCSP que serviu
como o núcleo central e motivador das investigações, três dissertações de mestrado no Programa de
Pós-graduação em Tecnologias da Inteligência e Design Digital e, em terceiro lugar, um game aca-
dêmico, desenvolvido colaborativamente pela equipe. Dedicaremo-nos aqui a enfocar esse terceiro
elemento de pesquisa, o game acadêmico, que recebeu o nome de Ilha Cabu, bem como alguns de
seus desdobramentos que adiante descreveremos.

Se por um lado o game Ilha Cabu se apresenta como o resultado pragmático de uma série de refle- CAPA
CAPA
xões teóricas acerca do conceito de jogo, a sua produção consistia na primeira grande experiência da
CAPA
maior parte da equipe na construção de um game. Ainda que parte do grupo já tivesse alguma expe-
riência consolidada na área, desde os experimentos com modelagem tridimensional na produção de
ambientes digitais interativos, passando por desenvolvimentos mais robustos na área da hipermídia, SUMÁRIO
era a primeira vez que a equipe enfrentava em conjunto a tarefa de realizar uma produção maior com SUMÁRIO
SUMÁRIO
a moderna tecnologia das engines de games profissionais. Disso resultou uma atitude metodológica
que norteou todo o caminho a ser seguido: foi necessário, a cada passo, encontrar a maneira mais
adequada de realizarmos a tarefa, pois, além do desenvolvimento do trabalho em si, o grupo tinha
FICHA
FICHAFICHA
como objetivo um questionamento a respeito do método adequado e na justa medida a ser utilizado
para tal empreendimento.

O método de trabalho para a concepção e produção do roteiro para o game acadêmico que aqui expo- PRÓXIMA
remos teve uma forte influência da filosofia hermenêutica, a qual defende uma metodologia aberta PRÓXIMA
PRÓXIMA
de trabalho. Nesse sentido, a equipe de desenvolvimento procurou conduzir as tarefas sempre dei-
xando aberto o campo de ação para a aprendizagem com o próprio objeto de pesquisa/produção,
isto nos seus aspectos metodológicos essenciais. De outra forma diríamos que, no caso dessa pesqui-
ANTERIOR
ANTERIOR
da narrativa. ANTERIOR

114
sa, o método só poderia ser construído na perspectiva de uma organização para a ação de produção
do game.

Assim, a partir da experiência prévia de análise de hipermídias acadêmico-conceituais e de exercí-


cios de transposição de textos em imagens, buscamos, ao produzir o jogo, refletir a respeito de seu
próprio processo de produção. Outro argumento para a empreitada foi tomado de Kant (1724-1804),
recolhido no livro Sobre a pedagogia. Trata-se da ideia de que “a melhor maneira de cultivar as po-
tências da índole consiste no fazer por si mesmo o que se quer fazer […]. O melhor modo de compre-
ender é fazendo” (Kant 2006: 70).

Quanto a análise do trabalho de produção do game esta realizou-se já durante o seu fazer (pesqui-
CAPA
sa-ação) e, para tal, utilizamos um Caderno de Registro, criação de um Grupo de Discussão (google- CAPA
groups) e um Site com Blog e Wiki para registro de decisões e ações da equipe. CAPA

SUMÁRIO
2. O conceito de G ame A cadêmico SUMÁRIO
Inicialmente, entendemos o Jogo e o jogar como algo que vai além da condição de um ente e, como SUMÁRIO
tal, para além da presentificação em um dado objeto 5. O Jogo, para nós, é compreendido filosofica-
mente como a força geradora e impulsionadora da própria vida. Como tal, tem suas condições de
existência, tem uma natureza que lhe é peculiar e uma estrutura que se põe a funcionar. Portanto, o FICHA
FICHAFICHA
Jogo Ilha Cabu, além de um game, apresenta-se como a realização de um processo que nos permitiu
refletir a respeito de questões que estávamos investigando. Como os conteúdos da pesquisa tratavam
de jogo, autoria, produção de conhecimento, puzzles, etc., era nossa intenção agregar à experiência PRÓXIMA
com os conceitos da respectiva pesquisa, características como diversão, imersão, desafios a resolver PRÓXIMA
PRÓXIMA
e uma narrativa interessante, pois essa forma de comunicar, típica dos games, seria convergente com

5 Aqui estamos na sequência de um pensamento histórico sobre o jogo que remonta a Heráclito e chega ao século XX com
Huizinga, Heidegger, Fink e Gadamer. Esse ponto de vista analítico foi desenvolvido em nossa tese de doutorado, intitulada,
O jogo como condição da autoria e da produção de conhecimento: análise e produção em linguagem hipermídia. A pesquisa ANTERIOR
ANTERIOR
desta tese, inclusive durante o seu tempo de desenvolvimento, foi o polo norteador, ao redor do qual gravitou os trabalhos da
equipe de desenvolvimento do game Ilha Cabu. ANTERIOR

115
o conteúdo a ser comunicado. Nesse sentido é que indicamos que o game poderia ser pensado como
a forma mais elaborada e mais intensa do jogo se fazer presente na linguagem hipermídia.

Portanto, o game acadêmico Ilha Cabu é um objeto que foi produzido com o intuito de que ele per-
mita mostrar o núcleo central de uma pesquisa e quais são as posições que foram alcançadas pela
investigação. Logo, institucionalmente, não se insere imediata e prontamente no mundo do entre-
tenimento, mas tampouco sustenta um muro intransponível entre pesquisa e entretenimento pois,
como no caminho de Friedrich Schiller (1759-1805), poderíamos pensar no jogo que se estabelece
entre razão e sensibilidade como a única saída para a possibilidade de um homem pleno6. Nessa
concepção, a partir de nossa leitura de Peirce e da experimentação em equipe, buscou-se traduzir o
texto verbal escrito da Tese em texto em linguagem hipermídia (game)7 - instinto e lógica, sensibili- CAPA
CAPA
dade e razão podem trabalhar juntas na construção de uma experiência estética 8 que, como tal, falará
CAPA
tanto às nossas percepções dos sentidos quanto à nossa inteligência9. Como escreveu Peirce, em CP
7.381, “todos os sistemas das performances racionais tiveram no instinto o seu primeiro gérmen. Não
apenas o instinto foi o seu primeiro gérmen, mas cada passo no desenvolvimento de tais sistemas de SUMÁRIO
performance advém do instinto”. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A partir desses pressupostos, Ilha Cabu é, ao mesmo tempo, um meio que encontramos para inves-
tigar certas questões e uma resultante da pesquisa empreendida. Ao mesmo tempo, um meio e um
FICHA
FICHAFICHA

6 Schiller denominará de Spieltrieb (impulso lúdico) a ação de forças aparentemente contrárias que se colocam frente a
frente, sendo que caberia a cada uma delas neutralizar a força da outra e, assim, consequentemente, ambas continuariam agindo.
7 Cumprindo assim, tanto a perspectiva pensada por McLuhan, a qual nos diz que “o desenvolvimento inicial de um novo PRÓXIMA
meio recuperará formas dos meios anteriores”, bem como a perspectiva da transposição defendida por Murray para os momentos iniciais
de um novo meio e cultura, como no caso dos games e da hipermídia. PRÓXIMA
PRÓXIMA
8 Referimo-nos nesse ponto ao termo estética que, proveniente do grego aisthesis, refere-se, essencialmente, ao sentimento
e à sua integração com a atividade mental que o suporta (Barnouw 1980).
9 Em nossa leitura da Crítica do Juízo de Kant entendemos que os atributos estéticos dos objetos acompanham os atributos
lógicos fornecendo espírito (Witz) à obra e definindo-a como uma arte bela. Uma ideia estética é a contrapartida de uma ideia da razão.
Enquanto esta última é um conceito indemonstrável para a razão, a ideia estética é uma representação inexponível pois nenhum conceito ANTERIOR
ANTERIOR
lhe é adequado, nenhuma linguagem a alcança inteiramente. Pelo fato de “dar muito a pensar”, a representação (o objeto) amplia
esteticamente o conceito. ANTERIOR

116
fim. É, nesse sentido, que também podemos entendê-lo como um metaverso10, no sentido de um uni-
verso dentro de outro, revelando que a forma escolhida para se alcançar um resultado é, nada mais
nada menos, que parte integrante do resultado encontrado. Nessa perspectiva de trabalho, a partir
de certo momento da investigação, texto verbal escrito e game em linguagem hipermídia passaram
a ser influenciados um pelo outro. Não somente o texto verbal foi transposto para a linguagem hi-
permídia, mas também as descobertas na produção do game, abriram novas questões na discussão
do texto.

O que queríamos com o Ilha Cabu era discutir os dados de uma investigação de doutorado, mas den-
tro de uma narrativa em primeira pessoa, com ênfase na solução de puzzles11. Ou seja, que pudesse
interessar a quem estuda as temáticas, mas também minimamente interessante para quem aprecie CAPA
CAPA
uma narrativa digital com certo grau de desafios. Essas opções estavam baseadas na relação que o
CAPA
investigador estabelece com sua pesquisa, ou seja: ele é o personagem que se defronta diretamente
com os dados e, também, é ele quem precisa resolver os desafios (verdadeiros puzzles) que se co-
locam à sua frente no percurso da investigação. Por buscarmos estas características é que o modelo SUMÁRIO
dos jogos ditos educativos não satisfaziam as nossas necessidades pois, em geral, possuem um forte SUMÁRIO
SUMÁRIO
apelo didático que os tornam “aborrecidos”, como dizem os jogadores. Nos jogos atuais e mais ela-
borados, nos diz Assis (2007: 23), a classificação nem sempre é fácil. “Jogos recentes que se destacam
no mercado como inovadores na forma ou no conteúdo usam elementos tomados de diversos gêne-
FICHA
FICHAFICHA
ros de videogames e o sucesso parece realmente estar na combinação desses elementos”.

10 O conceito foi introduzido em 1992, por Neal Stephenson, no seu romance de ficção científica Snow Crash , no qual PRÓXIMA
os seres humanos, como avatares, interagem entre si e com os agentes de software, em um espaço tridimensional que usa a
metáfora do mundo real. Por isso, diz-se tratar-se de um mundo dentro de outro mundo, um tipo de mundo virtual que tenta PRÓXIMA
replicar a realidade através de dispositivos digitais que desloquem os sentidos de uma pessoa para esta realidade virtual. PRÓXIMA
Foi cunhado, por Stephenson, para descrever uma realidade virtual sucessora da Internet. A palavra metaverso é uma junção
metafórica do prefixo “meta” (que significa “além”) e “universo”.
11 A palavra puzzle é de origem inglesa e foi dicionarizada pelo Houaiss (2007), como um correlato ao termo da língua
portuguesa, quebra-cabeças. Stewart (2008: 8) nos indica que existem inúmeros modos de se transformar a matemática em
algo divertido. Esta forma divertida de lidar com a matemática, foi historicamente denominada de puzzle. Na sua base, um ANTERIOR
ANTERIOR
puzzle possui uma estrutura lógica, apresentando sempre um problema ou questão na qual o raciocínio e a imaginação são
convocados para a sua solução por diferentes métodos. ANTERIOR

117
Debruçados sobre essa reflexão de qual a melhor forma de apresentar questões conceituais, por-
tanto, que visasse a aprendizagem e compreensão de certos conceitos, pensamos que a “solução”
seria combinar elementos que caracterizam o Jogo, como alternância de estados, risco, liberdade
de ação, tensão, com algum conteúdo a ser aprendido. Mais ou menos isso é o que encontramos em
alguns autores que discutem os jogos digitais.

Embora não julgamos já ter atingido no game Ilha Cabu toda a qualidade que sabemos ser im-
portante para ser atraente, esforçamo-nos dentro de todas as limitações que fomos enfrentando, a
explorar nossas maiores qualidades ou forças, sem abandonar nossas referências conceituais. Uma
delas era manter um adequado e alto grau de imersão, experiência de forte envolvimento com
uma questão, como quando pesquisamos ou queremos descobrir algo. Por isso, não planejamos a CAPA
CAPA
possibilidade de reset (morrer e voltar, desfazer e voltar como se não tivesse feito). Cada caminho
CAPA
percorrido, cada experiência vivida ou percepção que nos chega, querendo ou não, nos marca inde-
levelmente, e forma nossa “enciclopédia”, nas palavras de Eco (2004), para agir no mundo. Como
um jogo de emulações12, Ilha Cabu é um mundo no qual situações e simulações se manifestam e SUMÁRIO
se dão no acontecer do jogar o jogo. Planejamos também a possibilidade do jogador “salvar” suas SUMÁRIO
SUMÁRIO
ações no game para retomá-lo do ponto que o deixou anteriormente.

No ponto em que nos encontramos em nossa pesquisa, a formulação da ideia de um game aca-
dêmico situa-se pela conjunção entre a jogabilidade, a narrativa e os conceitos que lhe servem FICHA
FICHAFICHA
de matriz, ao mesmo tempo, inspiradora e reguladora. Dessa forma, definimos game acadêmi-
co como um produto da linguagem hipermídia que, considerando as características presentes
no conceito de Jogo, compreenda os conceitos acadêmicos como elementos integrados ao con- PRÓXIMA
teúdo lúdico-narrativo. PRÓXIMA
PRÓXIMA

12 Sendo emulação uma conversão de uma realidade em outra, nos games se refere a tentativa de criar um mundo virtual ANTERIOR
ANTERIOR
respeitando as condições a ele designadas. Para mais detalhes vide: http://www.topofilosofia.net/textos/B_O_Ciborgue_e_a_
hipermidia_01.pdf ANTERIOR

118
3. A construção narrativa do G ame
Muitas vezes nos perguntamos acerca do momento no qual se começa a criar algo e, qual o elemen-
to que nos coloca em movimento para trabalhar por uma ideia? Parece ser de tão variadas fontes e
provenientes “dos mil focos da cultura”, como disse Barthes (1988) quando falava a respeito da ori-
gem dos textos, que não há como colocar algum limite nessa questão. Aliada a essa noção, temos em
Peirce que o surgir de uma nova ideia provém de uma força instintiva que nos indica qual o caminho
a seguir, portanto, em alguma medida, uma nova ideia provém de nossa luta pela sobrevivência.
Instintos, para esse pensador americano, são “hábitos de nossa afiliação desconhecida”, portanto,
construídos pela experiência da espécie, mas também pela experiência individual.

Sendo assim, qualquer dado percebido, em qualquer lugar, é material que pode acionar em nós o CAPA
CAPA
movimento de produção de algo. Não há limites para a imaginação. Imaginação é, por excelência,
CAPA
liberdade. Basta existir um encontro entre, no mínimo, dois elementos13, em alguma medida inquie-
tador para um sujeito 14, que está dada a fórmula que acionará uma possível produção. Aproximar
semelhanças, como fazia o personagem Sherlock Holmes, criado pelo médico e escritor Conan Doy- SUMÁRIO
le, é uma das formas possíveis para a criação. Acreditamos, ainda, tendo em mente as pesquisas de SUMÁRIO
SUMÁRIO
Thomas Kuhn, Charles-Sanders Peirce e Jacques Lacan, que certa posição no mundo facilita o aciona-
mento e a manutenção desse movimento. Trata-se de considerar as ideias que nos surgem na forma
de uma irrupção na mente ou após alguns minutos de Musement15 - mesmo que tenham a aparência
FICHA
FICHAFICHA
de absurdas e inconsistentes (inferências inconscientes ou abduções), e trabalhar para verificar se
elas fazem sentido.

PRÓXIMA
13 Quando nos referimos a “dois elementos”, nosso olhar não é dirigido à relação entre dois indivíduos. Não trabalhamos
com essa categoria psico-sociológica, preferindo pensar mais ao modo da categoria peirceana de signo, ou seja, algo que PRÓXIMA
possui uma existência material singular, que tem um lugar no mundo (real ou ficcional) e reage em relação a outros existentes
PRÓXIMA
(Santaella 1992).
14 Esta é a fórmula da constituição do sujeito na psicanálise de Jacques Lacan. Podemos depreender disso, que constituir-
se sujeito é um ato afirmativo frente ao que recebemos do Outro, constituir-se sujeito é equilibrar-se entre alienação e
separação.
ANTERIOR
ANTERIOR
15 Musement é uma palavra criada por Peirce, portanto um neologismo. De difícil tradução ao português, geralmente é
entendida como devaneio, desde que suprimamos o sentido fantasioso contido nessa palavra. ANTERIOR

119
Alguns, por resistirem a aventurar-se no desconhecido, não consideram as hipóteses que lhes sur-
gem. Outros, por darem pouca atenção às informações de seu entorno, poucas abduções produzem.
Há, ainda, aqueles que, embora muitas abduções lhes surjam, por um ou outro motivo, não possuem
a força vital necessária para colocá-las à prova. Com esse cenário em vista, nada é produzido.

Apesar disso, atualmente, de acordo com Lev Manovich (2009), “muito mais gente produz cultura e
tudo faz parte de uma grande nuvem de informações. As pessoas escolhem pedaços de informação
dessa nuvem e fazem suas próprias versões”. Segundo esse pesquisador russo, o que tem facilitado
muito essa condição atual é a cultura do remix. Isso “que já foi tabu, hoje é o padrão”, diz ele.

Contudo, isso que hoje é padrão, em absoluto é algo novo. Foi o que sempre se fez, embora por muito
CAPA
tempo não se admitisse16, ou tampouco se percebesse. Em alguma medida, sempre se fez combina- CAPA
ções diversas com elementos já agrupados, ou então, a combinação de elementos nunca antes apro- CAPA
ximados, mas já existentes de forma dispersa. Essas ações, a nosso ver, são possibilitadas tanto pelo
reconhecimento e valorização do já existente quanto pela ousadia de propor uma outra organização
SUMÁRIO
para os elementos de um sistema. Além disso, sentidos diferentes se constroem em função de deter- SUMÁRIO
minadas posições de sujeitos frente ao existente (Petry 2006). SUMÁRIO

Como poderíamos criar algo do nada se, ao nascermos, já somos imersos em um mundo que já estava
aí pulsando e produzindo e que logo passará a fazer parte de nós? Como seria possível pensarmos
FICHA
FICHAFICHA
que somos o que somos, independentemente de nosso mundo? Como muito bem nos revela o concei-
to de Heidegger de Dasein, há uma impossibilidade lógica em concebermos um Ser sem seu mundo
(ser aí) 17. Ou, como diria Peirce, há uma conaturalidade entre mente e cosmos.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
16 O fato de não admitir-se que, ao criar-se algo, estamos fortemente apoiados em outros que nos antecederam, é o
resultado da concepção de autoria na modernidade. Na base da construção dessa concepção, encontram-se: a defesa da
originalidade, a libertação das autoridades inspiradoras e legitimadoras (igreja e nobreza), a assunção da individualidade e
do estilo próprio, a organização do capital em torno da propriedade intelectual da obra (Fernandes apud Petry, 2006).
17 Utilizamos aqui a tradução de Dasein, proposta por Ernildo Stein, como Ser-aí, embora este mesmo autor tenha ANTERIOR
ANTERIOR
abandonado a tentativa de traduzir esta palavra por nenhuma tradução alcançar a especificidade deste construto do
pensamento filosófico. ANTERIOR

120
Foi com esses pensamentos que começamos a trabalhar em um roteiro para o game acadêmico. Pos-
teriormente, percebemos que ao iniciar a redação de ideias para o roteiro, já havíamos começado sua
escritura, quando nem sequer sabíamos que esse projeto seria realizado.

Ainda não se sabia com qual engine se trabalharia e essa decisão foi fundamental para a “batida do
martelo”, em relação a outros aspectos do ambiente. Quando optamos pelo engine de games Unity
3D®, dada sua flexibilidade para receber os objetos já produzidos, logo nos agradou um esboço de
Ilha. Entretanto, seria necessário modificar sua topografia para abrigar algumas características par-
ticulares18. Tendo decidido a respeito de aspectos básicos, a etapa seguinte foi reunir a equipe e de-
finir como e qual seria a participação de cada um. Foi redigida a proposta básica do roteiro, enviada
àqueles que pela tarefa se interessaram e passamos a nos encontrar. CAPA
CAPA
A proposta básica para o roteiro 19 foi organizada rapidamente e, após a primeira reunião do grupo CAPA
de roteiro, foram acrescentadas informações quanto ao tipo de narrativa pretendida para o game
(câmera em 1ª pessoa, narrativa não-linear). Foi a partir deste contexto que propomos um tipo de
SUMÁRIO
organização que mostrou-se muito útil no trabalho inicial de construção do roteiro, cujos aspectos SUMÁRIO
descrevemos a seguir. SUMÁRIO

3.1. Mote inicial: Todo jogo começa com uma ideia, portanto, o primeiro passo será a descrição que
situa em que tipo de ambiente ocorre a narrativa do game, descreve minimamente a personagem
FICHA
FICHAFICHA
principal e algumas de suas características. Podem ser acrescentadas algumas falas/pensamentos
possíveis para a personagem. Também contextualiza as ações com as quais o navegador irá se de-
frontar, fornecendo um objetivo para a sequência de fatos, o que ajudará a definir o gênero do jogo.
Aqui, pode-se já indicar de que forma e qual(is) o(s) desfecho(s) para a narrativa. Ou seja, trata-se PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
18 Nessa época, realizamos uma viagem a Cuba para participar de um Encontro Internacional de Psicologia, no qual
apresentamos um trabalho parcial da pesquisa em andamento. A experiência foi importante para que desse significado à
escolha do ambiente navegável ser uma Ilha e, ainda, para a proposta de seu nome ser Cabu, uma permutação das letras do
nome da Ilha comunista.
ANTERIOR
ANTERIOR
19 Acessando: http://www.ilhacabu.net/pages/Docs/01_Anota_Hipermidia_Tese.pdf, pode-se ler a proposta inicial do
roteiro. ANTERIOR

121
de, brevemente, definirmos qual a proposta conceitual do jogo.

3.2. Tipo de roteiro: Caracterização do roteiro, por exemplo: se o roteiro seguirá as características
da Tragédia (forma dramática), da Epopeia (forma épica) grega 20, ou mista 21, definição se a narrativa
será linear ou não, se a história se dará em 1ª ou 3ª pessoa, responder quem vê, quem narra e quem
fala na narrativa, qual o nível de bifurcação do roteiro (possibilidades de escolhas) 22, forma de reve-
lação do que deve ser descoberto, etc. Segundo Gosciola (2007), conhecer o processo de roteirização
do cinema, os sete elementos primários do drama, citados, entre outros, por Robert A. Berman (te-
órico e roteirista norte-americano), é uma necessidade para realizar-se um game. Esses elementos,
adaptados por nós aos games, são: um conflito base; conflitos que constroem a narrativa; cenas que
promovem diferentes situações espaço-temporais; comunicar/disponibilizar fatos básicos das per- CAPA
CAPA
sonagens, especialmente do protagonista; diálogos; ações emocionais no desenrolar dos conflitos e
CAPA
suas superações; ações físicas através das quais os conflitos e suas superações se dão nos desloca-
mentos espaço-temporais.
SUMÁRIO
3.3. Ambientes: Se estamos criando um mundo, este pede pela construção de espaços. Será preciso SUMÁRIO
trabalhar pela definição e caracterização dos ambientes a serem navegados ou em que ocorre a narra- SUMÁRIO
tiva. A estética escolhida para os ambientes comunicará ao jogador tanto o conceito de mundo como
a sensação por ele provocada. No caso do game aqui discutido, o que fizemos além da descrição de
cada lugar foi planejar como se dariam as passagens de um a outro ambiente no universo dos vários FICHA
FICHAFICHA

20 Para conhecer esta caracterização, aplicada aos games, vide GOSCIOLA, Vicente. A Linguagem Audiovisual do
Hipertexto. In: FERRARI, Pollyana. Hipertexto Hipermídia: as novas ferramentas da comunicação digital. São Paulo:
Contexto, 2007.
PRÓXIMA
21 Lembramos que estas escolhas tem como base a Poética de Aristóteles (1973), para o qual tanto as formas classificadas
como mistas, trágicas ou épicas precisam responder qual o meio, o objeto e o modo encontrado para imitar. Se apostarmos PRÓXIMA
que os games podem ser um meio de expressão de um artista, esses seriam o meio de imitação. O objeto a ser imitado são as PRÓXIMA
ações realizadas por agentes. No caso da tragédia, os atos dos heróis por estes realizados são o objeto e o modo como as ações
são realizadas é dramática. O mesmo objeto, por exemplo, o herói, pode ser conhecido pelo modo narrativo típico da Epopeia.
Nossa opção foi pela mista: o modo narrativo no cinematic inicial que contextualiza o enredo e as ações realizadas pelo
jogador como agente das ações.
22 Brenda Laurel apud Gosciola (2007), chama a disponibilização de escolhas de alcance, uma das variáveis do conceito ANTERIOR
ANTERIOR
de interatividade contínua. As demais variáveis são frequência (com qual frequência há interação) e significância (o quanto as
escolhas afetam os conteúdos). ANTERIOR

122
ambientes que compõem a ilha.

3.4. Elementos em cada um dos ambientes: Organização da lista das personagens e dos objetos com
suas características peculiares. As ações e características físicas e psicológicas, bem como o clima
emocional das personagens devem aqui ser acrescentados, passo que seguimos no documento de de-
sign de nosso game. Novamente, especialmente por se tratar de um game acadêmico, uma descrição
e explicação dos conceitos a serem discutidos em cada ambiente se mostrou importante, particular-
mente no momento da criação dos desenhos e dos caracteres, das animações das personagens, da
construção da engine de IA ( inteligência artificial) e do design sonoro.

3.5. Acontecimentos e fatos para o enredo: Trata-se da sequência dos eventos que se desdobram no
CAPA
jogo. Pode ser realizado em forma de uma grande lista de ações a ocorrerem em determinados locais CAPA
e momentos da narrativa e, no caso de game acadêmico, o motivo para as escolhermos (conceito a ser CAPA
trabalhado) é adequado que seja explicitado.

3.6. Frases e vocalizações para o roteiro: Fazer uma recolha de frases pertinentes à proposta do game SUMÁRIO
mostrou-se fundamental para ir dando corpo ao roteiro. Isto por três motivos: 1) não tínhamos uma SUMÁRIO
SUMÁRIO
vasta experiência no campo da criação de roteiros; 2) o roteiro em linguagem hipermídia, a nosso ver,
não necessitava seguir o tipo de narrativa exigido no texto apenas verbal, escrito ou não e, ainda; 3) o
game tinha como referência uma pesquisa acadêmica, ao mesmo tempo em que era parte integrante
FICHA
FICHAFICHA
desta, ou seja, nele discutiam-se conceitos e defendia-se uma tese. Portanto, essas frases foram sendo
colocadas na “boca” (fala) de personagens do game, representadas em ações ou mesmo materializa-
das em objetos.
PRÓXIMA
3.7. Ideias-guia: Esta informação não é fundamental para a organização do roteiro, mas pode ser útil, PRÓXIMA
PRÓXIMA
quando queremos deixar registrada alguma ideia ou pensamento do qual não queremos nos afastar
como proposta de roteiro. Ela converge com o Mote inicial enquanto proposta de organização de tra-
balho e deverá funcionar como um item a nos lembrar do foco temático de nosso jogo.
ANTERIOR
ANTERIOR
3.8. Referências: lista de endereços Web com referências a objetos ou informações importantes para ANTERIOR

123
a produção do game.

3.9. Enredo: O passo seguinte é a escrita do enredo ou história a ser contada/experienciada no jogo.
Retomamos Aristóteles para quem a tragédia seria composta por seis partes que a designam: mito,
caráter (qualidade dos personagens), elocução, pensamento, espetáculo e melopeia (melodia das fa-
las). Mas o elemento que Aristóteles diz ser o mais importante da tragédia é a trama, que pode ser
definida como o conjunto de nós que são provocados pelas ações praticadas pelos agentes. Assim,
os agentes assumem caracteres para efetuar ações, sendo as ações e o mito, para o filósofo, o mais
importante da tragédia, constituindo dessa forma, também a sua finalidade.

Esse modelo se mostrou vantajoso para ser utilizado, com as devidas alterações ao tipo específico
CAPA
de projeto, por pessoas que não tem na escrita literária um ofício. Como não contamos com nenhum CAPA
escritor profissional, construímos o roteiro tendo como referência as ideias centrais que a temática CAPA
em investigação já havia conquistado, levando-as para cenários, personagens e objetos que nos aju-
dariam a dizer da pesquisa através de uma narrativa.
SUMÁRIO
Identificamos em Hight e Novak (2008), uma proposta de documentação de Design de Games, escrita SUMÁRIO
SUMÁRIO
por Chris Taylor, na qual encontramos muitas das informações que dispomos em nossa organização
inicial do game document design (GDD). Outras informações, que não apontamos no roteiro, foram
disponibilizadas na Wiki do Projeto, prática usual entre muitos designers de games, já que facilita a
FICHA
FICHAFICHA
visibilidade dos dados do game para acesso da equipe.

Ainda a respeito da narrativa, diferentemente do relato oral de uma história, do qual espera-se uma
explicação para os acontecimentos, em um game o que se quer é viver uma história, de alguma forma PRÓXIMA
ser o responsável pelos fatos (Schuytema 2008). Como na vida, os ambientes, objetos e demais signos PRÓXIMA
PRÓXIMA
que encontramos em um game, comunicam pensamentos. No caso particular do Ilha Cabu, eles co-
municam o tema e as questões discutidas na pesquisa.

Em nosso esboço inicial de roteiro, o que buscamos foi caracterizar cada um dos ambientes da Ilha, ANTERIOR
ANTERIOR
as ilhotas, de forma a representar cada um dos conceitos principais da investigação. Desde o início ANTERIOR

124
pensamos, e mantivemos esta ideia: os nomes das ilhotas (conceitos principais da pesquisa e da Tese
associada) somente serviriam para a organização do trabalho, não se constituiriam em uma informa-
ção dada ao jogador. Se assim o fizéssemos, o game assumiria características de material didático, o
que pretendíamos evitar.

Foi assim que passamos a trabalhar no aprofundamento conceitual do roteiro, por meio de dois tipos
de documentação: as representações gráficas e as parametrizações dos eventos.

[Figura 1: Parametrização lógica e desenhos do evento Lobos]

No trabalho de roteirização estávamos acompanhados por uma imagem ampliada do mapa da Ilha
Cabu, que nos ajudava a planejar o espaço no qual cada elemento ou evento aconteceria. Essa foi a CAPA
CAPA
forma que nos pareceu mais natural para que o roteiro pudesse crescer cada vez mais. Não mais texto
CAPA
verbal escrito, mas texto na forma de Parametrizações e Desenhos.

Se entendermos narração como uma “sequência de eventos que exibe o que acontece” (Assis 2007:
SUMÁRIO
39), essa opção pode ter sido acertada em se tratando da produção de um game. Para marcar a loca- SUMÁRIO
lização no mapa de cada evento, objeto ou personagem, pensamos em utilizar miniaturas de obje- SUMÁRIO
tos23. Na falta destes, usamos como marcação, nosso velho conhecido das leituras: o adesivo Post-it.

[Figura 2: Mapa da Ilha Cabu com seus marcadores]


FICHA
FICHAFICHA
Esse trabalho de localização das personagens, objetos e eventos na imagem 2D da Ilha, serviu de in-
dicativo para os programadores situarem os eventos planejados, como vemos na ilustração 3.

[Figura 3: Mapa 3D da Ilha Cabu] PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA
Apostamos em tentar organizar o roteiro o máximo possível para nos ajudar na sequência dos traba-
lhos. Mesmo assim, ainda ficaram alguns detalhes em aberto, questões que não conseguimos decidir

23 Muitas empresas de games, quando da fase de construção do planejamento do jogo, utilizam-se de protótipos físicos ANTERIOR
ANTERIOR
para ajudar a compreender os eventos e ações e, assim, melhor dimensioná-los. Vide: FULLERTON, Tracy. Game Design
Workshop. 2 ed. Massachussets: Morgan Kaufmann, 2008. ANTERIOR

125
naquele momento e que acreditávamos que somente se resolveriam à medida em que a programação
e a animação começassem a dar “vida” à narrativa. Em nossa prática docente em curso de Jogos Di-
gitais, orientamos nossos alunos a construir protótipos físicos e digitais, como passo que antecede a
produção propriamente dita do jogo, como mais uma alternativa para evitar retrabalho de produção.
Entretanto, como escreve Gosciola (2007: 119), “o roteiro é um organismo vivo suscetível a interfe-
rências e interferente em todas as outras atividades que compõem a criação e a execução da produ-
ção, tanto de um game quanto de um filme”. Portanto, à medida que avançávamos no trabalho de
produção propriamente dito, íamos encontrando as soluções que faltavam, adaptando o planejado
frente ao que seria possível, ou seja, criando novas ideias, insistindo na permanência de certas deci-
sões anteriores e abrindo mão de outras tantas.
CAPA
CAPA
Essa experiência reafirmou a fundamental importância do planejamento prévio e como conduzi-lo
CAPA
no processo de produção.

SUMÁRIO
4. O s puzzles como pontes para a construção de conhecimento SUMÁRIO
SUMÁRIO
Assim como toda pesquisa científica inicia-se por um problema a ser resolvido, uma questão a ser
investigada - uma espécie de puzzle científico -, nosso desejo no game Ilha Cabu foi proporcionar ao
navegador momentos de desafios e oportunidades para construções cognitivas, sejam estas referen-
FICHA
FICHAFICHA
tes a narrativa em Cabu bem como ao resgate de conceitos supostamente já conhecidos.

[Figura 4: Trajeto para a realização do puzzle]

Portanto, esses desafios - puzzles - foram propostos a partir de conceitos metodológicos lógicos, PRÓXIMA
matemáticos e narrativos, sendo apresentados e refletidos pela equipe de roteiro no decorrer das
PRÓXIMA
PRÓXIMA
reuniões, mas também por meio de um mail-list do grupo.

[Figura 5: Cena do início do puzzle]


ANTERIOR
ANTERIOR
De forma geral na Ilha Cabu existem sete puzzles, sendo quatro de raciocínio lógico-matemático, ANTERIOR

126
dois com características da lógica e um de memória auditiva. Há ainda outros de complexidade me-
nor, como o dar corda em uma Caixa de Música, descobrir um Mapa da Ilha em meio a livros etc.
Tínhamos como fio norteador que a consequência de resolver um puzzle deveria vir na forma de um
maior esclarecimento a respeito da Ilha, ou seja, de um crescente desenvolvimento na produção e
construção do conhecimento narrativo e também resgatando e provocando o navegador a prosseguir
na pesquisa, na exploração dos espaços navegáveis da mesma. Em virtude disso, alguns puzzles
oferecem como recompensa a passagem para outra ilhota, em outro caso, o jogador ainda recebe um
barco que possibilita-o trafegar pelo rio entre as ilhotas. Em outro, a recompensa encontra-se em
ouvir uma música que concomitantemente abre uma passagem que conduz a um portal. Os puzzles
estão detalhados na Wiki do Projeto que foi disponibilizada à comunidade24.
CAPA
CAPA
Para construirmos um puzzle, nesse ponto, fez-se necessário compreendermos o que é um puzzle.
CAPA
Stan Isaacs (apud Scott in Fullerton 2008), de forma muito simples diz que um puzzle tem duas ca-
racterísticas: 1) é algo divertido e, 2) possui uma resposta correta.
SUMÁRIO
[Figura 6: Cena de chegada à Vila Medieval] SUMÁRIO
SUMÁRIO
De forma mais elaborada, Tonéis (2010, p.114), dirá que “um puzzle se constitui em uma estrutura
lógica organizada e aberta que encaminha um processo reflexivo que culmina na compreensão de um
dado problema que se constitui no próprio puzzle”. Continua dizendo que o caminho da investiga-
FICHA
FICHAFICHA
ção e vivência de um puzzle tem seu apogeu em uma ampliação da experiência estética associada a
ele, bem como em uma ampliação da potência de formular e resolver problemas. Assim um puzzle
oferece, segundo Tonéis, uma abertura de mundo, na qual o processo de construção e re-construção
de heurísticas, bem como o desenvolvimento do pensamento criativo encontram-se intrinsecamen- PRÓXIMA
te desenvolvidos. Portanto, é no caminho da própria produção de conhecimento e em favor de seu
PRÓXIMA
PRÓXIMA
constante crescimento e reflexão que os puzzles presentes na Ilha Cabu procuram oferecer momentos
desafiadores e instigantes aos exploradores, àqueles que se aventuram no caminho da descoberta.

ANTERIOR
ANTERIOR
24 A URL da Wiki do Projeto é: http://www.ilhacabu.net/wiki ANTERIOR

127
5. U m método de trabalho

Como um todo, nossa equipe estava envolvida na experimentação de uma atividade nunca antes
vivenciada. Portanto, tínhamos uma certa consciência de que registrar o maior número possível de
dados seria importante para a reflexão acerca do trabalho que se iniciava. O game, como já disse-
mos, fazia parte e seria a resultante de um projeto maior chamado Projeto Ilha Cabu, que abarcaria
de forma inclusiva os desenvolvimentos e reflexões a respeito do game e de seu processo de desen-
volvimento. Nesse sentido as ações do Projeto incluíam reuniões com a equipe dos participantes e a
implantação de um espaço virtual no qual todos foram incentivados a armazenar as etapas de suas
criações, na forma de um Site, Blog e Wiki. Na Wiki colocaríamos o documento de design da Ilha, no
Blog as notícias mais relevantes do processo em andamento e o Site teria a função de tornar público
CAPA
o Projeto. Além desses, é claro, o Game propriamente dito, faria parte do Projeto e foi projetado para CAPA
ser realizado o seu download e mesmo a sua execução on-line. CAPA

Além da Wiki, como local de registro das etapas realizadas, mesmo antes da primeira reunião do
Projeto, utilizamos um Caderno de Anotações, no qual foram feitos registros de reflexões e decisões SUMÁRIO
relativas à Ilha Cabu. Essa prática acompanhou todo o processo, do planejamento à sua produção e, SUMÁRIO
SUMÁRIO
mostrou-se eficaz para que não perdêssemos da memória boas ideias e reflexões. Essa experiência
repetimos na disciplina de Inovação e Criatividade do curso de Jogos Digitais das Faculdades Metro-
politanas Unidas - FMU em São Paulo, como prática que acompanha o planejamento de um game. Os
FICHA
FICHAFICHA
resultados que aparecem nos sugerem que essa prática potencializa o processo de criação, pois leva
o que era um pensamento ao plano da materialidade de uma página preenchida.

No que diz respeito à forma adotada para o trabalho das equipes, embora cada uma delas se ocu- PRÓXIMA
passe com aspectos referentes ao seu maior interesse e conhecimento, à medida do envolvimento no PRÓXIMA
PRÓXIMA
projeto, todos eram incentivados a comentar, contribuir e mesmo realizar algo de uma especificidade
que não a sua. Sendo essa uma realidade quase impossível de ocorrer em grandes produtoras de ga-
mes comerciais, teve um efeito motivacional importante sobre a equipe, inclusive na descoberta de
novas habilidades em vários participantes. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

128
5.1 Documento de Design

Desde o início, entendemos que a parametrização seria importante não somente para os desenhis-
tas, modeladores 3D e os programadores realizarem o seu trabalho, mas também como forma de
organização da documentação do processo e evolução do design do game. No caso particular da
programação, não sendo a equipe de roteiro a mesma que a da programação, parametrizar foi a for-
ma que encontramos de comunicar a esta última, como os eventos ocorreriam no game. Os eventos
da narrativa foram parametrizados para que a equipe de level design e programação pudesse ter o
maior amparo possível.

Além disso, fazendo a parametrização dos eventos/cenas estávamos gerando uma documentação e,
CAPA
assim, registrando o processo dessa produção. Desta forma, começamos a produzir um conhecimen- CAPA
to a respeito de um método possível para a produção de games25. CAPA

5.2 Método de Programação


SUMÁRIO
O trabalho de programação foi construído a partir de reuniões da equipe de dois programadores, SUMÁRIO
sendo somente um formado na área. Essa começou a reunir-se desde o início, concomitantemente SUMÁRIO
à equipe de roteiro: foram ciclos semanais para definir o escopo da programação e o que precisaria
ser implementado. As ideias eram especificadas, pensadas, implementadas via trabalho no código,
testadas em ambiente teste e apresentadas. A partir disso, novas definições eram especificadas. Esse FICHA
FICHAFICHA
ciclo de trabalho é denominado em computação de “modelo em espiral”, compreendendo: especifi-
cação, codificação, testes e entrega.

A engine utilizada foi a Unity, como já mencionamos, e a programação foi realizada em Javascript PRÓXIMA
e C#. Foi implementado um sistema de Inteligência Artificial (IA) para o sistema de locomoção e
PRÓXIMA
PRÓXIMA
comportamento das personagens. Planejado um caminho de percurso a ser executado por uma per-
sonagem, foram estabelecidos pontos (chamados de way points) nos quais possíveis modificações

ANTERIOR
ANTERIOR
25 Para visualização e leitura das parametrizações descritivas e dos fluxogramas, acesse: www.ilhacabu.net/wiki ANTERIOR

129
de comportamentos poderiam ocorrer dependendo das circunstâncias, como por exemplo, presença
do navegador ou comportamentos anteriores já realizados. Muito utilizada nos games, este tipo de
IA foi também relacionada com a ideia de máquina de estado, funcionando para ativar ou desativar
situações nas quais uma personagem ou jogador deve passar em determinados momentos do jogo,
bem como organizar os comportamentos das personagens dentro de hierarquias.

5.3 Desenvolvimento de cenários em imagem e som, design de personagens

[Figura 7: Alguns personagens da Ilha Cabu]

Todo conceito possui uma estrutura tridimensional. Partindo desta reflexão heideggeriana, nosso
grupo de pesquisa desenvolveu a ideia de que todo modelar tridimensional pode ser uma forma de CAPA
CAPA
um pensar, o que se revelaria, inclusive, na produção digital dos games. Essa ideia é designada como
CAPA
topofilosofia (Petry 2003) e relaciona a atividade de modelagem tridimensional para os games e o
pensar espacial na filosofia.
SUMÁRIO
Essa profundidade percebida nas personagens, objetos e ambientes 3D, foi o que nos fez decidir por SUMÁRIO
trabalharmos tridimensionalmente os ambientes e personagens. A percepção em 3D facilita o envol- SUMÁRIO
ver-se com o mundo digital que aparece diante de nós, por exemplo, em um game.

Foi a partir dessas ideias metodologicamente norteadoras que o trabalho de modelagem dos am-
FICHA
FICHAFICHA
bientes, objetos e personagens da Ilha Cabu foi iniciada a partir de uma lista que derivou do roteiro
do Game e de seu Mapa. A lista das tarefas de modelagem de estruturas arquitetônicas e objetos foi
distribuída aos membros da equipe formada ao todo por 9 pessoas, embora com quantidade muito
variável de produção. A metodologia, entendida como a detalhada organização das etapas e proces- PRÓXIMA
sos de consecução do trabalho, tomou por base as etapas de conceituação, esboço-desenho-planeja-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
mento e execução em software de modelagem tridimensional. Dentro do processo foram utilizados
inúmeros softwares, sendo que para a modelagem de ambientes e objetos utilizamos: Cinema 4D,
Wing3D e Hexagon. Algumas personagens foram trabalhados por diversos membros da equipe - o ANTERIOR
ANTERIOR
que entendemos e definimos como uma autoria compartilhada -, como foi o caso da personagem An- ANTERIOR

130
toine. Dentro do processo de modelagem de personagens e animação foram utilizados especialmente
os softwares: Quidam 3.1, Poser Pro, DAZ Studio e Cinema 4D.

Já a animação inicial do game Ilha Cabu foi realizada em 2D, como uma proposta de contraste de
linguagem imagética e, por um mesmo animador. Foi produzida uma cena inicial e outra final na
estética pixel art. Já a construção sonora, desde o inicio ficou a cargo do pesquisador na equipe que
possuía formação artística em música. Mesmo assim, outros integrantes colaboraram com sugestões
e mesmo indicações de contatos para a produção sonora. Além disso, tivemos a participação de um
compositor norte-americano, que nos cedeu algumas de suas músicas para uso no game; fizemos
contato com outro músico brasileiro que colaborou na produção do som da animação inicial do
game. Além disso, contatamos outros grupos de músicos para que autorizassem a inserção de seus CAPA
CAPA
vídeos musicais em uma apresentação organizada na Ilha, para compor a sequência da resolução do
CAPA
Puzzle da Jukebox. Também tivemos a participação de músicas do folclore popular, a partir de um
autor de uma matriz de pesquisa antropológica, e o trabalho de criação de letra e canto de um poeta
nordestino, que produziu o canto da personagem Trovador, que diz da Ilha na qual habita. As demais SUMÁRIO
intervenções sonoras foram trabalhadas a partir de uma prévia descrição de cada um dos ambientes, SUMÁRIO
SUMÁRIO
personagens e ações principais, e produzidas a partir da ideia de síntese computacional26.

Todas essas etapas metodológicas que incluíam em si mesmas facetas teóricas e pragmáticas discu-
tidas pela equipe de pesquisa, produziam uma energia que resultava naquilo que a fenomenologia FICHA
FICHAFICHA
hermenêutica designa como experiência estética: uma experiência que gerava um objeto conceitual-
-estético e que tinha por característica a transformação cognitiva dos próprios participantes.

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
6. C onclusão
O desafio da realização de um game acadêmico é já em si mesmo algo gratificante. Mais ainda quan-

ANTERIOR
ANTERIOR
26 Documento que guiou esse trabalho situa-se em: http://www.ilhacabu.net/wiki/images/1/16/Conceito_
Ilhotas_01.pdf ANTERIOR

131
do uma equipe de pesquisa pode efetivamente lançar-se em uma produção compartilhada, como
ocorreu com a equipe do Projeto Ilha Cabu. Passar do conceito para a forma plástica e experiencial
de um game foi um desafio que reuniu conhecimento, arte e, sem sombra de dúvida, divertimento.
O que apresentamos aqui de forma sintética, foi o relato parcial de um ano de trabalho ao redor de
conceitos, metodologias em desenvolvimento, técnicas e debates que em muito contribuíram para
uma visão mais alargada do conceito de jogo e da sua importância, não somente para a cultura, mas
fundamentalmente para os destinos da pesquisa acadêmica no Brasil.

Como nosso leitor pode perceber, acreditamos - pois vivenciamos nessa experiência de produção -
que pensar o roteiro de games implica compreender as características da linguagem no qual é reali-
zado, ou seja, compreender o que é a linguagem hipermídia. Feito isso, o roteiro para games se com- CAPA
CAPA
plexifica. Embora tenha suas bases históricas e conceituais na compreensão do roteiro na literatura
CAPA
impressa e nas aprendizagens com o teatro (Laurel 1993), o rádio, a televisão e o cinema (Manovich
2001), a hibridização dessas formas de expressão trazem consequências. Algo foi modificado quando
estes meios/formas de comunicar se encontraram trazendo suas conquistas para o ambiente compu- SUMÁRIO
tacional, questionando, inclusive, o que entendemos por roteiro. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A forma de trabalho adotada para a produção do jogo acadêmico Ilha Cabu mostrou-se adequada
dentro do contexto que tínhamos para sua realização. Foi um marco irradiador para grande parte
dos membros da equipe que, a partir dele, se engajaram de forma intensa na pesquisa e produção de FICHA
FICHAFICHA
games. A continuidade do projeto segue na discussão do conceito de game acadêmico, na verificação
da possibilidade da fusão entre entretenimento e aprendizagem, na compreensão das qualidades
narrativas dos games e sua influência nos jogadores (nosso pós-doutorado), em estudos a respeito PRÓXIMA
dos puzzles (doutorado), entre outros. PRÓXIMA
PRÓXIMA
O trabalho de produção desse jogo nos mostrou a relevância do preparo da documentação do design
de um jogo, nos ensinou na prática quais os elementos essenciais no planejamento e na produção de
um jogo, bem como pudemos experimentar uma forma de gestão da equipe de trabalho que trouxe ANTERIOR
ANTERIOR
um incremento nos processos de criação e autoria. O nosso desejo é que outras experiências desse ANTERIOR

132
tipo possam ser realizadas, nas quais as fronteiras entre as várias disciplinas possam ser abrandadas
e a formação de novas competências interdisciplinares possam ser promovidas.

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FICHAFICHA

A gradecimentos PRÓXIMA
A autora gostaria de agradecer à FAPESP pelo apoio à pesquisa cujo game foi parte integrante, bem PRÓXIMA
PRÓXIMA
como pelo apoio à pesquisa que lhe dá continuidade. Igualmente, agradece a todos os demais cole-
gas da equipe que participaram da realização do game Ilha Cabu e à Isadora Raquel Petry pelas re-
flexões sobre a Poética de Aristóteles. - Texto modificado a partir da publicação anterior em: http://
www.feevale.br/files/documentos/pdf/46281.pdf ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

134
ENSINAR DRAMATURGIA AUDIOVISUAL- NOVOS
PARADIGMAS EM TEMPOS DE DIGITAL

Luciana R odrigues Silva


Professora Titular do Departamento de Cinema da Faculdade de Comunicação e Marketing da Fundação Armando Álvares Pen-

teado (FACOM-FAAP) e presidente em exercício do FORCINE | pelu@terra.com.br

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
O presente trabalho, cuja síntese foi apresentada oportunamente na “Mesa de debate Ensino de ro-
SUMÁRIO
teiro, Experiências e Resultados” que compôs o programa do “III Seminário Histórias de Roteiristas SUMÁRIO
– Múltiplas telas”, apesar de possuir um único escopo, sobre os desafios de ensinarmos dramaturgia SUMÁRIO
cinematográfica na atualidade divide-se em duas partes a fim de facilitar a compreensão e estimular
futuros debates.
FICHA
FICHAFICHA
Na primeira parte discorreremos sobre as ações e desafios do ensino de dramaturgia cinematográfica
na instituição de ensino superior a qual me vinculo, o Departamento de Cinema da FACOM/FAAP,
com 200 horas de matérias específicas, divididas em 5 semestres: Argumento Cinematográfico, I e II,
Roteiro I, Roteiro II e Roteiro para projeto de TCC. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
No segundo momento do texto falarei acerca de alguns questionamentosque levantei na minha tese
de doutorado, sobre a dramaturgia cinematográfica e seu ensino em tempos de digital. Hasteio ques-
tões inerentes às dificuldades de diálogo entre professores, Imigrantes Digitais, com uma nova ge-
ração, Nativa Digital, que está ingressando nos bancos escolares e de um possível novo paradigma ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

135
dramatúrgico, com novos cenários e possibilidades no desenvolvimento de roteiros, com a figura do
interator/jogador tomando o lugar do espectador clássico.

Saliento a importância e a urgência do debate, principalmente em face de que em menos de dez anos
o numero de escolas de ensino superior de graduação em cinema e audiovisual cresceu 300%, exis-
tindo hoje 54 escolas, sem contar as muitas de habilitações na área de radialismo.

Palavras Chaves: Dramaturgia Cinematográfica-Nativos Digitais- Novos Paradigmas

A bstract
CAPA
The following paper, whose summary was presented at the “Screenwriting Education, Experien- CAPA
ces and Results Panel”, a part of the “III Screenwriter ’s History Symposium – Multiple Medias”, CAPA
despite having an unique scope over the challenges of teaching screenwriting in the present day,
is divided into two parts, as a way to favor its comprehension and stimulate future discussions.
SUMÁRIO
On the first part, we discussed the actions and challenges of teaching dramatic screenwri- SUMÁRIO
ting in the institution of higher education of which I’m currently part of, The Cinema De- SUMÁRIO
partment of FACOM/FAAP, with over 200 hours of specific courses, divided into 5 semes-
ters: Fundaments of Screenwriting (I and II), Screenwriting (I and II) and Screenwriting Thesis.
For the second part of the paper, I will speak about a few questions I came across with on my Doc- FICHA
FICHAFICHA
toral thesis regarding Dramatic Screenwriting and its teaching in the digital era. I raise questions
intrinsic to the difficulties of dialogues amongst professors - digital immigrants – and a new ge-
neration – digital natives – currently enrolling institutions as recent faculty members, as well as I PRÓXIMA
present you a possible original dramatic paradigm, with new scenarios and potential approaches PRÓXIMA
PRÓXIMA
on narrative development, with the figure of an interactive audience replacing the classic spectator. 
I accentuate the significance and urgency of this debate, specially taking into account the significant
300% growth on the number of Higher Education Film Programs over the last 10 years, reaching 54
institutions, not to mention many number of programs in the broadcasting field. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

136
Keywords: Dramatic Screenwriting-digital natives- new paradigm

E nsinar D ramaturgia A udiovisual - novos paradigmas em tempos de digital

O presente artigo traz algumas sínteses acerca de reflexões que venho realizando, tanto nas minhas
atividades como docente, ministrando disciplinas de Argumento Cinematográfico, quanto nas mi-
nhas experiências na área de ensino de cinema, como pesquisadora, cujo mestrado e doutorado tive-
ram esse escopo1 e como membro de diversas gestões do FORCINE- Fórum Brasileiro de Ensino de
Cinema e Audiovisual.

Ressalte-se que esse texto é extremamente sintético e não dá conta da totalidade de desafios que CAPA
CAPA
enfrentamos na atualidade, principalmente frente ao crescente interesse despertado nos jovens em
CAPA
estudar audiovisual, com os cursos da área no Brasil crescendo 300% em menos de 8 anos, porém
serve como provocação para debates futuros.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
O D epartamento de C inema da FAAP
O curso de Cinema da FAAP é uma habilitação da Comunicação Social, existindo desde o início dos
anos 70 e convive com diferente habilitação da mesma Faculdade, específica em Rádio e TV.
FICHA
FICHAFICHA
A área que podemos intitular de Dramaturgia Cinematográfica, além de ser tratada em outras disci-
plinas, por exemplo, as de Direção e as de Animação, ocupa cinco semestres com total de 200 horas
aulas ao todo, assim divididos: PRÓXIMA
• Argumento I- 1º semestre- 40 horas aulas
PRÓXIMA
PRÓXIMA

1 Ambas orientadas pela professora Doutora Maria Dora Genis Mourão na ECA/USP, a dissertação se intitulou A
Formação em Ensino em Instituições de Ensino Superior Brasileiras- Universidade Federal Fluminense, Universidade de ANTERIOR
ANTERIOR
São Paulo e Fundação Armando Álvares Penteado e a tese de doutorado O Cinema Digital e seus Impactos na Formação em
Cinema e Audiovisual. ANTERIOR

137
• Argumento II- 2º semestre- 40 horas aulas

• Roteiro I- 3º semestre- 40 horas aulas

• Roteiro II- 4º semestre- 40 horas aulas

• Roteiro para projeto de TCC- 7º semestre- 40 horas aulas.

Em Argumento I ministro as principais teorias de dramaturgia procurando sempre, na mesma aula,


desenvolvê-las com exercícios. Trabalhamos a origem da Dramaturgia, onde os alunos estudam,
leem e analisam teatro grego e, no mínimo, cinco tragédias gregas e a Poética de Aristóteles. Também
estudamos algumas passagens bíblicas, peças teatrais, estimulando a observação dos específicos de
CAPA
cada linguagem. Trabalhamos a Dramaturgia Clássica: os Atos; a construção das personagens; a lei CAPA
da Progressão Contínua; o conflito; o processo de construção de uma história cinematográfica desde CAPA
a inspiração, ideia, sinopse, escaleta, o argumento, noções dos tipos de roteiro; a jornada do Herói
(Jung, Campbell, Vogler), Syd Field, McKee e outros. Há, ainda, sensibilização com imagens, artigos
SUMÁRIO
de jornal, frases, músicas, histórias familiares para construção de um argumento para cinema. São SUMÁRIO
estudadas as Situações Dramáticas, As leis do drama em Boal, Brecht... e, ao final, realizamos análise SUMÁRIO
de filmes que podem ser enquadrados como modernos (não clássicos).

Em Argumento II meu foco é na construção e análise de argumentos cinematográficos, de forma bas-


FICHA
FICHAFICHA
tante prática. No início há exercício de construção de personagens a partir da análise dos próprios
colegas, a construção de diálogos através de anotações do cotidiano, estudo das estratégias de adap-
tação de literatura para cinema. Encerramos a primeira parte do curso com análise de cada sequencia
de um longa-metragem (três aulas). PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Depois usamos o método de oficina: os alunos apresentam o argumento adaptado de um conto bra-
sileiro para a sala e os colegas o analisam e contribuem coletivamente para seu desenvolvimento, a
cada aula.
ANTERIOR
ANTERIOR
Sobre as disciplinas de Roteiro pedi informações ao titular, professor Hugo Harris, que informou ANTERIOR

138
também manter um foco na prática, com exercícios direcionados para a criação de cenas, diálogos,
exposição de conflitos e desenvolvimento de personagens e de roteiros completos.

Em Roteiro I retrabalha ideias desenvolvidas em Argumento I e II, retomando e revisando do conte-


údo com foco na construção do roteiro.

No módulo seguinte, na disciplina de Roteiro II, pede aos estudantes que façam roteiros de média-
-metragem (entre 30 e 40 minutos), dando-lhes a possibilidade de escreverem algo mais longo, para
não ficarem apenas no curta, que foi escrito no final de Roteiro I. A ideia é aproximá-los à realização
de um longa-metragem. O desenvolvimento de roteiros de longa-metragem não seria possível dado
o tempo curto para avaliação e a importância de um feedback cuidadoso.
CAPA
CAPA
Nos 5º e 6º semestres não há disciplinas específicas de dramaturgia, mas os alunos fazem filmes, de
CAPA
diferentes formatos, nas disciplinas da área de Realização, nesse caso eles desenvolvem roteiros com
professores dessas disciplinas que são submetidos apitchingspara serem realizados.
SUMÁRIO
O professor José Roberto Sadek é responsável por “Roteiro para projeto de TCC”, no 7º semestre. SUMÁRIO
Nesse momento os alunos já estão preparando seus filmes de conclusão de curso, a serem realizados SUMÁRIO
no semestre seguinte (8º), então o professor retoma os princípios básicos que já foram ministrados e
trabalha nos roteiros que serão submetidos a uma banca formada por professores, o pitching é publi-
co e mobiliza grande número de alunos de Cinema. Pedi a Sadek para me falar sobre a sua experiên- FICHA
FICHAFICHA
cia e relatar alguns desafios que vem enfrentando.

Ele listou alguns, como: existe grande diferença entre o que os alunos querem dizer e o que efetiva-
mente vem escrito em seus roteiros. Considera que a mediação, o roteiro, não está bem assimilada PRÓXIMA
como código, não lhes sendo familiar como seria esperado.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Outra questão que lhe chama atenção é uma espécie de crise de forma, de experimentação, com gran-
de incidência de filmes metalinguísticos, que parecem já terem sido vistos antes, mas que para os
alunos se “configuram como um passo na direção da vanguarda ou da experimentação da linguagem ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

139
cinematográfica. A mim parecem apenas brincadeiras inofensivas sobre o universo que fica atrás das
câmeras, em filmes que não acresceriam nada e talvez não precisassem ser feitos.” (sic).

Um terceiro aspecto seria, para Sadek, uma crise de conteúdos, de temas, com pouca relevância nos
assuntos tratados: “escolhem  temas leves e quase fúteis ou temas extremos”(sic). Alguns filmes
não passam de referencias, e superficiais, dos seus cotidianos ou de universos e personagens que os
estudantes pouco conhecem. Existem poucas reflexões sobre situações sociais, políticas, humanas e
muita incidência de temas relativos à morte: “que talvez venha da vida morna, sem objetivos, talvez
venha da existênciade parentes em estado terminal, ou talvez venha de causas mais incomodas-
como a morte- o que parece frequente nesta geração.”  (sic).
CAPA
Essas preocupações não são exclusivas de professores da FAAP ou, mesmo, brasileiras. CAPA
CAPA

CONSIDERAÇÕES ACERCA DE ENSINAR ROTEIRO HOJE


SUMÁRIO
Essas considerações gerais que agora lhes apresento são frutos da pesquisa que conclui em 2011 e SUMÁRIO
fazem parte da na minha tese, onde investiguei escolas do Brasil e do exterior com foco na produção SUMÁRIO
de obras audiovisuais em formato de filmes.

No Brasil os cursos de graduação, bacharelado e tecnólogos, não têm formação específica para ro-
FICHA
FICHAFICHA
teiro, existindo algumas possibilidades de escolhas de disciplinas que formam como ênfase, como
na ECA/USP, assim ninguém se forma no Brasil apenas como “roteirista”, ao contrário de algumas
escolas internacionais.
PRÓXIMA
Queixas comuns que ouvi de professores de dramaturgia, locais e estrangeiros,foi acerca da nova PRÓXIMA
PRÓXIMA
geração de estudantes que “não tem o repertório necessário para desenvolvimento dramatúrgico”,
como sintetizou o professor Stanislav Semerdjiev da NationalAcademy for TheaterandFilmArts (NA-
TFA), da Bulgária, em entrevista para a autora comentando que a tecnologia digital é um problema
em termos de dramaturgia cinematográfica, dado o repertório limitado dos alunos e a recusa em ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

140
realizarem pesquisas. Todavia, pensar em mudanças é uma necessidade.

(…) porque agora nós temos que entender e ensinar nossos alunos como
eles devem escrever para jogos de computadores, para a internet ou para
programas de realidade virtual, o que é algo completamente novo, es-
pecialmente a estrutura de ramificações da ficção interativa, que esta se
desenvolvendo no tempo e no espaço, e toda a ficção hiperativa, então
normalmente eu pensaria que a mídia digital irá transformar por comple-
to toda a noção de criação de roteiro e produção de filmes (…) (SEMERD-
JIEV, apud SILVA. 2012:78)
CAPA
Creio que isso sintetiza o quena atualidade devemos lidar, com pelo menos dois novos cenários que CAPA
possuem grandes ramificações: a chegada de uma nova geração, Nativa Digital, e uma mudança de CAPA
paradigma audiovisual, com o cinema digital.

SUMÁRIO
SUMÁRIO
NATIVOS DIGITAIS SUMÁRIO
Martín-Barbero nos traz uma importante lição acerca dos debates culturais enfrentados pela escola
na contemporaneidade, o desafio “que torna visível a distância cada dia maior entre a cultura en-
sinada pelos professores e aquela aprendida pelos alunos”. (1995:19). Para esse autor a escola é o FICHA
FICHAFICHA
espaço a priori de reinvenção imaginativa e criativa do espaço público, mas há um abismo cultural
entre os docentes e discentes.

De fato ouvimos as mais diversas queixas de professores acerca das dificuldades em ensinar os jo- PRÓXIMA
vens de hoje, dizem que eles não leem, não se interessam pelas matérias, não se concentram, não têm
PRÓXIMA
PRÓXIMA
paciência para as palestras e para o aprendizado gradativo... A dificuldade de diálogo muitas vezes
reside na incompreensão de que uma nova geração vem ocupando as salas de aula, dotada de pecu-
liaridades sem par com situações anteriores e devemos nos perguntar como podemos lidar de forma ANTERIOR
ANTERIOR
mais eficaz com essa situação. ANTERIOR

141
Em razão dos impactos, inclusive psíquicos, que as tecnologias de informação, em velocidade e emer-
gência, causaram, muitos estudiosos defendem que esta geração, nascida na era digital, seria com-
pletamente diferente das anteriores na sua forma de pensar e agir. Os chamados “nativos digitais”
vêm sendo objeto de diversas teses internacionais. Atribui-se tal termo a Marc Prensky, educador e
especialista em tecnologia e educação, que também cunhou a denominação de “imigrantes digitais”.

Nativos digitais são os que nasceram em tempos de linguagem digital, dos computadores, video-
games e da internet. Eles usam instantaneamente o hipertexto: ao mesmo tempo mandam mensa-
gens em celulares, twitam, postam, baixam músicas, filmes e leem e-books. Diversos professores dos
cursos de cinema e audiovisual notam que os alunos já chegam sabendo fazer vídeo e postá-los em
canais próprios. CAPA
CAPA
Já os “imigrantes digitais” seriam todos os que conheceram o digital em outros momentos de suas CAPA
vidas e, de alguma forma, foram adotados e adotaram-no, ficando por este, no todo ou em parte,
fascinados sem, entretanto, nunca agirem da mesma forma que os nativos.
SUMÁRIO
Para Prensky, os professores, imigrantes digitais, estão enfrentando o desafio de lidar com estruturas SUMÁRIO
SUMÁRIO
cerebrais completamente diferentes das suas, mesmo já sendo Imigrantes Digitais.

Concordando ou não se esta mudança é tão de raiz, considero ser impossível ignorar que esta gera-
ção imprime uma nova realidade dentro das escolas e cria quase um paradoxo: se por um lado um FICHA
FICHAFICHA
número grande de estudantes ingressa nos cursos já tendo contato com equipamentos de captação e
edição de vídeos, o que lhes dá uma experiência original, por outro, muitos simplesmente não mais
frequentam as salas de cinema. Claro que existem exceções, mas é bastante comum ouvir de profes- PRÓXIMA
sores do Brasil e de outros países relatos preocupantes a respeito de algumas posturas de seus alu- PRÓXIMA
PRÓXIMA
nos. Por outro lado, também há queixas de estudantes relativas à dificuldade de escolas e professores
dialogarem com eles.

Para Prensky algumas das habilidades dessa geração não estão sendo bem exploradas e enumera ANTERIOR
ANTERIOR
algumas questões e peculiaridades dos nativos digitais: ANTERIOR

142
• percebem informações muito rápido;

• gostam do processo paralelo e da multitarefa;

• preferem os gráficos antes dos textos e não o contrário;

• usam o acesso aleatório (como o hipertexto);

• reagem melhor quando ligados em rede;

• prosperam na gratificação instantânea e recompensas frequentes;

• são mais afeitos aos jogos do que ao trabalho “sério”.


CAPA
CAPA
Conclui-se, assim, que o digital transformou de tal forma todas as pessoas que, dialeticamente, os
CAPA
métodos de ensino precisam ser repensados.

Se compararmos com os tempos do analógico o acesso que temos a obras audiovisuais para fins de
SUMÁRIO
estudo e pesquisa na atualidade foifacilitado com a tecnologia digital, entretanto se tornou ainda SUMÁRIO
mais complexo transmitir conhecimentos teóricos para uma grande parcela de uma geração que vive SUMÁRIO
e pensa somente o presente e que possui uma relação de fetiche com as máquinas.

Sem querer me alongar sintetizo: as escolas receberam alunos novos não só em termos etários, mas
FICHA
FICHAFICHA
também em comportamentos, singulares na forma de pensar e agir, denominados nativos digitais.
Seus professores, imigrantes digitais, viram-se diante de um impasse: como chegar até eles?

A primeira conclusão que chegamos é da necessidade de respeitar as habilidades próprias desta ge- PRÓXIMA
ração, ou seja, não ignorar seus conhecimentos e principalmente, usá-los a favor do ensino. Os estu- PRÓXIMA
PRÓXIMA
dantes não assistem filmes considerados relevantes por nós? Partamos então do que assistem, para
ligarmos com o que consideramos relevantes, afinal nosso maior legado é ensiná-los a combinar a
técnica com o repertório.
ANTERIOR
ANTERIOR
Ao ensinarmos, por exemplo, história e estéticas audiovisuais poderemos estimular a realização de ANTERIOR

143
exercícios práticos como forma de experimentação das linguagens estudadas, incorporando obras
audiovisuais contemporâneas como referências e desconstruindo seus mecanismos, organizando os
programas e currículos de forma horizontalizada, entendendo que a linguagem se reconfigura em
caminhos que ainda necessitam ser descobertos, tendo as escolas que assumir a vanguarda nessas
buscas.

MUDANÇAS DE PARADIGMAS?
Ao propormos uma discussão sobre a dramaturgia fílmica em tempos de digital, também ouvimos
muitas vozes de especialista mundiais afirmando que a forma de representar uma ação dramática
CAPA
mudou muito pouco desde os gregos antigos até os tempos atuais. Busca-se, como sempre se buscou, CAPA
contar histórias que falem à emoção e/ou à racionalidade do público. CAPA

Concordamos que os mecanismos de construção das personagens, progressão dramática, curva, a


interligação necessária das cenas e tantos outros mecanismos de identificação do público como um SUMÁRIO
espelho, a catarse, ainda são a base de toda a construção de histórias, seja para o suporte que forem, SUMÁRIO
SUMÁRIO
mas novos contornos se apresentam em tempos do digital.

Para NikPowel, professor da NationalFilmandTelevisionSchool, o que mudou foram as histórias em


si, pois a sociedade mudou como um todo, não a narrativa. (SILVA. 2012:134). Diz Doe Mayer, da FICHA
FICHAFICHA
Universityof Southern California, que a tecnologia digital permitiu que novas formas criativas fos-
sem exploradas e citou como exemplo a edição, porém pensa que não houve mudanças na essência
da narrativa, seu trabalho “é de contar histórias e tem de questionar quais são atraentes, o que tem PRÓXIMA
significado para o cineasta e quem ele deseja atingir, com quem a comunicação é estabelecida” (SIL- PRÓXIMA
PRÓXIMA
VA. 2012:134). Nesse sentido o professor de roteiro da ECA-USP, Rubens Rewald, crê que a tecnolo-
gia do digital trouxe mudanças profundas em todas as áreas, direção, montagem e fotografia, mais
do que para roteiro. (SILVA. 2012:134).
ANTERIOR
ANTERIOR
Parece haver concordâncias entre os educadores, neles me incluo, de que o cerne de contar histórias ANTERIOR

144
em tempos de digital é o mesmo do que dos tempos do analógico, todavia devemos nos propor in-
vestigar mais a fundo as novidades trazidas com o cinema digital e as possibilidades abertas para o
ensino da dramaturgia nas escolas.

As formas mais clássicas de roteiro hoje para cinema já apresentam vantagens sem precedentes pro-
piciadas pelas as novas tecnologias, como a maior liberdade para criar histórias, sem o dramaturgo
ter de se limitar a priori às possibilidades de produção, como locações, atores e personagens, dadas
as vantagens e facilidades dos efeitos, principalmente de pós-produção. O roteirista, nesse caso,
pode contar com a ajuda de outros membros da equipe, além do diretor, o fotógrafo e o editor podem
auxiliar com informações preciosas, apresentando possibilidades criativas desde o início.
CAPA
Outro aspecto: com o cinema contaminando as novas mídias, e sendo por elas contaminado, ao fa- CAPA
larmos sobre a dramaturgia hoje, é muito comum ouvirmos termos como narrativas hipermidiáticas, CAPA
roteiros para novas mídias, hiperdrama, puzzle- films, ciberbardo, nova autoria, agência, interato-
res... tantas e tantas facetas que dão conta de que estamos lidando com novas possibilidades narra-
SUMÁRIO
tivas ainda não completamente conhecidas ou exploradas. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No livro Puzzle Films: ComplexStorytelling in Contemporary Cinema, organizado por Warren Bu-
ckland, o historiador e professor Thomas Elsaesser no capítuloThe Mind Game Film, considera que
o cinema se vê diante de novas tarefas que caminham em várias direções e uma delas leva à ideia
FICHA
FICHAFICHA
de rizoma, arquivo, banco de dados, típica da era dos hipertextos no ciberespaço, que rompe com a
linearidade.

A nova geração de espectadores já não se aceita como mera observadora, voyeur de uma história PRÓXIMA
previamente determinada, ela deseja ser uma jogadora. Esta necessidade de ver o cinema como um PRÓXIMA
PRÓXIMA
índice, com pistas e links que vão além do que o texto fílmico propôs, é típica de pessoas acostuma-
das à navegação na internet, nos labirintos de hipertextos e games. É natural, então, concluirmos que
o cinema mais contemplativo poderá não ser “eficaz” na atração dos hiperativos nativos digitais.
ANTERIOR
ANTERIOR
Chama a atenção de Elsaesser que os filmes-jogos podem ser interpretados como um indicativo de ANTERIOR

145
que está em curso uma crise na relação do espectador com as técnicas clássicas do cinema como o
ponto de vista, a sutura, a onisciência do narrador, a “mosca na parede”, a mise-en-scène da profun-
didade de campo.

Então, se até os espectadores das telas únicas e tradicionais desejam um novo contrato com os filmes,
quebrando com os conjuntos de regras de realismo, transparência e linearidade, ansiando por histó-
rias flexíveis, diferenciais, adaptáveis e versáteis, o que dizer dos usuários das novas mídias?

Hoje, ensinar roteiros de audiovisual demanda pensar para além da tela clássica renascentista do
cinema, a nova vitalidade da linguagem cinematográfica está nas possibilidades de ocupação das
obras em multiplataformas, na narrativa para jogos, no mobile, na internet, nas múltiplas telas, toda-
CAPA
via, insistimos, todos estamos engatinhando em como adaptar a forma de contar histórias para além CAPA
da que, efetivamente, aprendemos ao longo de mais de um século. CAPA

As novas mídias, impulsionadas pelo digital, trouxeram outro nível de desejo do espectador de
abandonar a condição anterior, ou seja, tornar-se interator, como MURRAY (2003) destaca acerca dos SUMÁRIO
ambientes digitais, que teriam suas próprias especificidades: procedimentais, participativos, espa- SUMÁRIO
SUMÁRIO
ciais e enciclopédicos.

Quando pensamos nesse nível de interatividade, rapidamente nas nossas mentes surge a estrutura
dos games, nos quais os jogadores podem escolher diversos caminhos. A linguagem audiovisual se FICHA
FICHAFICHA
mostra em diferentes níveis, mas a mais importante é típica da dramaturgia, que é a da projeção, em
que os espectadores, como jogadores nos games, vivenciam a vida das personagens, identificando-se
e experimentando outras vidas através das estratégias das ações dramáticas. PRÓXIMA
Constantemente, somos surpreendidos e traídos pela nossa cultura baseada na linearidade da li-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
teratura e nos recursos naturalistas. Pensar hoje o roteiro significa pensar também nos recursos de
computação gráfica disponíveis, nas novas câmeras e, principalmente, nos recursos de finalização,
ter um pensamento menos setorizado do cinema. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

146
Podemos, então, dizer que era mais simples ensinar dramaturgia em tempo de narrativa linear, mas
talvez mais limitador. Hoje, nossos estudantes instigam-nos a pensar para além do que historicamen-
te elaboramos como roteiro para cinema.

É refletirmos que, no ato de ensinar argumentos e roteiros para novas mídias, devemos transmitir o
que já faz parte da gramática cinematográfica, mas o desafio agora é ir além, como forma a ampliar
suas possibilidades comunicacionais.

O dramaturgo continua a ser o responsável pela primeira elaboração das imagens e sons que com-
porão os produtos audiovisuais tal como é o filme e outras formas narrativas consolidadas. Mas, o
roteiro hipermídia pode demandar também outro trabalho do autor, como destaca o professor e pes-
CAPA
quisador Vicente Gosciola: CAPA
CAPA
• na planificação, determina o tamanho e a localização da tela das imagens, sons e
textos; na movimentação, define o movimento da câmera e o movimento das ima-
gens, sons e textos; na transição, o link determina as maneiras de realizar a passa- SUMÁRIO
gem de uma tela para outra (…) é a representação de uma estrutura de conjuntos SUMÁRIO
SUMÁRIO
de conteúdo e seus respectivos conjuntos de links e as possibilidades de trajetória
para os usuários”(GOSCIOLA in http://galaxy.intercom.org.br8180/dspace/bits-
tram/1904/17808/1/R172-1.pdf Acesso em 18/11/2011).
FICHA
FICHAFICHA
Tal como em tempos de cinema analógico filmes continuarão a ser feitos para grandes telas e
cada vez mais para as pequenas. Com a mudança do público, crescentemente mais afeito às ca-
racterísticas da hipermídia, as formas clássicas de concepção dramatúrgica utilizarão novíssimas PRÓXIMA
estratégias, aprendendo com narrativas hipermidiáticas e emprestando a elas o que a linguagem PRÓXIMA
PRÓXIMA
cinematográfica tem de mais valor. As escolas devem preparar os realizadores para que estejam a
altura destes desafios.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

147
REFERÊNCIA
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PRÓXIMA
PRÓXIMA
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Doutora Maria Dora Genis Mourão, defendida na Universidade de São Paulo, Escola de Co-
municação e Artes, em abril de 2004 ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

148
________O cinema digital e seus impactos na formação em cinema e audiovisual. Tese de doutorado orien-
tada pela professora Doutora Maria Dora Genis Mourão, defendida na Universidade de São
Paulo, Escola de Comunicação e Artes, em abril de 2012

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R1572-1.pdf (Acesso em 18/11/2011)
CAPA
CAPA
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SUMÁRIO
________. 2001 “Digital Natives, Digital Immigrants, Part II: Do They Really Think Differently?” OntheHo- SUMÁRIO
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__________ . 2001. “O Aluno Virou o Especialista” Disponível em http://revistaepoca.globo.com/Revista/
Epoca/0,,EMI153918-15224,00-
PRÓXIMA
MARC+PRENSKY+O+ALUNO+VIROU+O+ESPECIALISTA.html. (Acesso em janeiro de 2011) PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

149
GÊNEROS TELEVISIVOS: RETOMADAS HISTÓRICO-
CONCEITUAIS NA EXPLORAÇÃO DOS FORMATOS
FICCIONAIS

Marcia Perencin Tondato


PPGCOM-Escola Superior de Propaganda e Marketing | m.tondato@espm.brgenre

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
Neste artigo retomo alguns caminhos conceituais na discussão de gêneros, em especial, relacionados
SUMÁRIO
à ficção televisiva no formato telenovela. O foco na telenovela se justifica por sua capacidade de mes- SUMÁRIO
clar antigas tradições ficcionais com elementos do universo popular e influências vindas de outros SUMÁRIO
ramos da produção industrializada da cultura, buscando o prazer do telespectador, complexificando
a trama ideológica social. A telenovela, forma cultural considerada tradicional, em verdade opera
hoje com elementos visuais que remetem ao centro da condição contemporânea, marcada por contra- FICHA
FICHAFICHA
dições e misturas. Um formato que nasce no âmbito da comercialização, mas adentra os cotidianos,
transmidializando-se. Falar em preferências na televisão implica falar em tipos de programas, o que,
traduzido para linguagem teórica, significa definir gêneros televisivos. A importância dos gêneros PRÓXIMA
se dá por serem categorias a partir das quais podemos agrupar trabalhos semelhantes, que refletem PRÓXIMA
PRÓXIMA
um momento da sociedade, auxiliando a produção e leitura dos mesmos. Desenvolvendo-se a partir
da estrutura do romance-folhetim do século passado, a telenovela adquire uma identidade diferen-
ciada, que não é mais exatamente o antigo folhetim, nem o feuilleton, nem os seriados e nem mes-
mo a soap opera americana. Tal identidade, que trata o tempo e a estrutura da narrativa de forma ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

150
diferenciada, está vinculada às possibilidades da tecnologia televisiva, às condições dramatúrgicas
de seu desenvolvimento, bem como às formas de sua apropriação, quer pelas indústrias culturais,
quer pelos consumidores. Também abordo o conceito de abertura relacionado à telenovela. Apesar
das limitações impostas pela característica mercadológica e técnica da produção de uma telenovela,
esta aparece nos discursos dos produtores culturais, e também dos administradores, como uma ‘obra
aberta’.

Palavras-chave: televisão; gêneros; telenovela;recepção

A bstract CAPA
CAPA
Here I recover some concepts on genres, specially, related to television fiction in the format of tele-
CAPA
novela. The focus on telenovela is justified by its capacity of mixing fictional ancient traditions with
elements of the popular universe and influences from other branches of the production industriali-
zed culture, looking for the pleasure of the viewer, making the social ideological mesh more complex. SUMÁRIO
Telenovela, cultural form considered traditional, in reality operates today with visual elements that SUMÁRIO
SUMÁRIO
conduct us to the center of the contemporary condition, marked by contradictions and mixtures. A
format that is born in the marketing context, but enters daily lives, also converging into other media.
Talking about preferences on television implies speaking about types of programs, which, translated
FICHA
FICHAFICHA
into theoretical language, means defining television types. The importance of genres is due their
capacity to make it possible to group similar works, reflecting a moment of society, helping the pro-
duction and the reading of them. Being developed from the structure of the novel-serial publication
of last century, telenovela acquires a differentiated identity, which is not exactly the ancient serial PRÓXIMA
publication, nor the feuilleton, serial or the American soap opera. Such an identity, which treats the
PRÓXIMA
PRÓXIMA
time and the structure of narrative in a differentiated way, is linked to the possibilities of television
technology, to the drama development conditions, as well as to its appropriation forms, either by
cultural industries, or by consumers. I also talk about the concept of “openness” related to teleno- ANTERIOR
ANTERIOR
vela. In spite of the limitations imposed by the marketing and technical characteristic of telenovela ANTERIOR

151
production, it is referred by cultural producers, and also by administrators, as an ‘open work’.

Key words: television; genres; telenovela; audience

No gênero transparece a atitude de seus autores face ao mundo que é retratado. As “ideologias pro-
fissionais” atuam como componentes e campo de tensão entre as exigências do sistema produtivo,
as regras do gênero, as demandas sociais e a iniciativa e criatividade - as formas de resistência - dos
produtores, diretores, atores, cenógrafos, operadores, etc.

Aqui trago uma reflexão sobre o desenvolvimento dos gêneros ficcionais televisivos ao longo dos
CAPA
mais de 60 anos de exibição de telenovelas no Brasil. 1 Na literatura os textos são categorizados como CAPA
dramáticos, líricos ou épicos, de acordo com a manifestação do autor. No cenário midiático, os pro- CAPA
dutos são genericamente classificados como: filmes de ação, musicais, filmes de terror, comédias de
situação, shows, programas informativos, telenovelas, música pop, música erudita, reggae, rock, re-
SUMÁRIO
vista de variedades, revista de culinária, livros de ficção, de autoajuda, literários, didáticos. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Na dinâmica comercial, os programas são classificados, e vendidos, pelos gêneros - telejornal, filmes,
esportivos -, pelo reconhecimento de seus apresentadores (Programa do Ratinho, Domingo do Faus-
tão, Programa Silvo Santos, Caldeirão do Huck) ou pelos títulos consagrados (Jornal Hoje, Superci-
FICHA
FICHAFICHA
ne, Mais Você). A classificação também é importante no momento da comercialização internacional.
Como regra, as novelas são avaliadas e compradas com base em pesquisas de audiência nos países
compradores, que indicam a preferência pelos gêneros, representando “uma linguagem universal”.2
PRÓXIMA
Antes da sinopse, a storyline já permite saber que tipo de estória vai ser contada: um drama? Uma PRÓXIMA
PRÓXIMA
comédia? Uma aventura? Na telenovela a elaboração da sinopse é o ponto de partida, com impor-

1 Primeira telenovela: Sua vida me pertence (1951, TV Tupi, São Paulo). Primeira telenovela diária: 2-5499 Ocupado
(1963, TV Excelsior, Rio de Janeiro). ANTERIOR
ANTERIOR
2 A audiência obtida no país de origem tem grande influência no processo de escolha. ANTERIOR

152
tância dramática ao “apresentar e desenvolver os personagens, dando consistência a uma estória que
será contada por vários meses”, e organizacional ao determinar o número de personagens, o tipo de
cenografia e de figurino, possibilitando a primeira avaliação real dos custos envolvidos no projeto”.
(Ortiz 1991: 133, 134)

Basicamente, da sinopse para o roteiro devem ser definidas três qualidades: 1) logos – o discurso, a
organização verbal, a estrutura geral; 2) pathos – o drama humano, a ação, o conflito do dia-a-dia ge-
rando acontecimentos e 3) ethos – a ética, a moral, as implicações morais, políticas, sociais da estória,
o que se quer dizer com determinado trabalho. (Comparato 1983: 15)

CAPA
CAPA
E stabelecendo o cenário – gêneros , mídia , cultura , sociedade
CAPA
Feuer (1987: 113-116) considera que os gêneros nos meios de comunicação devem ser estudados de
forma distinta dos gêneros literários, pois “drama e lírica, tragédia e comédia abrangem trabalhos
diversos e várias culturas e séculos”, enquanto filmes (cinema) e televisão são culturalmente espe- SUMÁRIO
cíficos e limitados temporalmente. No meio televisivo, as imposições dos seis meses de um seriado SUMÁRIO
SUMÁRIO
diário implicam numa dinâmica de produção ímpar na história da comunicação, com transformações
ocorrendo em maior velocidade, reflexo “da voracidade no consumo dos produtos veiculados” que
têm uma obsolescência programada. (Balogh 2002: 93)
FICHA
FICHAFICHA
A classificação de textos em gêneros nos ajuda a discutir sobre uma estratégia de comunicação que
possibilita as negociações de leitura, que “não são mero feedback, mas autênticos pactos de leituras
sociais que tornam possível não só um enorme negócio, mas uma transformação cultural”. (Martin- PRÓXIMA
-Barbero 1995: 52-53) Na América Latina, privilegiando o lado trágico, melodramático e emocionado PRÓXIMA
PRÓXIMA
da vida, a telenovela e, antes dela, a radionovela seriam conexões dos meios de comunicação com
expressões da cultura popular. (Borelli e Mira 1996)

Aqui faço abro parênteses para falar do grupo receptor/audiência, um elemento essencial na ANTERIOR
ANTERIOR
discussão na medida em que gêneros são “como construtos ideológicos que fornecem e reforçam ANTERIOR

153
uma pré-leitura”. (Feuer 1987: 118) Os gêneros tornam-se, assim, a matriz da leitura, para o que é
preciso competência. Competência da produção para reciclar e semantizar as demandas dos públicos
que buscam entretenimento, e da recepção para ler os produtos a partir de seus cotidianos. Quanto
ao leitor, é a cultura em que está inserido, caracterizada pela cotidianidade, pela repetição, principal
atributo da programação televisiva, concretizado em uma “grade”,3 que propicia sua competência.

A base da competência de leitura é o cruzamento de gêneros e tempos. (Martín-Barbero (1997: 296)


A superposição de experiências/textos, que se transformam a cada leitura conforme as demandas,
caracteriza o palimpsesto que se configura nos gêneros televisivos como uma retomada de conhe-
cimentos, contribuindo para o “equilíbrio entre desejos dos sujeitos e aparato da indústria cultural,
possibilitando que o público receptor incorpore não o falseamento, a ilusão que distorce ou a ima- CAPA
CAPA
gem que aliena, e sim [...] o ‘prazer conhecido’”. (Lopes 2002: 50)
CAPA
“Há o hábito cotidiano de assistir às telenovelas e um cotidiano dentro da telenovela, que simula
um paralelismo entre rotinas” Motter (1996), resultando uma interação do universo ficcional com a
SUMÁRIO
realidade concreta. Ao mesmo tempo em que proporciona uma redefinição histórica do ‘familiar ’, a SUMÁRIO
novela também apresentaria os acontecimentos diários de uma forma dramática, porém sem angús- SUMÁRIO
tia, distinguindo desta forma o que é real e o que é irreal. (Mazzioti e Frey-Vor 1996)

No meio televisivo, a flexibilidade exigida no trabalho com os gêneros deve ser vista como
FICHA
FICHAFICHA
inerente ao próprio sistema produtivo, que se transforma interna e externamente, atravessado pela
intertextualidade dos outros meios e pela dinâmica da sociedade em que está inserido, atendendo às
questões ideológicas. (Wolf 1986) É a noção de gênero que permite uma produção contínua, a seriali-
dade, tão importante na cultura de massa, por meio do uso de formatos consagrados, da “reiteração PRÓXIMA
de fórmulas e esquemas” que vão sendo sedimentados pela aceitação do público. (Balogh 2002: 90)
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
3 O princípio da sequência diária que se repetem ao longo das semanas em um modelo aparentemente caótico foi uma
das grandes descobertas dos produtores para fixação de seus públicos. ANTERIOR

154
Em exibição : a telenovela brasileira - entre a permanência e a inovação

Falar em preferências na televisão é falar em tipos de programas. O gênero ficcional é privilegiado,


e dentro dele o formato “telenovela”, caracterizado pelo melodrama, que mesmo sob uma matriz
industrial e diante das possibilidades abertas pelas tecnologias digitais mantém seu potencial de
universalidade.

Partindo da conceituação utilizada pelo Obitel, 4 “os diversos programas ficcionais são submetidos
a diferentes graus de serialização, com base na frequência de ida ao ar”. Daí que um dos elementos-
-chave para discernir os diferentes formatos5 diz respeito aos diferentes tipos e graus de serialização
dos programas. Ordenados segundo um eixo ideal de serialidade, os principais formatos da ficção
televisiva são: telenovela, soap opera, minissérie, série e seriado; o unitário ou caso especial e o filme CAPA
CAPA
de TV, que não são serializados. (Lopes e OrozcoGoméz, 2009: 24)
CAPA
A telenovela brasileira pega sua energia ficcional da capacidade que teve de misturar uma matriz
universal com particularidades nacionais, sem deixar de incorporar as inovações técnicas e as ten-
SUMÁRIO
dências mais atualizadas, tanto no plano da linguagem televisiva como na temática. Nas primeiras SUMÁRIO
telenovelas predominavam os personagens folhetinescos, distantes da realidade, vivendo exagera- SUMÁRIO
damente os dramas cotidianos, transfigurando a vida pelo mistério. Personagens atuando a partir de
uma estrutura narrativa maniqueísta que mais reforçavam arquétipos do que serviam de inspiração
a comportamentos a serem seguidos na sociedade. FICHA
FICHAFICHA
No início dos anos 1960, a televisão se populariza, havendo uma reorientação da produção cultural
que se volta para a questão nacional. Caracterizando um período experimentação, há um excesso de
produções, com variações nos horários de exibição (entre 14h30 e 22h), número de capítulos (de 10 PRÓXIMA
até 200), indefinições só vão estabilizar-se “com a consolidação da indústria televisiva que se espelha
PRÓXIMA
PRÓXIMA
no Sistema Globo de Televisão”. (Ramos e Borelli 1991)

4 Observatório Ibero Americano de Ficção Televisiva. Em 2012, são 11 os países constituintes da Rede. ANTERIOR
ANTERIOR
5 O termo formato é também utilizado em http://webwritersbrasil.wordpress.com/a-arte-do-roteiro/a-arte-do-roteiro/ ANTERIOR

155
Nos anos 1970, respondendo à demanda da modernização da sociedade e às pressões governamen-
tais, a TV Globo dá um enfoque nacionalista à sua ficção das 18h, trabalhando o aspecto educativo
em: Meu pedacinho de chão, O primeiro amor, A patota.

Ainda atendendo às exigências de uma televisão “bem-comportada”, voltam as adaptações literá-


rias: Helena, Senhora, A moreninha e O noviço (TV Globo, 1975), acompanhadas das telenovelas
comédias, concentradas no horário das 19h, que cruzam e tematizam elementos das histórias-em-
-quadrinhos, do cinema e da própria televisão. Exemplos: O Cafona, Cuca legal, Feijão maravilha,
Cambalacho, Guerra dos sexos, Transas e caretas, Bebê a bordo, Brega e Chique.

Em busca do segundo lugar, as outras emissoras procuram caminhos alternativos, realizando expe-
CAPA
rimentações no horário nobre. Além de importar melodramas da Televisa (México), o SBT produz CAPA
Cortina de Vidro e Brasileiros e Brasileiras, que se revelam um fracasso.6 CAPA

No início da década de 1990 a TV Manchete experimenta ‘a telenovela cinematográfica’, com


TizukaYamasaki dirigindo Kananga do Japão. A seguir, parte para diferenciação temática-visual com SUMÁRIO
Pantanal, mesclando apelações ecológicas, erotismo, melodrama e lendas brasileiras, sem conseguir, SUMÁRIO
SUMÁRIO
porém, solidificar seu sistema de produção de telenovelas, que sofre uma interrupção após o fracas-
so de Amazônia (1992).

A Rede Globo, por sua vez, desde os anos 1970, revoluciona o conceito de pesquisa de audiência FICHA
FICHAFICHA
ao contratar Icaza que ao invés de “examinar a audiência de um programa, começou a prever esta
audiência”. (Sánchez 1988) Esta ofensiva provocou uma revisão nas estratégias mercadológicas da
Rede, que passou a sofisticar as produções nacionais, acompanhando detidamente as reações dos PRÓXIMA
telespectadores. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Transformações no mercado mundial de ficção como a verticalização7 e a inserção de tecnologia au-

6 A utilização do termo “fracasso” refere-se aos baixos índices de audiência.


ANTERIOR
ANTERIOR
7 Processo pelo qual as empresas multinacionais do audiovisual tornam-se conglomerados e passam a produzir
produtos que antes eram produzidos por empresas separadas. ANTERIOR

156
menta a concorrência pela audiência, pressionando os autores e suas equipes a considerar cada vez
mais o contato e a aprovação da audiência. (Junqueira eTondato 2009:192) Groupdiscussions orien-
tam mudanças na programação, decisões sobre a validade dos temas a serem desenvolvidos, bem
como a trajetória dos personagens, da mesma forma que eventuais escolhas de atores.

Q ue novela é essa ? M apeando subgêneros

Ao definir “gênero na televisão”, Wolf (apud Reimão 1997: 12,13) usa da expressão “contrato prag-
mático de origem cultural não normativa”. Essa “não normatização” abre a possibilidade de “desvios
dos modos aceitos e institucionalizados da ação comunicativa”, surgindo os subgêneros, a partir dos
CAPA
quais a matriz melodramática é transformada. CAPA
CAPA
Com preocupação de ser fiel à realidade, a narrativa das telenovelas realistas privilegia a ação em
grandes metrópoles ou em ambientações , representando microcosmos. Água Viva (1980), Coração
Alado (1980/81), Roque Santeiro (1985/86), Vale Tudo (1989) e Pedra sobre Pedra (1991) são exem- SUMÁRIO
plos de produções que seguem a tradição de Beto Rockfeller(TV Tupi, 1968-69). Além de Irmãos Co- SUMÁRIO
SUMÁRIO
ragem (1970-71) eBandeira 2 (1971-72), as primeiras a despertarem o interesse do público masculino.
(Ortiz 1991: 101)

O realismo-fantástico apresenta as contradições da metrópole, conflitos políticos e cultura popu- FICHA


FICHAFICHA
lar num clima fantástico. Atores e atrizes são enfocados ‘simplesmente’ como seres humanos, seus
personagens, não raro, vivendo valores sociais e valores morais em choque. Saramandaia (1976) é o
exemplo mais contundente. PRÓXIMA
As telenovelas literárias, ou ‘de época’, trazem embutida a ideia de uma recuperação do passado, das
PRÓXIMA
PRÓXIMA
raízes e tradição, com pretensão de resgate de ‘brasilidade’, do que Escrava Isaura (1975) foi paradig-
mática. Um subgênero de alto custo de produção, daí certa instabilidade de ocorrência.

Nos anos 1970, O Bofe (1972) e O Cafona (1971) trazem a tendência da telenovela comédia, que na ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

157
década de 1980 se torna mais decisiva com uma modernização visual, principalmente nas telenove-
las do horário das 19h com Guerra dos Sexos (1983), Cambalacho (1986), Sassaricando (1988) e Bebê
a Bordo (1990). Mais tarde também o horário das 20h adota a novidade em Rainha da Sucata (1990).

As telenovelas comédias variam entre o trabalho com tradições semelhantes à comicidade, o sempre
presente melodrama, o cinema americano e até mesmo o cinema brasileiro - resultando em configu-
rações que respondem ao momento social, à formação de seus autores e aos segmentos de público a
que se destinam. Quando utilizada a linha de humorismo popular de massas, farsa e paródia surgem
na construção ficcional, sempre marcada pelo apelo aos sentimentos, por meio da dramatização exa-
gerada do cotidiano e do mistério, tematizando relações amorosas conflitivas que envolvem classes
sociais diversas, bem como inevitáveis mensagens morais. Merece destaque Que Rei Sou Eu (1989), CAPA
CAPA
que numa ambientação imaginária de um ‘folhetim de capa-e-espada’ fazia referências à situação
CAPA
econômica e política brasileira da época.

Com um desdobramento da telenovela comédia, a Rede Globo produz Vamp (Calmon, 1991) buscan-
SUMÁRIO
do o público jovem por meio de uma imersão mais explícita da telenovela na cultura mundializada, SUMÁRIO
principalmente no cinema norte-americano, porém sem deixar de lado elementos remetentes à situ- SUMÁRIO
ação brasileira. Consolidando-se junto aos jovens, em meados da década de 1990, estreia Malhação,
no formato de “temporadas”, semelhante às séries americanas.8
FICHA
FICHAFICHA
As telenovelas denominadas folhetins modernizados, fortemente ancoradas na origem do formato,
combinam elementos mais visíveis do cotidiano de uma sociedade em processo de modernização,
sendo talvez Dancin’ Days (1978-1979) um dos primeiros exemplos. Comparada com a telenovela
realista, a narrativa do folhetim é mais lenta. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Outros exemplos de diversificação podem ser encontrados em Corpo Santo (TV Manchete, 1987),
de temática policial, pretendendo ser uma telenovela-reportagem revelando o submundo carioca. A
mesma TV Manchete também vai produzir Olho por Olho (1988) e Guerra do Sem Fim(1993), ambas
ANTERIOR
ANTERIOR
8 Em 2012, em exibição a 20ª temporada. ANTERIOR

158
misturando ficção e realidade, também com pretensões jornalísticas.

E a novela continua ... próximos capítulos

Considerando-se tanto a presença de tradições em uma forma cultural modernizada, na primeira


década dos anos 2000, a telenovela do formato tradicional nacional passa a operar com elementos
visuais que remetem ao centro da condição pós-moderna, refletido no excesso das imagens e sons,
da ironia, da presença constante da paródia, da colagem, da acumulação de situações.

Embora o folhetim modernizado continue a ser o gênero mais duradouro e eficiente, a mistura de
gêneros é mais frequente, com inserção expressiva da comédia e do acompanhamento da trajetória CAPA
CAPA
social do país, refletindo a busca de públicos até então mais afastados do formato. O número de tra-
CAPA
mas que se enredam nas histórias é cada vez mais numeroso, apresentando novas possibilidades de
esquemas narrativos, de linguagens, de exploração de temas. (Junqueira e Tondato 2009)
SUMÁRIO
No âmbito técnico, “decorrente do desenvolvimento da tecnologia digital, a ficção televisiva passa SUMÁRIO
a transitar em diferentes suportes, com diferentes linguagens, expandido o universo ficcional tan- SUMÁRIO
to em termos de personagens como em termos de desenvolvimento narrativo”. Mesmo não sendo
um fenômeno absolutamente novo, os meios virtuais demandam e promovem o desenvolvimento
de conteúdos que respondem à mobilidade, portabilidade e interatividade. (Lopes e OrozcoGoméz FICHA
FICHAFICHA
2010: 62,63) Do lado da audiência, observa-se “um engajamento positivo com as ficções, um reju-
venescimento das audiências e a construção de espaços de compartilhamento e fruição”. (Lopes e
OrozcoGoméz 2011: 51, 53) PRÓXIMA
No âmbito da ficção serializada da TV falamos em obra “em” aberto, expressão cunhada em semi-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
nários,9 não se tratando da “obra aberta” referente ao discurso aberto que é típico da arte, e da arte
de vanguarda em particular (Eco). Na obra ficcional televisiva, ao longo de seis meses, seu criador

ANTERIOR
ANTERIOR
9 Termo utilizado por Renata Pallotini e Maria Ap. Baccega. ANTERIOR

159
está sintonizado com as respostas do público via pesquisas, redirecionando e alterando seus plots,
os atores ajustando a importância dos personagens e aperfeiçoando as interpretações, os diretores
podendo efetuar correções durante esta ‘abertura’ propiciada pelo texto quase infinito.

A negociação da telenovela com o exterior inclui aspectos de edição, o que de certa forma reforça o
conceito de obra “em” aberto. Tal edição constitui-se da supressão de especificidades brasileiras, de
difícil compreensão no exterior, resultando na diminuição do número e duração dos capítulos, aten-
dendo a exigências dos diversos e diferentes mercados. Também a trilha sonora sofre modificações
tendo em vista o custo dos direitos autorais para divulgação internacional. A noção de obra “em”
aberto nos ajuda a pensar a cristalização de um formato permeado por múltiplos códigos, com abun-
dância de situações e personagens. CAPA
CAPA
CAPA

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CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

162
CAPA
CAPA

Capítulo 2 - Roteiro
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

e história: Análise e
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

trajetória do tempo ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR
UMA TRADUÇÃO VISUAL E SONORA DA FEIRA DO
VER-O- PESO: EM BELÉM DO PARÁ, A ESTÉTICA NA
CULTURA DE BORDAS.

Marlise Borges | C ilene N abiça


Doutoranda em Comunicação e Semiótica, pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC-SP - marlise_b@yahoo.

com.br | Mestranda em Artes, pela Universidade Federal do Pará – UFPA - cilenemututi@yahoo.com.br;

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo
SUMÁRIO
Este trabalho se reporta a alguns percursos construídos, onde os sujeitos se apropriam do espaço SUMÁRIO
cotidiano, agregando valores e interferindo em sua totalidade e suas partes, criando estética, am- SUMÁRIO
biental, cultural e socialmente às várias interfaces da realidade. Nessa diversidade, o sujeito constrói
seu trajeto emerso na relação cíclica que vai do local para o global e que o transforma de apreciador
passivo em tradutor e co-autor das tantas simbologias heterogêneas que compõem seu contexto e in- FICHA
FICHAFICHA
tercontexto. Para uma compreensão desses processos expressivos, apresentamos o conceito de “Cul-
tura de Bordas”, definido por Jerusa Pires Ferreira (1990), como a exclusão do centro, aquilo que fica
numa faixa de transição entre uns e outros, entre as culturas tradicionais reconhecidas como folclore PRÓXIMA
e a daqueles que detêm maior atualização e prestígio. Uma produção que se dirige a públicos po- PRÓXIMA
PRÓXIMA
pulares de vários tipos, inclusive àqueles das periferias urbanas. As “bordas”, que afinal podem ser
entendidas como expressões de grupos com identidades específicas, marcadas por práticas que vão
desde a influência típica do folclore, até às supostas culturas mais elaboradas, dotadas de requinte
e sofisticação. Apresentamos as culturas de bordas enquanto interferências espaciais, assentadas na ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

164
feira do Ver-O-Peso, em Belém do Pará (a maior feira ao ar livre da América Latina), onde o trajeto
estético cotidiano se manifesta através das expressividades compositivas existentes nas bancas de
camelôs, frequentes nas áreas comerciais da cidade. Os produtos populares resistem diante das tec-
nologias, das novas tendências e designs arrojados. Perfilados, estão na trajetória cotidiana como
interferências estéticas abertas a outras tantas interferências dos sujeitos envolvidos, personagens
que criam e recriam as infindáveis paisagens estéticas. É certo que existem múltiplas identidades no
espaço de expressão que estes sujeitos intervêm, se apropriam e provocam. Há os que transgridem
e agridem, os que revelam em infindáveis possibilidades as formas de linguagem e expressão, que
somente o ato humano é capaz de realizar com tamanho dinamismo. Rastrear o trajeto estético das
intervenções das culturas de bordas refaz o ato do olhar, transforma conceitos e interpretações, recria
CAPA
sons e formas, pois adentra no movimento do imaginário coletivo, onde estão as falas, as identida- CAPA
des culturais e sociais. Através da fragmentação dos acontecimentos estéticos decodificados em sons CAPA
e imagens, acompanhamos o processo rotineiro das manifestações, fruto do trabalho informal, da
sobrevivência, da ilegalidade e do fugidio. O rastreamento estético absorveu o fenômeno revelado
SUMÁRIO
através da ‘decupação’ dos impulsos sonoros e visuais e re-significou a relação espacial entre sujeito SUMÁRIO
e objeto, buscando a subjetividade presente na atmosfera híbrida que alimenta a dinâmica dos mo- SUMÁRIO
vimentos, expressos em som e imagem.

Palavras-chave: Cultura de bordas; Ver-o-Peso; Paisagens estéticas.


FICHA
FICHAFICHA

A bstract
This paper refers to some routes constructed in which the subjects appropriate the everyday space, adding PRÓXIMA
values and interfering in their entirety and parts, creating to the various interfaces of reality aesthetically,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
environmentally, culturally and socially. In that diversity, the subject constructs its path emerged in a cyclical
relationship that goes from local to global that transforms him from passive appreciator into translator and
co-author of so many heterogeneous symbols that comprise his context and inner context. For an understan- ANTERIOR
ANTERIOR
ding of these meaningful processes we introduce the concept of “Culture of Borders”, defined by Jerusa Pires ANTERIOR

165
Ferreira (1990) as the exclusion of the center, what lies in a transition zone between ones and the others, be-
tween the traditional cultures recognized as folklore and that of those who hold major upgrade and prestige. A
production that addresses various types of popular audiences, including those in urban peripheries. The “bor-
ders” that ultimately can be understood as expressions of groups with specific identities, marked by practices
ranging from the typical influence of folklore to the more elaborate alleged cultures, endowed with refinement
and sophistication. We present the cultures of edges as spatial interferences, settled in Ver-O-Peso Fair, in Be-
lém do Pará (the largest outdoor market in Latin America), where the everyday aesthetic path manifests itself
through compositional expressions existing at vendors newsstands, common in commercial areas of the city.
The popular products face technologies, emerging trends and bold designs. They are standing in line in every-
day trajectory as an aesthetic interference open to so many others interferences of the other subjects involved,
CAPA
characters that create and recreate the endless aesthetic landscapes. Certainly there are multiple identities in CAPA
the space of expression that these guys intervene, take ownership and cause. There are those who transgress CAPA
and attack, the ones who reveal in endless possibilities the language and expression forms that only human
action is able to perform with such dynamism. To trace the aesthetic path of interventions of borders cultures
SUMÁRIO
redoes the act of looking, changes concepts and interpretations, recreates sounds and forms, as it enters the mo- SUMÁRIO
vement of collective imagination, where the speeches, as well as the cultural and social identities are. Through SUMÁRIO
the fragmentation of aesthetic events decoded into sounds and pictures, we follow the routine process of mani-
festations, the result of informal work, survival, lawlessness and fleeting. The aesthetic tracking absorbed the
phenomenon revealed by the scenes cutting, audible and visual impulses and meant the spatial relationship FICHA
FICHAFICHA
between subject and object again, seeking the subjectivity present in the hybrid atmosphere that nurtures the
dynamic of movements expressed in sound and image.

Keywords: Culture of Borders; Ver-O-Peso; Aesthetic Landscapes. PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

I ntrodução
Ao transitar através das esferas da realidade, pessoas traduzem e elaboram conhecimentos vindo e ANTERIOR
ANTERIOR
indo, para que haja produção de novos conhecimentos e assim concretizando-os, em processos vivos. ANTERIOR

166
Nesses processos diversos onde as infinitas ocorrências se revelam, estão as representações sociais
como as mais variadas formas de ideias, pensamentos, linguagens individuais e coletivas, expressa-
das enquanto matéria e energia e que ocorrem ao mesmo tempo no contexto da ação coletiva através
da co-criação com o universo, provando que a realidade é essencialmente dotada de probabilidades,
onde nada é estático.

Nos percursos construídos, as pessoas em seus trajetos se apropriam do espaço cotidiano, agregando
valores e interferindo em sua totalidade e suas partes, criando estética, ambiental, cultural e social-
mente às várias interfaces da realidade. Nessa diversidade, o sujeito constrói seu trajeto emerso na
relação cíclica que vai do local para o global e que o transforma de apreciador passivo em tradutor e
co-autor das tantas simbologias heterogêneas que compõem seu contexto e intercontexto. CAPA
CAPA
Para uma compreensão desses processos expressivos, trago à tona o conceito de Cultura de Bordas. CAPA
Com “bordas”, Jerusa Pires Ferreira enfatiza a exclusão do centro:

Aquilo que fica numa faixa de transição entre uns e outros, entre as cultu- SUMÁRIO
ras tradicionais reconhecidas como folclore e a daqueles que detêm maior SUMÁRIO
SUMÁRIO
atualização e prestígio, uma produção que se dirige, por exemplo, a pú-
blicos populares de vários tipos, inclusive àqueles das periferias urbanas.
(FERREIRA, 1990, p.173).
FICHA
FICHAFICHA
As bordas, que afinal podem ser entendidas como expressões de grupos com identidades específicas,
marcadas por práticas que vão desde a influência típica do folclore, até às supostas culturas mais
elaboradas, dotadas de requinte e sofisticação. PRÓXIMA
Estou falando das culturas de bordas enquanto interferências espaciais, assentadas no centro de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Belém, onde o trajeto estético cotidiano se manifesta através das expressividades compositivas exis-
tentes nas bancas de camelôs (vendedores ambulantes), frequentes nas áreas comerciais da cidade.
Os produtos populares resistem diante das tecnologias, das novas tendências e designs arrojados. ANTERIOR
ANTERIOR
Perfilados, estão na trajetória cotidiana como interferências estéticas abertas a outras tantas interfe- ANTERIOR

167
rências dos sujeitos envolvidos, personagens que criam e recriam as infindáveis paisagens estéticas.

É certo que existem múltiplas identidades no espaço de expressão que estes sujeitos intervêm, se
apropriam e provocam. Há os que transgridem e agridem e há os que revelam, em infindáveis pos-
sibilidades, as formas de linguagem e expressão, que somente o ato humano é capaz de realizar com
tamanho dinamismo. Rastrear o trajeto estético das intervenções das culturas de bordas do “Ver-o-
-Peso, refaz o ato do olhar, transforma conceitos e interpretações, recria sons e formas, pois adentra
no movimento do imaginário coletivo, onde estão as falas e as identidades culturais e sociais”.

C onhecendo o V er -O-P eso CAPA


CAPA
A origem do nome aconteceu no século XVII, quando do início da cobrança de impostos que incidiam
CAPA
sobre gêneros entrados à capital. Os tributos, pagos na base do peso, destinavam-se à Coroa Real,
e, depois, à Câmara de Belém. Para isso, havia de funcionar uma balança: ver o peso, ou conhecer o
“vero peso”. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Paisagem cromática, banhada continuamente de sol, sem mangueiras SUMÁRIO
para abrandar a fartura de luz: sol que ali se espoja num à vontade es-
candaloso. Paisagem crua, às vezes cheirando a bicho podre (mas só um
instante porque o urubu é um bon gourmand), de onde escorre o suor da FICHA
FICHAFICHA
experiência de uma comunidade que vive a poesia rústica do cotidiano.
O paraense acrescentou ao Ver-O-Peso um vigor de formas e de valores
intensamente regionais, marcados pelo frêmito da vida e o dinamismo do PRÓXIMA
barroco. (TOCANTINS 1987: 328). PRÓXIMA
PRÓXIMA
O que importa mesmo, é que o “Ver-O-Peso” (e seu ambiente existencialista) transpira as cores da
terra e da cultura paraense. É o lugar onde encontra-se a grande interrelação de elementos mestiços,
revelando identidades e potencialidades. Sem querer, acabou transformando-se em uma cultura or- ANTERIOR
ANTERIOR
ganizacional, capaz de provocar intervenções urbanas junto à realidade. ANTERIOR

168
Na feira do Ver-O-Peso (a maior feira ao ar livre da América Latina), encontra-se a totalidade de
qualquer periferia. Vemos isso na venda de produtos que estão inseridos numa “cultura de bordas”
e que ainda resistem no mercado informal. Entre os produtos, ainda é possível encontrar coisas bi-
zarras, como a lamparina, a ratoeira, o ralo de coco, o pente, o espelho, além do feijão no “saco de
sarrapilheira” e das barracas de ervas, artesanatos, artigos de Umbanda e diversos outros produtos,
vindos de pequenas cidades do interior do Pará.

O “Ver-O-Peso” marca a cidade de Belém no espaço e no tempo. Pode-se dizer, sem medo de parecer
arrogante, que é uma paisagem única, cartão postal que reúne homens, barcos, vigilengas, canoas,
montarias, velas, mastros, frutas, objetos de barro, água suja e oleosa, urubus e lama da maré baixa.
CAPA
Quando amanhece o dia é para lá – para a feira original do “Ver-O-Peso” – que se desloca uma pe- CAPA
quena multidão, a fim de adquirir coisas como: bilhas, alguidares, esculturas populares, papagaios, CAPA
periquitos, paneiros de caranguejos, peixes e camarões enormes, farinha d’água e até mesmo jibóias
mansas para “pegar rato em forro de casa velha”. Produtos que são oferecidos pelas centenas de
SUMÁRIO
vendedores ambulantes que por ali trafegam. Quanto aos turistas, há os que afirmam: “a feira do SUMÁRIO
Ver-O-Peso é um dos lugares mais impressionantes do mundo”. SUMÁRIO

C riando espaços de B ordas FICHA


FICHAFICHA
Mercadorias de toda natureza, desde as ervas de pajelança e os amuletos, como os bichos e plantas
exóticas da Amazônia e ainda todo tipo de “preparo” que entra nesta alquimia cabocla “tão cheirosa
e agradável” podem ser encontradas nas diversas tendas de camelôs que, naturalmente, acabam por PRÓXIMA
configurar-se como intervenções urbanas, pois é a forma como os camelôs se apropriam do espaço e PRÓXIMA
PRÓXIMA
o tipo de produto que vendem, que criam uma estética visual e sonora em seu cotidiano. Uma esté-
tica, portanto, da “Cultura de Bordas”.

E como não se pode pensar na cultura fora dos ambientes culturais é que elegemos o “Ver-O-Peso” ANTERIOR
ANTERIOR
como uma paisagem cultural de Belém. Um lugar que revela todo um imaginário de comunidades ANTERIOR

169
que não fazem parte de grupos hegemônicos de poder, mas que se expressam de modo peculiar.

É a cultura que está nas bordas, ambientada nos espaços periféricos que, por sua vez, não estão em
estado permanente e sim em constante transformação. Na Cultura de Bordas estão presentes todo
tipo de produção cultural, assim como os diferentes modos de ser de diversos grupos humanos.
Segundo Jerusa Pires Ferreira (1990, pág, 173): “operando nos limites dos universos culturais contí-
guos, porém distintos, na corda-bamba para atender aos apelos desta produção popular, que se faz
em resposta direta a um tipo de público”.

Os vendedores ambulantes (os camelôs) do Ver-O-Peso, nem é preciso dizer, são como uma “espinha
de peixe” na garganta dos comerciantes formais, uma vez que atrapalham a fluência e o trânsito dos
CAPA
passantes. Quem quiser ir à feira, tem que se submeter à dinâmica do movimento que estabelecem. CAPA
CAPA
Contudo, é esta organização espacial e esta dinâmica de movimentos, assim como os códigos visuais
e sonoros para vender os produtos, que fazem deles criadores de uma intervenção urbana e uma es-
tética da cultura de bordas. Estes sujeitos, mesmo sem se dar conta, produzem e constroem processos SUMÁRIO
criativos. Vemos então a entrada da arte, enquanto elemento capaz de gerar grande espaço de criação SUMÁRIO
SUMÁRIO
e expressão. E tudo a partir das experiências diretas entre os sujeitos e seus cotidianos, dentro de
espaços de diversidade.

FICHA
FICHAFICHA
I ntervenção U rbana
É preciso que se reafirme a importância das intervenções urbanas para o livre crescimento das artes,
uma vez que transformam-se em instrumentos críticos e investigativos para a elaboração de valores PRÓXIMA
e identidades das sociedades. Segundo artistas das artes visuais, a linguagem da intervenção urbana
PRÓXIMA
PRÓXIMA
precipita-se em um espaço ampliado de reflexão para o pensamento contemporâneo, pois aparece
como uma alternativa dos circuitos oficiais, capaz de proporcionar o acesso direto e de promover um
corpo-a-corpo da obra de arte com o público, independente de mercados consumidores ou de ‘com- ANTERIOR
ANTERIOR
plexas e burocratizantes’ instituições culturais. ANTERIOR

170
Será que os camelôs do “Ver-O-Peso” realizam, então, o que podemos chamar de “arte pública”,
através de sua expressividade autenticamente popular? Sim, pois, traduzindo o cotidiano em seu ca-
ráter físico e humano, acabam adentrando na subjetividade do que há de concreto e do que se abstrai
enquanto fenômeno.

Há, de certo, uma grande diferença na paisagem urbana de Belém (na área comercial do “Ver-O-Pe-
so”) quando se trafega à noite. Neste momento, o espaço fica vazio, sem movimento, sem cor, sem
plasticidade, sem cheiro, sem som e sem ritmo. Pela manhã, porém, o barulho externo das propagan-
das, as buzinas de carro, a música que toca nos alto-falantes dos postes de rua, as vozes das pessoas
e a voz dos vendedores ambulantes, com suas estratégias de venda, marcam os códigos sonoros do
ambiente. A maneira como arrumam os peixes, as bijuterias, o artesanato, as coisas de feitiçaria (es- CAPA
CAPA
queletos de gavião para afastar quebranto, olho de boto para segurar amor), banhos e defumações
CAPA
e uma infinidade de artigos corriqueiros, compõem os códigos visuais. Um trabalho, portanto, de
arte pública – estética e intervenção urbana – que acontece ao raiar do dia para desfazer-se ao cair
da noite. SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

V ídeo - arte “A s B ordas do V er -O-P eso


Como experiência complementar deste trabalho, realizamos um audiovisual em Belém do Pará, Ama-
FICHA
FICHAFICHA
zônia, Brasil, em janeiro de 2007, que começou com uma pesquisa acadêmica, realizada pelas autoras
deste artigo: Marlise Borges e Cilene Nabiça. Trata-se de um vídeo arte, cujo objetivo era rastrear os
códigos visuais e sonoros do “Ver-O-Peso” (a maior feira ao ar livre da América Latina), assim como
identificar a produção de possíveis processos criativos, produzidos pelos camelôs (vendedores am- PRÓXIMA
bulantes), sujeitos que representam os diversos modos de ser, da cultura e do povo amazônico.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Através da fragmentação dos acontecimentos estéticos, decodificados em sons e imagens, acompa-


nhamos o processo rotineiro das manifestações, fruto do trabalho informal, da sobrevivência, da ile-
galidade e do fugidio. O rastreamento estético absorveu o fenômeno revelado através da ‘decupação’ ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

171
dos impulsos sonoros e visuais e re-significou a relação espacial entre sujeito e objeto, buscando a
subjetividade presente na atmosfera híbrida que alimenta a dinâmica dos movimentos expressos em
som e imagem.

Entre os vários produtos (de todos os tipos, tamanhos, cores e utilidades) com seus elementos estru-
turais, compositivos e construtivos, presentes no processo criativo-expressivo dos vendedores am-
bulantes (camelôs) da feira do Ver-O-Peso, capturamos e registramos coisas como: objetos em palha,
corda e miriti, pratos em cerâmica marajoara, cerâmica em argila, esteiras, potes de barro, cuias de-
coradas, banhos de cheiro e defumação e uma infinidade de produtos diversos. Registrou-se, ainda,
flagrantes de atividades cotidianas na feira, como: vendedoras descascando a macaxeira, quebrando
a castanha do Pará e moendo a folha da “maniva”, usada no preparo da “maniçoba”, prato típico de CAPA
CAPA
Belém do Pará. Como exemplo de “Intervenção Urbana”, registrou-se também uma pintura de rua
CAPA
(um painel), que retrata o carnaval paraense, tendo a feira do Ver-O-Peso ao fundo.

Para compor a trilha sonora do vídeo-arte, foram escolhidas duas canções que traduzem a cultura
SUMÁRIO
popular da região amazônica, de autoria do compositor e músico paraense Walter Freitas: Merenguê- SUMÁRIO
ra e Pixaim, com interpretação primorosa do grupo “Cálamo, de Música Antiga”, da escola de músi- SUMÁRIO
ca da Universidade Federal do Pará - EMUFPA. Também foram capturados, decodificados e editados
os sons naturais que compõem o ambiente, a paisagem sonora do lugar.
FICHA
FICHAFICHA

R eferências
FERREIRA, Jerusa Pires. Heterônimos e Cultura das Bordas: Rubens Luchetti. Revista USP, 1990). PRÓXIMA
TOCANTINS, Leandro. Santa Maria de Belém do Grão Pará. Belo Horizonte: Itatiaia Ltda., 1987.
PRÓXIMA
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A lgumas imagens do V ídeo - arte “A s B ordas do V er -O-P eso ”: ANTERIOR


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172
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Figura 01 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 02 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 03 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 04 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 05 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 06 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” ANTERIOR


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Figura 07 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 08 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” ANTERIOR


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Figura 09 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 10 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” ANTERIOR

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Figura 11 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 12 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 13 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 14 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 15 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 16 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 17 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”

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Figura 18 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” ANTERIOR


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Figura 19 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 20 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 21 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 22 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 23 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 24 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” ANTERIOR


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Figura 25 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 26 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 27 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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Figura 28 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso”


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Figura 29 - Vídeo-arte “As Bordas do Ver-O-Peso” CAPA

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187
I AM DRACULA – O VAMPIRO CAMALEÔNICO DO
CINEMA

Yuri G arcia
Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ - yurigpk@hotmail.com

CAPA
CAPA
R esumo CAPA
O presente artigo pretende analisar a relação entre literatura e cinema e suas transposições, desta-
cando mudanças interessantes entre os produtos que possam ser pertinentes à “episteme” do diálogo
SUMÁRIO
entre as assim chamadas mídias1 descritas acima. Dentre as diversas relações intermidiáticas bem SUMÁRIO
sucedidas, podemos destacar a obra “Drácula” de Bram Stoker como uma das mais emblemáticas. SUMÁRIO
O autor menciona o gramofone, telégrafo, uma máquina fotográfica Kodak e utiliza a comunicação
como um forte utensílio para os personagens manterem contato e tentarem antever e se prevenir das
investidas do vampiro, assim como auxiliar em seu rastreamento, de forma que consigam uma van- FICHA
FICHAFICHA
tagem diante de um ser mais poderoso. Embora haja uma importante presença das mídias no livro,
o cinema não é mencionado. Talvez por ser ainda muito recente, ou por algum outro motivo desco-
nhecido, ainda assim, é o próprio que se torna responsável pela grande divulgação da obra de Stoker. PRÓXIMA
Drácula é uma das obras literárias mais adaptadas para o cinema, que o fez alcançar uma fama maior PRÓXIMA
PRÓXIMA
através dos anos. Se, por um lado, nem todos leram o livro, podemos estar certos que grande parte
das pessoas ao menos, conhece sua história através de alguma de suas representações audiovisuais.

ANTERIOR
ANTERIOR
1 O conceito de mídia é problematizado por Eva Horn na introdução da revista Grey Room. ANTERIOR

188
Um interessante aspecto dessa relação entre o livro e o filme é a forma como o vampiro mudou ao
longo do tempo. Com versões que o retratam como um monstro, um sedutor europeu ou até mesmo
uma figura histórica, a imagem “draculiana” em nossa sociedade pode ser vista de diversas formas,
e frequentemente, sendo confundida com um sinônimo de vampiro ao invés de um personagem da
literatura gótica inglesa.

Palavras chave: Drácula; cinema; personagens; transposições

A bstract
The present article intends to analyze the relation among literature and cinema and it´s transposi- CAPA
CAPA
tions, detaching interesting changes in the products that can be relevant to the episteme of the dialo-
CAPA
gue between the so called media 2 described above. In the different successful intermediatic relations,
we can highlight Bram Stoker´s “Dracula” as one of the most emblematic. The author mentions the
gramophone, telegraph, a Kodak photograph machine and uses communication as a powerful uten- SUMÁRIO
sil for the characters to maintain contact and try to foresee the vampire´s onset, and also to help tra- SUMÁRIO
SUMÁRIO
cking him, so that they can have an advantage against a more powerful being. Even though there is
an important presence of medias in the book, cinema isn´t mentioned. Maybe because it was still very
recent or by any other unknown reason, even so, it becomes the biggest responsible for the marketing
FICHA
FICHAFICHA
of Stoker´s work. Dracula is one of the most adapted books to cinema, which made it gain a bigger
fame through the years. If in one side, not everybody has read the book, we can be certain that a great
part of the people at least, knows it´s story through one of its audiovisual representations.
PRÓXIMA
An interesting aspect of this relation between book and movie is the way that the vampire has chan- PRÓXIMA
PRÓXIMA
ges through time. With versions that portray him as a monster, an European seducer or even a histo-
rical figure, the “draculian” image in our society can be seen in several ways, and frequently, being
confused with a synonym of vampire instead of a character from the gothic literature.
ANTERIOR
ANTERIOR
2 The concept of media is discussed by Eva Horn in the introduction of the Grey Room magazine. ANTERIOR

189
Key words: Dracula; cinema; characters; transpositions

I ntrodução
A história da indústria cinematográfica com seu consequente impacto na sociedade e cultura pode
ser percebida em diversos campos, entre eles o da literatura, com a qual possui uma relação muito
antiga. Podemos considerá-la desde o primeiro roteiro, que é uma produção escrita e em certas for-
mas se assemelha muito a um livro; ou através das primeiras adaptações que surgiram no período
do primeiro cinema, como sugere a autora Flávia Cesarino Costa em seu livro “O Primeiro Cinema”:

A indústria do cinema precisava conseguir “respeitabilidade social”, tra- CAPA


CAPA
zendo os filmes para perto das “tradições burguesas de representação”.
CAPA
Daí, a multiplicação das tentativas de se adaptar para as telas romances,
peças de teatro e poemas famosos. (COSTA, 2005. Pg 64)
SUMÁRIO
Porém, o diálogo entre filmes e livros vem ocorrendo de maneira mais frequente. Por um lado, as SUMÁRIO
obras literárias utilizam a promoção que o cinema pode oferecer para que suas vendas aumentem SUMÁRIO
e os lucros sejam maiores. Por outro lado, passamos por um momento em que a produção cinema-
tográfica cresce de forma significante. Há uma facilidade maior em criar produções audiovisuais, a
tecnologia facilita e baixa o custo da produção. Os consumidores possuem mais acesso aos produtos FICHA
FICHAFICHA
e mais facilidade de busca. Por conseguinte, a oferta e a demanda aumentam; o que é definido pelo
autor Chris Anderson (2006) como “economia da abundância”. Com mais produtividade, torna-se
necessário mais ideias, e a busca por inspiração volta-se para adaptações de produções escritas. Brian PRÓXIMA
McFarlane (1996) considera que um dos principais fatores responsáveis pelo sucesso e durabilidade PRÓXIMA
PRÓXIMA
do cinema é o que o aproxima do livro; sua capacidade narrativa.

Esse trabalho procura analisar como esse intercâmbio se dá e os resultados provenientes do mesmo.
Dentre as diversas obras que transitam entre essas duas mídias destacamos Drácula por seu longo ANTERIOR
ANTERIOR
trajeto de adaptações e interessantes mudanças observadas em relação a diferentes fatores, inclusive ANTERIOR

190
no personagem título, foco principal neste estudo.

O livro

Em 1897, o irlandês Bram Stoker publicou a obra “Drácula”. Com o passar dos anos, a obra consegue
fazer cada vez mais parte de nossa cultura, trazendo o personagem título como a representação má-
xima do vampiro. O livro causou grande impacto na sociedade vitoriana e sua repercussão continua
em progressão através de diferentes mídias como videogames, filmes e outros.

As características encontradas no personagem título, além de seu nome e descrições históricas, nos
remetem a um personagem real. Embora nunca tenha sido comprovado de fato, parece diante de tan- CAPA
CAPA
tas coincidências muito difícil negar que a inspiração do personagem fictício Drácula seja baseado
CAPA
no personagem real, Vlad Tepes. “No livro, ele é citado várias vezes, ainda assim sem uma referência
direta, apenas menção aos seus feitos e sua história.” (VIEIRA, 2011, p.3)
SUMÁRIO
Drácula era de fato um dos nomes do príncipe valaquiano do século XV, Vlad Tepes, Vlad III ou Vlad SUMÁRIO
Berasab. Nascido em 1431, é reconhecido por sua crueldade e sadismo, destacava-se como grande SUMÁRIO
guerreiro e torturador do corpo e da mente3. Uma de suas mais célebres práticas consistia em empa-
lar4 seus inimigos e colocá-los expostos para que todos pudessem ver, de forma que ficasse conheci-
do como “O Empalador”. FICHA
FICHAFICHA
O nome Drácula possui dois possíveis significados. O primeiro seria “dragão”, devido ao fato de,
junto ao seu pai, ter pertencido à “Ordem do Dragão”. Seu pai, Vlad II, ganhou o nome de Dracul,
fazendo assim que seu filho recebesse o mesmo nome com um acréscimo de um “a” no final, que sig- PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
3 Para mais detalhes históricos sobre o personagem, ver MCNALLY; FLORESCU, 1994.
4 A empalação consistia em inserir uma estaca no ânus, umbigo ou vagina da vítima, a golpes de marreta. Neste
método, a vítima podia ser posta “sentada” sobre a estaca ou com a cabeça para baixo, de modo que a estaca penetrasse nas
entranhas da vítima e, com o peso do próprio corpo, fosse lentamente perfurando os órgãos internos. Neste caso, dependendo ANTERIOR
ANTERIOR
da resistência física do condenado e do comprimento da estaca, a agonia se estendia por horas. Disponível em: http://www.
spectrumgothic.com.br/ocultismo/inquisicao/torturas.htm Acesso em 07/08/2012. ANTERIOR

191
nificaria “filho de”. Outro possível significado seria “diabo”, que poderia ter surgido de uma inter-
pretação errônea de camponeses ao verem seu pai portando a bandeira da ordem. Embora sua fama
cruel se estendesse, é considerado até os dias atuais como um grande herói da região por ter travado
inúmeras batalhas contra o império turco-otomano.

U ma A nálise “M idiática ”
Uma leitura feita a respeito da obra pelo alemão Friederich Kittler em seu capítulo Dracula´s Lega-
cy do livro Literature/Media/Information Systems (1997) enfatiza a relação da comunicação e suas
tecnologias com a obra. “Nesse sentido, o romance de Stoker é exemplar em sua enumeração de
CAPA
novidades tecnológicas como o gramofone, o telégrafo e a máquina de escrever.” (FELINTO, 2010). CAPA
Seu texto é um amarrado de diversas mídias escritas, jornais, revistas, telegramas, telégrafos, cartas CAPA
e diários. A utilização de tais aparatos, também surge como aliado, sendo constantemente visto como
uma ferramenta que proporciona uma vantagem aos personagens em relação ao vampiro.
SUMÁRIO
Dentre as tecnologias de comunicação encontradas no texto, percebe-se a ausência de uma em par- SUMÁRIO
SUMÁRIO
ticular, o cinema. Podemos investigar sua ligação com o livro exaustivamente, porém, devido à pro-
fundidade existente nessa questão, levantaremos apenas algumas questões, como o fato de Stoker ter
publicado Drácula dois anos após da famosa exibição em Paris dos irmãos Lumière, considerada por
FICHA
FICHAFICHA
muitos como a primeira aparição do cinematógrafo5 e a forma como este se utilizou exaustivamente
do material literário para criar diferentes versões ao longo dos anos. Drácula é uma das obras mais
adaptadas para filme, o que alavancou seu sucesso como obra e divulgou o nome do personagem
título. Drácula é um produto da criatividade de um autor que torna-se parte de nossa cultura e ima- PRÓXIMA
ginário.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Através dessa ligação entre as duas mídias, podemos destacar um interessante objeto de estudo ba-
seado nas diferenças apresentadas por ambas e na influência externa sobre a criatividade artística.
ANTERIOR
ANTERIOR
5 Para mais detalhes, ver COSTA, 2005. ANTERIOR

192
D rácula no C inema
Pela comparação das formas como a figura do vampiro se transforma nas diferentes versões do Con-
de Drácula e Conde Orlock (Nosferatu, 1922), representadas nesses diferentes produtos midiáticos
(livro e filme), em diferentes contextos histórico-culturais, pretendemos desvelar certos elementos
das redes de saber característicos dos períodos abordados.

Em 1922, o diretor F.W Murnau desenvolve “Nosferatu – Uma Sinfonia do Horror”. A película é
considerada uma das maiores obras-primas do cinema expressionista alemão além de ser a primeira
adaptação conhecida do livro visto que foi feita uma primeira versão em 1921 na Hungria chama-
da “Drakula”6, porém sem nenhuma cópia existente, devido a problemas de direitos autorais com
a viúva de Stoker. Se deparando com o mesmo problema, Murnau trocou o nome dos personagens CAPA
CAPA
e o título da película, o que não impediu que grande parte das cópias do filme fosse destruída, no
CAPA
entanto algumas surgem nos Estados Unidos, fazendo com que o filme “sobreviva”.

A obra possui um caráter extremamente artístico com cenas similares a pinturas expressionistas e do
SUMÁRIO
romantismo alemão, sobretudo de Caspar David Friedrich. A imagem do vampiro é de um ser alto, SUMÁRIO
magro, pálido, com braços e dedos compridos e unhas grandes, mais parecendo um animal (um roe- SUMÁRIO
dor devido aos dentes) do que um humano. Sua monstruosidade na aparência reflete um movimento
artístico do cinema expressionista alemão. A atuação de Max Schreck rendeu boatos de que o ator
seria na realidade um vampiro, o que inspirou o filme de Elias Merhige “A Sombra de um Vampiro” FICHA
FICHAFICHA
(2000).

Em 1931, o diretor Tod Browning traz o ator Bela Lugosi como Drácula, dessa vez sem problemas de
direitos autorais, fazendo com que os personagens e o título conservem seu nome original. Conside- PRÓXIMA
rado como um clássico não só do cinema de horror, mas também de Hollywood, o filme faz com que
PRÓXIMA
PRÓXIMA
o vampiro criado pelo ator húngaro se firme como a figura do vampiro presente no nosso imaginá-
rio. Um aristocrata, trajando vestes e uma imensa capa negra, cabelos pretos penteados para traz e

ANTERIOR
ANTERIOR
6 Para mais detalhes, ver RHODES, 2010. ANTERIOR

193
um sotaque da Europa Oriental. Um personagem sedutor que ataca suas presas com precisão fatal.

O Drácula de Bela Lugosi havia sido baseado não diretamente na obra de Stoker, mas sim na peça da
Broadway adaptada do livro. Ou seja, trata-se de uma transposição de uma transposição. É interes-
sante perceber curiosidades nessa versão como a falta de sangue e o fato do vampiro não apresentar
os dentes pontiagudos famosos e característicos do cinema.

Em 1958 a produtora inglesa Hammer lança “O Vampiro da Noite”, dirigido por Terence Fisher e
protagonizado por Christopher Lee. O Drácula de Lee ficaria marcado pela primeira aparição com
dentes afiados e a boca ensanguentada. O ator foi o maior representante do personagem no cinema,
tendo o representado em dez ocasiões.
CAPA
CAPA
O diretor Werner Herzog, tenta com muito sucesso, homenagear Murnau em uma nova versão em
CAPA
1979 de “Nosferatu”, dessa vez com o subtítulo, “O Vampiro da Noite”. Com o ator Klaus Kinski, o
personagem é muito parecido com o de Murnau, possuindo as mesmas características, porém, dessa
vez mais similar a um homem. É interessante notar que há diversas mudanças na trama, dessa vez SUMÁRIO
alinhando a chegada do vampiro com a de uma série de ratos espalhando doenças pela cidade, fa- SUMÁRIO
SUMÁRIO
zendo com que a história se desenvolva de uma forma diferente da versão de Stoker.

Francis Ford Coppola cria “Drácula de Bram Stoker” em 1992. Através do título do filme, podemos
perceber um intuito de se ater mais à história original. De fato, foi considerada a versão mais “fiel” FICHA
FICHAFICHA
ao livro. Porém, buscando fazer uma ligação direta com o personagem Vlad Tepes, e talvez, tentando
dar uma “humanidade” maior ao vilão, Coppola cria uma cena de abertura mostrando o homem por
trás do vampiro e explicando como esse se transformou. O ator Gary Oldman faz um Drácula apai- PRÓXIMA
xonado, cuja maldade vem do fato de ter perdido sua esposa. Sua ida para a Inglaterra é justificada PRÓXIMA
PRÓXIMA
pela procura por Mina, mulher de Jonathan Harker e reencarnação de sua amada. A aparência do
personagem remete às imagens do príncipe valaquiano.

Mel Brooks traz uma paródia do personagem em 1995 com o ator Leslie Nielsen em “Drácula - Morto ANTERIOR
ANTERIOR
Mas Feliz”. Nota-se que o filme, embora siga um roteiro adaptando a história de Bram Stoker e uti- ANTERIOR

194
lizando alguns elementos de outras versões, estéticamente, busca uma aproximação com a versão de
Coppola. Personagens, figurinos e cenas similares, porém com um detalhe extremamente diferente, o
personagem título. Talvez pela questão da imagem Draculiana ter sido tão fortemente marcada pelo
ator Bela Lugosi, esse é quem serve de inspiração para o desenvolvimeto do vampiro.

Em 2000 o ator Gerard Butler, ainda não muito conhecido, surge como um novo Drácula no filme
“Drácula 2000” de Patrick Lussier. O filme não segue a narratva de Stoker, mesmo utilizando o nome
do personagem. Nos apresenta uma continuação não muito bem delineada da história. Entretanto
podemos destacar a figura central do vampiro nesse filme, mostrando uma perspectiva de como tal
ideia se apresenta em nosso imaginário no mundo contemporâneo. Mesmo possuíndo a figura de
Bela Lugosi como a grande representação de Drácula, a adaptação do personagem para o século XI CAPA
CAPA
destaca uma característica específica que não se encontra presente na obra original: a sensualidade
CAPA
do vampiro. Encontramos nesse caso específicamente essa busca de forma mais latente com um Drá-
cula sensual, passando a maior parte do filme com sua camisa aberta.
SUMÁRIO
É interessante notar que nenhuma das versões acima segue a descrição sugerida por Stoker em seu SUMÁRIO
livro. Embora Coppola procure se aproximar, utiliza dados históricos de outro personagem para SUMÁRIO
compor seu vampiro. Segundo Stoker,

Seu conjunto facial era do tipo fortemente – aliás muito fortemente – aqui-
FICHA
FICHAFICHA
lino, emprestando um destaque muito característico à área nasal, que era
bastante fina, em contraste com os orifícios das ventas, peculiarmente
arredondados. A testa apresentava uma sensível proeminência, e os ca-
belos, que eram muitos profusos nas demais partes visíveis de seu corpo, PRÓXIMA
mostravam-se particularmente escassos em torno das têmporas. As so-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
brancelhas formavam um traçado compacto, encobrindo virtualmente a
convergência do nariz, e deles sobressaíam muitos fios mais ásperos que
pareciam enroscar-se em sua própria profusão. A boca, até onde permane- ANTERIOR
ANTERIOR
cia visível sob a densidade do bigode, era dura e de aspecto cruel e fazia ANTERIOR

195
as vezes de uma moldura forçada a dentes estranhamente brancos e agu-
çados. Estes pareciam à espreita ao se debruçarem sobre os lábios, o que
imprimia uma selvagem rudeza e inusitada vitalidade a um homem de
sua idade. Quanto ao resto, suas orelhas eram extremamente decoradas e
de formato pontiagudo no lóbulo superior. A mandíbula era larga e forte
e a contextura da face mostrava-se firme, mas pouco encorpada. O efei-
to geral causava a impressão de uma profunda e extraordinária palidez.
(STOKER, 1998, p. 31)

Buscamos então analisar, através do livro e dos filmes descritos acima, as transformações de acordo
com os fatores influenciadores como mudança de suporte midiático, época em que foi feito, recursos CAPA
CAPA
limitadores, entre outros. Dentre as variações observadas podemos destacar a mudança do persona-
CAPA
gem central (como visto acima), tanto em aparência como em suas motivações, assim como mudan-
ças de abordagem das obras, variando entre terror e drama; clássico e pop; mainstream e cult7.
SUMÁRIO
A própria complexidade da transposição é um fator determinante do produto. O livro e o audiovi- SUMÁRIO
sual possuem gramáticas e produções de sentidos extremamente variadas, por isso há uma mudança SUMÁRIO
entre as versões. Mesmo se observarmos tais transformações apenas entre os filmes, notaremos di-
versidades, como, por exemplo, na primeira adaptação, que por se tratar de um filme mudo, recorre
a recursos diferentes para montar uma trama interessante. FICHA
FICHAFICHA
O contexto em que o produto é criado acaba sendo também um importante ponto. A visão do autor
(diretor, roteirista ou escritor) que insere na obra suas perspectivas, interpretações e críticas que são
produto de sua personalidade, sendo esta afetada por tudo a sua volta são destacadas por Chartier PRÓXIMA
(1996) ao relatar que há maneiras individuais e específicas de se apropriar de uma “obra”. Dessa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
forma, somos apresentados a um produto desenvolvido através da perspectiva de outra pessoa, que
por sua vez sofre impacto de seu meio. Temos também como um fator importante limitações como

ANTERIOR
ANTERIOR
7 O termo possui uma significação muito ampla, porém nesse estudo adotaremos a obra de JANCOVICH; et al. (2003)
como referência. ANTERIOR

196
censura e demanda. A obra sofre exigências (podendo ou não respeitá-las) que variam de acordo com
o período histórico e o local em que são criadas.

As mudanças em que cada transposição sofre, assim como suas possibilidades e limitações se mos-
tram como um interessante ponto a ser analisado. As múltiplas imagens do vampiro “camaleônico”,
Drácula, transitam na figura de monstro a sedutor com extrema facilidade.

C onsiderações finais

O personagem de Bram Stoker se mostra como uma figura emblemática através de diversas transfor-
mações ocorridas pela relação existente com o audiovisual. Suas mutações ocorrem devido a moti- CAPA
CAPA
vos variados. Temos como hipóteses fatores como capital, receptividade do público, necessidade de
CAPA
identificação com o personagem e outros sistemas culturais influenciando a imagem do vampiro ao
longo de seus mais de cem anos de existência através da obra de Stoker. Podemos encontrar traços
característicos próprios em cada versão que nos indiquem suas influências. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Há uma ligação de “Drácula” com os meios de comunicação a ser explorada, nos mostrando que em- SUMÁRIO
bora o personagem não os utilize diretamente, sua participação na trama é central. O cinema, mesmo
não sendo citado no livro, se encarrega de propagar a figura do vampiro de forma tão impactante
que passa a se tornar um produto de eterna inspiração através da criação de filmes, jogos, seriados e FICHA
FICHAFICHA
todos os meios de comunicação possíveis. “Nós consumimos o vampiro porque ele está presente no
nosso imaginário e no nosso inconsciente coletivo.”8

Bram Stoker teria utilizado uma figura verídica, cuja fama já assolava a Europa Oriental, e criou seu PRÓXIMA
personagem fictício, que se utiliza da imortalidade parcial que o vampiro possui (não podemos igno-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
rar os ritos para se matar um vampiro) para atingir uma imortalidade plena em meio a nossa cultura
através do cinema.

ANTERIOR
ANTERIOR
8 Tradução nossa de “we consume the vampire because it is present in our imaginary and in our collective
unconscious.” (ZANINI, 2007, p.16) ANTERIOR

197
“Dracula is, at least apparently, not limited to an age. By appearing immutable, he has survived this
most fickle of centuries.” (AUERBACH, 1995: 112)

R eferência
ANDERSON, Chris, 2006, A Cauda Longa. Rio de Janeiro, Elsevier Editora.

AUERBACH, Nina, 1995, Our Vampires, Ourselves. Chicago, The University of Chicago.

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ANTERIOR

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gre: UFRGS, Instituto de Letras, 2007. Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação SUMÁRIO
SUMÁRIO
em Letras), Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2007.

FICHA
F ilmografia FICHAFICHA
A Sombra de um Vampiro, 2000, Filme. Dir: E. Elias Merhige. EUA; Reino Unido; Luxemburgo: Saturn Films.

Drácula, 1931, Filme. Dir: Tod Browning. EUA: Universal Pictures. PRÓXIMA
Drácula 2000, 2000, Filme. Dir: Patrick Lussier. EUA: Dimension Films.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Drácula de Bram Stoker, 1992, Filme. Dir: Francis ford Coppola. EUA: American Zoetrope; Columbia Pictu-
res Corporation; Osiris Films.
ANTERIOR
ANTERIOR
Drácula – Morto mas Feliz, 1995, Filme. Dir: Mel Brooks. EUA; França: Gaumont. ANTERIOR

199
Nosferatu – O Vampiro da noite, 1979, Filme. Dir: Werner Herzog. Alemanha Ociental; França: Werner Her-
zog Filmproduktion; Gaumont.

Nosferatu – Uma Sinfonia do horror, 1922, Filme. Dir: F. W. Murnau. Alemanha: Jofa-Atelier Berlin-Johan-
nisthal; Prana-Film GmbH.

O Vampiro da Noite, 1958, Filme. Dir: Terence Fisher. Reino Unido: Hammer Film Productions.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

200
O NOME DA ROSA: UMA VIAGEM À IDADE MÉDIA
PELAS MÃOS DE ANNAUD

Maria do C éu M artins Monteiro M arques


Universidade Aberta – CEMRI - mariaceu@uab.pt

CAPA
CAPA
R esumo CAPA
A escolha do filme que nos propomos abordar recaiu sobre uma produção europeia que se destacou a
nível mundial, provando que o cinema europeu consegue produzir obras cinematográficas com tan-
SUMÁRIO
ta qualidade como as de Hollywood. O Nome da Rosa, do realizador francês Jean-Jacques Annaud, SUMÁRIO
baseia-se na obra homónima do escritor italiano Umberto Eco, e tem como cenário principal uma SUMÁRIO
abadia italiana do século XIV.

Num mundo globalizado dominado pela tecnologia, é difícil imaginar como era penosa a vida numa
FICHA
FICHAFICHA
época em que não havia liberdade a nível do ensino nem da aprendizagem dado que o conhecimento
se encontrava nas mãos de uma minoria que sabia ler e escrever, o clero.

O Nome da Rosa, a obra literária e o filme, conduzem-nos a uma viagem ao passado em que foram PRÓXIMA
recreados os usos e costumes numa época particularmente conturbada para a Igreja Católica em PRÓXIMA
PRÓXIMA
que se registam problemas não de ordem teológica mas política, e ocorre o Grande Cisma do Oci-
dente quando o Papa Clemente V é levado para Avignon pelo rei francês, deixando livre o trono
em Roma.
ANTERIOR
ANTERIOR
Através das imagens do filme e as palavras do livro, viajaremos pelo mundo dos nossos antepassa- ANTERIOR

201
dos para conhecer a sua/nossa cultura.

Palavras Chave: Idade Média, Conhecimento, Rosa, Passado, Biblioteca

A bstract
The choice ofthe moviethat we are going to talk about is aEuropean productionthat stood out worl-
dwide, proving that European cinemacan produceas good cinematographicqualityasHollywood. The
Name of the Rose, by French director Jean-Jacques Annaud, is based on the homonymous literary
work of the Italian writer Umberto Eco, and has as main scenario an Italian abbey of the fourteenth
century. CAPA
CAPA
In a globalized world dominated by technology, it is hard to imagine how hard life was at a time CAPA
when there was no freedom in terms of teaching or learning once knowledge was in the hands of a
minority who could read and write, the clergy.
SUMÁRIO
The Name of the Rose, the literary work and the film, take us on a journey into the past that has SUMÁRIO
SUMÁRIO
been recreated in the customs and traditions in a particularly troubled time for the Catholic Church
in which there were problems not of theological order butpolitical, and the Great Schism took place
when Pope Clement V was taken to Avignon by the French king, leaving the throne in Rome.
FICHA
FICHAFICHA
Through the close-up of the camera and the words of the book, we will try to discover our ancestors’
world to know their/our culture.

Keywords: Middle Ages, Knowledge, Rose, Past, Library PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA
“Stat rosa prístina nomine, nomina nudatenemus. (A rosa antiga perma-
nece no nome, nada temos além do nome) - O Nome da Rosa

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

202
I ntrodução
A ação decorre numa época difícil para a Igreja Católica em que a instabilidade acaba por refletir-
-se na vida aparentemente calma dos conventos,à partida orientados para a oração e contemplação,
dando lugar a lutas internas entre diferentes congregações.A Inquisição, uma instituição criada pela
igreja Católica para combater a heresia, amedrontava e destruía todos os que desafiavam as leis da
Igreja. Quando havia casos a julgar, eram criados tribunais que condenavam à morte muitos inocen-
tes sendo dissolvidos após os julgamentos. Algumas pessoas mal-intencionadas, osdelatores, denun-
ciavam os hereges como forma de manifestarem a sua fé e ganhar a simpatia dos mais poderosos.
Tanto no livro como no filme, o delator desempenha um papel importante.

O principal enigma éum livro, trata-se do II volume da Poética de Aristóteles, O Livro do Riso, pos- CAPA
CAPA
sivelmente escrito mas que nunca foi encontrado e que constitui uma ameaça ao status quo estando
CAPA
na origem de algumas mortes na abadia. A obra de Aristóteles desempenhou um papel importante,
na época,tendo conduzido a uma mudança de paradigma filosófico, que acabou por ajudar à aceita-
ção da ciência.Não há provas de que essa obra tenha existido, de facto, mas pelo menos deixou o seu SUMÁRIO
nome. As imagens de Annaud acrescentaram ao romance um novo envolvimento estético e transfor- SUMÁRIO
SUMÁRIO
maram o filme num artefacto importante para o historiador. As palavras contidas no livro podiam
corroer a mente humana e, por isso, continham veneno que matava todos os que buscavam o prazer
através da leitura. O conhecimento permitia aevolução do pensamento e levava ao questionamento
FICHA
FICHAFICHA
dos dogmas da Igreja, o que podia pôr em causa a ordem instituída pela Santa Sé.

É, neste contexto, que surgem Guilherme de Baskerville e o noviço Adso de Melk enviados a uma
abadia, cujo nome nunca surge, para investigarem acusações de heresia mas que acabam por ver-se PRÓXIMA
enredados numa teia de mortes misteriosas envolvendo membros daquela comunidade que ocorrem PRÓXIMA
PRÓXIMA
durante a sua estada naquele local.

A qualidade da adaptação cinematográfica do romance de Eco, levada a cabo por Annaud, não desvir-
tuou em nada a obra literária e realçou uma grande variedade de sinais culturais em que se destacam ANTERIOR
ANTERIOR
as expressões faciais, os gestos, o guarda-roupa, o tipo de personagens, a arquitetura, a paisagem e ANTERIOR

203
a música. Os artefactos comuns do seu cenário devem-se à expressão semiótica de uma cultura, num
período específico da história da Humanidade, a Idade Média. Ambas as obras, romance e filme, per-
tencem ao domínio da ficção, porém, os conteúdos apresentados parecem estar muito próximas da
realidade histórica, tornando-se difícil distinguir onde acaba a realidade e começa a ficção. No caso
do filme, o seu rigor foi possível devido à paixão de Annaud por Aristóteles e pela Idade Média e à
colaboração de especialistas como Georges Duby, um profundo conhecedor desse período.

A adaptação cinematográfica do romance

Apesar de o homem já contar histórias desde o tempo em que vivia nas cavernas, só a partir da
CAPA
invenção da escrita se começaram a registar acontecimentos importantes e a contar histórias trans- CAPA
mitidas, de geração em geração, por via oral. Com a invenção do cinema surgiram novas formas de CAPA
narrar que influenciaram a literatura e foram influenciadas por esta.

As relações entre literatura e cinema não são recentes e estabeleceram-se no início do século XX, SUMÁRIO
quando os realizadores recorreram, com alguma frequência, às obras literárias para lhes dar vida no SUMÁRIO
SUMÁRIO
ecrã acabando por torná-las conhecidas do grande público. Tanto a literatura como o cinema lidam
com linguagens e narrativas mas enquanto na literatura se conta uma história através das palavras,
no cinema mostra-se através da imagem, vê-se e ouve-se. A adaptação cinematográfica consiste na
FICHA
FICHAFICHA
passagem de uma história da linguagem literária para a linguagem cinematográfica. Na opinião de
James Monaco:

Novels are told by the author. We see and hear only what he wants us to PRÓXIMA
see and hear. Films are more or less told by their authors, too, but we see PRÓXIMA
PRÓXIMA
and hear a great deal more than a director necessarily intends. It would
be an absurd task for a novelist to try to describe a scene in as much de-
tail as it is conveyed in cinema. (…) The words on the page are always the
same, but the image on the screen changes continually as we redirect our ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

204
attention (Monaco 2009: 54).

A questão da transposição fílmica de textos literários levanta alguns problemas relacionados com as
trocas semióticas entre estas duas formas de expressão artística. Ao criar a realidade através dos atos
de personagens imaginárias num enredo imaginário, a narrativa ficcional proporciona uma catarse
que provoca emoção e produz momentos únicos em que as vidas imaginárias ilustram as vidas reais.
O cinema enquanto máquina de “criação de imagens” coloca alguns desafios à nossa relação com o
mundo e com o real, dado que cada imagem é única e fornece uma nova experiência de mundo visí-
vel. O cinema não fala das coisas como a literatura, mostra-as. Contrariamente ao que acontece com
a literatura em que o nosso imaginário cria a partir das palavras, as imagens que constroem as cenas
na narrativa fílmica surgem como um produto final acabado a que o espectador adere ou, simples- CAPA
CAPA
mente ignora. Segundo Juan HernándezLes isso é possível porque
CAPA
O cinema e a literatura compartem um tronco comum, o do relato, por
isso partilham este destino: contar histórias. Mas a maneira do cinema as
SUMÁRIO
contar afasta-o do relato literário, e este objectivo do cinema não degrada SUMÁRIO
de forma nenhuma a sua essência visual, a sua constructio. (Les2003: 67). SUMÁRIO

A análise de um filme efetuada por um espectador não tem em conta a aplicação de fórmulas que lhe
permitam uma crítica mais ou menos profunda. Esse trabalho baseia-se, de um modo geral, numa
FICHA
FICHAFICHA
visão sócio histórica e na experiência pessoal de cada um. Analisar um texto fílmico, à semelhança
do que acontece com um texto literário, implica a sua desconstrução, a decomposição dos elementos
que o constituem fazendo dele um objeto único. Tendo em conta a teoria defendida por François Va-
noye e Anne Goliot-Lété: PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
O espectador de cinema, contudo, não é um leitor de romance: suas refe-
rências visuais devem se apresentar de modo que o espaço e o tempo da
narrativa fílmica permaneçam claras, homogéneas e se encadeiam com
lógica. (Vanoye, Lété 2005: 27). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

205
A profundidade do trabalho tem sempre que ver com os objetivos a atingir, os olhos de quem vê e a
experiência de vida. Os espectadores nem sempre se apercebem das técnicas a que os realizadores re-
correm para tornarem os filmes “mágicos”. No caso do filme O Nome da Rosa, podemos afirmar que
o trabalho realizado por Annaud foi brilhante. Quando se tentam apreender as técnicas utilizadas
pelo realizador para influenciar a compreensão do filme, o prazer de ver um filme é muito maior. O
primeiro passo é compreender como “vemos” as imagens visuais, qual a nossa perceção em relação
ao que vemos.

Perception is what takes place in the brain. All the things observed by one
or more of your senses and comprehended by your brain have a different,
special meaning to each person. Because films are about life and are a mi- CAPA
CAPA
crocosm of the world you live in, it is important to understand how you
CAPA
are influenced by what you see and hear in a film. (Bone, Johnson 1996:
221).
SUMÁRIO
Com o aparecimento do cinema, foi necessário criar uma linguagem específica capaz de ajudar a SUMÁRIO
integrar os conhecimentos comuns a outras artes. Existe sempre a tendência para considerar que a SUMÁRIO
imagem é mais expressiva e capaz de revelar aquilo que não se consegue expressar através das pa-
lavras, mas isso não é inteiramente verdade dado que a palavra e a imagem são complementares. A
maior diferença entre a palavra e a imagem reside no facto de a imagem estimular a nossa perceção FICHA
FICHAFICHA
de uma forma direta enquanto as palavras estimulam a perceção indiretamente. De um modo geral,
não se relê um livro só por causa da história mas devido ao estilo do escritor, à linguagem que utiliza
e à forma como estimula a imaginação de quem lê. Se pensarmos, por exemplo, em Eça de Queiroz, PRÓXIMA
James Joyce ou VirginiaWoolf, o que torna as suas obras atrativas é a arte de contar. A imaginação é PRÓXIMA
PRÓXIMA
estimulada pelo que se diz mas não se vê, o real não é visível e cada leitor, de acordo com a sua ex-
periência de vida, sensibilidade e estado de espírito deixa a imaginação soltar-se sem estar condicio-
nada. De certa forma, as imagens do filme acabam por estimular menos a imaginação do espectador,
embora existam algumas exceções. O que mantém um livro atual é o facto de não esgotar o que diz ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

206
e de ser capaz de manter alguma atualidade.

Um exemplo que prova esta teoria está relacionado com a associação de símbolos que fazemos. As
letras L-I-V-R-O não significam “livro” a não ser quando as juntamos. Ao lermos uma frase ou uma
palavra temos de “traduzir” os símbolos para descobrir o seu significado. Percebemos o que lemos
facilmente devido à nossa experiência mas traduzimos os símbolos antes de entendermos o signifi-
cado das palavras. Quando olhamos para um desenho de um livro, não precisamos de traduzir os
símbolos, identificamo-lo assim que olhamos para ele.

Para analisar um filme, tanto o espectador como o estudioso do cinema têm de interpretar códigos
discursivos, uma vez que a narrativa cinematográfica enquanto produto cultural e semiótico, gera
CAPA
signos e significados ligados à história, ao individual e ao social. Se a interpretação individual está CAPA
ligada à subjetividade, quando a semiótica se torna uma interpretação social passa a haver códigos CAPA
culturais partilhados, significados e simbologias comuns, uma articulação entre a cultura do espec-
tador e a do realizador.
SUMÁRIO
Analisar um filme é também situá-lo num contexto, numa história. E, se SUMÁRIO
SUMÁRIO
considerarmos o cinema como arte, é situar o filme em uma história das
formas fílmicas. Assim como os romances, as obras pictóricas ou musi-
cais, os filmes inscrevem-se em correntes, em tendências e até em “esco-
FICHA
FICHAFICHA
las” estéticas, ou nelas se inspiram à posteriori. (Vanoye, Lété 2005: 23).

No caso do filme O Nome da Rosa, essa articulação nem sempre é fácil uma vez queAnnaud invoca
tantos factos que o espectador se sente por vezes perdido nos labirintos por ele criados. A mensagem PRÓXIMA
nem sempre é fácil de descodificar tendo em conta a época em que tudo aconteceu. PRÓXIMA
PRÓXIMA
As produções cinematográficas de carácter histórico, que contêm na sua estrutura narrativa conteú-
dos relacionados com factos históricos, são consideradas um testemunho da realidade, apesar de so-
frerem algumas alterações inerentes à linguagem da própria arte cinematográfica, considerada uma ANTERIOR
ANTERIOR
arte da ilusão que torna algo credível. Deste modo, e como refere Jorge Nóvoa, “o cinema cria uma ANTERIOR

207
outra história” 1 ficcionada que surge como a área da verosimilhança, ou seja, daquilo que sem ser
real é credível, que tenha ou possa ter acontecido, mas que tem como suporte acontecimentos reais.

Quando retiramos uma fotografia de uma gaveta, viajamos até ao passado e recordamos pessoas,
coisas e locais, que fazem parte das nossas memórias. Existe uma sensação forte sobre a “presença”
de uma imagem que a transforma em algo mais do que uma representação. De um modo geral, as
imagens do passado provocam saudade, tristeza e fazem do presente um tempo e um espaço de per-
da. No que respeita ao filme, a imagem em movimento distrai-nos dessa ideia de presença ao sermos
levados pelo desejo de conhecer o desenvolvimento da narrativa. O filme é feito de imagens que
podem ser passado ou presente como explica Gilberto Perez:
CAPA
A photograph is past; a painting is present; a play is present, a novel is CAPA
past. The tense of the film image is dual, one might say: sometimes it CAPA
acts like the present, sometimes like the past. Is light a wave or a stream
of particles? Sometimes it acts like a wave, sometimes like particles, as
SUMÁRIO
modern physics has discovered; particle and wave, matter and energy, SUMÁRIO
are not two different things but two different aspects of the same thing, SUMÁRIO
two different ways in which the thing behaves. Present and past, icon and
index, fiction and documentary, drama and narrative, these are different
aspects of the film medium, different ways in which it can behave. (Perez FICHA
FICHAFICHA
1998: 37)

PRÓXIMA
O G uião e as temáticas abordadas PRÓXIMA
PRÓXIMA
Annaud começou a ler O Nome da Rosa quando estava a trabalhar no filme O Urso, cujas gravações
se prolongaram por cerca de quatro anos, e ficou de tal forma impressionado com o romance que

ANTERIOR
ANTERIOR
1 NÓVOA, Jorge - “Apologia da Relação Cinema-História”, in Olho Da História Nº 1
http://www.oolhodahistoria.ufba.br/01apolog.html (acedido em 05/02/2011) ANTERIOR

208
tentou comprar os direitos para o adaptar ao cinema. Apesar de, na altura, os direitos já estarem nas
mãos da RAI, o realizador acabou por concretizar o seu desejo e começou a trabalhar no guião jun-
tamente com Alain Godard.

Foi necessário muito engenho e arte para que as 550 páginas do romance chegassem a um documento
final e tornassem o projeto exequível. Na primeira versão, o guião com 150 páginas apresentava as
personagens selecionadas para o filme devidamente caracterizadas mas Annaud não ficou satisfeito
com a versão apresentada. Por ter ideias bem definidas em relação ao que pretendia fazer, foram
sendo introduzidas alterações a esse guião inicial. Quando chegou à nona versão, Godard desistiu
e abandonou o projeto. A escrita de um guião não é tarefa fácil, principalmente quando se parte de
uma obra já escrita. No entanto, a criação de um guião é o primeiro passo a dar quando se pretende CAPA
CAPA
produzir um filme.
CAPA
Os produtores compreendem cada vez melhor que sem material escrito
não se pode fazer nada. O que fica bem no papel, fica bem no ecrã. Um
SUMÁRIO
bom guião não é garantia de um bom filme, mas sem um bom guião, não SUMÁRIO
existe com certeza um bom filme. (Comparato 2004: 17) SUMÁRIO

Depois de muitas alterações, Annaud ainda considerava o guião longo e queria vê-lo concluído para
poder tratar de uma exigência de Eco. A adaptação cinematográfica só seria possível se a língua
FICHA
FICHAFICHA
utilizada fosse o inglês que o escritor considerava ser o latim do século XX, por isso, era necessário
proceder à tradução do guião que foi entregue a Howard Frank.

No que respeita à imagética, ao transformar as palavras em imagens objetivas, Annaud inspirou-se PRÓXIMA
em quadros de pintores famosos como Breughel e Bosch para criar algumas das suas personagens. A PRÓXIMA
PRÓXIMA
caracterização foi de tal forma bem conseguida que os frades e o povo que vivia nas imediações da
abadia parecem ter saído das telas dos pintores referidos e ter adquirido vida. Esse trabalho só foi
possível devido à equipa de especialistas de que o realizador se rodeou.
ANTERIOR
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209
Figura 1 - A Nau dos Loucos, deHyeronimusBosch e Salvatorepersonagem de O Nome da Rosa(filme)
CAPA
SegundoAnnaud, um dos principais atrativos do romance consiste na mistura de estilos. Por um CAPA
lado, existe uma investigação criminal bastante semelhante à de Sherlock Holmes, criada por Conan- CAPA
Doyle, com a particularidade de ser passada na Idade Média. Por outro, surge uma crítica relativa à
divulgação do conhecimento, na época, apenas ao alcance de uma minoria. A história contada pelo
SUMÁRIO
filme não podia deixar de contemplar estes aspetos que ressaltam aos olhos do espectador que acaba SUMÁRIO
por estabelecer algumas associações entre o investigador cujo apelido é Baskerville, o nome do cão SUMÁRIO
que surge no conto de Doyle, e o nome do noviço Adso cuja pronúncia se assemelha ao nome do in-
vestigador Watson e a quem Baskerville, durante o filme, diz “Elementar caro Adso”.
FICHA
FICHAFICHA
Face à diversidade de ideias e imagens que Annaud pretendia integrar no filme, tornava-se difícil
finalizar o guião e como as duas propostas apresentadas por Brach não o satisfizeram, recorreu ao
guionista inglês Andrew Birkin que lhe apresentou mais três versões. O resultado final continuava
a não satisfazer o realizador e antes de começar as filmagens foram introduzidas novas alterações. PRÓXIMA
Quando o trabalho teve início o guião já ia na décima sétima versão, o que nos leva a crer que o reali-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
zador buscava a perfeição para o seu trabalho o que, em nossa opinião, conseguiu dada a qualidade
atingida.

Um dos problemas com que os guionistas contratados certamente tiveram de se confrontar foi a di- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

210
versidade de temáticas passíveis de serem abordadas no filme e a forma como podiam ser explora-
das. Referimos apenas algumas das mais importantes como APoética de Aristóteles e a suspeita do
desaparecimento do Livro II, diretamente relacionado com os crimes cometidos na abadia. Consta
que existiam dois livros: o Livro I que abordava a tragédia e o Livro II, a existir, trataria da temática
relativa ao riso considerado heresia pela igreja medieval. A questão dos universais colocou em causa
os dogmas da igreja e colocou mentes brilhantes em debate durante a Idade Média. O nominalismo,
uma das correntes da filosofia que não admite a existência do universal, é também evocado no filme
através da personagem principal Guilherme de Baskerville(Mestre Ockham), que pretende chegar ao
conhecimento da verdade sem qualquer interferência exterior. A “navalha de Ockham”, um conceito
revolucionário para a época, atribuída a este franciscano, baseava-se na ideia de que a explicação
CAPA
mais simples é geralmente a mais correta. Os investigadores criminais ainda utilizam este princípio. CAPA
CAPA
O início do romance e do filme são distintos acabando por chegar à mesma personagem de formas
diferentes. Enquanto o romance através do narrador homodiegético nos remete para a reprodução de
um manuscrito do século XIV, da autoria de um abade Adso de Melk, o realizador optou por apresen- SUMÁRIO
tar o ecrã negro sem qualquer imagem ouvindo-se apenas a voz de um homem que, posteriormente, SUMÁRIO
SUMÁRIO
percebemos tratar-se de um velho frade, Adso de Melk, que recorda uma viagem realizada enquanto
noviço a uma abadia no norte de Itália na companhia do seu mestre, William de Baskerville.

Paralelamente aosimprevistos vividos por Baskerville e pelo seu ajudante, que o acompanha, o es- FICHA
FICHAFICHA
pectador é brindado com imagens que evocam a realidade histórica, filosófica e religiosa da Idade
Média. Este frade antecipa, de certa forma, a imagem do intelectual renascentista, mais virado para
o homem e para a ciência, talvez por isso, descubra a verdade relativamente aos crimes cometidos na PRÓXIMA
abadia e que constituíam um enigma. O filme recria as práticas da igreja, nessa época, na qual Deus e PRÓXIMA
PRÓXIMA
o poder secular se convertem num jogo perigoso, constituindo uma fonte de informação importante
para todos os que se interessam pela época.

Annaud apresenta-nos a sua leitura do romance, existindo aspetos que focou de uma forma exem- ANTERIOR
ANTERIOR
plar, ultrapassando talvez as expectativas do espectador, como a relação entre as sete trombetas do ANTERIOR

211
apocalipse e as mortes que surgem em sequência. Trata-se de uma narrativa em que se mistura aven-
tura, mistério e história e que contém os ingredientes que tornam possível a realização e o visiona-
mento da obra cinematográfica enquanto tal. Marc Ferro considera ser possível

Analyser dans le film aussi bien le récit, le décor, l’écriture, les relations
du film avec ce qui n’est pas le film: l’auteur, la production, le public,
la critique, le régime. On peut espérer ainsi comprendre non seulement
l’ouvre mais aussi la réalité qu’elle figure. (Ferro 2003: 41-2)

Em resposta aos sinais e códigos, o público experiencia um filme que lhe proporciona sentimentos e
interpretações que ajudam a completar a obra cinematográfica. Isto tende a ocorrer se o significado
CAPA
cinematográfico é transmitido pela ação dramatizada ou por uma metáfora, ou através da interpre- CAPA
tação e expressão de estados de alma ou estados de memória que relacionam o tempo passado com CAPA
a experiência do presente. O cineasta engenhoso sabe tirar partido de uma panóplia de recursos que
tem ao seu dispor e que o ajudam a veicular a sua mensagem, muitas vezes, de forma indireta ou
SUMÁRIO
velada, sobretudo, através de símbolos visuais e metáforas usados durante a ação de um filme de SUMÁRIO
modo a intensificar o seu significado. SUMÁRIO

Em termos de cenários, O Nome da Rosa foi a produção europeia mais cara depois do filme Cleó-
patra. Para que o seu trabalho fosse um sucesso, Annaud recorreu à ajuda de um especialista em
FICHA
FICHAFICHA
história que coordenou uma equipa de investigadores que trabalharam em diferentes áreas para
que tudo fosse o mais fiel possível à realidade. Neste caso houve uma grande preocupação com a
recriação da época em que tudo aconteceu - a Idade Média. Teve também particular cuidado com
a escolha dos atores, dos adereços e dos figurinos. No que respeita aos trajes, não podemos deixar PRÓXIMA
de salientar o cuidado que houve relativamente aos hábitos das três ordens religiosas representa-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
das: franciscanos, beneditinos e dominicanos, aos soldados, aos membros da Inquisição, à comitiva
papal e até ao povo.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

212
C onclusão
A multiplicidade de temáticas abordadas no romance e, posteriormente no filme, fazem-nos pensar
nos caminhos seguidos pela civilização ocidental em áreas como a história, a filosofia, as ideologias,
a religião, a ciência e as artes. Embora os grandes temas estejam centrados nas questões religiosas
medievais, com o desenrolar da ação os princípios são postos em causa, retirados do espaço divino
e redimensionados à medida do homem.

O saber fazer do cineasta, aliado à criatividade, acuidade e sensibilidade fazem com que este filme
funcione como um arquivo vivo das formas do passado e constitua um testemunho, um espaço de
memória, uma chave, quer para o realizador quer para o espectador, que abre os sentidos escondidos
e enriquece a relação de ambos com um determinado momento histórico. CAPA
CAPA
Depois da leitura do romance e do visionamento do filme, chegamos à conclusão que os meios uti- CAPA
lizados pelos dois autores nos colocam frente a realidades descritas pelos historiadores: o obscuran-
tismo na Idade Média e a dificuldade na difusão do conhecimento. Os mosteiros constituíam redutos
SUMÁRIO
do saber que permanecia nas mãos de uma minoria culta que tentava, a todo o custo, preservaro SUMÁRIO
conhecimento que se podia tornar perigoso. Não sabemos se os acontecimentos decorreram exata- SUMÁRIO
mente assim, mas pensamos que esta é uma das versões possíveis e que vale a pena conhecer.

Baskerville é o prenúncio do homem novo ligado ao conhecimento e à ciência enquanto Jorge de


FICHA
FICHAFICHA
Burgos significa a continuação do controle da cultura por parte da Igreja. Estas duas personagens
representam o confronto entre o passado e o futuro.

William de Baskerville antecipa, de certa forma, a imagem do intelectual renascentista, mais virado PRÓXIMA
para o homem e para a ciência, talvez por isso, descubra a verdade relativamente aos crimes come- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tidos na abadia e que constituíam um mistério. O filme recria as práticas da igreja, nessa época, na
qual Deus e o poder secular se convertem num jogo perigoso, constituindo uma fonte de informação
importante para todos os que se interessam pela época.
ANTERIOR
ANTERIOR
O discurso final do franciscano detetive revela alguma ironia e um sentimento de insucesso que é ANTERIOR

213
relativo. Apesardo fogo ter destruído o mosteiro e a sua biblioteca onde se guardavam verdadeiros
tesouros, Baskerville consegue resgatar das chamas alguns livros raros que leva consigo. O fogo
pode significar, neste caso, a purificação daquele local e o renascimento a partir das cinzas. William
de Baskerville continuou a sua luta contra o obscurantismo em prol do conhecimento. Esta é, talvez,
uma das mensagens mais importantes destas duas obras de arte: a luta contra a ignorância.

R eferência
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PRÓXIMA
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PRÓXIMA
F ilmografia
The Name of the Rose, 2004, DVD.New York: Warner Bros.

ANTERIOR
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214
MEMÓRIA E IMAGINAÇÃO NO TRATAMENTO
CINEMATOGRÁFICO DA HISTÓRIA - ESTRATÉGIAS
NARRATIVAS NO CINEMA DE UGO GIORGETTI

Luciano Vaz F erreira R amos


Programa de pós-graduação em Multimeios - Instituto de Artes da Unicamp - vazramos@terra.com.br

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
A partir do filme “Cara ou Coroa” (2012) de Ugo Giorgetti, desenvolve-se uma reflexão acerca das vi-
SUMÁRIO
zinhanças e dos limites entre a memória e a imaginação na construção do roteiro de um filme histórico. SUMÁRIO
De modo geral, acredita-se que essas faculdades intelectuais sejam antinômicas, ou até contraditórias SUMÁRIO
nesse processo de criação. A análise desta obra, porém, demonstra que, ao contrário do que se supõe,
elas podem se apoiar mutuamente, uma fortalecendo a outra, à medida que se integram na estrutura
da narrativa. Verificamos que, mesmo ao adotar parâmetros e linhas estilísticas ligadas a determinados FICHA
FICHAFICHA
gêneros de espetáculo cinematográfico para orientar o desenho de um roteiro, o autor pode manter-se
fiel à integridade do saber histórico documentado, e inclusive torná-lo mais inteligível, desde que con-
siga construir um quadro logicamente articulado, destinado a facilitar a compreensão da época abor- PRÓXIMA
dada. Neste caso, o painel dentro do qual se agrupam os diversos elementos ficcionais e documentais PRÓXIMA
PRÓXIMA
a serem trabalhados no filme será tanto mais útil e operacional quanto mais incluir dados culturais,
atitudinais e emocionais referentes ao momento histórico focalizado. Na obra aqui estudada, Ugo
Giorgetti adota um determinado ponto de vista a respeito do período da ditadura militar que é o do
medo generalizado, quase institucional, o que justifica o recurso ao gênero do suspense para dar o tom ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

215
geral do filme e dá origem ao tema central do roteiro, que ele mesmo chama de “a resistência possível”.
Palavras Chave: ditadura, suspense, história, memória, imaginação.

A bstract
From the movie “Cara ou coroa” (2012) by Ugo Giorgetti, we develop a reflection on the nei-
ghborhood and the boundaries between memory and imagination in building a historical film
script. In general, it is believed that these intellectual faculties are conflicting in the designing pro-
cess. The analysis of this work, however, shows that, contrary to what is assumed they can su-
pport each other, strengthening one another, as they are within the narrative structure. We fou-
CAPA
nd that, even when adopting parameters and stylistic lines linked to specific genres of cinematic CAPA
spectacle to guide the design of a script, the author can stay faithful to the integrity of the histo- CAPA
rical and documented knowledge – and even make it more intelligible, since he can build a fra-
mework logically articulated, and designed to facilitate the understanding of the discussed era.
SUMÁRIO
In this case, the panel within which the various fictional and documentary elements are grouped SUMÁRIO
to be worked on will be much more useful and operational as more cultural, attitudinal and emo- SUMÁRIO
tional data are included to focus on the historic moment. In the work here studied, Ugo Giorgetti
adopts a particular point of view regarding the military dictatorship period which is the wides-
pread fear, almost institutional, which justifies the use of the thriller genre to give the general FICHA
FICHAFICHA
tone of the film and gives rise to the central issue script, which he calls “the possible resistance.”
Keywords: dictatorship, suspense, history, memory, imagination.

A memória do que vivemos não vem a nós formatada em sequencias de cinema. Ainda assim, alguns PRÓXIMA
dizem se lembrar de um acontecimento como se ele passasse como um filme em sua cabeça. Deve
PRÓXIMA
PRÓXIMA
haver aí um exagero, porque os registros individuais do passado costumam nos atingir sob a forma
de flashes, sensações difusas, fragmentos de situações, frases soltas – ou seja, um repertório frag-
mentado de imagens e informações, dentre as quais as dores e o sofrimento tendem a se esmaecer, ANTERIOR
ANTERIOR
ou ganhar a moldura compensatória das racionalizações. Isto é, por mais coerente e organizado que ANTERIOR

216
possa parecer, um conjunto de recordações e um roteiro de filme histórico constituem duas coisas
absolutamente diversas. Um filme como “Cara ou Coroa” poderá sugerir uma enganosa sensação
de que aquela narrativa tivesse baixado por inteiro, como um download, na mente do roteirista. Ve-
remos, porém, que as coisas não ocorrem assim. Logo na primeira cena, sobre imagens fora de foco
de gente dos anos de 1970, ouve-se a voz em off de um narrador (Paulo Betti) que, obviamente se
identifica com a do roteirista, a confessar que:

Às vezes, me vem à lembrança tudo o que aconteceu naqueles dias do in-


verno de 1971. Revejo aquela época como se a visse entre bruma e névoa
e quando pretendo descrevê-la ela quase me escapa – tão distante ficou
aquele mundo. Mas muitas vezes eu consigo e, da bruma, pouco a pouco CAPA
CAPA
vejo, vejo reaparecer diante de mim aqueles personagens, fruto de costu-
CAPA
mes e valores tão incompressíveis hoje em dia, que parecem inventados.

O cineasta paulista Ugo Giorgetti tinha 29 anos quando atravessou a época abordada no longa-
SUMÁRIO
-metragem por ele lançado em 07 de setembro de 2012. Além do que tenha ficado em sua própria SUMÁRIO
memória pessoal, a estrutura da obra se faz aparente, numa storyline clara e bastante lógica. Nesse SUMÁRIO
discurso inicial, entretanto, ele parece nos alertar que, a partir do captado pela memória, foi obriga-
do a inventar, ou seja, imaginar uma forma para que os personagens “saíssem da bruma” (metáfora
para designar a baixa definição das formas que brotam da memória) para ocupar a tela. O primeiro FICHA
FICHAFICHA
que toma corpo é um taxista (Otávio Augusto) justamente no ato de expulsar um cabeludo do carro,
depois de lhe perguntar “você é homem ou é mulher?” Em sua crítica sobre este filme, José Geraldo
Couto observa que... PRÓXIMA
A memória histórica (livros e filmes sobre um determinado período), a
PRÓXIMA
PRÓXIMA
exemplo da memória individual, costuma ser bastante enganosa: tende-
mos a ver de modo chapado, contínuo e linear aquilo que era desordena-

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

217
do, contraditório, multifacetado. 1

Tudo se passa entre junho e agosto de 1971, quando o grupo teatral americano The Living The-
atre foi preso pela ditadura em Ouro Preto. Este é o fato histórico que serve de baliza cronoló-
gica para o filme e, em torno do qual, Giorgetti desenha um quadro social e dramático capaz de
representar aquele período. Note-se que, apesar de fundamental, aquele acontecimento não é
reconstituído em termos audiovisuais e permanece apenas mencionado os diálogos. Esse marco
cronológico, porém, não foi o ponto de partida para a construção do argumento. O que desen-
cadeou, de fato, o plot central para compor o roteiro foi um simples e breve relato, do amigo
Mário Masetti – quase uma anedota relativa a um incidente que vivenciara durante a ditadura:
ele escondeu em casa uma dupla de militantes foragidos da repressão militar. Muita gente cole- CAPA
CAPA
ciona e relata recordações desse tipo, versando sobre as vicissitudes daquela época, mas, o que
CAPA
chamou particularmente a atenção do diretor foi um detalhe que Masetti acrescentou ao caso, de
um modo semelhante àquela costumeira conclusão típica das fábulas: “Com toda certeza, meus
pais perceberam o que estava ocorrendo, mas jamais me interpelaram e nem falaram comigo SUMÁRIO
a respeito”. Essa demonstração de um heroísmo singelo e discreto, por parte de pessoas que o SUMÁRIO
SUMÁRIO
praticaram sem esperar glórias ou condecorações, sintetiza toda a concepção do espetáculo. A
intenção não era desenvolver um filme sobre o regime militar, mas sobre o tempo em que ele se
insere, conforme explica Giorgetti:
FICHA
FICHAFICHA
Minha ambição era falar mais do período do que da ditadura. A ditadura
é um componente importantíssimo do período, lógico. Foi um período es-
fuziante em matéria de agitação cultural e de inovações no comportamen- PRÓXIMA
to. Paradoxalmente, nunca se desafiou tanto a autoridade quanto naquele PRÓXIMA
PRÓXIMA
momento.

ANTERIOR
ANTERIOR
1 http://www.outraspalavras.net/2012/09/12/cara-ou-coroa-conta-o-quotidiano-dos-anos-de-chumbo/ ANTERIOR

218
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
Figura 1 – Á esquerda: o cartaz. Á direita: a expressão do medo (Andrea Tedesco) SUMÁRIO
SUMÁRIO
Essa tomada de partido já envolvia uma definição quanto ao enfoque com que a época seria aborda-
da e também a maneira como os personagens seriam desenhados. Nesse sentido, em lugar investir
em heroicos guerrilheiros ou macabros torturadores para a função de protagonistas, todas as coisas
FICHA
FICHAFICHA
narradas e suas circunstâncias seriam vistas e comentadas por cidadãos comuns. No plano do mun-
do empírico e factualmente histórico, estes formavam a maioria da população, enquanto integrantes
de uma vasta coletividade praticante daquilo que o cineasta chama de “resistência possível”, ou seja,
“uma postura feita de pequenos gestos significativos, por parte de pessoas que não constavam das PRÓXIMA
listas oficiais de opositores, mas que formaram uma retaguarda concretamente atuante, ainda que
PRÓXIMA
PRÓXIMA
anônima, e cuja importância precisa ser discutida.” Era gente que – além da indignação constante,
silenciosa e de um difuso sentimento de culpa por não estar na clandestinidade da luta armada –
sentia medo. De intensidade variável, com certeza, mas o tempo todo, numa paranoia permanente e ANTERIOR
ANTERIOR
generalizada, que se alimentava das intermináveis notícias sobre aquele amigo que tinha sido preso ANTERIOR

219
e que talvez tivesse o teu nome na agenda, ou aquele outro que desapareceu depois de ter sido le-
vado por uma perua Chevrolet “veraneio” de cor cinza – igualzinha àquela que está estacionada em
frente à tua casa. A abordagem primordial do roteiro, portanto, acontece num recorte mais sincrônico
do que diacrônico, buscando dar conta de algo como um “mal estar” coletivo que se sobrepunha a
todos os acontecimentos e que acabava por condicionar todas as ações. Em outras palavras, se refere
mais à cultura do que à mera sucessão de ocorrências no período.

A partir daquele gancho factual e desse clima predominante de opressão e medo, fica também esta-
belecido o tom do roteiro o qual, aliás, será sublinhado pela trilha sonora, que alguns comentários
classificaram como “hitchcockiana”: falamos do suspense. No cinema de Alfred Hitchcock – o acla-
mado “pai” desse gênero, um dos principais estilemas (traços básicos de um estilo) é a story line for- CAPA
CAPA
matada em função do ponto de vista de um innocent bystander, ou seja, um “espectador inocente”,
CAPA
como eram, por exemplo, James Stewart em “Janela Indiscreta” (1954), Henry Fonda em “O Homem
Errado” (1956), ou Cary Grant em “Intriga Interacional” (1959). Esse mecanismo dramático foi usado
por Hitchcock pela primeira vez em “39 Degraus” (1935), antes de ser empregado novamente em di- SUMÁRIO
versos outros filmes. O personagem central é alguém que inicialmente não tem compromisso algum SUMÁRIO
SUMÁRIO
com essa história na qual ele se envolve, isto é, uma narrativa que o precede na ordem das coisas e
com a qual ele se choca, numa espécie de esbarrão que funciona como um tropeço inicial capaz de
lançá-lo para frente. Um tipo de gatilho que o impulsiona para o subsequente traçado de uma narra-
FICHA
FICHAFICHA
tiva própria e que, depois disso, até pode sair de cena. Por exemplo, o publicitário de Cary Grant é
visto como um agente federal por espiões estrangeiros e passa a viver em fuga. O músico de Henry
Fonda é confundido com um criminoso e, assim, aprende que o homem é o lobo do homem. Já o fo-
tógrafo de James Stewart se transforma de xereta em detetive, de caçador de imagens em objeto de PRÓXIMA
caça. Giorgetti comenta que sempre foi admirador do cinema de Hitchcock, ainda que ele tenha sido
PRÓXIMA
PRÓXIMA
taxado de “alienado” e “reacionário” por boa parte da esquerda nos anos de 1970, principalmente
por conta de filmes como “Cortina Rasgada” (1966) e “Topázio” (1969).

Assim como Hitchcock, Giorgetti também conta uma história protagonizada por “espectadores”. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

220
Mesmo recorrendo ao padrão do innocent bystander, entretanto, em “Cara ou coroa” tudo se inverte
porque naquela época ninguém era inocente. Pelo menos assim pensavam os órgãos de segurança,
enquanto a maioria dos cidadãos se sentia culpada por não saber como reagir à eliminação de seus
direitos civis. Livres de qualquer inocência, portanto, estes de Giorgetti seriam algo como comitted
bystanders – nesta expressão que agora cunhamos, a palavra comitted pode ser traduzida tanto por
“culpado” quanto por “comprometido”. Apesar de pouco poderem fazer para enfrentar o poder es-
tabelecido, sendo assim reduzidas à condição de meros espectadores da tragicomédia política que
então se desenrolava, as figuras criadas para o filme tinham perdido a inocência – no sentido da me-
táfora bíblica em que Adão e Eva deixam de ser os inocentes habitantes do paraíso, ao serem expulsos
de lá. Eram espectadores sim, mas conscientes e, por assim dizer, comprometidos. Construídos com
CAPA
matéria prima historicamente real, uma série de personagens dará corpo à trama. De uma forma ou CAPA
de outra, todos eles se mostram comprometidos com o mesmo script coercitivo, a mesma farsa meio CAPA
ridícula e meio trágica imposta ao país. Inclusive fazia parte do sistema um aspecto de encenação,
porque era quase obrigatório acreditar, ou fazer de conta que a nação se achava imersa numa “guerra
SUMÁRIO
ideológica”, na qual estaria em jogo a sobrevivência da civilização ocidental. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No documentário “Primeiros contatos com os Txucaramãe” (Jorge Ferreira, 1953) vemos os irmãos
Villas Boas em atividade entre os índios e percorrendo a mata, enquanto uma voz em off explica quem
são eles e qual o sentido de seus atos. Já no drama “Xingu” (Cao Hamburguer, 2012) os atores que
FICHA
FICHAFICHA
os interpretam revelam seus desejos, assim como seus pensamentos e conflitos interiores. No gênero
documentário, os fragmentos do passado vão se situar fora dos personagens centrais que, por sua
vez, são os protagonistas da história – heróis ou vilões, cuja lembrança coletiva aflora em material de
arquivo, em que eles mesmos se manifestam, e em depoimentos de gente que os conheceu, formando PRÓXIMA
um mosaico de opiniões a seu respeito. Da mesma maneira que na ficção, a dramaturgia do roteirista
PRÓXIMA
PRÓXIMA
no documentário consiste em estruturar essa massa de recordações. Ou seja, atribuir-lhes uma forma
em função do efeito que pretende obter. Porém, na ficção histórica, inversamente, os personagens
precisam internalizar o repertório de acontecimentos, as características e as contradições da época ANTERIOR
ANTERIOR
que retratam, para poder representá-la por meio de gestos, atitudes e diálogos. É nessa instância que ANTERIOR

221
a imaginação surge como instrumento para aprofundar a visão sobre o tema, levando à escolha do
tipo mais adequando para encarnar tudo isso. Nesse exercício de “faz de conta”, é lícito ao roteirista
fantasiar que, em lugar do próprio Mario Masetti testemunha viva do gatilho factual da narrativa,
os guerrilheiros ficassem escondidos na casa de uma estudante da Faculdade de Filosofia da USP –
moça idealista que só não trilhou o arriscado caminho de uma Iara Yavelberg2 porque morava com
o avô, um general do exército. Ela, porém, não agiria sozinha. Com seriam os seus interlocutores
diretos na missão?

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Figura 2 – Emílio de Mello e seu grupo teatral

Assim, na tarefa de atribuir corpo e alma aos jovens sugeridos pelo relato de Mario Masetti, Gior- FICHA
FICHAFICHA
getti provavelmente se inspira em Antonio Abujamra (Ourinhos, 1932) e José Celso Martinez Correia
(Araraquara, 1937) e decide fazê-lo diretor (Emílio de Mello) de um grupo teatral financiado pelo
Partido Comunista Brasileiro, que se encontra preparando “O Interrogatório”, uma peça do alemão PRÓXIMA
Peter Weiss sobre o nazismo. O ambiente do teatro era ideal para a ambientação do enredo que, ali- PRÓXIMA
PRÓXIMA
ás, inclui aspectos de dissimulação, disfarce e fingimento. Talvez calcados nas figuras reais de Paulo
Betti e Sérgio Mamberti, os artistas do grupo inventado (ou lembrado?) por Giorgetti (figura 2) se
acham em polvorosa pela prisão dos americanos do The Living Theatre. A partir deles e de seu dire-
ANTERIOR
ANTERIOR
2 Iara estudava Psicologia e ingressou na luta armada, sendo morta na Bahia em 1971. ANTERIOR

222
tor, são criados os demais componentes da trama. Além do teatro, este que é encarnado por Emílio
de Mello tem paixão por jogos de azar. Ou melhor, é viciado em corridas de cavalo e outras formas
de arriscar dinheiro. Essa característica tem relação com título do filme e com o ponto de vista de
Giorgetti, segundo o qual “sobreviver naquele tempo era também uma questão de sorte... com ela,
era possível escapar à malha fina da repressão”. Na falta dela e, por conseguinte de dinheiro, o pro-
tagonista se encontra em crise no seu casamento com uma atriz que decide se mudar para o Rio e
trabalhar na TV – o que era visto como um pecado mortal pela maioria dos artistas de esquerda.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Figura 3 – o taxista vivido por Otávio Augusto FICHA


FICHAFICHA
Seu irmão mais novo (Geraldo Rodrigues) mora na casa de um tio (Otávio Augusto) que é taxista,
conservador e simpatizante de Paulo Maluf (figura 3). Para completar o seu infortúnio, o grupo sofre
um atentado semelhante ao que, no mundo real, atingiu a peça “Roda Viva”, em 1968 por parte do PRÓXIMA
CCC (Comando de Caça aos Comunistas). De repente, o diretor do espetáculo é pressionado pelo
PRÓXIMA
PRÓXIMA
dirigente do partido que o financia a conseguir um esconderijo para dois companheiros que agiam
na clandestinidade. Por tratar-se de um jogo realmente perigoso e sem qualquer possibilidade de
ganho financeiro, ele partilha a incumbência com o irmão, cuja namorada (Julia Ianina) é justamente ANTERIOR
ANTERIOR
a aluna da Faculdade de Filosofia acima mencionada, que resolve escondê-los no porão da casa onde ANTERIOR

223
vive com o avô, um general da reserva (Walmor Chagas). Está assim montado um tabuleiro, no qual
cada uma das peças tem sua função. De um modo ou de outro, todas elas são realmente originárias
da memória de Giorgetti:

Esse é de fato o caso do general, porque não tem muitos como ele. Lembro
do Teixeira Lott,do Euler Bentes Monteiro. Usei um pouco esse paradig-
ma nacionalista. Mas tem muita gente de teatro que era como o diretor,
inclusive amigos meus. Coloquei no roteiro muito do que via acontecer.
Mas tentei fazer com que os personagens não fossem simplórios. O ta-
xista, por exemplo, é um reacionário, mas é capaz de um gesto generoso.
Conheci muitas pessoas assim. Procurei evitar que ficasse um tratado de CAPA
CAPA
sociologia. 3
CAPA
Giorgetti se esforçou para “não simplificar a história, nem recorrer a ela por meio de lugares-co-
muns”. Assim como diz o narrador musical de “Deus e o Diabo na terra do sol” (Glauber Rocha,1964)
SUMÁRIO
na voz de Sergio Ricardo (“Está contada a minha história: verdade e imaginação...”) os personagens SUMÁRIO
secundários colaboram para a montagem de um painel muito vívido sobre a época, boa parte deles SUMÁRIO
funcionando como caricaturas, de efeito suavemente cômico: o dirigente do partidão, tanto ou mais
conservador que o taxista de direita; o próprio guerrilheiro foragido, mais ascético do que o faquir
Silki – figura presente no imaginário da época 4; a crítica teatral (Juliana Galdino), mais fatalista que FICHA
FICHAFICHA
os oráculos da tragédia; o chato (Carlos Meceni) que vende as matérias censuradas no Estadão; e a
empregada do general (figura 4) que, diante do conflito, declara a sua neutralidade, resmungando
“Não vi nada... não tenho nada a ver com isso”. Essa breve passagem, aliás, é profundamente repre- PRÓXIMA
sentativa desse sentimento que o filme procura isolar, como característico daquele período, e que PRÓXIMA
PRÓXIMA
aparece no pacto de silêncio firmado pelos pais de Mario Masetti: algo que poderia ser confundido
com indiferença, mas que significa preocupação com o outro e respeito à privacidade alheia. Essa é

3 Entrevista para Sergio Rizzo em “O Valor”. ANTERIOR


ANTERIOR
4 O filme “O Profeta da fome”, de Maurice Capovilla foi lançado em 1969. ANTERIOR

224
a mencionada “resistência possível”, exercida por indivíduos que assistiam amedrontados à escala-
da da repressão: os acima citados “espectadores comprometidos” É como se Giorgetti inicialmente
desenhasse figuras, como cartas de baralho decalcadas do real histórico, para depois colocá-las em
ação, numa jogada armada no roteiro:

Sou um ficcionista, esse filme é uma ficção que saiu de minha cabeça, mas, naturalmente, tenho o pé
no chão. Não vou contar algo que não houvesse a possibilidade de ter acontecido. Tudo que se vê em
“Cara ou Coroa” poderia perfeitamente ter ocorrido na vida real.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA
Figura 4 – Gabriela Rabelo e Walmor Chagas, o general.

De fato o ficcionista se sente mais à vontade e acaba criando narrativas históricas aprofundadas –
mais coloridas e esclarecedoras de um momento no passado, quando não se incumbe de descrever PRÓXIMA
o que exatamente aconteceu, mas o que poderia ter acontecido. Quero dizer, quando se recusa a PRÓXIMA
PRÓXIMA
eleger como protagonista um determinado personagem verdadeiro, mas se contenta em trabalhar
com uma figura fictícia. Foi essa a opção de Bertolt Brecht que, ao escrever “Os negócios do Senhor
Julio Cesar”5, preferiu compor a narrativa em primeira pessoa de um escravo daquele governante
ANTERIOR
ANTERIOR
5 BRECHT, Bertolt. 1970. Os negócios do Senhor Julio Cesar, São Paulo, Hemus. ANTERIOR

225
romano. Embora cite nominalmente personalidades históricas como Paulo Maluf e Sérgio Mamberti,
Giorgetti sabe que o trabalho com personagens históricos reais fica sempre limitado ao que existe
de documentação a respeito e acrescenta que “em geral, eles já vem carregados de preconceitos, mi-
tos e fantasias ideológicas”. Por outro lado, com sua ambiguidade, o personagem do general criado
para a interpretação de Walmor Chagas é, na verdade, o mais importante, até para assegurar a vol-
tagem do suspense, aceso até o fim do filme. Já com os militantes escondidos no porão da sua casa,
o militar recebe a visita de um colega da ativa que o convoca para protestar contra os exageros da
repressão. Alegando cansaço, ele se recusa a agir contra os desmando da “linha dura”. Será que en-
tão ele é favorável aos “gorilas” do regime? O que acontecerá se os guerrilheiros forem descobertos?
(figura 5) No porão do general onde estão refugiados, após encontraram fotos antigas de caserna,
CAPA
eles se julgam perdidos. Somente nas derradeiras cenas do filme é que surge a suspeita de que o ve- CAPA
lho comandante sabia de tudo o tempo todo. Isso significa que Giorgetti se dispôs a evitar a dicoto- CAPA
mia entre o preto e o branco e pintar a época com as tonalidades de cinza que de fato teve.

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Figura 5 – A estudante (Julia Ianina) e o guerrilheiro (Eduardo Tornaghi)

Em suma, o trabalho mais sofisticado neste projeto consiste em balancear memória e imaginação
em seu processo de construir o roteiro. De modo geral, acredita-se que essas faculdades intelectuais ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

226
sejam antinômicas, ou até contraditórias na trajetória de criação. A análise desta obra, porém, de-
monstra que, ao contrário do que se supõe, elas podem se apoiar mutuamente, uma fortalecendo a
outra, à medida que se integram no bojo da narrativa. Além disso, em lugar dos figurões que ocupam
o primeiro plano dos tratados didáticos, a primazia atribuída a “personagens anônimos” permite
mais liberdade para desenhar a proposta central do filme que é a reconstituição terna e afetiva de
uma época em que o medo era dominante, mas a vida permanecia pulsando. Isso, aliás, se explicita
no texto do narrador: “Lembro-me daquele tempo com saudade. Tudo era fruição, inclusive o medo.
A época podia ser terrível, mas nós éramos jovens e belos”. As pessoas mais velhas da plateia não
estavam apenas rememorando fatos ou acontecimentos da época da ditadura, mas partilhando sen-
timentos e sensações sobre os chamados “anos de chumbo” com aqueles indivíduos que povoam o
CAPA
filme. Eles apenas participavam de uma ou outra passeata, davam uma força ou, no mínimo, torciam CAPA
por quem “pegara em armas”. E por isso, representam a maioria dos jovens que, assim como eu e, CAPA
talvez, o diretor e roteirista do filme, testemunhamos o que se passou. É impossível esquecer tudo
aquilo. E mais ainda, que seja lembrado do mesmo modo por todos nós.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
R eferências
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FICHA
FICHAFICHA
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PRÓXIMA
PRÓXIMA

REFERÊNCIAS FILMOGRÁFICAS
“Deus e o diabo na terra do sol” (1964, Glauber Rocha) ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

227
“O Homem Errado” (1956, Alfred Hitchcock)

“O Profeta da fome” (1969, Maurice Capovilla)

“Primeiros contatos com os Txucaramãe” (1953, Jorge Ferreira)

“Xingu” (2012, Cao Hamburguer)

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

228
HISTÓRIA E MÍDIA: O CINEMA COMO
DOCUMENTO

R osana Schwartz
Universidade Presbiteriana Mackenzie

A história, desde a década de 1970,por meio das reflexões de teóricos como o historiador Marc Fer- CAPA
CAPA
ro, considera os registros realizados pela mídia, em específico o cinema, como fonte relevante para
CAPA
análise histórica.

Marc Ferro, nesse período questionou as formas tradicionais de abordagens da história e se dedicou
SUMÁRIO
a construção do saber histórico, por meio,não somente da analise dos documentos escritos e pictóri- SUMÁRIO
cos, como também da oralidade, da imagem fotográfica e em especifico do cinema. SUMÁRIO

Como qualquer documento, o filme é um objeto que apresenta para a história aspectos implícitos
e explícitos relacionais e geracionais que são pistas para o pesquisador sobre o olhar de quem fez
FICHA
FICHAFICHA
o documento, de uma época, em que circunstância, para que finalidade e universo da produção.O
documento filme é um registro que desvela a época da sua produção, os valores dasociedade a que
pertence e de quem o gerou.Revela os filtros ideológicos que são produtos – imagens objeto –, cujas
significações não são apenas de natureza cinematográfica mas também de testemunho (FERRO,1989). PRÓXIMA
Ferro atenta para a percepção do filme tanto como fonte e quanto objeto imagético, já que filmes não
PRÓXIMA
PRÓXIMA
são feitos apenas de código cinético (imagens em movimento), mas também de outros tantos códi-
gos, tais como o lingüístico – escrito (legenda) e fala (diálogos dos personagens) – e código musical
(trilha sonora). Forma-se um conjunto de representações visuais e sonoras, cuja análise e decodifica- ANTERIOR
ANTERIOR
ção faz parte da função do historiador (LANGER, 2006). ANTERIOR

229
Junto ao estudo histórico das imagens fílmicas, aliam-se categorias de filmes, como expresso em gê-
neros diferentes como: ficção, histórico, documentário, cine- jornal, entre outros. Os históricos, refe-
ridos como documentos de época são produções que narrativizam: fatos históricos (Reds – revolução
Russa, Rainha Margot – noite de São Bartolomeu, Spartacus – revolta dos escravos romanos, O que
é isso companheiro? – ditadura militar), biografias (O Velho –Luis Carlos Prestes, Oliver Cromwell
–Lamarca), adaptações literárias (O Guarani, O Cortiço, Os miseráveis) e mentalidades de épocas
(O Nome da Rosa, A Missão) CristianeNova (2001:37) afirma que “um filme diz tanto quanto for
questionado”. (SCHWARTZ, 2010). Em um filme histórico tradicional, hollywoodiano por exemplo,
enfatiza-se: a emoção em detrimento ao aspecto racional da trama – égide da espetacularização; os
elementos estéticos – estilo artístico da obra; o caráter subjetivo dos modelos estéticos; a linguagem
CAPA
cinematográfica – movimentos da câmara, planos, enquadramentos, iluminação, sonoplastia, ângu- CAPA
los de análise que devem ser observados como documentos históricos, levando-se em conta o que CAPA
está presente de maneira implícita (conteúdo existente nas entrelinhas), e “tudo aquilo que os pro-
dutores queriam que chegasse ao espectador, mas não o fizeram, por algum motivo particular, direta
SUMÁRIO
e claramente” (NOVA, 2001: 5). SUMÁRIO
SUMÁRIO
Outra perspectiva analítica está na transposição passado-presente, que pode serilustrado no filme
Alexandre Nevsky (dirigido por Eisenstein), cujo tema é a invasão da Rússia pelos teutônicos duran-
te o século XIII. O filme foi produzido na década de 1930, pelos russos, no momento em que os ale-
FICHA
FICHAFICHA
mães ameaçavam seu território. Já em uma obra de ficção científica, destaca-se o filme Invasores de
Corpos: o planeta é invadido por extraterrestres que tomam o corpo dos humanos que passam a agir
como ‘zumbis’; alusão implícita ao perigo do comunismo perante as famílias norte-americanas. As
ideologias políticas aparecem em Erik, o Viking, filme que retrata a Idade Média, em cenário mun- PRÓXIMA
dial dos anos 1980; é a corrida armamentista entre EUA e Rússia. Em Cortina de Ferro, Sob Controle,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Sob o Domínio do Mal, verifica-se o macarthismo. Também são documentos os filmes-denúncia: fil-
mes contra o próprio macarthismo, e outros como As Bruxas de Salem em que a intolerância religiosa
do século XVII se torna uma metáfora política do presente. (SCHWARTZ, 2010). Por esses exemplos, ANTERIOR
ANTERIOR
percebem-se as possibilidades de leituras do passado conectadas as do presente: filmes cujas histó- ANTERIOR

230
rias tocam o presente, não obstante sua temática discursiva esteja centrada no passado. Na dialética
passado-presente, tais categorias de filmes desempenham papel significativo na polemização do
conhecimento histórico, já que se constituem de imagens documento e monumento. (SCHWARTZ,
2010).

Em filmes documentos, o historiador deve considerar, também, a problemática do imaginário social.


Esse imaginário ocorre, tanto por questões ideológicas, como por motivos técnicos. Ao se trabalhar
com a imagem dos guerreiros celtasou vikings, aparece o imaginário de homens enormes usando
chifres – o caso do Príncipe Valente, adaptação de História em Quadrinhos homônima –,simbolo-
gia que faz referencial aos escandinavos, povos considerados atrasados pelas teorias raciológicas
do século XIX, diante do britânico anglo-saxônico, uma sociedade ideologizada como civilizada e CAPA
CAPA
próspera; aliás, referentes do imaginário que alcançam na atualidade. Já no imaginário social das dé-
CAPA
cadas de 40 a 70, os continentes sul-americano, africano e asiático são interpretados como um local
misterioso, idílico, selvagem, com habitantes exóticos e muito mais atrasados que os europeus. Haja
vista a presença exótica de animais nos filmes As minas do rei Salomão, Tarzan, Jim das selvas, cujo SUMÁRIO
sentido imagético é de desqualificar as sociedades que não são européias ou norte-americanas. Os SUMÁRIO
SUMÁRIO
filmes relacionados à literatura do Oitocentos exploram ainda mais o imaginário social de civilização
ocidental branca, considerada ideologicamente superior, com legitimidade no processo de conquis-
ta e colonização das terras selvagens. Filmes como Anacondaperpetuam os imaginários anteriores.
FICHA
FICHAFICHA
O imaginário social norte-americano sobre o Brasil aparece em diversos filmes, Segredo dos incas,
Manhunt in thejungle, em que os habitantes do Estado do Mato Grosso falam espanhol e usam trajes
semelhantes aos peruanos. Não existem diferenças culturais na América Latinapara a cultura dita
superior-branca-americana. Além da não existência das diferenças culturais na América Latina, nos PRÓXIMA
filmes norte-americanos, surge também uma floresta com inúmeros perigos que devem ser vencidos
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pelos heróis americanos (piranhas, jacarés, morcegos, onças, tempestades, etc...). Herdeiros diretos
dos modelos colonialistas e imperialistas da literatura ocidental do século XIX, os filmes de aventura
incorporam a ideologia de que os europeus e seus descendentes devem ser os legítimos representan- ANTERIOR
ANTERIOR
tes da ‘ordem civilizacional’ no mundo contemporâneo. (SCHWARTZ, 2010). ANTERIOR

231
O recorte específico de um momentoda História pelos enredos cinematográficos permite ao histo-
riador detectar ideologias, tanto do público-alvo, quanto dos produtores. Destaca-se, nesse caso, a
filmografia norte-americana sobre os judeus, com enredos sobre o Holocausto nazista da Segunda
Guerra Mundial, em que estes são apresentados vitimizados, omitindo alguns episódios nos quais
foram também algozes – questão da Palestina moderna.

Além das imagens produzidas de forma consciente, existem as de conteúdo inconsciente, compostas
por elementos que ultrapassam as intenções de quem realizou e produziu o filme. Essas imagens
podem ser, tanto elementos de ordem individual, quanto ideologias da sociedade como um todo:
contexto social, econômico, político, cultural e religioso de uma época. Tais imagens constituem um
aspecto complexo de ser analisado pelos historiadores. Marc Ferro (1989) denomina tais imagens de CAPA
CAPA
“zonas” ideológicas não visíveis da sociedade – juízos de valores e de moral expressos pelas cultu-
CAPA
ras, forma de alimentação, de vestir, de pensar e de comportamentos –, principalmente quando con-
trastado com outros povos ou culturas.
SUMÁRIO
O historiador deve, pois, comparar os conteúdos do filme/documento com o conhecimento históri- SUMÁRIO
co, cultural e sociológico da sociedade em que o filme foi produzido, com o tema histórico que ele SUMÁRIO
retrata e com outras produções com mesma temática. Os filmes (não importando a época do enredo)
são documentos do período em que foram produzidos.
FICHA
FICHAFICHA
A leitura de um filme como documento deve encontrar similitudes e representações com os fatos his-
tóricos e com a historiografia escrita, procurando responder às questões: existe adaptação realizada
pelo autor? quais os critérios que foram utilizados para a construção de uma determinada versão da
História? ocorrem anacronismos na obra? PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Assim, o se estudar o valor e sentido cinematogáfico, entre outras, com o status de documento histó-
rico, inúmeras questões devem ser problematizadas, e muitas condutas metodológicas construídas,
no sentido de promover o diálogo entre obras e teores das obras, entre contextos históricos da pro-
dução e culturas locais e globais, e entre as dimensões formais, semânticas e sociais. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

232
A metodologia histórica e a comunicação se relacionam e consideram a imagem como produto cul-
tural, fruto de trabalho social e de produção sígnica. Neste sentido, toda a produção da mensagem
imagética está associada aos meios técnicos de produção cultural; e dentro desta perspectiva, como
já foi mencionado, pode, de um lado, contribuir para a veiculação de novos comportamentos e re-
presentações da classe que possui o controle de tais meios, e, de outro, atuar como eficiente meio de
controle social mediante a educação do olhar. Partindo-se dessa premissa, as imagens não são apenas
documento, mas também monumento e, como fonte histórica, deve passar pelos trâmites das críticas
externa e interna para, depois, ser organizada em série, obedecendo a uma proposta cronológica.
Tais séries devem ser extensas, capazes de dar conta de um universo significativo de imagens, posto
que, numa mesma série de imagens, fotográficas ou cinematográfica, há que se observar um critério
CAPA
de seleção. Necessário se faz não misturar diferentes tipos de imagens em uma mesma intenção de CAPA
análise histórica, tal como juntar álbuns de família a revistas ilustradas. Seleção de corpus é necessá- CAPA
ria, porquanto cada tipo de imagem compõe uma série categorial diferente.

Nessa série categorial são vicejados múltiplos códigos e níveis de codificação que fornecem signi- SUMÁRIO
ficados ao universo cultural da sociedade em que as imagens se instalam. Códigos são construídos SUMÁRIO
SUMÁRIO
na prática social e não podem ser encarados comoentidades a-históricas, estão sempre situados na
esfera espacial-temporal. Se a classificação de códigos se faz pertinente, sua rede constitutiva revela
o olhar conjuntural sobre as imagens, sede de construção de sentido. Sendo a produção da imagem
FICHA
FICHAFICHA
um trabalho humano de comunicação, pauta-se, portanto, enquanto tal, por códigos convencionali-
zados socialmente, que possuem um caráter conotativo-funcional que remete às formas de ser e agir
do contexto no qual estão inseridas como mensagens.
PRÓXIMA
Para que o olhar analítico ultrapasse a natureza da imagem de mero analogonda realidade, ou- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tros mecanismos analíticos são acionados: relação entre signo e imagem; e opções técnica e estética.
(SCHWARTZ, 2010)

Na dialética entre imagem e signo, normalmente, a imagem é vista como algo ‘natural’, ou seja, algo ANTERIOR
ANTERIOR
inerente à sua própria natureza icônico – espelho da realidade –, e o signo passa a valer como uma ANTERIOR

233
representação simbólica. Tal distinção é um falso problema, tendo em vista que a imagem, sem dúvi-
da, pode ser concebida como um texto icônico, mas que, antes de depender de um código, é algo que
institui um código. Neste sentido, no contexto da mensagem, a imagem, ao assumir o lugar de um
objeto ou de um acontecimento ou ainda de um sentimento, incorpora funções sígnicas – representa-
ção algo. Assume-se, na dialética de imagem e signo, a relação dos elementos imagéticos expressos
com o contexto social em que se inserem, cujos cortes temático e temporal são exigidos. As opções
técnicas e estéticas envolvem um aprendizado historicamente determinado que, como toda a peda-
gogia, é pleno de sentido social.

No entrelaçamento dessas vias analíticas, conclui-se que toda imagem é histórica. O marco de sua
produção e o momento de sua execução estão indefectivelmente decalcados em suas superfícies, do CAPA
CAPA
retrato, da foto, do filme. A história embrenha as imagens nas opções realizadas por quem as esco-
CAPA
lheu – uma expressão e um conteúdo –, compondo mediante signos de natureza não-verbal, objetos
de civilização e significados de cultura.
SUMÁRIO
O estudo das imagens, como bem ensinou Panofsky (2004) em seu método iconológico, impõe o es- SUMÁRIO
tudo de sua historicidade. Ao se problematizar documentos visuais e abordar as imagens em suas SUMÁRIO
dimensões formal, semântica e social, a historiografia percorre diversas produções, desde os forma-
listas, como Kant (2000), Konrad Fiedler (1997) ou Alois Riegl (1991), fundadores de problemáticas
plástico-visuais, sustentadas pelas tramas metodológicas da História da Arte a estruturalistas, como FICHA
FICHAFICHA
Lévi-Strauss (1987), Roland Barthes (2000), Foucault (2006) e Walter Benjamin (2001), pensadores do
recurso visual como um sistema de signos inter-relacionados, estimulante das sensibilidades analí-
ticas. Mas o percurso da complexidade da iconicidade histórica aí não se detém. Pierre Francastel PRÓXIMA
(1987) desconstrói, conjuntamente com os outros teóricos, a centralidade do texto escrito e afirma PRÓXIMA
PRÓXIMA
que nenhum complexo cultural pode ser reduzido apenas à expressão verbal. A manifestação cul-
tural também engloba o imagético, tão importante expressão/conteúdo que ao par se reserva uma
região cognitiva específica, porquanto o mundo visual é possuidor de uma lógica própria, imersa e
emergindo na/da sua historicidade. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

234
As imagens não são reflexo direto da realidade, nem tampouco um sistema de signos independentes
da mesma realidade; constituem a reconstrução de regras e convenções, conscientes ou inconscien-
tes, de um período histórico, que rege a percepção numa determinada cultura. Para Francastel (1987),
existe um pensamento plástico e o historiador procura apropriar-se desse pensamento, analisando e
trabalhando com imagens.

Detivemo-nos nas imagens fotográficas e cinematográficas, o nosso foco de abordagem, apesar de


nosso estudo poder se estender e sonhar com outras tantas imagens que constroem os “retratos da
história”, como modos de linguagem, com seus significados e significantes, situados em espaço e
tempo determinados.
CAPA
E por mais que o pesquisador tente se aproximar das sensibilidades do passado para compreender a CAPA
reprodução das imagens, está sempre olhando os conceitos do ‘agora’. CAPA

O passado é sempre uma construção do presente.


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
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FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

237
NARRATOLOGIA AUDIOVISUAL DO HIP HOP

Marcos Zibordi
Universidade de São Paulo (USP) - mzibordi@hotmail.com

CAPA
R esumo CAPA
Este artigo pretende aproximar os elementos da cultura hip hop aos gêneros narrativos épico, lírico CAPA
e dramático. Os elementos do hip hop são a música conhecida como rap, a dança chamada break e
a pintura identificada como grafite. Procuraremos relacionar as longas letras de música, de caráter
SUMÁRIO
realista e heróico, à narrativa épica. Também procuraremos explicitar o caráter lírico dos grafites, SUMÁRIO
assim como o aspecto dramático da apresentação dos dançarinos de break. Ou seja, ocorrerá a com- SUMÁRIO
paração entre três gêneros narrativos e três elementos que compõem uma manifestação cultural
múltipla como o hip hop. Quanto ao repertório teórico relativo aos gêneros, utilizamos as noções
principais de cada conceito de maneira abrangente porque eles são, em geral, relacionados à litera- FICHA
FICHAFICHA
tura. Contudo, podem e são manejados em outros campos de produção como o cinema, as histórias
em quadrinhos, as artes plásticas, a arquitetura. Como estratégia argumentativa e respeitando os
limites deste artigo, o diálogo teórico ocorre com uma obra específica do filósofo alemão Georg W. PRÓXIMA
F. Hegel, o quarto volume dos Cursos de Estética. Nele, o autor discute os três gêneros poéticos em PRÓXIMA
PRÓXIMA
suas características históricas e estéticas. Essa escolha se justifica também pelos critérios bibliográfi-
cos da pesquisa em andamento sobre o hip hop paulistano: preferimos teorizações que abordem os
três gêneros narrativos e os comparem, pois este procedimento é similar ao nosso: abordar o hip hop
de maneira integrada, apontando relações possíveis entre seus elementos. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

238
Palavras-chave: hip hop; break; rap; grafite; narrativa.

A bstract
This article aims to bring the elements of hip hop culture to narrative genres epic, lyric and dramatic.
The elements of hip hop are known as rap music, break dancing and painting called labeled graphi-
te. We will seek to relate the long lyric and heroic character realistic, the epic narrative. Also try to
explain the lyrical character of graffiti, as well as the dramatic aspect of the presentation of break
dancers. That is, the comparison occurs between three narrative genres and three elements that make
up a multi-cultural event such as hip hop. As for the repertoire on the theoretical genres, we use the
CAPA
concepts of each major concept comprehensively because they are generally related to literature. CAPA
However, they can and are managed in other fields such as film production, the comics, the visual CAPA
arts, architecture. How argumentative strategy and within the limits of this article, the theoretical
dialogue occurs with a particular work of German philosopher Georg W. F. Hegel, the fourth volume
SUMÁRIO
of Aesthetics Courses. In it, the author discusses the three poetic genres in their historical and aes- SUMÁRIO
thetic characteristics. This choice is also justified by the criteria of bibliographic ongoing research on SUMÁRIO
hip hop paulistano: prefer theories that address the three narrative genres and compare, because this
procedure is similar to ours: the hip hop approach in an integrated manner, pointing out possible
relationships between its elements. FICHA
FICHAFICHA
Key words: hip hop; break; rap; graphite; narrative.

Antes de tentar aproximar os gêneros narrativos épico, lírico e dramático da música, da pintura e PRÓXIMA
da dança da cultura hip hop, consideramos necessário esclarecer que não tomamos os conceitos de PRÓXIMA
PRÓXIMA
forma fechada. Ao contrário, procuraremos identificar aspectos decisivos dos gêneros narrativos nos
elementos do hip hop sem pretender forçar a relação direta entre definições teóricas e características
da música chamada rap, da dança conhecida como break e da pintura identificada como grafite.
ANTERIOR
ANTERIOR
A perspectiva analítica aqui adotada concorda com a postulação de que é possível manejar os gê- ANTERIOR

239
neros narrativos de maneira menos ortodoxa, em seu significado “adjetivo”, que “refere-se a traços
estilísticos de que uma obra pode ser imbuída em grau maior ou menor, qualquer que seja o seu gê-
nero” (Rosenfeld 2004: 18).

Assim pretendemos comparar os elementos do hip hop aos gêneros narrativos em geral referidos
à literatura e que, apesar dos debates teóricos milenares, mantêm-se como balizas válidas, mesmo
considerando que a produção teórica e literária afasta cada vez mais as possibilidades de enquadra-
mento em gêneros. Contudo, vistos de forma mais aberta

Os termos adquirem grande amplitude, podendo ser aplicados mesmo a


situações extraliterárias. Pode-se falar de uma noite lírica, de um banque-
CAPA
te épico ou de um jogo de futebol dramático. Nesse sentido amplo esses CAPA
termos da teoria literária podem tornar-se nomes para possibilidades fun- CAPA
damentais da existência humana; nomes que caracterizam atitudes mar-
cantes em face do mundo e da vida. Há uma maneira dramática de ver o
SUMÁRIO
mundo, de concebê-lo como dividido por antagonismos irreconciliáveis; SUMÁRIO
há um modo épico de contemplá-lo serenamente na sua vastidão imensa SUMÁRIO
e múltipla; pode-se vivê-lo liricamente, integrado no ritmo universal e na
atmosfera impalpável das estações. (Idem: 19)
FICHA
FICHAFICHA
O mesmo autor considera que a classificação em gêneros “implica um significado maior do que ge-
ralmente se tende a admitir”.

Feito esse direcionamento teórico, passemos à tentativa de relacionar os gêneros narrativos aos ele- PRÓXIMA
mentos do hip hop, que são três ou quatro, dependendo da maneira de classificá-los: a música cha- PRÓXIMA
PRÓXIMA
mada rap é feita a partir da junção do trabalho dos dj´s, que manipulam discos e recursos tecnoló-
gicos para construir a base sonora sobre a qual o rapper canta suas composições. O rap, portanto,
abarca dois elementos do hip hop, o trabalho do músico e o do compositor-cantor, que podem ser
analisados separadamente ou juntos, como uma só manifestação, como faremos neste artigo. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

240
Além do rap, outro elemento constituinte do hip hop é a pintura chamada grafite, em geral feita em
muros e fachadas, exibindo tipologias e figuras coloridas de grandes dimensões. A dança, comumen-
te identificada como break, é o outro tentáculo dessa manifestação cultural múltipla.

E lementos e gêneros

Acreditamos que a música chamada rap pode ser relacionada ao gênero épico através das letras, que
a pintura pode ser aproximada do lírico e que a dança tem semelhanças com o dramático.

Comecemos pelas letras de rap enquanto composições épicas. Segundo Hegel, que fez vasta sistema-
tização dos gêneros no quarto volume dos seus Cursos de Estética, “a epopéia, na medida em que CAPA
CAPA
tem por assunto o que é, alcança como objeto o acontecer de uma ação, que deve chegar à intuição
CAPA
com toda a amplitude das circunstâncias e das relações como um acontecimento rico, na conexão
com o mundo em si mesmo total de uma nação e de uma época” (Hegel 2004: 91).
SUMÁRIO
Nas letras de rap, a ação é decisiva; diferente do contemplativo lírico, os rappers estão interessados SUMÁRIO
nas ocorrências que afetam o mundo ao qual estão atrelados. Geralmente narrando a realidade das SUMÁRIO
periferias onde nasceram, as letras relatam trajetórias repletas de ação: a realização de um assalto, a
vida de um criminoso ou de um trabalhador, os diversos obstáculos diários, especialmente econômi-
cos, as projeções de uma vida melhor, etc. Os personagens agem exaustivamente. FICHA
FICHAFICHA
As letras de rap são narrativas de situações em movimento, cuja agitação é ainda maior na conexão
com o contexto social, nacional e da época: os rappers falam da realidade experimentada por eles e
milhões de iguais esfolados por problemas nacionais contemporâneos, em muitos casos apontando PRÓXIMA
raízes históricas de situações conflituosas, como o racismo.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Importante salientar como traço épico o fato de os narradores serem comprometidos com o que nar-
ram. Segundo Hegel (Idem: 95)
ANTERIOR
ANTERIOR
O poeta autenticamente épico permanece, não obstante, inteiramente fa- ANTERIOR

241
miliar em seu mundo, tanto no que se refere às potências, às paixões e fins
universais, que se mostram eficazes no interior dos indivíduos, quanto no
que se refere a todos os lados exteriores da autonomia do criar.

Os “lados exteriores” formam o contexto para o surgimento da narrativa épica. Apesar de conside-
rarmos a posição de Hegel bastante determinista, podemos relacioná-la com a periferia em que surge
o rap. Para o filósofo alemão, as nações em formação, sem a rigidez burocrática dos Estados consti-
tuídos, muitas vezes envolvidas em guerras nacionais, são o campo ideal para a narrativa épica. Se
pensarmos nas regiões desprivilegiadas do Brasil e do mundo, especialmente no entorno das gran-
des cidades, o que existe são nações a serem constituídas – inclusive a expressividade quantitativa
de cidadãos à margem nos permite pensar em “nações”, pois algumas periferias, como a paulistana, CAPA
CAPA
são maiores que muitos países. Nesses locais o Estado é ausente e sua presença, em geral, é bélica,
CAPA
com a polícia; o entorno físico está sempre em construção, desde as casas inacabadas à carência de
aparelhos do poder público, como escolas e postos de saúde. Não seria exagero afirmar, portanto,
que a poesia do rap nasce num contexto de nação inacabada. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Quanto à técnica de construção e outras características fundamentais intrínsecas à narrativa do poe- SUMÁRIO
ma épico, as letras de rap são semelhantes na extensão e na versificação. Isso significa composições
longas (algumas músicas chegam a 10 minutos de duração), cujos versos, também longos, são sem-
pre rimados. Quase não existe a liberdade lírica moderna de variar a extensão de versos, estrofes, FICHA
FICHAFICHA
suprimir a rima. Ao contrário, formalmente a letra de rap é tradicionalista.

Passemos ao grafite tentando relacionar a pintura do hip hop ao gênero lírico, identificado pelo
acento subjetivo, diferente do épico, em que a objetividade é maior. Os grafites (tipológicos, figura- PRÓXIMA
tivos e psicodélicos) exprimem lirismo. A profusão de cores reforça essa subjetividade. Além disso, a
PRÓXIMA
PRÓXIMA
forma do grafite é adaptável, pois a pintura é determinada pelo espaço possível na cidade. Ou seja,
quanto à possibilidade de aproximação a algum gênero, os grafites são líricos e, diferente das letras
de rap, que seguem rigidamente um padrão épico de construção, a forma das pinturas é muito mais ANTERIOR
ANTERIOR
variável. Segundo Hegel ANTERIOR

242
A questão principal não é a descrição e a ilustração do acontecimento real, e
sim, inversamente, o modo de apreensão e o sentimento do sujeito, a disposi-
ção alegre ou plangente, animada ou oprimida, que ressoa através do todo, e
de igual maneira o efeito, para o qual uma obra é poetizada, pertence também
inteiramente à esfera lírica. O que o poeta, a saber, intenciona produzir no ou-
vinte é a mesma disposição do ânimo em que é colocado pelo evento narrado
e que ele, por conseguinte, introduziu inteiramente na representação. Ele ex-
pressa a sua melancolia, a sua tristeza, a sua serenidade, o seu fervor patriótico,
etc. em uma ocorrência análoga de um modo que não é o evento mesmo que
constitui o ponto central, e sim a situação do ânimo que nele se reflete, donde
CAPA
ele também ressalta e descreve com plenitude de sentimento preferencialmen- CAPA
te apenas aqueles traços que são consoantes com seu movimento interior e, na CAPA
medida em que eles o expressam do modo o mais vivo, são capazes no mais
das vezes de despertar o mesmo sentimento também no ouvinte. (Idem: 160-1)
SUMÁRIO
Ainda sobre o aspecto lírico dos grafites comparados às letras de rap, nestas o realismo é dominante SUMÁRIO
SUMÁRIO
e o narrador conduz emotivamente a narrativa baseada no contexto vivido – abandonar o realismo
significa rejeitar as características principais da composição de um rap, ao passo que nos grafites,
mesmo nos mais figurativos, a emoção de quem os produziu predomina.
FICHA
FICHAFICHA
Além disso, o compromisso com as grandes questões nacionais e temas sociais importantes não são os
principais assuntos dos grafites, pelo contrário: ao que parece, o rap é o lado realista e sério do hip hop,
enquanto a pintura prioriza a alegria, a descontração e o humor. No rap, além da técnica, é preciso res- PRÓXIMA
peitar os temas de interesse, ligados a problemas sociais dos desprivilegiados econômica e socialmente PRÓXIMA
PRÓXIMA
– os temas do grafite são imensamente mais variados, sem proeminência significativa de algum deles.

Antes de empreendermos a relação entre a narrativa dramática, típica do teatro, e a dança chamada
break, vamos caracterizá-la sumariamente: ela ocorre dentro de uma situação de disputa entre dan- ANTERIOR
ANTERIOR
çarinos numa roda. Cada um deles vai ao centro do círculo e apresenta-se cumprindo três momentos ANTERIOR

243
indispensáveis de começo, meio e fim: o dançarino deve iniciar sua apresentação dançando em pé,
depois fazer movimentos no chão, e terminar “congelando” algum movimento. Respeitada a sequ-
ência dos três “atos”, a improvisação é livre e diferencia os competidores.

Diferente do rap e do grafite, em que um evidente narrador filtra e reconstrói o conteúdo mais ou
menos objetivo, na dança, assim como no texto dramático, não há narrador, as ações dos personagens
conduzem a narrativa e o desfecho é resultado dos embates entre eles. Segundo Hegel (Idem: 203)
“o indivíduo dramático colhe ele mesmo os frutos de seus próprios atos”. Para o filósofo alemão os
momentos de início, meio e fim no drama são mais decisivos estruturalmente que na lírica e na épica,
porque o texto teatral precisa se desdobrar de maneira concentrada para não dispersar a narrativa
em episódios e situações pouco relevantes: CAPA
CAPA
Em termos numéricos, cada drama, de acordo com o que é mais adequado CAPA
à coisa, tem três destes atos, dos quais o primeiro ato expõe [exponiert] o
surgimento da colisão, que a seguir no segundo ato se apresenta vivamen-
SUMÁRIO
te como embate recíproco de interesses, como diferença, luta e intriga, até SUMÁRIO
que então, no terceiro ato, conduzida ao topo da contradição, ela, por fim, SUMÁRIO
necessariamente se soluciona. (Idem: 211)

Se o drama se realiza nas colisões entre os atores, no break o desfecho de uma roda de dança visa
FICHA
FICHAFICHA
eleger o melhor dançarino, o herói identificado após o embate comparativo entre os que se apresen-
tam no palco de dança. E essa eleição depende muito, assim como no teatro, das reações da plateia.

PRÓXIMA
R eferências PRÓXIMA
PRÓXIMA
HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Cursos de estética, volume 4. Tradução Marco Aurélio Werle, Oliver
Tolle. Consultoria Vitor Knoll. São Paulo: Edusp, 2004.

ROSENFELD, Anatol. O teatro épico. São Paulo: Perspectiva, 2004. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

244
Capítulo 3 -
CAPA
CAPA

Fragmentação visual:
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Estrutura, criação e
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

análise ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
JOGOS DIGITAIS E DISPOSITIVOS MÓVEIS: AS
NARRATIVAS E A FRAGMENTAÇÃO DO ATO DE
JOGAR

Bruno H enrique de Paula


Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP - brunohpaula@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
Narrativas e jogos digitais tem apresentado interessantes intersecções ao longo da história do desen-
SUMÁRIO
volvimento de tecnologias contemporâneas, ocupando importante parte dos estudos sobre games. SUMÁRIO
Se, no início, na maioria dos jogos as narrativas eram reduzidas e pouco exploradas, passaram a ser SUMÁRIO
cada vez mais importantes com o avanço da tecnologia disponível para a realização dos jogos digi-
tais. Um dos maiores expoentes dessa complexidade narrativa são os RPGs (Role Playing Games),
nos quais o desenvolvimento do jogo e a narrativa se entrelaçam de tal maneira que acabam prati- FICHA
FICHAFICHA
camente impossíveis de serem dissociados. Porém, presenciamos na atualidade a expansão do raio
de influência dos jogos digitais; um dos fatores que levou a este crescimento foi a popularização de
dispositivos móveis, que, entre outras aplicações, permitem que usuários joguem em qualquer lugar, PRÓXIMA
a qualquer momento. Esta fragmentação do ato de jogar, aliada ao crescimento do público de jogos, PRÓXIMA
PRÓXIMA
que traz adeptos pouco habituados a este universo, gerou uma necessidade de redução da comple-
xidade dos jogos desenvolvidos para este tipo de plataforma. Colocadas estas situações, levanta-se
uma questão: há espaço para o desenvolvimento de narrativas neste novo ato de jogar, totalmente
fragmentado? O presente trabalho apresenta resultados de uma investigação sobre a presença de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

246
situações narrativas em jogos digitais, através da análise de aplicativos disponíveis nesta área para
dispositivos móveis. Foram analisados alguns jogos de grande e recente sucesso comercial, presen-
tes na plataforma Google Play: Angry Birds, Jetpack Joyride, Fruit Ninja, Plants vs. Zombies, Dead
Space e Machinarium. Buscou-se, ainda, fazer uma reflexão sobre como se dá esta relação e sua im-
portância para os jogos destas plataformas. Pretende-se, através desta investigação, contribuir para a
compreensão da maneira na qual se dá a relação entre as narrativas e as mídias dotadas de potencial
móvel.

Palavras-chave: Narrativas, jogos digitais, plataformas móveis, narrativas em mídias digitais.

CAPA
CAPA
A bstract CAPA
Narratives and digital games have had interesting intersections along the history of contempora-
neous technology development, occupying important role in game studies. If in the beginning of
videogames era the narratives were reduced, they become more and more important as digital games SUMÁRIO
flourished. One of the biggest exponent of this narrative complexity are the RPGs (Role Playing Ga- SUMÁRIO
SUMÁRIO
mes), where game and narratives are so close that they become practically inseparable. Nevertheless,
we notice a growth of the influence range of digital games; one of the factors that leaded to that in-
crease was the popularization of the mobile devices, which allow users to play anytime, anywhere.
FICHA
FICHAFICHA
This fragmentation of the act of playing, allied to the growth of game audience, which include peo-
ple that weren’t used to this universe, demanded a reduction of the complexity for games developed
to these devices. These situations lead to a question: Is there space to the development of narratives
in this new act of playing, totally fragmented? This work presents results of an investigation about PRÓXIMA
the presence of narrative situations in digital games, by an analysis of some mobile devices’ apps.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
The games analyzed are some that had huge and recent commercial success, available at Google Play
platform: Angry Birds, Dead Space, Fruit Ninja, Jetpack Joyride, Machinarium and Plants vs. Zom-
bies. With this investigation, I hope to contribute to the comprehension about how the relationship ANTERIOR
ANTERIOR
between narratives and mobile devices happens, by understanding how this relationship occurs and ANTERIOR

247
its importance to these games.

Keywords: Narratives, digital games, mobile platforms, narratives in digital media.

J ogos digitais e narrativas : um breve histórico da relação

Os jogos digitais têm passado por um grande desenvolvimento nos últimos anos devido à expansão
para outros suportes, além dos já tradicionais computadores pessoais e consoles. Se compararmos os
últimos lançamentos com o primeiro jogo digital da história, Spacewar!, de 1961 (Bogost 2007: 341),
fica clara a evolução do campo: o mais recente apresenta gráficos mais desenvolvidos, som de alta
qualidade, interfaces bem definidas, etc. Dentre estas inovações, um dos fatores que deve ser apon- CAPA
CAPA
tado é o desenvolvimento de narrativas dentro dos jogos digitais.
CAPA
O jogo que inicia a relação entre jogos digitais e narrativas é “Adventure”, de 1975: trata-se de um
jogo textual, onde jogador recebe uma descrição do espaço e da situação em que se encontra e deve,
SUMÁRIO
digitando comandos, resolver os desafios e dar continuidade à história. Para Harry Brown (apud SUMÁRIO
Alexander 2011: 19), Adventure representa um marco na história dos jogos digitais, pois é o primeiro SUMÁRIO
no qual o desdobramento da história é mais importante que a pontuação atingida pelo usuário: os
games passam a transpor a barreira do convite aos jogadores para cumprir desafios e começam tam-
bém a levá-los a outros mundos e contar, assim, histórias. FICHA
FICHAFICHA
Posteriormente, temos o florescimento de gêneros de jogos narrativos, como os MUDs (Multi-User
Dungeon), e os RPGs (Role-Playing Games). Os MUDs surgiram na década de 1980, como uma ver-
são coletiva de Zork (Infocom, 1980) e eram ambientes em que os usuários conversavam entre si (via PRÓXIMA
digitação) em tempo real, pela rede. Através dos textos digitados, os participantes improvisavam as
PRÓXIMA
PRÓXIMA
cenas e imaginavam coletivamente mundos fictícios (Murray 2003: 54-55). Assim, se, anteriormente,
os usuários deveriam seguir o roteiro pré-determinado pelo jogo, nos MUDs os próprios usuários

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

248
criavam as situações e narrativas de improviso, numa espécie de RPG1 virtual.

Os próprios RPGs, ao chegarem ao universo dos jogos digitais, também se aproveitaram da proxi-
midade com as narrativas. Como Newman (2007: 48) recorda, estes jogos muitas vezes combinam
cenários ricos e trilha sonora elaborada com diálogos essencialmente textuais, contraste que faz com
que a narrativa receba uma atenção maior do jogador, ocupando, junto às caracterizações, um espaço
central no desenrolar neste tipo de jogo.

Além dos três gêneros citados, outro muito ligado às narrativas é aquele conhecido como adventu-
re 2. É outro gênero no qual seu principal objetivo é prosseguir com o desenvolvimento da narrativa
resolvendo pequenos enigmas em cada ambiente apresentado, utilizando outros recursos além dos
CAPA
textos, com elementos gráficos. CAPA
CAPA

N arrativas em todos os jogos ?


SUMÁRIO
Nos gêneros de jogos citados, é possível notar a relação entre jogos digitais e narrativas. Porém, em SUMÁRIO
todo o campo dos jogos digitais, e não apenas nestes gêneros, qual sua ligação com as narrativas? SUMÁRIO

“No princípio da história dos videogames, apenas as ficções interativas


eram capazes de integrar histórias e jogos (...); mas atualmente, não há
FICHA
FICHAFICHA
um gênero popular que não se utilize de uma estrutura ficcional explíci-
ta.” (Egenfeldt-Nielsen et al. 2008: 170 – tradução minha).

Percebe-se que os autores utilizam as expressões “histórias” e “estrutura ficcional”, e não “narrati- PRÓXIMA
va”; cabe, portanto, uma breve explanação sobre estes termos. Para Egenfeldt-Nielsen et al. (2008: PRÓXIMA
PRÓXIMA
172), quando se fala sobre “narrativas” ou “histórias” no campo dos jogos digitais, faz-se referência à
sucessão de eventos pré-estabelecidos que o jogador deve executar em determinada ordem. Já quan-

1 Para maiores detalhes sobre RPG, ver Salen e Zimmerman 2004: 115-116. ANTERIOR
ANTERIOR
2 Não confundir este gênero de jogos com o jogo homônimo de 1975. ANTERIOR

249
do se fala de “estrutura ficcional”, os autores se referem aos mundos ficcionais, que “são construções
imaginárias criadas a partir de uma descrição textual” (Egenfeldt-Nielsen et al. 2008: 173).

Ainda que as narrativas não sejam intrínsecas ou façam parte da definição básica do que é um jogo
digital (Jenkins 2004: 2-3), Egenfeldt-Nielsen et al. (2008: 171-173) afirmam que os mundos ficcionais
criados influenciam positivamente a experiência do jogador: ao reconhecê-los (através de seu reper-
tório pessoal), imediatamente aplica os conceitos que conhece àquela realidade na qual acabou de
entrar, levando o jogador mais rapidamente a uma imersão no jogo.

Murray (2003: 102) define a imersão como “a sensação de estarmos envolvidos por uma realidade
completamente estranha, (...), que se apodera de toda a nossa atenção”. O grande trunfo das experi-
CAPA
ências imersivas é que elas funcionam como um ciclo de respostas3 para o usuário: ao interagir com CAPA
este ambiente, a resposta recebida é condizente com o espaço do jogo (Alexander 2008: 93). Este pro- CAPA
cesso facilita a compreensão das regras, além de favorecer possíveis experiências narrativas.

SUMÁRIO
SUMÁRIO
N arrativas e jogos para dispositivos móveis SUMÁRIO
No trecho anterior, ressaltou-se como a maioria dos jogos utiliza ao menos um recurso ficcional do
campo narrativo (os mundos ficcionais). Porém, sendo os objetos de estudo deste trabalho os jogos
digitais para plataformas móveis contextualizar-se-á também a atualidade destes jogos para plata- FICHA
FICHAFICHA
formas móveis.

Em seu livro “Revolução Casual” (2010), Jesper Juul destaca como o florescimento dos jogos casuais
vem modificando o mercado de jogos digitais, atraindo pessoas que nunca se interessaram por eles PRÓXIMA
e também aqueles que, por outros motivos, como o tempo escasso para se dedicar a jogos comple-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
xos, se afastaram desta atividade (Juul 2010: 11). É principalmente nos novos suportes móveis (como
smartphones e tablets), que os jogos casuais vêm se consolidando. Angry Birds, que atingiu 1 bilhão

ANTERIOR
ANTERIOR
3 Feedback loop, no original. ANTERIOR

250
de downloads entre seu lançamento (12/2009) e 05/2012 (Kersey 2012) é o maior expoente deste fe-
nômeno. Porém, o que é um jogo casual?

Scott Kim (apud Juul 2010: 25-26) em sua fala na Game Developers Conference de 1998, discursou
sobre duas categorias de jogos digitais: os “jogos para jogadores” e os “jogos para o resto de nós”.
Aqueles seriam desenvolvidos para entusiastas de games: utilizam tecnologia avançada, são grandes
e complexos, voltados para jovens do sexo masculino que investem várias horas nesta atividade. Já
a segunda categoria engloba jogos que atingem uma audiência mais ampla (homens e mulheres de
todas as idades) que deseja jogos com regras mais fáceis de serem compreendidas. É justamente esta
definição de “jogos para o resto de nós” que descreve a categoria de jogos casuais, resumidos como
aqueles com regras mais simples e acessíveis, que requerem um menor investimento de tempo por CAPA
CAPA
parte do jogador para que este se sinta recompensado pelo jogo.
CAPA
Entretanto, há certa preocupação em relação à profundidade e qualidade destes jogos, como vis-
to na opinião do game designer Eric Zimmerman, ao ser inquirido sobre sua percepção dos jogos
SUMÁRIO
casuais: SUMÁRIO
SUMÁRIO
“Prefiro imaginar que meu público pode ter uma relação profunda, de-
dicada e significativa com os trabalhos que produzo. E a noção de jogo
casual implica em uma relação mais leve e menos significativa com os
FICHA
FICHAFICHA
trabalhos.” (Zimmerman apud Juul 2011: 26 – tradução minha).

Partindo-se da profundidade da relação entre consumidor e objeto e da dualidade narrativas-jogos


digitais, coloca-se a seguinte questão: há espaço para o desenvolvimento de narrativas no campo PRÓXIMA
dos jogos digitais para dispositivos móveis, ocupados por jogos casuais e, como já apontados, menos PRÓXIMA
PRÓXIMA
profundos? O presente trabalho visa, através de análise prática de jogos selecionados, expor a rela-
ção entre o estudo das narrativas e os jogos digitais para dispositivos móveis.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

251
D esenvolvimento do T rabalho
Inicialmente, selecionaram-se 6 jogos da loja Google Play4 para tablets com o sistema operacional An-
droid. Foram levados em conta seu sucesso comercial (número de vendas) e variedade dos gêneros,
para traçar-se um parâmetro global das relações entre narrativas e jogos digitais para dispositivos
móveis. Os jogos escolhidos foram: Angry Birds (Rovio, 2009), Jetpack Joyride (Halfbrick Studios,
2012), Fruit Ninja (Halfbrick Studios, 2010), Plants vs. Zombies (PopCap Games, 2011), Dead Space
(EA, 2011) e Machinarium (Amanita Design, 2012). Em relação aos gêneros, há um puzzle, três jogos
de ação, um jogo de estratégia e um adventure.

Posteriormente, estabeleceram-se os elementos narrativos (Tabela 1) a serem avaliados, visando le-


vantar as estratégias que facilitam a criação de narrativas em jogos digitais. Para esta seleção, foram CAPA
CAPA
utilizados os trabalhos de Murray (2003: 12), Alexander (2008: 93, 96), Egenfeldt-Nielsen et al. (2008:
CAPA
176), Jenkins (2004: 3, 8).

Elemento Descrição
Construções imaginárias que são as principais responsáveis pela
SUMÁRIO
Mundos ficcionais SUMÁRIO
imersão em um jogo digital. SUMÁRIO
Cenas não interativas que interrompem a ação do usuário para,
através de uma espécie de filme, estabelecerem o conflito central,
Cutscenes
direcionarem a narrativa ou recompensarem o usuário após uma
conquista. FICHA
FICHAFICHA
Resgatam experiências / memórias narrativas anteriores, faci-
Uso do repertório litando a compreensão do mundo ficcional por parte do novo
jogador
Pequenas narrativas paralelas que moldam a experiência emo- PRÓXIMA
Micronarrativas cional do jogador através de contextualizações, atuando como PRÓXIMA
suporte para o mundo imersivo ou fio narrativo do jogo. PRÓXIMA

Tabela 1: Descrição dos elementos narrativos avaliados nos jogos selecionados

ANTERIOR
ANTERIOR
4 http://play.google.com ANTERIOR

252
A busca destes elementos nos jogos foi feita a partir de duas técnicas do estudo de jogos digitais: o
gameplay estrutural e o gameplay temático. Em ambas, o pesquisador deve “jogar o jogo”; porém,
enquanto na primeira ele deve ter atenção especial para as regras que regem o jogo e como se dão
as interações entre os objetos inseridos nesse mundo, na segunda o pesquisador deve atentar para a
experiência do jogo como um todo, interpretando-o como um meio cultural (Mäyrä 2008: 165-166).
Como plataforma móvel foi utilizado um tablet Samsung Galaxy Tab 2.0 7’’ com o sistema operacio-
nal Android na versão 4.0.4.

R esultados
CAPA
A Tabela 2 apresenta um resumo das observações realizadas na pesquisa. Em seguida, será feita uma CAPA
discussão dos resultados obtidos, separados por cada elemento narrativo investigado. CAPA

Jogo Gênero Mundo Cutscenes Repertório Micro


ficcional narrativas
Angry Birds Puzzle X X SUMÁRIO
Jetpack Joyride Ação X X SUMÁRIO
Fruit Ninja Ação X SUMÁRIO
Dead Space Ação/Horror X X X X
Plant Vs Zombies Estratégia X X X X
Machinarium Adventure X X X X
FICHA
FICHAFICHA
Tabela 2: Jogos selecionados e presença dos elementos narrativos analisados

M undos F iccionais PRÓXIMA


Como esperado, notou-se que todos os jogos apresentavam um mundo ficcional; porém, foram en-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
contradas diferenças em seu nível de detalhamento: há desde uma pequena ambientação (com ele-
mentos gráficos e sonoros) do dojo de cortadores de vegetais em Fruit Ninja ou do laboratório secre-
to invadido pelo protagonista de Jetpack Joyride até o detalhado universo de Dead Space, onde os ANTERIOR
ANTERIOR
humanos circulam pelo Sistema Solar e a ação ocorre em uma estação de mineração em uma lua. Há, ANTERIOR

253
ainda, os ambientes externos à sua casa (jardim, quintal e telhado nos quais o jogador planta para se
defender da invasão zumbi) em Plants vs. Zombies, o planeta enferrujado do robô protagonista de
Machinarium, e o mundo de fortes construídos para a guerra entre pássaros e porcos de Angry Birds.

Ainda com todas estas diferenças de profundidade na concepção dos mundos ficcionais, pode-se
considerar que, assim como Egenfeldt-Nielsen et al. afirmavam (2008: 170) sobre a estrutura ficcio-
nal, todos os jogos analisados lançam mão desta estratégia.

C utscenes
Em relação ao uso das cutscenes, é possível notar uma maior variedade: há jogos que não a utilizam CAPA
CAPA
(como Jetpack Joyride e Fruit Ninja), jogos que utilizam pequenas cenas estáticas entre longas ses-
CAPA
sões de jogos (como Angry Birds) e jogos que as utilizam em vários momentos (Dead Space, Machi-
narium e Plants vs. Zombies).
SUMÁRIO
Os jogos que optam pela não utilização da cutscene são também aqueles considerados mais curtos: SUMÁRIO
são compostos por única “fase” gerada randomicamente e, ao ser derrotado, o jogador é convidado SUMÁRIO
a comprar itens que podem melhorar seu desempenho e, depois, a jogar novamente. Com fases ran-
dômicas, uma sessão nunca é igual a anterior, e assim os jogos tem uma vida útil mais longa, ou seja,
a falta de cutscenes não prejudica a relação com o jogo, ainda que estas incrementem a sensação de FICHA
FICHAFICHA
sucesso do jogador caso.

Angry Birds opta por utilizar cutscenes curtas e pontuais: expõem o conflito no início do jogo e ao
fim de cada ato, até o final da obra. São cenas estáticas com trechos da narrativa, como os porcos PRÓXIMA
roubando os ovos dos pássaros (conflito inicial) e os estes conquistando vitórias sobre os porcos. O
PRÓXIMA
PRÓXIMA
uso de cutscenes aqui segue um padrão clássico nos jogos digitais: expõem o conflito, direcionam a
narrativa e funcionam como recompensas.

Em Dead Space, as cutscenes são usadas tanto para expor o conflito inicial quanto em trechos du- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

254
rante o jogo, como em Angry Birds; contudo, são mais complexas, pois são pequenos filmes e não
apenas quadros estáticos, estratégia comum em jogos de ação maiores, fazendo com que o jogador
possa imergir ainda mais em seu mundo ficcional.

Plants vs. Zombies opta pelo uso de cutscenes apenas entre fases, apresentando o conflito diretamen-
te no jogo. Seu grande trunfo é a introdução de um personagem secundário, o carismático e cômico
vizinho Crazy Dave, que aparece com dicas para um melhor desempenho, introduz o desafio da
próxima fase ou sugere ao jogador a compra de itens novos. Surge um tom de humor no jogo, com-
pletando o seu visual cartoon e colaborando para o estabelecimento de uma ligação afetiva entre jogo
e jogador.
CAPA
Já em Machinarium, podem ser consideradas como cutscenes as cenas que ocorrem logo que o per- CAPA
sonagem principal entra em um novo ambiente: o jogador tem sua interação bloqueada e estas cenas CAPA
explicam o desafio proposto por aquele ambiente. Como diferencial, as cutscenes surgem no mesmo
ritmo do jogo, enquanto em todos os outros casos havia um claro corte em relação à perspectiva do
SUMÁRIO
jogador. Ao lançar mão desta estratégia, Machinarium minimiza a chance de quebrar o estado de SUMÁRIO
imersão, já que não há um momento de choque entre os atos de jogar e assistir. SUMÁRIO

U so do repertório FICHA
FICHAFICHA
Quanto ao uso de repertório, apenas dois dos seis jogos não se utilizam desta técnica: Angry Birds
e Fruit Ninja não buscam um resgate da memória do jogador para a construção do mundo ficcional.
Porém, considera-se que este fato não atrapalha seu sucesso, já que conseguiram bons resultados PRÓXIMA
comerciais, possivelmente pela inovação casual apresentada. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Já Jetpack Joyride se aproveita do repertório relacionado ao cinema hollywoodiano de ação: é com-
posto por um laboratório secreto que é invadido pelo protagonista, que se utiliza de um jetpack (mo-
chila com propulsor a jato). Ao resgatar este repertório, o jogo torna-se intuitivo: o jogador sabe que ANTERIOR
ANTERIOR
controla o invasor e seu objetivo é sobreviver. ANTERIOR

255
Em Dead Space o repertório está ligado aos filmes de terror de ficção científica. Claramente as im-
pressões remetem ao filme Alien (Scott, 1979), já que a protagonista se encontra em uma estação
espacial dominada por seres que se apoderam de corpos humanos. O jogo utiliza a mesma estética,
com cenários escuros, e muitas situações que geram suspense, assustando o jogador e criando uma
atmosfera tensa, aumentando a experiência imersiva de jogo. O repertório também contribui para
que a compreensão do objetivo do jogo: derrotar os seres que dominaram a estação e fugir.

Plants vs. Zombies se aproveita do repertório de forma subversiva: em um jogo com zumbis, espera-
-se uma atmosfera mais tensa, como aquela em Dead Space. O que se nota, contudo, é um ambiente
amigável, iluminado, com cores vibrantes e personagens no estilo cartoon. Ainda que esta subversão
possa desagradar alguns jogadores desavisados, pode-se considerar que, aliada ao humor contido no CAPA
CAPA
jogo, é criado um tipo de experiência diferente. Vale lembrar que, apesar desta diferença, o objetivo
CAPA
do jogo, como o de todas temáticas do tipo zumbi é exterminá-los.

Em Machinarium nota-se o aproveitamento de repertório relativo ao gênero do próprio jogo: por se


SUMÁRIO
tratar de um adventure, o jogador já experimentado neste tipo de obra tem consciência que seu obje- SUMÁRIO
tivo é resolver vários mistérios para que se compreenda a história a ser desenrolada. SUMÁRIO

M icronarrativas FICHA
FICHAFICHA
Como micronarrativas, consideraram-se ações que ocorrem em paralelo à narrativa principal e que
dão suporte ao ambiente imersivo do jogo ou mesmo ao seu fio condutor. Com esta visão, conside-
ra-se que, dentre os jogos selecionados, apenas aqueles que possuem um maior tempo de jogo (um PRÓXIMA
maior espaço para o desenvolvimento de narrativas) conseguem explorar estas técnicas. PRÓXIMA
PRÓXIMA
A grande diferença, porém, está na maneira como elas são inseridas: se em Dead Space e Plants vs.
Zombies estas micronarrativas aparecem fora da experiência interativa do jogador, já que nestes elas
ocorrem basicamente junto às cutscenes, em Machinarium elas se encontram mais integradas à expe- ANTERIOR
ANTERIOR
riência de jogo, tornando-se assim mais importantes para reforçar o mundo enferrujado desta obra. ANTERIOR

256
Vale ressaltar também que as micronarrativas em Machinarium são facilitadas pelo seu próprio gê-
nero: por se tratar de um jogo de exploração, espera-se que os desenvolvedores tenham um cuidado
maior com a criação do espaço e com os feedbacks dados ao usuário após cada ação no mundo do
jogo. Assim, é mais fácil criar micronarrativas de outras maneiras que não dentro de cutscenes, como
criando certos tipos de respostas para a interação com outro personagem.

C onclusões
Com os resultados da pesquisa, é possível concluir que os jogos selecionados se encaixam na propo-
sição de Egenfeldt-Nielsen et al., quando afirmam que todos os jogos possuem ao menos um meca-
CAPA
nismo ficcional. Nota-se também que o gênero do jogo não é um parâmetro definitivo em relação ao CAPA
nível e profundidade das estratégias narrativas utilizadas, ainda que alguns gêneros, como o adven- CAPA
ture, demandem o uso de mais estratégias que outros.

A escolha pelo não desenvolvimento de narrativas em jogos casuais pode ser justificada pela carac- SUMÁRIO
terística de mobilidade da plataforma: como o jogador tem a possibilidade de realizar esta atividade SUMÁRIO
SUMÁRIO
em qualquer lugar e momento, o ato de jogar torna-se fragmentado em pequenas e múltiplas ses-
sões. Esta fragmentação pode ser considerada um dos motivos para o sucesso de jogos como Angry
Birds, Jetpack Joyride e Fruit Ninja, especificamente os três que usam menos recursos narrativos,
FICHA
FICHAFICHA
pois facilitam sessões de jogos curtas, seja pela estrutura episódica de Angry Birds, seja pelas fases
procedurais dos outros dois.

Ainda assim, defende-se que as narrativas podem ser mais exploradas em jogos para dispositivos mó- PRÓXIMA
veis. Uma das saídas possíveis é baseá-los em micronarrativas, criando pequenas histórias que aumen- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tem o engajamento do usuário no jogo. O segredo para o sucesso da inclusão de narrativas em jogos
digitais é compreender a especificidade das histórias contadas pelos jogos, que permitem que o usuário
sinta-se como participante do enredo (Egenfeldt-Nielsen 2008: 193). Este sentido de participação con-
tribui para que o usuário imirja no jogo, obtendo assim uma relação mais profunda com a obra. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

257
R eferências
ALEXANDER, Bryan, 2011, The new digital storytelling: creating narratives with new media. Santa Barba-
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CAPA
CAPA
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CAPA
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FICHA
FICHAFICHA
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slashgear.com/angry-birds-reaches-one-billion-downloads-09227363/> (acesso em 12-10- PRÓXIMA
PRÓXIMA
2012).

M ídias ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

258
Alien, 1979, Filme. Dir: Ridley Scott. Los Angeles: 20th Century Fox.

Angry Birds, 2009, Jogo digital. Espoo: Rovio.

Dead Space, 2011, Jogo digital. Melbourne: EA

Fruit Ninja, 2010, Jogo digital. Brisbane: Halfbrick Studios.

Jetpack Joyride, 2012, Jogo digital. Brisbane: Halfbrick Studios.

Machinarium, 2012, Jogo digital. Brno: Amanita Design.

Plants vs. Zombies, 2011, Jogo digital. Seattle: PopCap Games.


CAPA
CAPA
Zork, 1980, Jogo digital. Cambridge: Infocom.
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

259
A EXPERIÊNCIA DA FICÇÃO ATRAVÉS DA
EXPLORAÇÃO NO JOGO: O CASO DE RED DEAD
REDEMPTION

Alessandra Maia | I van M ussa


PPGCom/Uerj - alemontmaia@gmail.com | PPGCom/Uerj - ivanmussa@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
O presente artigo pretende relacionar conceitos como Logicidade (REGIS, 2009) e Affordances (GIB-
SUMÁRIO
SON, 1986) aos estudos de Jesper Juul por meio da análise do game Red Dead Redemption (Rockstar SUMÁRIO
Games, 2010) com o intuito evidenciar como a exploração pode promover a interação com a ficção SUMÁRIO
de um jogo eletrônico.

Logicidade é o estudo do estímulo às habilidades mentais, tradicionalmente ligadas à lógica, como a


FICHA
FICHAFICHA
resolução de problemas e tomada de decisão, tal como defende Steven Johnson (2005) com suas ca-
tegorias de sondagem e investigação telescópica (Cf. REGIS, 2008, 2009). Neste item, segundo a pes-
quisadora, privilegia-se a capacidade associativa (para relacionar referências intertextuais, indispen-
sável à formação da enciclopédia intertextual e de orientação espacial do usuário) e a de aprender a PRÓXIMA
usar novas interfaces e programas. Enquanto as affordances, de acordo com Gibson, são percebidas
PRÓXIMA
PRÓXIMA
a partir de um processo ativo e de exploração realizado por meio do ato de mover-se pelo ambiente,
e que pode ser auxiliado por fatores que não estão diretamente relacionados aos sentidos. Gibson
ressalta, assim como na Logicidade, que as experiências vividas e os fatores culturais, ou o repertório ANTERIOR
ANTERIOR
(Cf. MAIA & ALTIERI, 2012, p. 6-8), do agente podem influenciar o modo como se entende as possi- ANTERIOR

260
bilidades de ação de um objeto ou ambiente, pois perceber uma affordance independe de processos
mentais de representação ou memória.

A ideia é aplicar estes conceitos às duas dimensões de um jogo, descritas por Jesper Juul (2006): a das
regras (real) e a da história do jogo (ficcional). As regras fazem parte da estrutura básica com a qual
o jogador interage, que determina seus objetivos e das ações que pode desempenhar. No entanto, o
jogo não é apenas um sistema de regras, pois a este se acopla uma dimensão ficcional: “ganhar ou
perder um jogo é um evento real. No entanto, quando se ganha um jogo ao matar um dragão, o dra-
gão não é real, mas ficcional” (JUUL, 2006, p.1, tradução nossa).

A exploração de um jogo como Red Dead Redemption é uma forma de interagir com as regras, mas
CAPA
também com a ficção. Compreender como se dá a experiência de intreragir e explorar um jogo pode CAPA
ser fundamental para se construir experiências ficcionais interessantes nos jogos eletrônicos. CAPA

A escolha do corpus, porém, não foi aleatória. Afinal, este trabalho surge como desmembramento
das questões abordadas pelos autores em suas pesquisas, ambas desenvolvidas na linha de Tecnolo- SUMÁRIO
gias de Comunicação e Cultura, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação na Universidade SUMÁRIO
SUMÁRIO
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).

Palavras-chave:Game; Logicidade; Affordances; Exploração; Ficção.


FICHA
FICHAFICHA

A bstract
This paper intents to relate concepts like logicality [in Portuguese language, logicidade] (REGIS, PRÓXIMA
2009) and affordances (GIBSON, 1986) to JesperJuul’s studies through the game Red Dead Redemp- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tion (Rockstar Games, 2010), with the goal of evidencing how exploration may promote interactions
with fictional elements of a video game.

Logicality is the study of stimulations of cognitive abilities that are most commonly connected to ANTERIOR
ANTERIOR
Logics, e.g. problem solving and decision taking, as defended by Steven Johnson (2005) with his ANTERIOR

261
categories of probing and telescoping (cf. REGIS, 2008, 2009). In this category, according to Regis,
emphasis is given to the capacity of making associations (relating intertextual references that are ne-
cessary to the formation of an intertextual/spatial orientation encyclopedia) and learning how to use
new interfaces and softwares; whilist affordances, according to Gibson, are perceived from an active
process of exploration, performed through the act of moving across the environment and with the
aid of several features that are not directly related to senses. Gibson assures that lived experiences
and cultural factors, or the repertory of a given agent (cf. MAIA & ALTIERI, 2012: 6-8), may be sig-
nificant in the way we perceive possibilities of action from objects or an environment, as in the same
way as in Regis’ logicality, since perceiving an affordance does not depends on mental processes of
representation or memories.
CAPA
CAPA
Therefore our goal is to apply those concepts above to the two game dimensions that are described
CAPA
by JesperJuul (2005): rules (real) and the game story (fictional). Rules are a part of a basic interactive
structure, defining the objectives of the game and the actions that are allowed for the players. Howe-
ver games are not just a system of rules, as a fictional dimension also exists within the game: “(…) SUMÁRIO
winning or losing a game is a real event. However, when winning a game by slaying a dragon, the SUMÁRIO
SUMÁRIO
dragon is not a real dragon but a fictional one” (JUUL, 2005: 1).

Exploring a game like Red Dead Redemption is a way of interacting with rules but, maybe, more
importantly with the fictional elements. Comprehending how the experience of interacting with and FICHA
FICHAFICHA
exploring the game may be fundamental to construct interesting fictional experiences in video ga-
mes.

The selection of the corpus was not a random one, as this work unfolds some questions that are part PRÓXIMA
of the authors’ researches at the Tecnologias de Comunicação e Cultura research group, in the Gra-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
duate Program in Communication Sciences, Rio de Janeiro State University (Uerj).

Keyword: Game; Logicality; Affordances; Exploration; Fiction.


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

262
I ntrodução
No presente paper optou-se por pesquisar e relacionar os conceitos de Logicidade (REGIS, 2008,
2009) e Affordances (GIBSON, 1986) com os estudos de Jesper Juul (2005) sobre regras e mundos fic-
cionais por meio da análise do jogo Red Dead Redemption (Rockstar Game, 2010) para demonstrar
como a exploração pode promover a interação com a ficção apresentada. Entretanto, o objeto desta
pesquisa, ainda inicial, é a metodologia e não o game estudado, que representa apenas o corpus de
análise que será ampliado em pesquisas futuras.

Para este estudo optou-se por um jogo de mundo aberto para, de algum modo, evidenciar como a
forma de o jogador interagir,quando não está toda pensada e estruturada pelo programador,pode
permitir que a experiência da ficção seja vivida mais intensamente por meio da exploração no jogo.O CAPA
CAPA
interator não é obrigado a seguir apenas as missões pré-concebidas, mas quando a faz consegue abrir
CAPA
ainda mais o mapa e, desta forma, poderá criar a sua narrativa de forma diferenciada. Todavia, ainda
é importante destacar que quando se “segue a narrativa” do jogo ainda a faz de forma diferenciada
– uma pessoa não joga como a outra, mesmo queas missões sejam as mesmas –, porque os caminhos SUMÁRIO
a serem seguidos não se apresentam como “um corredor fechado”, que só o permite ir para a frente, SUMÁRIO
SUMÁRIO
muito pelo contrário, pois o campo de ação do interagente é bem vasto. Por esta razão, dedicamos
uma parte do texto para explicitar as características de um mundo aberto e de eventos que podem
compor esse universo ficcional.
FICHA
FICHAFICHA
A exploração neste paper é tida como um trabalho mental que exige uma sondagem do ambiente e
de seus componentes (affordances) de modo a alinhar em uma ordem lógica as missões dadas, inves-
tigação telescópica, assim como as criadas pelo jogador no momento de interação com este mundo/ PRÓXIMA
momento faroeste. Destacamos ainda que o conhecimento deste momento da história, seja por meio PRÓXIMA
PRÓXIMA
de livros, filmes ou outros jogos, permite ao interator investigar o ambiente de uma outra maneira
quando comparado a outro que desconhece tal gênero.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

263
L ogicidade
Por meio da Logicidade estudar-se-á o estímulo às habilidades mentais, tradicionalmente liga-
das à lógica, como a resolução de problemas e tomada de decisão, tal como defende Steven John-
son com suas categorias de sondagem e investigação telescópica (cf. REGIS, 2008, 2009). Neste
item, segundo Fátima Regis, privilegia-se a sondagem e a investigação telescópica, capacidade
associativa (para associação de referências intertextuais, indispensável à formação da enciclo-
pédia intertextual e de orientação espacial do usuário) e a de aprender a usar novas interfaces e
programas.

Para Steven Johnson “pesar a evidência, analisar situações, consultar as suas metas a longo prazo e,
então, decidir” (2005, p. 34) são decisões que se baseiam em duas modalidades de trabalho intelectu- CAPA
CAPA
al denominados por ele comosondagem e investigação telescópica.Quanto à primeira ele nos indica
CAPA
que é preciso “sondar as profundezas da lógica do jogo para entendê-lo e, como na maioria das ex-
pedições investigativas, você obtém resultados por meio de tentativa e erro, tropeçando nas coisas,
seguindo intuições” (Ibid., p. 35). SUMÁRIO
SUMÁRIO
A sondagem funciona como uma forma de descobrir quais são as regras não explícitas do jogo; o que SUMÁRIO
é preciso fazer para avançar nas fases ou para encontrar bônus ou, simplesmente, testar os limites
dos jogos.Por isso, para sondar um ambiente é preciso estar com uma atenção consciente.Enquanto,
para Johnson (2005), investigação telesópica é o trabalho mental de gerenciar de maneira simultânea FICHA
FICHAFICHA
todos os objetivos do jogo, por causa do “modo como eles [os objetivos] se aninham um dentro do
outro como um telescópio desmontado” (Ibid., p. 43). O autor ainda ressalta que “parte dessa habi-
lidade reside em focar os problemas imediatos e, ao mesmo tempo, ainda mater uma visão a longa PRÓXIMA
distância” (Ibid., p. 44) e desta forma o jogador precisa aprender a fazer relações e a criar uma ordem PRÓXIMA
PRÓXIMA
lógica aos eventos que se seguem na tela. Por isso e muitos outros fatores que jogar é uma atividade
que privilegia o modo como se está pensando e nãoo que está sendo pensado.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

264
A ffordances
A teoria das affordances teve um capítulo inteiro dedicado a ela na obra “The Ecological Approach
to Visual Perception”, lançada originalmente em 1979 por James J. Gibson. Segundo o psicólogo nor-
teamericano, elas seriam as possibilidades de ação que um ambiente permite a um ator (homem ou
outro animal), por meio de um “relacionamento ecológico”, no qual o ambiente e os atores estariam
interligados, ou melhor, seriam interdependentes.

Segundo o próprio autor, o conceito deriva diretamente das ideias de valência (valence), convite
(invitation) e demanda (demand), mas com a diferença de que a affordance de algo não muda, o que
se altera são as necessidades do observador e, por isso, de acordo com seus interesses as affordances
do ambiente são percebidas, mas, nem por isso, elas deixam de estar presentes (cf. GIBSON, 1986, p. CAPA
CAPA
138-139). Por isso, pode-se dizer que a teoria de Gibson destaca a percepção direta, pois o estímulo
CAPA
sensorial já traz as características do ambiente para quem interage com ele. Ou seja, as qualidades
de um ambiente (natural ou artificial), como suas formas, seus sons, as texturas etc., são apreendidas
diretamente, sem a intervenção de outros processos mentais – como a memória, por exemplo –, e SUMÁRIO
podem influenciar o seu comportamento. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Contudo, segundo as autoras LetíciaPerani e Alessandra Maia (2012), vale frisar que Gibson conce-
beu a palavra affordances a partir do verbo inglês to afford (dar, proporcionar, permitir-se, conceder),
inspirado nos princípios da psicologia Gestalt em que o significado ou o valor de algo é percebido FICHA
FICHAFICHA
ao mesmo tempo em que as suas qualidades (cf. GIBSON, 1986, p. 138). Entretanto, a sua teoria se
distingue da visão da Gestalt ao realçar que as possibilidades de ação de um objeto não são modi-
ficadas de acordo com as necessidades do agente; para Gibson, “the observer may or may not perceive PRÓXIMA
or attend to the affordance, according to his needs, but the affordance, being invariant, is always there to be PRÓXIMA
PRÓXIMA
perceived” 1 (Ibid., p. 139). Por isso,é possívelnotar que as affordances são “percebidas” a partir de um
processo ativo de exploração do ambiente. Esta sondagem realizada por meio do ato de mover-se

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Em tradução livre: “o observador pode ou não perceber ou lidar com uma affordance, de acordo com as suas
necessidades, mas a affordance, sendo uma invariante, estará sempre lá para ser percebida”. ANTERIOR

265
pelo ambiente pode ser auxiliado por fatores que não estão diretamente relacionados aos sentidos.

Como Gibson ressalta, as experiências vividas e os fatores culturais, ou o repertório (cf. MAIA &
ALTIERI, 2012, p. 6-8), do agente podem influenciar o modo como as possibilidades de ação de um
objeto ou ambiente são compreendidas, pois como já foi destacado, perceber uma affordance inde-
pende de processos mentais de representação ou memória. O psicólogoafirmaque a pedra “It can be
a paperweight, a bookend, a hammer, or a pendulum bob (...) The differences between them are not clear-cut,
and the arbitrary names by which they are called do not count for perception” 2 (GIBSON, 1986, p. 134). Por
fim, de uma forma muito simplificada, ou mesmo grosseira, as affordances também podem ser com-
preendida como a interatividade trivial “apresentada por todo objeto que nos cerca (outras pessoas
inclusive) e que reage a nossas ações” (ASSIS, 2007, p. 31). CAPA
CAPA
Narrativa, ficção e espaço: como Red Dead Redemption transmite informações ao jogador CAPA
A experiência da ficção por meio dos jogos eletrônicos pautou a pesquisa acadêmica desde que os
primeiros trabalhos sobre videogames começaram a ser publicados. Trabalhos seminais como os de
SUMÁRIO
Brenda Laurel (1993) e Janet Murray (2003) exemplificam uma abordagem comum entre pesquisado- SUMÁRIO
res, que tomam a narrativa como principal ferramenta para pensar os jogos de computador e consoles. SUMÁRIO

Alguns pesquisadores, porém, consideraram um erro aplicar apenas teorias narrativas à análise de
jogos eletrônicos. Nascia o embate “narratologia vs. ludologia”, uma dicotomia teórica que tomou
FICHA
FICHAFICHA
conta dos estudos sobre jogos durante um tempo razoável, embora tenha perdido força recentemen-
te. A partir do artigo inaugural da revista eletrônica Game Studies (2001), Espen Aarseth defende
uma perspectiva lúdica em detrimento de uma perspectiva narrativa. Diversos outros trabalhos le-
vam esse objetivo a novos níveis, tentando dissociar completamente o conceito de narrativa do con- PRÓXIMA
ceito de jogo (JUUL, 2001; ESKELINEN, 2001).
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Embora a suposta disputa esteja defasada, seus efeitos são fundamentais para o entendimento da nar-

2 Em tradução livre: “pode ser um peso de papel, um suporte para livros, um martelo, ou um prumo de um pêndulo ANTERIOR
ANTERIOR
(...) As diferenças entre eles não são claras, e os nomes arbitrários pelos quais eles são chamados não valem de nada para o
processo perceptivo”. ANTERIOR

266
rativa, da ficção e da presença de histórias em jogos eletrônicos. Após o confronto, novas perspecti-
vas surgiram e, aparentemente, ficou subentendido que jogos possuem, ao mesmo tempo, elementos
ficcionais e lúdicos, que convivem e se influenciam a todo momento. Começa-se a considerar o papel
da navegação espacial na experiência do jogo. Henry Jenkins (2004) tenta, por meio do conceito de
“narrativas arquitetadas”, defender que o espaço comunica elementos narrativos através, por exem-
plo, do que o usuário vê ao explorar o ambiente, o que Jenkins chama de “narrativas embutidas”
(embedded narratives). O espaço navegável possuiria, portanto, elementos como a textura, formatos
familiares de objetos, animações pré-configuradas, enfim: ações desempenhadas pelo computador a
espera de serem descobertas pelo jogador.

Em Red Dead Redemption (2010), o jogador controla o personagem John Marston, um ex-criminoso CAPA
CAPA
obrigado a encarar seu passado para salvar a família. O jogo acontece num ambiente que se inspira
CAPA
nos filmes de faroeste, remetendo ao final do século XIX e início do século XX. O jogador é livre para
explorar a enorme área do jogo, que é constituída por cidades, estradas de terra, esconderijos de
bandidos, entre outros pontos de interesse a serem descobertos. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No exemplo de Red Dead Redemption, o conceito de narrativa embutida elaborado por Jenkins po- SUMÁRIO
deria ser aplicado a variadas formas com as quais o jogo transmite as características de seu universo
ficcional: ao entrar em um saloon, o jogador identifica imediatamente elementos que compõem o
imaginário do faroeste: cowboys, um barman servindo bebidas, um músico tocando piano, prostitu- FICHA
FICHAFICHA
tas e o barulho da gritaria misturado ao da música.

No entanto, embora o conceito dê conta do fato de que as informações são veiculadas através do
espaço, entende-se nesse trabalho que uma das principais causas da confusão teórica entre narrato- PRÓXIMA
logia e ludologia foi causada, em parte, pelas várias definições de narrativa existentes (JUUL, 2005,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
p. 157). Além disso, a intenção deste artigo é dar importância não só aos elementos ficcionais, mas
às regras do jogo que possibilitam que o jogador aja dentro do espaço ficcional. Portanto, os termos
“narrativa embutida” e “narrativa emergente” - ou mesmo simplesmente “narrativa” - serão evi- ANTERIOR
ANTERIOR
tados. Será dada preferência a uma abordagem ligeiramente mais aberta, inspirada na pesquisa de ANTERIOR

267
Jesper Juul (2005), que designa dois níveis que existem na estrutura de um jogo: o nível das regras e
o nível da ficção. A partir de agora, serão listados os elementos estruturais (comandados por regras)
mais importantes de Red Dead Redemption, com o intuito de mostrar como o jogador se aproveita
deles para agir dentro de um mundo ficcional.

M undo aberto

A característica que mais se destaca na configuração espacial de Red Dead Redemption é a grande
área aberta que forma o ambiente virtual do jogo. Não há necessariamente um caminho certo a ser
percorrido, como em um corredor, mas, sim, um espaço amplo que permite o deslocamento para
CAPA
muitas direções. Independente de qual direção o jogador escolhe, sempre encontrará pontos de inte- CAPA
resse que permitem diferentes ações no jogo. CAPA

Em um jogo de faroeste como Call of Juarez (2005) a experiência é dirigida e apresentada em for-
ma de progressão: cada desafio deve ser superado para que o subsequente seja enfrentado. Em Red SUMÁRIO
Dead Redemption, os desafios e experiências quase sempre não possuem uma ordem específica, já SUMÁRIO
SUMÁRIO
que o jogador tem uma liberdade considerável de escolher a atividade que desempenhará num dado
momento (mais detalhes sobre cada tipo de atividade serão descritos posteriormente). Isso implica
no que chamamos de exploração: é a mecânica de jogo que envolve a navegação no espaço aliada às
FICHA
FICHAFICHA
possibilidades de interação que ele oferece. A exploração é uma mecânica executada pelo jogador
e encorajada pelo formato espacial do jogo. Um jogador pode passar dezenas de minutos caçando
animais nas planícies do mundo de Red Dead Redemption, depois pode decidir vender os produtos
de sua caça na cidade mais próxima, e, em seguida, ir até ao xerife para dar início a uma missão. PRÓXIMA
Explorar as possibilidades das regras do jogo é fundamental em Red Dead Redemption, e o mundo
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ficcional está presente praticamente em 100% da experiência, numa relação mediada pelo espaço:

[...] space in games is a special case. The level design of a game world can pre-
sent a fictional world and determine what players can and cannot do at the same ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

268
time. In this way, space in games can work as a combination of rules and fiction.
(JUUL, 2005, p. 163) 3

A mediação no jogo de mundo aberto determina que o jogador tem uma alta liberdade de movimento
e uma menor, mas ainda relativamente grande, liberdade de ação. Com liberdade de ação, queremos
dizer o nível de controle que o jogador exerce sobre a ordem e o tipo de atividades que desempenha-
rá. Diferentes jogos com mundos abertos permitem diversos tipos de ações possíveis (ou seja, pos-
suem diferentes affordances). A seguir discutiremos algumas delas e suas relações com a experiência
da ficção de Red Dead Redemption.

CAPA
CAPA
E ventos : estruturados , semi - estruturados e emergentes
CAPA
Os eventos que acontecem em Red Dead Redemption possuem diferentes formas de serem apresen-
tados. Ao explorar o mundo do jogo, a todo momento o jogador está lidando com eventos emergen-
tes, ou seja, que não foram pré-estruturados pelo designer, mas, sim, proporcionados pelo sistema SUMÁRIO
do jogo e pelas ações do jogador em comunhão com as da máquina, pois “a simple set of rules applied SUMÁRIO
SUMÁRIO
to a limited set of objects ina system leads to unpredictable results”4 (SALEN e ZIMMERMAN, 2004, s/p.).
O mesmo acontece, por exemplo, com um jogo de xadrez: a disposição das peças e as regras bási-
cas podem ser aprendidas rapidamente, mas cada jogo é único e imprevisível, graças à imensidão
FICHA
FICHAFICHA
de possibilidades. Em Red Dead Redemption, os eventos emergentes são aqueles que não possuem
quase nenhum nível de estruturação, como, por exemplo, se um jogador decidir caçar as aves que
podem ser encontradas no mundo do jogo. O ato de caçar exige apenas que a programação, que co-
manda as ações dos animais, responda de forma variada e verossímil às ações do jogador. A própria PRÓXIMA
navegação no espaço do jogo é um evento emergente, já que cada jogador se movimenta com ritmo
PRÓXIMA
PRÓXIMA

3 Tradução livre: “[...] o espaço nos jogos é um caso especial. O level design de um jogo pode apresentar um mundo
ficcional e, ao mesmo tempo,determinar o que os jogadores podem e não podem fazer. Neste sentido, o espaço nos jogos pode
funcionar como uma combinação de regras e ficção.”
ANTERIOR
ANTERIOR
4 Tradução livre: “um conjunto simples de regras aplicadas a um conjunto de objetos em um sistema leva a resultados
imprevisíveis” ANTERIOR

269
e em um percurso próprios.

O jogo também interfere na navegação do jogador com eventos semi-estruturados. Isso significa
que existe algum nível de roteirização nestes eventos. Por exemplo, o jogador pode ser interrom-
pido por uma mulher que pede ajuda no meio de uma estrada. Quando ele resolve descer para
interagir com a personagem, bandidos saem de esconderijos e atacam o jogador. A sequencia do
evento até aí é fixa, mas a partir do momento em que os bandidos atacam, o jogador pode respon-
der de diversas maneiras diferentes. Novamente, elementos ficcionais compõem uma experiência
mediada por regras.

Eventos estruturados possuem diferentes formas de serem apresentados em Red Dead Redemption.
CAPA
Os mais comuns são: missões, diálogos no jogo e cutscenes. As cutscenes apresentam o menor nível CAPA
de emergência, já que são cenas que interrompem as ações do jogador para exibir algum diálogo ou CAPA
evento da história, como se fosse um pequeno filme. Muitas missões em Red Dead Redemptionco-
meçam com cutscenes, mas em algum momento devolvem a agência e a habilidade de navegação
SUMÁRIO
ao jogador. As missões são estruturadas, pois acontecem em espaços pré-definidos e possuem obje- SUMÁRIO
tivos claros e que todo jogador deve cumprir, levando, no caso deste jogo, a desfechos invariáveis. SUMÁRIO
Red Dead Redemptiontambém introduz, em momentos pré-definidos, diálogos entre John Marston
e outros personagens. Os diálogos são estruturados, de modo que o jogador não pode influenciar as
respostas. Mas possuem um nível de emergência, já que enquanto eles acontecem o jogador conti- FICHA
FICHAFICHA
nua controlando seu personagem e navegando no espaço (e algumas vezes os personagens podem
reclamar ou fazer comentários se o jogador bater em uma rocha enquanto dirige uma carroça, por
exemplo). É importante deixar claro que os eventos estruturados também possuem níveis de emer- PRÓXIMA
gência, já que nenhum jogador cumprirá uma missão em Red Dead Redemption da mesma maneira, PRÓXIMA
PRÓXIMA
pormais que os resultados da história não sejam variáveis. E mesmo numa cutscene, a aparência de
John Marston pode mudar de acordo com as escolhas das roupas feitas pelo jogador.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

270
C onsiderações finais

Neste artigo, buscou-se considerar Red Dead Redemptionuma experiência ficcional praticada a par-
tir das ações desempenhadas dentro do seu sistema de regras. O formato do espaço do jogo e a na-
vegação nele executada pelo jogador dão origem a uma mecânica de jogo que chamamos de explora-
ção. A exploração está diretamente relacionada às possibilidades de ações oferecidas pelo jogo e, em
Red Dead Redemption,o jogador se movimenta no ambiente em busca de agir de diferentes formas
dentro dele. Essas ações são possibilitadas pelo que o jogo permite, ou seja, pelas suas affordances, e
o jogador analisa as possibilidades, e executa suas escolhas a partir das suas habilidades cognitivas
ligadas à logicidade.

O objetivo, portanto, foi evidenciar a exploração como uma forma de experiência da ficção de um CAPA
CAPA
jogo. Embora a ficção receba aqui uma atenção especial, o jogar não se resume a isso. A intenção é
CAPA
mostrar, justamente, que a ficção em um jogo é permeada pela ação dentro do sistema de regras e a
navegação no espaço que, principalmente em um jogo como Red Dead Redemption, é essencial para
o jogo. SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

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ANTERIOR
ANTERIOR

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CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

273
A ESTÉTICA DO DOCUMENTÁRIO NO CINEMA
CONTEMPORÂNEO DE FICÇÃO CIENTÍFICA. UM
OLHAR SOBRE O FILME “DISTRITO 9” , DE NIELL
BLOMKAMP.

Marcio Almeida R ibeiro.


Universidade Presbiteriana Mackenzie. - márcio.ribeiro@mackenzie.br

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo 1
SUMÁRIO
O propósito deste trabalho é, através de uma análise do filme de ficção científica “Distrito 9”, de SUMÁRIO
Neill Blomkamp, investigar a utilização da estética do documentário como proposta narrativa para SUMÁRIO
o filme, bem como avaliar as escolhas do diretor ao desviar-se dessa proposta por razões de cunho
dramático.
FICHA
FICHAFICHA
A história é ambientada em Joanesburgo, África do Sul e tem como premissa, a chegada de uma civi-
lização extraterrestre à Terra a bordo de uma gigantesca nave que paira sobre a cidade.

Gravado em locações num distrito de Soweto, o diretor pretende dar ao filme o aspecto mais realista PRÓXIMA
possível, utilizando para isso, elementos fílmicos característicos da produção de um documentário PRÓXIMA
PRÓXIMA
televisivo.

Tal estratégia se dá principalmente no primeiro ato do filme em que são mostradas imagens de ma-

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Este artigo deriva-se do meu projeto de dissertação de mestrado apresentado em 2012 ao Programa de Pós-Graduação
em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. ANTERIOR

274
térias jornalísticas, depoimentos de autoridades, cientistas e moradoresbem como imagens captadas
por câmeras de segurança “existentes” no local.

Tudo gira em torno daquele acontecimento, ou seja, a chegada dos alienígenas, sua retirada da nave
e posterior colocação numa área da cidade conhecida por “Distrito 9”, título do filme.

O dia a dia do protagonista é apresentado quase que na totalidade por uma equipe de vídeo que o
acompanha onde quer que vá. Outra característica marcante é a não existência de diálogos pré-de-
terminados pelo roteiro ou storyboards. Todas as falas durante o filme são elaboradas através do tra-
balho de improvisação dos atores durante as filmagens, a partir de objetivos previamente traçados
para a cena. O ar de naturalidade, entretanto, é meticulosamente planejado.
CAPA
CAPA
Até o momento em que o diretor tem que lançar mão dessa estratégia e partir para uma narrativa
CAPA
cinematográfica tradicional em prol do enredo do filme. Essa duplicidade de estilos também será
objeto de análise deste trabalho.
SUMÁRIO
Palavras chave: Ficção científica, documentário, estética, narrativa. SUMÁRIO
SUMÁRIO

A bstract
This article derives from my dissertation project submitted in 2012 to the Graduate Program in Edu- FICHA
FICHAFICHA
cation, Art and Cultural History of Mackenzie University.

The purpose of this work is, through an analysis of the science fiction movie of 2009, “District 9” by
Neill Blomkamp, ​​investigate the use of documentary aesthetic as proposed narrative for the film, as PRÓXIMA
well as evaluating the choices the director makes as he deviates from what is proposed for dramatic
PRÓXIMA
PRÓXIMA
reasons.

The story is set in Johannesburg, South Africa, and is premised on the arrival of an extraterrestrial
civilization to Earth aboard a giant shiphovering over the city. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

275
Recorded on location in Soweto district, the director intends to give the film a look as realistic as
possible, using for that film elements characteristic of the production of a documentary.

This strategy is primarily seen in the first act of the film as are shown images of newsreports, state-
ments by authorities, scientists and residents as well as images captured by security cameras “exis-
ting” on-site.

Everything revolves around that event, ie, the arrival of the aliens, their removal and subsequent
placement of the ship in an area of​​town known as “District 9”, the movie title.

The daily life of the protagonistis presented almost entirely by a team of video that accompanies you
wherever you go. Another striking feature is the absence of dialogues predetermined by the script CAPA
CAPA
or storyboards. All the talk during the movie are drawn by the work of improvisation of the actors
CAPA
during filming, from objectives previously set for the scene. The air of naturalness, however, is me-
ticulously planned.
SUMÁRIO
Until the time the director has to let go of this strategy and go for a traditional cinematic narrative SUMÁRIO
style in favor of the film’s plot. This duplicity of styles will also be the object ofanalysis of this study. SUMÁRIO

Keywords: Science Fiction, documentary,aesthetic, narrative

FICHA
FICHAFICHA
I ntrodução
Seria mais uma tarde ensolarada como outra qualquer em Joanesburgo, África do Sul, a não ser por
um detalhe: a visão de gigantescas naves extraterrestres pairando sobre o céu da cidade. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Tal imagem foi a premissa para a realização do curta-metragem “Alive in Joburg” 1, de 2005, dirigido
por Neill Blomkamp e produzido por Simon Hansen e SharltoCopley que conta, como um documen-
tário, a chegada de uma civilização extra-terrestre à capital sul-africana. Esse curta-metragem vai dar
origem quatro anos depois ao longa-metragem intitulado “Distrito 9”, tema deste artigo. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

276
O cineasta estreante

Neill Blomkamp, cineasta sul-africano radicado no Canadá, viveu até os 17 anos em Joanesburgo
onde, ainda adolescente, foi apresentado pelo amigo de escola Sharlto Copley aos primeiros progra-
mas de animação por computador, o que mais tarde definiria os rumos de sua carreira profissional.

Formado em cinema pela Vancouver Film School, tem em seu currículo, curta-metragens realiza-
dos com recursos próprios cuja principal característica reside na maestria em combinar imagens
captadas em filme com efeitos especiais em computação gráfica absolutamente realistas. “Alive in
Joburg” 2 (2005) e “Tetra Vaal”3 (2004) são dois exemplos desse estilo do cineasta, que além destes,
tem trabalhos realizados para o mercado publicitário, como os comerciais “Nike Crab”4, de 2003 e
“Citroen C4 – Alivewith technology” 5, de 2004, tendo sido premiado com o segundo no VES Awards CAPA
CAPA
pelo trabalho em animação e efeitos especiais, marca registrada em seus projetos.
CAPA
A partir de 2004, Neill Blomkamp passa a ser representado nos Estados Unidos por Ari Emmanuel,
um dos principais agentes em Hollywood, o que dá maior visibilidade ao seu trabalho como diretor
SUMÁRIO
de cinema e criador de efeitos especiais e animação 3D. SUMÁRIO
SUMÁRIO

O primeiro longa - metragem

Em 2005, Peter Jackson, criador da trilogia “O Senhor dos Anéis”, assina contrato para uma produ- FICHA
FICHAFICHA
ção conjunta entre a 20th Century Fox e a Universal, de uma versão para o cinema do vídeo game
“Halo”, da Microsoft. Com um orçamento inicial estimado em U$ 145 milhões, Peter Jackson ficou
encarregado do roteiro, da produção do filme e de encontrar alguém novo e jovem para a direção. A PRÓXIMA
produtora chefe da Universal na época, Mary Parent, apresenta o portfolio de Neill para Peter Jack- PRÓXIMA
PRÓXIMA

2 Disponível em: Alive in Joburgat www.spyfilms.com


3 Disponível em: http://www.tritonfilms.net/short/tetra-vaal.html
4 Disponível em: http://theinspirationroom.com/daily/2006/nike-crab/ ANTERIOR
ANTERIOR
5 Disponível em: http://theinspirationroom.com/daily/2005/citroen-transformer-dancing/ ANTERIOR

277
son e ele é contratado. Entretanto, quatro (4) meses depois, ainda em fase de pré-produção, “Halo”
é cancelado.

Em meio a sensação de desapontamento pelo súbito término daquele projeto, surge o desejo de re-
tomar o controle da situação, manter a energia criativa instalada pela produção de “Halo” e partir
para a realização de algo original, poder contar uma história que não fosse submetida às políticas
dos grandes estúdios, com um orçamento que pudesse ser financiado de maneira independente.

Com o desejo de continuar a trabalhar juntos e por sugestão de Fran Walsh, esposa e colaboradora de
Peter Jackson, “Alive in Joburg” volta à cena sob a forma de um longa-metragem de ficção científica
intitulado “Distrito 9”, totalmente financiado com recursos captados por Peter Jackson, fora do sis-
CAPA
tema tradicional dos estúdios de Hollywood. Quanto à parceria em sí, Peter Jackson argumenta em CAPA
suas entrevistas a respeito que, como produtor, não interferia no trabalho nem no processo criativo CAPA
de Neill mas, fosse o caso, dava sugestões que poderiam contribuir para o desenvolvimento do pro-
jeto, com base em sua experiência como cineasta. Ainda assim, a decisão final ficava a cargo de Neill
SUMÁRIO
Blomkamp. Afinal de contas, esse era o seu filme. Prova disso se dá com a aprovação para o filme SUMÁRIO
ser rodado emJoanesburgo, com equipe local e ainda, ter como protagonista, Sharlto Copley, um ator SUMÁRIO
desconhecido e sem experiência em cinema.

Distrito 9 custou 30 milhões de dólares, o que, para o gênero, é considerado um filme de baixo or-
FICHA
FICHAFICHA
çamento, principalmente se comparado a outras produções como “Independence Day” 6, de Roland
Emmerich, orçado em 75 milhões de dólares, “Guerra dos Mundos” 7, de Steven Spielberg, orçado
em 132 milhões de dólares ou “A Batalha de Los Angeles” 8 de Jonathan Liebesman, orçado em 70
milhões de dólares. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Vale lembrar que os exemplos citados foram escolhidos não só por serem obras de ficção científica,

6 Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0116629/


7 Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt0407304/ ANTERIOR
ANTERIOR
8 Disponível em: http://www.imdb.com/title/tt1217613/ ANTERIOR

278
mas também por lidarem com a mesma temática de contato extraterrestre.

Ainda sobre a questão do orçamentoem Distrito 9, o que chama a atenção é justamente a relação en-
tre o custo do filme e o resultado final obtido. Dada a quantidade e qualidade dos efeitos especiais
realizados, fica a impressão de que o custo teria sido muito maior. Se comparado a “Guerra dos Mun-
dos”, por exemplo, com Tom Cruise no papel principal, o fato de Neill escalar um ator desconhecido
como protagonista, não deixa dúvidas que tal decisão vai se refletir no custo do filme. Ainda como
estratégia para redução de custos na produção de Distrito 9 podemos citar a escolha por Joanesburgo
como cenário e local de gravação do filme.

A esse respeito, vale lembrar a escolha constante por produções cinematográficas de grande porte,
CAPA
por países como Canadá, Austrália e Nova Zelândia, por exemplo, para a redução de custos na reali- CAPA
zação de seus filmes se comparada à produção nos Estados Unidos, de onde muitos desses filmes se CAPA
originam.Saber levar isso em consideração ainda na pré-produção do filme, nos primeiros esboços,
no desenvolvimento da história, isso tudo ajudou a manter reduzido o orçamento.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
D istrito 9 - A origem

Quanto à escolha do tema, em entrevista ao site da revista Variety 9, Neill conta que “a ideia veio do
desejo de ver os projetos de ficção científica ocidentais ambientados na África do Sul”. “Distrito 9” é FICHA
FICHAFICHA
a materialização desse desejo.

De fato, a cidade que servirá de cenário para a história é algo inusitado no gênero de ficção científica
o que, aliado a temática do filme, contribui para a sua originalidade. De maneira geral, ao lembrar- PRÓXIMA
mos das grandes produções cinematográficas desse gêneno nos últimos anos, os Estados Unidos e
PRÓXIMA
PRÓXIMA
suas grandes capitais são os alvos preferidos dos aliens.

Ao contrário do que se tem visto em muitos dos filmes de ficção científica dos últimos anos onde o
ANTERIOR
ANTERIOR
9 Disponível em: http://www.variety.com/article/VR1118007279?refCatId=13 ANTERIOR

279
confronto entre humanos e alienígenas resume-se a histórias de invasão do planeta terra por civiliza-
ções hostis, dispostas a escravizar ou simplesmente provocar a destruição da raça humana, “Distrito
9” rompe os limites do gênero trazendo um ar de originalidade tanto à trama em si, como à maneira
em que ele é executado.

D istrito 9 - O filme

A história se passa nos anos 1990 e refere-se à repentina chegada à terra de uma civilização extra-
terrestre a bordo de uma nave gigantesca tendo como destino final, Joanesburgo na África do Sul.
A imensa nave ali permaneceem silêncio, pairando imóvel sobre a cidade. Nada se sabe sobre suas
CAPA
intenções ou mesmo se há ocupantes em seu interior. CAPA
CAPA
Cerca de 3 meses depois de sua chegada, não havendo nenhum tipo de contato por parte dos visitan-
tes, autoridades sul-africanas sob crescente pressão local e internacionaldecidem enviar uma expe-
dição militar paraentrar na nave e, ao consegui-lo, o que encontram é absolutamente surpreendente. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O mundo inteiro acompanha a equipe ao vivo pela televisão à medida em que o trabalho prossegue SUMÁRIO
na tentativa de encontrar sinais de vida em seu interior mas o que se vê pela televisão são enormes
túneis e ambientes completamente escuros e desabitados. O grupo continua, a possibilidade de a
humanidade fazer contato com uma raça alienígena deixa o planeta inteiro num estado de crescente FICHA
FICHAFICHA
expectativa.

Ao perfurar uma passagem através de uma grossa parede metálica, a expedição finalmente encon-
tra seus ocupantes. Ao contrário do que se imaginava, não estamos diante de seres benevolentes ou PRÓXIMA
culturalmente avançados. Nos deparamos com uma raça de seres extraterrestres com a aparência de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
enormes crustáceos, mais de um milhão deles, em total estado de inanição, num ambiente que mais
parece o porão de um navio abandonado repleto de refugiados do que o interior de uma nave espa-
cial. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

280
Não há uma hierarquia aparente. É como se misteriosamente seus líderes os tivessem abandonado.
Os seres parecem se comportar como uma colônia de insetos, os mesmos gestos, as mesmas expres-
sões, comportam-se como um gigantesco batalhão de operários deixados à própria sorte, à deriva no
espaço a bordo de um gigantesco bote salva-vidas.

A partir daí, com as crescentes manifestações de solidariedade às criaturas, a expedição passa a ter
um caráter humanitário visando agora o bem-estar daqueles seres.

Numa tentativa de resolver a situação, o governo sul-africano designa uma organização privada cha-
madaMultinational United(MNU) para comandar a operação de retiradadas criaturas daquele lugar
e sua posterior colocação numa áreademarcada e separada da população humana,o “Distrito 9”, bem
CAPA
abaixo de onde a nave se encontrava. CAPA
CAPA
O que deveria ser uma instalação apenas temporária dada a urgência da situação, acaba por se tor-
nar uma área permanente, algo como um campo de refugiados, cercado e militarizado e é lá que os
“camarões”, como são chamados - pela semelhança com os crustáceos – viverão por mais de 20 anos. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O cenário atual apresentado pelo filme entretanto,é muito mais caótico e desolador do que se pode- SUMÁRIO
ria imaginar. O Distrito 9 se transformou numa imensa favela ondeos extraterrestres, agora dividin-
do o espaço com humanos, foram deixados à própria sorte, vivendo em barracos precários, isolados
em guetos, numa luta constante pela própria sobrevivência. FICHA
FICHAFICHA
O governo procura ao menos mantê-los alimentados, curiosamente numa dieta à base de comida
para gatos, o que eles aparentemente apreciam. Logo, a própria comida se transforma em moeda,
controlada por gangues violentas e os alienígenas são forçados a toda sorte de humilhações em troca PRÓXIMA
de comida.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Como já era de se esperar, conflitos entre seres humanos e alienígenas começam a perturbar a ordem,
ademais, a população de Johannesburgo se posiciona contra a presença dos extraterrestres, os gastos
excessivos do governo para a manutenção do Distrito 9 e o clima de descontentamento se acentua. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

281
Com a finalidade de driblar a opinião pública, as pressões políticas e em dívida com os deveres hu-
manitários (mesmo não se tratando de seres humanos, são seres vivos), veicula-se na mídia a deci-
são de levar os alienígenas para uma outra localidade chamada de Distrito 10, a 200 quilômetros de
Joanesburgo.

Na verdade, imagens do local fazem-no parecer um grande campo de concentração. O que é dito, en-
tretanto, é que alí, os alienígenas seriam mais bem instalados, com condições melhores de habitação
e que essa solução favoreceria a todos.

O personagem Wikus Van de Merwe, interpretado por SharltoCopley é um funcionário do departa-


mento de relações entre humanos e alienígenas na MNU. Ele é escalado para ser o responsável pelo
CAPA
processo de notificação e remoção dos alienígenas. Os “camarões” teriam 24 horas para desocupar CAPA
suas casas e precisavam de um aviso prévio. CAPA

Essa é efetivamente a primeira cena do filme. Com um microfone de lapela sendo fixado no peito, o
olhar voltado para a câmera e um ar de total improviso tanto no texto quanto na captação da ima- SUMÁRIO
gem, é como Neill Blomkampapresenta o protagonista e dá o tom da história a ser contada a seguir. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Ao participar de um painel realizado na ComicCon de 200910, Peter Jackson menciona que era desejo
de Blomkamp realizar Distrito 9 da maneira mais realista possível, sem a rigidez dos roteiros tra-
dicionais ou diálogos escritos para serem decorados. Ele queria que tanto o desenrolar da história FICHA
FICHAFICHA
quanto a atuação dos atores fosse o mais espontânea possível.

Nesse caso, optar pela improvisação dos atores na execução das cenas e nos diálogos poderia contri-
buir para tal efeito. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Logo no início do filme, vamos sendo apresentados à situação e acompanhamos o desenrolar dos
acontecimentos através dos depoimentos de autoridades, cientistas, moradores de áreas da cidade
próximas ao Distrito 9, reportagens de noticiários de TV e imagens captadas por câmeras de seguran-
ANTERIOR
ANTERIOR
10 Disponível em:http://www.youtube.com/watch?v=5-63MY-3ppc ANTERIOR

282
ça existentes no local. Se antes a atitude do governo e da sociedade era vista como um gesto humani-
tário visando o bem estar das criaturas, o que agora se vê são manifestações hostis, preconceituosas
e violentas dirigidas aos visitantes.

O R oteiro e a improvisação em D istrito 9


O roteiro, de autoria de Neill Blomkamp e Terri Tatchell parte da ideia de que a execução do filme
se dará de maneira quase que exclusivamente improvisada. Há parâmetros pré-determinados para
a construção das cenas e o desenvolvimento narrativo da história,sempre com espaço para a impro-
visação dos atores, já que não há diálogos no roteiro. Ao dirigir determinada cena, Neill tem que se
CAPA
certificar que tais parâmetros estão sendo respeitados e os objetivos da cena atingidos. Sobre o uso CAPA
da improvisação no cinema, Gérard Betton afirma que CAPA

a improvisação depende do gênero do filme, da estrutura do tema tra-


tado, da concepção do diretor e da personalidade do ator que, às vezes, SUMÁRIO
procede como criador, podendo ser considerado um verdadeiro autor. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Não podemos deixar de aprovar as ideias daqueles diretores que vêem o
roteiro como um material vivo, uma argila maleável que carrega um filme
em potencial, mas da qual se pode fazer nascer algo além (e às vezes, infe- FICHA
FICHAFICHA
lizmente, aquém) do que estava mencionado no papel. (BETTON, 1987, p.4).

Ainda em fase de desenvolvimento do roteiro e meses antes do início das filmagens de Distrito 9,
Neill Blomkamp havia feitos testes de vídeo com seu amigo SharltoCopley, sem que elesoubesse do PRÓXIMA
que realmente se tratava. Aparentemente, eram cenas improvisadas de um burocrata sul-africano em
PRÓXIMA
PRÓXIMA
seu ambiente de trabalho, nada muito importante. Como dito anteriormente, eles haviam trabalha-
do juntos no curta-metragem “Alive in Joburg” e Sharlto encarou aqueles testes naturalmente, sem
grandes pretensões. Naquele curta-metragem, o ator tinha um pequeno papel de um atirador de elite ANTERIOR
ANTERIOR
numa única cena e sua carreiraem cinema se resumia basicamente a esse trabalho. ANTERIOR

283
Uma das principais características de Sharlto como ator em projetos anteriores sempre foi sua habili-
dade em trabalhar com improvisação e foi justamente esse aspecto do roteiro que chamou sua aten-
ção. No painel sobre Distrito 9 na ComicCon 2009, Peter Jackson, ao falar sobre o trabalho de Copley
no filme, lembra que grandes atores com quem já havia trabalhado são capazes de grandes atuações
a partir do roteiro que lhes é dado mas, ao serem solicitados para improvisar num determinado mo-
mento, esses mesmos atores simplesmente congelam. Não conseguem atuar da mesma maneira.A
esse respeito, Betton nos diz que

O ator só pode descobrir os caminhos de sua verdadeira liberdade quan-


do se torna um “atleta afetivo”, que consegue unir ao talento excepcional
e inato de ator o domínio total de seu físico, de seus impulsos, de suas CAPA
CAPA
paixões, em nome do rigor de seu trabalho. Em resumo, a improvisação
CAPA
“criadora” deve ser cuidadosamente preparada. Improvisar é exprimir
talento e destilar esforços.(BETTON, 1987, p. 5).
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
A E stética do documentário em D istrito 9
Quanto à escolha pela estética de documentário que o filme adota desde seu início, Neill revela que,
como apreciador dos filmes de ficção científica, gosta da ideia de um filme desse gênero que pareça
FICHA
FICHAFICHA
o mais realista possível.

Portanto, ao planejar a execução de Distrito 9, aliado ao trabalho de improvisação dos atores, o uso
de imagens “da vida real”, captadas ao estilo dos documentários por câmeras portáteis, imagens ob- PRÓXIMA
tidas através de circuitos de câmeras de segurança, ou seja, imagens que mais associamos ao “mundo PRÓXIMA
PRÓXIMA
real” e não ao mundo do cinema, todos esses elementos combinados realmente fazem com que Dis-
trito 9 pareça real. Até certo ponto.

Conforme a história se desenvolve, a estética de documentário fica cada vez mais evidente. Ao mes- ANTERIOR
ANTERIOR
mo tempo em que uma equipe grava a saída do comboio de funcionários da MNU para o Distrito 9, ANTERIOR

284
imagens de manifestações, depoimentos e conflitos vão sendo mostrados, ditando o ritmo do filme,
prendendo nossa atenção e assim, ficamos completamente imersos na trama.

Enquadramentos imperfeitos, movimentos de câmera irregulares, cortes súbitos, todos esses recur-
sos usados simultâneamente vão compondo as cenas, contribuindo para a narrativadocumental do
filme, enquanto Vikus Van der Merwerexecuta o trabalho de notificação de despejo dos extraterres-
tres.

A ordem é passar de barraco em barraco entregando aos moradores essas notificações que eles de-
vem de alguma maneira rubricar, atestando seu recebimento. Como uma equipe de TV acompanha
os trabalhos de Vikus, ele atua como uma espécie de repórter e parece gostar da função extra a ele
CAPA
atribuída. O simples trabalho de entregar as notificações se transforma também em inspeção nos bar- CAPA
racos na busca porarmas ou qualquer equipamento de origem extraterrestre, o que, se encontrado, CAPA
será devidamente confiscado. Tudo acompanhado pela fala de Vikus para a câmera, como se conver-
sasse com o cinegrafista. É quando a sorte do protagonista começará a mudar.
SUMÁRIO
Na verdade, o governo tinha como primordial interesse confiscar as armas daqueles habitantes, as SUMÁRIO
SUMÁRIO
quais, além de extremamente poderosas, continham tecnologia alienígena avançada e desconhecida.
Armas que, diga-se de passagem, não se sabia como operar, humanos não conseguiam fazê-las fun-
cionar já que só funcionavam em poder dos extraterrestres.
FICHA
FICHAFICHA
Além de todo esse armamento, havia interesse em estudar os “camarões”, dissecá-los, usá-los como
cobaias vivas em toda a sorte de experimentos sem o menor escrúpulo. Esse interesse dito “científi-
co”, sobre o qual a população geral nada sabia, nos remete aos experimentos feitos na segunda gran- PRÓXIMA
de guerra, durante o nazismo, onde o povo judeu foi exposto a toda sorte de experimentos absurdos PRÓXIMA
PRÓXIMA
e desumanos.

Nesse ponto, aos 30 minutos do filme, estamos nos aproximando do final do primeiro ato. Até aqui,
a narrativa de documentáriosustenta-se sem maiores problemas. Campos (2007, p. 20) esclarece que ANTERIOR
ANTERIOR
“Narrativa é o produto da percepção, interpretação, seleção e organização de alguns elementos de ANTERIOR

285
uma estória.”. Nesse caso, é certo dizer que todas as escolhas feitas pelo diretor na construção da
narrativa de seu filme estão dando certo.

A ação de Vikus é intercalada pordepoimentos de autoridades, cientistas, familiarese colegas de tra-


balho que referem-se a um fato consumado que envolve a figura de Vikus não mais entre seus pares.

É como se a história nos fosse contada em flashback, embora subvertendo o recurso ao usar vários
pontos de vista diferentes, sendo que nenhum deles refere-se a história do protagonista como ela
realmente aconteceu. Segundo Martin, (2007, p. 235) embora considerado “[...]um procedimento fora
de moda, o flashback permite uma grande liberdade de narrativa, ao possibilitar a subversão da cro-
nologia[...]”, como de fato podemos observar em Distrito 9, já que os depoimentos apresentados são
CAPA
no momento presente etoda a ação envolvendo Van der Merwer, as imagens captadas no Distrito 9 e CAPA
na sede da MNU, entretanto, já fazem parte do passado. CAPA

SUMÁRIO
M udanças na narrativa
SUMÁRIO
Aoobservarmos o conjunto de cenas em que Vikus Van der Merwerprossegue com o trabalho de ins- SUMÁRIO
peção e entrega de ordens de despejo, veremos que há um corte repentino nessa sequência. Numa
outra área do Distrito 9, presenciamos agora o diálogo entre 3 alienígenas.
FICHA
FICHAFICHA
Vinte anos depois de sua chegada, é possível entender seu idioma, saber do que estão falando. A
cena mostra dois adultos, um deles com o curioso nome de Christopher Johnson e uma criança, filho
de Christopher. Eles reviram um enorme monte de lixo à procura de algum equipamento, peça, ou
qualquer coisa que não tenha sido fabricada na Terra. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Nessa cena, embora haja um cuidado – a exemplo das sequências anteriores - para que a câmera per-
maneça em movimento, mantendo o ar de naturalidade na captura das imagens, o seu posicionamento
em cena bem como os enquadramentos e diálogos, em termos cinematográficos, tudo é cuidadosamen-
te planejado e executado de maneira absolutamente tradicional. Não há espaço para improviso. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

286
O diálogo entre as criaturas prossegue. Uma pequena caminhonete repleta de homens armados, ati-
rando para o alto passa por perto. Os alienígenas se escondem. O de filho de Christopher encontra
algo de fabricação extraterrestre. Seu pai o cumprimenta pelo achado.

A partir desse momento, a característica depseuso-documentário que o filme apresenta em sua nar-
rativa deverá ser colocada de lado, pelo entendimento da história. Embora não nos seja dado conhe-
cer a fundo os extraterrestres ou suas motivações - nós sequer sabemos o porque de sua chegada à
Terra nem de onde vieram - de agora em diante sabemos que Christopher e o filho terão um papel
crucial no desenrolar da trama. E isso nos será contado pela linguagem cinematográfica tradicional.
Como dito anteriormente, não há mais lugar para improviso.
CAPA
Há outro corte seco e agora estamos no interior de um dos barracos onde se dá um diálogo entre CAPA
Christopher e o outro adulto alienígena. A conversa gira em torno de um líquido especial cuja elabo- CAPA
ração é o fruto de mais de 20 anos de trabalho daqueles seres.

Ouvimos a voz de Vikus aproximando-se do lado de fora do barraco. Os alienígenas apavoram-se. SUMÁRIO
O objeto onde o líquido foi armazenado precisa ser escondido. Christopher designa o outro adulto SUMÁRIO
SUMÁRIO
para lidar com a situação e receber Vikus. Há desentendimento no encontro, confronto físico e o alie-
nígena é morto. Christopher observa à distância fora de sua casa enquanto Vikus inicia a inspeção
do barraco em que Johnson vive com o filho.
FICHA
FICHAFICHA
Há uma enorme quantidade de armas, equipamentos eletrônicos e Van der Mewer se empolga com
o resultado de suas buscas. Instantes depois, depara-se com um pequeno cilíndrometálico contendo
marcas de origem extraterrestre. A descoberta é valorizada ao extremo. Vikus apresenta o objeto para PRÓXIMA
a câmera, descreve-o com detalhes e o manuseia sem o menor cuidado até ser subitamente exposto PRÓXIMA
PRÓXIMA
ao jorro de um líquido escuro que se espalha pelo seu rosto. Vikus sente-se mal, pede para que seja
interrompida a gravação. Instantes depois, retomados os trabalhos, volta a passar mal com fortes
dores e vômito.
ANTERIOR
ANTERIOR
O trabalho prossegue apesar de seu estado físico precário até que o próximo encontro com um dos ANTERIOR

287
moradores alienígenas acaba também em conflito. Vikus é agredido violentamente, tem um braço
quebrado e é assistido por uma equipe médica alí mesmo no local. Sua condição física se deteriora
cada vez mais.

Ao final do dia, de volta à sede da MNU, Van der Mewer sente os efeitos da contaminação pelo estra-
nho líquido se agravarem . Além do mal estar físico, suas unhas começam a soltar-se deseus dedos.

A cena é mostrada por um plano médio com a câmera posicionada no lado oposto à mesa de Vikus.
Não há equipes de vídeo o acompanhando ou pseudo-documentários sendo realizados. Entretanto,
ao levantar-se para ir ao banheiro, acompanhamos o trajeto de Vikus que passa diante de uma câme-
ra do circuito interno de TV da empresa e essa imagem é inserida na montagem de Distrito 9.
CAPA
CAPA
O que essa sequência mostra é o início de uma brutal transformação física sofrida pelo protagonista-
CAPA
que acompanharemos até o final do filme. Conforme o próprio diretor reconhece, (District 9 Limited,
2009) a única maneira de apresentar tal transformação de modo coerente, será com a utilização da
linguagem cinematográfica tradicional, os diferentes planos, cortes, posicionamentos e movimentos SUMÁRIO
de câmera, a iluminação, edição, etc. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A partir desse momento, há uma mudança clara naestrutura narrativa do filme para que a história
possa ser contada de maneira satisfatória e continue a fazer sentido. Lembrando Cannito e Saraiva
(2010, p. 91), “como na vida, as combinações são possíveis.”. É o que vamos ver em Distrito 9 do se- FICHA
FICHAFICHA
gundo ato em diante. Uma combinação entre a narrativa documental e a narrativa cinematográfica
tradicional, para o melhor entendimento da trama.

Nessa altura, Vikus é hospitalizado devido a uma complicação no ferimento do braço e desse ponto PRÓXIMA
em diante, é possível identificar no roteiro, elementos do melodrama clássico conforme demonstram
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Cannito e Saraiva (2010, p. 91-92):

O personagem é isolado do congraçamento social, e nós, espectadores,


compartilhamos o seu ponto de vista, o seu sofrimento. (...) O fundamen- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

288
tal é criar uma situação através da qual o espectador possa compartilhar
a sensação de solidão e desamparo do protagonista. O “mundo” se con-
trapõe ao “herói” do melodrama como um bloco opaco, incompreensível
e cruel que se abate sobre ele com a força cega e total de uma tempestade.
Sendo um vale de lágrimas, o melodrama não se importa muito com a
unidade dramática. Os acontecimentos “se abatem” sobre o sofredor, que
se debate numa conspiração universal e sem fim contra ele. Dito de outro
modo, a situação dramática do melodrama é simples. O que ocorre são
“complicações” no desenrolar da história.

Durante atendimento médico para troca de curativos, Van der Mewer tem uma visão aterradora do CAPA
CAPA
próprio corpo. No lugar de sua mão esquerda está agora uma mão alienígena. Na verdade, seu braço
CAPA
inteiro é tomado pela transformação e Vikus entra em estado de choque.

De agora em diante, o que se verá é um filme de ação e suspense, totalmente centrado na figura do
SUMÁRIO
protagonista cujo papel na trama será completamente invertido. De opressor junto aos residentes SUMÁRIO
extraterrestres ele passa a oprimido, perseguido pelas forças da MNU que querem mante-lo sob cus- SUMÁRIO
tódia para maiores estudos, preso em seus laboratórios.

Vikus consegue libertar-se e busca refúgio e auxílio entre os alienígenas do Distrito 9 e lá tentará
FICHA
FICHAFICHA
mudar a sua sorte, com a ajuda de Christopher Johnson e seu filho, de quem Vikus se tornará aliado.
Christopher deseja retomar o controle da gigantesca nave e ir embora. Vikus espera, com a ajuda dos
extraterrestres, recuperar sua forma humana. Juntos tentarão até o final realizar seus desejos.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
C onclusão
Apesar do referencial histórico e cultural, implícito às origens sul-africanas de seu realizador, Dis-
trito 9 é, primordialmente, uma obra de entretenimento. Conforme dito anteriormente, a decisão por ANTERIOR
ANTERIOR
parte do diretor pela utilização da narrativa de documentário se deu unicamente para tornar Distrito ANTERIOR

289
9 o mais “realista possível”, em oposição ao seu referencial quanto aos filmes de ficção científica que
o influenciaram. Nesse aspecto, o filme é bem sucedido.

Para reforçar esse efeito, o roteiro é construído de maneira aberta, flexível, onde os diálogos são im-
provisados para dar um ar ainda mais natural às cenas.

Além da narrativa em sí, outro fator que contribuiu para esse efeito foi a sua realização em locações
reais na cidade de Soweto, Africa do Sul. Os cenários em estúdio, recriados a partir do referencial
visual daquela comunidade representam fielmente a realidade enfrentada por seus moradores.

Entretanto, à medida em que o filme avança, o desenrolar da trama faz com que haja a partir do iní-
cio do segundo ato, uma duplicidade de estilos narrativos para que a história seja contada de manei- CAPA
CAPA
ra satisfatória e coerente.
CAPA
O drama vivido pelo protagonista não pode ser contado apenas pelo ponto de vista de uma equipe
de TV que o acompanha durante todo o primeiro ato do filme. A partir daí, há a necessidade clara
SUMÁRIO
de se utilizar elementos narrativos cinematográficos tradicionaispara que o espectador possa, além SUMÁRIO
de acompanhar o desenvolvimento de toda a carga dramática imposta ao protagonista, suas inquie- SUMÁRIO
tações, medos e frustrações, acima de tudo, em meio a toda ação e suspense, possa apreciar o filme.

Sendo Distrito 9 nesse caso, a representação do pensamento criativo e artístico do estreante diretor
FICHA
FICHAFICHA
Neill Blomkamp, o resultado é surpreendente.

R eferências : PRÓXIMA
ARNHEIM, Rudolf. A arte do cinema: arte e comunicação. Tradução Maria da Conceição Lopes da Silva.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Lisboa: Edições 70, 1989.

AUMONT, Jacques; MARIE, Michel. A análise do filme. Tradução Marcelo Félix. Lisboa: Edições Texto &
Grafia, 2009. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

290
BERGAN, Roland. Ismos: para entender o cinema. Tradução Christiano Sensi. São Paulo: Globo, 2010.

BETTON, Gérard. Estética do cinema. Tradução Marina Appenzeller. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

CAMPOS, Flávio de. Roteiro de cinema e televisão. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora, 2007.

CANNITO, Newton; SARAIVA, Leandro. Manual de Roteiro: ou Manuel, o primo pobre dos manuais de
cinema e TV. São Paulo: Conrad Editora, 2010.

DANCYGER, Ken. Técnicas de edição para cinema e vídeo. Tradução Angélica Coutinho e Adriana Kra-
mer. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2007.

GABLER, Neal. Vida: o filme. São Paulo: Companhia das Letras, 1999. CAPA
CAPA
GAUTHIER, Guy. O documentário: um outro cinema. Tradução Eloisa Araújo Ribeiro. Campinas: Papirus, 2011. CAPA

LINDENMUTH, Kevin. The documentary moviemaking course: the starter guide to documentary fil-
mmaking. Nova Iorque: Barron’sEducational Series, Inc., 2010. SUMÁRIO
SUMÁRIO
MARTIN, Marcel. A linguagem cinematográfica. Tradução Paulo Neves. São Paulo: Brasiliense, 2007. SUMÁRIO

METZ, Christian. Linguagem e cinema. Tradução Marilda Pereira. São Paulo: Perspectiva, 1980.

XAVIER, Ismail (Org.). A experiência do cinema: antologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Edições Graal: Embrafil- FICHA
FICHAFICHA
mes, 2008.

PRÓXIMA
F ilmes : PRÓXIMA
PRÓXIMA
DISTRITO 9. Direção: Neill Blomkamp. Produção: Peter Jackson. Estados Unidos: Sony Pictures, 2009. 2
DVDs (112 min).

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

291
DOJO DIGITAL – ESTÉTICA E CONSCIÊNCIA EM
“SUPER STREET FIGHTER IV”

F rancisco Tupy

A presentação
Os videogames apresentam um híbrido entre a linguagem audiovisual e o ato de jogar, ou seja, todas
as possibilidades inseridas na trama lúdica recebem um acréscimo ligado à potencialidade da ima-
gem cinética que a tela permite expressar, além das inúmeras possibilidades da tecnologia em criar
CAPA
novos ícones, conceitos, mundos e praticamente qualquer outra coisa que o cérebro puder projetar CAPA
em algoritmos e arte. CAPA

A condição de ser o protagonista de uma história promove o empoderamento do jogador, e com isso
no decorrer do jogo, uma série de situações pode acontecer, como por exemplo: dependendo da pe- SUMÁRIO
rícia do jogador, a narrativa desenvolvida sofre variações assim como a motivação e a identificação SUMÁRIO
SUMÁRIO
de cada um em relação com a obra. Desta maneira o tempo empenhado em melhorar a performance
e consequentemente a relação de sentido que isso cria, ao aproxima-se da obra jogada o jogador pro-
jeta a sua narrativa pessoal que é chamada de Narrativa Emergente (DUBIELA e BATTAIOLA, 2007).
FICHA
FICHAFICHA
A partir da cadeia de sentidos e significações estabelecidas em relação ao individuo e o objeto de
pesquisa, o professor Sérgio Bairon (comunicação pessoal em 02.10.2012) apresentou quatro questões
com o objetivo de relacionar ciência, estética e jogos:
PRÓXIMA
1. Se houve uma ruptura entre experiência estética e racionalidade (juízo) a partir do PRÓXIMA
PRÓXIMA
século XVIII, o que podemos propor como produção do conhecimento associada às
produções atuais de games?

2. Compreendendo que a atuação da vivência (experiência) estética guarda em si um ANTERIOR


ANTERIOR
naco do universo da tradição e da formação (como trabalhados em Gadamer), o que ANTERIOR

292
podemos apresentar como uma retomada do encontro entre conceito e vivência es-
tética?

3. Podemos supor que a exploração do encontro da vivência estética com o modo de


ser das ciências sociais, aponta para novas explorações conceituias, tanto em seus
caminhos interdisciplinares, quanto numa possível maior socialização do conheci-
mento (nas Humanas e Sociais)?

4. Considerando o afastamento do sensus communis, com relação aos processos de pro-


dução de conhecimento no meio acadêmico, como podemos problematizar a possi-
bilidade de uma abertura ao diálogo entre Universidade e Comunidade?
CAPA
CAPA
Tais perguntas representam para este trabalho um eixo de raciocínio em busca de uma resposta satis-
CAPA
fatória. À medida que o trabalho se estrutura e avança tanto no arcabouço teórico quanto no prático,
a análise do jogo faz emergir uma questão da variabilidade de respostas para as mesmas questões, ou
seja, algo impossível de expressar de modo exato e não como uma equação que sempre termina com SUMÁRIO
o mesmo resultado. Os jogos por si só são máquinas de aprendizado (GEE, 2003), e a primeira coisa SUMÁRIO
SUMÁRIO
necessária para um jogador é entender o contexto proposto e a partir daí evoluir naquilo que fora
estabelecido. Na verdade, é um caminho que se faz na medida em que o mesmo for trilhado, porém
a imprevisibilidade e suas consequências criam uma prática do devir.
FICHA
FICHAFICHA
Da mesma forma traçamos um paralelo com as Artes Marciais, onde temos um sistema de movimen-
tos muitas vezes tratado como uma coreografia e que no modo de aprender e aplicar em combates
assumem variáveis ligadas diretamente à experiência específica daquele contexto, onde a trajetória PRÓXIMA
que envolve a busca por um golpe perfeito, agrega toda uma cadeia de valores associadas direta- PRÓXIMA
PRÓXIMA
mente àquela jornada.

Desta maneira, um jogo de luta como o Super Street Fighter IV (CAPCOM, 2010) com sua linearida-
de imagética, a perícia exigida para poder jogar de modo razoável e os símbolos que compõe essa ANTERIOR
ANTERIOR
jornada, tornam-se um análogo da jornada externa do jogador que necessita ser aprimorado, assim ANTERIOR

293
como, o domínio dos comandos e desenvolvimento de estratégias para atingir suas metas, dentro da
parte proposta pelos games e da outra, proposta pelo próprio jogador.

Logo, o jogo pode extrapolar a si próprio considerando os símbolos utilizados na sua produção e a
cadeia de valores emergentes que surgem no jogador, podendo transcender a sua relação com o jogo
de forma a trazer referenciais outros ligados a valores sociais positivos para uma comunidade.

O bjeto estudado

A proposta de estudar um jogo de luta, como o Super Street Fighter IV (CAPCOM, 2010), motivou a
relação simbólica da interface que se estabelece entre o jogador e a máquina como Dojô. CAPA
CAPA
Trata-se de é um título representativo no mercado, sendo uma das franquias mais populares e lucra- CAPA
tivas da história, possuindo expressivo grau de penetração na sociedade. Considerado a 30ª franquia
mais lucrativa da história, vendeu mais de 30 milhões de cópias e lucrou com a marca, mais de 1
SUMÁRIO
bilhão de dólares em seus 25 anos de existência. (Wikipédia, 2012). SUMÁRIO
SUMÁRIO
O jogo Super Street Fighter IV pertence à categoria de jogos chamados de Fighting Games, que por
sua vez estão dentro de um grupo chamado Action Games.

Os Action Games são caracterizados por exigirem do jogador, reflexos rápidos, considerando preci- FICHA
FICHAFICHA
são, tempo de reação e capacidade de decisão rápida. Outros jogos nesta categoria são (beat´m up,
shoot em up, fps, tps, hack and slash). Nos Fighting Games, os jogadores controlam personagens na
tela como se ela fosse uma arena. Para os personagens que se enfrentam seja jogador contra jogador, PRÓXIMA
ou jogador contra máquina, existem um equilíbrio de forças, de poderes e de energias. Aquele que PRÓXIMA
PRÓXIMA
demonstrar maior habilidade vence o round (UNIVESITY OF MELBOURNE, 2012; WASHINGTON
STATE UNIVERSITY, 2012).

Outro diferencial é em relação à câmera e o cenário, uma vez que o espaço é pré-definido e o enqua- ANTERIOR
ANTERIOR
dramento é sempre o mesmo, delimitando o que seria um ringue. Obviamente que com o avanço da ANTERIOR

294
tecnologia, existe uma série de efeitos que acontecem no cenário, porém mesmo havendo mudança
de ringue, tão logo a sequência de transição ocorra, volta-se para a tela em questão.

Outros gêneros associados às lutas que apesar de uma aparente semelhança com outros jogos de
confronto corporal e que se comparadas apresentam diferenças bem evidentes, são: Beat´em Up
e os Sport Games. Basicamente, as diferenças dos Fighting Games com a Beat´em Up é que no se-
gundo, os personagens controlados pelos jogadores sempre enfrentam personagens controlados
pela máquina. Neles, o nível de habilidade do NPC (Non Playable Character) é inferior e a ação
se dá através do deslocamento da câmera pela tela (side scroll) com o surgimento constante de
inimigos. Em relação a jogos de esportes como o Boxe, Artes Marciais e MMA, é que estes por
apresentarem uma maior identidade com a realidade colocam itens básicos mais reais, como a CAPA
CAPA
proporção corporal, a ausência de poderes, a presença de juiz e regras oficiais, além dos anúncios
CAPA
publicitários.

O personagem principal do jogo escolhido é o Ryu e está presente nas seis versões principais, além
SUMÁRIO
dos spin-offs da série. Apesar de os outros personagens do jogo ter a sua importância e seu universo SUMÁRIO
histórico, a mitologia central do jogo gira em torno da cosmogonia do núcleo de Ryu. SUMÁRIO

Ele é uma representação arquetípica do lutador que entra nos campeonatos para provar a si mesmo
a sua força, não se importando com o pódio e a fama. Do ponto de vista pragmático os personagens
FICHA
FICHAFICHA
como Sakura, Evil Ryu, Ken, Akuma e Gouki, todos são iguais, porém com diferenças estéticas e téc-
nicas, alteradas em relação às definições dadas pelo game design e tão bem traduzidas na história
de cada personagem, como a motivação para estar no torneio, o uniformes e as especificidades de
seus poderes. Em Campbell (1976), vemos que Ryu é o herói Oriental clássico, ou seja, a história não PRÓXIMA
é centrada em seu drama pessoal, como o herói ocidental. Ele faz parte de uma tradição, uma mô-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
noda transitória que cumpre o seu papel, ou seja, foi discípulo, tem seus mestres, seus parceiros de
treino, seus rivais, e até mesmo uma discípula. À medida que a história se desenvolveu a narrativa
se aprofundou, e ele sempre manteve seu objetivo de continuar treinando e se desenvolvendo como ANTERIOR
ANTERIOR
em uma jornada pessoal de eterno aprimoramento. ANTERIOR

295
Na faixa preta de Ryu, desde a segunda versão do jogo existia uma sequência de kanjis , porém como
a qualidade técnica não podia representá-la corretamente, o detalhe em questão aparecia somente
no livro de arte oficial. A sequência de letras aparecia também no cenário do personagem do lado
esquerdo em uma placa. Atualmente podemos ver tipografia nipônica em pleno jogo devido a qua-
lidade gráfica que o jogo apresenta.

A tradução de cada um dos ideogramas é: kaze ( 風 vento), hayashi ( 林 madeiras), hi ( 火 fogo)


and yama ( 山 montanha); estes quatro kanji figuram o termo furinkazan, presentes no capítulo 7
do livro a Arte da Guerra de Sun Tzu, e traduz o comportamento dos soldados em uma batalha:
tão rápido como o vento, tão sutil quanto uma floresta, tão ousado quanto o fogo e imóvel como
uma montanha. CAPA
CAPA
Mediante esta jornada simbólica tanto na tela quanto no interior do indivíduo, existe uma densa CAPA
cadeia de símbolos que juntas criam uma grande rede de um único símbolo integrado. Esta malha
composta por personagens, poderes, onomatopéias, sequências de animações, gritos de guerra, ce-
SUMÁRIO
nários, além de outros spin-off´s a partir do jogo como animações e filmes, brinquedos, cosplays, art SUMÁRIO
fandom, aproximam-se da vida dos jogadores e através dos ícones/avatares representados, buscam SUMÁRIO
um diálogo de significância da própria vida (SCHWARTZ, 2011). Logo todos os produtos ganham
um valor agregado além do financeiro, levando-se em consideração o caráter emocional daquilo que
representa para cada um dos indivíduos que jogam e que associam isso à subjetividade de valores FICHA
FICHAFICHA
como, por exemplo, a superação de obstáculos.

PRÓXIMA
DOJO PRÓXIMA
PRÓXIMA
Dojô, que significa no idioma japonês, lugar do caminho ( 道場 ) é conhecido popularmente como
o lugar onde se pratica arte marcial. Existem outras palavras que poderíamos utilizar como dod-
jang do coreano e também Wu Shu Guan do chinês. O termo escolhido é mais popular resultando
em melhor assimilação do sentido que queremos transmitir. Outra utilização da palavra Dojô ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

296
designa-se para grupos que se reúnem para desenvolver aplicações tecnológicas.

Dojô é um lugar ritualístico, no qual são transmitidos os ensinamentos de mestre para discípulos, ou
seja, um local de convívio entre pessoas que treinam técnicas diversas, onde, também se fazem ami-
gos e às vezes desafetos, onde se estabelecem metas para aprender determinadas técnicas e conse-
guir uma faixa preta ou preparar-se para uma competição, considerando sempre, que cada indivíduo
tem o seu próprio objetivo. Outra característica de um dojô é quanto ao conhecimento, habilidade
ou perícia que são postos à prova, envolvendo uma sequência de movimentos, uma luta, ou mesmo
a paciência para se aprender algo novo. Em todos esses casos existe algo em comum, que é o con-
frontar-se com a realidade, onde qualquer dissonância entre o indivíduo e a técnica é desnudada,
cabendo ao praticante independentemente do resultado, se bem ou mal sucedido no teste, continuar CAPA
CAPA
seu aprimoramento.
CAPA
Partimos do pressuposto que o ato de jogar e buscar a evolução no game é um desenvolvimento da
perícia que é motivada para suplantar desafios pontuais ou gerais dentro de um título específico. Da
SUMÁRIO
mesma forma que a arte marcial, este processo é algo que à medida que o exterior desenvolve em SUMÁRIO
direção simétrica e especular, o interior também se desenvolve. Porém esta jornada simbólica pode SUMÁRIO
não ser diretamente perceptível ou assimilada, necessitando-se então a presença de um Sensei, para
mediar o conteúdo e abrir a direção do discípulo para o caminho que deve ser seguido. Este processo
de orientação “mestre-discípulo” ligado à mídia, insere-se dentro do conceito de mediatização (RA- FICHA
FICHAFICHA
TIER, 2009).

A mediatização do conteúdo é um processo que promove uma orientação para o usuário, de


modo que se revele uma série de elementos que passariam desapercebidos na prática usual do PRÓXIMA
jogo. Desta maneira, é atribuído ao objeto de entretenimento um novo sentido onde a transmis-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
são de conhecimento ganha um caráter espontâneo. Desta maneira tal prática sendo associada a
questões como, o desenvolvimento de uma postura crítica, de conscientização e dos elementos
estéticos de jogabilidade, obtém um viés de meta-linguagem, onde sistematiza-se os elementos ANTERIOR
ANTERIOR
do presente como se fosse um protocolo de ensino, que além da compreensão também trás ele- ANTERIOR

297
mentos que podem ser observados para o aprendizado de game design.

Quando abordamos a questão do Dojo Digital na compreensão daquilo que faz um jogo ser um
jogo principalmente em seu suporte digital, temos uma base teórica que se fundamenta em:
Huizinga (2001) com o conceito do círculo mágico, Wittgenstein (1998) com os jogos de lingua-
gem e Pascal dialogando com a lógica e de forma lúdica em relação a própria existencialidade
(1976).

Podemos dizer que o dojo é um espaço ritualístico no qual as pessoas que ali se encontram estão
sujeitas a regras e ícones específicos que agregam e reforçam elementos e valores às suas vidas. A
utilização deste termo vai muito além do jogo escolhido para esta pesquisa, considerando a relação
CAPA
de local e de simbolismo que nos inspirou nos exemplos: a Cidade do Conhecimento, a Ilha Cabu, CAPA
a Casa Filosófica e o Labirinto Filosófico. Diferentes de outros mundos digitais, cenários e meta- CAPA
-universos de jogos, os projetos citados estão ligados à pesquisa na medida em que também criam
“círculos mágicos” que ressaltam a semântica e a polissemia de tais espaços simbólicos com seus
SUMÁRIO
respectivos nomes. SUMÁRIO
SUMÁRIO
“A limitação no espaço é ainda mais flagrante do que a limitação no tem-
po. Todo jogo se processa e existe no interior de um campo previamente
delimitado, de maneira material ou imaginária, deliberada ou espontâ-
FICHA
FICHAFICHA
nea. Tal como não há diferença formal entre o jogo e o culto, do mesmo
modo o “lugar sagrado” não pode ser formalmente distinguido do terre-
no de jogo. A arena, a mesa de jogo, o círculo mágico, o templo, o palco,
a tela, o campo de tênis, o tribunal etc., têm todos a forma e a função de PRÓXIMA
terrenos de jogo, isto é, lugares proibidos, isolados, fechados, sagrados,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
em cujo interior se respeitam determinadas regras. Todos eles são mun-
dos temporários dentro do mundo habitual, de­d icados à prática de uma
atividade especial.”(HUIZINGA, Homo Ludens, p.11) ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

298
“De um ponto de vista formal, não existe diferença al­g uma entre a deli-
mitação de um espaço para fins sagrados e a mesma operação para fins de
simples jogo. A pista de corridas, o campo de tênis, o tabuleiro de xadrez
ou o ter­r eno da amarelinha não se distinguem, formalmente, do tem­p lo
ou do círculo mágico.”(HUIZINGA, Homo Ludens, p. 18)

O conceito do círculo mágico tem em paralelo o círculo do jogo, local também, ritualizado e
com uma liturgia dissociada de atos de fé. Oposto a este conceito, temos os jogos religiosos nos
quais o desafio de si próprio mobilizando o coletivo, tinha o objetivo de melhorar a performan-
ce e os resultados obtidos e a glorificação dos deuses inspiradores dos atletas. Como exemplos,
citamos: CAPA
CAPA
• As Olimpíadas – que eram jogos realizados em homenagem ao panteão olímpico CAPA
e cujo lema “cituis, altius, fortiuis” (mais rápido, mais alto e mais forte) significa-
va que através das proezas físicas de superação de limites, a condição humana era
SUMÁRIO
transcendida aproximando-se do divino. SUMÁRIO
SUMÁRIO
• As lutas de Sumô - onde os juízes das competições são sacerdotes xintoístas e o
vencedor (Yokozuna) torna-se conforme a tradição, uma entidade divina, e com
isso tem o privilégio de ser recebido pelo imperador sem necessidade de agendar
FICHA
FICHAFICHA
hora.

Vale ressaltar, que os e exemplos citados são apenas de cunho agonístico, ou seja, voltados a alguns
itens como conseguir uma vitória, observação de regras e situações como a preservação da espécie. PRÓXIMA
Entretanto o jogo vai muito além de tudo isto, pois tem, também, uma característica importante de PRÓXIMA
PRÓXIMA
entretenimento e diversão - o conceito de Paidéia. Neste contexto propomos um ponto de equilíbrio
entre as questões da paidéia e agonística referente as Artes Marciais, que é expressa em dois exem-
plos distintos:
ANTERIOR
ANTERIOR
• o primeiro associado à prática da Capoeira, onde a música, e os movimentos que se ANTERIOR

299
confundem com uma dança folclórica, simulam posições e fintas que podem criam
condições para fazer o outro ser confundido e cair em uma cilada.

• o segundo exemplo está associado às artes marciais chinesas (Wu Shu, ou popu-
larmente conhecida por Kung Fu), onde os movimentos que imitam o macaco ou o
bêbado trazem em si, algo cênico e até ridículo, porém, atrás de toda a misanscene
do estilo, existem diversas sequências de golpes que se valem do contexto estético
específico para confundir os lutadores.

Em jogos de lutas existem uma série de movimentos que evocam essa provocação e cujo objetivo é
desestabilizar a estratégia do ataque alheio, como no caso da função de comando “taunt”, onde o
CAPA
personagem tem um ato de provocação característico. Tal ação pode ser vista como brincadeira ou CAPA
zombaria, e geralmente, tanto o personagem controlado pela máquina quanto os jogadores de um CAPA
modo geral optam por não executar esta função devido às dificuldades para criar as armadilhas ne-
cessárias ou até mesmo desencadear golpes. Porém isto não impede que se criem estratégias para
SUMÁRIO
quebrar a estratégia do adversário de uma forma mais contextualizado com a mecânica de ataques, SUMÁRIO
defesas e combos usuais. SUMÁRIO

Evocamos o conceito do dojo, pela possibilidade de utilização do termo semântico que une tanto o
objeto de estudo quando a relação de uso que é feito deste local e de como encaminhar os resultados
FICHA
FICHAFICHA
desta pesquisa. O termo dojo, atualmente é, também, utilizado em grupos de estudos e jams no con-
texto tecnológico, onde interessados se reúnem para criar algo específico, estudando novas tecnolo-
gias, códigos e desenvolvendo novas habilidades.
PRÓXIMA
Utilizaremos os conceitos desenvolvidos por Pascal (1973) para compreender as relações do jogo com PRÓXIMA
PRÓXIMA
o ato de jogar, as mecânicas, as narrativas e os elementos audiovisuais, objetivando uma forma de
melhor entender a lógica presente no jogo para que possa ser aplicada à transmissão de cultura, de
modo que a abordagem da jornada do jogador seja comparada a do “guerreiro virtual”, semelhante
como Pascal (1973) aborda a questão de Deus e do jogo de dados, associando sua fé às variáveis de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

300
sucessos e de fracassos relacionadas diretamente às apostas e à própria vida.

Neste caso a pesquisa divergirá de Pascal em dois itens:

• primeiro, o objeto de estudo, não é um jogo de azar e sim um jogo de habilidades


onde não existem apostas, mas uma evolução mediante ao esforço aplicado;

• segundo, são os referenciais teóricos que embasarão a forma de visualização do


jogo, pois enquanto Pascal utiliza como base a Bíblia e conceitos sobre Deus e da
vida após a morte, neste caso utilizamos A arte da Guerra de Sun Tzu (2008) ou O
segredo dos Cinco Anéis de Musashi (2001) voltados para a estratégia na superação
pessoal, ética e conscientização. CAPA
CAPA
A contribuição de Wittgstein nos traz a possibilidade de utilização da linguagem, ao passo que esta CAPA
possui regras e as relações de interação com o conteúdo admitem novos sentidos na medida em que
explora novas formas de comunicação. Pois, ao associarmos uma série de significados orbitando em
SUMÁRIO
torno de um conceito expandimos nossa compreensão sobre o mesmo, como é o caso do dojô que não SUMÁRIO
é algo que existe por si só, havendo uma série de elementos coexistindo. Logo, quando evocamos a SUMÁRIO
atmosfera do dojo, outras terminologias que nele estão presentes emergem trazendo para o conceito
do dojo digital novos elementos, adequando à extensão das funcionalidades ali presentes, tais como:
Katâ; Kumitê, Sensei e Kiai. FICHA
FICHAFICHA

A análise do J ogo PRÓXIMA


Para a análise de Super Street Fighter IV, nos valemos da gravação de uma partida do jogo disponi- PRÓXIMA
PRÓXIMA
bilizada no youtube.com por Uzumaki (2012). Neste vídeo, o usuário escolheu o personagem Ryu, e
exibe do começo ao fim uma partida. Esta prática é cada vez mais comum entre jogadores, uma vez
que os jogos vêm com opções para gravação e disponibilização da partida on-line para outros es-
pectadores. É uma nova função que permite além de jogar, a possibilidade de assistir o game. Nisso ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

301
está contido estratégias das grandes produtoras que visam combater a pirataria, pois aquele que não
estiver em conformidade com os padrões de mercado, não poderá mostrar para a comunidade de
outros jogadores suas habilidades na rede.

A sequência gravada permite analisar como funciona o jogo em seu aspecto quase que total, pois
para a experiência completa é necessário jogar.

Podemos observar:

• a sequência de imagens que compõem o jogo e como elas criam a narrativa do per-
sonagem escolhido;
CAPA
• à medida que se avança permite acompanhar o desenvolvimento da história; CAPA
CAPA
• elementos de jogabilidade;

• relação da comunidade com os comentários postados na timeline do vídeo.


SUMÁRIO
Para o estudo do game em questão utilizaremos os seguintes instrumentos de análise: SUMÁRIO
SUMÁRIO
• o diagrama ludológico proposto por Jull;

• o diagrama de narrativa embutida proposto por Chatman (1978);


FICHA
FICHAFICHA
• o diagrama de narrativa de emergente proposto por Dubiela e Bataiola (2007).

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

302
D iagrama L udológico

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

Figura 1 – Game Diagram - Fonte: JULL (2003)


PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Como tradução livre da citação temos:

1. Regras: jogos são baseados em regras;


ANTERIOR
ANTERIOR
2. Recompensa: resultado como uma variável quantificável; ANTERIOR

303
3. Valor atribuído a resultados possíveis: valorações diferenciadas entre aquilo que é
positivo e aquilo que é negativo

4. Esforço do jogador/desafio: o jogador investe esforço com o objetivo de influir no


resultado.

5. Conexão entre o resultado e o jogador: a ligação se manifesta, ou com resultando


positivo com o vencedor feliz, ou como negativo, com o perdedor infeliz.

6. Conseqüências negociáveis: o conjunto de regras pode ser jogado com ou sem vida
consequencias na vida real.
CAPA
CAPA
CAPA
D iagrama de N arratologia

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Figura 2 – Narrativa Embutida e Emergente - Fonte: Dubilla e Bataiola (2007). Org. pelo Autor.

O diagrama de Chatman (1978) aplica-se a compreensão da narrativa embutida, ou seja, aquela que ANTERIOR
ANTERIOR
foi construída pelos roteiristas da obra e será comum a todos que a acessarem. ANTERIOR

304
Tal diagrama baseia-se em compreender em como estruturam os elementos na obra. À medida que
são identificados e preenchidos, tem-se uma visão geral de como a textualidade se apresenta.

O diagrama de narrativa emergente proposto por Dubiela e Bataiolla (2007), deixa claro que existe
uma questão temporal envolvida de ordem progressiva, ou seja, à medida que o usuário avança, sua
prática de interação com o sistema promove uma maior profundidade de como é visto a narrativa. A
narrativa emergente pode ser considerada a associação da narrativa embutida, mais o ato de jogar.

A nálise L udológica
1 - Regras fixas: O título “Super Street Fighter 4” possui regras claras de compreensão e trata-se de CAPA
CAPA
um fighting game onde o direcional controla o personagem pela tela e os botões representam golpes
CAPA
como socos e chutes. Porém, combinando-se sequências do direcional com golpes, surgem manobras
diferenciadas e mais complexas que precisam de barras especiais carregadas.
SUMÁRIO
O jogador a princípio não precisa dominar técnicas complexas do game para poder jogar, pois com SUMÁRIO
vontade de vencer e com golpes básicos encaixados no tempo certo pode alcançar a vitória. Porém, SUMÁRIO
à medida que as experiências com o game avançam, que as dificuldades aumentam ou confronta-se
com jogadores mais experientes, torna-se necessário que se desenvolva novas técnicas, aprofundan-
do assim, na lista de movimentos especiais que o levarão a novas formas de competir e de vencer. A FICHA
FICHAFICHA
condição de vitória é acabar com a barra de energia do oponente.

2 - Recompensa: Este jogo tem recompensas de diversos tipos, como:


PRÓXIMA
• vencer os dois rounds de cada luta; PRÓXIMA
PRÓXIMA
• aprimorar-se na sequência de golpes especiais, observar na tela o resultado, seja ha-
douken flamejante ou uma sequência de animação especial devido ao super combo;
- avançar no campeonato chegando ao final e ver a sequência de animação. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

305
Sempre no final de cada round aparece as palavras K.O. (knock out), onde o personagem que acabou
com a barra de energia do outro, faz um gesto próprio de comemoração. Existe também a palavra T.O
(time over), que dá a vitória àquele que tiver a barra de vida menos gasta.

Outro exemplo de sucesso é vencer o oponente sem perder nada na barra de energia. Caso isso acon-
teça após a palavra K.O., surge a palavra “PERFECT”. Além disso, existem novas vantagens trazidas
pelo jogo, que extrapolam a mecânica e “gamificam” a estrutura das redes sociais e da própria joga-
bilidade. Caso o jogador faça uma determinada pontuação ele pode ter seu jogo gravado e exposto
na rede, com isso sua partida e sua “vitória épica” deixam de ser um momento de prazer individual
e restrito ao seu ambiente e passa a ser pública para a rede estabelecida por jogadores conectados à
Internet. CAPA
CAPA
3 - Valor atribuído a resultados possíveis: O jogo em questão possuiu uma variabilidade muito ex- CAPA
pressiva de combinações de movimentos, onde o usuário interage em oito diferentes direções. Além
de toda uma performance de defesa necessária para se esquivar dos golpes, existem seis opções bá-
SUMÁRIO
sicas, compostas por três chutes e três socos, combinações específicas, combos entre outras. Devido à SUMÁRIO
velocidade do jogo, que já chegaram a ser consideradas em algumas versões por estarem acima dos SUMÁRIO
reflexos humanos, as ações devidamente encadeadas podem acontecer muito rápidas, atingindo a
média de movimento em algumas ações entre 0 a 1 segundo. Com o desenrolar do jogo, novas con-
figurações de movimentação por parte dos lutadores vão sendo desenvolvidas, com isso, também, a FICHA
FICHAFICHA
necessidade constante de se criar estratégias diferentes. Semelhante ao xadrez pela extensa possibi-
lidade de jogadas, porém com tempos diferentes, a capacidade de analisar, de agir e de criar ciladas,
ocorre de forma quase que instantânea e a relação de timing pode ser crucial. Uma vez que o catálogo PRÓXIMA
de golpes é variado para uma mesma situação, existem diversas posturas a serem adotadas. Umas PRÓXIMA
PRÓXIMA
conservadoras e de resultados mais previsíveis, e outras mais agressivas visando romper a estratégia
do oponente, quebrando sua zona de conforto e gerando brechas para fazer as devidas sequências de
ataque e defesa. Obviamente que uma maior exposição pode, também, permitir uma chance maior
de contra-ataques. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

306
4- Esforço do jogador/desafio: o jogador investe esforço, com o objetivo de influenciar no resul-
tado: Neste caso, o esforço do jogador é diretamente relacionado ao resultado. Esta configuração de
ações possíveis faz com que seja impossível realizar duas partidas de modo semelhante. O grau de
variabilidade é tão grande, a imprevisibilidade, a negociação entre risco e sucesso presente, o apri-
moramento e a sorte são situações que possibilitam um jogo com infinitas possibilidades. Vencer
uma partida não significa que o jogador irá vencê-la novamente, pois para isso, é preciso estar exer-
citando constantemente.

5 - Conexão entre o resultado e o jogador: Todos aqueles que se dedicaram a finalizar o arco de lu-
tas proposta pelo Story Mode, vibram no final. Alegria ou frustração são sentimentos iguais aos que
se vivenciam quando dois jogadores se enfrentam. A necessidade de superar o desafio, a sensação CAPA
CAPA
da derrota e a vontade de tentar novamente até conseguir vencer, é uma condição que exige muita
CAPA
concentração e técnica do jogador. Os resultados desses esforços podem ser vistos, nos desgastes dos
controles dos fliperamas após algum tempo de uso. Outro exemplo disso está associado diretamente
às várias opções de botões existentes. Na primeira versão existiam apenas dois botões com variações SUMÁRIO
entre fraco, médio e forte que se dava pelo nível da pressão no botão acionado e um mecanismo hi- SUMÁRIO
SUMÁRIO
dráulico condicionava a intensidade do aperto ao resultado em tela. Porém, tal estrutura não funcio-
nou devido ao modo agressivo que se jogava.

6 - Consequências negociáveis: o conjunto de regras pode ser jogado com ou sem consequências FICHA
FICHAFICHA
na vida real: O jogo analisado, “via de regra”, fica restrito à virtualidade da tela. Porém, existem al-
gumas condições específicas que podem trazer consequências para a vida real. Da lista de itens que
o jogo influi na realidade listamos: os atletas de e-sport, colecionismo de “memorabilia”; spin-ofs PRÓXIMA
(filmes, animações); etc. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Os foco que gostaríamos de salientar, está diretamente relacionado com a questão de poder promo-
ver ao usuário o gosto por uma cultura que está presente na cadeia simbólica dos jogos, tal como
a influência da prática das Artes Marciais, o aprofundamento na cultura oriental e como este título ANTERIOR
ANTERIOR
pode ser utilizado em função das necessidades pedagógicas especificas de cada educador e contexto ANTERIOR

307
escolar.

Além disso, ressaltamos o título em questão como um instrumento de análise midiática que pode
permitir o desenvolvimento de novas relações com a cultura audiovisual, baseando-se em questões
de protagonismo e empoderamento, uma vez que a manipulação do conteúdo pode aproximar-se de
outras linguagens audiovisuais e até mesmo servir de base para exercícios de game design (análise,
criação, escrita criativa, programação, etc.).

A nálise N arratológica - Narrativa Embutida


Discurso CAPA
CAPA
O discurso é a forma que a história encontra para ser descrita, onde mediante os recursos estéticos e CAPA
técnicos, encaminha o desenrolar da história.

Por se tratar de uma forma complexa de discurso, sua explicação não pode ser dada através das SUMÁRIO
linhas formais uma vez que envolve toda uma questão de narrativa e interatividade associadas a SUMÁRIO
SUMÁRIO
questões diversas como escolha de personagem e estratégia a ser empregada para fechar o ciclo
proposto.

Uma forma de melhor compreender o discurso neste contexto, é observá-lo perante o aspecto do FICHA
FICHAFICHA
hipertexto, uma vez que existem uma série de linguagens específicas e uma vasta possibilidade com-
binatória. O desencadeamento dos fatos tem por embasamento a própria perícia do jogador e asso-
ciando-se a isto, imagens sequenciais que em determinados momentos variam de acordo com a ação PRÓXIMA
do usuário. Desta forma é criada uma ramificação de possibilidades que só pode ser compreendida PRÓXIMA
PRÓXIMA
e analisada de maneira mais ampla e geral.

No jogo em questão vemos o discurso aparecendo em função de telas diferentes e de maneira alter-
nada, com a seguinte ordem (Figura 3 – Sequência de Super Street Fighter IV): ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

308
1. Seleção de Personagem

2. Animação inicial

3. Luta contra um adversário

3.1.  Sequência inicial de apresentação na arena e diálogo inicial

3.2.  Jogo

3.3.  Tela final com uma mensagem de vitória/derrota

4. Surgimento do Rival
CAPA
CAPA
4.1.  Sequência inicial de apresentação na arena e diálogo inicial
CAPA
4.2.  Jogo

4.3.  Tela final com uma mensagem de vitória/derrota SUMÁRIO


SUMÁRIO
5. Luta final SUMÁRIO

5.1.  Sequência inicial de apresentação na arena e diálogo inicial

5.2.  Jogo FICHA


FICHAFICHA
5.3.  Tela final com uma mensagem de vitória/derrota

6. Sequência de animação final PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

309
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Figura 3 – Sequência de Super Street Fighter IV - Fonte: Org. pelo autor


FICHA
FICHAFICHA

H istória
A história do “Super Street Fighter 4”, é uma continuação, da primeira versão lançada há 25 anos. À PRÓXIMA
medida que o tempo foi passando, houve a necessidade de justificar a existência dos personagens e PRÓXIMA
PRÓXIMA
qual a razão de eles terem entrado para aquele torneio. O avanço da tecnologia, a qualidade gráfica
de animações e até mesmo a expansão do mercado de entretenimento, possibilitaram diversas for-
mas para aprofundar-se na vida dos personagens, criando um vínculo de gosto e também de afetivi-
dade com tudo aquilo que é representando pelas características que compõem os personagens. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

310
E ventos
O evento presente no jogo é o campeonato de Artes Marciais, que faz os personagens se encontrarem
e se enfrentarem.

A ções
É o modo como esses personagens interagem, através de suas habilidades técnicas visando derrotar
o oponente e manter-se na competição.

CAPA
A contecimentos CAPA
São os fatos que ocorrem e justificam as ações. No primeiro ciclo aparece uma ordem aleatória de CAPA
personagens, como se fosse uma chave sorteada com grande quantidade de variações onde os adver-
sários surgem em ordens diversificadas, proporcionando a condição do inesperado e do ineditismo.
SUMÁRIO
Desta forma, a cada partida, uma configuração combinatória diferente. SUMÁRIO
SUMÁRIO

U niverso
O Universo do jogo é parecido com o mundo no qual vivemos, porém, apresentando toda uma par- FICHA
FICHAFICHA
ticularidade própria como, por exemplo, a condição fisiológica que permite um alto grau de esco-
riações e com gravidades bem distantes da realidade humana. Somando-se a isto, questões místicas
apoderam-se dos personagens, dando a eles energias sobrenaturais muitas vezes exteriorizadas atra- PRÓXIMA
vés de poderosos golpes baseados na mitologia oriental de projeção de energia, e também, sequên- PRÓXIMA
PRÓXIMA
cias que ignoram a gravidade.

P ersonagens ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

311
Os personagens em questão são baseados em arquétipos associados às suas respectivas nacionali-
dades. Logo, a constituição física e principalmente as roupas usadas, marcam as suas identidades.
Muitas vezes, a representação estereotípica das identidades se faz de modo tão presente e às vezes
tão caricatural que existem estudos sobre esta faceta do jogo.

C enários
Os cenários repetem a estrutura proposta pelos personagens, nos quais eles também são represen-
tações estereotípicas e caricaturais dos países representados, mostrando uma afinidade de cores e
detalhes nos gráficos entre o personagem que ali reside e tem o espaço como sua arena. Existe uma
CAPA
relação de unidade entre o cenário e o personagem no local onde terá início a sua jornada. CAPA
CAPA

N arrativa E mergente
SUMÁRIO
Segundo Dubbiela e Bataiolla (2007), a narrativa emergente estabelece-se da relação entre jogador e SUMÁRIO
o sistema em uma seta de tempo que segue em sentido ao infinito. Quanto mais o usuário passar o SUMÁRIO
seu tempo conectado ao jogo, seja jogando, ou relacionando-se com os ícones, maior será o sentido
emergente que ele desenvolverá.
FICHA
FICHAFICHA
Outro aspecto que deve ser ressaltado é o tempo de duração de um jogo, uma vez que uma partida de
dois ou três rounds dura aproximadamente de dois a três minutos e uma sessão tem tempo mínimo
de aproximadamente quinze minutos e máximo indeterminado. O tempo de jogo está diretamente
relacionado à necessidade de o jogador continuar se aprimorando. Diferente de um jogo de RPG PRÓXIMA
onde o personagem pode mudar, comprar equipamentos, evoluir suas habilidades, neste jogo o per-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
sonagem permanece o mesmo do começo ao fim. Outro aspecto importante é que nessas duas déca-
das, o jogo ganhou novos incrementos, novas sequências animadas e novos golpes, porém, manteve
inalterada a sua essência. Um indivíduo que jogou a versão II, não terá que aprender tudo de novo. ANTERIOR
ANTERIOR
Um tempo apenas de adaptação será suficiente para que ele se mantenha atualizado. ANTERIOR

312
Então complementando o que Dubiella e Bataiolla (2007) afirmam dentro do eixo de tempo, vemos a
relação de temporalidade, da mesma forma que Gould (1991) propõe: o tempo em seta e o tempo em
ciclo, ou seja, uma cadência do zero ao infinito como, por exemplo, a idade dos seres vivos. Temos,
também, ciclos com horas, semanas e anos, uma unidade escalar finita para encaixar-se em uma linha
infinita. Logo, dentro de uma linha na qual se insere a vida estão as partidas e as seções onde sempre
que uma acaba outra se inicia.

C onclusão
O jogo é uma forma de emular a realidade. Baseado em símbolos e tradições é criada uma jornada
CAPA
que embora lúdica, existe um grau de filosofia e conhecimentos implícitos perante aquilo que se CAPA
traduz de forma lúdica. CAPA

O papel que as telas cumprem neste caso, de acordo com Manovich (2001), é a releitura do olhar, de
um mural medieval para uma tela pintada, seja ela a tela de uma televisão, do cinema ou do celular. SUMÁRIO
Um jogo como Street Fighter direciona o olhar para dentro de uma arena de Gladiadores. A questão SUMÁRIO
SUMÁRIO
é que a representatividade de imagens nos games, vão além das outras linguagens, uma vez que o
estático dá lugar ao cinético e o cinético passa a permitir a interatividade. Logo, o fato de assumir o
controle permite que o jogador pense de como seria se fosse ele vivendo aquela situação expressada
FICHA
FICHAFICHA
no contexto do game. Fazendo uma analogia dos tempos de outrora, quando na antiguidade, um mo-
vimento de mão com o polegar para cima ou para baixo, definia a vitória ou a derrota de um lutador,
hoje, os movimentos coordenados, precisos e rápidos das mãos, podem conduzi-lo a uma vitória ou
a uma derrota. A tradição ao mesmo tempo em que é utilizada para criar um universo e um pano de PRÓXIMA
fundo para justificar personagens se degladiando, encontra na virtualidade, meios de coexistir com
PRÓXIMA
PRÓXIMA
a tecnologia e dessa forma, manter-se viva, adequando-se e contextualizando-se com as formas de
diálogo presentes.

Na busca por espaços que permitam a representatividade e estão implícitos regras de cunho cultural, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

313
surge a necessidade de aceitar o que este determinado espaço propõe, e mediante a ética implícita,
extrair dele novas formas de compreensão da realidade e de convívio.

Vemos isso no Projeto Iha Cabu (PETRY, 2010), onde analogamente à ilha temos o dojo, e por conse-
guinte, as regras para um convívio de sobrevivência. Em uma ilha é necessário, habilidades e conhe-
cimentos da estrutura geográfica, uma vez que a mesma tem os seus próprios perigos, representados
pelas águas que a circundam e pelas armadilhas dela própria (fauna, flora, relevo e etc.). Explorá-la,
significa fato preponderante para a sobrevivência, da mesma forma como a vivência em um Dojo, lo-
cal no qual se treina, onde é necessário muita atenção, perícia e conhecimento, pois qualquer distra-
ção ou negligência poderá terminar com um resultado desastroso. Logo, a possibilidade de trazer o
espaço consagrado do Dojo para o imaginário se fez pertinente à análise até então elaborada. Trazer CAPA
CAPA
para o simbólico as regras de conduta desse espaço, permitiu novas abordagens de análise que trou-
CAPA
xeram novas formas de utilizar o código de linguagem e fazer uma relação entre “forma e conteúdo”,
conseguindo extrair mais questões associadas em relação ao símbolo, á metáfora e as significâncias
dos objetos abordados. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Como diz o antigo ditado: “Dojo de Naki, Senjo de Warau”, cuja tradução significa, chora no trei- SUMÁRIO
no, ria no campo de batalha, revela que existe um lugar para se treinar e um lugar para se guerrear.
À partir desta metáfora, podemos dizer que, existem dois lugares na vida do usuário: um local de
prática e outro para a execução daquilo que se treinou. Obviamente que vivemos em tempos e locais FICHA
FICHAFICHA
nos quais as guerras não existem, o que não quer dizer que não existam as jornadas individuais e
coletivas. Desconsiderando os conflitos que existam em outros lugares, a guerra hoje é bem diferente
daquelas que aconteciam quando esse ditado fora concebido. Assim, o Dojo também muda seu as- PRÓXIMA
pecto, servindo para preparar artistas marciais e não guerreiros como antigamente. PRÓXIMA
PRÓXIMA
No momento em que o jogo estudado vale-se de estereótipos de nacionalidades e comportamentos,
encontramos arquétipos sociais universais e características narrativas específicas, como os elementos
históricos, filosóficos, o cenário, o figurino e as feições, levando-nos à seguinte reflexão: da mesma ANTERIOR
ANTERIOR
maneira que o jogo estudado valeu-se de questões histórico-culturais com o objetivo de gerar uma ANTERIOR

314
narrativa de qualidade, em contrapartida promoveu a preservação destes elementos. Conforme ve-
mos em Miege (2009) os espaços de comunicação controlados pelas elites, também, oferecem formas
que podem ser utilizadas em práticas democráticas de apropriação da comunicação, especificamente
neste caso, é necessário observar questões ligadas à mediação (RATIER, 2009) de modo que direcione
o sentido à transmissão de conteúdos ligados à cultura seja dos elementos do jogo, ou a conscienti-
zação de elementos midiáticos para promover conscientização e protagonismo, inclusive utilizando
esta relação de documentários como forma de pesquisa de elementos dentro do videogame.

B ibliografia
CAPA
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CAPA
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SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

317
CAPA
CAPA

Capítulo 4 -
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Diálogos: Análises e
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

intertextualidades ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
DA CRIAÇÃO AO ROTEIRO E DO ROTEIRO AO
ROMANCE

Maria Luiza G uarnieri Atik


Universidade Presbiteriana Mackenzie - mlatik@mackenzie.br

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo
Na contemporaneidade, as adaptações de obras literárias inscrevem-se num processo contínuo de re- SUMÁRIO
contextualização, de textos gerando outros textos, sem que se possa fixar claramente, em alguns ca- SUMÁRIO
SUMÁRIO
sos, o texto-fonte. Em O Invasor (2002) de Marçal Aquino, o diálogo entre literatura e cinema ocorre
de uma forma singular, uma vez que a escritura romanesca, em elaboração pelo escritor-roteirista só
foi retomada após o lançamento do filme homônimo, dirigido por Beto Brant (2001). Assim, o objeti-
FICHA
FICHAFICHA
vo deste trabalho é analisar os procedimentos narrativos presentes no roteiro e no discurso literário
que mantêm a tensão dramática, bem como alguns recursos próprios da linguagem cinematográfica
que foram incorporados à construção romanesca.
PRÓXIMA
Palavras-chave: Inter-relações. Romance. Roteiro. Enredo. Personagem. PRÓXIMA
PRÓXIMA

A bstract
In contemporary times, the adaptations of literary works are in a continuous process of recontextu-
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

319
alization, the texts generating others texts, no one can fix clearly, in some cases, the source text. In
Marçal Aquino’s O invasor (2002), the dialogue between cinema and literature occurs in a different
way from other filmic adaptations since the writing of the novel, in progress, was resumed by the
author/scriptwriter only after the launching of the homonymous film, directed by Beto Brant (2001).
This study aims at analyzing the narrative procedures in the script and the literary discourse, which
maintain the dramatic tension, as well as some devices of cinematographic language that were incor-
porated in the construction of the novel.

Keywords: Interrelationship. Novel. Film script. Plot. Character.

CAPA
CAPA
Na história do cinema, o número de adaptações de obras literárias para a mídia audiovisual ultra-
CAPA
passa o número de roteiros originais. Tal transposição apresenta-se de maneiras diferentes pelas pró-
prias características das linguagens e, também, pelas intenções e visões que circundam o seu estatuto
nas artes e na sociedade. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No âmbito da indústria cinematográfica brasileira, observamos que as adaptações de romances para SUMÁRIO
o discurso fílmico ganham a cada dia mais espaço entre diretores e cineastas do chamado Cinema de
Retomada que surgiu na década de 1990.
FICHA
FICHAFICHA
Quanto às produções artísticas do escritor e roteirista Marçal Aquino, foco deste trabalho, destaca-
mos que sua ficção serviu de matriz para os filmes Os matadores (1997), Ação entre amigos (1998), O
invasor (2001) e Eu receberia as piores notícias de seus lindos lábios (2011), dirigidos por Beto Brant,
nos quais atuou como roteirista. Assinou também os roteiros dos filmes Nina (2004) e O Cheiro do PRÓXIMA
Ralo (2006), de Heitor Dhalia., e O amor e outros objetos pontiagudos, de Beto Brant. Em parceria
PRÓXIMA
PRÓXIMA
com Renato Ciasca e Beto Brant, roteirizou Cão sem dono (2007), baseado no livro Até o dia em que
o cão morreu,  de Daniel Galera; e, com Berto Brant e a pareceria de Marco Ricca, Marçal Aquino
participou da adaptação do romance Um Crime delicado (1997), de Sérgio Sant’ Anna. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

320
Em O Invasor, o diálogo entre literatura e cinema ocorre de uma forma singular, uma vez que a
escritura romanesca, em elaboração pelo escritor-roteirista Marçal Aquino só foi retomada após o
lançamento do filme homônimo (2001). Assim, o objetivo deste trabalho é analisar procedimentos
narrativos presentes no roteiro e no texto literário que mantêm a tensão dramática, bem como en-
focar alguns recursos próprios da linguagem cinematográfica que foram incorporados à construção
romanesca.

O romance, publicado em 2002, inclui em sua edição o roteiro e algumas fotos de cenas filmadas.
Ao relatar o processo de criação e de publicação do romance, em entrevistas posteriores à estreia do
filme, Aquino afirma que:
CAPA
Literatura e roteiro são duas linguagens bem distintas [...] enquanto a CAPA
literatura, para mim, é o território da concisão, da alusão e de uma lin- CAPA
guagem muito específica, o roteiro é a peça explicativa por natureza. [...].
O roteiro "informa" a ação e os diálogos que vão acontecer durante um
SUMÁRIO
filme, sem nenhuma preocupação literária em seu enunciado. [...] o texto SUMÁRIO
literário é produto de um trabalho solitário [...]. O roteiro, mesmo quando SUMÁRIO
é obra de um só autor, vai derivar necessariamente para um trabalho co-
letivo, e só vai se realizar plenamente com a interferência do diretor, dos
atores, do fotógrafo, etc. (AQUINO, Geração Editorial Online). FICHA
FICHAFICHA
Em outras entrevistas, Aquino reitera a sua condição de escritor, ou seja, de alguém que escreve ro-
teiros, e não a de um roteirista que escreve livros, e afirma que não pretende repetir o mesmo pro-
cesso que ocorreu na elaboração do romance O Invasor: um romance concluído a partir de opções PRÓXIMA
narrativas que foram pensadas para o filme.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Estamos, pois, diante do nascimento de um tipo de diálogo entre cinema e literatura que se consubs-
tancia de uma forma diversa das demais. Não temos aqui a pretensão de eleger que tipo de narrativa
é a mais complexa, e sim, apreender as intersecções que ocorreram entre o roteiro e o texto literário ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

321
no processo de criação desses produtos estéticos. O eixo, em torno do qual gira a nossa análise, tem
como foco a construção das narrativas e o perfil das personagens Anísio, Ivan e Gilberto/Alaor.

No discurso literário, a tensão dramática se sustenta, sobretudo, nas relações conflituosas vividas
pelas personagens; no roteiro cinematográfico, a tensão dramática estrutura-se como algo a se com-
pletar na encenação. Segundo Carrière,

Escrever um roteiro [...] é escrever de outra maneira: com olhares e si-


lêncios, com movimentos e imobilidades, com conjuntos incrivelmente
complexos de imagens e de sons que podem possuir mil relações entre si,
que podem ser nítidos ou ambíguos, [...], que podem impressionar a inte-
CAPA
ligência ou alcançar o inconsciente, que se entrelaçam, que se misturam CAPA
entre si, que por vezes até se repudiam, que fazem surgir coisas invisíveis CAPA
[...]. O romancista escreve, enquanto o roteirista trama, narra e descreve
(apud COMPARATO, 1998, p. 20).
SUMÁRIO
Em O invasor, podemos sintetizar a fábula como sendo a história de dois sócios de uma construtora, SUMÁRIO
SUMÁRIO
Ivan e Gilberto, que decidem assassinar o sócio majoritário, Estevão, pelo fato deste não compactuar
com um negócio ilícito que lhes renderia muito dinheiro. Para assassiná-lo, eles contratam Anísio,
um matador profissional.
FICHA
FICHAFICHA
Ao cotejarmos o roteiro de O invasor com o romance, constatamos que o papel dos protagonistas
Ivan e Gilberto se dilui ao longo do entrecho. O matador assume a função de protagonista, “inva-
dindo” a vida dos dois sócios. Quando Anísio entra em cena, o seu comportamento e o modo de se PRÓXIMA
expressar passam a ser a motivação da trama. Esta troca de papéis entre os protagonistas do romance PRÓXIMA
PRÓXIMA
e o matador ocorre na cena 49 e mantêm-se até o desfecho.

No romance, é a partir da percepção de Ivan que acompanhamos o desenrolar das ações. Todos os
aspectos da trama, bem como a descrição das personagens e dos ambientes trazem a marca do olhar ANTERIOR
ANTERIOR
subjetivo do narrador-personagem. No cinema, a objetividade exige mudanças na transposição das ANTERIOR

322
personagens do romance para a mídia audiovisual e o próprio movimento da câmera assume a fun-
ção narrativa. Desta forma, podemos acompanhar as ações das demais personagens sem que estejam
estritamente vinculadas às impressões de Ivan, pois a câmera focaliza, recorta, aproxima, e descreve.

Quanto à temporalidade, as ações se desenvolvem num tempo contínuo e têm a duração de sete dias,
compreendendo o momento em que Ivan e Gilberto contratam o matador de aluguel até o momento
em que os primeiros se tornam vítima em potencial do bandido.

Em relação ao espaço, Doc Comparato assinala que “o onde não contém apenas um componente
geográfico com oportunos detalhes sobre o cenário, mas também implica um contexto social e his-
tórico” (1998, p. 121). Em O invasor, o espaço urbano (as ruas da cidade de São Paulo) exerce papel
CAPA
fundamental na construção das personagens e da ação, uma vez que abarca todos os patamares da CAPA
pirâmide social: da periferia até o mais alto escalão. CAPA

Na primeira cena do roteiro, destacamos a seguinte rubrica: “1 INT. BAR POPULAR DA PERIFERIA
– Dia. Câmera fixa a partir de uma mesa do bar, funcionando como ponto de vista de Anísio [...] um SUMÁRIO
carro estaciona perto do bar e dele descem Gilberto e Ivan” (AQUINO, 2002, p. 145). O espaço é ex- SUMÁRIO
SUMÁRIO
plorado tendo em vista a perspectiva das personagens que participam da ação, ou seja, adentramos
no bar acompanhando o olhar das personagens, como se estivéssemos participando de uma ação
real. No romance, cabe ao narrador-personagem descrever o espaço. Ivan descreve o local como “um
FICHA
FICHAFICHA
lugar medonho” e “sem nenhuma vocação para cartão-postal” (AQUINO, 2002, p. 7).

Em outros momentos, os deslocamentos da câmera acompanham o trajeto de Anísio pelos diferen-


tes ambientes da construtora. Anísio aparece de forma inesperada no escritório dos contratantes. PRÓXIMA
Se, para o espectador, a presença de Anísio na empresa reafirma o contraste social entre mandantes PRÓXIMA
PRÓXIMA
e matador, as ações de Anísio não refletem qualquer tipo de desconforto em relação ao espaço. Ao
contrário, muito à vontade, Anísio procura convencer os sócios que é ele digno de pertencer àquele
lugar.
ANTERIOR
ANTERIOR
Na cena 52, por exemplo, o matador informa aos sócios que pretende trabalhar na construtora. Ivan e ANTERIOR

323
Gilberto não conseguem dissuadi-lo da ideia e acabam aceitando suas reivindicações. Mais uma vez
a sensação de desconforto é sentida pelos empresários, que temem ser desmascarados.

Entretanto, a ascensão social de Anísio ganha outras proporções a partir do seu envolvimento com
Marina, filha de Estevão, o sócio assassinado. Do mesmo modo que se infiltrou na construtora e se
tornou parte da rotina da firma, Anísio aproxima-se de Marina, como que por acaso. Esse primeiro
contato possibilita ao matador ir até casa da jovem para lhe entregar um filhote de cachorro de pre-
sente. A entrada de Anísio na casa de Marina simboliza seu acesso direto a um mundo que até aquele
momento não lhe pertencia. Ele vaga pelos ambientes e observa demoradamente os objetos. Consta-
ta-se nessa cena que há uma inadequação entre a personagem e o espaço.
CAPA
Se, por um lado, Anísio invade o mundo de Marina, por outro, ela é conduzida pelas mãos do inva- CAPA
sor ao submundo. O que era desconhecido passa a ser excitante para ambos. Há entre eles apenas CAPA
um relacionamento superficial. Na cena 63, por exemplo, efetiva-se apenas um desejo carnal. Não
há nenhuma motivação romântica. O sexo surge sempre após o uso de drogas. Embora, em nenhum
SUMÁRIO
momento, o casal compartilhe de uma verdadeira intimidade, para Anísio, o relacionamento com SUMÁRIO
Marina significa subir mais um degrau em sua busca pela ascensão social. SUMÁRIO

A analisar o romance O Invasor, Regina Dalcastagnè afirma que há um descompasso entre mundos
tão diversos, o que contribui para “desembocar na inverossimilhança da trama narrativa”. “De uma
FICHA
FICHAFICHA
hora para outra, o matador de aluguel torna-se um deles”, invade a classe média alta e parece que
“ninguém mais repara no desacordo de sua presença”. [...] “a invasão se transforma numa ocupação,
sem qualquer resistência, e a história muda de rumo, passando a enforcar o descontrole emocional
do narrador” (2003, p.62-63). PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Em relação ao roteiro, a história não muda de rumo, uma vez que o descontrole emocional de Ivan
manifesta-se progressivamente, em seus diálogos com Gilberto e com Anísio, como registram as se-
guintes cenas:
ANTERIOR
ANTERIOR
24 EXT. CANTEIRO DE OBRAS – FINAL DE TARDE (Diálogo entre Ivan ANTERIOR

324
e Gilberto). Falas de Ivan:

Eu vim aqui pra te dizer que eu desisti do plano... [...]

Isso que você escutou: eu quero cancelar o seu plano. [...]

Eu tava louco quando topei esta parada. Agora tô vendo que não dá pra
segurar...[...]

Não dá Giba, o que você está querendo fazer é uma puta loucura.[...]
(AQUIN0, 2002, p. 162-163).

24 EXT. CANTEIRO DE OBRAS 1 – FINAL DE TARDE/ Gilberto dirigin- CAPA


CAPA
do-se a Ivan
CAPA
O mundo é assim, meu velho.

[...] No fundo, esse povo quer o seu carro. Querem o seu cargo, o seu SUMÁRIO
dinheiro, as suas roupas. Querem comer a sua mulher, Ivan. É só surgir SUMÁRIO
SUMÁRIO
uma chance. É isso que nós vamos fazer com o Estevão: vamos aproveitar
a nossa oportunidade antes que ele faça primeiro (AQUINO, 2002, p.166).

Frio e oportunista, Gilberto acredita que matar o sócio majoritário para atingir seu objetivo não FICHA
FICHAFICHA
significa transgredir regras na meio corrompido em que vive. Já Ivan, ao descobrir que Estevão
tem pleno conhecimento dos negócios escusos de Gilberto, sente-se intimidado, arrependido de ter
concordado em contratar Anísio. Quanto ao seu comportamento, surge a seguinte dúvida: estamos PRÓXIMA
realmente diante de uma crise de consciência? PRÓXIMA
PRÓXIMA
Oricchio, ao analisar traços de caráter de Ivan e Gilberto, reforça a tese da corrupção pessoal e pro-
fissional que se manifesta desde o início da trama:

Há, desde o início, um delineamento de caráter dos dois personagens. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

325
Giba é o arrivista, integralmente convicto de que qualquer método é bom
para se vencer na vida. Ivan é menos adaptado a ética dominante. Ainda
sente um pouco de escrúpulos e tenta pular fora do barco. Mas é um fraco,
[...] e acaba fazendo o que Giba deseja ( 2003, p.177).

Quanto ao Anísio, sua aparição na construtora (cena 47) cria uma tensão entre os sócios e também
nos espectadores, que aguardam a “invasão” deste personagem. Ao entrar na sala de Ivan, Anísio
mostra aos sócios os objetos que pertenciam a Estevão e a sua esposa e que agora estão em seu poder,
para que o crime fosse identificado como latrocínio. Na rubrica do autor, percebemos que Anísio se
diverte com a reação de pânico de Gilberto e Ivan.
CAPA
Após receber o pagamento pelo “serviço”, o matador despede-se com as seguintes palavras: “Bom, CAPA
se vocês precisarem de mais alguma coisa, vocês sabem como me achar. (pausa) E eu sei como achar CAPA
vocês” (AQUINO, 2002, p. 183). Para os sócios, contudo, fica a impressão de que Anísio desaparece-
ria de suas vidas, pois tinham o controle da situação.
SUMÁRIO
Alguns dias depois, Anísio volta à construtora e dessa vez diz que não quer apenas conversar: “Gos- SUMÁRIO
SUMÁRIO
tei daqui. Tô pensando em trampar aqui com vocês [...]. Eu tô falando sério, vocês viram o que acon-
teceu com o sócio de vocês...” (AQUINO, 2002, p.189-190). A partir desse momento, Anísio passa a
frequentar a construtora; os dois sócios sentem-se acuados e obrigados a aceitar a situação. O diálogo
FICHA
FICHAFICHA
entre os personagens enfatiza o perfil ameaçador e cínico do matador, como podemos depreender no
fragmento abaixo (cena 67):

Pêra aí, Anísio, isso tá passando do limite. Você tá pensando que isso aqui PRÓXIMA
é um banco? PRÓXIMA
PRÓXIMA
[...].

Ivan (ainda mais puto)


ANTERIOR
ANTERIOR
Caralho. Você é um puta dum folgado. ANTERIOR

326
Gilberto (contemporizando)

Espera aí, gente. Vamos resolver isso de outro jeito. (Gilberto pega o talão
de cheques que está no bolso, preenche um cheque e entrega para Anísio,
que o repassa para Sabotage) (AQUINO, 2002, p. 206- 207).

Como assinala Regina Dalcastagnè, Anísio não vai exigir mais dinheiro, “como seria de se esperar”,
o seu desejo é o de “fazer parte daquilo tudo, daquelas vidas que não são a sua”. Dentro desta pers-
pectiva, podemos afirmar que Anísio se distancia de outros “excluídos sociais” presentes em nossa
literatura, uma vez que se torna a imagem negativa que desvela as engrenagens de um sistema capi-
talista corrompido.
CAPA
CAPA
Nas palavras de Oricchio, Anísio é
CAPA
aquele que vem desestruturar outra violência, aquela bem posta e bem
arranjada, a do mundo dos altos negócios. Não seria a primeira vez que
SUMÁRIO
uma plateia de classe média esclarecida simpatiza com a ideia de uma SUMÁRIO
violência que vem de fora e desarruma aquilo que ela entende ser matriz SUMÁRIO
da grande violência social do país: o abismo das classes sociais, uma das
piores distribuições de renda do planeta, a indiferença das elites, o cará-
ter predatório do capitalismo à brasileira (2003, p. 180). FICHA
FICHAFICHA
O invasor possui uma narrativa muito bem amarrada e estruturada. Levando-se em conta as rubricas
do roteiro podemos dividir o texto, do ponto de vista do desenvolvimento das ações, em três grandes
segmentos. O primeiro inicia-se na cena 1 com a contratação do matador e termina na cena 46 que PRÓXIMA
corresponde ao momento do velório de Estevão e de sua esposa. O segundo segmento tem início na
PRÓXIMA
PRÓXIMA
cena 47, quando Anísio aparece pela primeira vez na construtora fecha-se ao final da cena 99, quan-
do Cláudia revela a Gilberto que Ivan esteve em seu apartamento e que descobriu a farsa que eles
tramaram para poder vigiar suas ações. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

327
A sequência final é composta por oito cenas. Dentre elas, destacamos: Ivan circula pelas ruas da ci-
dade de São Paulo dirigindo seu carro em alta velocidade. Num momento de distração, bate o carro.
A seguir, dirige-se a pé até uma delegacia, onde relata as ações criminosas praticadas por ele, Anísio
e Gilberto ao delegado Norberto, que por sua vez, é sócio de Gilberto em uma casa de prostituição.
No começo da manhã, o delegado vai até à casa de Marina. Ivan está algemado no camburão. O de-
legado entrega Ivan a Gilberto e diz que cabe a ele livrar-se do sócio. Logo a seguir, “ouvimos ruídos
discretos [...] vindos” de uma dependência da mansão. “Câmera está fixa e assim permanece por
longo tempo. Até que começam a subir os créditos finais” (AQUINO, 2002, p.232).

Para Marçal Aquino, o roteiro é uma “peça de transição” e não deve ter “ambições literárias”. São os
diálogos, os movimentos de câmera, os sons, a montagem que surpreendem o espectador. O produto CAPA
CAPA
fílmico apaga as marcas do roteiro.
CAPA
Entretanto, a publicação do romance e do roteiro em um mesmo volume permite-nos apreender
como Aquino incorporou à construção da estrutura romanesca procedimentos próprios da lingua-
SUMÁRIO
gem cinematográfica. A simplificação da linguagem, despojada de seus acessórios qualificadores SUMÁRIO
(advérbios, adjetivos, etc.), a predominância de diálogos curtos, as cenas entrecortadas pela voz do SUMÁRIO
narrador, denotam a sua opção por um estilo imagético.

As rubricas, ao assinalarem os movimentos de câmera, os enquadramentos, os ângulos de filmagem,


FICHA
FICHAFICHA
podem revelar mais do perfil das personagens do que os próprios diálogos. Entretanto, quando se
fala da caracterização das personagens no romance é o plano verbal que se sobrepõe.

Merecem destaque alguns aspectos em relação à descrição do perfil de Anísio. Na representação PRÓXIMA
imagética, Anísio tem a aparência de um homem franzino, cabelos pretos e lisos, em desalinho, olhos PRÓXIMA
PRÓXIMA
castanhos, nariz aquilino, marcas profundas de expressão e gestos que sugerem menosprezo pelos
seus semelhantes. No romance, o personagem é descrito como

um homem atarracado, de braços fortes e mãos grandes. Tinha a pele ANTERIOR


ANTERIOR
bem morena, olhos verdes e usava o cabelo crespo penteado para trás. ANTERIOR

328
Uma dessas misturas que o Nordeste brasileiro produz com certa fre-
quência. Ao contrário do que eu imaginava, ele não parecia ameaça-
dor – embora houvesse dureza em seu jeito de olhar (AQUINO, 2002,
p. 8-9).

A explicação dos dois perfis de Anísio nos é dada pelo próprio romancista:

[...] Quando retomei o livro, tinha pronta a história... Eu já sabia,


por exemplo, que o Anísio teria a cara do Paulo Miklos (cantor que
faz o papel do matador no filme), bem diferente do personagem que
eu propunha no texto literário. A saída foi ser fiel à própria escri-
CAPA
tura, ou seja, ao projeto inicial do livro e àquilo que eventualmente CAPA
se tornaria necessário para escrevê-lo (apud DIEGUES et al, 2007, p. CAPA
218-219).

Tanto no roteiro como no romance, a densidade dramática cresce à medida que o desfecho se confi- SUMÁRIO
gura como inevitável. No romance, a voz narrativa é a do próprio protagonista; sua voz está total- SUMÁRIO
SUMÁRIO
mente envolvida na narração, consequentemente suas emoções diante do “invasor” se mostram em
toda a sua vulnerabilidade.

No filme, o diretor Beto Brant não esconde do espectador de quais olhos assistimos ao desenrolar FICHA
FICHAFICHA
das ações ou das cenas. A câmera assume a função de narrador externo, que pertence a uma terceira
pessoa não identificada. Segundo Ismail Xavier, “O invasor é um bom exemplo dessa interação entre
o olhar do protagonista e o olhar externo do narrador que vê mais do que ele, mas não quer dele se PRÓXIMA
afastar, fazendo o espectador partilhar de sua experiência-limite” (2006, p. 18). Experiência-limite PRÓXIMA
PRÓXIMA
que traduz não apenas a descrença de Ivan em relação aos relacionamentos pessoais e profissionais,
aos órgãos de segurança pública, como também problematiza e revela a cumplicidade da classe mé-
dia brasileira diante das situações de violência que a intimidam.
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

329
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______________.Entrevista para Geração editorial online. Disponível em www.geracaobooks.com.br/rele-


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PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

330
ADAPTAÇÃO DE LITERATURA PARA O
AUDIOVISUAL: TRADUÇÃO E INTERPRETAÇÃO NO
PROCESSO DE TRANSPOSIÇÃO ENTRE MEIOS.

F abrício Barbosa C assiano


Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS - fabriciobarbosac@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
O presente trabalho retoma a questão das adaptações de obras literárias para o audiovisual, produtos
SUMÁRIO
midiáticos que existem desde os primórdios da sétima arte. Será feito o resgate histórico de alguns SUMÁRIO
dos principais olhares teóricos sobre a adaptação – favoráveis ou não favoráveis às intervenções ne- SUMÁRIO
cessárias durante o ato de transpor uma história de um suporte a outro – até chegar à proposta de
dialogismo textual, de Robert Stam, que indica, entre outras questões, que não se deve tentar buscar
uma correspondência imediata e pontual entre a história original, expressa no suporte literário, e a FICHA
FICHAFICHA
sua adaptação ao suporte audiovisual, mas, fundamentalmente, pensar na proposta de diálogo es-
tabelecido entre esses diferentes códigos. Tal proposta será retomada e rediscutida em comparação
com os estudos da tradução interlínguas, partindo da busca pela equivalência textual até a possi- PRÓXIMA
bilidade de recriação. Pretende-se, ao longo desse trajeto, evidenciar alguns pontos dos estudos da PRÓXIMA
PRÓXIMA
tradução que também podem ser aplicados à questão da adaptação, sob o viés do dialogismo textual.
Esses pontos serão identificados e discutidos a partir da revisão de alguns dos principais referen-
ciais da Teoria da Tradução, dando ênfase à questão da interpretação do texto original por parte do
tradutor/adaptador e as influências desse e de outros fatores durante o ato de transposição do texto ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

331
de partida ao texto de chegada, seja em traduções ou em adaptações. Com isso, espera-se combinar
o dialogismo textual de Stam com os conceitos da teoria da tradução e, como resultado, encontrar
outros referenciais teóricos adequados para se analisar e compreender o processo de adaptação entre
meios, renovando e ampliando o debate a esse respeito.

Palavras chave: adaptação; tradução; literatura; audiovisual; interpretação.

A bstract
This paper takes up the question of adaptations of literary works for audiovisual, that are media
products that have been around since cinema was born. It will made the
​​ historic rescue of some CAPA
CAPA
major theoretical perspective on adaptation - favorable or not favorable to the interventions requi-
CAPA
red during the act of transposing a story from one support to another - until Robert Stam’s textual
dialogism propose, that states, among other issues, that we should not try to seek an immediate
correspondence between the original story, expressed in literary support, and their adaptation to SUMÁRIO
audiovisual support, but basically think in the proposed dialogue between these different codes. SUMÁRIO
SUMÁRIO
This proposal will be taken up and rediscussed compared to translation studies, starting in the se-
arch for textual match up the possibility of recreation. It is intended, along this path, highlighting
some points of translation studies that can also be applied to the issue of adaptation, under the bias
FICHA
FICHAFICHA
of textual dialogism. These points will be discussed and identified from the review of some of the
main references of Translation Theory, emphasizing the issue of interpretation of the original text by
the translator / adapter and the influences of these and other factors during the act of transposing
the source text to the target text, either in translations or adaptations. Thus, it is expected to combi- PRÓXIMA
ne Stam’s textual dialogism propose with concepts of translation theory and, as a result, find other
PRÓXIMA
PRÓXIMA
theoretical frameworks appropriate to analyze and understand the process of adaptation, renewing
and expanding the debate to that respect.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

332
Keywords: adaptation; translation; literature; audiovisual; interpretation.

I ntrodução
As relações entre cinema e literatura sempre existiram desde os primórdios da hoje chamada sétima
arte. Muitos são os exemplos de livros que inspiraram filmes e, nos dias de hoje, a adaptação de lite-
ratura para o audiovisual é prática mais do que consolidada. Um dos mais famosos filmes do francês
George Méliès, um dos pioneiros na arte do cinema, foi Viagem à Lua (1902), que teve sua inspiração
na obra de Julio Verne, Da Terra à Lua (BUENO, 2010). Antes mesmo de Viagem à Lua, Méliès já ha-
via adaptado da literatura Fausto e Margarida, em 1897. Esse processo de aproveitamento de obras
CAPA
literárias ganhou maior corpo em 1908, quando foi criada a Sociedade de Filmes de Arte, que tinha CAPA
como principal meta reagir aos modelos ou as fórmulas para se fazer filmes – a saída foi investir nas CAPA
adaptações, dessa forma, os filmes não seriam nem previsíveis, nem similares (KOBS, 2007).

Uma história tão antiga como a da relação entre literatura e cinema já foi colocada em evidência di- SUMÁRIO
versas vezes ao longo dos anos, sendo que vários teóricos já problematizaram a questão. Esse debate, SUMÁRIO
SUMÁRIO
no entanto, nem sempre se mostrou tão favorável ao cinema; este recebeu e ainda recebe muitas crí-
ticas por realizar aproveitamentos superficiais que, muitas vezes, não captariam o “real” sentido das
obras literárias originais e que acabariam até mesmo as “desvirtuando” (BUENO, 2010). Muito já foi
FICHA
FICHAFICHA
debatido a respeito da necessidade ou não necessidade das obras adaptadas se manterem “fiéis” aos
textos de origem e, nesse sentido, um dos estudos mais aceitos é o do americano Robert Stam, que
refuta a ideia de que as adaptações sejam avaliadas sob o viés da fidelidade.
PRÓXIMA
Como aponta Stam (2008, p. 20), “a linguagem tradicional da crítica à adaptação fílmica de literatura PRÓXIMA
PRÓXIMA
muitas vezes tem sido extremamente discriminatória em relação à adaptação, disseminando a ideia
de que esta vem prestando um desserviço à literatura”. O conceito de fidelidade ao texto de origem
vem sendo constantemente utilizado a fim de julgar adaptações como boas ou ruins, tomando como
base aspectos como o fato de algumas adaptações realmente não conseguirem captar elementos es- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

333
senciais do romance de origem, por algumas adaptações serem de fato melhores que outras e, princi-
palmente, por boa parte das adaptações acabarem perdendo pelo menos algumas das características
presentes em suas fontes (STAM, 2008). No entanto, muitas vezes essa crítica deixa de lado um fator
elementar relacionado ao processo de adaptação: uma adaptação, por si só, é automaticamente dife-
rente e original devido à mudança do meio de comunicação em que é veiculada. Nesse sentido, Stam
indica que existe pouca ou quase nenhuma probabilidade de existir uma fidelidade literal ao texto
de origem.

Uma vez refutado o estudo das adaptações sob o viés da fidelidade, em paralelo, outras perspecti-
vas de abordagem foram desenvolvidas a fim de melhor entender esse processo. Dentre diferentes
propostas, existe uma parcela de estudiosos que se posicionam favoravelmente à adaptação, elevan- CAPA
CAPA
do-a ao patamar de nova forma de criação artística e, assim, isentando-a de qualquer compromisso
CAPA
com a obra literária original. Nesse sentido, é possível inserir a obra de Julio Plaza, que aponta que
o cinema, com uma linguagem própria, mesmo emprestando textos literários, opera uma tradução
intersemiótica, qualificada pelo autor como “prática artística que se consuma como recepção produ- SUMÁRIO
tiva” (PLAZA, 2003, p. 209). Sob esse olhar, a fidelidade ao texto literário não é necessariamente uma SUMÁRIO
SUMÁRIO
exigência, porque o produto audiovisual, por si só, é uma obra de arte e, mesmo que seja resultado
de um reaproveitamento de um texto literário, ainda assim é uma releitura específica de um diretor/
produtor. Logo, de acordo com essa proposta, o diretor/produtor, após ler, transforma então o texto
FICHA
FICHAFICHA
conforme sua própria bagagem cultural e se apropria dele de acordo com sua estética particular.

Kobs (2007) indica que essa apropriação encontra reforço na própria estética da recepção, com posi-
ções consideradas mais radicais, como a de Stanley Fish (apud KOBS, 2007), por exemplo. Fish con- PRÓXIMA
sidera que a leitura ou a ação do leitor sobre o texto o transforma em outro texto, diferente daquele PRÓXIMA
PRÓXIMA
publicado pelo autor, pois o leitor, com as várias interferências que faz durante a leitura, vai também
“escrevendo” partes do texto e se transformando em coautor. A autora ainda recorre a Claus Cluver
(apud KOBS, 2007), que também chama a atenção para o fato de a adaptação desatrelar-se, cada vez
mais, do quesito fidelidade, ideia compartilhada por Patrice Pavis, que afirma: “Adaptar é recriar in- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

334
teiramente o texto, considerado como simples matéria” (PAVIS, 1999, p. 11 apud KOBS, 2007, p. 60).
Logo, não há um consenso sobre quais seriam os limites que deveriam ser impostos aos adaptadores
ou se estes deveriam ter qualquer limite, já que o que vale é a ideia de recriação, de obra nova, de
autonomia como justificativa de toda e qualquer modificação no original (NUNES, 2006).

Diante de tantas possibilidades de abordagem da questão, é mais uma vez Robert Stam quem irá
propor um enfoque em que as adaptações não são vistas nem como desvirtuantes nem como inde-
pendentes da obra literária original. Para Stam (2004), em se tratando de adaptações, não se deve
tentar buscar uma correspondência imediata e pontual entre a história original, expressa no suporte
literário, e a sua adaptação ao suporte audiovisual, mas, fundamentalmente, deve-se pensar na pro-
posta de diálogo estabelecido entre os diferentes códigos; o que, para o autor, se revela como uma CAPA
CAPA
relação mais produtiva se considerada como uma forma de dialogismo intertextual.
CAPA
Ao se investigar mais a fundo as origens do conceito de intertextualidade, que remonta a 1960, com
os trabalhos da crítica literária Julia Kristeva a partir dos estudos da obra de Mikhail Bakhtin (BAR-
SUMÁRIO
BOSA C., 2009), percebe-se que a questão do diálogo entre diferentes textos – considerando aqui o SUMÁRIO
texto como um objeto heterogêneo, formado por outros textos que lhe dão origem, que o permeiam, SUMÁRIO
que o predeterminam, com os quais dialoga, que ele retoma, a que alude ou aos quais se opõe
(KOCH, 2007) – já podia ser observado em outro campo, além daquele da literatura versus cinema.
Uma discussão bastante semelhante também se desenvolvia entre os estudiosos da tradução idiomá- FICHA
FICHAFICHA
tica, processo que, se comparado à adaptação de literatura para o audiovisual, tem muitos pontos
em comum com esta.

Tendo consciência de tal semelhança, pretende-se aqui retomar a questão do dialogismo intertextual, PRÓXIMA
proposto por Stam (2004), e combiná-lo com alguns dos conceitos principais da teoria da tradução,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
que também se adequam ao estudo das adaptações de literatura para o audiovisual. De fato, se as
duas práticas – tradução e adaptação – forem confrontadas, é possível encontrar vários pontos de
convergência, aos quais os estudos já desenvolvidos na área da tradução podem oferecer referenciais ANTERIOR
ANTERIOR
teóricos adequados para se analisar e compreender o processo de adaptação entre meios, renovando ANTERIOR

335
e ampliando o debate a esse respeito.

Um diálogo possível

As reflexões sobre os pontos de semelhança entre a teoria da tradução e a adaptação de literatura


para o audiovisual foram possíveis a partir da leitura da obra de Lauro Amorim (2005), que propõe
uma reflexão sobre os estudos das traduções e adaptações literárias, entendendo-se aqui adaptações
literárias como obras que, ao serem transpostas de um idioma a outro, são também modificadas a fim
de se adequar a nichos específicos do público; um exemplo de adaptação literária são os clássicos da
literatura recontados para crianças. Durante o estudo da obra de Amorim, porém, percebeu-se que
CAPA
pontos relevantes utilizados pelo autor para se referir às adaptações literárias também se adequa- CAPA
vam à questão das adaptações de literatura para o audiovisual e eram compatíveis com o dialogismo CAPA
textual proposto por Stam (2004). Diante disso, foi feito um estudo de outras teorias da tradução
idiomática para localizar mais ferramentas teórico-metodológicas que também pudessem servir à
SUMÁRIO
questão da adaptação audiovisual. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Ao se examinar o estudo da tradução literária ao longo do tempo, percebe-se que as traduções foram,
a princípio, tratadas como fundamentalmente análogas ao texto original. De acordo com a definição
proposta por J.C. Catford (apud ARROJO, 1992, p. 12), a tradução seria a substituição do material
FICHA
FICHAFICHA
textual de uma língua pelo material textual equivalente em outra língua. Dessa forma, o fundamen-
tal no processo de tradução seria que todos os componentes significativos do original alcançassem a
língua-alvo, de tal forma que pudessem ser usados pelos receptores (ARROJO, 1992).
PRÓXIMA
No entanto, tal concepção não considera alguns fatores subjetivos que possuem influência direta PRÓXIMA
PRÓXIMA
nessa passagem de significados da língua de partida à língua de chegada. Um desses fatores é o que
diz respeito à interpretação dos textos. Nesse sentido, pode-se afirmar que uma tradução só pode ser
construída a partir de uma leitura individual de determinada obra, ao passo que essa leitura só será
efetivada a partir da interpretação da obra original realizada pelo leitor. É o que indica Arrojo (1992, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

336
p. 23) ao afirmar que o significado de uma palavra, ou de um texto na língua de partida, “somente
poderá ser determinado, provisoriamente, através de uma leitura”. Dessa forma, mesmo que um
tradutor conseguisse chegar à repetição total de um texto específico, sua tradução não recuperaria
nunca a totalidade do texto original, mas revelaria, como complementa Arrojo, “uma leitura, uma
interpretação desse texto, que, por sua vez, será, sempre, apenas lido e interpretado, e nunca total-
mente decifrado ou controlado” (1992, p. 22).

Uma abordagem diferente sobre a tradução é proposta por Mounin (apud BASSNETT, 2003, p.38),
que trata a tradução como uma série de operações das quais o ponto de partida e o produto final são
significações e funcionam dentro de uma dada cultura. Dentro dessa proposta, o tradutor ativaria
critérios que transcendem os puramente linguísticos a fim de realizar um processo de descodificação CAPA
CAPA
e recodificação (BASSNETT, 2003, grifo meu). A esse processo Ludskanov (apud BASSNETT, 2003)
CAPA
chamou de transformação semiótica, que seria a substituição dos signos que codificam uma mensa-
gem por signos de outro código, mantendo a informação invariante em relação a um dado sistema
de referência. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Essa proposta, entretanto, também não foge às influências da interpretação do tradutor sobre o texto, SUMÁRIO
já que, uma vez que um texto somente poderá ser abordado por meio de uma leitura ou interpre-
tação, não é possível garantir que, ao descodificar e recodificar um texto, o tradutor tenha de fato
captado o sentido original proposto pelo autor e mantido invariante toda a informação contida no FICHA
FICHAFICHA
texto de partida.

John Fish (apud BASSNET, 2003, p. 47, grifo meu) define “sentido” como um “complexo de relações
de vários tipos entre os termos componentes de um contexto situacional”. Logo, percebe-se aqui que PRÓXIMA
a concepção de um significado terá relação direta, entre outros fatores, com o contexto a partir do
PRÓXIMA
PRÓXIMA
qual se dá o processo de significação. Arrojo (1992) complementa tal proposição, afirmando que o
significado da obra original não é fixo ou estável, uma vez que depende do contexto em que ocorre.
Assim, ao se propor o processo de tradução como uma descodificação/recodificação dos significa- ANTERIOR
ANTERIOR
dos presentes no texto de partida, encontra-se mais uma vez a barreira da interpretação, que, por sua ANTERIOR

337
vez, mostra a inviabilidade de se buscar uma equivalência total entre obra original e traduzida, uma
vez que esta última é inevitavelmente afetada pelo contexto histórico e social em que foi produzida.

Dentro dessa perspectiva, todo leitor ou tradutor não poderia evitar que seu contato com os textos e
com a própria realidade fosse mediado por circunstâncias, concepções ou contextos histórico-sociais
próprios. Tudo aquilo que pelo tradutor for considerado verdadeiro será irremediavelmente deter-
minado pelos fatores que constituem sua história pessoal, social e coletiva (ARROJO, 1992).

Seguindo tal raciocínio, pode-se concluir que é praticamente impossível resgatar integralmente as
intenções e o universo de um autor, dado que essas intenções e esse universo serão sempre e inevi-
tavelmente a visão do tradutor sobre aquilo que possam, de fato, terem sido originalmente. Assim,
CAPA
a tradução de qualquer texto será fiel não ao texto original, mas àquilo que se considera ser o texto CAPA
original, àquilo que se considera constituído, ou seja, à interpretação do texto de partida, que será, CAPA
como já citado, sempre produto daquilo que se é, se sente e se pensa (ARROJO, 1992).

Uma vez questionada a abordagem da tradução que procura a equivalência e a manutenção inva- SUMÁRIO
riante do conteúdo da obra original na obra traduzida, deve-se buscar um modelo que contemple as SUMÁRIO
SUMÁRIO
questões subjetivas relativas à interpretação dos textos a serem traduzidos. Nesse sentido, Jakobson
(apud BASSNETT, 1992) propõe que se entenda a tradução como uma transposição criativa, uma vez
que a decisão do tradutor sobre o que constitui a informação invariante de um texto em relação a um
FICHA
FICHAFICHA
dado sistema de referências (obra original) é, em si, um ato criativo.

Cada tradução, por menor e mais simples que seja, exige do tradutor a capacidade de confrontar
áreas específicas de duas línguas e de duas culturas diferentes (ARROJO, 1992). Durante esse pro- PRÓXIMA
cesso, o tradutor terá considerável autonomia para decidir de que forma esse confronto será feito, PRÓXIMA
PRÓXIMA
e os resultados serão sempre únicos e imprevisíveis, uma vez que partem da interpretação do texto
realizada pelo tradutor. Em relação a essa autonomia, Bassnett (2003) indica que o tradutor não pode
ser o autor do texto de partida, mas, enquanto autor do texto traduzido, tem uma “inequívoca res-
ponsabilidade perante os leitores do texto na língua de chegada” (BASSNETT, 2003, p. 50). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

338
A partir do momento em que a tradução é vista como criação, percebe-se um reposicionamento do
tradutor dentro do processo comunicativo. Nessa perspectiva, ele passa a acumular as funções de
receptor e emissor, uma vez que é o princípio e o fim de duas correntes de comunicação, separadas,
mas interligadas (BASSNETT, 2003).

Tal perspectiva assume, portanto, que ao traduzir uma obra, o tradutor inevitavelmente estará crian-
do um novo texto, no qual ele irá buscar, supõe-se, a maior equivalência possível entre texto de par-
tida e texto de chegada, mas sem ter a pretensão de alcançar uma equivalência total. A tradução é sim
um novo texto, conforme aponta Octavio Paz, uma vez que

todo texto é único e é, ao mesmo tempo, a tradução de outro texto. Ne-


CAPA
nhum texto é completamente original porque a própria língua, em sua es- CAPA
sência, já é uma tradução: em primeiro lugar, do mundo não-verbal e, em CAPA
segundo, porque todo signo e toda frase é a tradução de outro signo e de
outra frase. Entretanto, esse argumento pode ser modificado sem perder
SUMÁRIO
sua validade: todos os textos são originais porque toda a tradução é dife- SUMÁRIO
rente. Toda tradução é, até certo ponto, uma criação e, como tal, constitui SUMÁRIO
um texto único (PAZ apud ARROJO, 1992, p. 11, grifo meu).

Essas proposições vão de encontro ao que indica Amorim (2005) ao tratar das adaptações literárias.
FICHA
FICHAFICHA
Segundo o autor, adaptar seria, basicamente, o ato de reescrever uma realidade textual já existente.
Imbricados a essa reescritura existiriam interesses diversos com base nos quais essas obras seriam
retomadas e reescritas. Dentre esses interesses, estaria presente a necessidade de atender à ideologia
e à poética dominantes na ocasião do processo adaptativo, existindo, assim, uma sobredeterminação PRÓXIMA
ideológica do que se diz e do como se diz.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

De acordo com essa linha de pensamento, a adaptação, seja ela literária ou audiovisual, recontextua-
liza a obra original gerando outras imagens, reinscrevendo-a em outra realidade, na qual é percebida.
Logo, a noção de fidelidade não seria imutável, mas variaria de acordo com as diferentes tradições ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

339
literárias que fossem surgindo ao longo do tempo. Nesse caso, seria inviável discutir e problematizar
as adaptações sob o viés da fidelidade, uma vez que esse seria um conceito mutável e suscetível às
variabilidades de culturas e de épocas (AMORIM, 2005).

C onsiderações finais

Ao revisar todos esses conceitos e maneiras de abordagem em relação à tradução, percebe-se, como
citado, vários pontos em comum com o processo de adaptação. O ato de adaptar também pode ser
considerado uma transformação semiótica, uma vez que, assim como nas traduções, também realiza
a descodificação de um texto (obra literária) e o recodifica em um suporte diferente (audiovisual),
CAPA
com outra lógica e com diferentes códigos. Esse processo também é diretamente influenciado pelo CAPA
contexto histórico e social, assim como pelos padrões estéticos vigentes. Assim, adaptar se torna um CAPA
processo criativo até mais transgressor do que a tradução, uma vez que o suporte do texto de chega-
da não é o mesmo que o do texto de partida, ao contrário das traduções, em que livros são transpos-
SUMÁRIO
tos e traduzidos para formarem outros livros. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Tal qual no processo de tradução, não existe a possibilidade de uma equivalência total entre texto
de partida e texto de chegada – principalmente pelas inúmeras diferenças entre os dois suportes, li-
vro e audiovisual. Dessa forma, a adaptação se caracteriza como produtora de significados, criando
FICHA
FICHAFICHA
novas leituras a partir de textos já existentes e também contribuindo para reposicionar as barreiras
de alcance que uma obra literária possa ter. Essa produção de significados, assim como na tradução,
ocorre a partir da interpretação de um indivíduo (ou grupo de indivíduos) sobre uma obra literária
específica. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Sendo assim, tendo-se mais uma vez reforçadas as limitações do conceito de fidelidade, agora se
amparando também nos estudos de tradução, mostra-se necessário abordar as adaptações sob outro
viés. Para tanto, ao invés de investigar se as adaptações têm se mostrado fiéis ou não ao texto de ori-
gem, é possível investigar por quais razões essas adaptações se apresentam de uma forma e não de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

340
outra, uma vez que, como cita Amorim (2005), as adaptações, sejam elas literárias ou audiovisuais,
se mostram hoje como fatos culturais cuja forma é influenciada, em grande medida, pelas normas
vigentes na cultura de chegada; elas se moldam muito mais para satisfazer os objetivos do polo re-
ceptor do que para serem equivalentes ao texto literário original.

R eferências
AMORIM, Lauro Maia, 2005, Tradução e Interpretação: encruzilhadas da textualidade em Alice no País das
Maravilhas, de Lewis Carrol, e de Kim, de Rudyard Kipling. São Paulo, Editora UNESP.

ARROJO, Rosemary, 1992, Oficina de tradução: a teoria na prática. São Paulo, Editora Ática. CAPA
CAPA
BARBOSA C., Fabricio, 2009, Intertexto midiático: a adaptação de obras literárias para o audiovisual televi- CAPA
sivo. Campo Grande, Departamento de Jornalismo, UFMS.

BASSNETT, Susan, 2003, Estudos de tradução: fundamentos de uma disciplina. Lisboa, Fundação Calouste SUMÁRIO
Gulbenkian. SUMÁRIO
SUMÁRIO
KOBS, Verônica Daniel, 2007, A invasão silenciosa da visualidade. Curitiba, in: Revista SCRIPTA UNIAN-
DRADE: Publicação Anual da Pós-Graduação em Letras, n. 5, p. 59-70.
FICHA
FICHAFICHA
KOCH, Ingedore Grunfeld Villaça, 2007, Intertextualidade – diálogos possíveis. São Paulo, Editora Cortez.

PLAZA, Julio, 2003, Tradução Intersemiótica. São Paulo, Editora Perspectiva.

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PRÓXIMA
PRÓXIMA
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BUENO, Chris, 2010, Literatura e cinema: adaptando linguagens. In: Ciência e Cultura, vol. 62, n. 1,
SBPC. Disponível em: http://cienciaecultura.bvs.br/scielo.php?script=sci_arttext&pi- ANTERIOR
ANTERIOR
d=S0009-67252010000100024 (acesso em 20/10/2012). ANTERIOR

341
NUNES, Adalgisa Maria Oliveira, 2006, A Literatura na TV. Disponível em: https://encipecom.metodista.
br/mediawiki/images/9/97/GT2-_CELACOM-_04_-_A_literatura_na_TV-_Adalgisa.pdf
(acesso em 20/10/2012).

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

342
A DANÇA DE AMÉLIE POULAIN

J ean Pierre C hauvin


Fatec São Caetano do Sul - jean.chauvin@fatec.sp.gov.br

CAPA
R esumo CAPA
Lançado em 2001, O fabuloso destino de Amélie Poulain é uma obra de arte que combina emoções, CAPA
sons, símbolos e cores sob o ponto de vista de uma doce e poderosa protagonista. Embora rotulado
como comédia romântica, o filme também é uma autêntica contraposição aos numerosos títulos vei-
SUMÁRIO
culados sob o amparo da indústria hollywoodiana. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Palavras-chave: Amélie Poulain. Comédia romântica. Símbolos.

FICHA
A bstract FICHAFICHA
Le fabuleux destin d’Amélie Poulain was released in 2001. It is an artwork that mixes emotions, sou-
nds, symbols and colors by the point of view from a sweet and powerful character. However classi-
fied as a romantic comedy, the movie is also an authentic contraposition to another and various titles PRÓXIMA
published by the Hollywood industry.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Keywords: Amélie Poulain. Romantic comedy. Symbols.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

343
F ilme , narrativa e contradança

O fabuloso destino de Amélie Poulain (2001) é uma narrativa docemente forjada em uma profusão
de atos e sentimentos da protagonista, cujo nome lhe concede o título. Em outros termos, pode-se
afirmar que se trata de um tratado áudio-visual bem-humorado e de teor reflexivo sobre as relações
humanas em geral, e do amor em particular. Nesse sentido, embora hibridamente classificado como
uma comédia romântica, é capaz de superar as expectativas de um público que, eventualmente, não
veja novidades em algumas fórmulas de sucesso – boa parte delas disseminadas em mega-produções
hollywoodianas, por exemplo.

A despeito de ser um filme consideravelmente conhecido e admirado por boa parte dos cinéfilos
brasileiros; apesar de ter concorrido a diversos prêmios da indústria cinematografia, incluindo cinco CAPA
CAPA
categorias do Oscar, nem por isso foi sequer mencionado numa recente publicação brasileira, sob a
CAPA
forma de Almanaque (2009 BORGO; FORLANI; HESSEL).

Esta é uma situação embaraçosa que revela, para dizer o mínimo, o questionável poderio que de-
SUMÁRIO
terminados filmes de maior circulação comercial exercem sobre outros, com o aval de determinadas SUMÁRIO
empresas multinacionais e suas filiais brasileiras. Bem sabemos que um best seller nem sempre se SUMÁRIO
traduz em obra de máxima qualidade. É preciso que se relativize a aparente supremacia de determi-
nados filmes disseminados em nosso país, como se não houvesse alternativas.
FICHA
FICHAFICHA
Uma possível explicação para esse relativo descaso com relação a Amélie Poulain é que se trata de
uma contradança: uma obra de arte que ultrapassa em muito as expectativas de um público habitu-
ado aos títulos-franquia, ao riso fácil e a narrativas mais simplórias, marcadas pela superficialidade
e o apelo francamente comercial. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
O fato é que, essencialmente, o enredo nos leva a refletir e a ressentir, durante cento e vinte e dois
minutos. Na pele da atriz Audrey Tautou, a protagonista é uma jovem garçonete de vinte e três anos
que, contradizendo um ditado dos mais pragmáticos, vive de fazer o bem sem ver a quem. Suas ações
revelam uma doce contraposição a um mundo fragmentário, distante e frio, em que as tecnologias ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

344
digitais mal disfarçam o crescente grau de brutalidade e indiferença entre os seres, ditos humanos.

Provida de meia porção criança e meia mulher, Amélie é uma personagem atravessada por muitas
dicotomias. O seu nome, aliás, avém do germânico, e parece significar que se trata de uma pessoa
“laboriosa, trabalhadora” (OBATA 1986: 26).

Em parte, é esse acúmulo de energia que explica os planos de natureza espontânea que ela arquiteta
muito a sério, seja contra o vizinho que a responsabilizara, quando criança, por um acidente auto-
mobilístico; seja contra o irritadiço e autoritário proprietário da banca, onde ela compra frutas, hor-
taliças e legumes. Particularmente neste caso, a intenção da jovem é favorecer Lucien, o maltratado
entregador de produtos que, embora desprovido de movimentos num braço, leva todas as encomen-
CAPA
das aos clientes, desfazendo-se em manobras de autêntico equilibrista. Logo se vê que uma série de CAPA
contrastes distancia-lhe de seu descompensado patrão, Collignon: rude, injusto e autoritário. CAPA

A generosidade de Amélie coaduna-se com a curiosidade peculiar com que vê o mundo: daí seu gos-
to por examinar a reação dos telespectadores, numa sala de cinema. É nesse sentido que se mostra SUMÁRIO
oportuna a amizade com o seu vizinho, o pintor Dufayel, o “homem de vidro” que, recluso no seu SUMÁRIO
SUMÁRIO
apartamento há vinte anos, vive a detalhar a vida social das telas, reproduzindo as obras de Monet.

Em certo momento, ele anuncia a principal dificuldade de uma de suas obras: definir a expressão de
uma de suas personagens, sobre a tela. A metáfora é poderosa, pois diz respeito à vida em geral e, FICHA
FICHAFICHA
particularmente, à necessidade de enfrentarmos nosso destino. Amélie logo adivinha, assim como
faz o telespectador: o diálogo ultrapassa a dimensão fílmica e a duração de uma cena. O que sente,
afinal, a jovem que segura o copo d’água, que contrasta com as demais pessoas retratadas no qua- PRÓXIMA
dro? O que ela anseia? Por que não matar logo a sede? PRÓXIMA
PRÓXIMA
Trata-se de uma contradança levada a termo, em seus altos e baixos, mundo repleto de vozes. Às
intervenções do comentarista, somam-se os pitorescos cenários e os diálogos atípicos, manejados
por figuras tanto sensíveis quanto marcantes. O narrador (interpretado pelo experiente ator André ANTERIOR
ANTERIOR
Dussollier) não se dirige ao telespectador, apenas; ele intervém nos pensamentos e sensações da pro- ANTERIOR

345
tagonista e, à medida que a narrativa avança, sua própria locução parece sentir os efeitos alternados
entre a alegria e a melancolia das personagens. “Toda nova personagem significa uma nova intriga.”
(TODOROV 2006: 123). A narrativa, portanto, tem continuidade em função das personagens: no fil-
me, essa correlação é notória.

Nossa protagonista é configurada como uma sensível e inesgotável fonte de recursos humanitários,
todos em prol da plenitude alheia. Isso se confirma, para citar um exemplo, na sua ideia de forjar
uma carta para a sua vizinha chorosa, Madeleine Wallace, que padecia havia muitos anos devido à
ausência do ex-marido, que perecera em uma guerra. A exemplo dos efeitos captados pela pintura
original, reconstituída pelo delicado Dufayel, o poder das palavras, ainda que recombinadas por um
modo artificial, é evidente. CAPA
CAPA
CAPA

O cotidiano sensível

Em um mundo pós-moderno (o nosso), pautado pelo fragmento e marcado pelo utilitarismo e pela SUMÁRIO
fugacidade, Audrey Tautou encarna a integridade, o altruísmo e a solidariedade em um dos traba- SUMÁRIO
SUMÁRIO
lhos mais marcantes da atriz. As qualidades da personagem que interpreta, por sinal, são tamanhas
que valem uma pelas outras.

A narrativa tem início em 1973 (no roteiro impresso, a história começa em 1975), e obedece a dois FICHA
FICHAFICHA
saltos fundamentais para nossa compreensão a respeito da personagem. Decorridos alguns anos da
concepção de Amélie - por obra de Raphaël e Amandine Poulain - teremos acesso à primeira fase da
filha. Aos seis anos, ela passa a ser educada em casa pela mãe – uma criatura nervosa e reguladora PRÓXIMA
– e sem o convívio com outras crianças. Quando mais velha, um pássaro levantando vôo do jardim PRÓXIMA
PRÓXIMA
anuncia sua nova fase: ela deixa a casa de seu pai. “Não há nada que a juventude exija com mais
urgência do que a escolha, a possibilidade da escolha” (BENJAMIN 2011: 28). Transcorridas mais
algumas cenas, estamos às voltas com uma jovem adulta, solteira, solitária e sensível em seu aparta-
mento, na companhia de seu gato de estimação. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

346
Ela contabiliza “um ou dois namorados” - ambos passageiros -; assiste a filmes em casa ou no cine-
ma; faz visitas regulares ao pai “aos domingos, quando não trabalha” (JEUNET; LAURANT 2011:
20 – tradução minha); lê e trabalha em um café de Montmartre; e, acima de tudo, caminha. De fato,
quase todos andam a pé, neste filme. Os passeios em transportes coletivos são esporádicos: ela usa o
metrô, basicamente, para rever seu pai.

A única exceção está justamente em Nino Quincampoix. Equipado com sua lambreta pouco potente,
de feição mais utilitária que estética, ele percorre o trajeto que o liga à estação de metrô, ao sex-shop,
ao parque de diversões e, finalmente ao café “Deux Moulins”. De quebra, permite-lhe carregar seu
inseparável álbum de fotografias inutilizadas pelos usuários da Fotomática. A sua coleção, aliás, é
sintoma de uma personalidade simples e ingênua: ele se satisfaz em gravar as gargalhadas, fotogra- CAPA
CAPA
far as pegadas e, por fim, reconstituir a imagem, ou seja, a integridade dos outros.
CAPA
Como se vê, embora veiculado no início da década de 2000, o filme ambienta-se em um mundo pra-
ticamente desprovido dos aparatos tecnológicos, tais como microcomputadores, celulares ou demais
SUMÁRIO
dispositivos móveis. Talvez porque o propósito dos roteiristas e do diretor esteja claramente em SUMÁRIO
favor do plano da fabulação, e em nome da maior concretude possível, esta nem sempre favorecida SUMÁRIO
pelos relacionamentos mantidos à distância.

O tempo em que vivem as personagens parece dialogar com os espaços amplos ou concentrados que
FICHA
FICHAFICHA
elas frequentam. O cotidiano de tais figuras, em suas posições sociais mais ou menos fixas, circulan-
do pelas ruas de um tradicional bairro de Paris, propicia o contato entre as criaturas, a observação
de detalhes ínfimos por parte dos sujeitos, o diálogo mais franco entre os homens.
PRÓXIMA
No filme, alegria, pureza e generosidade são termos indecomponíveis, e que se apresentam nas ru- PRÓXIMA
PRÓXIMA
bricas e diálogos iniciais do roteiro. As cenas alternam densidade e leveza, sorrisos e lágrimas, rotina
e quebra de expectativa. Coerentemente, elas são interpretadas tanto por figuras caricaturais, como
o ciumento Joseph e a hipocondríaca Georgette, quanto pelas mais imprevisíveis, Dufayel, Amélie e
Lucien. Nos termos de Edward Morgan Forster, há personagens de duas categorias: “planas” e “re- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

347
dondas”. (FORSTER 2005: 91-2)

Dentre as diversas vozes que se sobrepõem no filme, uma espécie de narrador-comentarista desa-
fia os limites da convenção e interpreta os pensamentos e sentimentos da protagonista. Enquanto
Amélie dorme, angustiada diante de seu conflito amoroso em relação a Nino, o homem de uma das
fotografias presas ao abajur multiplica-se em imagem e discursos. Ele confirma a suspeita da perso-
nagem (que dorme), àquela altura já percebida telespectador: “sim, ela está apaixonada”.

Há um argumento dos mais poderosos, neste roteiro. Ele se liga à intenção de se percorrer um cami-
nho notadamente diverso das usuais comédias românticas que estamos acostumados a aceitar como
mero entretenimento. Dada a combinação de fantasia e densidade, o destino de Amélie se contrapõe
CAPA
a uma série de obviedades reiteradas por alguns filmes, especialmente rotulados sob o mesmo gêne- CAPA
ro que o seu. Jean-Pierre Jeunet propõe novos padrões de pensamento e comportamento. CAPA

Uma das cenas acontece no banheiro: ênfase no gesto cotidiano. Após tomar um banho, a tampa da
colônia cai e rola pelo piso, chocando-se com um azulejo oco. Criança em forma de mulher, a desde SUMÁRIO
sempre curiosa Amélie encontra no vão da parede uma caixa de metal, contendo um carro, algumas SUMÁRIO
SUMÁRIO
figurinhas e um soldado em miniatura, que pertencem a um antigo morador do apartamento.

Tendo conseguido o nome do ex-inquilino, sai em seu encalço, deparando com uma série de homô-
nimos - inclusive uma mulher. A perseguição só se resolve quando - orientada pelo pintor de qua- FICHA
FICHAFICHA
dros, Dufayel - ela localize o verdadeiro dono dos brinquedos e os restitui sem se identificar. Três
ou quatro décadas haviam se passado. O extraordinário não reside apenas no nome do personagem
envelhecido, emocionado devido ao reencontro com seus brinquedos; mas no resgate maduro de sua PRÓXIMA
infância. PRÓXIMA
PRÓXIMA
É desta forma, aliás, que começa a saga de Amélie: uma criatura que age, anonimamente, em função
da felicidade dos outros. Nesse ponto, poder-se-ía dizer que, enquanto Nino remonta as pessoas por
intermédio de suas pegadas e retratos, Amélie as humaniza por meio de palavras, gestos e objetos. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

348
U ma fábula entre notas e cores

Estamos diante de uma obra que trata de questões adultas pelo viés da fábula. Amélie Poulain con-
cede-nos a oportunidade de assistir a uma espécie de conto de fadas, concebido em outro tempo e
lugar, para além das relações fugidias que acontecem no território urbano. As consequências estão
em toda parte, denotadas especialmente pelas linguagens verbais e não verbais.

Se estabelecermos um paralelo com a literatura, poderíamos afirmar que o discurso do narrador al-
terna-se entre os modos direto, indireto e indireto-livre. Paradoxalmente, Amélie colabora, em sua
escala muito particular, com a exposição de nossa intimidade. Ela problematiza a nossa condição de
telespectadores, com sua dose extraordinária de bondade. Uma generosidade tal que, em alguma
medida, todos carregamos; mas tendemos a negá-la, inutilizá-la ou escondê-la, sob alegações as mais CAPA
CAPA
previsíveis, em nome de uma segurança qualquer. “A máscara do adulto chama-se experiência”, dis-
CAPA
se Walter Benjamin aos vinte e um anos (BENJAMIN 2011: 21)

Como negar o encanto irradiado pela personagem, com traços de mulher e gestos de criança, que
SUMÁRIO
preserva o gosto de mínimas sensações? Quantos dentre nós continuamos a fazer deslizar as pedras SUMÁRIO
sobre as águas? Quem ainda mergulha os dedos em meio a sementes ou grãos? Quem, corajosamen- SUMÁRIO
te, semeia felicidades num mundo de anônimos, cegos, carentes, ranzinzas ou egoístas?

Eis uma narrativa que privilegia os mais variados ângulos de filmagem, em detrimento de efeitos
FICHA
FICHAFICHA
só-espetaculares. Acrescente-se o papel de sua bela fotografia e, mais especificamente, a qualidade
e repertório das cores, habilmente sublinhadas a cada cena. Não parece casual o fato de o vermelho,
compreendido como símbolo do “amor infinito”, e o verde, “transição, expectativa” (LURKER 2003:
747-8) ou “mediação entre o calor e o frio, o alto e o baixo” (CHEVALIER; GHEERBRANT 1996: 451 PRÓXIMA
- tradução minha) colorirem praticamente todos os lances que Amélie protagoniza.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

C ontrastes e progressão narrativa ANTERIOR


ANTERIOR
Duplicidades. Mulher sem mãe, Amélie tem duas referências no universo masculino, configuradas e ANTERIOR

349
dispostas assimetricamente. Num extremo, está seu pai, distante e melancólico, com quem o diálogo
cede lugar a perguntas de rotina, a exemplo do que aconteceria em um consultório médico qualquer.

Quando seu pai decide trocar o luto (em homenagem a sua esposa) pela vida a ser vivenciada, car-
rega uma grande mala preta, ao lado de uma menor valise, vermelha. Ora, se Monsieur Raphaël
Poulain está sob os domínios de Tanatos, o jovem Nino Quincampoix está no outro extremo: digno
representante de Eros, ele trabalha em dois empregos (ambos relacionados à diversão, seja adulta,
seja infantil); tem as mais inusitadas coleções, como hobbie; e irradia uma energia comparável so-
mente à generosidade de Amélie.

Sob a forma combinada de encanto e símbolo, corremos o risco de ignorar os recados em nome da
CAPA
vida plena. O filme não se limita a uma convencional história de amor com final feliz. Ele aponta, CAPA
essencialmente, para a necessária solidariedade entre os seres humanos. É que “o significado da CAPA
evolução da civilização não mais nos é obscuro. Ele deve representar a luta entre Eros e a Morte.”
(FREUD 1997: 81)
SUMÁRIO
Em uma palavra, a luta de Amélie é pela vida. Há profunda contraposição entre a vivacidade de SUMÁRIO
SUMÁRIO
Gina e a apatia do escritor frustrado, Hipolito; entre alegria de Nino e a tristeza de Dufayel; entre
a auto-suficiência de Suzanne (a proprietária do café) e o ciúme do possessivo e neurótico Joseph,
acompanhado de seu fiel mini-gravador, em que registra as reações de suas vítimas Gina e Georgette.
FICHA
FICHAFICHA
A própria alternância entre os espaços públicos e privados é favorecida pela música. Não bastassem
os diálogos sensíveis e inteligentes, e o enredo conduzido sob múltiplos focos narrativos, em meio
à multiplicidade de aspectos simbólicos, o destino de Amélie, bem como de seus vizinhos, amigos PRÓXIMA
e familiares, embala-se em uma trilha sonora envolvente, composta pelo multi-instrumentista Yann PRÓXIMA
PRÓXIMA
Tiersen.

No filme, assistimos a uma autência synchresis1: “conexão (...) entre um fenômeno auditivo particu-

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Segundo Chion, o termo synchresis corresponderia à composição formal e semântica entre os conceitos de
synchronism e synthesis (1994). ANTERIOR

350
lar e um fenômeno visual, quando ambos ocorrem ao mesmo tempo.” (CHION 1994: 63 - tradução
minha). Em outros termos, há uma série de correspondências entre os episódios e as músicas que
os acompanham. Veja-se a constante oscilação das notas e ritmos, adequados aos diferentes gêneros
musicais (do ritmo plácido à valsa ternária).

As melodias parecem emoldurar tanto a energia quanto a melancolia que marcam os encontros e
desencontros entre Amélie e o homem que ela contempla a uma distância relativamente segura. Nas
palavras de Robert Stam: “a música do filme direciona nossas respostas emocionais, regula nossas
simpatias, recolhe nossas lágrimas, excita nossas glândulas, acalma nossos pulsos e deflagra nossos
medos, geralmente em estreita conjunção com a imagem.” (STAM 2011: 245)
CAPA
Na trajetória de Amélie, determinadas frases musicais traduzem ora o ritmo de um carrossel de CAPA
crianças em velocidade, combinando diversos instrumentos, ora a dificuldade com que a protagonis- CAPA
ta lida com a solidão, representada pelos solos de piano em adágio. O andamento se ajusta à narrati-
va e, inclusive, aos tons de voz do narrador – mais ou menos frio ou expansivo - como se as notas dos
SUMÁRIO
instrumentos e as vozes, somados, refletissem os espaços (abertos, ensolarados e alegres; fechados, SUMÁRIO
nublados e introspectivos) por onde circula a protagonista. SUMÁRIO

B aile de máscaras FICHA


FICHAFICHA
Além da preciosa trilha sonora, que embala a sinuosa dança de aproximação e distanciamento de
Nino e Amélie, é digno de nota o delicado tratamento dado à imagem. A fotografia, poderosa alia-
da do som, corrobora o intuito de se apresentar um filme notadamente sensível que o aproxima do PRÓXIMA
Impressionismo de Vincent Van Gogh, das telas do brasileiro contemporâneo Juarez Machado e es- PRÓXIMA
PRÓXIMA
pecialmente do filme Dreams (1990), de Akira Kurosawa (este, embalado pela música de Chopin):
sabidamente, referências do diretor Jean-Pierre Jeunet.

Por sinal, as cores que vestem Amélie contrastam vivamente com a das outras personagens. Ela parte ANTERIOR
ANTERIOR
de seu apartamento – em que também predominam os tons de vermelho e verde - para os monocro- ANTERIOR

351
máticos lares de seus vizinhos. Ela parte de seu edifício sombrio para a assobradada e lúgubre casa
de seu pai, invariavelmente vestido em tons de marrom e bege. O lugar onde ela mora contrasta, in-
clusive, com a iluminada e ruidosa lanchonete “Deux moulins”: café em que o nome, por sinal, rima
com o sobrenome da vívida protagonista.2

É sugestivo que Amélie retire furtivamente o gnomo (ele também pintado em verde e vermelho) do
jardim da casa de seu pai, de modo que uma comissária de bordo remeta ao Monsieur Poulain fotos
de vários pontos do planeta, como se tivessem sido visitados mediante o livre-arbítrio da própria
estátua. Vale lembrar que, no plano simbólico, a figura do anão sempre esteve relacionada ao apego
material e ao forte apego com o território em que vive. Um telespectador atento certamente notará
que o gnomo-anão está fortemente associado ao pai da protagonista: fixo, por uma força maior que CAPA
CAPA
ele, à própria terra.
CAPA
Essas e outras singelas peripécias de Amélie parecem levá-la, por entre múltiplos espaços, da infân-
cia para o complicado mundo adulto, de forma a intervir na apatia coletiva. Há determinados mo-
SUMÁRIO
mentos em que ela lembra algo da personagem Alice, de Lewis Carroll: sonhando de olhos abertos, SUMÁRIO
num mundo em que as fantasias invariavelmente disputam seu lugar de honra entre burocracia, SUMÁRIO
grosserias sem razão ou urgências questionáveis.

Em um ambiente inóspito aos sujeitos sensíveis e introspectivos, é sintomático que tanto Amélie
FICHA
FICHAFICHA
quanto Nino se aproximem por intermédio de máscaras. A iniciativa parte dela: Amélie se dirige ao
parque de diversões, onde Nino trabalha como uma das criaturas assustadoras do trem-fantasma.
Abrigado pela máscara de esqueleto, ele se aproxima do carrinho em que ela está sentada. Sem saber
de sua identidade, sentimentos ou intenções, murmura-lhe o divertido som da morte. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Nova dança: Amélie vai a uma loja de fantasias, veste-se como Zorro e tira uma sequência de fotos
na mesma Fotomática em que encontrara Nino da primeira vez. As máscaras que eles usam tanto re-

ANTERIOR
ANTERIOR
2 No roteiro, o café em que Amélie trabalha tem outro nome: “Tout vas mieux” - Tudo vai melhor. (JEUNET; LAURANT
2011: 19). ANTERIOR

352
velam uma necessária segunda identidade, como fator de proteção, quanto inauguram um caminho
de aproximação pelo viés do lúdico e do estranhamento. Relembre-se que Eros se refere à pulsão de
vida; e que o jogo, como divertimento, comporta a tensão, o temor, mas também a fantasia.

O fato é que, nesse filme, palavra, imagem e música parecem se articular de tal modo, que interferem
diretamente no campo emocional do telespectador, mesmo porque sua expectativa é constantemente
superada pelos lances dados pelos personagens. A trajetória de Amélie se baseia em uma concepção
amorosa geral, concebida de maneira muito particular, que precisa enfrentar os receios da própria
personagem. Sua felicidade envolve riscos, como acontece a todos nós, mas jamais se contrapõe à
justiça que, sob sua ótica humanitária, é imprescindível para o re-estabelecimento da harmonia entre
as pessoas e o melhor funcionamento do mundo ao seu alcance. CAPA
CAPA
O percurso de Amélie torna implícita uma hipótese de felicidade: fazer o bem a todos, mas sem des- CAPA
cuidar de si mesma. O fato é que o prosaico ser e estar, que marca o mundo desta cativante persona-
gem, contagia-nos sob sério risco de liberdade e comoção. Afinal, talvez nos perguntemos, não seria
SUMÁRIO
mais simples e menos doloroso entregar-se imediatamente ao ritmo e sabor da felicidade? SUMÁRIO
SUMÁRIO
Há que se proceder com vagar. Estamos sob a ótica e o ritmo de uma mulher que deseja tatear o amor,
antes de devorá-lo. Exemplo de vida? A rotina miúda da protagonista justapõe-se a sua modesta con-
dição social e sua insuspeita capacidade de fabulação. Amélie relembra a importância que a nossa
FICHA
FICHAFICHA
história deveria assumir perante nós mesmos.

Não se trata apenas de uma jovem parisiense de classe média, que saiu da casa dos pais, deixando
o urso sob a chuva, enquanto dobrava a esquina da adolescência. Amélie concilia a solidão de seu PRÓXIMA
lar com a profissão de atendente; a infância afetivamente distanciada dos pais da maturidade que a PRÓXIMA
PRÓXIMA
aproxima de todos. Cindida entre o medo (mortal) e o amor (vital), perfaz uma jornada particular de
autoconhecimento, rumo à construção de sua coragem, para reverter a fragmentação de si mesma e
dos outros.
ANTERIOR
ANTERIOR
Somos tocados pela valsa de Amélie – não por acaso, a música-tema do filme: uma dança favorável ANTERIOR

353
para o encontro entre os pares, no ritmo da sincronia. Ritmo ternário, a valsa tanto lembra a tradicio-
nal e recatada dança de salão, quanto a cantiga de roda e o tema de um carrossel de um parque de
diversões (lugar, por sinal, em que Nino trabalha).

Bem sabemos, amor e pieguice são coisas absolutamente diversas. Certos diálogos, no filme, revelam
que, por vezes, a métrica pode não dar conta do sentimento, mas apontar-nos o caminho para ele.
Amélie somos nós - ainda que represemos as lágrimas com o vigor de quem não as admite. Daí o
mal-estar: como reter felicidade? Amélie encontrou a sua resposta.

Referências

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CAPA
Mazzari. São Paulo, Duas Cidades/Ed. 34.
CAPA
BORGO, Érico, FORLANI, Marcelo, e HESSEL, Marcelo, 2009, Almanaque do cinema. Rio de Janeiro, Ediou-
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SUMÁRIO
CHEVALIER, Jean, GHEERBRANT, Alain, 1996, The Penguin dictionary of symbols. Translated from the SUMÁRIO
SUMÁRIO
French by John Buchanan-Brown. London, Penguin Books.

CHION, Michel, 1994, Audio-vision: sound on screen. Trad. C, Gorbman. Nova York: Columbia University
Press. FICHA
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FORSTER, Edward Morgan, 2005, Aspectos do romance. 4ª ed., Trad. Sergio Alcides. São Paulo, Globo.

FREUD, Sigmund, 1997, Mal-estar na civilização. Trad. José Octávio de Aguiar Abreu. Rio de Janeiro, Ima- PRÓXIMA
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JEUNET; Jean-Pierre, e LAURANT, Guillaume, 2011, Le fabuleux destin d’Amélie Poulain [Scénario]. Paris,
Lettmotif.

LURKER, Manfred, 2003, Dicionário de Simbologia. 2ª ed. Trad. Mario Krauss, Vera Barkow. São Paulo, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

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Martins Fontes.

OBATA, Regina, 1986, O livro dos nomes. São Paulo, Círculo do Livro.

STAM, Robert, 2011, Introdução à teoria geral do cinema. 5ª ed. Trad. Fernando Mascarello. São Paulo, Pa-
pirus.

TODOROV, Tzvetan, 2006, As estruturas narrativas. 4ª ed. Trad. Leyla Perrone-Moisés. São Paulo, Perspec-
tiva.

Dreams, 1990, Filme. Dir: Akira Kurosawa. New York: Warner Brothers.

Le fabuleux destin d’Amélie Poulain, 2001, DVD. Dir: Jean-Pierre Jeunet. Paris: Lumière. CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

355
O ROTEIRO NO TEATRO DE CRIAÇÕES COLETIVAS
E NO PERSONAGEM PALHAÇO

Marlene F ortuna
UNICAMP/SP

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo
O Processo de Concepção nos teatros de Criações Coletivas e no personagem Palhaço é peculiar, SUMÁRIO
não acompanhando os percursos dos autores, dramaturgos e intérpretes dos teatros convencionais. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Em se tratando de Criações Coletivas (todos os componentes estetizados e operacionalizados por
um grupo) e do personagem palhaço, não há um texto, a priori, a ser seguido, a ser encenado, li-
teralmente, o que chamamos de “dramaturgia pronta”, ou um romance, um conto, que passa por
FICHA
FICHAFICHA
uma adaptação para teatro, há sim um roteiro, uma ideia, uma história, um “causo” a ser contado,
performaticamente, por um núcleo ou por um personagem solitário chamado palhaço - habitante
de nosso Inconsciente Coletivo, ao longo de tempos imemoráveis. No caso das primeiras, o núcleo
determina, em consenso, um roteiro e um deles, ou alguns (o que é muito mais complicado) escre- PRÓXIMA
ve(m) para o grupo interpretar(em). Há dois problemas marcantes nessas fronteiras: o texto escrito
PRÓXIMA
PRÓXIMA
a quatro, seis, oito ou dez mãos, tende a sair truncado, inclusive no tocante às rubricas, porque um
pode optar por rubricas de deslocamento cênico apenas, enquanto outro opta pelas de sentimentos,
emoções e sensações, o que induz à confusão os demais intérpretes e diretores. Produção poética de ANTERIOR
ANTERIOR
caráter amador, as Criações Coletivas impossibilita, geralmente, a conquista de uma profundidade ANTERIOR

356
ideal, porque muitos são os envolvidos e diferentes são os tempos e espaços de produção. O palhaço
é o artista completo de si mesmo. Ele se rasura ele mesmo, nele mesmo, o tempo todo. É sua própria
narrativa, sua textualidade construída in loco, com o que observa dos espectadores ou com ideias
que lhe permeiam a mente. De qualquer forma, o palhaço se caracteriza na singularidade da drama-
turgia, da interpretação e da direção que erige. Enfim temos, de um lado, o agrupamento: Criações
Coletivas; de outro, a solidão e o solitário: o Palhaço; no cruzamento, ambos com as mesmas proble-
matizações textuais: não há um texto de “fora” para “dentro”, há um texto de “dentro” para “fora”,
reverberando no mundo.

Palavras-Chave: Teatro; Roteiro; Dramaturgia; Interpretação; Direção Teatral; Personagem; Palhaço;


Criação Coletiva. CAPA
CAPA
CAPA

O teatro, imprescinde de três elementos medulares, embora contemple muitos outros, por se tratar
de uma arte coletivizada: dramaturgia, interpretação e direção. Pode-se, em último caso, eliminar a SUMÁRIO
primeira e a terceira, nunca a segunda. A arte de Dioniso é feita de, para e pelo ator. Se o extirparmos, SUMÁRIO
SUMÁRIO
certamente não teremos a estética de argumentação aqui sugerida, podemos contar, talvez, com uma
Instalação Contemporânea, ou outra coisa, nunca teatro. Em se tratando de Criações Coletivas (to-
dos os componentes estetizados e operacionalizados por um grupo) e do personagem palhaço, não
FICHA
FICHAFICHA
há um texto, a priori, a ser seguido, a ser encenado, literalmente, o que chamamos de “dramaturgia
pronta”, ou um romance, um conto, que passa por uma adaptação para teatro, há sim um roteiro,
uma ideia, uma história, um “causo” a ser contado, performaticamente, por um núcleo ou por um
personagem solitário chamado palhaço - habitante de nosso Inconsciente Coletivo, ao longo de tem- PRÓXIMA
pos imemoráveis. Assim sendo, espaço, tempo e interpretações, tanto nas Criações Coletivas quanto
PRÓXIMA
PRÓXIMA
no ser ficcional: palhaço estão ainda mais abertos às interatividades com os receptores. Muitas vezes,
a escritura nasce ou se aprimora desta troca, principalmente, com relação aos bufões que encontram
nos “tipos” espalhados na plateia um foco de inspiração textual. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

357
A relação que os dois motes abordados mantêm com a palavra que emerge de cada um, com a voz,
com os sons, com os ruídos, com as onomatopeias e com os gestos, é absolutamente singular e dife-
renciadora das interações que o ator tem com o texto do autor nos espetáculos convencionais. Nas
Criações Coletivas e no personagem palhaço, eles mesmos escrevem sobre o que desejam, enquanto
que no teatro tradicional, intérpretes e diretores escolhem, emprestam, se apropriam de uma dra-
maturgia “de fora”, com ou sem consenso. Queremos dizer: um ou mais agentes da ação tramática,
seleciona a literatura e vai à busca do diretor para a respectiva montagem; a recíproca é verdadeira,
um “regente da cena” quer montar Os Veranistas, de Gorki, por exemplo, e sai para procurar os ato-
res com quem deseja trabalhar. Pode ocorrer também que, em um encontro despretensioso como uma
festa, um jantar, uma cervejada, etc., poetas da expressão dialogam e os convites recíprocos, junta-
CAPA
mente com o acordo textual, são feitos ali mesmo, onde se inicia a encenação futura. CAPA
CAPA

C riações C oletivas
SUMÁRIO
Nas chamadas Criações Coletivas, as situações ficam bem complicadas, porque, como tudo é feito SUMÁRIO
a duas, a quatro, a seis, a oito, a dez, etc. mãos, o perigo de caotismos é iminente, principalmente SUMÁRIO
quanto ao texto. Quem não sabe da dificuldade, até da impossibilidade de se escrever coletivamente?
Nessas circunstâncias é de se perguntar: são feitos Manuscritos de Gêneses sobre o quê? Registros
de quais tentativas? Processos de Criação de qual, ou de quais artista(s), se são todos a trabalharem FICHA
FICHAFICHA
ao mesmo tempo, atores, diretores, tocadores, iluminadores, figurinistas, maquiadores e escritores?
Divide-se em partes e cada grupinho ou pessoa escreve sobre um determinado roteiro acordado no
coletivo? Que partes são essas? Como é decidido o enredo? Sobre o que falar: aspectos pessoais, exis- PRÓXIMA
tenciais, sociais, políticos, éticos, estéticos, ou outras sugestões? Daí testemunharmos, ser concebida, PRÓXIMA
PRÓXIMA
tal modalidade, em geral, com atores amadores, ou como montagem de encerramento de curso nas
Escolas de Arte Dramática. Dificilmente artistas renomados aceitam fazer Criações Coletivas.

Julgamos haver nelas, uma forma peculiar de processamento das estradas estéticas, porém, exem- ANTERIOR
ANTERIOR
plos e vivências nos mostraram, no decorrer de anos, que os resultados, bem como as metodologias ANTERIOR

358
desses e nesses processos, foram pavorosos e deixaram marcas indeléveis a ponto de se afirmar: “
- nunca mais trabalho com Criação Coletiva, ao menos que haja muito dinheiro em jogo e um admi-
nistrador - que não é artista - a lidar com as questões burocráticas. Mesmo assim, o sofrimento não
deixa de comparecer”.

As Criações Coletivas são muito desgastantes para os partícipes. Se o grupo for grande então, nem
se fala… Nelas, eles negociam os conteúdos temáticos, escrevem em conjunto, montam, costuram,
bordam, ensaiam, demarcam os espaços, delimitam os tempos; são autores, atores e encenadores de
si mesmos e entre si mesmos. Resultado: satisfatórias, interessantes, agradáveis, úteis e, portanto,
bem-vindas; ou catastróficas, frustrantes, inoportunas, inaderentes à conjuntura social e, portanto,
mal-vindas. Roga-se pelo máximo de disciplina e pelo mínimo de liderança; caso todos queiram co- CAPA
CAPA
mandar, prevê-se fracasso certo! Mesmo assim, os litígios não se ausentam, contando, em situações
CAPA
extremadas, com socos, murros e pontapés; além de vinganças pérfidas, como aqueles que abando-
nam o trabalho na véspera da estreia, sem nada comunicar anteriormente. Imaginemos uma reunião
de artistas, dos mais variados níveis, de ogros a elevados, palpitando grudados, por dias semanas e SUMÁRIO
meses, sobre uma imensidão de quesitos e questões? E os famosos egos que se querem, singularmen- SUMÁRIO
SUMÁRIO
te, brilhar, resplandecer, tornarem-se esfuziantes e admirados por todos?

Trazendo à baila um texto literário adaptado ou uma dramaturgia produzida pelo núcleo, relem-
bramos a pergunta que não quer calar desde as primeiras Criações Coletivas montadas, há mais de FICHA
FICHAFICHA
quarenta anos, na Escola de Arte Dramática de São Paulo: é possível escrever, de forma dialogada,
coerente, lógica, poética, conflituosa, a seis, oito, dez, doze mãos, sendo os estilos, por si só, diver-
sificados? É tão complicado o acerto entre as partes que, não há meio termo, quando uma tipologia PRÓXIMA
destas dá certo, ela dá muito certo!... É rara! É “cara”! É sorte de extremado valor! Mas, quando dá PRÓXIMA
PRÓXIMA
errado, ela dá muito errado, não permanecendo por tanto tempo após as primeiras apresentações.

Por seu próprio caráter, as Criações Coletivas, são obcecadas por improvisações, pelas primeiras
sensações intuitivas, pelos acasos, por acontecências súbitas, por imediatismos, por criatividades ANTERIOR
ANTERIOR
fortuitas, pela crueza dos instintos, por emoções brutais e exageradas (mesmo as mais delicadas), ANTERIOR

359
por catarses sem elaboração, acreditando que a presença quase única de Dioniso (deus da loucura,
da insensatez, do desequilíbrio e do teatro) sem Apolo (deus da racionalidade, da ponderação, do
comedimento e da música), é o que faz prevalecer o viço, o cromatismo e a juventude do espetáculo.
Esquecem-se, portanto, que a grande obra de arte é erigida a partir da medida certa entre a inteligên-
cia de Apolo e a audácia de Dioniso.

Há algo que muito nos incomoda na presente situação teórica: como são, ou não são colocadas as
rubricas nos textos das Criações Coletivas (*). Se mais de um escreve, sobre um enredo combinado, a
priori, pergunta-se: eles chegam antes, a um denominador comum sobre o teor das mesmas, ou seja,
serão rubricas mais de deslocamentos, de locomoções, de gestualidades cênicas descompromissadas
e menos de sentimentos, de emoções que orientam, inclusive, a formação psicológica do ente ficcio- CAPA
CAPA
nal a ser interpretado? Ou ao contrário? Em outro viés, sugere-se optar pela raridade ou até ausência
CAPA
das mesmas, deixando o ator livre na atuação dramática? E se não houver uma negociação e cada um
inserir as rubricas de uma maneira diferente, levando a certa confusão diretores e atores?
SUMÁRIO
(*) Dá-se o nome de rubrica às indicações propostas pelo autor ou drama- SUMÁRIO
turgo, além, aquém ou fora da história, mas para ela. Variam desde sinais SUMÁRIO
físicos, temporais, espaciais, ideias de deslocamento, de movimento e de
concepções cênicas como sentar, levantar, deitar, abaixar, entrar pela di-
reita e colocar a cadeira no canto, entrar pela esquerda e ficar em pé, etc., FICHA
FICHAFICHA
até apontamentos emocionais, sentimentais, estados de espírito, como:
chorar, gritar, gargalhar, gemer, mostrar entusiasmo para o público, mas
de costas para ele, apresentar a Herculano certo ar de indiferença, etc. PRÓXIMA
São referências de caminhos oferecidos do autor ao ator, que podem ser PRÓXIMA
PRÓXIMA
aceitos somente por este, ou pelo intérprete e pelo diretor, ou por nenhum
dos dois. Os escritores mais ortodoxos obrigam que elas sejam seguidas
à risca. Outros aceitam as mudanças como positivas, porque compreen-
dem que, sendo o teatro uma arte coletivizada, devem ser respeitados os ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

360
direitos poéticos de cada um. Elas são uma espécie de sustentáculo das
atuações, principalmente para atores menos experientes, que as têm como
um norte. Um breve exemplo de rubrica na peça Toda nudez será casti-
gada, de Nelson Rodrigues: Geni e Herculano em cena. Geni - (olha para
o amante de soslaio, mas morde os lábios de ódio, a platéia deve ver esta
expressão). Onde você estava? Herculano - (com relativa indiferença, po-
rém, morrendo de medo dela por dentro) Ora, ainda não sabe? Tomando
uma cerveja com Patrício. Os apontamentos em itálico são as rubricas.

Nas interpretações “rápidas e fáceis”, em que a montagem conta com um tempo mínimo de prepara-
ção, normalmente as rubricas são incorporadas de imediato, quase que engolidas automaticamente, CAPA
CAPA
rumo direto à construção menos pensada do personagem, não havendo negociação das mesmas en-
CAPA
tre roteiristas, escritores, atores, diretores.

Algumas Criações Coletivas acordam que se dê um roteiro escolhido conjuntamente, para um dos
SUMÁRIO
“associados” desenvolver e transformar em texto dramatúrgico. Outras, não aceitam tal posiciona- SUMÁRIO
mento por julgarem que isso parece esvanecer o caráter de Criação Coletiva, desta forma, mais de SUMÁRIO
um escreve o texto. De uma maneira ou de outra, as rubricas são muletas necessárias para os afeitos
a elas, que passam bem longe das profundas e coerentes reflexões, mesmo porque foram registradas
em suporte imperecível de autoria. Ao serem vividas em suporte perecível no palco e já contando FICHA
FICHAFICHA
com a ideologia estética da encenação do diretor, as rubricas sofrem alterações e até modificações
severas.

Por mais que o enredo seja profundo, não se consegue, nas Criações Coletivas, uma visceralidade PRÓXIMA
ideal, porque muitos são os envolvidos e diferentes são os tempos e os espaços de produção. É tudo
PRÓXIMA
PRÓXIMA
meio rápido demais nesse espírito: o grupo roteiriza, o grupo escreve, o grupo dirige, o grupo in-
terpreta e todos estreiam, isso quando não se matam antes dela. Não há tempo hábil para grandes
conjecturas; fundamentos em bases firmes; elas não preconizam um teatro de solidez, de lapidação, ANTERIOR
ANTERIOR
de jogo e jogador, mas de paixões rompantes, de “viveres” e de “morreres” alucinantes. Nessa ma- ANTERIOR

361
nifestação, nicho fértil dos dramalhões, em geral, os envolvidos só conseguem seguir em frente, com
uma força titânica e arrebatadora, dado a quantidade natural de problemas por que passam os que
criam conjuntamente.

O processo de concepção das Criações Coletivas, prima mais pela anexação de estereótipos, adotan-
do os jargões, os clichês, as caricaturas, os carimbos, do que pela coluna vertebral dos arquétipos
(mitos, símbolos, analogias, inconsciente coletivo, metáforas), pois estes exigem posturas demasiado
solitárias, investimentos espessos e imersivos de gestão interna, reflexões alicerçadas em matrizes
profundas, que bem longe passam da languidez, do cansaço e do enfado. Parece-nos que os grandes
méritos das CC estão em saberem conviver com as diferenças, administrarem a agilização das situa-
ções e solidarizarem-se no impacto do emergente império do aqui-agora-já. O ator presente, vertica- CAPA
CAPA
lizado, é sempre um ícone, diferente do autor “ausente” e horizontalizado.
CAPA
Tivemos oportunidade de vivenciar o nascedouro de escrituras para as Criações Coletivas. Elas ti-
nham como ponto de origem, roteiros advindos de revisitas aos “causos” do cotidiano que a todos
SUMÁRIO
empatizava, assim nomenclaturado: futebol, feiras livres, transporte, salário, uso de preservativo, SUMÁRIO
gravidez, matrimônio, booling, lei Maria da Penha, estupro, conserto de computador, preservação SUMÁRIO
do meio ambiente, noções de cuidados pessoais e sociais, urbanidade, lixo nas ruas, enchentes, ine-
xistência de áreas verdes suficientes, postos de saúde, vacinação, criminalidade, aborto, polícia, can-
celamento de cartão de crédito, telemarketing, briga de vizinho, ecologia, incentivo para reivindi- FICHA
FICHAFICHA
cações pertinentes, velório, ora, falando de gente, com gente e para gente, assuntos transbordam,
inesgotáveis...

A terminologia Criações Coletivas carrega embutidas três vertentes da formação da personalidade PRÓXIMA
humana. São elas: identidade, dualidade, coletividade. Por ser ela formada por seres humanos que
PRÓXIMA
PRÓXIMA
são maiores ou menores artistas, tais conceitos, em sua substância, às vezes se harmonizam e se de-
mocratizam, às vezes se confrangem e se hostilizam, às vezes se interpõem e amalgamam. Sem contar
com as complexidades das almas das demais participações colocadas à serviço da encenação como ANTERIOR
ANTERIOR
um todo: a concepção da luz, do som, do figurino, da maquiagem e seus respectivos operadores. ANTERIOR

362
Os intérpretes, no caso em questão, satisfeitos ou não com seus papéis, ainda gozam de uma indivi-
dualidade relativa. Interpretando com outros pares, ou em trechos de fala solo, eles aparecem, niti-
damente, aos olhos do público. O diretor já não existe sozinho nas Criações Coletivas. Por mais que
haja certa hegemonia da parte de alguém, palpites não faltam sobre uma entrada aqui, uma mão que
tola escorrega pelo ombro de outro ali, uma solução de impacto acolá, praticamente essa atividade
resiste em poder de todos, ou, pelo menos, daqueles tantos que não estão em cena. O maior problema
sobra, realmente, para a figura do roteirista(s)/dramaturgo(s). Ele ou eles aparecem, para esclarecer
ou confundir, na totalidade da trama, seja ela trágica, cômica ou melodramática. É imprescindível a
objetividade, a clareza, a coerência lógica do texto, sem falar de um requinte que nos parece oportu-
no, como a beleza, o lirismo, a emoção textual e a sedução. São tantos os quesitos que há de se retor-
CAPA
nar às indagações do início: como se conquistar os elementos de uma chamada grande textualidade, CAPA
quando todos querem escrever na Criação Coletiva? CAPA

SUMÁRIO
C omo N ascem A s P alavras E A s O nomatopeias N a P ersonagem P alhaço SUMÁRIO
Há uma especial diferença com relação à palavra, a autoria, o roteiro e a atuação do personagem, em SUMÁRIO
uma figura que atravessou os séculos e é fonte inesgotável de argumentações a respeito da “palavra
despreocupada”: o palhaço. Dele, sobre ele e com ele emergem três elementos perigosos em alguns
casos, satisfatórios em outros, são o improviso, a criatividade e a intuição. Eles, na escritura (o que FICHA
FICHAFICHA
raramente acontece) e na fala, apelam para os conceitos desses substantivos: A PALAVRA IMPRO-
VISADA. A PALAVRA CRIATIVA. A PALAVRA INTUITA. A PALAVRA ÀS AVESSAS. A PALAVRA
DESPOJADA. A PALAVRA SEM COMPROMISSO. PRÓXIMA
A construção desse personagem tem perfil individual, subjetivo, particular, que o transforma em
PRÓXIMA
PRÓXIMA
um conhecido ícone hilário. As oralizações são, nesse contexto, são oriundas da tradição bufonesca,
como também os sons, as onomatopeias, os grunhidos, os ruídos e os sentidos da percepção. Impor-
ta-nos questionar: por que, onde e como saem as palavras dos palhaços, dos bufões, dos clowns nas ANTERIOR
ANTERIOR
Comédias de Aristófanes e nas “sátiras de costume” de Molière? Se houver uma terminologia classi- ANTERIOR

363
ficatória, entendemos que ela beira o ridículo, a galhofa, a bizarrice e a pilhéria. O importante é saber
que sob um texto que, aparentemente, não merece consideração e respeito, existem verdades, porque
estão, quase sempre, falando de nós, dos perfis e dos comportamentos humanos. O palhaço, com seu
tino agudo, apreende-as mais do que qualquer outro artista. Ele não é tão simplório quanto parece!

Nossa figura de análise tem um mundo dentro de si, diversificado e rico de possibilidades sonoras,
corporais e emocionais para exprimir textos improvisados com um exagero de sensações, como lhe é
característico. O destino é apresentado pelo palhaço, antinaturalmente, diferindo de uma peça teatral
que procura aproximar o receptor da realidade comum vivida fora dos palcos. É um louco! O mais
belo louco dos picadeiros! Imaginações, desejos, cotidiano extrapolado, revelações do homem ao
transcender seus limites, entram na pauta das esculturas gestuais e vocábulos despojados dos palha- CAPA
CAPA
ços e dos clowns, em medidas respectivamente próprias. Assim como o circo, o tablado, o picadeiro
CAPA
são elementos nômades, itinerantes, vagantes, eles também o são. Buscam, permanentemente, novas
plateias e uma comunhão de receptores diferentes. Procuram fazer arte cômica com as lembranças
de imagens recolhidas no arquivo da memória. Produtos de falas mutantes e mutáveis cingem sua SUMÁRIO
eterna originalidade. Um ator de teatro convencional tem um texto para memorizar e sobre ele erigir SUMÁRIO
SUMÁRIO
um personagem, no entanto, o texto do palhaço é ele mesmo. Ele se rasura ele mesmo, nele mesmo
o tempo todo. Muitas vezes o texto é “escrito” na hora à medida da interação com o público, ao que
relacionamos o famoso jargão “bate-volta” do teatro. As descobertas vão, de instante a instante, se
FICHA
FICHAFICHA
estruturando de acordo com um código interno motivado por um código interrelacional do momen-
to. É necessário enfatizar, que o palhaço e o clown, são semelhantes mas não iguais. As diferenças são
pequenas, entendendo o segundo como mais requintado, mais elaborado do que o primeiro.
PRÓXIMA
É importantíssimo diferenciar, nesse momento, o conceito subjacente aos termos: cômico e come- PRÓXIMA
PRÓXIMA
diante, respectivamente, perseguindo uma das teorias de excelência para os artistas das artes per-
formáticas - O Paradoxo do Comediante, de Denis Diderot (séc. XVIII). O cômico faz rir, faz chorar,
demonstrando uma suposta narrativa que dele sai com palavras ou apenas com gestos, sem elabo-
ração, espontaneamente. O comediante estuda, prepara-se laboriosamente, aplica-se afincadamente ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

364
na diretriz da organização, da seleção, da ordenação dos desenhos do riso, das lágrimas, dos gritos
reveladores da angústia, da dor, da alegria, tanto que o ator trágico, dramático, sarcástico, o mímico
o performer em geral, quando de qualidade, são comediantes não cômicos. Grosso modo, defenderí-
amos que o palhaço está para o cômico, assim como o clown está para o comediante.

A palavra, tanto em um como em outro profissional, é solta, fluida, excessiva, prazerosa e atípica.
Qualquer tentativa de dar à respectiva textualidade pulverizante, uma trilha cerrada, é naufrágio
constatado. São portadores de uma linguagem, de uma língua, de um idioma, criados pelos mesmos,
milhões de neologismos permissivos. Tentando localizar no tempo e no espaço a identidade palhaço,
remetemo-nos aos brados inescrupulosos do séquito de Dioniso, na Grécia antiga. Bêbados e impru-
dentes. Posteriormente, na Idade Média, o palhaço transformou-se no “bobo da corte”, aparecendo CAPA
CAPA
em cerimoniais para fazerem gargalhar as soberanias. A história consagra seu advento, como um ser
CAPA
acompanhado de outros tantos hilariantes, os saltimbancos, os equilibristas, os acrobatas, os mágicos
e os cavaleiros. No passado, se apresentavam em feiras, na dianteira de catedrais, calçadas, jardins e
arrancavam dos espectadores os sentimentos mais escondidos: risos largos, lágrimas quantas!, olhos SUMÁRIO
espantados, surpresas fascinantes, esgares de gozo, horrores e dores. Até mesmo a aristocracia era SUMÁRIO
SUMÁRIO
tomada por um leque de emoções estranhas entre ferozes e aprazíveis, por eles motivadas.

Os apreciadores recriam com o palhaço, sucessivamente, micro, macro metalinguagens e metatex-


tos, de acordo com o caminho interativo de ida e de vinda (emissão/assistência). Entre evoluções, FICHA
FICHAFICHA
involuções e, dificilmente, alienações, palhaço e público seguem dançando a sonata irreverente do
mundo. Esses entes estéticos são ingênuos. Puros. Sonhadores e provocadores de magias. A história
comenta que a voz do palhaço começou ocupando o espaço público. Passou para o privado na obri- PRÓXIMA
gatoriedade de encantar o rei. Migrou novamente para a amplitude das multidões. Popularizou-se e PRÓXIMA
PRÓXIMA
aí ficou. Mambembando e realizando proezas, a palavra, muitas vezes não-verbalizada dessa espécie
de cômico, comunica, conquista, evoca e chega ao receptor, somada a uma rica linguagem gestual,
corporal e mãos que muito esculpem no ar. Ele é o que mais tende a se aprimorar no orgânico, con-
siderada a deficiência ou a ausência de uma dramaturgia autocriada. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

365
O palhaço é eficaz em vencer as letras. Quase ninguém escreve para ele. Já falamos que colocam em
prática, pequenos, leves, descompromissados contos próprios, senão inventados na hora, pelo menos
desenvolvidos no momento presente em função do feedback que recebe. Muitos desses detentores de
um simulacro de felicidade permanente saíram dos ciganos e dos ambulantes, seus predecessores.

Mais dionisíacos que apolíneos, a destacada oralidade do palhaço sustenta-se em uma forte energia,
porém, um tanto impensada. Um tanto absolutizada. Um tanto expansiva. Um tanto embriagada. Fo-
rasteira por princípio. Os que aceitam a cinestesia vibrante desses artistas populares, mascarados no
contentamento, não têm meio-termo, celebram com eles a diversão, a alegria, o prazer, a descontra-
ção. Já o fruidor que testemunha a apresentação de Antígona de Sófocles ou de Mackbeth de Shakes-
peare, interpretados pelos atores tais..., sente-se obrigado a acomodar-se nas poltronas dos teatros, CAPA
CAPA
de forma elegante, composta, fixa, passiva, introvertida, escassa de interação, ou sob uma interativi-
CAPA
dade bastante razoável, não declarada. A audiência verticalizada (dos ambientes fechados) postura-
-se com retenções de atitudes não extrovertidas, são impedidos de se manifestarem mais livremente,
são distantes e coibidos nos excessos de reações, são cerebrinos. A natureza da encenação do palhaço SUMÁRIO
é completamente outra, entende-se que, o comportamento dos públicos diante de suas performances SUMÁRIO
SUMÁRIO
é bastante descontraído, sem comprometimento pesado, mais independente, desprendido, irrestrito,
franqueado e dissoluto. Afinal, as pipocas e os guaranás estão com esses não com aqueles.

Intérpretes populares, intérpretes eruditos, plateias de espetáculos cômicos, plateias de espetáculos FICHA
FICHAFICHA
trágicos, atores circenses, palhaços e clowns, enfim, uma gama infinita de tipificações, são todos, por
excelência, seres de linguagem. Na arte, temos mais: linguagens sobre linguagens que respondem às
linguagens em reciprocidade. Ninguém vai assistir ao que desdenha. Não há estímulo, não há insti- PRÓXIMA
gação, não há vontade que sustente essa adversidade: a negação por dentro. A linguagem clownesca PRÓXIMA
PRÓXIMA
é genuína e exótica.

Em que pese à suposição pejorativa, a palavra no palhaço é marginal, por isso ele revela as maiores
barbaridades sem constranger o público. Apesar de falar para e sobre a sociedade, esta não o leva a ANTERIOR
ANTERIOR
sério, dado a seu jeito escrachado, ruidoso e gracejador de ser. Na arena, é um moleque que brinca ANTERIOR

366
criando roteiros de vida e dos destinos humanos; conta “causos” em silêncio, gesticulando, ou com
pequenos textos improvisados; fora dela, há uma alma entre conflitos e harmonias, que vive dores,
rejeições, tristezas, melancolias, satisfações, alegrias e problemas de toda ordem. O palhaço, com
os instrumentais técnicos disponíveis, jorra emoções puras, pouco estudadas, e, meio à deriva, tira
vantagem da assistência revertendo situações indesejadas a seu favor. Quais são elas? Bem, senta-
-se no colo daquele que está desconfortável; chupa o pirulito da menina; congestiona de micagens
o espaço desagradável à apreciação; dialoga com os gritos dos pipoqueiros, vendedores e passando
pelos espectadores, explora o que cada um tem de característica diferenciadora, sem agredi-los. Cla-
ro que não estamos inserindo esta figura em um Circle Du Soleil, carregado de altas tecnologias, que
requer treinamento exaustivo, sempre motivada porque bem remunerada, falamos do personagem
CAPA
inspirado nas origens, aquele que trabalhava em circos precários, com tetos de lona, zinco e infinitos CAPA
materiais inapropriados. Ele pode fazer parte também dos Teatros de Rua, vivendo de expressões CAPA
caricaturadas nas praças, em frente às igrejinhas e em pequeninos palcos montados nos principais
jardins das cidades.
SUMÁRIO
As habilidades do palhaço são direcionadas ao transporte de temas simples, vocábulos cotidianes- SUMÁRIO
SUMÁRIO
cos, termos fáceis e reconhecíveis, ilusionismos breves, sempre cheios de singelezas. O receptor mais
difícil é instado a expor o lado gostoso de sua personalidade provocada por esse galhofeiro, marcado
na memória de sua inapagável infância.
FICHA
FICHAFICHA
Sem a preocupação de reproduzir textualidades categorizadas como: realistas, naturalistas, tradi-
cionais, dramáticas, clássicas, mas sempre com ar de comicidade, a personagem palhaço transcende
o mundo comum, procurando adentrar-se no universo das aparentes impossibilidades, das tiradas PRÓXIMA
ousadas, das tentativas inusitadas, com movimentos atrevidos e uso abusivo de pantomimas. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Nos tempos modernos, estes tipos não têm a idêntica funcionalidade do passado, no sentido de pro-
piciar a animação das aristocracias, também não é o antagonista do poder, talvez seu crítico mais ar-
doroso. O palhaço é indispensável para unir as ligas das extremidades sociais e atenuar sofrimentos. ANTERIOR
ANTERIOR
Ele é um misto do encanto e do jocoso na plasticidade que cria! ANTERIOR

367
À palavra eminentemente despreocupada, improvisada, escarnecedora e não-civilizada na síntese
da configuração pilheresca, adiciona-se a obrigação de espírito observador do palhaço preciso, arro-
jado e perspicaz, com trejeitos de cantador, dançarino e malabares. O senso de imitação, a intuição,
a criatividade, a improvisação somadas à sensibilidade, são elementos indispensáveis a este ser riso-
tesco, para as soluções imediatas nos palcos públicos abertos ou fechados. Jogar com os desejos, as
expectativas, as vontades do ouvinte e conhecer seu contexto, aspectos que o palhaço percebe logo
após o “primeiro round”, garantem-lhe segurança por trás da máscara, a fim de propor uma tarde ou
noite divertida, apesar das identificações, longe dos delírios e das catástrofes do cotidiano.

De um lado, apresenta-se o conjunto: as Criações Coletivas; de outro lado, a solidão e o solitário:


o Palhaço; no cruzamento, ambos, com as mesmas problematizações textuais: não há um texto de CAPA
CAPA
“fora” para “dentro”, há um texto de “dentro” para “fora”, nascendo com eles e reverberando no
CAPA
mundo.

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ZUMTHOR, Paul. A letra e a voz. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1993, trad. Amálio Pinheiro e Je- SUMÁRIO
rusa Pires ferreira. SUMÁRIO
SUMÁRIO
ZUMTHOR, Paul. Introduction à la poesie orale. Paris/França: Seuil Éditions, 1989.

_____________. Permanência da voz. Rio de Janeiro, RJ: Brasileira, 1985, UNESCO nº 10, trad. Amálio Pinheiro.
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

371
AMORES ARDENTES: A PAIXÃO DA REDE GLOBO
PELO “IMPÉRIO DAS HEROÍNAS” E DO CINEMA
BRASILEIRO PELOS MARGINALIZADOS SOCIAIS
A PARTIR DE ADAPTAÇÕES DOS ROMANCES DE
JORGE AMADO

Márcio R odrigo R ibeiro


Doutorando do Programa de Pós-graduação em Artes da UNESP – campus São Paulo – e professor do curso de Comunicação
CAPA
Social da Unisa - marciorodri@gmail.com CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

R esumo
A partir dos conceitos de transmutação, sinônimo de adaptação, de Anna Maria Balogh, e de soap
FICHA
FICHAFICHA
opera, formulado por Renato Ortiz, Silvia Borelli e José Mário Ortiz Ramos, o presente artigo tra-
ça uma análise dos motivos que levam a Rede Globo de Televisão a preferir as obras literárias de
Jorge Amado que têm personagens femininas como protagonistas ou “heroínas” para adaptá-las
para suas telenovelas, enquanto o cinema brasileiro continua se debruçando nos livros da primeira PRÓXIMA
fase da carreira do escritor, mais voltados às questões sociais, como principal fonte para seus lon-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
gas-metragens.

Palavras-chave: Transmutação; telenovelas cinema brasileiro; Rede Globo; Jorge Amado.


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

372
A bstract
As from the concepts of transmutation, synonymous of adaptation, of Anna Maria Balogh, and soap
opera, made by
​​ Renato Ortiz, Silvia Borelli Mario Ortiz and Jose Ramos, this article provides an
analysis of why the Globo Television prefer literary works of Jorge Amado who have female cha-
racters as protagonists or "heroines" to adapt them to their soap operas, while Brazilian cinema still
leaning on the books of the first phase of his career as a writer, more focused on social issues as the
main your source for feature films.

Key words: Transmutation; soap operas; Brazilian cinema; Globo Television; Jorge Amado.

CAPA
CAPA
I ntrodução CAPA
O presente artigo pretende analisar a preferência da Rede Globo de Televisão por romances que
valorizam as heroínas para a realização de adaptações das obras literárias de Jorge Amado para a
televisão, bem como a escolha de obras do universo marcado por questões sociais e personagens SUMÁRIO
marginalizados do escritor baiano pelo cinema brasileiro. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Serão utilizados como principais instrumentos metodológicos de análise os conceitos de transmuta-
ção, ou “tradução intersemiótica”, desenvolvido por Anna Maria Balogh em seu livro “Conjunções,
Disjunções, Transmutações” (1996: p. 36); e de soap opera ou “óperas de sabão”, delineado no livro FICHA
FICHAFICHA
de Ortiz, Borelli e Ramos, que tem sua origem nos Estados Unidos da década de 30 do século pas-
sado, onde agências de publicidade de empresas como a Colgate Palmolive, Procter and Gamble e
Lever Brothers passam a promover seus produtos patrocinando ficção seriada para donas de casa em PRÓXIMA
plena a Era do Rádio, um “entretenimento barato para época de crise” (1989: p. 18-19). PRÓXIMA
PRÓXIMA
Como objetos de estudo serão utilizados a telenovela “Gabriela”, em cartaz entre os meses de junho e
outubro de 2012 na emissora da família Marinho no horário das 23 horas, e o longa-metragem “Capi-
tães da Areia”, de Cecília Amado, neta do escritor que teve sua estréia no circuito comercial exibidor ANTERIOR
ANTERIOR
brasileiro no 2º semestre de 2011, ambas as obras audiovisuais adaptadas –sinônimo de transmuta- ANTERIOR

373
das - do universo literário amadiano para a celebração do centenário de nascimento do escritor baia-
no, ocorrido em agosto passado.

Em texto publicado nos “Cadernos de Literatura Brasileira” dedicado a Jorge Amado, organizado
por Rinaldo Gama, Eduardo Duarte, observa que a obra do autor pode ser dividida em duas partes.
A primeira que se inicia com “O País do Carnaval”, de 1931, romance inaugural do escritor, exibe
as influências do Comunismo e da atividade partidária de Amado no Partido Comunista Brasileiro
(PCB). Já a segunda, onde predominam as heroínas femininas, inicia-se com a publicação de “Ga-
briela, Cravo e Canela”, em 1958, quando o escritor rompe com o partido após descobrir os horrores
ditatoriais do regime stalinista na antiga União Soviética. (1997: p. 94).
CAPA
Ao observar a divisão de fases na obra amadiana e as consequências desta clivagem no universo fic- CAPA
cional do escritor, especialmente na constituição de seus personagens, o artigo pretende evidenciar CAPA
as escolhas feitas tanto pelo cinema quanto pela televisão brasileira para a transmutação das obras
do autor baiano para as telas.
SUMÁRIO
Se por um lado, o cinema brasileiro, desde o final dos anos 50, é marcado por preocupações sociais SUMÁRIO
SUMÁRIO
e “avesso a adaptações de linguagem aos parâmetros do mercado”, como nota Ismail Xavier (p. 32:
2004), o que ajuda a explicar a escolha do livro “Capitães da Areia” (1936) - notadamente da fase
comunista de Amado – para ser adaptado por sua neta para o cinema -, por outro, o remake de “Ga-
FICHA
FICHAFICHA
briela” pela Rede Globo atesta que o universo do “império das heroínas” é ainda o ideal para atender
às demandas do mercado anunciante brasileiro e as necessidades dos produtos televisivos ficcionais
que, historicamente, foram criados no início do século XX nos Estados Unidos para atender à “figura
da mulher, primeiramente como figura central do lar e segundo como um ser que vive um universo PRÓXIMA
particularmente feminino”, como nota Renato Ortiz (1989: p. 21).
PRÓXIMA
PRÓXIMA

I nclinações cinematográficas históricas ANTERIOR


ANTERIOR
Anita Simis lembra que a ligação do escritor com o cinema “vem de 1933 quando Carmen Santos quis ANTERIOR

374
filmar ‘Cacau’, obra de Jorge de 1933” (p.138), transmutação que não chegou a ser concretizada por
motivos até hoje não esclarecidos.

Já como deputado federal pela bancada paulista do PCB, eleito em 1945, Amado propôs ,em outubro
de 1947, “o Projeto 879 que visava à criação do Conselho Nacional do Cinema (CNC) e a regulação
da produção, importação, distribuição e exibição de filmes no Brasil” (p. 138), como frisa Simis.

A primeira adaptação da obra amadiana para o cinema só se concretizaria, contudo, em 1948 quando
Eddy Bernoudy e Paulo Machado se basearam no romance “Terra dos Sem-Fim” (p.143) para reali-
zar o longa-metragem “Terras Violentas”, um filme hoje praticamente perdido devido a seu precário
estado de conservação.
CAPA
CAPA
Por sua vez, a TV brasileira assistiria em 1961 a primeira adaptação de “Gabriela, Cravo e Canela”,
CAPA
com texto de Antônio Bulhões de Carvalho e direção de Maurício Sherman na Rede Tupi, inauguran-
do a presença cada vez mais constante do universo ficcional do escritor baiano naquele que até hoje
segue sendo o meio de comunicação social de maior audiência no Brasil. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A ascensão de Amado como um dos autores literários mais transmutados do País para o audiovisual SUMÁRIO
ocorreria, definitivamente, quando a Rede Globo verteu, em 1975, para a telenovela o romance “Ga-
briela, Cravo e Canela”, com texto de Walter George Durst, direção de Walter Avancini e protagoni-
zada pela atriz Sônia Braga. FICHA
FICHAFICHA
“Gabriela” foi produzida em comemoração aos dez anos da Rede Globo
e recebeu os cuidados de uma superprodução, desde a adaptação, a esca-
lação de atores, os figurinos (...), até o trabalho dos cenógrafos (...) que, PRÓXIMA
auxiliados pela Divisão de Engenharia da emissora, montaram em Gua-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ratiba, nos arredores do Rio de Janeiro, uma reprodução de Ilhéus (onde
se passa a trama) baseado em desenhos do artista plástico baiano Carybé.
(FIUZA: 2003, p. 54) ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

375
Desde então a Rede Globo vem adaptando e readaptando com certa frequência as obras de Amado
para sua grade de programação ficcional tanto para minisséries quanto para telenovelas. Exemplos:
“Tendo dos Milagres” (1985), “Tieta” (1989), “Tereza Batista Cansada de Guerra” (1992), “Dona Flor
e seus Dois Maridos” (1998), e, mais recentemente, o remake de “Gabriela” (2012), para celebrar os
100 anos de nascimento de Jorge Amado.

I mpério das heroínas

No caso destas adaptações ou transmutações, é interessante notar que a escolha das obras literárias
amadianas pela emissora dos Marinho para a transmutação em formato de soap operas e suas varia-
CAPA
ções vem recaindo prioritariamente sobre o chamado “império das heroínas” (1997,p.94) de Amado, CAPA
como nota Eduardo Assis Duarte. Império este que começou em 1958, justamente com a publicação CAPA
de “Gabriela, Cravo e Canela”.

Duarte divide o romance amadiano em duas fases: SUMÁRIO


SUMÁRIO
1ª - Voltada para as questões sociais, que vai de “O País do Carnaval” 1931 até “A Luz SUMÁRIO
no Túnel” (1954) - que em grande parte coincide com o ciclo regionalista da Literatura
Brasileira da militância do autor no PCB, o chamado “Partidão”;
FICHA
FICHAFICHA
2ª - Do “Império das Heroínas”– quando Amado rompe com o PCB e decide ser “defi-
nitivamente um escritor”, nas palavras do próprio Amado.

Deixando para trás sua condição de “escritor comunista”, o autor publica PRÓXIMA
“Gabriela” em 1958. E, pela primeira vez em sua obra, vemos a mulher PRÓXIMA
PRÓXIMA
passar a epicentro narrativo e ascender a verdadeiro mito sexual. Hoje,
Gabriela é dessas personagens que têm alcance extra-literário, figurando
no imaginário popular como símbolo de impetuosidade e erotismo. (p.
94). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

376
A escolha da Globo ao adaptar os romances de Amado - sempre marcados pela questão da miscige-
nação étnica e cultural - desta segunda fase coincide com os objetivos da soap opera enquanto um
produto de consumo da indústria cultural que tem a mulher como principal público-alvo. O próprio
tratamento dado às principais heroínas e personagens femininas amadianas na Globo revela e con-
firma esta visão.

Se como observam Ortiz, Borelli e Ramos, “não há dúvidas de que a telenovela é uma forma narrativa
produzida em escala industrial” (1989: p. 122), esta transformação da obra artística de Jorge Amado
em mercadoria para o consumo de um público amplo, ainda hoje é marcada pela preocupação em se
estabelecer um diálogo direto principalmente com o telespectador feminino, ratificando no contexto
brasileiro, na segunda década do século XXI, as mesmas intenções de produção que levaram à cria- CAPA
CAPA
ção da soap opera enquanto um dos elementos fundamentais para a grade das emissoras radiofôni-
CAPA
cas nos Estados Unidos da década de 30 do século passado e que em nosso País ainda se perpetuam.

A este respeito, Esther Hamburguer vai notar que “programas televisivos de sucesso expressam uma
SUMÁRIO
sintonia entre produtores e telespectadores” e que “profissionais de televisão devem antenar expec- SUMÁRIO
tativas de público”. SUMÁRIO

(...) estar sintonizado, ou antenado, envolve métodos científicos, mas tam-


bém sentimentos pessoais e sensibilidades. O envolvimento dos profissio-
FICHA
FICHAFICHA
nais de televisão nessa busca de sintonia com o público reforça a ideia de
(...) que novelas podem ser pensadas como redes de interações – distor-
cidas e desiguais – cujos fios e nós se articulam de acordo com um jogo
cujas regras mobilizam uma “fantasia de estar conectado”. (2005: p. 60). PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Evidentemente que “para tornar a novela um produto genuinamente nacional – como o futebol e o
samba – a audiência foi ampliada aos públicos masculino e infantil” (ALENCAR, 2002: p. 17) desde
o início da década de 70 quando a própria Rede Globo colocou no ar a telenovela “Irmãos Coragem”,
de Janete Clair. (FIUZA, 2003: p. 22). De toda maneira, a exemplo do que ocorreu na versão de 1975, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

377
a nova versão de “Gabriela” para a TV continuou tendo o público feminino como seu principal des-
tinatário.

Em texto publicado no jornal Folha de S. Paulo no dia em que o último capítulo do remake foi ao ar,
Alberto Pereira Jr. Observa que “a adaptação foi marcada por diversas liberdades em relação à no-
vela de 1975 e à obra do escritor baiano” (2012: p. E3). Essas “diferenças”, ou elementos disjuntivos
de uma transmutação, como denominados por Balogh (1996: p. 45), contudo, não tiraram o foco da
nova versão do “império das heroínas” amadianas.

Prova disto é que na “Gabriela” de 2012 questões sobre a liberdade e emancipação feminina em um
mundo machista como o de Ilhéus na década de 20 do século passado continuam onipresentes na
CAPA
trama, seja por meio das histórias de vida das personagens das senhoras de sociedade, ou no Bataclã, CAPA
mitológico bordel de Maria Machadão. CAPA

A própria figura da protagonista, interpretada por Juliana Paes no remake escrito por Walcyr Carrasco,
ajusta-se perfeitamente aos anseios de um universo predominantemente urbano e de uma nova classe SUMÁRIO
média em ascensão nos dias atuais, em grande parte propulsionado por mulheres emancipadas e cada SUMÁRIO
SUMÁRIO
vez mais responsáveis pelos provento de seus lares e famílias. Uma legítima soap opera do século XXI
que, inclusive ainda prioriza produtos de limpeza e higiene pessoal entre seus anunciantes.1

Tal postura ajuda a corroborar com a própria leitura que faz Eduardo Duarte sobre a importância FICHA
FICHAFICHA
social e econômica da mulher brasileira a partir dos anos 50 do século XX. O pesquisador da UFMG
frisa que:

Com as transformações econômicas vividas desde os anos 50, a mulher PRÓXIMA


brasileira vem para o espaço público com uma intensidade inédita e de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
forma cada vez mais numerosa, fenômeno que não passará despercebido
a Jorge Amado. (1998: p. 96).

ANTERIOR
ANTERIOR
1 O remake de “Gabriela” teve entre seus dois principais anunciantes o produto de limpeza Veja, fabricado pela inglesa
Rockline Industries, e a linha de produtos para os cabelos Clear, da Unilver. ANTERIOR

378
P eriferia social e econômica

Por sua vez, historicamente o cinema brasileiro parece sempre ter tendido mais para os romances
voltados às questões sociais, escritos por Amado na primeira fase de sua carreira como já apontado
por Duarte. Desde a primeira transmutação a partir de “Terras dos Sem Fim”, em 1948, até a nova
versão de “Capitães da Areia”, realizada por Cecília Amado e lançada no circuito comercial cinema-
tográfico brasileiro em outubro de 2011, o que se observa é o predomínio de adaptações cinemato-
gráficas de livros escritos pelo autor baiano antes de romper politicamente com o PCB do passar a se
dedicar a suas famosas heroínas, como Gabriela, Tereza Batista e Tieta2.

Em texto escrito originalmente em 1985 sobre o cinema praticado no Brasil após o golpe militar de
1964, Ismail Xavier comenta que CAPA
CAPA
Dentro do esquema populista apoiado pelas esquerdas, a luta pelas refor- CAPA
mas de base define o confronto com os conservadores e, não por acaso,
(...) é a fome o tema, é o Nordeste do polígono das ecas o espaço simbólico
SUMÁRIO
que permite discutir a realidade social do país, o regime da propriedade SUMÁRIO
de terra, a revolução. (2004: p. 47). SUMÁRIO

A análise do pesquisador da USP, portanto, concorda com os principais preceitos estéticos defendi-
dos pelo Cinema Novo e, logicamente, com o ideário sobre o que deveria ser um filme, defendido por
FICHA
FICHAFICHA
Glauber Rocha em textos como “Manifesto Uma Estética da Fome”, de 1965.

Militante comunista desde 1932 - quando foi apresentado aos membros do PCB pela escritora Raquel
de Queiroz -, Jorge Amado, desde seu romance inaugural, “O País do Carnaval”, de 1931, não se PRÓXIMA
debruça exatamente sobre o sertão, tema tão recorrente na literatura produzida por tantos escritores PRÓXIMA
PRÓXIMA
nordestinos daquele período. O autor prefere voltar seu olhar para a realidade da região cacaueira

2 A exceção no caso de transmutações da obra de Jorge Amado voltadas às heroínas está no fato de, em 1976, o livro
“Dona Flor e seus Dois Maridos” ter sido vertido para o cinema. Tal adaptação ocorreu naquele momento devido a percepção
da L.C. Barreto, produtora do longa-metragem, do sucesso da novela “Gabriela” na Rede Globo em 1975. Não por acaso, o ANTERIOR
ANTERIOR
filme da família Barreto era protagonizado inclusive por Sônia Braga e se tornou por mais de três décadas a maior bilheteria
de um filme brasileiro em seu próprio País. ANTERIOR

379
da Bahia, especialmente Ilhéus, cidade ao lado de sua Itabuna natal, e das mazelas originárias dos
abismos sociais que começam a se tornar cada vez mais nítidas em grandes cidades do País, espe-
cialmente Salvador.

Em “Cacau” e “Suor”, “Capitães da Areia”, “Terra dos Sem Fim” (...) o


que vemos predominar são as falas saídas da periferia social e econômica
do país, não importa das ruelas escuras de Salvador ou das terras onde se
plantava no sul da Bahia a civilização do cacau. (DUARTE, 1998: p. 93).

Chama a atenção, portanto, que após tantas transmutações da fase dos “impérios das heroínas” para
a TV aberta brasileira, que a neta do escritor, em sua primeira excursão como diretora de um lon-
CAPA
ga-metragem, escolha um romance como “Capitães da Areia”, da fase mais social de Amado , para CAPA
homenageá-lo em seu centenário de nascimento. CAPA

Observa o escritor Milton Hatoum no posfácio da obra do escritor que deu origem ao filme:
SUMÁRIO
É surpreendente a atualidade dos temas de "Capitães da Areia”. O assun- SUMÁRIO
to e as questões sociais que o livro explora em profundidade são (...) os SUMÁRIO
mesmos do Brasil e da América Latina hoje”. O romance de Jorge anteci-
pou (...) de modo lúcido e incisivo a vida das crianças que esmolam nas
ruas das cidades brasileiras. (2008: p. 265). FICHA
FICHAFICHA
Um universo social que Cecília reconstrói com bastante fidelidade em seu longa-metragem, mas que
a Globo mantém bastante distante das transmutações que faz das obras amadianas para a TV. Em sua
adaptação, a cineasta busca os elementos mais conjuntivos possíveis, ou “similares à obra original”, PRÓXIMA
como explica Balogh (1996: p.45) com a obra de seu avô.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Se o romance é sobre “um bando de crianças que vive da rapina” e que “são chamadas de Capitães da
Areia porque o cais é o seu quartel-general” (2008: p.9) como escreve Amado já nas páginas iniciais
de seu livro, Cecília é absolutamente fidedigna ao universo ficcional concebido por seu avô para con- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

380
tar a história do grupo de “mais de cem crianças” que praticavam atos criminosos e aterrorizavam a
Salvador da década de 30.

Embora organize seu longa-metragem no chamado paradigma audiovisual clássico – ou seja, com
um ato de apresentação, um de confrontação e outro de resolução, como explica Syd Field (1995, p.3)
-, o conteúdo e o tratamento temático da versão cinematográfica de “Capitães da Areia” está em ple-
na consonância com a visão de Xavier sobre o Cinema Novo.

Para o estudioso o movimento, que tanto deixou marcas e influências profundas na produção fílmica
nacional foi “a versão brasileira de uma política de autor que procurou destruir o mito da técnica e
da burocracia da produção, em nome da vida, da atualidade e da criação” (2004: p. 57). Atualidade
CAPA
esta que buscaria o “engajamento ideológico” e uma “linguagem adequada às condições precárias e CAPA
capaz de exprimir uma visão desalienadora, crítica, da experiência social”. CAPA

SUMÁRIO
C onsiderações finais
SUMÁRIO
Evidentemente, a adaptação de “Capitães da Areia” de Cecília, exibe ao público não apenas elemen- SUMÁRIO
tos herdados de uma arte mais voltada para questões sociais, presentes tanto nos livros da primeira
fase da obra amadiana quanto no cinema brasileiro desde o final dos anos 50 e a consequente ascen-
são do Cinema Novo. FICHA
FICHAFICHA
Se o paradigma de organização da narrativa audiovisual de “Capitães da Areia” é clássico, como já
mencionado anteriormente, o que já indica certo afastamento dos ideais estéticos cinemanovistas, há
também no filme um apuro de elemento ligados à fotografia, cenário e caracterização dos persona- PRÓXIMA
gens que muito se aproxima do chamado “padrão Globo de qualidade”.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Padrão este que busca sempre a perfeição técnica, tecnológica e estética, afastando-se de qualquer
“impureza” ou “imperfeição” que possa macular qualquer produto audiovisual da emissora, como
explica Mauro Alencar: ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

381
No Brasil, (o padrão Globo) tornou-se um procedimento audiovisual dife-
renciado que resulta em um produto de acabamento esmerado, cuidado-
samente detalhado em todo o processo e enriquecido por recursos técni-
cos sofisticados, incluídos os equipamentos de última geração (...) (2002:
p. 69).

Todavia, todo esse padrão de qualidade evidente na tela, que aproxima o longa-metragem de Cecília
não apenas do remake de “Gabriela”, mas da maciça maioria dos produtos televisuais produzidos
pela emissora líder m TV aberta do País, não ofuscou o tratamento à temática social sem concessões
buscado pela cineasta.
CAPA
Para confirmar tal constatação, basta observar, por exemplo, que versão de 2012 de “Gabriela”, pas- CAPA
sa-se em pleno ciclo do cacau em Ilhéus nos anos 20, um universo tão cheio de injustiças sociais como CAPA
denunciado pelo romance amadiano e não há nenhuma cena na telenovela que mostre, por exemplo,
os trabalhadores de cacau da região e sua exploração pelos coronéis.
SUMÁRIO
Ao contrapor, portanto, as transmutações dos romances de Jorge Amado para o cinema e para TV, SUMÁRIO
SUMÁRIO
especialmente as realizadas pela Rede Globo, fica evidente a predileção da emissora da família Ma-
rinho pelas heroínas do autor como maneira mais prática de alinhar as velhas demandas comerciais
das soap operas, que seguem precisando dialogar diretamente com o público feminino.
FICHA
FICHAFICHA
Da mesma maneira, ao se deparar com a adaptação de “Capitães de Areia” por Cecília Amado, fica
evidente que o interesse, e por que não dizer certo fetiche, por mazelas sociais e tipos marginais do
País, presentes em nossas telonas desde o Cinema Novo. PRÓXIMA
Em comum, além de ambas as obras audiovisuais terem nascido da cabeça do mesmo literato, a
PRÓXIMA
PRÓXIMA
certeza, pesem as críticas em contrário, que Jorge Amado tinha um jeito bastante sedutor de contar
histórias, fossem elas sobre graves problemas sociais ou sobre figuras femininas em busca de maior
espaço e liberdade na sociedade em que estavam inseridas. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

382
R eferências
ALENCAR, Mauro. A Hollywood Brasileira. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2002.

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FICHA
FICHAFICHA
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PRÓXIMA
PRÓXIMA
CAPITÃES da Areia. Direção de Cecília Amado. Salvador, Lagoa Cultural e Maga Filmes, 2011. 35 mm:
son., color. 96 minutos de duração.

GABRIELA. Direção de Mauro Mendonça Filho e roteiro de Walcyr Carrasco. Rio de Janeiro, Rede Globo ANTERIOR
ANTERIOR
de Televisão, 2012. HD: son., color., 72 capítulos. ANTERIOR

383
CAPA
CAPA

Capítulo 5 -
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Narrativas e semiosis:
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Análises e métodos ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR
A PERCEPÇÃO DA IDEIA DE IDENTIDADE NA
MODERNIDADE LÍQUIDA: UMA ANÁLISE DO
FILME GRAN TORINO

Adalberto Bastos N eto


Universidade Presbiteriana Mackenzie - adalbastos@hotmail.com

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
Nosso trabalho tem como objetivo investigar alguns dos processos que configuram a percepção da
SUMÁRIO
ideia de identidade na contemporaneidade. À luz dos estudos sobre a identidade realizados por SUMÁRIO
Zygmunt Bauman, pretendemos mostrar alguns dos diferentes elementos que regulam a identidade SUMÁRIO
em meio à instabilidade da sociedade de hoje. Nas últimas décadas, mudanças rápidas e radicais têm
marcado e transformado a sociedade global. Com os avanços tecnológicos, o estímulo ao consumo e,
principalmente, o fenômeno da globalização, a sociedade se vê em meio a uma grande transformação FICHA
FICHAFICHA
que afeta suas estruturas reguladoras. O homem contemporâneo não pode mais legitimar uma única
história, uma única cultura, uma única verdade. O homem se vê diante de uma experiência cotidia-
na dinâmica, que o leva a buscar uma nova maneira de relacionar-se com a ideia de identidade. No PRÓXIMA
contexto atual, as identidades são híbridas e deslocadas de um vínculo específico, transformando-se, PRÓXIMA
PRÓXIMA
assim, numa tarefa individual e num processo de construção incessante. Elegemos como material
de análise o filme Gran Torino (2008). Quanto a sua temática, o filme aborda questões em torno da
xenofobia e da intolerância cultural. Quando a tradicional vizinhança do protagonista, Kowalski,
que fora outrora formada por brancos, é tomada por membros de uma comunidade hmong, são ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

385
retratadas diversas tensões resultantes do hibridismo cultural. Outra questão abordada pelo filme
diz respeito aos valores de Kowalski em oposição aos valores de sua família. Kowalski vive num
mundo onde os valores caros a ele, tais como, respeito, disciplina, trabalho, etc. estão em declínio.
Seus filhos e netos apresentam valores de ordem material, próprios da sociedade de consumo. Em
meio a toda essa trama, as identidades das personagens vão sendo constantemente desconstruídas e
reconstruídas. Desenrola-se uma busca constante por pertencimento e identificação. Gran Torino, ao
longo de sua narrativa, documenta magnificamente os conflitos ontológicos da contemporaneidade.

Palavras-chave: Identidade, Modernidade Líquida, Gran Torino.

CAPA
CAPA
A bstract CAPA
Our work aims to investigate some of the processes that shape the perception of the idea of identity
​​
in contemporary life. Based on identity studies conducted by Zygmunt Bauman, we intend to show
some of the different elements that regulate the identity amid the instability of today’s society. In SUMÁRIO
recent decades, rapid and radical changes have marked and transformed the global society. With SUMÁRIO
SUMÁRIO
technological advances, stimulating consumption and especially the phenomenon of globalization,
society finds herself in the midst of a major transformation that affects their regulatory structures.
Modern man cannot legitimize a single story, a single culture, a single truth. The man is faced with
FICHA
FICHAFICHA
a dynamic daily experience, which leads him to seek a new way to relate to the idea of ​​identity. In
the current context, identities are hybrid and displaced a specific link, becoming thus an individual
task and a process of continuous construction. We elected as analysis material the film Gran Torino
(2008). This film addresses issues around xenophobia and cultural intolerance. When the traditional PRÓXIMA
neighborhood of the protagonist, Kowalski, that had once been formed by white people, is taken by
PRÓXIMA
PRÓXIMA
members of the Hmong community, various tensions are shown because of cultural hybridity. Ano-
ther issue addressed by the film concerns the values ​​of Kowalski in opposition to the values ​​of his
family. Kowalski lives in a world where the values ​​dear to him, such as respect, discipline, work, etc. ANTERIOR
ANTERIOR
are declining. His children and grandchildren present values ​​of the material order, typical of consu- ANTERIOR

386
mer society. Amid all this plot, the identities of the characters will constantly being deconstructed
and reconstructed. It takes place a constant search for belonging and identification. Gran Torino,
throughout his narrative, greatly, documents the contemporary ontological conflicts.

Keywords: Identity, Liquid Moderniy,Gran Torino.

I ntrodução
O que mais apavora um homem é o que ele fez e não era obrigado a fazer
– Walt Kowalski
CAPA
O mundo contemporâneo está cada vez mais complexo. Nas últimas décadas, mudanças rápidas e CAPA
radicais têm marcado e transformado a sociedade global. Com os avanços tecnológicos, com o estí- CAPA
mulo ao consumo, com a proliferação do neoliberalismo e, principalmente, com o fenômeno da glo-
balização, a sociedade se vê em meio a uma grande transformação que afeta as estruturas estatais, as
SUMÁRIO
condições de trabalho, a subjetividade coletiva, a produção cultural, a vida cotidiana, enfim, todas SUMÁRIO
as relações entre o “eu” e o “outro” (Bauman, 2005, p. 11). SUMÁRIO

O hibridismo cultural, advindo de uma sociedade globalizada e conectada, se manifesta em todas


as partes do mundo. Com essa proximidade entre as culturas, as pessoas estão constantemente cru-
FICHA
FICHAFICHA
zando fronteiras, o que pode ser realizado de maneira consensual ou conflituosa, mas que sempre
reconfigura a ontologia dos envolvidos. Nessas fronteiras interculturais, o confronto entre as verda-
des do “eu” com as verdades do “outro” são explicitados, configurando a contemporaneidade como
uma época marcada pela diversidade e, principalmente, pela relatividade. O homem contemporâneo PRÓXIMA
não pode mais legitimar uma única história, uma única cultura, uma única verdade. Vive-se, dessa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
forma, uma experiência fragmentada da realidade, uma experiência marcada pela existência de dife-
rentes verdades e pela concomitante ausência de verdade.

Essa possibilidade plural da verdade, que desloca a estabilidade do homem contemporâneo, coloca ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

387
o mundo num movimento constante. O homem se vê diante de uma experiência cotidiana dinâmica
e instável, que o leva a buscar uma nova maneira de relacionar-se com a ideia de identidade. Numa
sociedade instável, as identidades tornam-se igualmente instáveis. As identidades deixam de ser de-
terminadas por elementos específicos, como a família, a nacionalidade, a religião, o gênero, a raça, a
classe social, etc. As identidades tornam-se híbridas e deslocadas de um vínculo específico, transfor-
mando-se, consequentemente, numa tarefa individual e num processo de construção incessante. As
identidades tornam-se fluidas e fugazes, desafiando o homem a entender o que é, afinal, sua identi-
dade no mundo atual.

A partir dessas considerações, pretendemos, como objetivo geral neste trabalho, investigar alguns
dos processos que configuram a percepção da ideia de identidade na contemporaneidade. Em outras CAPA
CAPA
palavras, temos como objetivo mostrar algumas das diferentes dinâmicas que regulam a identidade
CAPA
em meio à instabilidade da sociedade de hoje.

Para que possamos alcançar nosso objetivo, elegemos como material de análise o filme Gran Torino
SUMÁRIO
(2008), dirigido por Clint Eastwood. A escolha desse filme como corpus para este trabalho justifica-se SUMÁRIO
na medida em que o filme é permeado, ao longo de sua narrativa, por conflitos identitários de diver- SUMÁRIO
sas ordens. O filme constitui-se, assim, como um documento capaz de retratar o modo pelo qual se
realiza a percepção da identidade no mundo contemporâneo.
FICHA
FICHAFICHA
Procederemos nossa análise à luz dos estudos sobre a identidade realizados por Zygmunt Bauman.
Para explicar a instabilidade das relações sociais na atualidade, Bauman criou o termo “modernida-
de líquida”. Bauman explica que, ao nos deparamos com todas as incertezas e inseguranças da “mo-
dernidade líquida” em que vivemos, nossas identidades sociais, culturais, profissionais, religiosas e PRÓXIMA
sexuais entram num processo de transformação contínua,
PRÓXIMA
PRÓXIMA

tornamo-nos conscientes de que o “pertencimento” e a “identidade” não


têm a solidez de uma rocha, não são garantidos por toda a vida, são bas-
tante negociáveis e revogáveis, e de que as decisões que o próprio indi- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

388
víduo toma, os caminhos que percorre, a maneira como age – são fatores
cruciais tanto para o “pertencimento” quanto para a “identidade” (Bau-
man, 2005, p. 17).

A identidade na modernidade líquida

O sociólogo Zygmunt Bauman discute, em parte da sua obra, questões relacionadas à ideia de iden-
tidade no mundo contemporâneo. Ao longo de seus estudos, Bauman enfatiza a necessidade de se
renovar os parâmetros de entendimento da identidade utilizados até o surgimento da modernidade
líquida.
CAPA
CAPA
Algumas décadas atrás a identidade não fazia parte do debate científico, permanecendo unicamente
CAPA
como um objeto de meditação filosófica. Atualmente, no entanto, a identidade aparece como assunto
de grande evidência. De acordo com o sociólogo, esse fato ocorre, pois os mecanismos tradicionais
de fundamentação identitária estão em declínio: SUMÁRIO
SUMÁRIO
[...] você só tende a perceber as coisas e coloca-las no foco do seu olhar SUMÁRIO
perscrutador e de sua contemplação quando elas se desvanecem, fracas-
sam, começam a se comportar estranhamente ou o decepcionam de algu-
ma forma (Bauman, 2005, p. 23). FICHA
FICHAFICHA
Esse declínio da ideia de identidade acontece, pois os antigos modelos de identidade, rígidos e in-
flexíveis, não funcionam mais no mundo contemporâneo. Ainda se busca o abrigo das identidades
estáveis, mas os modelos identitários tradicionalmente confiáveis, como a identidade familiar e a PRÓXIMA
identidade nacional, desvanecem, perdem-se na superficialidade dos relacionamentos pessoais ou
PRÓXIMA
PRÓXIMA
na fraqueza do Estado.

Bauman nos mostra que,


ANTERIOR
ANTERIOR
quando a identidade perde as âncoras sociais que a faziam parecer “na- ANTERIOR

389
tural”, predeterminada e inegociável, a “identificação” se torna cada vez
mais importante para os indivíduos que buscam desesperadamente um
“nós” a que possam pedir acesso (Bauman, 2005, p.30).

Podemos perceber que o anseio por uma identidade vem do desejo de segurança. Contudo, o homem
contemporâneo sente-se abandonado. A sociedade global passou do estado de uma modernidade
sólida para uma modernidade fluida.

Durante a modernidade sólida, a identidade humana era determinada pelo papel produtivo desem-
penhado na divisão social do trabalho. Isso ocorria quando o Estado proporcionava garantias de so-
lidez e durabilidade desse papel. A modernidade sólida, orientada pela universalização sistematiza-
CAPA
ção e racionalização, se estabeleceu como um projeto de ordem, visando organizar a existência social. CAPA
CAPA
Nascida como ficção, a identidade precisava de muita coerção e conven-
cimento para se consolidar numa realidade (mais corretamente: na única
realidade imaginável) – e a história do nascimento e da maturação do Es- SUMÁRIO
tado moderno foi permeada por ambos. (Bauman, 2005, p. 26) SUMÁRIO
SUMÁRIO
A modernidade sólida, na busca de uma sociedade racionalmente planejada, dividia a sociedade em
categorias, as pessoas em grupos, ordenando e classificando seu território. O mundo era dividido en-
tre amigos e inimigos, os de dentro e os de fora. Possibilitava-se, assim, um alicerce fixo para a ideia FICHA
FICHAFICHA
de identidade e pertencimento. Os métodos do Estado para consolidar sua legitimidade se davam
por meio da imposição da nacionalidade ao indivíduo recém-nascido.

Com a globalização, porém, os marcos divisórios territoriais são anulados. “As biografias tornam-se PRÓXIMA
quebra-cabeças de soluções difíceis e mutáveis” (Bauman, 2005, p. 54). Com o que Bauman chama de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
“forças da globalização”, as paisagens e perfis urbanos que eram familiares, seguros e duradouros,
transformam-se a ponto de tornarem-se irreconhecíveis.

A identidade na modernidade líquida passa, pois, a ser compreendida como algo performático e ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

390
transitório, não mais experimentada como algo universal e eterno.

A “identidade” só nos é revelada como algo a ser inventado, e não desco-


berto; como alvo de um esforço, “um objetivo”; como uma coisa que ainda
se precisa construir a partir do zero ou escolher entre alternativas e então
lutar por ela e protegê-la lutando ainda mais – mesmo que, para que essa
luta seja vitoriosa, a verdade sobre a condição precária e eternamente in-
conclusa da identidade deva ser, e tenda a ser, suprimida e laboriosamen-
te oculta. [...] Atualmente é mais difícil esconder essa verdade do que no
início da era moderna (Bauman, 2005 p. 21).
CAPA
CAPA
CAPA
A nálise
O filme começa com o funeral da esposa de Walt Kowalski. O sentimento de compaixão e solida-
riedade mútua, esperado durante um funeral, não acontece. A dissensão entre Walt Kowalski e sua SUMÁRIO
família é o tema dominante do funeral: Walt, por meio do seu olhar, deixa evidente sua desaprovação SUMÁRIO
SUMÁRIO
em relação ao comportamento irreverente dos netos na igreja, ao piercing da neta e à má vontade dos
filhos, noras e netos em ajudá-lo a carregar as cadeiras. Por outro lado, os filhos, o tempo todo, dis-
cutem a “dureza” do pai, pois “ninguém consegue agradá-lo”. Discutem também para onde devem
FICHA
FICHAFICHA
mandar o pai, agora que está velho e sozinho.

A tensão máxima entre Walt e sua família se dá quando a neta, ao ver o Gran Torino de Walt na ga-
ragem, diz sem titubear: PRÓXIMA
O que você vai fazer com ele quando morrer? E o sofá antigo supermanei-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ro que você tem no escritório? Porque eu vou para faculdade ano que vem
e ele ficaria ótimo no meu quarto, porque não tenho móveis.

Walt, num gesto de desaprovação, cospe no chão e sai da garagem. Em seguida, a expressão de in- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

391
dignação da neta demonstra que o desejo dela por herdar o carro e o sofá era algo normal e natural,
sem perceber que para Walt soou como um pedido indelicado e ofensivo.

De acordo com Bauman,

se os nossos ancestrais eram moldados e treinados por suas sociedades


como, acima de tudo, produtores, somos cada vez mais moldados e trei-
nados como, acima de tudo, consumidores, todo o resto vindo depois
(Bauman, 2005, p. 73).

Nesse sentido, observamos, nesse episódio, que a neta reflete a sociedade de consumo. Walt, por sua
vez, traz valores de um produtor. Essa identidade produtora de Walt é mostrada ao longo do filme, CAPA
CAPA
por exemplo, quando Walt enfrenta os problemas sozinho, quando está o tempo todo consertando
CAPA
as coisas, quando diz que levou mais de 50 anos para juntar todas as suas ferramentas e, principal-
mente, quando se orgulha em dizer que, como funcionário da Ford, foi ele mesmo quem montou o
seu Gran Torino. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Na modernidade líquida, atributos considerados virtudes num produtor, como a aquisição e reten- SUMÁRIO
ção de hábitos, lealdade aos costumes estabelecidos, tolerância à rotina e a padrões de comportamen-
to repetitivos, boa vontade em adiar a satisfação, etc., transformam-se nos vícios mais apavorantes
de um consumidor (Bauman, 2005, p 73). Isso, em grande parte, distancia Walt de sua família, pois FICHA
FICHAFICHA
não só seus netos, mas também seus filhos, agem como consumidores e conduzem suas vidas sob a
égide dos valores consumistas.

Essa desestabilização de Walt em relação a sua família aparece em vários momentos do filme. Por PRÓXIMA
exemplo, quando o filho liga para Walt apenas para saber se o pai consegue ingressos para os jogos
PRÓXIMA
PRÓXIMA
do Lions, quando o filho e a nora tentam colocar Walt em um asilo, desconsiderando sua opinião e
tratando-o como uma mercadoria a ser descartada.

Podemos observar que os valores do consumo tornam-se norteadores das relações humanas. A esse ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

392
respeito, Bauman diz que vivenciamos um “modo reduzido de relacionar-se, ‘menos importuno’”
(Bauman, 2005, p. 77) e que o líquido mundo moderno, é

o mundo em que o aspecto mais importante é acabar depressa, seguir em


frente e começar de novo, o mundo de mercadorias gerando e alardeando
sempre novos desejos tentadores a fim de sufocar e esquecer os desejos de
outrora (Bauman, 2005, p. 76).

Walt não consegue conviver com os valores de sua família. É um homem solitário, que ostenta em
sua casa uma bandeira dos EUA, não gosta de carros japoneses e, acima de tudo, não gosta de seus
vizinhos hmongs. Desenha-se aqui uma personagem que percebe sua identidade fundamentada em
CAPA
valores da modernidade sólida, como o nacionalismo, a raça e um ideal racionalizado das relações CAPA
familiares. Embora Walt relute em aceitar, seus valores estão desestabilizados e são constantemente CAPA
colocados à prova.

O que nós observamos na atitude de Walt em relação aos seus vizinhos hmongs é uma obstinada SUMÁRIO
necessidade de se traçar fronteiras. Walt resmunga o tempo todo reclamando por eles serem seus SUMÁRIO
SUMÁRIO
vizinhos, os evita e sempre diz para se afastarem do seu jardim. De acordo com Bauman,

ao contrário da equivocada opinião comum - as fronteiras não são traça-


das com o objetivo de separar diferenças. Ao contrário, justamente por- FICHA
FICHAFICHA
que se demarcam fronteiras é que, de repente, as diferenças emergem, que
as percebemos e nos tornamos conscientes delas. Melhor dizendo, vamos
em busca de diferenças justamente para legitimar as fronteiras. (Bauman, PRÓXIMA
2009, p. 74) PRÓXIMA
PRÓXIMA
As fronteiras criadas por Walt só reforçaram a diferença. Entretanto, a partir do momento em que
Walt cede e gradativamente remove as barreiras, ele percebe o quanto tem em comum com o povo
hmong. Essa aproximação entre Walt e os hmongs é fruto de uma sucessão de fatos que levaram Walt ANTERIOR
ANTERIOR
a tornar-se amigo do seu vizinho Thao. ANTERIOR

393
Thao aparece inicialmente como o alvo de uma gangue de mexicanos. A gangue o ameaça e insulta.
Thao, diante da violência gratuita, é “salvo” com o aparecimento de uma gangue hmong. Após uma
cena de extrema violência entre as duas gangues, quando armas pesadas aparecem nos dois carros, a
gangue hmong força Thao a entrar no carro. Thao, sem dizer nada, se recusa e segue seu rumo.

Thao foi atacado simplesmente por estar num “território” dos mexicanos. Mais uma vez temos a
construção de fronteiras. De acordo com Bauman, existe nas cidades a tendência de demarcar fron-
teiras, de criar áreas seguras dentro da cidade, áreas em que “não se deve ir”, os chamados “espaços
vedados”. “Vedados porque desencorajam as pessoas a ficar por perto ou impedem sua entrada”
(Bauman, 2009, p.80).
CAPA
As gangues nada mais são do que defensores das fronteiras. Pessoas que foram oprimidas e que en- CAPA
contraram no crime a única forma de se defender e de construírem uma identidade. Quando a gan- CAPA
gue hmong vai até a casa de Thao recrutá-lo, um dos membros da gangue diz:

Olhe, já andei sozinho sem ninguém para me dar cobertura, antes todo SUMÁRIO
mundo queria me bater. Mas agora, ninguém se mete comigo. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Nesse discurso vemos uma busca desesperada por identidade. A gangue foi a única alternativa en-
contrada para esse membro da gangue hmong, estrangeiro e marginalizado, se afirmar como sujeito.
FICHA
FICHAFICHA
Thao aceita ser iniciado e entrar para a gangue. Reafirma-se aqui uma espécie de círculo vicioso em
que os estereótipos são reafirmados. Numa outra passagem a irmã de Thao, diz para Walt:

Garotas hmong se adaptam melhor aqui. As garotas vão para a faculdade PRÓXIMA
e os garotos vão para a prisão. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Notamos que há, até mesmo entre os próprios hmongs, a ideia estereotipada de que só há uma al-
ternativa diante da liquidez social em que vivem. Mais uma vez notamos a criação de fronteiras e
territórios a serem preenchidos. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

394
A iniciação de Thao, que consistia em roubar o Gran Torino de Walt, é frustrada. Walt, armado, conse-
gue expulsar Thao. Fato que aumenta ainda mais sua raiva contra os hmongs. Contudo, alguns dias
depois, após expulsar a gangue hmong do jardim de sua casa, Walt, sem querer, acaba protegendo a
família de Thao, que estava sendo ameaçada. A família hmong começa a colocar arranjos de flores e
comida na porta da casa de Walt, em sinal de agradecimento. Aos poucos, Walt cede e a pedido da
irmã de tal participa de uma festa tradicional na casa dos hmongs.

Ao observar a união da família hmong e a maneira como são tradicionais, Walt diz:

Tenho coisas mais em comum com este povo do que com minha própria
família.
CAPA
CAPA
Percebemos que Walt, ao conhecer melhor os hmongs, abre espaço para conhecer melhor a si mesmo. Algo
CAPA
que ele nunca esperaria acontece: ele se identifica com aquele povo. De acordo com Bauman, os imigrantes,

trazem consigo o horror de guerras distantes, de fome, de escassez, e re-


SUMÁRIO
presentam nosso pior pesadelo: o pesadelo de que nós mesmos, em virtu- SUMÁRIO
de das pressões desse novo e misterioso equilíbrio econômico, possamos SUMÁRIO
perder nossos meios de sobrevivência e nossa posição social. Eles repre-
sentam a fragilidade e a precariedade da condição humana, e ninguém
quer se lembrar dessas coisas horríveis todos os dias, coisas que preferirí- FICHA
FICHAFICHA
amos esquecer. Assim, por inúmeros motivos, os imigrantes tornaram-se
os principais portadores das diferenças que nos provocam medo e contra
as quais demarcamos fronteiras (Bauman, 2009, p. 78). PRÓXIMA
Por ser um homem “durão”, parte da repulsa inicial de Walt era o medo de se identificar, de perceber
PRÓXIMA
PRÓXIMA
que ele também é frágil em meio à modernidade líquida. Com efeito, o diálogo com o diferente lhe
permitiu ampliar a visão sobre si mesmo. Notamos que Walt começou a se sentir mais feliz por estar
em meio aos hmongs. Começou a participar de churrascos, a fazer piadas e, principalmente, come- ANTERIOR
ANTERIOR
çou a estabelecer uma grande e sincera amizade com Thao. ANTERIOR

395
Walt ajuda Thao a ser assimilado entre os americanos, ensinando-lhe a falar e lhe arrumando um em-
prego. Walt, ao quebrar suas próprias fronteiras, rompe com os estereótipos e faz com que Thao não
precise fazer parte de uma gangue para ter sua identidade. Sabemos que romper com as barreiras da
identidade é sempre uma batalha, e apesar de Walt, para ajudar a família hmong definitivamente,
ter precisado dar sua vida para colocar a gangue na cadeia, com o diálogo entre as diferenças, tanto
Walt quanto os hmongs puderam ampliar e estabelecer melhor suas identidades.

Nas palavras de Bauman, ao termos o interesse de nos misturarmos com os diferentes,

abrimos a vida para aventuras de todo tipo, para as coisas interessantes


e fascinantes que poderiam acontecer. Talvez assim se viva algo precioso,
CAPA
algo que não se conhecia antes daquele momento. E é possível fazer novos CAPA
amigos, bons amigos, que estarão conosco pela vida inteira. Mas isso seria CAPA
impensável numa pequena e imóvel aldeia na qual cada um sabe o que
todos os outros estão cozinhando, ninguém surpreende ninguém, e em
SUMÁRIO
que não se espera que aconteça algo de interessante (Bauman, 2009, p.81). SUMÁRIO
SUMÁRIO

C onsiderações finais

Walt, ao abrir espaço para o diálogo, ao se despir dos seus preconceitos, acaba conhecendo melhor FICHA
FICHAFICHA
sua própria identidade. Deslocado, em meio à liquidez da modernidade, Walt viu seus valores to-
marem outras formas: seu país habitado por estrangeiros, seus valores invertidos, sua família deses-
truturada. Desestabilizado, se apegou a símbolos, como a bandeira dos EUA e o Gran Torino, para, PRÓXIMA
dessa forma, sustentar uma tentativa de identidade sólida. PRÓXIMA
PRÓXIMA
A mesma desestabilização é vivida pelas gangues e pelos vizinhos hmongs. Todos fazem parte de uma
mesma modernidade que não se apoia mais em valores estáveis. Tanto a família de Walt, quanto a família
hmong, representam bem os valores líquidos da modernidade. Com efeito, todos precisam aprender a ANTERIOR
ANTERIOR
viver em meio a essa fluidez. Caso contrário, corre-se o risco de vivenciar toda a angústia da época. ANTERIOR

396
Ao se aproximar dos hmongs, Walt reencontra seus valores “perdidos”, e, numa epifania, se identi-
fica com os hmongs, pois enxerga que, mesmo em meio à liquidez atual, há a possibilidade de com-
partilhar uma identidade.

Bauman nos explica que,

as “identidades” flutuam no ar, algumas de nossa própria escolha, mas


outras infladas e lançadas pelas pessoas em nossa volta, e é preciso estar
em alerta constante para defender as primeiras em relação às últimas. Há
uma ampla probabilidade de desentendimento, e o resultado da negocia-
ção permanece eternamente pendente (Bauman, 2005, p. 20).
CAPA
CAPA
Numa sociedade líquida, as identidades também são líquidas. Nesse contexto, percebemos que o
CAPA
homem da modernidade líquida, para poder deixar sua percepção de identidade mais estável, deve
se abrir para o outro, deve praticar e dominar as difíceis habilidades necessárias para enfrentar essa
condição reconhecidamente fluida. Assim, tornam-se “menos agudas e dolorosas as arestas ásperas SUMÁRIO
da identidade, menos grandiosos os desafios e menos irritantes seus efeitos” (Bauman, 2005, p. 20). SUMÁRIO
SUMÁRIO

R eferência
FICHA
FICHAFICHA
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. Identidade. Rio de Janeiro: Zahar, 2005.

BAUMAN, Zygmunt. Viver com estrangeiros. In______ Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Zahar, PRÓXIMA
2009, p. 74-90.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

GRAN TORINO, 2008, Filme. Dir. Clint Eastwood. EUA: Warner Bros.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

397
ROTEIROS DE AUDIODESCRIÇÃO: EM BUSCA DE
UMA VISUALIDADE NO NÃO VER

F lávia M ayer
Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais (PUC Minas) - flavia_mayer@yahoo.com.br

CAPA
CAPA
R esumo 1 CAPA
Já é quase lugar comum dizer que vivemos diante do predomínio cognitivo do olhar. Diariamente,
somos expostos aos mais variados tipos de informação visual: TV, publicidades, projeções 3D, efeitos
SUMÁRIO
especiais do cinema, câmera digital, internet. Mas o que acontece quando pensamos naqueles que SUMÁRIO
não decodificam a informação visual? Eles realmente têm acesso a estas maravilhas? SUMÁRIO

Buscando a efetividade do direito à informação e à cultura, a audiodescrição é um recurso que tor-


na os produtos audiovisuais acessíveis às pessoas que apresentem algum tipo de deficiência visual.
FICHA
FICHAFICHA
Neste contexto, pretende-se aqui discutir o processo e os desafios na elaboração de um roteiro de
audiodescrição, problematizando as especificidades do público para o qual ele se destina.

Palavras chave: Deficiente visual. Imagem. Acessibilidade. Roteiro de audiodescrição. PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

A bstract
It is almost cliché to say that we live on the prevalence of cognitive look. Every day, we are exposed
ANTERIOR
ANTERIOR
1 Pesquisa em andamento financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, Capes. ANTERIOR

398
to many different types of visual information: TV, advertising, 3D projections, special effects in the
movies, digital camera, internet. However, what happens when we think of those who do not decode
visual information? They actually have access to these wonders?

Looking for the effectiveness of the right to information and culture, audio description is a feature
that makes audiovisual products accessible to people who have some type of visual impairment. In
this context, this paper discuss the process of developing a script for audio description, questioning
the specificities of the audience for whom it was intended.

Key words: Visually impaired. Image. Accessibility. Audio description script.

CAPA
CAPA
A audiodescrição CAPA
Atualmente, alguns dos mais relevantes meios de informação e manifestações culturais apresentam-
-se sob o protagonismo crescente da imagem. Tal característica fez com que, em larga medida, as
SUMÁRIO
pessoas com deficiência visual fiquem marginalizadas do acesso a eles. De acordo com Santin e Sim- SUMÁRIO
mons (1977), pelo fato de ter um equipamento sensorial diferente, o deficiente visual, principalmente SUMÁRIO
o de cegueira congênita, desenvolve e organiza as percepções do mundo de maneira distinta da dos
videntes. Além disso, a ausência da informação visual nestes produtos compromete o entendimento
da mensagem, fazendo com que o espectador com deficiência visual perca uma parte importante do FICHA
FICHAFICHA
conteúdo transmitido.

Somando-se a este pensamento, Paternostro (1999) advoga que a imagem possui uma narrativa pró-
pria e, para transmitir a emoção de um momento, o silêncio ou o som original do que está acontecen- PRÓXIMA
do na tela ou no palco valem mais do que frases descritivas. Assim, não se torna necessário descrever
PRÓXIMA
PRÓXIMA
o que o espectador já está vendo (PATERNOSTRO, 1999: 72).

Neste contexto, emergem discussões sobre a diversidade e a busca pelo respeito aos diferentes indi-
víduos ou grupos sociais. Enquanto cidadãos de uma sociedade democrática, nosso desafio é encon- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

399
trar mecanismos que garantam a efetividade do direito à informação e à cultura, oferecendo produ-
tos acessíveis às pessoas que apresentem algum tipo de deficiência visual.

Na tentativa de encontrar respostas a estas questões, um dos caminhos que vem sendo trilhados diz
respeito à audiodescrição. Desenvolvida nos Estados Unidos a partir da década de 70, a audiodescri-
ção consiste em uma modalidade de tradução intersemiótica, ou como também poderemos afirmar,
um recurso pedagógico de tecnologia assistiva orientado para as necessidades de pessoas com defi-
ciência visual, seja ela parcial ou integral. Isto quer dizer que um sistema de signos visuais de pro-
dutos como os audiovisuais, teatro, ópera e dança é convertido em textos sonoros, se apresentando
por meio de uma faixa de áudio extra, integrada ao som original do produto.
CAPA
Tendo como um de seus principais objetivos fornecer informação adicional ao público, a audiodes- CAPA
crição disponibiliza por meio do som detalhes visuais importantes como figurinos, ações, expressões CAPA
faciais, gestos, posturas e características físicas dos personagens, indicação de tempo e espaço. Para
um melhor resultado, essas narrações extras devem ser inseridas nos intervalos entre diálogos e en-
SUMÁRIO
tre ruídos importantes, de modo a não se sobrepor aos efeitos musicais e sonoros já existentes – ex- SUMÁRIO
tremamente importantes para construção da cena. SUMÁRIO

No Brasil, as discussões sobre a acessibilidade culminaram na elaboração de uma legislação espe-


cífica. A Lei nº 10.098, (BRASIL, 2000), conhecida como “lei da acessibilidade”, estipula prazos e
FICHA
FICHAFICHA
regulamenta o atendimento às necessidades de pessoas com deficiência em diversos setores, como
em projetos de natureza arquitetônica e urbanística, de comunicação e informação, de transporte co-
letivo, bem como a execução de qualquer tipo de obra com destinação pública ou coletiva.
PRÓXIMA
No que diz respeito à audiodescrição, após anos de impasse e discussões, desde o dia 1º de julho de PRÓXIMA
PRÓXIMA
2011, as TVs abertas com sinal digital do país estão obrigadas a disponibilizar o mínimo de duas ho-
ras de sua programação semanal com audiodescrição. O recurso da narração deve estar disponível
na função SAP. Além da programação em português, os filmes, documentários e programas transmi-
tidos em outro idioma também tem que estar integralmente adaptados, com dublagem do diálogo e ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

400
voz do narrador.

O deficiente visual como leitor pressuposto dos produtos culturais e informativos

Antes de nos aprofundarmos na discussão dos desafios da elaboração de um roteiro de audiodescri-


ção, cabe-nos lançar uma breve reflexão sobre a questão da deficiência. Enfield e Harris (2003) nos
apresentam quatro modelos de conceituação: o Modelo Caritativo, que entende a deficiência como
um déficit. A pessoa com deficiência é percebida como vítima da sua incapacidade, logo, precisa da
nossa ajuda, simpatia e caridade. O Modelo Médico (ou Individual) encara os deficientes como pes-
soas que têm problemas que precisam ser curados, atribuindo a eles o papel passivo de pacientes. A
CAPA
incapacidade atribuída aos deficientes os imputa a exclusiva responsabilidade de ultrapassar seus CAPA
limites físicos, sensoriais ou intelectuais; o meio social seria isento de qualquer tipo de responsabi- CAPA
lidade. O terceiro modelo, por sua vez, é o Modelo Social, no qual a deficiência é percebida como
resultado do modo como a sociedade está organizada, ou seja, a deficiência não depende apenas do
SUMÁRIO
indivíduo, mas também das condições que o meio social lhe oferece, que pode ser limitador ou ca- SUMÁRIO
pacitador de várias maneiras. Neste contexto, cabe a nós questionar, por exemplo, se um indivíduo SUMÁRIO
com cegueira poderia ser considerado deficiente se, com ajuda de técnicas assistivas, fosse capaz de
apreender de um produto cultural com tantas e tão relevantes informações quanto uma pessoa vi-
dente. Por último, temos o Modelo Baseado em Direitos. Este modelo é semelhante ao Modelo Social, FICHA
FICHAFICHA
porém a assistência aqui não é entendida como uma questão de humanidade ou caridade, mas sim
como o cumprimento de um direito humano básico que todos podem reivindicar. Para fins práticos,
iremos aqui tomar o Modelo Baseado em Direitos como direcionamento conceitual. PRÓXIMA
Ao conceber o deficiente visual como consumidor demandante de informação e cultura – e como um
PRÓXIMA
PRÓXIMA
sujeito que possui o acesso a ambos resguardado por lei - cabe-nos perguntar: os produtos culturais
(cinema, TV, teatro, dança, opera, etc) pressupõe os deficientes visuais como um de seus receptores?
Eles oferecem, de fato, canais de interação com esse público? E mesmo aqueles que disponibilizam ANTERIOR
ANTERIOR
o recurso da audiodescrição, eles realmente procuram apresentar roteiros com uma linguagem que ANTERIOR

401
atenda às especificidades deste público?

Umberto Eco (1983) afirma que um texto postula o leitor como condição indispensável, não apenas
da própria capacidade concreta de comunicação, mas também da sua potencialidade significativa.
Em seu Lector in Fabula (1983), ao analisar as possibilidades e limites da interpretação, Eco deixa
clara a importância de se considerar o outro, implicando um sistema dialógico em jogo. O autor nos
diz então de uma pragmática do texto, ou seja, uma atividade cooperativa que leva o destinatário a
tirar do texto aquilo que ele não diz, mas que pressupõe, promete e implica; em outras palavras, con-
vida o leitor a preencher os vazios deixados propositalmente pelo enunciador. Configura-se, então,
uma cadeia de artifícios de expressão, de não ditos, de condições de êxito textualmente estabelecidas
a serem satisfeitas para que um texto seja plenamente atualizado no conteúdo potencial. A essa es- CAPA
CAPA
tratégia narrativa, Eco descreveu como leitor-modelo.
CAPA
Seguindo esse raciocínio, gerar um texto passa pela previsão, ou melhor dizendo, por um conjunto
de hipóteses sobre o mundo do outro/leitor, de seus movimentos interpretativos em função da pos-
SUMÁRIO
sível resposta que deste se espera. Assim, se em teoria o leitor-modelo é o “leitor máximo”, ou seja, SUMÁRIO
é postulado como o indivíduo que possui o máximo de inteligibilidade, que domina todas as estraté- SUMÁRIO
gias de percepção que o texto dita e, por isso, entende tudo o que o texto diz, não seria nenhum exa-
gero afirmarmos que, frente ao lugar capital que a imagem ocupa em nossa sociedade, o deficiente
visual tanto não é considerado como um leitor-modelo dos produtos culturais/informativos, quanto FICHA
FICHAFICHA
também é negligenciado como um leitor pressuposto. Ou seja, de maneira geral (e ciente de que toda
generalização é perigosa), estes produtos não procuram se adaptar a este leitor, para que ele também
possa ser considerado como um de seus públicos. PRÓXIMA
Contudo, como discutimos anteriormente, a audiodescrição vem se firmando como uma alternativa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
a este quadro. Neste contexto, o audiodescritor torna-se não só fundamental ao trabalho de inclu-
são da pessoa com deficiência visual, como também caracteriza-se como um profissional de grande
responsabilidade técnica e ética. Afinal, quem é o audiodescritor senão um espectador que, em um ANTERIOR
ANTERIOR
segundo momento, é um filtro que recorta, moldura e traduz as imagens exibidas? ANTERIOR

402
Em detrimento disso, muito se discute sobre as técnicas adequadas ao fazer audiodescritivo. Sobre-
tudo após a sua implementação nas emissoras de TV públicas (com sinal digital) no Brasil, diferentes
pontuações foram feitas na imprensa com relação a ela: desde considerá-la uma técnica objetiva, em
que todo o conteúdo na tela é narrado e nenhum detalhe é perdido, até a afirmação de que o usuário
está tendo acesso integral ao produto veiculado. Ora, objeções não faltam a essas asseverações. Seria
mesmo a audiodescrição um recurso objetivo? E mesmo se o fosse, a realidade estaria ali, embalada
e pronta para ser simplesmente assimilada?

R oteiro de audiodescrição : uma tradução intersemiótica


CAPA
Ao elaborar um roteiro de audiodescrição, uma das primeiras coisas que um audiodescritor deve CAPA
ter em mente é que seu trabalho consiste em uma operação de tradução. Segundo Roman Jakobson CAPA
(apud PLAZA, 1987), existem três tipos possíveis de tradução: a interlingual, a intralingual e a in-
tersemiótica. A tradução interlingual é comumente conhecida como a tradução que fazemos de um
SUMÁRIO
idioma para o outro, como do inglês para o português, por exemplo. A tradução intralingual, por sua SUMÁRIO
vez, corresponde a uma reformulação, como acontece nas paráfrases e nas adequações repertoriais. SUMÁRIO
Já a tradução intersemiótica, ou transmutação, foi por ele definida como sendo a tradução que se dá
“na interpretação dos signos verbais por meio de sistemas de signos não verbais”, ou “de um sistema
de signos para outro, por exemplo, da arte verbal para a música, a dança, o cinema ou a pintura, ou FICHA
FICHAFICHA
vice-versa” (PLAZA, 1987: XI). Sendo a audiodescrição o cerne de nossa discussão, nos deteremos a
uma análise mais detalhada sobre a tradução intersemiótica.

No que diz respeito aos procedimentos da linguagem, a tradução se estrutura diante da eleição de PRÓXIMA
preferências e diferenças. Essa característica acentua-se ainda mais na tradução intersemiótica, já
PRÓXIMA
PRÓXIMA
que ela também está sujeita à influência de determinadas alternativas de suportes, códigos, formas
e convenções. Deste modo, a operação de passagem da informação de um plano para outro implica
ao tradutor não apenas o exame da natureza do novo suporte - seu potencial e limites – mas também ANTERIOR
ANTERIOR
“dar o salto qualitativo, isto é, passar da mera reprodução para a produção” (PLAZA, 1987: 109). ANTERIOR

403
Assim, para dar este “salto”, o audiodescritor precisa entender as peculiaridades perceptuais do pú-
blico majoritário a que a audiodescrição se destina: as pessoas com deficiência visual.

Segundo Maturana e Varela (2005), a vida é um processo de conhecimento. Somos constantemente


influenciados e modificados pelo que experenciamos e sentimos, nos levando a construir nosso co-
nhecimento de mundo. Ao se preocupar com a percepção do mundo, o que se tenta conhecer, essen-
cialmente, é o sujeito que o observa - quem é ele, como se sente diante dos fenômenos do mundo,
qual a sua história, em que lugar ele está, o que ele busca, qual o seu sintoma2. Assim, o mais im-
portante à audiodescrição não seria defender uma suposta objetividade, um pretenso contato amplo
com tudo o que está sendo veiculado pelos produtos audiovisuais, tão pouco se prender a uma téc-
nica específica e universal para narrar a informação visual. O fundamental, segundo o viés traçado, é CAPA
CAPA
conseguir provocar nos deficientes visuais sensações que o produto de partida (sem audiodescrição)
CAPA
é capaz de despertar em qualquer outro indivíduo.

Não estamos aqui entrando em uma comparação simplista e, após toda esta discussão, equivocada
SUMÁRIO
entre o tipo de conhecimento despertado nos videntes e nos deficientes visuais. A intenção aqui SUMÁRIO
proposta não é, em absoluto, tomar uma delas como base, como “correta” ou “mais adequada”. Elas SUMÁRIO
pertencem a universos cognitivos diferentes e, por isso, são incomparáveis. O que se quer aqui suge-
rir é a busca pela essência, a essência da imagem, da cena, do filme, ou melhor dizendo a essência da
gestalt da imagem, da gestalt da cena, da gestalt do filme – para citar a teoria de Wertheimer, Koffka FICHA
FICHAFICHA
e Köhler (PERLS, 1977). Ou seja, a audiodescrição é um recurso que possibilita que a pessoa com de-
ficiência visual tenha na “não visualidade” uma “visualidade”. Se ela não tem cultura imagética na
experiência visual direta, é preciso oferecer o que já há na cultura dela (no que ela sabe e sente, mas PRÓXIMA
não vê) para que ela consiga ler a imagem visual. PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
2 “[...] o conjunto das minhas leituras não constitui a minha memória, mas sim o meu sintoma (..). É através dele que
leio, que recebo o livro novo”. (BARTHES-COMPAGNON, 1979, p.189). ANTERIOR

404
A lgumas questões sobre roteiros de A udiodescrição
Como apresentado, a audiodescrição é um recurso que pode ser utilizado nos mais diversos produ-
tos culturas e informativos – Tv, teatro, ópera, cinema, entre outros. Assim, a produção de um roteiro
de audiodescrição possui diversas peculiaridades e diferentes desafios. Para abordar de maneira
mais concreta quais são eles, será utilizado como exemplo o roteiro de audiodescrição no Cinema.

Para este tipo de roteiro, o primeiro passo que cabe ao audiodescritor é assistir ao filme uma primei-
ra vez para conhecer a sua trama. Em seguida, é desejável que faça a minutagem dos intervalos de
silêncio, ou seja, destacar quais são os momentos onde não há fala e/ou sonoplastia. É claro que, em
situações de extrema necessidade, a audiodescrição é passível de sobrepor alguma dessas duas fon-
tes de informação, mas tal ação deve ser evitada ao máximo. Depois de selecionados os espaços para CAPA
CAPA
a inserção das falas da audiodescrição, o audiodescritor deve analisar profundamente cada uma das
CAPA
cenas selecionadas para, depois, pensar sua importância dentro de um contexto maior no filme. Afi-
nal, o que ali é relevante para a para a construção da cena cinematográfica e para o enredo do filme
como um todo? Em seguida, dá-se início ao processo minucioso de operar com as palavras, a fim de SUMÁRIO
que a tradução da imagem seja trabalhada da melhor maneira possível dentro daquele curto espaço SUMÁRIO
SUMÁRIO
de silêncio demarcado.

FICHA
A história está apenas começando FICHAFICHA
Muitos são os desafios que se mostram para as pesquisas sobre as técnicas da audiodescrição. Em um
universo com tantas possibilidades de abordagem, mostra-se necessário uma pesquisa pormenoriza-
da, que aborde as questões relativas à cognição e à tradução intersemiótica. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A audiodescrição surge como uma possibilidade da pessoa com deficiência visual se relacionar sob
novas formas com o universo cinematográfico. No entanto, é muito importante que não se perca de
visa a cultura visual que o deficiente visual possui, seja por já as ter experenciado (cegueira adquiri-
da), seja por suas experiências lingüísticas (cegueira congênita). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

405
R eferências
BARTHES, Roland; COMPAGNON. Antoine. 1979, Lettura. In ENCICLOPÉDIA Einaudi. Turim, Einaudi.

ENFIELD, Sue; HARRIS, Alison, 2003, Disability, Equality and Human Rights: A Training Manual for De-
velopment and Humanitarian Organisations. Oxford, Oxfam e Action Aid on Disability and
Development.

ECO, Umberto, 1983, Lector in Fabula: a cooperação interativa nos textos narrativos. São Paulo, Perspectiva.

MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. 2005, A árvore do conhecimento: as bases biológicas da


compreensão humana. São Paulo, Palas Athena.
CAPA
MAYER, Flávia; SÁ, Luiza, 2010, Diagnóstico de comunicação para a mobilização social: promover autono- CAPA
mia por meio da audiodescrição. Belo Horizonte. CAPA

MAYER, Flávia. 2011, Imagem como símbolo acústico: a semiótica aplicada à pratica da audiodescrição.
Belo Horizonte. SUMÁRIO
SUMÁRIO
PATERNOSTRO, Vera Íris. 1999, O texto na TV: manual de telejornalismo. Rio de Janeiro, Elsevier. SUMÁRIO

PLAZA, 1987, Julio. A tradução intersemiótica. São Paulo, Perspectiva.

PERLS, 1977, Frederick s. et al. Isto é Gestalt. São Paulo, Summus. FICHA
FICHAFICHA
BRASIL. “Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000”. Estabelece normas gerais e critérios básicos para a pro-
moção da acessibilidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida,
e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 20 de dez. 2000. Disponível em: PRÓXIMA
http://www.planalto.gov.br/CCIVIL/LEIS/L10098.htm (acesso em: 10 de abril de 2011).
PRÓXIMA
PRÓXIMA

SANTIN, Sylvia; SIMMONS, Joyce Nesker. “Problemas das crianças portadoras de deficiência visual con-
gênita na construção da realidade”. Disponível em: “http://www.ibcnet.org.br/Paginas/
meios_rbc.html” (acesso em 15/02/2001). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

406
ROTEIROS ROTEIROS ROTEIROS –
MULTIFORMATO EM MULTIPLATAFORMAS

R egina M ota
regina.mota07@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo 1
Os roteiros aqui referidos foram inspirados na máxima de Oswald de Andrade, “no lugar das idéias SUMÁRIO
que matam...” (1928). Isso significa pensá-los como idéias fracas, contingentes e transitórias, refle- SUMÁRIO
SUMÁRIO
tindo as questões implicadas na aquisição, transmissão ou produção do conhecimento. O Espaço de
Aprendizado em Rede — e.AR, plataforma de web multimídia, coloca em operação roteiros em que
os participantes transitam entre textos, imagens, vídeos e áudios, podendo, a cada tópico, contribuir
FICHA
FICHAFICHA
com suas próprias referências, modificando e ampliando o instrumento, bem como o aprendizado e
a qualidade do conhecimento.

Palavras chave: multiformato, plataformas, conhecimento PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Esse artigo é fruto da pesquisa Multiformato em Multiplataformas, aprendizado e conhecimento em rede, com
financiamento do Edital universal do CNPq, desenvolvido no Laboratório de Mídia Eletrônica - Labmídia/UFMG (2010/2012). ANTERIOR

407
A bstract
The scripts that we talk about here were inspired in the Oswald de Andrade’ notion, “instead of ideas
that kill ...” (1928). This means to think of them as weak ideas, contingent and temporary, reflecting
the issues involved in the acquisition, production and transmission of knowledge. The Learning Ne-
twork Space - e.AR, a web multimedia platform, puts into operation routes where participants move
over text, images, videos and audios, and may, in every topic, contribute with their own references,
modifying and expanding the instrument, as well as learning and quality of knowledge.

Keywords: multiformat, platform, knowledge

Conhecer é condição de vida na manutenção da interação ou acoplamentos


CAPA
integrativos com os outros indivíduos e com o meio. Maturana (2002:20) CAPA
CAPA

1. P orque roteiros ?
SUMÁRIO
A plataforma e.AR - Espaço de Aprendizado em Rede - foi desenvolvida na contra-mão dos requi- SUMÁRIO
sitos para a programação de sítios caracterizada por linguagem simples, relações óbvias, interface SUMÁRIO
lógica, conteúdo fechado, personalização do usuário. No e.AR foram privilegiados a pesquisa de lin-
guagem, relações não previsíveis, pesquisa de design de interatividade, produção de conhecimento,
despersonalização e indiferenciação dos interessados, visando a transformação de todos os envolvi- FICHA
FICHAFICHA
dos em roteiristas, criadores de percursos, conexões e conteúdos.

A pesquisa tem como foco a produção de conhecimento no processo de qualificação para projetos
e produção audiovisual em mídias digitais, considerando as passagens entre as telas e suportes, a PRÓXIMA
mobilidade das redes, a interoperabilidade necessária para o funcionamento dos novos processos.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

A palavra chave do desenvolvimento é roteirização, o que significa apostar na ativação de processos,


na qualidade de produtos que se modificam e não se estabilizam ou fecham em um único objeto ou
resultado. Roteiros geram roteiros ad infinitum, pressupondo a condição do aprendizado e, por con- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

408
seqüência, do reconhecimento da contingência do conhecimento.

Assumindo a premissa de Paulo Freire (1967), que o conhecimento não é algo que se transmita, mas
se dá na relação entre pessoas a partir da troca de referências, o espaço de aprendizado em rede
afirma que a inteligência é coletiva e que a vida depende do compartilhamento. Segundo Humberto
Maturana (2002:21), o ser humano precisa compartilhar, por uma necessidade de continuidade entre
o biológico e o social.

Os seres vivos não humanos não competem, fluem entre si e com os


outros em congruência recíproca, ao conservar sua autopoiese e sua
correspondência com um meio que inclui a presença de outros, ao in-
CAPA
vés de negá-los. CAPA
CAPA
No e.AR, a colaboração é o princípio a partir do qual os roteiros são escritos em imagens, sons,
textos, links, fotos ou qualquer outra expressão de linguagem, vista aqui como fenômeno de
interação, capaz de afetar e transformar o espaço e as relações. Entender o roteiro a partir da SUMÁRIO
ideia de percurso permite ampliar o espaço de diálogo e a diversidade de abordagens e práti- SUMÁRIO
SUMÁRIO
cas, expandindo as oportunidades de aprendizado em processos formativos, criativos e produ-
tivos.

A prática não é linear no sentido da apresentação dos conteúdos e de sua discussão, permitindo que FICHA
FICHAFICHA
o usuário se aprofunde ou proponha temáticas que julgue mais pertinentes a seus objetivos. Nos ro-
teiros, é possível articular mídias distintas no mesmo espaço a partir de parâmetros definidos pelo
grupo. Sobretudo, não há um texto ou material pedagógico que não possa ser editado, ampliado ou PRÓXIMA
reorganizado constantemente, de acordo com a identificação das necessidades dos colaboradores, PRÓXIMA
PRÓXIMA
sejam elas pedagógicas ou produtivas.

É, talvez, neste particular que a ferramenta encontre sua principal virtude. O conhecimento ou a
narrativa não são domínios exclusivos do professor, do roteirista, do diretor, etc. O envolvimento, o ANTERIOR
ANTERIOR
acesso às informações e a possibilidade de proposição são oriundos da exploração livre e horizontal ANTERIOR

409
de um espaço em que não existem restrições temáticas ou definições apriorísticas de linhas de pes-
quisa ou desenvolvimento.

Assim, a lógica de emissão/recepção é substituída pela lógica da construção de um conhecimento


genuinamente compartilhado, cujos resultados formativos e produtivos são, eles mesmos, a medida
do aprendizado.

Na figura 1, o percurso proposto é afetado pela intervenção do usuário que promove a sua atu-
alização, ao constelar o trecho do filme de Jean Luc Godard ao conteúdo da página, gerando
conseqüências imprevisíveis. O roteiro Barroco e Antropofagia, ilustrado por Aleijadinho, pelo
trecho do filme de Joaquim Pedro de Andrade se modifica no encontro com as Histoires..., a dizer
CAPA
e afirmar a atemporalidade do pensamento pela imagem que caracteriza o barroco. Aquilo que CAPA
se enuncia, ganha realidade no arco que anula o tempo e o espaço e repensa o próprio conceito CAPA
de história.

No Manifesto Antropófago (1928), um tratado sobre a alteridade, Oswald de Andrade (1995) dialoga SUMÁRIO
com a herança da cultura ocidental, produzindo um descentramento do olhar que impede que as SUMÁRIO
SUMÁRIO
oposições sirvam apenas para marcar dualidades. Numa critica à herança iluminista, Oswald propõe
roteiros no lugar da adesão às “idéias que matam”. O próprio manifesto é um roteiro, pleno de cami-
nhos bifurcados, com falsas entradas e saídas satíricas. É no embate das contradições ou contrapon-
FICHA
FICHAFICHA
tos que o leitor entra com o seu próprio conteúdo, podendo então ser transformado pelo contato com
esse outro dele mesmo, que Oswald faz aparecer. Essa mudança é parte necessária da experiência
cultural, como aquisição de uma consciência.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

410
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

figura1 – Percurso antropofágico


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

411
2. A plataforma

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
figura 2 – Página inicial do e.AR SUMÁRIO
SUMÁRIO
A proposição do e.AR2 não é a de se tornar um espaço normativo para mais uma ocupação virtual,
configurado para aceitação por parte dos professores e alunos. Tampouco numa verticalização do
ensino que refletisse, no âmbito cibernético, a educação-espelho das salas de aula. Caminha-se na
FICHA
FICHAFICHA
contramão de um dogma pedagógico.

Portanto, o tema não é o da educação em geral, e sim o de uma região específica: uma educação
emancipatória, que não pretende atingir as pessoas como agente ou à serviço da expansão utilitária PRÓXIMA
da tecnologia à distancia. PRÓXIMA
PRÓXIMA

2 Espaço de Aprendizado em Rede é a plataforma de ensino à distância desenvolvida no Portal da Fábrica do Futuro,
no intuito de conceber um instrumento de registro e estímulo ao processo de qualificação para o audiovisual. Na esteira de
outras experiências já realizadas pelo Labmídia – Laboratório de Mídia Eletrônica/UFMG – no âmbito da pesquisa de Novos ANTERIOR
ANTERIOR
Formatos para redes móveis e mídias digitais, a proposta da ONG contou com a participação dos seus residentes e de artistas
organizados no Coletivo Durolo/BH. ANTERIOR

412
O e.AR é também fruto da necessidade de criação de uma ferramenta que reunisse a produção à pos-
sibilidade transmidiática de colaboração, ensino, pesquisa e debate, em um contexto onde os proje-
tos audiovisuais precisavam criar um espaço próprio, adaptável a diferentes circunstâncias e capaz
de oferecer a íntegra dos registros a um conjunto disperso (ou não) de pessoas. Além disso, possi-
bilitava organizar os percursos de experimentações com o objetivo de realizar conteúdos culturais
específicos ou filmes baseados numa lógica formativa, através de produção colaborativa. O espaço
opera a partir de uma plataforma na qual são expostas as bases do conhecimento compartilhado e
os objetivos comuns estabelecidos entre os participantes, dali surgem os debates sobre os pontos de
vista expressados.

O desenvolvimento das propostas se dá nas pesquisas e na produção de embriões (testes práticos CAPA
CAPA
que ensaiam os roteiros) acerca do tema. Os recursos expressivos são experimentados e podem ser
CAPA
vistos e avaliados para entender a sua importância enquanto teste de hipótese, na versão final do ro-
teiro do filme, vídeo, aplicativo ou plataforma. O registro da experiência compartilhada gera novos
roteiros produzidos coletivamente, que a despeito das colaborações individuais, tende a se desper- SUMÁRIO
sonalizar e perder a autoria. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Esse rastro iluminado pelo ambiente da plataforma se faz conhecimento e produz alteridade. Aquele
que trilhou os roteiros não é mais o mesmo, bem como o próprio percurso recriado ao longo do pro-
cesso. O e.AR aponta para a necessidade de produção de um conhecimento que seja constantemente FICHA
FICHAFICHA
renovado, instável e aberto. Nesse ambiente não será encontrada uma verdade fixada, mas o pensa-
mento em ato, a criação reflexiva e o produto como uma etapa necessária que não se encerra em si
mesmo. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

3. A s fases de desenvolvimento

Foram necessários 3 anos para que as ideias que ensejaram a criação do e.AR pudessem tomar for-
ma nas interfaces virtuais. A luta foi travada contra as lógicas que ainda dominam o ambiente da ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

413
Internet– a da mídia impressa demonstra que ainda pensamos em páginas para fixar a informação
e o conhecimento; o ensino à distancia que tem como modelo a sala de aula centrada no professor;
as linguagens de programação baseadas em algoritmos que criam transparência e facilidade para o
internauta, por meio de requisitos e modelos previamente determinados. Todas essas questões impu-
nham um roteiro pronto com a possibilidade apenas de se remanejar e adaptar o assunto ao default.
A velha dicotomia forma x conteúdo ainda preside boa parte da produção de conhecimento seja em
que suporte for.

A primeira fase do trabalho se deu na criação de um repertório comum de noções que pudessem ser
comunicadas, já que uma equipe transdisciplinar fala línguas várias. A resistência em aceitar o fato
de que ainda não sabemos ou conhecemos um objeto é igual para todos e é a primeira batalha a ser CAPA
CAPA
vencida. No chão de dialogo, metodologia adotada pelo grupo, todos as visões são válidas e têm que
CAPA
ser expressas para criar a base comum pela troca. Na Residência a distancia entre coordenadores e
residentes foi minimizada por uma escolha consciente – a da visão do outro em detrimento de qual-
quer visão prévia. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Outros desafios se somaram a esse já que os conceitos de Multiformato e Multiplataforma, mal SUMÁRIO
faziam parte dos debates acadêmicos, e ainda hoje se ensaia a relativização do suporte midiático.
Pensar roteiros para web, tablets, televisão simultaneamente e em trânsito vai contra o controle das
emissões, como se vê na pobreza de inovação da TV digital interativa no Brasil. A adaptação das FICHA
FICHAFICHA
interfaces aos novos meios, tampouco significa um avanço de pesquisa de linguagem – a rádio no
tablet, a TV na Internet são formas de resistência à mudança, que implicaria repensar o tempo e o
espaço da programação ainda construída a partir do modelo analógico. PRÓXIMA
Parece que a máxima Macluhiana, “o meio é a mensagem”, não foi ainda digerida. Mcluhan (1969)
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ensina ainda a necessidade de se conhecer a natureza do meio, o que tornaria possível reconhecer
a complementaridade dos circuitos móveis das informações, sem cair nos deslumbramentos fáceis
como os inscritos nas redes sociais. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

414
3.1.e.AR fabrica do futuro

A primeira versão nasceu da demanda da ONG Fábrica do Futuro, com a ocupação do seu portal, que
pretende dar visibilidade à produção audiovisual da residência, em Cataguases/MG (). Com uma
equipe engajada foi possível, com um mínimo de recursos, colocar no ar o Espaço de Aprendizado
em Rede. Estranhamente, a resistência ao espaço partiu dos residentes mais jovens, incapazes de
interagir com a abertura e profundidade das ideias e o esforço da apropriação. Na maré contrária à
“facilidade” entregue pela Internet, o e.AR propunha a dificuldade como etapa fundamental da ge-
ração de uma nova cultura, que considera a qualidade da presença e da ocupação o motor da criação.
Era preciso trabalho para fazer existir o roteiro, cavar com enxada os sulcos da estrada que podia dar
em nada. CAPA
CAPA
Os workshops on line, com a exploração assistida dos percursos, mostrou que os desafios CAPA
eram interpretados como entraves. A expectativa dos participantes era encontrar algo pron-
to e a frustração diante da proposta foi o primeiro feed back. Criar uma cultura coletiva para
SUMÁRIO
produção de conhecimento é o avesso da acessibilidade infinita do conhecimento Google. Nos SUMÁRIO
moldes da Wikipédia, a proposta construtivista foi mantida e aos poucos foi sendo apropriada SUMÁRIO
pelas mais diversas demandas, demonstrando finalmente o seu potencial cognitivo e de pro-
dução de conhecimento.
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

415
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

figura 3 – roteiros multimídia


FICHA
FICHAFICHA
3.2. Festival Ver e fazer filmes

O e.AR foi reelaborado para dar suporte ao Festival Ver e Fazer filmes, que acontece na cidade de
Cataguases, Minas Gerais. O festival reúne profissionais e realizadores de países de língua portugue- PRÓXIMA
sa, na Europa e África com a participação de estados brasileiros. A plataforma possibilitou o contato PRÓXIMA
PRÓXIMA
prévio entre participantes e coordenadores em todos os confins, para a realização dos roteiros, de-
finição de personagens, casting e locações, amadurecendo os relacionamentos para o corpo a corpo
da filmagem, que aconteceu no mês de julho de 2010, cidade sede do festival. Aos percursos de cada
produção se somou os registros de todo o processo, das descobertas, das tarefas de produção e confli- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

416
tos. O e.AR tornou-se um espaço poético, construído coletivamente em torno desse objetivo comum.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

figura 4 – e.AR no festival de cinema, conectando o Brasil, Europa e África


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

417
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

figura 5 – Produção de um roteiro colaborativo on line PRÓXIMA


3.3. Repia 2009/2010/2011
PRÓXIMA
PRÓXIMA

A Residência de pesquisa interdisciplinar avançada – Repia, patrocinada pelo Vivolab com apoio da
Fábrica do Futuro, foi outro teste de ocupação do Espaço de Aprendizado em Rede, permitindo o
acesso de jovens músicos, designers, artistas, desenvolvedores e roteiristas à convivência com espe- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

418
cialistas dispostos a compartilhar o domínio do seu campo específico. A plataforma é o registro dos
encontros e do repertório analisado para o desenvolvimento de projetos criativos, forjados em áreas
de fronteira das diversas disciplinas. Com o espírito coletivo as criações foram surgindo dando for-
ma ao pensamento do grupo.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA
figura 6 - percursos Repia 2011

Em 2010, o Repia contou com a participação de 25 integrantes entre coordenadores e residentes, dan-
do continuidade à proposta da residência tomando para si o desenvolvimento da plataforma. A tare- PRÓXIMA
fa primordial foi a apropriação efetiva do espaço como metalinguagem, como meio e fim. A revisão
PRÓXIMA
PRÓXIMA
da interface, ainda inscrita no modelo do impresso, organizada em páginas, era uma necessidade já
expressa pelos participantes, que se tornaram expertos na edição de conteúdo, criando os próprios
percursos, multiplicados em todo tipo de informação multimídia. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

419
A sala do café expressou a dinâmica que alternava a presença física e virtual, durante os 10 meses
de pesquisa. O trabalho culminou com uma exposição dos projetos criativos, 01 piloto para televisão
digital e a versão beta do e.AR Multiformato, que o público podia operar (fig.7).

CAPA
CAPA
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SUMÁRIO
SUMÁRIO
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Figura 7 – conteúdos constelados em planetas e busca por tags

3.5. e.AR multiformato


FICHA
FICHAFICHA
Criado à imagem do universo, o e.AR multiformato supera, pela interface, o vicio do impresso, e
aposta nas conexões, como sinapses do conhecimento. As esferas planetárias se organizam em cons-
telações, que por sua vez estruturam galáxias, produzindo visualmente a complexidade do conheci-
mento. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Nessa interface a pesquisa pode ser vista simultaneamente, em seus vários aspectos e desdobramen-
tos, com códigos de cores que possibilitam o reconhecimento dos roteiros. Os links visíveis permitem
trazer o conjunto de informações pela busca, em clusters de um determinado conceito ou tema. O
espaço de aprendizado em rede é mutável e sem limites de expansão. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

420
CAPA
CAPA
CAPA

figura 7 – Interconexão sem limites da criação e do conhecimento


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
4.C onclusão
O e.AR aposta na característica da descentralização, ou da “dispersão”, para pensarmos com Vilém
Flusser (2008:65), intrínseca à circulação das novas mídias. Isso significa que as ideias, produtos e ve-
FICHA
FICHAFICHA
tores para novas conexões podem partir de qualquer ponto da rede e não mais de um centro emissor,
de uma fonte única, de um canal ou meio, etc. Do mesmo modo, a figura do professor que tudo sabe
é eclipsada pela construção coletiva de uma inteligência que é compartilhada e, ao mesmo tempo,
adquirida por todos os envolvidos no processo. O olhar volta-se também para o gadget, o dispositivo PRÓXIMA
que permite a visão e criação das imagens e roteiros, bem como liga os fios transversais que correm
PRÓXIMA
PRÓXIMA
entre as superfícies e os indivíduos, como nos alerta Flusser: “Esse tipo de fio é problema técnico, e o
engajamento revolucionário é precisamente o esforço de transformar tal problema técnico em ques-
tão política de primeira ordem. Isto é: fazer com que os fios injetem ‘valores’ na sociedade” (2008:68). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

421
Isso só é possível com a consciência de que as imagens podem servir de mediação para trocas de in-
formação e criação de informação em conjunto com toda a humanidade, rompendo com a clássica, e
ainda desejada por muitos, circulação imagem-homem das mídias e dos processos convencionais de
ensino.

O e.AR propõe ampliar o espaço de aprendizado em rede, forjando um processo de transformação


de mentalidades dentro da cultura convergente. Assim, podemos caracterizar o e.AR deste modo:

1) os processos de formação propostos em multimídia e de desenvolvimento multipla-


taforma não são hierarquizados, centralizados e/ou bancários (uma vez que os usuá-
rios são incentivados a se colocarem no processo de aprendizagem);
CAPA
CAPA
2) o conhecimento pretendido se constrói em rede com intervenção e escolhas, sendo
CAPA
que o processo é o produto, mesmo que sejam geradas outras obras a partir dele;

3) a noção de roteiros é geradora de tudo, porque sem ter um papel centralizador con-
SUMÁRIO
sidera a legitimidade de todos os atores como parte da criação de conhecimento no SUMÁRIO
processo; SUMÁRIO

4) a sua escolha e uso é uma opção política, assumindo que o ato educativo, nesses
moldes libertadores e críticos, é um ato político.
FICHA
FICHAFICHA
O ambiente do e.AR se constitui enquanto virtualidade espacial, provocando a imersão do usuário
no processo educativo. A virtualidade espacial ou a imersão, o tempo assíncrono com a presença do
usuário e a ênfase no movimento que remodela os percursos, são alguns princípios dessa proposta PRÓXIMA
que pretende rever as funcionalidades da educação a distância, apostando na autonomia e na inven- PRÓXIMA
PRÓXIMA
ção como ganhos necessários a qualquer processo de formação e produção de conhecimento.

R eferencias ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

422
ANDRADE, Osvald,1995, Utopia Antropofágica. Rio de Janeiro, Global.

FREIRE, Paulo, 1967, Educação como prática da liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra.

FLUSSER, Vilém, 2008. Universo das imagens técnicas. São Paulo: Annablume, 2008.

MATURANA, Humberto, 2002, Emoções e linguagem na educação e na política. Belo Horizonte, UFMG.

MCLUHAN, Marshall, 1969, Os meios como extensão do homem. São Paulo, Cultrix.

MOTA, Regina (org.), 2010, Cultura da Conexão. Novos formatos para produção de conhecimento. Belo
Horizonte, Argvmentvm.
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SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

423
EU NÃO GOSTO DE SAMBA! UMA
ABORDAGEM ACERCA DAS DIFERENÇAS
PSICOSSOCIOCULTURAIS NO FILME “RIO”.

I sabel O restes Silveira | Mirtes de Moraes | Nora R osa R abinovich


doutora em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e da Fapcom

– Faculdade Paulus de Tecnologia e Comunicação. isasilveira@mackenzie.br | doutora em História Social pela PUC/ SP. Pro-

fessora da Universidade Presbiteriana Mackenzie (UPM) e Professora no curso de Especialização: História, Sociedade e Cultura

– PUC/SP. mirtes@mackenzie.br | Mestre em Psicologia Clínica pelo Instituto de Pós Graduação em Psicologia pela PUC/

Campinas. Especialista em Psicanálise de casal e família pelo Instituto Sedes Sapientae. Professora da Universidade Presbite- CAPA
CAPA
riana Mackenzie (UPM). norarabinovich@hotmail.com
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

R esumo
Através do longa-metragem animado por computador e intitulado Rio: The Movie, esse trabalho FICHA
FICHAFICHA
pretende apresentar o personagem Blue (uma arara-azul macho), que é levado para os Estados Uni-
dos e cresce em Minnesota. Quando jovem volta ao Brasil para acasalar com uma fêmea, pois a espé-
cie está ameaçada de extinção. Nossa reflexão lança luz no roteiro que é permeado pelas discussões PRÓXIMA
complexas que envolvem as relações culturais, ecológicas, urbanas, de gênero e da vida cotidiana. O PRÓXIMA
PRÓXIMA
cenário em que constroem tais relações práticas não é isento das ações sociais que influenciam a co-
municação e os aspectos psicológicos dos personagens. A experiência vivida por eles apontam para
uma reflexão acerca da abertura e acessibilidade ao outro, mas também enfatiza as condições em que
ocorrem os encontros impessoais, por vezes novos, estranhos e surpreendentes, mas acima de tudo ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

424
possíveis de serem transformados.

Palavras chaves: Desenho animado. Migração. Representações. Cultura Brasileira. Comunicação.

A bstract
Based on the computer animation feature film Rio: The Movie, the present research intends to in-
troduce the character Blue (a male blue Macaw), which is taken to the U.S. and grows in Minnesota.
When young, it returns to Brazil to mate with a female, given the species is threatened with extinc-
tion. Our thinking shed lights on the script that is full of complex discussions including cultural,
ecological and urban relationships, as well as those related to gender and daily life. The scenario CAPA
CAPA
in which such practical relationships are built is not exempt from social actions that determine the
CAPA
communication and the psychological aspects from the characters. The experience lived by them
indicates a reflection about being open and accessible to one another, but also emphasizes the con-
ditions under which impersonal meetings occur, sometimes new, strange and surprising, but above SUMÁRIO
all, possible of being transformed. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Keywords: Cartoon. Migration. Representations. Brazilian Culture. Communication.

FICHA
FICHAFICHA
I ntrodução
“[...] Quem não gosta de samba bom sujeito não é
É ruim da cabeça ou doente do pé [...]” Dorival Caymmi PRÓXIMA
A linguagem cinematográfica e em especial a animação que funciona também como entretenimento,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pode por meio dos personagens, dos sinais, dos gestos, das palavras, dos símbolos, das trilhas sono-
ras, das imagens etc., expressar ideias e sentimentos e ainda direcionar ideologicamente as represen-
tações culturais e as diferentes práticas sociais. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

425
Deste modo, a cidade do Rio de Janeiro, será visa pelo animador Carlos Saldanha (1968), como ‘ci-
dade maravilhosa’ - onde se procura mostrar o Brasil para o exterior. De certo modo, um olhar da
cidade visto de cima, seja ele, através dos pássaros, dos pontos turísticos da cidade (Pão de Açúcar,
Cristo Redentor) como também das imagens do Brasil: Carnaval e Samba.

Este artigo pretende analisar o desenho animado de Saldanha, intitulado: Rio - The Movie, focalizan-
do o intercambio de significados culturais e psicossociais que vão sendo partilhados pelos diferentes
personagens. A animação encanta pelo ritmo e pelo colorido, mas também pela dimensão psicológica
e pela representação da realidade, que nesse filme especificamente, instrui significados através da
linguagem e do comportamento dos sujeitos, que convidam o receptor a se reconhecer neles. Outro
ingrediente interessante no filme diz respeito às variadas possibilidades de interpretações dos per- CAPA
CAPA
sonagens para além da cena que projeta a vida cotidiana.
CAPA
Optou-se, portanto, por traçar um itinerário que apresenta resumidamente o filme, para em seguida
esbarrar num jogo de representações que leva em conta algumas considerações sobre os aspectos
SUMÁRIO
psicossocioculturais e a questão da “diferença”. Por esses campos, passa a reflexão das estratégias SUMÁRIO
de construção de estereótipos que tendem a fixação ao longo do tempo. SUMÁRIO

Nossa discussão relativa ao “diferente” aponta para o caráter pedagógico dessa animação, que abre
espaço para continuar o antigo debate sobre valores, crenças, sentimentos e preconceitos enraizados
FICHA
FICHAFICHA
na sociedade, na medida em que a linguagem cinematográfica da animação apresenta um roteiro
envolvente.

Fica fácil perceber que a trilha musical que destaca o samba como um ritmo nacional extremamente PRÓXIMA
sedutor, pode soar no mínimo estranha para o estrangeiro. Blue, ave migrante que fora criada nos PRÓXIMA
PRÓXIMA
Estados Unidos, sendo o personagem principal do filme, consegue chocar seus colegas quando ar-
gumenta de maneira contundente: “Eu não gosto de samba!”. Os animais que o rodeiam se escanda-
lizam, afinal estão no Brasil, em plena semana do carnaval e na cidade maravilhosa: Rio de Janeiro,
cidade do samba. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

426
No clímax da história, a memória de Blue é acionada pela realidade social vivida no seu entorno e o
teor narrativo que finaliza o roteiro, evidencia que Blue, permite ser conquistado pelo samba. Então
sua lógica aversiva ao ritmo local, imposto por uma educação e por uma cultura diferente que lhe
tinha sido inculcado, é subvertida e Blue experimenta a liberdade de viver a vida na sua plenitude,
não só no aprendizado do voo que era seu maior obstáculo, mas ao transcender rompendo precon-
ceitos na aceitação do outro que lhe era totalmente diferente.

1 – C onhecendo o roteiro

Num intenso contraste de cores, música e sensações, provavelmente na floresta da Tijuca no Rio de
CAPA
Janeiro, Blue (uma arara-azul macho) ainda filhote cai do ninho. Ele é levado por contrabandistas, CAPA
para os Estados Unidos. O carregamento com os animais em extinção acidentalmente perde a direção CAPA
e a caixa que acomoda Blue ao cair do caminhão, se perde das demais entregas e é encontrada por
uma garotinha de nome Linda, que cuida da ave com um forte sentimento afetivo.
SUMÁRIO
A Arara Azul então sai de seu habitat (Brasil) e acaba, sem querer, indo parar em outro lugar (Mi- SUMÁRIO
SUMÁRIO
nesota – EUA) se adaptando ao frio e as características culturais do local. Ao mesmo tempo em que
se adapta às formas mais burocratas da sociedade americana perde sua habilidade nata que é saber
voar quando sua dona lhe tratava como animal de estimação e o vestia com alguns acessórios de in-
FICHA
FICHAFICHA
verno para protegê-lo do frio e lhe instrumentalizava com escova de dente e creme dental. Além de
ensinar-lhe a andar pela livraria onde ela trabalhava, Linda ensina Blue a cumprimentar, a entrar e
abrir com o bico sua própria gaiola e a fazer algumas atividades tipicamente imitativas e repetitivas,
nada próprio da espécie. Então ao migrar as suas raízes de origem, a personagem, denuncia a crise PRÓXIMA
que havia se instaurado por sua inadequação a cultura brasileira e sua falta de familiaridade com
PRÓXIMA
PRÓXIMA
os hábitos dos pássaros nativos do local que voavam livremente, ao passo que ele de tão diferente
somente andava.

A trama então se desenvolve sob o âmbito da questão ambiental, particularmente no que se refere ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

427
às aves em extinção. A Arara Azul é uma ave que se encontra nesse processo de desaparecimento da
espécie, e o acasalamento, aparece na animação como saída para o problema. Porém, a fêmea (nomi-
nada de Jade), encontra-se em outro hemisfério: no Brasil.

E em busca do salvamento da espécie, Linda e Blue, voltam ao Brasil, pois um brasileiro de nome
Túlio (Dr. em ornitologia) os convencem a virem ao Rio de Janeiro no período do carnaval:

Sabemos que o carnaval é definido como “liberdade” e como possibilidade de viver uma ausência
fantasiosa e utópica de miséria, trabalho, obrigações, pecado e deveres. Numa palavra, trata-se de
um momento onde se pode deixar de viver a vida como fardo e castigo. É, no fundo, a oportunidade
de fazer tudo ao contrário: viver e ter uma experiência do mundo como excesso – mas agora como
CAPA
excesso de prazer, de riqueza (ou de “luxo”, como se fala no Rio de Janeiro), de alegria e de riso; de CAPA
prazer sensual que fica – finalmente – ao alcance de todos. (DAMATTA: 1986,49) CAPA

É nessa grande festa popular, que faz parar a cidade por conta dos “qua-
tros dias de folia e samba”, que Blue, Linda e Túlio, encontram pessoas SUMÁRIO
fantasiadas nas ruas, possuídas de uma alegria que ao mesmo tempo se SUMÁRIO
SUMÁRIO
lhes apresenta estranha (para o olhar estrangeiro) como também cativan-
te e contagiante. Nesse período os personagens, a semelhança do próprio
carnaval, também vivem tudo em excesso: os conflitos, as tentativas de
FICHA
FICHAFICHA
conquistas, os sequestros, a violência, as perdas, os encontros, os reencon-
tros e o recomeço.

PRÓXIMA
2 - Os aspectos psicológicos dos personagens
PRÓXIMA
PRÓXIMA
É importante destacar que Blue, é capturado e levado para longe, perde a proteção e o símbolo do
enraizamento. Numa terra desconhecida, inicia-se assim, sem escolha, um novo rumo na trajetória
da sua vida, como acontece com muitos dos que migram. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

428
Linda, que o encontra lhe devolve o sentimento de segurança e lhe promete: “eu vou tomar conta de
você”. Figurativamente Linda lhe proporciona um novo ninho, um forte suporte para a adaptação e
integração ao novo lugar e à nova realidade. Tornam-se melhores amigos. Linda é para ele a figura
de apego, como a entende o psicanalista Bowlby(1998:38): “o comportamento de apego é interpre-
tado como qualquer forma de comportamento que resulta na consecução ou conservação de outra
diferenciada e preferida”. Presente em muitas espécies animais contribui para a sobrevivência do
filhote, quando este está em contato com seu provedor de cuidados e enquanto não está apto para
cuidar de si mesmo.

Entre os padrões de apego, como os denomina Bowlby (1998) encontra-se o ‘Apego seguro’: o sen-
timento de confiança na disponibilidade de ajuda, de resposta e sensibilidade caso a situação seja CAPA
CAPA
adversa, promovendo proteção e conforto.
CAPA
Assim, Linda ajuda Blue a amenizar as consequências da situação traumática e de crise promovida
por ter sido arrancado de suas origens. Tão forte torna-se o vínculo que durante o começo da histó-
SUMÁRIO
ria, um não fica sem o outro, Linda dá o nome de Ararinha Azul à sua livraria, como um símbolo de SUMÁRIO
identificação e profundidade emocional do vínculo entre estes dois seres ‘não iguais’. SUMÁRIO

O cuidado e a maternagem estão presentes, Linda até desiste de sair para não deixar Blue sozinho
ou com alguém: “[...] não confio em ninguém para ficar com Blue”. Esta fala no filme relembra as di-
FICHA
FICHAFICHA
ficuldades de algumas mães que ao sentir que seu bebê cresce, resiste a deixa-lo em outros ambientes
e com outras pessoas.

Linda também se sente a única capaz de protegê-lo. Esta proteção parece ser reforçada porque Blue PRÓXIMA
está em outro lugar, em outra terra, sem outras referências além da própria garota. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Provavelmente esta seja mais uma das migrações que Blue irá passar na vida: o desenvolvimento hu-
mano pode ser considerado uma sucessão de migrações, mudanças e transformações, ‘abandonando
portos seguros’ para atingir novos horizontes: o nascimento, o crescimento, as despedidas e até a ANTERIOR
ANTERIOR
própria morte. ANTERIOR

429
Em sentido estrito a ideia de migração está relacionada a saídas do lugar de origem, muitas vezes
forçadas. Fenômeno histórico frequente: ora produto de perseguições religiosas, raciais, de repres-
sões políticas e ideológicas, ora de condições econômicas penosas. Outras vezes o exílio é resultado
da fúria da Natureza. Atualmente a migração tem sido motivada pela globalização, somos nômades
em um mundo sem fronteiras.

Se bem que em toda situação migratória possui um colorido particular, em determinado momento
parece apresentar-se como o ‘único caminho possível’, provocado por circunstancias externas ou
inerentes ao indivíduo. Quando emigrar se dá como ‘opção’ realizada numa situação de emergên-
cia, existe uma ameaça real ou potencial à sobrevivência física e/ou psicológica do indivíduo.
Depara-se com a realidade de estar fora do conforto, do calor do ninho, e da ‘segurança’ que oferece CAPA
CAPA
a homogeneidade.
CAPA
Pensar no termo estrangeiro nos remete a outro país, outro lugar, outra língua, outro modo de estar
na vida, de fluir, de experimentar o prazer. Estamos diante do universo do heterogêneo, onde o es-
SUMÁRIO
trangeiro introduz a alteridade. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Como uma ferida, a migração constitui uma experiência traumática e de crise, e não se trata de uma
experiência isolada, que se manifesta apenas no momento da partida e da separação do lugar de
origem, ou do momento da chegada ao novo lugar: consequências psíquicas ou somáticas poderão
FICHA
FICHAFICHA
manifestar-se no início do processo ou ter um período de latência variável, entre o fato em si e os
seus efeitos observáveis, levando a lutos adiados.

Em jogo estão a estrutura de personalidade do sujeito, as diversas circunstâncias que promovem a PRÓXIMA
migração, assim como as condições do novo lugar entre outros. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Blue e Linda, Linda e Blue, acostumados um ao outro, crescem juntos. A chegada do ornitólogo, Tú-
lio, e o pedido de volta ao Rio “desordena” esta amizade, traz o terceiro, o novo, o estranho, e agora
o estrangeiro entra em cena novamente, no personagem de Túlio. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

430
Para Blue, voltar para o Rio evoca o medo de outra cultura, apesar de ser a sua de origem, agora
se tornou estranha, o sentimento parece expressar-se assim: ‘não sou daqui nem sou de lá; mas sou
daqui e sou de lá’. Na transculturação, entra-se em contato com a ameaça inconsciente de perder de-
finitivamente as características que fazem de cada indivíduo o que ele é: o sentimento de identidade
e pertencimento.

A cultura, em todas as suas nuances, a língua e o entorno tornam-se símbolos desta identidade. Esta
tem uma conotação psicossocial, que denota uma aptidão comum a um grupo e um compartilhar de
certo caráter essencial com os outros: a capacidade do indivíduo continuar sentindo-se o mesmo na
sucessão de mudanças é a base da experiência emocional da identidade. O sentimento de pertenci-
mento é a manifestação de cada membro do grupo que integra o eu familiar e o ‘eu nacional’: marca CAPA
CAPA
‘tranquilizadora’ que remete a certa origem.
CAPA
O antigo e o novo comparecem propondo o desafio do que é possível construir a partir da perda. O
antigo é o fato de ter habitado um lugar, de tê-lo amado, de haver feito uma unidade com ele, com
SUMÁRIO
sua história, de ter mergulhado em suas paixões, sejam elas fundadas ou absurdas. Blue foi arranca- SUMÁRIO
do do seu lugar ainda filhote, alguns desses sentimentos podem não ser conscientes para ele, mas a SUMÁRIO
marca da origem, mesmo assim ficou plasmada no inconsciente.

Assim, o antigo, pode-se referir as coisas que eu fiz e fizeram de mim o que eu sou. É o eixo onde o
FICHA
FICHAFICHA
‘eu’ e o ‘nós’ se articulam em uma sucessão de acordes e de oposições, onde se enlaçou o que a filia-
ção pode ter de livre e de alienante.

Quando Linda resolve ir para o Brasil com Blue para garantir a sobrevivência da espécie das araras PRÓXIMA
azuis, duvida e teme o que se traduz num diálogo: “[...] eu prometi que ia cuidar de você para sem- PRÓXIMA
PRÓXIMA
pre [...] Eu também estou com medo” [...].

Já na chegada ao Brasil, durante os preparativos do Carnaval carioca, volta o clima de sensoriali-


dade do começo do filme: o sol, a música contagiante, as pessoas transpirando liberdade no Rio de ANTERIOR
ANTERIOR
Janeiro. Túlio, Linda e Blue, atravessam de carro uma avenida na orla da praia, quando duas aves ANTERIOR

431
se aproximam e querem líbertar a Arara Azul da gaiola. Mas Blue afirma: ‘adoro gaiola’. Para quem
não sabe voar a gaiola é um lugar seguro e protegido muito mais numa terra estranha.

A chegada do estrangeiro remete ao fato de que o indivíduo não é conhecido nem reconhecido pelo
olhar do outro, tampouco ele reconhece os que o rodeiam. Há uma quebra na relação especular e a
imagem que lhe é devolvida é a da diferença. As aves acham engraçado o modo de falar do gringo,
brincam por ele ter que usar fator solar 30, mas o acolhem e aconselham ao saber o motivo da sua
vinda ao Brasil, até lhe ensinam o modus operandi da conquista.

A chegada de Blue, agora estrangeiro parece ser dada por esse momento de estranheza e acolhimento,
diferença e inclusão. Assumir um novo papel, um novo lugar, ser capaz de desenvolver sentimentos
CAPA
de pertencimento e adaptar-se, significa direcionar a energia psíquica, “[...] é premente criar novas CAPA
raízes e dar ao provisório a densidade e a espessura da vida” (VIÑAR: 1992,34). CAPA

No novo lugar, quando o processo de elaboração decorre satisfatoriamente, o enriquecimento psi-


cológico proporcionará um aumento da capacidade criativa, o sujeito terá impulsos reparatórios e SUMÁRIO
construtivos para consigo mesmo e refletirá isto nos seus vínculos. Em certo sentido a elaboração da SUMÁRIO
SUMÁRIO
perda ou da distancia do lugar originário é um processo que nunca termina, mas é possível chegar a
um ponto que permita integrar-se ao novo meio, à sua cultura, à sua língua até senti-los como parte
de si mesmo e simultaneamente ter uma relação positiva com sua origem sem ter que renunciar à sua
FICHA
FICHAFICHA
‘herança’.

Chega um momento no qual é possível acolher internamente os dois lugares de maneira discrimina-
da, como dois tempos: o antes e o agora. Isto favorece a reorganização e a consolidação do sentimento PRÓXIMA
de identidade que permitirá que cada indivíduo seja ele mesmo apesar das mudanças, e superando PRÓXIMA
PRÓXIMA
a crise lhe possibilite certo ‘renascimento’.

Depois das peripécias entre desencontros, perigos e perseguições, Linda e Túlio reencontram Blue,
que por sua vez reencontra a arara fêmea, Jade. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

432
Neste momento o desejo de ambos está sincronizado, criam um novo vínculo, um torna-se para o
outro a figura de apego seguro: “A manutenção inquestionada de um laço é vivida como uma fonte
de segurança, e a sua renovação, como uma fonte de alegria.” (BOWLBY: 1998,40).

Para Blue à volta à floresta, a conquista do voo, o desenvolvimento de uma família e o resgate da pró-
pria história subsidia a construção do presente e do futuro: a experiência migratória constitui uma
situação privilegiada, onde poderemos sintetizar dois mundos, dois universos, duas significações.

É no conflito das diferenças, que podemos nutrir-nos de uma diversidade contraditória, afastando a
ilusão da completude. Esta ideia remete ao lugar do estrangeiro. E pensar na condição de estrangeiro
é possibilitar a diferenciação como direito constitutivo. Como diz Viñar: “Há no interior de cada um,
CAPA
a possibilidade dialética de estar em casa e de ser estrangeiro”. (VIÑAR:1992,37) CAPA
CAPA
E por que não poderíamos vir a ser estrangeiros de vez em quando?

SUMÁRIO
3 – R elações culturais SUMÁRIO
SUMÁRIO
Tem-se insistido no fato de que Blue muitas vezes evidencia a dificuldade de se sentir em casa ou
de adaptar-se ao novo ambiente, especialmente por que ele assume vários traços personalísticos que
se atrelam a uma sociedade de conforto e consumo. É possível, por exemplo, encontrá-lo de modo
FICHA
FICHAFICHA
descaracterizado, se deliciando ao molhar bolachas em chocolate quente.

O filme Rio foi indicado ao Oscar em 2012 para melhor canção original ‘Real in Rio’ cantada por
Sérgio Mendes e Carlinhos Brown, e transborda o ritmo quente do Brasil1. Outras canções que com- PRÓXIMA
põe a trilha sonora da animação se reservaram a um caráter mais intimista numa batida mais bossa PRÓXIMA
PRÓXIMA
nova, esse ritmo que tanto encantou os Estados Unidos, especialmente a música de Tom Jobim em
‘Garota de Ipanema’ se destacou nas vozes de vários cantores americanos como Frank Sinatra, Sarah

1 Na década de 40, atrelado a “política da boa vizinhança” entre Brasil e EUA foi criado nos estúdios da Walt Disney ANTERIOR
ANTERIOR
a personagem Zé Carioca, que representavam (de maneira estereotipada)o brasileiro: divertido, festeiro, vagabundo e
preguiçoso. Na animação: Rio, há um encontro e reforço dos estereótipos colocados entre as animações. ANTERIOR

433
Vaughan e Stan Getz.

Com reducionismos a parte o filme mostra que é quase que impossível não gostar de samba, descon-
fiando do que Blue disse num momento de pânico - título proposto para essa apresentação.

Nota-se que esse ritmo tão brasileiro que se destaca tanto no filme que é o samba, sem querer nos
contagia e nos seduz. Quando menos notamos estamos chacoalhando o corpo, do mesmo modo Blue
percebe o ritmo, a liberdade e o amor. “Sentir com o coração” essas são as palavras do Tucano quan-
do num diálogo com Blue fala sobre como é voar (vale lembrar que Blue não sabia voar), e o amigo
lhe adverte: “O voar não deve vir da cabeça e sim do coração, deve-se sentir, assim como o samba”.

Voar, de uma forma mais genérica, se traduz na sensação de liberdade, fora de normas e regras e que CAPA
CAPA
de uma maneira bem particular se assemelha as características do Brasil.
CAPA
Essa alocução pode nos levar a uma questão já levantada pelo historiador Sérgio Buarque de Holan-
da (1902–1982) que caracteriza como grande traço da identidade nacional brasileira a ‘cordialidade’.
SUMÁRIO
Cordial, ao contrário do que muitas pessoas pensam, não se relaciona ao caráter do brasileiro em ser SUMÁRIO
gentil ou até mesmo amável, mas o cordial levantado por Sergio Buarque vem atribuído à sua etmo- SUMÁRIO
logia - cordis palavra que vem do latim – coração – e por sua vez, traz características carregadas de
emoção. (HOLANDA: 2008,75)
FICHA
FICHAFICHA
O envolvimento que se estabelece entre as pessoas no Brasil acentua ainda mais esse traço perso-
nalístico do brasileiro em que as pessoas se saúdam com abraços, apelidos, diminutivos apertando
os laços de intimidade entre as pessoas e rompendo com formalidades. Esse jeito de ser de muitos
brasileiros surpreende outras nações que se organizam mais convencionalmente, podemos perceber PRÓXIMA
essa questão apontada na animação entre EUA e Brasil.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

O filme apresenta questões presentes no Brasil: favela, pobreza, contrabando, macaquinhos rouban-
do turistas, apresentando um país desordenado, que aos olhares estrangeiros, reduz e traduz Brasil
à bagunça. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

434
Se a cidade apresenta-se por seus contornos de forma maravilhosa, a sua organização não é a das me-
lhores. Ressaltando assim mais um traço de convergência aos estudos de Sérgio Buarque de Holanda
em que todo esse estado de informalidades resulta de uma cultura personalista e patrimonialista,
sendo que no Estado Brasileiro, o funcionário “patrimonial” - é aquele cuja gestão política volta-se
sempre para os seus interesses particulares e não como no Estado Burocrático, que para se constituir
de forma expressiva, justa e eficaz, deve se despir de todas as particularidades, subjetividades, laços
de parentesco, sejam eles biológicos ou afetivos. (HOLANDA: 2008,78)

Porém a burocracia que organiza o Estado padroniza as relações culturais, ou seja, as manifestações
culturais sofrem com o aprisionamento das regras, desta forma o Brasil por ter se constituído de for-
ma tão irregular mostra-se de forma colorida e solta. CAPA
CAPA
Talvez, esse colorido a qual a animação se refere aparece como efeito de toda forma de organização CAPA
desordenada da sociedade brasileira. A grande população, diante das dificuldades das formas de
organização, inventa novas formas de sobrevivência. Essa invenção acaba driblando as dificuldades
SUMÁRIO
enfrentadas e inventando novas formas de vida mais criativa. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Porém essa relação ambígua que se estabelece no Brasil entre a valorização pela sua cultura plural e a
desvalorização da sua organização pode ser vista de maneira preconceituosa, associando o brasileiro
a malandragem e ao famoso chavão “jeitinho brasileiro”. É possível entender essa relação ambígua
FICHA
FICHAFICHA
no Brasil, no fragmento que segue:

Ordem dificilmente imposta e mantida, cercada de todos os lados por


uma desordem vivaz [...]. Sociedade na qual uns poucos livres trabalham PRÓXIMA
e outros flauteavam ao Deus dará, colhendo as sombras do parasitismo, PRÓXIMA
PRÓXIMA
dos expedientes, da sorte e do roubo miúdo” (CÂNDIDO,1998:47).

Deste modo, como aponta o professor Antonio Cândido, ‘a ordem’ estabelecida na sociedade brasi-
leira, foi o de priorizar o processo de imigração e consequentemente os melhores tipos de trabalhos ANTERIOR
ANTERIOR
eram reservados aos europeus que trazia consigo o ideal de branqueamento para o Brasil, porém, ANTERIOR

435
com esse projeto, se instaurou uma ‘desordem vivaz’, que pode ser pensada como efeitos desses
processos, em que nessa organização deixava de fora os ex- escravos e forros, fazendo com que os
mesmos inventassem formas nova de sobrevivência.

O gingado do samba e do futebol que são as marcas do Brasil afora deve ser pensado dentro dessas
características particulares para não cair num estereótipo associando e reduzindo o Brasil apenas
ao samba, ao carnaval e a mulher bonita. Os gestos do povo, sua cordialidade, toda mistura, todo
sincretismo que mistura os paradoxos: malandragem e organização, trabalho e lazer, comportam a
multiplicidade e a complexidade das misturas de um passado que se alarga para o futuro, apontando
para a constante mudança e beleza da nossa cultura. Assim, pensar criticamente essa animação, se
faz presente, pois ao invés de colocar essas relações num senso comum, é necessário buscar formas CAPA
CAPA
de entendimento para se entender essa relação e não apenas sobrevoar esse cenário.
CAPA
Então para alargar esse diálogo, pode-se observar as relações socioculturais de diferença, e para os
universos que dizem respeito aos laços afetivos apontados na animação.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
4 - R elações socioculturais de diferença

Geralmente toma-se conhecimento das sociedades por meio de suas manifestações oficiais que sur-
gem nas vozes cultas, nos espaços artísticos, ou nas expressões mais corriqueiras e populares que FICHA
FICHAFICHA
são exibidas nas mídias. Mas nesse filme, o roteiro revela o drama que ora embarga e nos emociona
evidenciando a realidade que existe concretamente no interior da sociedade: as leis, ideias relativas
à família, a sexualidade; nosso amor ao futebol, a música popular, o carnaval, a praia, o transporte, PRÓXIMA
a moradia misturada, e o contato afetivo com os amigos e com que vem de fora. O que esse propõe a PRÓXIMA
PRÓXIMA
dizer é que a sociedade brasileira no contexto do filme Rio apresenta o Brasil que se recusa a viver a
vida de forma homogênea e planificada em todas as suas esferas.

Toda essa realidade se faz possível perceber nessa animação, que aponta dois universos. Um mundo ANTERIOR
ANTERIOR
habitado em meio a muitos perigos entre os animais e outro, paralelo, vivenciado entre os humanos. ANTERIOR

436
Os grupos são formados pelo maniqueísmo dos personagens do ‘bem’ que lutam na tentativa de re-
encontrar as aves que foram roubadas pelos personagens do ‘mau’. Ambos os universos são perme-
ados por experiências sociais variadas.

É importante notar que as diferenças culturais como raça, gênero, idade, classe social, ocupação etc.,
estão presentes em todas as narrativas, e os fatores históricos e econômicos da população carioca
fica exposta no filme, através do apelo constante que denuncia o contraste: paisagem urbana cercada
pelo sol, praia e mar, mas também cercada pelos morros e suas inúmeras favelas em busca de um
ajustamento à cidade.

No aglomerado da favela, a privacidade é porosa e nesse contexto as relações interpessoais são vi-
CAPA
síveis pela proximidade das moradias. Em uma delas o jogo de futebol, Brasil e Argentina (rivali- CAPA
dade presente em ambas às culturas) é visto por um grupo de homens. É possível argumentar, que CAPA
o futebol no Brasil vai além de uma simples modalidade esportiva, para se configurar-se como um
fenômeno social e um importante elemento da cultura.
SUMÁRIO
O futebol brasileiro visto como uma prática social, também se constitui SUMÁRIO
SUMÁRIO
num meio pelo qual os indivíduos expressam determinados sentimentos
[...] o fato de torcer por um time mesmo quando esse não ganha títulos
durante muitos anos pode ser vivido como um teste de fidelidade. Supor-
FICHA
FICHAFICHA
tar as gozações de torcedores contrários após uma derrota põe à prova a
paixão pelo time, mesmos nos momentos difíceis. Vencer um jogo contra
um time tecnicamente mais forte reaviva a crença em um ser superior que
realiza milagres. (DAÓLIO: 1997,122). PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Por isso, o filme explora esse momento apresentando os torcedores brasileiros fitos na tela, os quais
aguardam ansiosos pelo momento tão esperado do gol. Nesse contexto Blue e Jade, numa fuga ex-
traordinária, invadem a cena e passam rapidamente pela casa sem serem notados, e na saída pelo
telhado, conseguem estragar a antena de transmissão, interrompendo o jogo para a frustração dos ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

437
que assistiam ao jogo na TV.

Nessa riqueza simbólica que o filme explora, podemos notar que a classe social mais abastada é
representada pela mulher norte americana, Linda; de pele branca, sensível ao sol e por Túlio, cuja
titulação acadêmica lhe atribui status de pesquisador. Túlio, embora inteligente é pouco eficiente na
vida prática, reforçando o estereótipo social do homem culto porém atrapalhado. Reparem que am-
bos são apresentados como intelectuais, em contraste com o garoto Fernando, que é órfão, mora nas
ruas do morro, é mulato e rouba para ganhar dinheiro.

O menino se arrepende de ter roubado as aves para o tráfico, e ao se apresentar para ajudar a recu-
perá-las, Túlio adverte Linda diminuindo o garoto ao dizer: “você não conhece esse menino, não dá
CAPA
pra confiar nele”. CAPA
CAPA
Linda dá crédito a criança, mas de partida não deixa claro se ela supera ou não o preconceito e o dis-
curso da desconfiança. Fica explícito que a atitude transgressora do menino estava relacionada a seu
esquema de sobrevivência que o prende para o lado da miséria e da escassez. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Os demais homens ganham destaque, pois são ardilosos contrabandistas. O líder do grupo é Marcel, SUMÁRIO
traficante de animais e dono de uma Cacatua, (ave ressentida), que a semelhança de seu dono, é vio-
lenta, perversa e explora as demais aves e ameaça os animais pela imposição da força bruta.
FICHA
FICHAFICHA
As relações de gênero no filme se tornam bastante interessantes tanto no universo humano como na
metáfora animal. A força emocional e psicológica de Linda aparece num crescente processo diante da
sua aparente fragilidade e insegurança inicial. A ave Jade ao contrário se mostra segura e decidida
diante dos obstáculos e dos desafios. Ela ainda se faz obstinada em contraste com Blue que havia PRÓXIMA
experimentado a assimilação da cultura americana e pior, experimentado toda a sorte de “humaniza-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ção”. No contato com outras aves, a malandragem deles logo fica evidente em oposição com o recado
de Blue, especialmente quando apaixonado, tenta se aproximar de Jade.

Já dissemos que Blue e Jade estão acorrentados juntos e tentam desesperadamente cortar as ferragens ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

438
que dificulta a fuga de ambos, mas vale destacar, que durante o percurso de fuga, encontram vários
filhotes de tucanos, filhos de Rafael e de Eva. Nesta cena, o roteiro aponta para uma dinâmica fami-
liar que muitos se identificam, especialmente na criação dos filhos atribuído ao papel do feminino.
Os filhotes são indisciplinados e o pai reconhece que eles “são terríveis” e somente consegue impor
um limite mediante a ameaça de denunciar a bagunça deles ao “contar para a mãe”. A mãe é brava e
o pai é mais flexível, para não dizer que a paternidade aqui é vista como frouxa.

Afinal, para poder respirar livremente, “o papai precisa de uma folga”. O tucano Rafael se dispõe a
acompanhar o casal a uma oficina mecânica (pretexto para sair de casa). Somente o buldogue Luiz,
poderia livrar o casal das correntes que os unia. Mas, a artimanha masculina de sair de casa precisa-
va ser consentida pela esposa e, para isso, Rafael a seduz cantando a canção “Garota de Ipanema”. CAPA
CAPA
Canção que aflora a memória do casal pelo romance que ambos viveram no passado. Assim ele con-
CAPA
segue com que a esposa o libere.

O modelo que preside nessa formulação é o da família nuclear monogâmica, constituída pelo pai que
SUMÁRIO
sustenta a casa e pela mãe que cuida da casa e dos filhos. Os personagens adultos, em seus papéis SUMÁRIO
respectivos, manifestam que a sexualidade é ‘aprendida’, ou melhor, é construída, ao longo de toda SUMÁRIO
a vida e de muitos modos, que envolvem processos culturais de habito, ritos, linguagem, e represen-
tações de toda ordem.
FICHA
FICHAFICHA
Como dito, os novos amigos de Blue, como o tucano Rafael e os outros pássaros que os acompanha-
vam, percebem a dificuldade dele na sua aproximação com Jade e o estimulam em seu romance.
Algumas dicas são apontadas e podemos observar nos diálogos algumas expressões como: “não vá
amarelar na frente da menina”. Essa fala dita por Rafael foi um estimulo a Blue, para que mesmo PRÓXIMA
acorrentado com Jade, superasse o medo de voar. Fica implícito que o papel masculino esperado,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
deve sempre impor como atributo, a coragem e a força.

Pedro por sua vez, (ave cantora de crista vermelha, típica do Rio de Janeiro e alvo de tráfico ilegal)
sugere uma abordagem em forma de um funk para que o romance entre as araras se dê, e canta de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

439
forma mais enfática e repetitiva: “Garanhão, pega mina de montão”. Aqui outra vez, o papel do
conquistador fica evidente. Imediatamente o tucano intervém dizendo que “assim estava pesado
demais”, daí, Nico (pássaro conhecido como Canário-da-terra) insiste dizendo a Blue que “mulher
brasileira gosta de homem que se garante” e lhe avisa: “faça o olhar de gavião [...]”.

Mas é no assovio de uma canção romântica que Jade começa a se interessar por Blue. Então o discur-
so revela que a fórmula para a conquista da mulher brasileira é pela via do romantismo.

Essa colaboração que Blue, recebe do grupo na conquista por Jade, é também uma manifestação da
cultura e podem ser visibilizados no cotidiano, quando o afeto se estende para com os amigos e esses
se tornam cúmplices dos segredos, das aventuras e na confiança mútua, os amigos adentram nossas
CAPA
casas. CAPA
CAPA
Daí que o clímax do roteiro é apresentado durante o desfile das escolas de samba, durante as festivi-
dades do carnaval carioca.
SUMÁRIO
Todos os sistemas constroem suas festas de muitos modos. No caso do SUMÁRIO
Brasil, a maior e mais importante, mais livre e mais criativa, mais irre- SUMÁRIO
verente e mais popular de todas é, sem dúvida, o carnaval. Aliás, nessa
festa, a própria definição já perturba, pois excluem de modo sistemático
todos os elementos que nenhuma festa pode dispensar e que são impor- FICHA
FICHAFICHA
tantes para o seu próprio desenrolar. Quero referir-me a todos os elemen-
tos de ordem, de economia e política que o carnaval certamente implica
– como todo evento especial –, mas que ficam necessariamente excluídos PRÓXIMA
de sua definição. De fato, conforme sabemos como brasileiros, o carnaval PRÓXIMA
PRÓXIMA
não pode ser sério. Senão não seria um carnaval. (DAMATTA: 1986,47)

Não gostar de samba, portanto, seria a negação da capacidade de deslumbrarem-se com a cultura
brasileira, que durante a festa popular como o carnaval consegue conciliar a liberdade e a alegria do ANTERIOR
ANTERIOR
povo com os elementos lúdicos, as efervescências culturais, as heterogeneidades, os processos dinâ- ANTERIOR

440
micos que se renovam, mesclam e se envolvem no interior da sociedade.

O filme consegue enfim, despertar o receptor, para o grande desafio de aceitar as contradições e as
diferenças socioculturais do povo brasileiro na medida em que permitimos “[...] fazer do mundo di-
ário, com seu trabalho duro e sua falta de recursos, uma espécie de carnaval que inventa a esperança
de dias melhores” (DAMATTA: 1986,82).

C onclusão
Ao refletir acerca das diferenças psicossocioculturais no filme “Rio”, não tínhamos por ambição,
tratar de toda a complexidade que envolve tais fenômenos, nem tão pouco investigar acuradamente CAPA
CAPA
a sociedade carioca que a semelhança de todo o país, afloram tantas necessidades. Isso demandaria
CAPA
buscar a interpretação dos processos econômicos, socioculturais e históricos, o que tornaria inviável
nesta investigação.
SUMÁRIO
Este artigo nasce do esforço e da curiosidade mais modesta que opta por refletir os paradoxos da SUMÁRIO
sociedade brasileira que se faz em meio à racionalidade técnica, científica, industrial e de grande SUMÁRIO
produtividade, mas também espaço da cultura popular que contém aglomerações mescladas de hu-
mano. Lugar de mobilidade de pessoas em trânsito que resulta na adição de comportamentos dife-
rentes em que pulsam vitalidade. Espaço em que se presencia a sobrevivência criativa que indica a FICHA
FICHAFICHA
multiplicidades dos fenômenos sociais.

PRÓXIMA
R eferências PRÓXIMA
PRÓXIMA
Rio: The Movie, 2011, animação. Direção: Carlos Saldanha. Estúdio: Blue Sky Studios. Distribuição: 20tth
Century Fox.

BOWLBY, John, 1998. Apego e perda: Perda: Tristeza e depressão. São Paulo: Martins Fontes. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

441
CÂNDIDO, Antonio, 1998. “Dialética da malandragem”, em: O discurso e a cidade. São Paulo: Duas Cidades.

DAMATTA, Roberto, 1986. O que faz o brasil, Brasil? Rio de Janeiro: Rocco.

DAMATTA, Roberto, 1986. Carnavais, Malandros e Heróis. Rio de Janeiro: Rocco.

DAÓLIO, Jocimar, 1997. Cultura: Educação física e futebol. Campinas: UNICAMP.

HOLANDA, Sérgio Buarque de, 2008. Raízes do Brasil. São Paulo: Companhia das Letras.

SCHWARCZ, Lilia M., 1986. “Complexo de Zé carioca”, em: Revista Brasileira de Ciências Sociais. USP.

VIÑAR, Maren, 1992 . Duelo por los orígenes. Los duelos y sus destinos, depresiones hoy. Montevideo: APU.
CAPA
CAPA
WISNIK, José Miguel, 1996. “Algumas questões de música e política no Brasil” em: Cultura Brasileira. São
CAPA
Paulo: Ática.

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

442
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Capítulo 6 - Criação:
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Processos criativos ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR
SERIADO DESLOCADOS: GÊNESE DE UMA SÉRIE
TELEVISIVA UNIVERSITÁRIA TENDO COMO BASE
A ANÁLISE DOS ROTEIROS DE SITCOM’S DE
SUCESSO

F ernando Luis C azarotto Berlezzi | F ernanda N ardy B ellicieri


Universidade Presbiteriana Mackenzie - fernando@berlezzi.com | Universidade Presbiteriana Mackenzie - fernandavns@yahoo.

com.br
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
R esumo
Como elaborar um roteiro de série televisiva direcionado ao público universitário, utilizando como
base análises de roteiro e estrutura de produção de sitcom s de sucesso? O objetivo geral desta pes-
FICHA
FICHAFICHA
quisa foi o desenvolvimento do roteiro para o lançamento de uma série televisiva universitária.
Como objetivos específicos: analisar o papel do roteiro numa série de TV, pesquisar técnicas de ro-
teiro e padrões presentes, analisar técnicas de produção, analisar o modo de viabilização de tais pro-
duções, elaborar o roteiro para o lançamento de uma série televisiva universitária e elaborar o epi- PRÓXIMA
sódio piloto. Para realizar esta pesquisa foi utilizado o método de Pesquisa Bibliográfica (pesquisa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
histórica de roteiro e Pesquisa teórica sobre roteiro), além de análise de séries de Tv utilizadas como
referências no estudo tais como, Malhação da Rede Globo de Televisão e o seriado Friends, desenvol-
vendo uma metodologia de trabalho própria para a criação do roteiro. Com referências em comédias ANTERIOR
ANTERIOR
românticas e sitcoms o programa fruto dessa pesquisa, mostra uma república de alunos convivendo ANTERIOR

444
juntos – Pensão Coruja. São apresentados conflitos valores e questões cotidianas e como esses jovens
lidam com isso, mesmo não compartilhando dos mesmos ideais. O roteiro completo elaborado para
a Série Deslocados foi apresentado a TV Mackenzie e aprovado pelo comitê de programação do Ca-
nal Digital da Universidade. No momento aguarda a concretização de parcerias técnicas, artísticas e
financeiras para a realização do episódio piloto.

Palavras-chave: Sitcom, roteiro, seriado televisivo

A bstract
How to make a script for television series targeted to college students, based on analyzes using script CAPA
CAPA
and production structure of sitcom’s success? The objective of this research was the development
CAPA
of a roadmap for the launch of a television series university. Specific objectives: to analyze the role
of a TV series script, script search techniques and patterns present, analyze production techniques,
analyze the feasibility of such mode of production, develop the script to launch a television series SUMÁRIO
and establishing the university pilot. To conduct this research method was used for Library Research SUMÁRIO
SUMÁRIO
(historical survey of theoretical research on script and screenplay), and analysis of series TV used as
references in the study such as Workout of the Globo Television Network and Friends series, develo-
ping a own working methodology for the creation of the script. With references in romantic comedies
FICHA
FICHAFICHA
and sitcoms result of this research program, shows a republic of students living together - Pension
Owl. Values ​​and conflicts are presented daily issues and how these young people deal with it, not
even sharing the same ideals. The full script written for the series was presented to IDP TV Macken-
zie and approved by the program committee of the University of Canal Digital. Currently awaiting PRÓXIMA
the completion of technical partnerships, artistic and financial arrangements for completion of the
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pilot episode.

Key-words: Sitcom, screenplay, television series


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

445
I ntrodução
Com este trabalho pretende-se responder a seguinte pergunta: Como elaborar um roteiro de série
televisiva direcionado ao público universitário, utilizando como base análises de roteiro e estrutura
de produção de sitcom’s de sucesso?

O objetivo geral foi o desenvolvimento do roteiro para o lançamento de uma série televisiva univer-
sitária.

Como objetivos específicos: analisar o papel do roteiro numa série de TV, pesquisar técnicas de
roteiro e padrões presentes, analisar técnicas de produção, analisar o modo de viabilização de tais
produções, elaborar o roteiro para o lançamento de uma série televisiva universitária e viabilização
CAPA
do episódio piloto. CAPA
CAPA

R eferencial T eórico
SUMÁRIO
A situation comedy (sitcom), comédia de situação/costumes é um gênero audiovisual muito difun- SUMÁRIO
dido e prestigiado na televisão contemporânea. A grande maioria das produções deste tipo se con- SUMÁRIO
centra nos Estados Unidos, onde também se centralizam os estudos acadêmicos sobre elas. No Brasil
essas séries importadas são geralmente transmitidas por canais pagos (não acessados pela maioria
da população) e os estudos relativos a seu desempenho e influência são escassos ou raros. FICHA
FICHAFICHA
Na definição de Grimm (1997) sitcom é um estilo de drama tipicamente norte-americano, no qual a
exposição, o conflito, o clímax e o desfecho acontecem em um episódio de meia hora. O episódio ilus-
tra, geralmente, uma situação engraçada na vida dos personagens principais, dando aos telespecta- PRÓXIMA
dores uma ideia geral dos personagens e das relações entre eles. As personagens são estereotipadas,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pois, devido a sua duração, a identificação do espectador precisa ser imediata.

As sitcoms são um gênero televisivo dentro da categoria Entretenimento. São histórias curtas centra-
das na vida e nas atividades de uma determinada família ou grupo, em locações pré-estabelecidas: ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

446
a casa, o trabalho ou aquelas que gerem as tensões e relações que servem de base para o programa
(FURQUIM: 1999, p. 08; CASEY ET AL, 2002).

Nos Estados Unidos, até o final dos anos 90, grande parte das sitcoms era encenada em estúdio, in-
corporando as risadas do público ao programa final que ia ao ar. Atualmente, isso não é mais uma
prerrogativa do gênero, podendo haver, inclusive, tomadas externas. As sitcoms Friends e Will &
Grace são remanescentes da tradição das “risadas” as fundo, quando estas tinham como função “for-
necer uma sensação mítica de um engajamento do público em uma experiência coletiva” (CASEY ET
AL., 2002).

Ter um bom elenco costuma atrair publico, porem séries como C.S.I., Lost, Heroes, Desperate Hou-
CAPA
sewives e Grey’s Anatomy tornaram-se grandes sucessos, apesar de não possuírem grandes nomes CAPA
no elenco. Nesses casos, o roteiro passou a ser mais importante que o elenco e isso pode ser conside- CAPA
rado uma evidência da necessidade e importância de se realizar estudos sobre fatores envolvidos na
elaboração de um roteiro bem sucedido.
SUMÁRIO
Existem diferentes formas de definir o roteiro. Uma, simples e direta é: a forma escrita de qualquer SUMÁRIO
SUMÁRIO
projeto audiovisual, que atualmente abarca o teatro, o cinema, o vídeo e a televisão. Para Syd Field
(1995), o roteiro é “alguém (ou várias pessoas), em algum lugar, fazendo alguma coisa”. Ele define
o roteiro como uma “progressão linear de acontecimentos ligados uns aos outros, levando a uma
FICHA
FICHAFICHA
resolução dramática”. Em outras palavras roteiro é uma história contada em imagens, diálogo e des-
crição, dentro do contexto de uma estrutura dramática. (FIELD, S. 1995).

Para Jean-Claude Carrière (1996) o roteirista está muito mais perto do diretor da imagem do que do PRÓXIMA
escritor. Escrever um roteiro é muito mais do que escrever. Em todo caso, é escrever de outra manei- PRÓXIMA
PRÓXIMA
ra: com olhares e silêncios, com movimentos e imobilidades, com conjuntos incrivelmente complexos
de imagens e de sons que podem possuir mil relações entre si, que podem ser nítidos ou ambíguos,
violentos para uns e suaves para outros, que podem impressionar a inteligência ou alcançar o in-
consciente, que se entrelaçam, que se misturam entre si, que por vezes até se repudiam, que fazem ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

447
surgir as coisas invisíveis.

Doc Comparato (2009), complementa a ideia de Carrière ao afirmar que romancista escreve, enquan-
to o roteirista trama, narra e descreve. O roteirista vai além, pois precisa demonstrar no papel situ-
ações concretas que o leitor do roteiro possa visualizar. O roteiro é o filme que transcorre no papel
antes de ganhar vida nas telas.

Como toda história possui um começo, meio e fim, um roteiro também é construído por etapas, um
passo a passo. Em um nível prático, estas etapas podem ser definidas assim: idéia, story line, sinop-
se, estrutura, e primeiro roteiro e roteiro final.

A ideia é o sumo do roteiro, a base onde existirá todo o outro contexto (conflito, personagens e CAPA
CAPA
ação dramática). A story line é a forma de contar o conflito motivado pela ideia de maneira objeti-
CAPA
va e suscinta. A maioria dos autores é unânime em dizer que uma story line não pode ultrapassar
cinco ou seis linhas. Nela deve ser apresentado o conflito, seu desenvolvimento e sua solução. A
sinopse, também chamada de argumento nada mais é do que o desenvolvimento da story line. En- SUMÁRIO
quanto esta última economiza as palavras ao máximo, a sinopse deve ser justamente o contrário, SUMÁRIO
SUMÁRIO
uma forma de esgotar literalmente a ideia que se pretende transmitir. Assim a sinopse, baseada
na story line e de posse do conflito e dos personagens descreve toda a ação dramática de forma a
revelar ao leitor a história que virá a ser contada de maneira audiovisual. (FIELD, 1995; CANNITO
FICHA
FICHAFICHA
& SARAIVA 2004).

A teledramaturgia norte-americana tem características um pouco diferentes em comparação com o


contexto brasileiro. A telenovela brasileira tem seis capítulos transmitidos diariamente, e duração de PRÓXIMA
nove meses em média.As séries ou sitcoms nos Estados Unidos, são divididas em episódios, que não PRÓXIMA
PRÓXIMA
são transmitidos todos os dias, e podem durar anos, chamados de temporadas. No Brasil, segundo
José Carlos Aronchi de Souza (2004), a sitcom é também considerada um gênero televisivo por mes-
clar humor com teledramaturgia. O Dicionário da Rede Globo (2003), apesar de considerar progra-
mas como A Grande Família e Os Normais como “comédias de situação”, as classificam na categoria ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

448
Entretenimento e Gênero Humor.

As novas gerações estão ligadas a mais de uma mídia ao mesmo tempo. Por exemplo, é comum en-
contrar um jovem com a televisão ligada ao mesmo tempo que ouve música e navega pela internet.
Se o site não está interessante com um simples toque no mouse se dirige a outro portal, e se o pro-
grama não atende as sua expectativas “zapeia” para outro canais.

Segundo Arlindo Machado (2003), o telespectador tem o comportamento dispersivo e distraído no


decorrer do programa. Com isso, a produção televisual não pode levar ao ar um modelo de difusão
de “forma linear, progressivo e com efeitos de continuidade como no cinema”, porque senão, o teles-
pectador perde a atenção na pequena tela e direciona-se para outra programação.
CAPA
CAPA
CAPA
M étodo
Para realizar esta pesquisa foi utilizado o método de Pesquisa Bibliográfica (pesquisa histórica de
SUMÁRIO
roteiro e Pesquisa teórica sobre roteiro), além de análise de séries de TV que foram utilizadas como SUMÁRIO
referências no estudo. SUMÁRIO

A pesquisa bibliográfica foi uma etapa fundamental do trabalho que influenciou todas as etapas da
pesquisa, na medida em que se deu o embasamento teórico ao trabalho e consistiu no levantamento,
FICHA
FICHAFICHA
seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa. Nesta etapa foi reali-
zada uma pesquisa histórica e teórica sobre roteiro com base na literatura nacional e internacional,
disponível, a fim de que sejam encontradas respostas aos problemas formulados, levantadas contra-
dições e evitadas repetição de trabalhos já realizados. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A análise de séries de TV se deu com a observação na prática dos elementos apontados na literatura
sobre o objeto de estudo, o roteiro.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

449
R esultados E D iscussão
A Gênese do Roteiro no Deslocados

O pesquisador discente desenvolveu com o professor orientador um programa de trabalho baseado


num ciclo de estudo e prática contendo etapas bem delimitadas e com um objetivo definido, onde ao
final dele obteve escrito um roteiro completo de um episódio piloto da série.

Essa metodologia foi desenvolvida para servir como referência ao aprendiz, através da sugestão de
um procedimento de trabalho para consolidar os conhecimentos adquiridos durante seu percurso,
bem como auxiliar na prática da escrita de um roteiro, reproduzindo o processo de criação de uma
obra nova, contemplando desde a ideia até os estágios finais de escrita, consubstanciados nos vários
CAPA
tratamentos do texto. CAPA
CAPA
A cada etapa foi atribuído um prazo definido para sua conclusão e passagem para o próximo estágio.
Cumprindo-se todas as etapas do ciclo, progressivamente o aluno pesquisador escreveu o roteiro,
contando com as considerações e apoio do professor orientador. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A entrega do roteiro completo, coincide com a superação da última etapa antes do roteiro ser pro- SUMÁRIO
duzido. O aluno teve a oportunidade de definir bem os personagens, as cenas e diálogos para que
possa ser utilizadas na filmagem do episódio piloto, aliando a teoria e prática do “roteirismo” com
o importante conhecimento prático do fazer seriado. FICHA
FICHAFICHA
O ciclo de trabalho para escrita de roteiros foi estruturado conforme as etapas a seguir:

ATO 1 – ENREDO E PERSONAGENS PRÓXIMA


1ª Rodada – Do enredo: encontrar uma ideia para uma história; estabele-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
cer a questão dramática e apresentar a ideia – criar uma story-line para a
história.

2ª Rodada – Perfil de Personagens: protagonista, antagonista e coadju- ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

450
vantes e a relação dos personagens.

ATO 2 – ESTRUTURA

3ª Rodada – Da estrutura : definir subgênero: tragédia, melodrama, co-


média ou farsa; e definição dos principais pontos estruturais da história:
Apresentar o argumento da história.

ATO 3 – ESCRITA

4ª Rodada – Sinopse: Progressão dramática, Ferramentas dramáticas e


Gestão de informações.
CAPA
CAPA
5ª Rodada – Escaleta. Entrega da versão final da escaleta.
CAPA
6ª Rodada – Tratamentos: apresentação do roteiro do episódio piloto do
novo seriado.
SUMÁRIO
A Série SUMÁRIO
SUMÁRIO
Deslocados conta de forma bem humorada e criativa, a história cotidiana de estudantes que estão
tentando achar seu lugar, seja na vida amorosa, estudantil, financeira, profissional, residencial ou
espiritual. Sendo que o humor tem a capacidade histórica de convidar à reflexão aborda temas es- FICHA
FICHAFICHA
senciais ao ser humano. O seriado mostra uma república de alunos convivendo juntos - a “Pensão
Coruja” onde são apresentados conflitos, valores e questões cotidianas e como esses jovens lidam
com isso, mesmo não compartilhando da mesma cosmovisão. PRÓXIMA
Personagens
PRÓXIMA
PRÓXIMA

JOÃO, 23 anos. É muito dedicado em seu curso de Economia, tendo que trabalhar para mantê-lo.
Sorte que mora perto da faculdade e pode alugar sua casa. É organizado e evita desperdícios. Sempre
de camisa social e investidor da bolsa, é chamado de pinguim. Tem medo de compromissos, prefere ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

451
ficar sozinho. É interessado em sociologia e humanas, fundando um grupo de discussão sobre isso.

MILLA, 18 anos. Veio do interior de Minas fazer seu curso de Biologia. À primeira vista, parece sen-
sível e frágil. Mas quem a conhece sabe que ela é firme em suas opiniões conservadoras, tendo uma
visão legalista das coisas. Não come certas coisas e pratica obras sociais. Gosta de João.

RAMÓN, 24 anos. Fortão atrapalhado. Já está na “Pensão Coruja” há anos, pois é muito amigo de
João. Como vive em barzinhos, não vai às aulas de Jornalismo. Vive com preguiça, sempre querendo
tirar proveito dos outros. Tenta conquistar Milla a todo custo, mas só piora tudo com seu jeito bruto.
Trabalha em um jornal de TV.

CAROL, 20 anos, gaúcha. Estudante de Psicologia que gosta de ajudar as pessoas. É uma menina CAPA
CAPA
prodígio, fissurada em videogame e futebol. É muito dedicada em levar os outros a refletir sobre po-
CAPA
lítica e filosofia com suas perguntas sinceras. Interessa-se por João, por ver que ele é centrado quanto
aos seus objetivos.
SUMÁRIO
CADU, 19 anos, estudante de Publicidade. Novo no pedaço, acaba se identificando com Ramón por SUMÁRIO
terem gostos parecidos em música: ele toca violão, e em Comunicação: tenta ser efetivado como reda- SUMÁRIO
tor no mesmo canal de TV que o outro está. Começa a sair com Diana após fazerem alguns trabalhos
juntos. Costuma refutar as ideias alheias.
FICHA
FICHAFICHA
DIANA, 21 anos, magra. Garota liberal curte uma prancha estilizada e arte de rua. Caloura de De-
sign, é simplesmente apaixonada por seu estágio. Às vezes, trabalha até demais (workaholic), pondo
sua saúde em risco. É ansiosa e apressada. Tem bastante habilidade em dançar. É um desastre na
cozinha. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Episódio Piloto: “A Mudança”

Formatação e Roteiro do Episódio Piloto

O formato sugerido segue os padrões internacionais de série televisiva, uma temporada contendo 13 ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

452
capítulos, cada um com 30 minutos (incluindo intervalos). Para aprovação da temporada, é comum
as redes de TV produzirem e exibirem o episódio piloto.

Nas próximas páginas, apresenta-se o roteiro sem dialogo (escaleta) do episódio piloto. As cenas
foram divididas em dois blocos A (antes do intervalo) e B (depois do intervalo). Cada cena indicada
por uma linha, em letras maiúsculas, contendo algumas informações essenciais para a visualização.

A01. INT. REPUBLICA. NOITE.

Carol, Milla, Diana e Cadu sentados no sofá olham para Ramon e João com olhar de expectati-
CAPA
va. Todos exigem um veredicto de João. CAPA
CAPA

CRÉDITOS INICIAIS
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
A02. INT. REPÚBLICA. DIA.

João acorda Ramon e pergunta-lhe se mais alguém decidiu se mudar para a Pensão Coruja.
FICHA
FICHAFICHA
Ramon diz que os últimos desistiram porque acharam a sala muito bagunçada. João concorda com
eles: Ramón deixa tudo jogado. Ramón diz que vai arrumar, mas João lhe pede que o ajude a colocar
mais anúncios. Ramón pede que deixe metade dos cartazes. João olha a hora e sai apressado, com os
papéis na mão. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

A03. INT. SALA MILLA. DIA.

Milla entra em casa com o mochilão nas costas, roupa cheia de lama. Quando liga a luz muitas ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

453
pessoas gritam “surpresa”. Ela fica confusa, mas vê que a parabenizam por sua aprovação no vesti-
bular.

A04. EXT. ENTRADA DA FACULDADE. DIA.

Alunos de um colégio olham listas de aprovados no mural e comemoram. João cola um anún-
cio. Quando sai, vemos que ele colocou um convite para uma conversa sobre filosofia, ao lado do
cartaz sobre sua pensão, com vagas limitadas.

CAPA
CAPA
A06. INT. SALA CAROL. DIA.
CAPA
Carol chega em casa com uma roupa de caminhada e fone de ouvido, abre sua agenda e fica
animada com a data. Entra na Internet e vê seu nome na lista de transferências para Psicologia no
SUMÁRIO
Mackenzie. Pula de felicidade e liga para sua amiga Milla (tela dividida) – precisam achar logo a SUMÁRIO
república. SUMÁRIO

A07. EXT. ENTRADA DA FACULDADE. DIA. FICHA


FICHAFICHA
No mural, Cadu confere a relação de convocados e comemora. Ao seu lado, Diana grita de ale-
gria ao ver que está na lista. Em sua empolgação, ela esbarra em Cadu, que estranha.
PRÓXIMA
Eles findam indo na mesma direção. Diana anota o telefone da roda de conversa existencialista e PRÓXIMA
PRÓXIMA
Cadu também se interessa.

Eles reparam no mesmo anúncio da pensão de João. Resta apenas uma lingüeta. Como as vagas são
limitadas, decidem ligar e disputar quem será o escolhido. Cadu concorda. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

454
Depois da saída dos dois, Milla e Carol chegam ao mesmo cartaz. Milla comenta que aquela é a re-
pública para onde se mudarão hoje.

A.08. INT. REPUBLICA. DIA.

João diz a Ramon que já alugou para duas meninas. Não há mais vagas. Ele sai. O telefone toca
e Ramon atende. É Cadu. Ele pergunta se ainda tem lugar na república. Ramon diz que sim, que pode
vir e marcam daqui a meia hora.

O celular de Ramon toca e ele pede que Cadu espere. Diana quer se mudar para a pensão e
CAPA
chegará daqui a 30 minutos. Ramon confirma. Cadu ouve tudo. CAPA
CAPA
A campainha soa. Chega Milla, com o mochilão cheio de lama, e Carol, com seu fone. Ramón
fica surpreso com a visita inesperada.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
INTERVALO.

FICHA
FICHAFICHA
B01. INT. REPUBLICA. DIA.

Ramon não rejeita a presença das belas garotas e apresenta a republica a elas. A campainha soa
novamente. Chega Diana com duas malas, sorridente. Ramon quase fecha a porta na cara de Cadu, PRÓXIMA
que também acaba de chegar, apenas com poucas bagagens. Milla e Carol perguntam se não eram PRÓXIMA
PRÓXIMA
apenas duas vagas. O telefone de Diana toca.

B02. INT. TRABALHO JOAO. DIA. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

455
João está diante de um papel quadriculado cheio de gráficos. Ele liga para Diana sobre o grupo
de conversa antropológica. Diana diz que não é uma boa hora para falarem sobre isso. João ouve uma
discussão ao fundo e reconhece a voz de Ramon e de duas meninas. João diz ao amigo do escritório
que volta logo.

B03. INT. REPUBLICA. DIA.

Carol e Milla dizem que falaram com João e que a vaga era delas. Cadu diz que Ramon já fe-
chou com ele. Diana diz que a vaga não é de ninguém, mas sim dela. Como Carol e Milla são duas,
Ramon tende a ficar do lado delas. Cadu se une a Diana e diz que eles também estão juntos. A con- CAPA
CAPA
fusão só aumenta. João chega de repente e propõe um desafio: quem se comportar melhor até o fim
CAPA
do dia (dá uma olhadinha pra Carol) fica com a vaga.

SUMÁRIO
B04 INT. CORREDOR DE MERCADINHO. DIA. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Milla e Carol selecionam materiais de limpeza. Carol pega um chocolate e Milla pergunta o
motivo. Carol dá de ombros, misteriosa. Milla a segue para outro lugar.
FICHA
FICHAFICHA
Cadu chega e pega alguns pães de hot-dog.

B05 INT. REPUBLICA. DIA. PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA
Diana cozinha o almoço, mas acaba queimando a comida. João, que estava aproveitando o chei-
ro, estranha a fumaça e joga água no fogão, que acaba pegando em Diana.

Carol e Milla voltam do supermercado e entram na cozinha. Milla aproveita para limpar a ANTERIOR
ANTERIOR
água. ANTERIOR

456
João fica aliviado e Carol se aproxima. Ela lhe dá o chocolate e ele volta feliz para o trabalho.

B06 INT. COZINHA. DIA.

Diana está triste porque queimou a comida. Cadu chega com os pães e prepara hot-dog. Diana
reluta, mas acaba gostando de ajudá-lo.

Carol e Milla organizam a sala em clima de vitória. Depois sentam para descansar, famintas.

CAPA
B07. INT. REPUBLICA. NOITE. CAPA
CAPA
Ramon chega e fica impressionado com a limpeza. Pergunta onde está a comida da outra equi-
pe. Carol e Milla dizem que foi queimada.
SUMÁRIO
João chega do serviço e reúne todos no sofá. Milla e Carol já comemoram. Ele pergunta onde SUMÁRIO
estão Cadu e Diana. Ramon diz que eles devem ter desistido. SUMÁRIO

Diana e Cadu chegam e fazem uma surpresa com o lanche. Todos exigem um veredicto, mas
João pede que antes comam juntos. Alguns estranham.
FICHA
FICHAFICHA
Satisfeitos, João dá sua resposta: hoje, todos ficarão lá e sua decisão final ficará para amanhã.
Cadu abraça Diana, ela retribui, estranhando.

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
C onclusão
Com a fundamentação teórica e pesquisa em formatos e roteiros criou-se um “modus operandi” de
criação para a Série denominada “Deslocados”, e o roteiro piloto completo elaborado, que foi apre-
sentado e aprovado pelo comitê de programação do Canal Digital da Universidade Presbiteriana ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

457
Mackenzie. A produção e veiculação do conteúdo audiovisual se dariam por meio da TV Mackenzie
e Internet, respeitando a legislação específica vigente.

Neste momento buscam-se parcerias para a realização do episódio piloto, sendo que a produção do
seriado se baseia no encontro de parcerias técnicas, artísticas e financeiras.

R eferências
ARONCHI DE SOUZA, José Carlos. Gêneros e formatos na televisão brasileira. São Paulo: Summus. 2004

CARRIÈRE, Jean-Claude. BONITZER, Pascal. Prática do Roteiro Cinematográfico. São Paulo: JSN, 1996.
CAPA
144 p. CAPA
CAPA
CASEY, B. et al. Television Studies: The Key Concepts. London/New York. 2002

COMPARATO, Doc. Da criação ao Roteiro; Summus, 2009


SUMÁRIO
FIELD, S. Manual Do Roteiro: Os Fundamentos do Texto Cinematográfico. São Paulo: Objetiva, 1995; SUMÁRIO
SUMÁRIO
FURQUIM, Fernanda. Sitcom – Definição e história. 1ª ed. Porto Alegre: FCF, 1999

GRIMM, E.L. Humor and Equivalence at level of words, expressions, and grammar in an episode of “The
FICHA
FICHAFICHA
Nanny”. Cadernos de tradução. Florianópolis: UFSC, v.2, p. 379-399, 1997.

MACHADO, Arlindo. A televisão levada a sério. 3ª. Edição. São Paulo: SENAC, 2003.

REDE GLOBO DE TELEVISÃO. 2003. Dicionário da TV Globo, vol. 1: Programas de Dramaturgia & Entre- PRÓXIMA
tenimento. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
PRÓXIMA
PRÓXIMA

SARAIVA, Leandro; CANNITO, Newton . Manual de Roteiro – ou Manuel, o primo pobre dos manuais de
roteiro. São Paulo: Conrad, 2004.
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

458
A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA COMO REVELAÇÃO DO
SER: INVESTIGAÇÕES SOBRE O JOGO CRIATIVO
DO CINEMA DE AUTOR – UMA INTRODUÇÃO

Patricia D antas
Caliandra Filmes - patricia.caliandra@gmail.com

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo SUMÁRIO
Na divisão de funções proposta pelo modo de produção hollywoodiano, o texto entregue aos estú- SUMÁRIO
SUMÁRIO
dios pelo roteirista será convertido em sons e imagens pelo diretor, sempre submetido à aprovação
do produtor. Quando uso a expressão cinema de autor, refiro-me não somente ao cinema realizado
por grandes diretores que criaram uma estética própria e inconfundível, mas também a todo e qual-
FICHA
FICHAFICHA
quer cinema em que o realizador tem total liberdade para atuar desde a concepção do filme até a
montagem. Neste universo incluo os realizadores independentes brasileiros que ao conceberem o
filme, podem submetê-lo a editais de fomento como pessoa física expondo o roteiro, sua concepção
artística, a proposta de direção, a proposta de distribuição e o orçamento, constituindo-se ao mesmo PRÓXIMA
tempo roteirista, diretor e produtor do filme proposto.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Se durante o processo criativo, o autor não mais trabalha com os limites do roteiro literário, a primei-
ra etapa não precisa mais ser focada na estrutura narrativa. A criação da storyline, ou seja, a linha
narrativa que conduz o enredo pelas etapas de apresentação, desenvolvimento e solução do conflito, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

459
deixa de ser o ponto de partida. O cinema desata o nó que o prende à literatura para aproximar-se
de outras artes visuais. David Lynch e Peter Greenaway são também artistas plásticos e revelam que
seus processos criativos assemelham-se ao do pintor. Desta forma, é possível desvendar as infinitas
possibilidades que constituem este processo? São mesmo infinitas? É possível classificar os elemen-
tos deste jogo?

É investigando o jogo criativo do cinema de autor que acredito ter acesso ao escopo desta pesquisa:
a experiência estética como revelação do Ser. De que forma a singularidade do sujeito é expressa na
obra criada? De que forma ultrapassa a personalidade humana e se torna um processo criador, im-
pessoal? Para Jung (1991), o homem coletivo, portador e plasmador da alma inconsciente e ativa da
humanidade. Para Bachelard, a essência do espírito humano, que de modo dinâmico o torna capaz CAPA
CAPA
de produzir tanto ciência quanto arte (Bachelard apud Perrone). Para Dufrenne, o momento em que
CAPA
a experiência estética dá lugar à revelação do Ser (Dufrenne apud Reis, 2011).

Palavras chave: cinema, experiência estética, processo de criação.


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
A bstract
In the division of functions proposed by Hollywood production mode, the text delivered to the stu-
dio by the screenwriter will be converted into sound and pictures by the director, always subject to FICHA
FICHAFICHA
the approval of the producer. When I use the term auteur cinema, I mean not only the movies made
by great directors who created an unmistakable aesthetic, but also to any film in which the director
has total freedom to act and make decisions from the movie conception to final cut. In this group I PRÓXIMA
include Brazilian independent filmmakers who, when designing the film, may submit their script to PRÓXIMA
PRÓXIMA
funding sources representing the script, the artistic design, the direction, the budget and distribu-
tion, becoming at the same time the screenwriter, the director and the film producer of the proposed
film.
ANTERIOR
ANTERIOR
If during the creative process, the author no longer works with the limits of literary script, the first ANTERIOR

460
step does not need to be more focused on the narrative structure. The creation of the storyline, ie
the narrative line directing the plot through the steps of presentation, developing and resolving the
conflict will no longer be the starting point. The film unties the knot that connects literature and
cinema. David Lynch and Peter Greenaway are also artists and they reveal that their creative proces-
ses resemble the painter ’s. Thus, it is possible to unravel the infinite possibilities that constitute this
process? Are they infinite? You can sort the elements of this game?

Investigating the auteur cinema creative game I believe to have access to the scope of this research:
the aesthetic experience as revelation of being. How the uniqueness of the subject is expressed in the
created work? How surpass the human personality and becomes an impersonal creative process? For
Jung (1991), the collective man, holder and plasmer of humanity active and unconscious soul. For CAPA
CAPA
Bachelard, the essence of the human spirit, which dynamically enables it to produce as much science
CAPA
as art (Bachelard apud Perrone). Para Dufrenne, the moment the aesthetic experience gives way to
the revelation of being (Dufrenne apud Reis, 2011).
SUMÁRIO
Key words: cinema, aesthetic experience, creative process. SUMÁRIO
SUMÁRIO

A brindo a discussão

Apaixonada por cinema e suas infinitas possibilidades de expressão por meio de sons e imagens em FICHA
FICHAFICHA
movimento, bem como pelo jogo que se estabelece entre filme e espectador ancorado por sua capa-
cidade de envolver, emocionar e fazer pensar, desde cedo me aproximei desta arte. Primeiro como
espectadora, as sessões no cinema ou em casa ocupavam meu tempo livre de estudante. Não somente PRÓXIMA
assistia, como colecionava, catalogava e ousava analisar os filmes que mais me tocavam. O interesse PRÓXIMA
PRÓXIMA
pelo fazer surgiu naturalmente. Após minha primeira oficina de cinema, escrevi meu primeiro rotei-
ro de curta. Eu me lembro de ter começado por uma imagem: minha protagonista diante do espelho.
Ao concluir, fiquei impressionada com o quanto aquela obra me desnudava. Minha relação com
aquela obra era maior do que a minha compreensão. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

461
Meu fascínio pela criação me fez procurar cursos de roteiro e explorar a bibliografia da área. Recen-
temente, convidada a coordenar uma oficina de roteiro, construí um plano de ensino fundamentado
pelos principais manuais. Ao concluir, não estava satisfeita. Eu ia ensinar um processo de criação
com o qual não me identifico. Era o momento de aprofundar a pesquisa em busca de processos al-
ternativos não só para aperfeiçoar minhas formas de expressão nessa arte, como para conseguir me
comunicar e estimular outros criadores.

O presente artigo é resultado da análise estrutural e dos objetivos do estudo que inicio acerca do pro-
cesso criativo de cineastas independentes que trabalham em condições de tomar decisões referentes
a todas as etapas de criação e realização do filme. A pesquisa bibliográfica será o ponto de partida
para elaborações metodológicas ao longo do estudo. A seguir classifico e defino cada um dos termos CAPA
CAPA
que estruturam os objetivos da pesquisa.
CAPA

C inema de autor SUMÁRIO


Ao restringir meu objeto de pesquisa ao processo criativo do cinema de autor, estou ciente que a SUMÁRIO
SUMÁRIO
discussão iniciada nos anos de 1950, por meio de artigos publicados principalmente na revista fran-
cesa Cahiers du Ciném continua a gerar polêmica. Desta discussão me interessa apenas deixar clara
a definição por mim adotada, sabendo que não se constitui única:
FICHA
FICHAFICHA
(...) trata-se de um modo de fazer cinema com base em três traços: 1) o
autor como realizador, sendo, em geral, ele o roteirista que depois passa à
execução do filme; 2) três funções para uma só pessoa: roteirista, diretor e PRÓXIMA
produtor; 3) a expressão pessoal: o filme deve ser marcado autoralmente PRÓXIMA
PRÓXIMA
pelo seu realizador. Enfim, que o cineasta autor seria aquele que expressa
o que tem dentro dele, que se envolve em todas as fases de produção do
seu filme, não sendo somente um homem fazendo um trabalho que lhe foi
encomendado. (Bernadet apud Esteves, 2011). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

462
É claro que este autor pode abrir espaço para contribuições colaborativas de sua equipe de técnicos
e atores, mas é ele quem carrega a visão original daquilo que deseja expressar e assim dirige sua
equipe compondo cada elemento dentro do universo imaginado. David Lynch costuma ser ao mes-
mo tempo roteirista, diretor e produtor de seus filmes. Em 2008 quando questionado sobre o suposto
boicote realizado por hollywood a seus filmes, explicou que se trata apenas de uma opção sua por
não abrir mão do corte final, condição exigida pelas grandes indústrias quando o filme não tem ga-
rantia de sucesso de bilheteria. Lynch explica que sem ter direito ao corte final, prefere nem fazer o
filme. Sua única experiência trabalhando desta forma foi com o filme Dune (1984) e se arrependeu
desta decisão. “If I don’t have final cut, I can’t work with them. (...) If you can’t make the film you
want to make, there’s no way you can do it”. (Lynch, 2008b). Mesmo fazendo questão de ter a decisão
CAPA
final durante todo o processo, David Lynch é conhecido por sua delicadeza na direção conquistando CAPA
o respeito e admiração de sua equipe sem deixar de ser bem específico em relação ao que espera de CAPA
cada cena (Extras DVD Mulholand Dr., 2001).

O processo criativo modifica-se neste universo. Em vez de partir do texto, o autor pode começar seu SUMÁRIO
processo partindo da atmosfera que deseja criar, ou o senso de lugar: “Cada história abriga o seu SUMÁRIO
SUMÁRIO
próprio mundo, suas próprias emoções e seu próprio clima. Então, tenta-se juntar todas essas coisas
– os pequenos detalhes – para criar o senso de lugar.” (Lynch, 2008a).

David Lynch afirma que seus filmes surgem de uma ideia e se desenvolvem por meio da intuição. Ele FICHA
FICHAFICHA
se apaixona pela ideia e passa a tentar expressá-las por meio de sons e imagens nem sempre coeren-
tes. É preciso poder vê-la, ouvi-la, senti-la e conhecê-la e por meio de ação e reação ela vai se trans-
formando. Depois a intuição cresce e aparece uma forma de resolver os problemas. Para ele, você só PRÓXIMA
precisa continuar trabalhando para fazer com que a ideia se pareça com o que parece ser; sentir como PRÓXIMA
PRÓXIMA
ela sente, soar como ela soa e ser como ela é. “Quando se muda de rumo, logo se percebe. Você sabe
quando faz uma coisa inadequada” (op. cit.).

Para Peter Greenaway, o cinema não é o melhor veículo para contar histórias, ele tem a ver com ou- ANTERIOR
ANTERIOR
tras coisas que não a narração. ANTERIOR

463
O que você lembra de um bom filme não é a história, mas uma experiên-
cia especial e quem sabe única que tem a ver com atmosfera, ambiência,
performance, estilo, uma atitude emocional, gestos, fatos isolados, uma
experiência audiovisual específica que não depende da história (Gree-
naway, 2004).

Assim, talvez, o cinema se solte da corrente que o escraviza ao romance do século dezenove, como
denuncia, e deixe de ilustrar a literatura para se aproximar mais das artes visuais. Como? Ele acre-
dita que estamos desenvolvendo novas ferramentas para que isso aconteça. “Ferramentas, como Pi-
casso disse sobre a pintura, que nos permitirão fazer imagens do que pensamos, não simplesmente
do que vemos, e certamente não do que lemos” (op. cit) CAPA
CAPA
CAPA

I nvestigações sobre o jogo criativo

Acredito ser possível investigar esse novo processo criativo como um jogo. O jogo da produção de SUMÁRIO
sentidos por meio de aparelhos e aparatos produtores de imagens em que pessoas transformam-se SUMÁRIO
SUMÁRIO
em sujeitos capazes de construir mundos (Martins e Santos, 2011). Assim, os elementos combiná-
veis que compõem o universo do jogo – repertório, estrutura e competência (Flusser apud Martins e
Santos, 2011) seriam compostos por um repertório de elementos – luzes, cores, sons, músicas, perso-
FICHA
FICHAFICHA
nagens, falas, ações, entre outros – combinados em uma estrutura de planos e sequências dentro da
competência de combinações possíveis para criar o universo do jogo.

Para Flusser (1967), o jogo é a resposta do homem a seriedade cretina da vida e da morte. Classifi- PRÓXIMA
ca os jogos entre “fechado”, quando o repertorio e a estrutura estiverem imutáveis e do contrário PRÓXIMA
PRÓXIMA
“aberto”. Considero que assim como a poesia, o cinema, no processo criativo proposto, poderá ser
considerado um jogo aberto.

Todo jogo aberto tem sua poesia, (o pensamento brasileiro, a ciência da ANTERIOR
ANTERIOR
natureza, a música, a pintura). Pela poesia aumentar a competência, e ANTERIOR

464
consequentemente, o universo do jogo. Poetas são aumentadores de uni-
verso. (op. cit.)

Considerando os jogadores da criação no cinema de autor como “aumentadores de universo”, o ob-


jetivo do jogo é percorrer o caminho da experiência estética rumo à revelação do Ser.

E xperiência estética

Para Duarte, é uma suspensão provisória da causalidade do mundo.

Na experiência estética o cotidiano é colocado entre parênteses e sus-


CAPA
penso. Suas regras são abolidas. Por um momento o princípio do prazer CAPA
coloca diante de nós a sua criação, que nos envolve carinhosamente. O CAPA
mundo real parou. Desfez-se. Do seu ventre estéril surge uma nova rea-
lidade com que nos embriagamos misticamente. Esta é a experiência es-
SUMÁRIO
tética: uma suspensão provisória da causalidade do mundo, das relações SUMÁRIO
conceituais que nossa linguagem forja. Ela se dá com a percepção global SUMÁRIO
de um universo do qual fazemos parte e com o qual estamos em relação.
(Duarte apud Freitas)
FICHA
FICHAFICHA
Para a fenomenologia, a experiência estética se configura a partir da percepção sensível envolvida
na criação ou contemplação de um objeto estético. Trata-se de uma relação ao mesmo tempo social
e individual entre um sujeito e um objeto, pois na percepção estética estão envolvidos tanto signi-
ficados socialmente compartilhados quanto sentidos que remetem à singularidade do sujeito dessa PRÓXIMA
experiência. (Dufrenne apud Reis, 2011).
PRÓXIMA
PRÓXIMA

A experiência estética nos convida a adentrar mundos imaginários seguindo o liame da intencionali-
dade que ata o sujeito ao objeto estético, ao mesmo tempo em que permite que o sujeito retorne a si
modificado por essa experiência. A experiência estética dá lugar à revelação do Ser: “A intencionali- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

465
dade significa, no fundo, a intenção do Ser que se revela – a qual não é outra coisa que sua revelação
– e suscita o sujeito e o objeto para se revelar.” (op. cit.)

Na experiência estética, a transcendência significa ir além, descobrir ou-


tras possibilidades antes não imaginadas e que se revelam à percepção
estética, esse olhar pelo qual o sujeito pode redescobrir o mundo não
como determinação, mas como criação, ampliando seu horizonte existen-
cial. (Reis, 2011)

R evelação do ser CAPA


CAPA
Esse “ir além” no cinema, segundo o ponto de vista deste trabalho, dar-se-ia no momento da criação
CAPA
da obra pelo autor e no momento de sua contemplação pelo espectador.

Para Jean Rouch (Feld apud Coelho, 2009), é atingir o cine-transe, em que o cineasta participa, cria,
SUMÁRIO
vê, escuta, experimenta e se transforma para depois entregar ao público a oportunidade de também SUMÁRIO
participar desse transe e de se reencontrar, mesmo que por um instante, com o momento da filma- SUMÁRIO
gem. Acompanha e estimula a “transformação do “eu” do cineasta/elenco/espectador por um outro
mais fílmico, mais verdadeiro, mais sincero porque provocado, porque cine-pensa, cine-sente e cine-
-lembra” (Coelho, 2009). FICHA
FICHAFICHA
Para Jung (1991), a obra in statu nascendi é como um complexo autônomo que se desenvolve pri-
meiro no inconsciente para posteriormente atingir a consciência. Assim, não pode ser submetido ao
controle consciente, nem à inibição e nem a uma reprodução arbitrária. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Se os dons criadores prevalecem, prevalece o inconsciente como força
plasmadora de vida e destino, diante da vontade consciente; neste caso, a
consciência será muitas vezes arrastada pela força impetuosa da torrente
subterrânea, tal como uma testemunha desamparada dos acontecimentos. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

466
A obra em crescimento é o destino do poeta e é ela que determina sua psi-
cologia. Não é Goethe quem faz Fausto, mas sim a componente anímica
Fausto quem faz Goethe. (Jung, 1991)

Heidegger (2000) usa os sapatos da pintura de Van Gogh para explicar o movimento de “abrir-se do
ente naquilo que ele é”:

A pintura de Van Gogh é o abrir-se [Eröffnung] daquilo que o utensílio,


o par de sapatos de camponês, na verdade é. Esse ente emerge [heraus-
tritt] para o não-encobrimento de seu ser. O não-encobrimento do ente
era denominado pelos gregos αλήθεια. Nós dizemos verdade [Wahrheit]
CAPA
e pensamos muito pouco com essa palavra. Na obra, se aqui acontece um CAPA
abrir-se do ente naquilo que ele é e como é, está em obra um acontecer CAPA
[Geschehen] da verdade.( Heidegger, 2000).

Para Merleau-Ponty, o artista, para criar, não parte do nada e do vazio e sim de algo existente, para SUMÁRIO
criar, ele realiza a “repetição criadora”, ou seja, repete o existente, criando-o. (Carmo, 2000). SUMÁRIO
SUMÁRIO
Uma boa parte da filosofia fenomenológica ou existencial consiste na admi-
ração dessa inerência do eu ao mundo e ao próximo, em nos descrever esse
paradoxo e essa desordem, em fazer ver o elo entre o indivíduo e o universo, FICHA
FICHAFICHA
entre o indivíduo e os semelhantes, ao invés de explicar, como os clássicos,
por meio de apelos ao espírito absoluto. Pois o cinema está particularmente
apto a tornar manifesta a união do espírito com o corpo, do espírito com o PRÓXIMA
mundo, e a expressão de um dentro do outro. (Merleau-Ponty, 2000). PRÓXIMA
PRÓXIMA

C onsiderações finais

O caminho que escolhi para investigar o processo criativo no cinema passa por conceitos muito dis-
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

467
cutidos na história da filosofia. Termos como “ser”, “experiência”, “estética” são carregados de sig-
nificados múltiplos, polêmicas e discussões entre correntes diversas, seus adeptos e críticos. Adentro
nesse universo para delinear os caminhos de minha investigação. A revisão bibliográfica apresentada
não pretende ignorar a complexidade do uso desses termos ou mesmo encerrar a discussão. Escolhi
apresentar essa introdução dos meus estudos visando poder contribuir e receber contribuições no
debate relacionado aos processos de criação no cinema.

B ibliografia
CARMO, Paulo Sérgio do. Merleau-Ponty: uma introdução. São Paulo: EDUC, 2000.
CAPA
CAPA
GREENAWAY, Peter. Cinema: 105 anos de texto ilustrado. In: Maria Esther (org). O cinema enciclopédico
CAPA
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FICHA
FICHAFICHA
MULHOLLAND Drive. Direção: David Lynch. Produção: Neal Edelstein. Intérpretes: Naomi Watts; Laura
Harring; Justin Theroux. Roteiro: David Lynch. EUA. Europa Filmes, 2001. DVD (140 min.).

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

469
A COR NA PROPOSIÇÃO DE ATMOSFERAS
NARRATIVAS NO CINEMA

R enata H einz
Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS - renataheinz@gmail.com

CAPA
CAPA
R esumo CAPA
Proponho uma discussão sobre a cor no cinema por acreditar na importância de uma análise sobre
as cores e incidências de luz, compondo a fotografia e a mise-en-scène – e, nessa condição, como
SUMÁRIO
mais um elemento fundamental na produção de sentidos e sensações em uma atmosfera narrativa. SUMÁRIO
Enquanto espectadores, estamos acostumados a não perceber como a cor age em um filme e é quase SUMÁRIO
uma prerrogativa a subordinação da cor à narrativa, ela nunca deve ser percebida em separado, cor-
rendo o risco de prejudicar o conteúdo dramático da imagem. Ainda que de maneira inconclusiva,
pretendo abordar algumas questões pontuais de filmes recentes que parecem ampliar o espaço da FICHA
FICHAFICHA
cor no enredo dos mesmos, ainda que não protagonizante da narrativa. Questiono como poderia ser
pensada já nos primeiros passos da concepção do filme como mais uma alternativa no contar as his-
tórias articulada com palavras e não-palavras. Entre especulações, referências históricas, técnicas e PRÓXIMA
culturais, e provocações, a intenção é repensar a cor como elemento fílmico que compõem a narrativa PRÓXIMA
PRÓXIMA
e suas possibilidades em conjugação.

Palavras-chave: cor, narrativas, atmosferas, cinema

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

470
A bstract
In this paper, I propose a discussion about color in the cinema, and I do so believing in the importan-
ce of an analysis of the effects of light and colors, composing the photography and mise-en-scène – in
other words, colour as another essential element in production of meanings and feelings in a atmos-
phere narrative. As viewers, we are not used to see how the color works in a film and it is almost a
prerogative the subordination of the color to the narrative – it should never be perceived separately,
increasing the risk to prejudice the dramatic content of the image. Without being conclusive, I in-
tend to discuss some specific issues of recent films that seem to expand the space of the color in the
plot, although not as protagonist in the narrative. I ask how it could be thought in the early stages of
conception of those films as an alternative articulated in telling stories with words and non-words.
CAPA
Using by speculations, references (historical, technical and cultural) and provocations, the intention CAPA
is to rethink the color as filmic element that compose the narrative and its possibilities. CAPA

Keywords: color, narratives, atmospheres, cinema


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
Contar histórias no cinema sempre foi muito além de palavras, pensar essas histórias é pensar tam-
bém nas atmosferas que as envolvem. Inevitavelmente, acabamos buscando maneiras de potenciali-
zar a ação da narrativa através da percepção e da afecção e isso nos remete diretamente ao estudo de
FICHA
FICHAFICHA
técnicas e estéticas do filme.

Alguns conceitos relevantes para o desenvolvimento deste artigo são parte de uma pesquisa maior
e que aqui apresento de maneira a dar conta de suas aplicabilidades no desenvolvimento da cor PRÓXIMA
enquanto parte de uma atmosfera capaz de articular com outros elementos diferentes e singulares PRÓXIMA
PRÓXIMA
sentidos e entendimentos de uma mesma história contada. O conceito de atmosfera tomou como
base o entendimento proposto por Inês Gil (2005) como emanante das coisas do mundo e nesse sen-
tido também aplicada ao cinema seria dividida em atmosfera espectatorial e atmosfera fílmica. A
primeira estaria diretamente ligada ao espectador, configurando, portanto uma espécie de campo de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

471
forças que habita o espaço entre ele e o filme. A segunda, definida como fílmica, se refere à relação
intrínseca entre elementos fílmicos visuais e sonoros, onde encontro o foco deste artigo que busca
alguma contribuição da cor na composição dessas atmosferas, tendo como preceito fundamental da
atmosfera a indivisibilidade, ou seja, a cor age articulada com os outros elementos.

Propus esse artigo por acreditar na importância de uma análise sobre as cores e incidências de luz,
compondo a fotografia e a mise-en-scène, como mais um elemento fundamental na produção de sen-
tidos e sensações. Nos estudos das artes plásticas encontraremos várias afirmações de que as cores
agem como “signos” capazes de provocar estímulos sensoriais, além disso, provocam associações
materiais que demandam memória e afetivas, de acionamento cultural, histórico e psíquico. Acredito
que podemos autenticar em muitos filmes algumas possibilidades muito mais narrativas que “deco- CAPA
CAPA
rativas”. Ainda que o uso da cor que prioriza a beleza plástica não deva ser descartado, a produção
CAPA
de sentidos tem potencial ainda maior a explorar ao contar/mostrar histórias no cinema.

E, se falamos de cor como produtora de sentidos, devemos tratar das incidências de luz que são ca-
SUMÁRIO
pazes de construir dramaticidade narrativa. Quando abordo a luz do filme neste artigo, dou vistas SUMÁRIO
a iluminação, vibração, incidência e cor que emanam da tela. Nas artes plásticas o chiaroscuro, que SUMÁRIO
muitos creditam a Leonardo Da Vinci, já trouxe a perspectiva tonal, com contrastes entre luz e som-
bra sugerindo volume na imagem. Os pintores começaram a criar volume e espaço através de efeitos
de iluminação, perceberam que essa técnica deturpava a composição de cor (ARNHEIM, 1998). O FICHA
FICHAFICHA
cinema absorveu as técnicas das artes plásticas, da fotografia e dos espetáculos teatrais, assim con-
seguiu construir atmosferas, modular climas psicológicos e emocionais, além de conseguir delimitar
o destacado, o mostrado, o insinuado e o não mostrado. PRÓXIMA
A iluminação, além de poder alterar as cores e afetar a narrativa com suas potências, está diretamen-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
te ligada a profundidade de campo. É um princípio conhecido por qualquer fotógrafo, quanto mais
iluminada a cena, mais profundidade de campo, proporcionando aos olhos acesso ao mundo que cer-
ca o “objetivo principal”. Isso tem reflexo direto no espectador, já que exige menor esforço muscular, ANTERIOR
ANTERIOR
temos a melhor qualidade de imagem e comodidade aos olhos. Nem sempre essa é a melhor opção ANTERIOR

472
para um filme, mas ter consciência disso permite explorar algumas variantes a serviço da narrati-
va. Se a luz traz conforto, a penumbra traz desconforto físico? Nessa perspectiva exigindo mais dos
olhos do espectador, geramos, literalmente, alguma tensão.

Proponho uma pausa nas especulações sobre a questão técnica e seus reflexos sobre o corpo, para
tentar entender historicamente o que levou a cor e a luz a serem pouco estudadas enquanto compo-
nente narrativo. Levando em conta certa tendência a imaginar a introdução da cor no cinema como
uma resposta a “tendência ao realismo” no princípio do seu desenvolvimento, ou que a cor foi intro-
duzida como um diferencial do “produto” em tempos de crise no mercado. Somente como ponto de
partida (e em parte), esta pesquisa cogita pensar como o som e a cor aproximariam o cinema do real,
com uma “aura de autenticidade”, porém para críticos como Buscombe (1978) o efeito era justamen- CAPA
CAPA
te o contrário por conta de problemas de percepção. Os “militantes pelo cinema preto-e-branco” da
CAPA
época argumentavam que o uso da cor poderia cansar e distrair o olho, passando despercebido o que
realmente deveria ser foco da atenção do espectador. Porém, se vemos o mundo colorido, como ele
é, e a demanda por mais realismo fosse a realização de uma tradução literal de aparências, não de- SUMÁRIO
veria haver tamanha relutância. No cinema nunca foi uma questão do que é real, mas sim do crível, SUMÁRIO
SUMÁRIO
do que é aceito como real. O que os realistas não percebiam, que se tratava de um grande passo para
usos não realistas. Inclusive, até que o uso da cor em narrativas realistas se tornasse uma constante,
a transição foi repleta de experimentos estéticos não realistas.
FICHA
FICHAFICHA
A inserção da cor no cinema, em larga escala, demorou mais que o som para se consolidar na in-
dústria. Primeiramente, com muita resistência, depois permitido a alguns gêneros mais distantes
da realidade ficcionalizada, um longo caminho até o uso universal que temos agora (BUSCOMBE, PRÓXIMA
1978). O que mais impressiona nas pesquisas é o desenvolvimento de uma noção deturpada dessa PRÓXIMA
PRÓXIMA
parte da história do cinema. De acordo com as pesquisas de Arlindo Machado(2001), Georges Méliés
jamais projetou um único filme em preto-e-branco durante toda sua carreira profissional, todos seus
filmes eram pintados à mão, quadro a quadro, ainda que dessa forma fosse impossível estabelecer
um mesmo padrão de cores em diferentes cópias. A empresa francesa Pathé descobriu a técnica de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

473
colorizar filmes em série, ainda na infância do cinema. D.W. Griffith explorou o potencial significan-
te da cor desde seus primeiros curtas. Sergei Eisenstein pintou pessoalmente alguns fotogramas de
O Encouraçado Potemkin (1926). O Expressionismo, ao contrário do que dizem, utilizou de modo
expressivo a cor, os filmes de Fritz Lang e F. W. Murnau foram colorizados por inteiro ou em partes
(MACHADO, 2001). Talvez grande parte da história do cinema que povoa nossos imaginários se dá
pelo fato de hoje vermos esses filmes em preto-e-branco, porém, essa “impressão errônea” está tão
presente porque apenas as cópias para exibição eram colorizadas e o que restou desse material foram
os negativos monocromáticos.

De qualquer forma, é quase uma prerrogativa a subordinação da cor à narrativa, nunca deve ser
percebida em separado, correndo o risco de prejudicar o conteúdo dramático da imagem. A cor, em CAPA
CAPA
tempos passados, também poderia ser ditada pelo star system: o que realçava a “estrela feminina” e
CAPA
suas qualidades definia e restringia todos os outros usos. Em algum momento, cineastas perceberam
o potencial da cor para enfatizar efeitos dramáticos de maneira expressiva e a cor passa a ser uma ob-
sessão funcional. A cópia “rasteira” da realidade cotidiana foi considerada servil, os recursos cromá- SUMÁRIO
ticos poderiam intervir na trama completando o filme e se tornando insubstituível por outro código, SUMÁRIO
SUMÁRIO
então finalmente admissível por estar apta a produzir sentido. Essa posição, bastante questionável,
não aceita a cor compondo com os outros elementos “simplesmente” o belo?

Após esse resgate da cor no cinema, a partir desses autores, volto ao contemporâneo levando em con- FICHA
FICHAFICHA
ta que a cor, portanto, não precisa servir o realismo, pode, simplesmente proporcionar o prazer, essa
função pode ser alcançada então pela construção do belo (ainda que seja uma construção estética
relativa). Seria o filme Moulin Rouge (2001) considerado redundante? O amor em vermelho é anun- PRÓXIMA
ciado como subtítulo no Brasil, mas está em toda parte, no título, na história, nas cores, na cólera e PRÓXIMA
PRÓXIMA
na intensidade. O filme transpira vermelho em diversos tons. Se a direção de arte e fotografia não
tivessem pesado a mão nas “tintas” a trama, talvez fosse a mesma, por seu próprio enredo completa,
mas sim seria um filme diferente: menos belo! Talvez, mesmo em tempos passados, seria permissivo
por se tratar de um filme de gênero: musical. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

474
Alguns diretores parecem desenhar alguma constância de usos em sua filmografia, que torna seus
filmes singularmente autorais. Acredito que uma coloração (paleta) que se repete na fotografia e na
arte acaba por ser marcante, e acaba por criar um certo “padrão” ou “assinatura” (tal como perce-
bemos na obra de Pedro Almodóvar). Filmes como O fabuloso destino de Amélie Poulain (JEUNET,
2001) acabam por criar uma textura específica - que poderia ser identificada até de maneira mais
sútil em outros filmes de Jean-Pierre Jeunet – e que, aqui, beiram o fantasioso e o onírico (então con-
dizente com os padrões?). Assim, o crível, que fornece nossa imagem de real, não seria compatível
com um trabalho mais onipresente em cores?

Dentre os exemplos mais recentes que provocam alguma reflexão sobre o assunto a partir dos apon-
tamentos que fiz está Sem Limites (2011), a fotografia do filme ressalta os tons azuis acinzentados, CAPA
CAPA
mas sempre que o protagonista faz uso da droga experimental que potencializa os recursos do seu
CAPA
cérebro, tudo fica mais claro, colorido, contrastado, poderia dizer solar, ressaltando tons amarelos e
vermelhos. Novamente, uso da cor para distinguir momentos e alterações da normalidade e a partir
de uma ação do protagonista, vemos o mundo como ele “deve” estar vendo, compartilhamos com SUMÁRIO
ele a sensação. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Um bom exemplo de uso da cor na atmosfera de um filme está na composição plástica de Amor à Flor
da Pele (2000) os excessos são fundamentais para o filme se constituir e permitir que a atmosfera que
emana do ambiente tenha a tensão adequada. Os excessos não devem ser vistos como uma qualidade FICHA
FICHAFICHA
pejorativa, pois eles se distanciam - no contexto deste caso - da definição de exagero; pelo contrário,
neste filme, parecem estar justamente na medida. É assim que os ambientes são trabalhados com
muitas estampas, cores e texturas, muito bem medidas e articuladas pela fotografia em enquadra- PRÓXIMA
mentos e iluminação, preenchendo os lugares e trazendo a redução do espaço conveniente a narra- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tiva, uma forma funcional de proporcionar um equilíbrio à atmosfera do filme como um todo. Salvo
algumas utilizações pontuais, como o vermelho – que está presente em variações complexas (e mais
saliente nos momentos do hotel), seja sob a forma de figurino ou cenário –, nenhum aspecto parece
apontar para uma analise que não esta de conjunto. Porém, volto a afirmar, que isso não é nenhum ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

475
demérito: a paleta é bem composta e adequadamente elegante.

Dentre os exemplos mais recentes que mereceriam alguma reflexão sobre o assunto penso ser per-
tinente referir o filme Direito de amar (FORD, 2008), alternativa funcional, sutil e realista (ou seria
crível? Qual o limite entre um e outro?). Mesmo sendo alvo de ótimas críticas quanto à atuação e à
sensibilidade do tema, a grande estrela parece ser a direção de arte impecável, com grande apuro
estético, na qual se destacam os super closes em detalhes sensoriais. Nesse tipo de enquadramento,
e no caso do filme em particular, podemos ver uma boca vermelha tornar-se mais vermelha ao sorrir,
o olho mais azul num piscar dos longos cílios, os poros e pelos que cobrem a curva do pescoço. No
detalhe, a cor se torna mais vibrante, quase erótica, exalando sensualidade e beleza, e enriquecendo
a narrativa. CAPA
CAPA
O que é percebido, inclusive nos filmes que incentivaram o início dessa pesquisa, é que se trata de CAPA
um território pouco explorado e qualquer ousadia ainda pode derrubar sua credibilidade. Porém, O
Direito de Amar (2008), primeiro filme de Tom Ford pode mostrar um caminho pela ousadia, cheio
SUMÁRIO
de sutilezas, rumo ao sensorial que pode ser seguido por filmes mais “sérios”. SUMÁRIO
SUMÁRIO
As leituras realizadas me fazem questionar se o diretor e sua equipe criativa (em especial o diretor
de arte e o diretor de fotografia) conceberiam o filme de outra maneira tendo algumas informações
“fisiológicas” sobre a cor. Como seria ao compor visualmente, luz e cor tendo em mente que algumas
FICHA
FICHAFICHA
cores fornecem melhor “leitura” na periferia da retina enquanto outras na região central?

[...] a distribuição da células sensíveis a cada cor determina áreas espe-


cíficas de predominância, o que também pode ser bem utilizado em um PRÓXIMA
produto de informação visual. Exemplo: sabendo que o canal verde-ver- PRÓXIMA
PRÓXIMA
melho é mais central que o azul-amarelo, podemos dizer que cores forma-
das pelo canal verde-vermelho são as mais bem percebidas á distância.”(-
GUIMARÃES, 2004, p.27)
ANTERIOR
ANTERIOR
O amarelo é a cor com maior iluminação, exige menos esforço da visão e, teoricamente, em decor- ANTERIOR

476
rência disso maior prazer. Então podería dizer que é por isso que os comerciais de margarina são tão
amarelos e felizes. Porém, retomo Eisenstein (2002) para lembrar da ambivalência das cores, ou seja,
a maior armadilha na análise das cores é adjetiva-las de maneira leviana, simplesmente associando
o amarelo a felicidade, o vermelho ao amor e assim por diante. Ele busca abstrair “tonalidades inter-
nas” (que aproximo num primeiro momento das afecções) de qualquer matéria externa, ainda que
seja obscura e desconcertante sua indefinição.

Na arte, não são as relações absolutas as decisivas, mas as relações ar-


bitrárias dentro de um sistema de imagens ditadas pela obra de arte em
particular. O problema não é, nem nunca será, resolvido por um catálogo
fixo de símbolos de cor, mas a inteligibilidade emocional e a função da cor CAPA
CAPA
surgirão da ordem natural de apresentação da imagem colorida da obra,
CAPA
coincidente com o processo de moldar o movimento vivo de toda a obra (
EISENSTEIN, 2002, p. 99)
SUMÁRIO
O amarelo que, geralmente, classificamos como “feliz” pode estabelecer significações contraditórias SUMÁRIO
a partir do resultado das relações entre conceitos e associações, como nos estudos realizados por Ei- SUMÁRIO
senstein (2002) onde em algumas obras, pelo seu contexto, o amarelo foi relacionado ao pecado, ao
misticismo e até a um “aterrorizante tom fatal do amarelo”. “A cor provoca, portanto, uma vibração
psíquica. E seu efeito físico superficial é apenas, em suma, o caminho que lhe serve para atingir a FICHA
FICHAFICHA
alma.” (KANDINSKY, 1996, p.64).

Este artigo não tem a pretensão de dar respostas curtas, mas lançar provocações sobre os usos da cor
no cinema que possam despertar questionamentos sobre as atmosferas narrativas. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
De forma análoga, uso das cores criará planos de percepção, separando e
unindo, categorizando e realçando os diversos elementos da composição
da imagem e, sobretudo, exigindo maior participação do espectador ou
deixando-o mais passivo e relaxado. (GUIMARÃES, 2004, p.25) ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

477
Assim como em diferentes artes visuais, no cinema também a cor tem (ou poderia ter) funções diver-
sas e acumulativas como recriar, diferenciar e destacar elementos, personagens, paisagens, objetos e
momentos. E enquanto parte da atmosfera fílmica, pode associar a imagem a algum sentido, provo-
car estímulos sensoriais e sensações psicológicas. A cor articulada com os outros elementos constrói
composições estéticas, agressivas, contrastantes ou harmoniosas. Tais agenciamentos podem surgir
assim como uma alternativa complementar à palavra falada e à ação, compondo as atmosferas que
podem ser articuladas já a partir do roteiro.

R eferências
CAPA
ARNHEIM, Rudolf. Arte e Percepção Visual: uma psicologia da visão criadora. São Paulo: Thomson Pio- CAPA
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KANDINSKY, Vassily. Do Espiritual à Arte. São Paulo, Martins Editora, 1996.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Amor à Flor da Pele (In the Mood for Love/Huayang Nianhua), 2000, Filme. Dir: Wong Kar-wai. Hong
Kong: Block 2 Pictures, Paradis Films, Jet Tone.
ANTERIOR
ANTERIOR
Direito de Amar (A Single Man), 2008, Filme. Dir: Tom Ford. EUA: Fade to Black Productions. ANTERIOR

478
O Fabuloso Destino de Amélie Poulain (Le fabuleux destin d’Amélie Poulain),2001, FIlme. Dir: Jean-Pierre
Jeunet. França: Claudie Ossard Productions.

Moulin Rouge (Moulin Rouge! ),2001, Filme. Dir: Baz Luhrmann. EUA: Twentieth Century Fox Film Cor-
poration.

SEM Limites (Limitless), 2011, Filme. Dir: Neil Burger . EUA: Relativity Media.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

479
MARIZA, UM FILME

R oberto G ustavo R einiger N eto


Universidade Federal de São Carlos / Sinergia Publicidade - roberto.reiniger@gmail.com

Projeto de roteiro de longa metragem. - Ficção / 90minutos.


CAPA
CAPA
CAPA
U ma breve apresentação , um breve questionamento .

A presente publicação por ora, pode fugir, de um embasamento teórico / acadêmico, pois trata-se de
uma iniciativa excepcional, e quiçá, brilhante, da organização do Seminário de Histórias de Roteiris- SUMÁRIO
tas da Universidade Presbiteriana Mackenzie de São Paulo, para divulgação e promoção da produção SUMÁRIO
SUMÁRIO
dramatúrgica audiovisual contemporânea. Apresentado na 3a edição do Seminário supracitado, no
Grupo de Trabalho Processo e Criatividade em Construção – Grupo Criativo, Mariza, surgiu como
um curta metragem de avaliação final, da disciplina Introdução à direção, orientada pelo Professor
FICHA
FICHAFICHA
Dr. Wilson Bonifácio Júnior, cursada durante minha graduação em Bacharelado em Imagem e Som
(Realização Audiovisual), na Universidade Federal de São Carlos, entre os anos de 2003 e 2006. O ro-
teiro deste projeto ainda encontra-se em fase de elaboração, e resulta do questionamento que enfren-
tei durante a produção de minha bolsa de iniciação científica da FAPESP, nos anos de 2005 e 20061. PRÓXIMA
A academia audiovisual, ao meu ver, peca e é lacônica, ao embasar-se em duas esferas: a análise e
PRÓXIMA
PRÓXIMA
crítica, pela análise de uma produção já realizada, e a inexistência de ao menos uma quantificação

1 Os artigos publicados foram “O Gênero Musical No Cinema Hollywoodiano: A Musicalização do Coletivo E Seu ANTERIOR
ANTERIOR
Diálogo com a Chanchada Brasileira”, e “A Musicalização do Coletivo: A Projeção de Identidade e o Fluxo da Narrativa”,
ambos sob orientação do Professor do José Gatti Soares Júnior; ANTERIOR

480
para apontamentos ou registros metodológicos da obra audiovisual em si: o como fazer? Onde está?
Mariza é só um filme, por apontar e quem levanta a teria da análise. Mas quem são os teóricos para
a realização prática?

Este projeto encontra-se em fase de elaboração, mas acima de tudo um questionamento/embasamen-


to teórico, além de participar de editais e licitações públicas, procuro um possível orientador para
desenvolve-lo enquanto dissertação de mestrado na área.

U ma sinopse , jamais completa .

A vida de Mariza não dá um filme. Não é aquela história bonitinha que a maioria das mulheres gosta CAPA
CAPA
de ver nos cinema. Mariza não tem um padrão de beleza de uma celebridade. Mas ela tem um dife-
CAPA
rencial. Apesar de sua vida obsoleta, de uma integrante letárgica da classe média, Mariza depois de
tanta decepção, faz da sua luta contra a balança, uma arma para recomeçar. Mariza vai descobrir que
é traída pelo namorado, e a comida para ela, vira a arma de sua revolta. E o dinheiro para contentar SUMÁRIO
o seu vício, a porta para um possível e novo amor. Um final feliz para ela não importa, Mariza sabe SUMÁRIO
SUMÁRIO
que sua vida é tão blasée que um filme sobre ela, nada traria de novo. Aliás, se alguém algum dia
ligar uma câmera na frente dela, ela tem certeza que a única coisa que teria para oferecer seria um
documentário de cunho biológico para a National Geographic. Ela sabe que nem mesmo o que Syd
FICHA
FICHAFICHA
Field prega para escrever um roteiro cinematográfico, lhe caberia. Inclusive para escrever até a si-
nopse de seu filme.

PRÓXIMA
Um argumento , um preambulo .
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Um quente início de noite, o trânsito pesado, e executivos engravatados e apressados, ilustrarão a
paisagem que receberá nossos protagonistas para o desenrolar desta narrativa. Mariza descerá no
metrô Consolação e seguirá em direção a sua casa. Ela é uma simpática e bem nutrida jovem, com ANTERIOR
ANTERIOR
pezinhos em forma de pão francês. Mariza está com muita pressa, e acompanhada de sua amiga, ANTERIOR

481
está exausta. Ela retorna de seu trabalho como recepcionista. Mariza está faminta. A primeira opção
que vem a sua cabeça para uma refeição rápida e prazerosa é a padaria da esquina. Mariza é viciada
nos quitutes desta padaria. Adora as empadinhas de palmito as quais acredita que o padeiro as faz
especialmente para ela. Um delicioso cheiro de assado a guia pela rua, quando ela e a amiga passam
em frente a uma banca de jornal, Mariza lembra que não havia assistido o capítulo de sua novela no
dia anterior. Mariza adora assistir novelas. No dia seguinte ela e suas amigas do trabalho sempre
comentam o que aconteceu.

Na banca, Mariza se despede de sua amiga, e se aproxima da vitrine para ler as manchetes em uma
capa de revista. Um homem sai da banca e esbarra nela. Mariza acha aquilo um ultraje, e fica indig-
nada com os pormenores do sexo masculino, e se lembra que tem que correr, pois ainda falta aquela CAPA
CAPA
parada estratégica na padaria. Há tantas pessoas na rua e o calor é tamanho que ela mal consegue
CAPA
andar. A única coisa que vem a sua cabeça é aquela empadinha quentinha com um refrigerante light.

Mariza começa a ficar suada. Fica tão suada, que se formam duas manchas enormes em baixo das
SUMÁRIO
mangas de seu vestido. Ela chega à padaria e todos a cumprimentam. Ela é cliente preferencial, já é SUMÁRIO
de casa, ou melhor, sente-se em casa. Como que em um ritual mágico ela olha para vitrine e lá estão SUMÁRIO
elas: tenras e suculentas empadinhas de palmito que a aguardavam. Ela pede ao balconista que em-
brulhe quatro delas para viagem e pede também um refrigerante light. O início da noite a deixa mais
exausta e letárgica, a descida pela Rua Augusta é lenta e exaustiva. FICHA
FICHAFICHA
Roberval também descerá na estação de metrô Consolação. É um homem magro, alto, pálido, de
cabelos compridos e barba por fazer. Usa roupas escuras e leva seu saxofone. Aparenta ser um típico
músico frustrado, parece estar absorto no tempo. As pessoas ao seu lado andam tão rápido que ele PRÓXIMA
mal pode identificá-las. Ele segue em um passo lento e demorado, quase que angustiante. Roberval
PRÓXIMA
PRÓXIMA
para na esquina da Avenida Paulista com a Rua Augusta e começa a fitá-la. Fica pensando quantos
tipos de pessoas lá estão e como o homem é hipócrita a ponto de repudiá-las. Mendigos, jovens
“emos”, homossexuais, transexuais em fim de carreira, pedindo esmolas, evangélicos pregando, hin- ANTERIOR
ANTERIOR
dus meditando, enfim todos estão lá. Para ele a Avenida Paulista é o centro nacional dos negócios, ANTERIOR

482
mas também é o gueto das minorias. Definitivamente ele está desacreditado da vida, mas lembra que
está ali por que tem mais um medíocre show em um medíocre happy hour para animar meia dúzia
de medíocres executivos e ter um pouco de dinheiro para passar seu medíocre mês.

Ao chegar a seu trabalho, vê na porta do estabelecimento uma pequena faixa escrita “Hoje no happy
hour o saxofonista Roberval”. Constrangido, ele olha de relance a banca de jornal que havia próximo
dali e percebe que o nome do próximo rapaz que sairá na próxima edição de uma revista gay, tam-
bém é Roberval. Só então ele se recorda da mediocridade de seu nome. Muito deprimido Roberval
decide fumar um cigarro. Procura o seu maço em todos os seus bolsos. Não acha nada, só o papel
amassado do último maço que fumara. Não pensa duas vezes em ir até a banca de jornal comprar
cigarros. Chegando lá, passa longe das revistas em que Roberval, o outro, está nu. Não há um cen- CAPA
CAPA
tavo em sua carteira e a banca está sem sistema para cartões, quando sai de lá, meio desconsolado,
CAPA
Roberval esbarra em uma apressada moça que passava por lá. Ele se enfurece pelo encontrão com a
garota, mas não desiste de seu plano, para ele não há nada melhor do que uma tragada para relaxar
nos momentos de stress. Já passam das vinte e duas horas, e Roberval decide então caminhar pela SUMÁRIO
Rua Augusta a procura de um caixa 24Horas. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Mariza chega ao seu prédio. O porteiro, pela guarita, ao notar sua presença toma uma atitude sus-
peita. Como se quisesse alertar alguém, de um perigo iminente. Ele faz a luz da guarita piscar inces-
santemente, aperta todos os botões de controle da mesa de interfone, mas nada parece confortá-lo. FICHA
FICHAFICHA
Mariza não entende nada, mas acha graça da situação. Exausta, ela tira o seu salto e entra no ele-
vador. Mariza está realmente muito cansada. Ao se olhar no espelho do elevador, em um momento
epifânico, sente-se envergonhada de sua aparência física. Ao chegar ao andar de seu apartamento, PRÓXIMA
ouve os gemidos de um casal que se amava no momento. Mariza acha graça da situação. Para ela, PRÓXIMA
PRÓXIMA
a mulher envolvida nesta relação parecia gritar por clemência. Ao fundo, a trilha sonora enfatiza a
necessidade de se tomar atitudes e ultrapassar situações constrangedoras em uma relação amorosa.
Absorta em seus pensamentos, ela relembra as brigas dos casais das novelas que ela tanto gosta de
assistir. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

483
Porém, aos poucos, Mariza percebe que há algo de estranho, os gemidos e gritos de prazer vêm de
seu apartamento. Mariza reconhece a voz de seu namorado, ela abre a porta de sua casa, e se depara
com a situação mais constrangedora possível: ele, de olhos vendados, veste calcinha e sutiã. Enquan-
to transava com uma amante, seu namorado dubla a apresentação de um transexual, que naquele
momento era veiculada na televisão. A amante de seu namorado é tomada por uma crise compulsiva
de gargalhadas. Mariza acende a luz da sala. O frenesi é tanto que o casal demora a perceber sua
presença. Milhares de sensações passam por sua cabeça, neste momento dá-se início a um número
musical: Mariza entoa a mesma canção veiculada na televisão, ela afasta a ironia levantada pelo seu
namorado e torna este momento de suma importância para a narrativa. Ela friamente vai até sua
área de serviço, enche um balde de água e joga em cima do casal, enxotando-os a vassouradas de seu
CAPA
apartamento. Seu namorado e a amante mal têm tempo de pegar seus pertences. Ele, sem perceber, CAPA
ainda sai trajando o salto alto de Mariza. O namorado ainda tenta algum tipo de diálogo pela porta- CAPA
ria do prédio, ele não se dá conta do ridículo de estar trajando lingerie.

Mariza friamente vai até a cozinha. Olha para uma melânica que está em cima de seu forno de mi- SUMÁRIO
croondas. Pega a fruta e joga pela janela tentando acertar seu namorado em sua cabeça. A vizinhança SUMÁRIO
SUMÁRIO
toda acorda, e acha graça ao ver o galanteador do bairro naquela situação.

Roberval, neste momento, passava em frente ao prédio de Mariza, e também pára ao se deparar com
tal patético acontecimento. Para ele, a vida deveria ter trilha sonora. Para Roberval, só a cidade de FICHA
FICHAFICHA
São Paulo é capaz, em meio ao caos metropolitano, de proporcionar situações como esta. Roberval
para na esquina do prédio, pega o seu instrumento e executa alguns acordes. Durante algum tempo,
ninguém lhe dá gorjeta alguma. A necessidade de nicotina lhe é mais forte, e Roberval decide con- PRÓXIMA
tinuar sua caminhada. O ritmo noturno da Rua Augusta retarda o ritmo de Roberval. Milhares de PRÓXIMA
PRÓXIMA
pessoas nas ruas, casais apaixonados nos bares, mendigos, crianças passando fome, malabaristas nos
semáforos.

Mariza, aparentando uma falsa frieza, senta-se à mesa de sua sala, e como em um alento, saboreia ANTERIOR
ANTERIOR
cada empadinha, como se fosse a primeira vez. Para ela é como se o padeiro imaginasse o dia difícil ANTERIOR

484
que ela teria, e não se esquecesse de colocar uma azeitona preta em cada salgadinho. Como que de
costume, Mariza tira os seus sapatos, deita-se no sofá com um pote de sorvete de chocolate. A triste-
za finalmente desponta em seus olhos, e ela derrama uma lágrima. Mariza chora compulsivamente
enquanto toma o sorvete. A noite avança e Mariza adormece.

Roberval, absorto pela vida noturna da Rua Augusta, decide cancelar sua apresentação. Liga do seu
celular para o dono bar. A busca por um caixa 24Horas passa a ser seu objetivo. Roberval se esque-
cera de que na verdade, tudo o que ele procurava era um lugar para comprar um maço de cigarros.

Mariza acorda assustada. Parece que dormira por um longo tempo. Mas não, cochilou apenas por
alguns minutos. A campainha de sua casa toca e Mariza assustada vai atender a porta. Ao olhar pelo
CAPA
olho mágico da porta, adquire uma expressão contumaz. Trata-se de sua tia avó, que vai entrando CAPA
sem pedir licença. Ela traz uma assadeira com um bolo de banana, e de dentro da sua bolsa, tira um CAPA
bilhete de sua prima, e entrega a sua sobrinha. Esta também é uma rotina na vida de Mariza: sua
prima, toda sexta-feira, arruma alguma desculpa para deixar sua tia com Mariza, e aproveitar o final
SUMÁRIO
de semana no pagode. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A tia avó de Mariza é surda. Não escuta o que Mariza lhe fala. Senta-se no sofá, retoma a produção de
seu tricô, e sintoniza a programação evangélica da madrugada na televisão. Mariza, frustrada com
os rumos de seu final de semana, tenta falar com sua tia, informando-a que elas jantarão uma pizza.
FICHA
FICHAFICHA
O gosto pelo fast-food, rápido e prático é uma das marcas registradas de nossa personagem. Mariza
vai até sua geladeira, e pega um maço de folhetos de delivery, que está embaixo de seu pingüim, e
dá início à sua pesquisa.
PRÓXIMA
São tantas as opções. Mariza pensa na mais calórica, de certa forma, ela acha que pode transferir PRÓXIMA
PRÓXIMA
sua culpa para a comida. Sua opção é certeira: entre a Pizzaria do Bartô, e a Pizzaria da Sabrina,
fica com a Pizzaria da Sabrina. Nome de homem depois do dia que ela teve, é impraticável. E ainda
que a Sabrina não aceite cheque, nem vale refeição, como o Bartô, Mariza não quer qualquer relação
com o sexo oposto nesta noite, pelo menos por hora. O sabor de seu jantar: a pizza número 57 do ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

485
cardápio, “Prazeres”, composta por uma fina massa crocante, mussarela, molho de tomate, bacon,
champignon, cebola, azeitona e orégano. Mariza pega sua carteira. Não há dinheiro em espécie, ela
acaba reconsiderando sua decisão e liga para a Pizzaria do Bartô. Esta está fechada, pois já passa de
seu horário de funcionamento. Não há o que fazer, só lhe resta Sabrina e a missão de enfrentar a noite
paulistana à procura de um caixa 24Horas. Sua tia adormecera no sofá, migalhas de bolo de banana
ordenam seu vestido. Seu ronco tem ritmo e melodia, mas irrita nossa personagem, que calça seus
sapatos, veste um casaquinho, e sai à procura de dinheiro.

A noite paulistana quente e abafada resultou em uma madrugada fria, e chuvosa. É sexta-feira à noi-
te na Rua Augusta, há um clima de felicidade no ar, porém, Mariza sente-se oprimida. Parece que só
agora ela se dera conta da traição que sofrera. Parece que só ela não pode ser feliz, e essa felicidade CAPA
CAPA
que a rodeia, deixa-a cada vez mais triste. Ela anda pelas calçadas, e absorta, apenas observa a felici-
CAPA
dade dos enamorados que lá estão: belos casais gays e transexuais, de corpo escultural, trabalhando.

Finalmente, um centro comercial, um caixa 24Horas. É neste local que nossos personagens se encon-
SUMÁRIO
trarão. A galeria é pouco movimentada. Lojas fechadas, não há funcionários, nem seguranças. Rober- SUMÁRIO
val adentra o prédio. Um sorriso desponta no canto de seus lábios: missão parcialmente cumprida, SUMÁRIO
ele encontrara um caixa 24Horas. A efusiva felicidade que lhe toma conta no momento, faz com que
ele não encontre seu cartão de crédito. Roberval não é apegado aos bens materiais, mas em sua car-
teira há uma profusão de inutilidades. Comprovantes de compra com cartão, cupons de desconto, FICHA
FICHAFICHA
cartões fidelidades de farmácias, supermercados, motéis, preservativos, guardanapos com telefones,
ingressos usados de cinema. Tudo. Menos o seu cartão do banco. Nesta busca incessante, uma senho-
ra toma a sua frente para o uso do caixa. Roberval respira fundo para manter a calma, porém o ar lhe PRÓXIMA
falta, seu pulmão é congestionado pelo tabagismo. Mariza também chega ao caixa eletrônico, tem PRÓXIMA
PRÓXIMA
sua visão comovida pela senhora que se atrapalhara na hora de inserir o cartão no caixa automático
de crédito, ela se aproxima para ajudar, porém dá um esbarrão em Roberval, que tem outro acesso
de tosse. Os dois se entreolham e se estranham por um momento. A senhora finalmente consegue
usar o equipamento e vai embora, dando passagem a Roberval, que se aproxima do mesmo. Neste ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

486
instante, um jovem, trajando moletom com capuz, e aparentando um certo nervosismo se aproxima
de Mariza. Este é o assaltante de nossa estória, aparentando um certo amadorismo em suas atitudes.
Ele rende Mariza e comunica o assalto, incumbindo-lhe da missão de alertar Roberval que este tam-
bém será levado.

Ao receber a notícia, Roberval dá risada da cara de Mariza e continua sua caminhada em direção ao
seu objetivo: o dinheiro para o maço de cigarros. O jovem assaltante perde controle de suas atitudes
e mostra aos dois que está armado. A sua falta de prática para com o manejo do armamento o torna
patético, mas mesmo assim, Mariza e Roberval seguem o jovem meliante. Os dois são obrigados a
entrar em um carro parado na porta do centro comercial. O veículo que os conduzirá é velho e mal
conservado. O jovem insiste que os dois entrem no veículo, e tem dificuldade de retirá-lo do local. O CAPA
CAPA
jovem assaltante, quando pára o veículo em um semáforo aproveita a oportunidade para amarrar e
CAPA
amordaçar o casal. O carro falha em vários momentos, fazendo com que seu condutor o empurre por
diversas vezes. Uma fina garoa traz o amanhecer. Mariza e Roberval adormecem, e a cidade de São
Paulo acorda, com seu trânsito, seu calor e sua poluição. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O jovem assaltante abandona o casal em seu carro em um ponto da periferia. O sol aumenta. Um SUMÁRIO
grupo de crianças que se dirigia à escola pára em volta do carro em que estão Mariza e Roberval. As
crianças dão risadas da situação constrangedora: Roberval dorme no colo de Mariza como um recém-
-nascido. As crianças ajudam os dois a se soltarem. Quando ambos saem do carro, e aparentemente FICHA
FICHAFICHA
decidem tomar direções opostas para pedirem ajuda, de súbito se entreolham, e ao partirem para o
beijo, o filme chega ao seu final.

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
As personagens desta inocente retórica .

MARIZA,30 anos, recepcionista. 1,60m de altura, 85 kg, cabelos castanhos e compridos, pele branca
com marcas de espinhas, e alterações de seu excesso de peso. Mariza da Silva Pinto é nascida em
Birigui, interior de São Paulo. Logo que terminou seu ensino médio veio para a capital em busca de ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

487
uma vida melhor. Mesmo sendo de classe média, pouco conquistou na cidade grande, devido sua
aparência física e sua timidez. Mariza desistiu da faculdade e é tomada por uma vida letárgica. Sen-
te-se isolada por não ter um padrão estético socialmente aceitável, e fica absorta ao observar mode-
los, celebridades e galãs de novela.

Mariza mora em um pequeno apartamento na Rua Augusta, no centro de São Paulo. Local este,
símbolo de uma pluralidade vasta de identidades: a cultura, a noite e a prostituição paulistana es-
tão intrínsecos à vida desta personagem. Mariza chega a se rebaixar até por não conseguir o corpo
escultural de um transexual, e muito menos, algum relacionamento com um gay que tenha porte
atlético. A consciência de não se firmar enquanto mulher reflete diretamente em sua dieta, repleta de
fast-food. Mariza é totalmente manipulada pela publicidade consumista. O seu stress e a sua alegria CAPA
CAPA
são amparados pelos quitutes da padaria de seu bairro. Mariza não faz terapia, Mariza freqüenta a
CAPA
padaria. Ela sente-se em sua casa e sabe que cada produto que consome é feito especialmente para
ela. Os seus maiores fetiches são o palmito e a azeitona de uma empadinha, e disso ela não passa.
SUMÁRIO
Mariza tem um namorado, porém é incapaz de tomar atitude alguma contra a traição que enfren- SUMÁRIO
ta. Trata-se de seu primeiro contato com o sexo oposto. Ela não é valorizada em sua relação, é tida SUMÁRIO
apenas como um sexo garantido para os finais de semana. Mesmo seu namorado não sendo bonito,
assim como ela, refém das calorias, ela ainda insiste em manter a relação, única e exclusivamente,
pelo contato com o sexo oposto. Em sua história, foi preciso a apresentação de um transexual pela te- FICHA
FICHAFICHA
levisão, no momento em que ela finalmente percebera a traição que sofrera. E da canção que se entoa
nessa cena, Mariza se firma enquanto mulher e põe fim ao seu namoro. Seu vício é a sua arma e seu
alento: ela tenta matar o seu namorado com uma melancia que tinha em sua cozinha, ao fim, chora PRÓXIMA
enquanto toma sorvete de chocolate, pela situação que passara. PRÓXIMA
PRÓXIMA
A tensão de seu cotidiano volta a tomar conta de sua estória, Mariza precisou ser posta como vítima
de um seqüestro relâmpago, para assim surgir a possibilidade de uma relação amorosa concreta:
Roberval, tido como refém junto com ela.Ao olhar para Mariza, você pode tomar um susto, ela se ANTERIOR
ANTERIOR
parece, e muito, com a Macabéa, personagem de Clarice Lispector em “A Hora da Estrela”. ANTERIOR

488
ROBERVAL, 35 anos, saxofonista. 1,80m de altura, 70 kg, cabelos pretos bem compridos, piercing
nas orelhas e barba por fazer. Roberval Dias Pinto sempre soube que seria músico. Aprendeu com os
seus amigos do cinema, e desde então faz questão de repetir, que é uma pessoa extra diegética. Sen-
te-se fora, deslocado do mundo em que vive. E a cada dia que passa fica mais frustrado por ter que
sobreviver de happy hour e MPB para garantir o seu dinheiro no final do mês. O seu maior sonho
seria o de tocar e cantar as letras de suas músicas. Mas Roberval tem vergonha. E para essa sensação
de incapacidade, ele só vê uma saída: o cigarro. Nem o próprio Roberval entende como que com tan-
to cigarro, ele consegue tocar o seu saxofone.

Todo o dia Roberval se dá conta que do nada, ele fica absorto, observando a região da Rua Augusta.
Inúmeras identidades, inúmeras minorias, cada uma em seu discurso. E por que ele não consegue CAPA
CAPA
se firmar enquanto artista e músico? Roberval sente-se menosprezado, ameaçado. Até os homens
CAPA
mais bonitos, que por ventura, podem namorar outros homens, são para ele uma ameaça. A baixa
estima de Roberval, o afasta das mulheres. Por muitas vezes só lhe resta correr atrás de filmes e re-
vistas pornográficas. A masturbação é o seu consolo e o seu saxofone uma tentativa de sua projeção SUMÁRIO
falocêntrica. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Assim como Mariza, Roberval é movido pelo consumismo midiático. Fast-food para ele é a sua ração
diária, o cigarro é o seu alento. Na sua incapacidade de agir, Roberval nem mesmo tem a preocupa-
ção de sequer andar com dinheiro em espécie. O cartão de seu banco lhe dá a falsa sensação do poder FICHA
FICHAFICHA
de consumo: o dinheiro plástico e rápido, mesmo que inacessível após as 22 horas. E é este o fator
que o leva a deambular a esmo, no sentido neo-realista mais cinematográfico da palavra: Roberval
sem dinheiro em espécie sai para comprar cigarros, mas antes, precisa de um caixa 24Horas. E é nes- PRÓXIMA
sa condição que sua identidade, enquanto homem, da espécie heterossexual, se firma, mesmo que PRÓXIMA
PRÓXIMA
pelo trágico. Somente como vítima de um seqüestro relâmpago, que Roberval tornou-se capaz de se
enxergar e enxergar o outro, tendo Mariza, também inserida nesse contexto, como uma possibilidade
de relação amorosa.
ANTERIOR
ANTERIOR
Roberval pode ser uma versão de Alice, a do “País das Maravilhas”, só que de roupa preta, nicotina ANTERIOR

489
nos pulmões, e um pênis entre as pernas.

T eorias , direções e ações de M ariza


O longa-metragem “Mariza” retratará situações limites em que o ser humano é posto a prova e reage
de forma inusitada. A personagem que leva o nome do filme, passa por uma inconstante formação
de sua identidade, entre o seu padrão de beleza e o padrão do que é aceito pela sociedade. O cenário
deste trânsito de identificações é a Rua Augusta em São Paulo, que em meio à sua vida noturna e sua
pluralidade, a torna única e singular, na profusão de milhares de pessoas.

Acima de tudo, a narrativa de “Mariza” será uma análise comportamental, o importante será o modo CAPA
CAPA
como ocorrerão os conflitos e não as resoluções e fluxos narrativos, propriamente ditos. A identifica-
CAPA
ção do espectador com o filme, se ocorrer, não será pelo padrão de beleza das personagens, mas sim
pelo humor em relatar que conflitos amorosos ocorrem com todos, pertencentes a minorias, ou não.
SUMÁRIO
Um dos diferencias desta trama, será o de ressaltar a relação de Mariza, com personagens que não SUMÁRIO
possuem nome. Serão representantes da massificação das minorias que convivem mutuamente na re- SUMÁRIO
gião da Rua Augusta, em São Paulo. Região esta que acima de tudo consegue estabelecer o convívio
entre o seu circuito cultural, a vida noturna e a exploração sexual.
FICHA
FICHAFICHA
Toda a projeção da identidade desta personagem será por meio de números musicais: a dança neste
caso entra como propulsora de uma ação dramática de protesto, ou como tentativa de autofirmação na
conjuntura diegética. Há o momento, mesmo que epifânico, da apresentação de uma outra Mariza na
trama. Aquela que pela música, molda a sua identidade para um padrão estético aceitável. A lingua- PRÓXIMA
gem destas ações terá como referência o vídeo clipe da década de 80, linguagem está em que o digital
PRÓXIMA
PRÓXIMA
atingia o ápice de seu surgimento enquanto ferramenta estética para o audiovisual. A dança nesta
ocasião também fará alusão a sexualidade das personagens, ao ato ritualístico de sedução, à dança do
acasalamento. O mais importante nestas sequências será a ação física, e não cantada. As músicas não ANTERIOR
ANTERIOR
terão letras. O corpo será a principal ferramenta para emissão dos sentidos da comunicação. ANTERIOR

490
Outro ponto estético de suma importância para a realização deste projeto, é a interação entre o que é
diegético, e o que é extra diegético: a semelhança com a produção de um vídeo etnográfico. Durante
a gravação há a possibilidade de se usar a imagem, contando com a liberação de uso, daqueles que
observarão a realização da cena, e junto com os espectadores do longa estarão como observadores
da cena. A linguagem do filme será rápida, violenta e suja, para retratar a polifonia dos discursos
presentes na Rua Augusta, um dos polos culturais de São Paulo. Para que se atinja esta estética, o
suporte de captação será o DV, fator que viabilizará em custos a finalização do projeto.

O ponto de virada principal do roteiro é o momento em que a personagem do filme encontra seu na-
morado com outra, mas os fatos que ocorrem antes deste evento, a sua trajetória até chegar à baixada
da Rua Augusta, local de sua residência, já prenunciam os fatos que irão acontecer. São prólogos do CAPA
CAPA
momento que está por vir. O que de antemão parece ser uma deambulação a esmo do cinema neo
CAPA
realista, nada mais são do que tentativas do embasamento da formação de Mariza.

O primeiro momento de ação musical da trama é quando Mariza e sua amiga, ao saírem do metrô
SUMÁRIO
são assediadas no início da Rua Augusta. Este assédio, na verdade, é focado em sua amiga, que já a SUMÁRIO
abandona no início da trama. O que lhe resta de insinuação, parte de um grupo gay que se divertia SUMÁRIO
com as condições de Mariza em cena. Estas condições surgem, sobretudo por uma tentativa de fazer
de uma placa de sinalização da esquina, ferramenta para um número de pole dance, que não seduz
ninguém. FICHA
FICHAFICHA
As referências nesta ocasião, bem como nos demais números do filme, seriam com o filme “Precious”
(Preciosa, Dir.: Lee Daniels, 2009), obra em que o trânsito de informação entre os planos acaba por
denegrir a personagem, ou ainda, deixá-la cada vez mais utópica. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

491
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
Precious, personagem de Gabourey Sidibe no filme de Lee Daniels

Toda trilha sonora, a partir deste ponto, também passa a ter um embasamento de referência: som ele-
trônico, pop, semelhante à obra de Madonna na década de 80, sobretudo a música Express Yourself, FICHA
FICHAFICHA
e outros títulos como Please Don´t Let Me Be Misunderstood, do grupo Santa Esmeralda. A retoma-
da da mise-en-scène aos poucos à incentiva uma mudança de comportamento. Mas esta mudança é
lenta e gradual. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

492
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

Madonna no video-clip Express Yourself e


Please Don’t Let Me Be Misunderstood, do grupo Santa Esmeralda PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Vale ressaltar que todas as referências supracitadas em momento algum serão utilizadas na íntegra,
ou em trechos, em virtude da legislação de direitos autorais na atual conjuntura da produção cultural.

Passada a primeira tentativa de firmação da personagem, ela se depara com mais uma tentativa de ANTERIOR
ANTERIOR
provocação: o contato com garotas de programa e transexuais do final da Rua Augusta. Mariza sen- ANTERIOR

493
te-se menos mulher, daquele(a)s que coabitam o local próximo de sua residência.

Um carro para ao seu lado com o farol de trânsito fechado. Por um único momento, nossa persona-
gem acha que será solicitada a ajudar um senhor de idade com informações sobre as redondezas.
Mas não. Ele, ao abrir o vidro do carro com insulfilm, depara-se que a sua tentativa de arrumar uma
companhia para a noite não lhe agradaria. Faltaram-lhe os óculos. A personagem encara um novo
número musical para lhe firmar no meio social. Em uníssono com todo(a)s profissionais do sexo,
uma nova manifestação, uma musicalização do coletivo ocorre na trama. Este momento é uma refe-
rência direta à cena em que a personagem Choni, interpretada por Victoria Torres no filme “Tacones
Lejanos” (De Salto Alto, Dir.: Pedro Almodóvar, 1991), lidera um número musical feito presidiárias
isoladas do universo masculino. CAPA
CAPA
Finalmente Mariza chega em casa, e ao descobrir que é traída pelo seu namorado, trará a projeção de CAPA
sua identidade na trama através de um número musical final. Quando encontra com seu namorado e
a amante, estes assistiam a apresentação de um travesti pela televisão. E é desta música, que um ide-
SUMÁRIO
al de beleza, comum de dois gêneros, se tornará condizente com a projeção da identidade de nossa SUMÁRIO
personagem. Ainda que esta seja obesa, e use a comida para se firmar enquanto pessoa. SUMÁRIO

Mariza em um ataque de fúria usa a comida que esta dentro de sua casa para se vingar de seu namo-
rado e da amante. O que mais a revoltará é o fato de seu namorado trajar as suas roupas íntimas en-
FICHA
FICHAFICHA
quanto ele dublava o show que assistia na televisão. O namorado é alvo de tudo aquilo que a destrói,
a amante sai pela espreita, mas ele não consegue escapar, e é atingido por uma melancia na cabeça.
Pouco se sabe sobre o fim dele, o único fator que é sugerido, após uma elipse temporal, é a hipótese
de que o seu namorado, pelo trauma que passara, tenha virado um transexual e tenha partido para PRÓXIMA
a prostituição.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

O propósito deste encerramento final seria uma crítica à linguagem do cinema nacional. O fugir do
lugar comum de contar banalidades, e/ou crimes frente à formação das classes baixas. O foco de
“Mariza” é ser um filme feminino, porém sem futilidades. Nos mais “almodovariano” dos sentidos, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

494
relatar pelo drama, uma sutil comédia, da crise de identidade do outro, para que com esta haja a
identificação.

Mariza ainda será retratada como analista de seu próprio comportamento. De modo extra diegético,
ela entra na narrativa comentando e criticando o seu próprio vício: a comida em excesso.

Por fim, Mariza será um filme de pouco diálogos. A imagem conduzirá a narrativa: uma etnografia da
identidade da mulher, que independente da classe em que esteja, sofre para ser aceita na sociedade.

R eferências
CAPA
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CAPA
FAMECOS/CNPQ/CAPES, 2003; CAPA
CAPA
RUBIO, Pablo Perez. El Cine Melodramatico. Barcelona: Ed. Paidós, 2004;

SORLIN, Pierre. Sociologia Del Cine (La apertura para la historia de mañana). México: Fondo de Cultura
SUMÁRIO
Econômica, 1985; SUMÁRIO
SUMÁRIO
STANISLAVSKI, Constantin. A Preparação do Ator. São Paulo: Editora Civilização Brasileira, 1999;

SZONDI, Peter. Teoria do Drama Moderno. São Paulo: Ed. Cosac & Naify, 2001;
FICHA
FICHAFICHA
THOMPSON, Kristin. Storytelling in the New Hollywood. EUA: Harvard University Press, 1999.

VANOYE, Francis; GOLIOT-LÉTÉ, Anne. Ensaio Sobre a Análise Fílmica. São Paulo: Ed. Papirus, 1992;

VIEIRA, João Luiz. “Cinema e Performance”. in. XAVIER, Ismail (org.). O Cinema no Século. Rio de Janeiro: PRÓXIMA
Ed. Imago, 1996;
PRÓXIMA
PRÓXIMA

XAVIER, Ismail. O Discurso Cinematográfico: A Opacidade e a Transparência. Rio de Janeiro: Ed. Paz e
Terra, 1984;
ANTERIOR
ANTERIOR
______________ O Olhar e a Cena. São Paulo: Ed. Cosac & Naify e Cinemateca Brasileira, 2003. ANTERIOR

496
DE SALTO ALTO (TACONES LEJANOS). Direção e Roteiro: Pedro Almodóvar, Produção: Esther García,
Intérpretes: Victoria Abril, Marisa Paredes, Miguel Bosé e outros. El Deseo, 1991, VHS, 110
min, som, cor;

PRECIOSA (PRECIOUS). Direção: Lee Daniels, Roteiro: Geoffrey Fletcher e Sapphire, Produção: Lisa Cor-
tes, Intérpretes: Gabourey Sidibe, Mo’ Nique, Paula Patton e outros. Lionstage, 2009, DVD,
110min, som cor;

EXPRESS YOURSELF. Madonna in. Like a Prayer, Single, Warner Bros Music 1989, LP;

PLEASE DON’T LET ME BE MISUNDERSTOOD, Santa Esmeralda, Leroy Gomez in Don’t Let Me Be Mi-
sunderstood. CasaBlanca Records, 1977. CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

497
PROJETO EXPERIMENTAL: A ERA DA INFORMAÇÃO

Mirna Ayumi Kajiyama | Gabriel Sidorenko | Mariana Buglia | Thiers Gomes Silva
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho - mirnaayumi@gmail.com | gabriel_sidorenko@hotmail.com | maria-

nabuglia@hotmail.com | (orientador) thiersgo@yahoo.com

Resumo CAPA
CAPA
Este projeto tem por objetivo a organização de conteúdos para a produção e transmissão de progra- CAPA
mas sobre a informação e sua forma de registro e divulgação no meio social, apresentando programas
para explicar ao ouvinte o histórico do próprio meio de comunicação e transmitir por meio da elabo-
SUMÁRIO
ração de conteúdos, os conceitos de informação. Para o desenvolvimento deste projeto experimental, SUMÁRIO
serão associados com os trabalhos práticos, os conhecimentos adquiridos nas disciplinas práticas- SUMÁRIO
-profissionalizantes Roteiros Radiofônicos, Organização da Produção e Direção em Rádio e Prática
de Produção para o Rádio, logo, busca-se, na articulação com pesquisa, melhorar a vida cotidiana
dos ouvintes. A informação, atualmente, é um elemento indispensável para a expressiva prática da FICHA
FICHAFICHA
cidadania, pois é fundamental no processo de formação da opinião pública; o direito á informação é
assegurado pela Constituição Federal. No desenvolvimento deste projeto experimental, poderá ser
verificado que a informação, no suporte rádio - meio de comunicação social – a informação é mani- PRÓXIMA
festada por meio da oralidade, geralmente, de natureza profissional e planejada do profissional de PRÓXIMA
PRÓXIMA
radiodifusão. O locutor é um dos principais intérpretes dos conteúdos inseridos nos roteiros radio-
fônicos. Pode-se verificar na diversidade de ações, de locutores e de ouvintes, a intervenção humana
realizando: os processos cognitivos de percepção, transformação, armazenamento, recuperação e
utilização da informação. Porém, no meio social, observa-se que nem todos os ouvintes radiofôni- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

498
cos possuem entendimento e tempo suficientes para compreender, avaliar, assimilar e fazer uso dos
conteúdos transmitidos. Este projeto experimental visa desabilitar a característica praticamente ho-
mogênea dos programas radiofônicos para a transmissão da informação.

Palavras Chave: Rádio. Informação. Roteiro. Conteúdo. Programas

A bstract
This project has as an objective the content organization for the production and transmitting of de programs
about the information and their way of registration and disclosure in the social environment, presenting pro-
grams for explaining to the listener the history of the own communication environment and pass through the CAPA
CAPA
preparation of content, the concepts of information. For the development of this experimental project, will be
CAPA
associated with the practical works, the knowledge acquired in the professional practice matters, Radio Script,
Production Organization and Management in Radio and Radio Production. Then, looking up, with research,
improving the daily lives of listeners. Currently, information is an indispensable element for the expressive SUMÁRIO
practice of citizenship, because it’s fundamental in the process of shaping public opinion; the right for infor- SUMÁRIO
SUMÁRIO
mation is guaranteed by the Federal Constitution. In the developing of this experimental project, it will be
possible to verify that the information, in support radio – social media – is orally manifested, in general, in
a planned professional nature. The speaker is one of the main interpreters of the contents inserted into radio
FICHA
FICHAFICHA
scripts. It’s possible to check it in the diversity of actions, from speakers and listeners, the human intervention
conduction: the cognitive processes of perception, processing, storage, retrieval and use of information. How-
ever, in the social environment, it’s observed that not all radio listeners have understanding and time enough
to comprehend, assimilate and make use of the transmitted contents. This experimental project aims to disable PRÓXIMA
the feature of practically homogeneous radio programs for the transmission of information.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Key words: radio. Information. Screept. Content. Programs.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

499
A E ra da I nformação
Historicamente, a Era da Informação, também chamado de Era Digital, é o nome dado um período que
começou no século XX, mais especificamente após a Era Industrial, com o surgimento de invenções
tecnológicas tais como microprocessador, rede de computadores, fibra óptica e computador pessoal.
Esses avanços tecnológicos principalmente nas áreas de computação e telecomunicação causaram e
vêm causando um significativo impacto na sociedade e no modo como vivemos. Com isso, a carga de
informação tem sido cada vez maior, fazendo-se dela um dos mais importantes recursos econômicos.
Com a remodelação das bases da sociedade, as redes tornaram-se indispensáveis na geração de ri-
quezas e criação de códigos culturais. Isso se deve à necessidade das pessoas de integração, dentro
dos moldes sociais, econômicos e culturais.
CAPA
CAPA
Os movimentos sociais, culturais e econômicos que ocorriam na época
CAPA
influenciaram, de forma considerável a mudança tecnológica para usos
individualizados e descentralizados da tecnologia produzindo uma nova
sociedade, caracterizada por uma estrutura social dominante: a socieda- SUMÁRIO
de rede, com isso uma nova economia: a economia informacional global e SUMÁRIO
SUMÁRIO
uma nova cultura: a cultura da virtualidade real. (LUPPI, 2009)

Na Era da Informação, além do jornal, rádio, televisão, um outro meio de comunicação de massa tem
exercido papel fundamental na humanidade. É a internet, que permite reunir todos os meios em um FICHA
FICHAFICHA
só aparelho, o computador. Hoje não só o computador, como também a geração 3G do celular, Ipad,
etc.

Com a internet é possível se conectar com outras pessoas através de e-mail, chats, redes sociais, além PRÓXIMA
de realizar transações bancárias, fazer compras, pagamentos, realizar pesquisas, fazer reservas em
PRÓXIMA
PRÓXIMA
teatros, e assim vai. Tudo isso está incorporado ao modo de vida das pessoas, estar conectado o tem-
po todo virou parte do cotidiano.Todas essas transformações permitem não só uma maior interação
entre as pessoas, como também a troca de conhecimento e informação. Nunca antes o volume de ANTERIOR
ANTERIOR
notícias foi tão grande e sua difusão tão rápida. ANTERIOR

500
Entretanto, o poder de manipulação das massas pela mídia cresceu num mesmo patamar. Interesses
políticos e econômicos fazem os acontecimentos divulgados muitas vezes serem selecionados ou dis-
torcidos. É preciso, principalmente na internet, checar as fontes para saber se a informação é válida
ou não.

A I nformação e a P rodução do C onhecimento


A relação entre a informação e o conhecimento interessa, segundo Gómez (1984), para a “utilização/
absorção de conhecimento ou no escopo do ‘crescimento do conhecimento’”. A informação se torna
indispensável à produção do conhecimento no ponto em que esta necessita de divulgação para ser
CAPA
acessada pelos indivíduos de uma sociedade. Toda informação transmitida a um indivíduo ou a um CAPA
grupo de indivíduos deve utilizar uma linguagem própria de modo que seja assimilada e entendida CAPA
com clareza. Para Ortriwano (1985) “o objetivo da informação com mensagem radiofônica é manter
o ouvinte a par de tudo o que de interesse e atualidade ocorre no mundo.” Dentro da chamada “Era
SUMÁRIO
da Informação” as emissoras de rádio educacionais tem como papel a divulgação para a sociedade SUMÁRIO
do conhecimento produzido a partir de pesquisas dentro do campo universitário. Essas emissoras SUMÁRIO
devem, utilizando de linguagem própria e adequada, transmitir as pesquisas de nível acadêmico à
sociedade de maneira objetiva e de fácil compreensão levando em conta o que diz Prado (1985) “o
rádio não é o meio mais adequado para a transmissão de longas séries de números, estatísticas ou FICHA
FICHAFICHA
gráficos. (...) convém estabelecer comparações ilustrativas que facilitam a compreensão.”

PRÓXIMA
A I nformação no R ádio PRÓXIMA
PRÓXIMA
Desde o surgimento do rádio, uma das suas principais funções é a emissão de informação. A primei-
ra transmissão radiofônica brasileira foi realizada pelo padre Landell de Moura em sete de setembro
de 1922, ao qual transmitiu um discurso do presidente Epitácio pessoa. Mesmo com o surgimento
de programas de auditório, programas musicais, telenovelas, que acabam sendo mais atrativos, os ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

501
programas informativos continuaram a existir. O rádio é um importante meio de informação devido
a sua rapidez. Qualquer programa pode ser interrompido para se dar uma notícia urgente, ou seja, a
notícia pode ser transmitida simultaneamente ao fato ocorrido ou logo após, o que já não é possível
com a televisão, devido ao formato da programação. Além da facilidade de acesso e do território de
abrangência do rádio, que chega a ser maior do que o televiso alcança, em casos extremos, o rádio é
barato e confiável. Mas o rádio não se resume apenas em notícias rápidas. Como meio de transmissão
de informação, ele possui vários programas jornalísticos, que não repassam somente notícias, como
as debatem, explicam, facilitam o entendimento dos acontecimentos para o ouvinte. Como disse
Emilio Prado no livro Estrutura da Informação Radiofônica (1985):

O papel do rádio como meio informativo não está, de qualquer forma, CAPA
CAPA
limitado a dar a primeira noticia, papel ao qual tentaram reduzir todos
CAPA
aqueles que – como afirmou Marshall Macluhan – tentam comprimir este
“sistema nervoso de informação” em “uma informação nervosa do siste-
ma” que se materializa nos resumos de minutos ou em pílulas de trinta SUMÁRIO
segundos. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O rádio pode contar também com entrevistas, com convidados especiais, como especialistas no as-
sunto ou pessoas que estiveram presente no momento do acontecimento que foi noticiado. Assim,
elas podem esclarecer melhor as informações complicadas, que demandam um maior conhecimento FICHA
FICHAFICHA
ou contar melhor os detalhes do momento. No rádio, as informações não estão presentes apenas nos
programas jornalísticos, elas aparecem em scats durante a programação e em rapidinhas em progra-
mas de entretenimento. O formato dos programas mudou para se adaptar a atualidade, porém ainda PRÓXIMA
continuam a informar e suas características particulares permanecem até hoje. PRÓXIMA
PRÓXIMA

C onsiderações F inais
Ser informado e estar informado são muito importantes para a formação do indivíduo e para se ter
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

502
uma boa relação com as pessoas dentro de uma sociedade. Apesar de hoje em dia existir várias tec-
nologias de comunicação, o rádio ainda é bastante utilizado como veículo de comunicação de massa
e para disseminação de informação.

Para Ortriwano (1985) “o objetivo da informação com mensagem radiofônica é manter o ouvinte a
par de tudo o que de interesse e atualidade ocorre no mundo.” Os roteiros radiofônicos realizados
neste projeto foram feitos para divulgar a disseminação de informação, mostrar como é feita toda a
produção para o rádio, incluindo sonoras com opiniões de diversas pessoas, que certificam a veraci-
dade da informação. Conta ainda com programas que falam do próprio rádio, seu histórico e funcio-
namento como veículo de comunicação de massa. Há também um programa que fala sobre twitter e
facebook, sobre como as pessoas recebem informações dessas redes sociais e se são confiáveis. CAPA
CAPA
CAPA

Roteiro de um dos programas


SUMÁRIO
PROGRAMA: A ERA DA INFORMAÇÃO SUMÁRIO
SUMÁRIO
PRODUÇÃO: MARIANA BUGLIA, MIRNA AYUMI KAJIYAMA E GABRIEL SIDORENKO

DURAÇÃO: APROX. 10 min


FICHA
FICHAFICHA
RETRANCA: PROGRAMA DIDÁTICO COM O OBJETIVO DE ELUCIDAR A DIVULGAÇÃO DA
INFORMAÇÃO NO RÁDIO.

TEC.: VINHETA DE ABERTURA 5 seg PRÓXIMA


TEC.: FUNDO MUSICAL 1 ----- 3 SEG ------------ BG PRÓXIMA
PRÓXIMA

LOC 1: ESTÁ NO AR MAIS UM PROGRAMA “A ERA DA INFORMAÇÃO”//

LOC 2: HOJE FALAREMOS SOBRE COMO O RÁDIO LEVA AS INFORMAÇÕES ATÉ VOCÊ, OU- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

503
VINTE//

LOC 1: PORQUE MUITO MAIS DO QUE DIVERSÃO E MÚSICA, NO RÁDIO VOCÊ TAMBÉM
APRENDE E SE INFORMA//

LOC 2: E ISSO TUDO VOCÊ APRENDE AQUI/ COM O PROGRAMA “ERA DA INFORMAÇÃO”//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: O RÁDIO É UM MEIO DE COMUNICAÇÃO QUASE QUE UNIVERSAL//

LOC 2: ELE PERCORRE O MUNDO EM ONDAS CURTAS E LIGA CONTINENTES NUMA FRAÇÃO CAPA
CAPA
DE SEGUNDOS//
CAPA
LOC 1: TRAZ ESSE MUNDO PARA AQUELES QUE NÃO SABEM LER E AJUDA A MANTER CON-
TATO COM OS QUE NÃO PODEM VER//
SUMÁRIO
LOC 2: NÃO SÓ COMO DIVERSÃO E DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÃO, O RÁDIO TAMBÉM É SUMÁRIO
SUMÁRIO
USADO PELOS MILITARES NA GUERRA, CONTROLA O TRÁFEGO AÉREO E ORIENTA OS TÁ-
XIS//

FICHA
FICHAFICHA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: SÃO OS RADIALISTAS, QUE A CADA MINUTO TRANSMITEM MILHARES DE PALA-


VRAS// PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 2: ESTÃO LÁ PARA NOS INFORMAR, EDUCAR E ENTRETER, ALÉM DE FAZER PROPA-
GANDO E PERSUADIR//

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

504
TEC.: CESSA BG

TEC.: SONORA Arquivo n. 1 ------- 31 seg

Deixa inicial: “Aline, 24 anos. Eu acho que a informação é importante...”

Deixa Final: “...depois na televisão ou num outro momento jornalístico do rádio mesmo você vê com
mais detalhes.”

TEC.: CESSA sonora BG


CAPA
CAPA
TEC.: Fundo Musical ------ 02 seg -------- BG CAPA

LOC 1: EXISTE TAMBÉM AS RÁDIOS COMUNITÁRIAS/ QUE TRANSFORMAM OUVINTES EM


SUMÁRIO
RADIALISTAS, DANDO PODER DE TRANSMISSÃO AO INDIVÍDUO// SUMÁRIO
SUMÁRIO
LOC 2: MUITO MAIS SE PODE DIZER SOBRE O RÁDIO, QUE NO ENTANTO, JÁ PERDEU AQUE-
LA ADMIRAÇÃO QUE HAVIA NOS SEUS PRIMEIROS ANOS DE EXISTÊNCIA //

LOC 1: HOJE EM DIA ELE É UM MEIO DE COMUNICAÇÃO BEM COMUM E TRIVIAL// FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: MAS MESMO ASSIM SUA CAPACIDADE AINDA É GRANDE//

LOC 1: MESMO COM A CHEGADA DA TV E DA INTERNET/ AINDA LEVA INFORMAÇÕES E PRÓXIMA


ENTRETENIMENTO PARA MILHARES DE PESSOAS DE TODO O MUNDO// PRÓXIMA
PRÓXIMA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 2: O RÁDIO É UM DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA OU MASS MEDIA//


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

505
LOC 2: O TERMO RADIODIFUSÃO INDICA A PROPAGAÇÃO DA INFORMAÇÃO PRODUZIDA//

LOC 1: ABRANGE CADA LAR, VILA, CIDADE E PAÍS QUE ESTEJA AO ALCANCE DO TRANS-
MISSOR//

LOC 2: SEU POTENCIAL DE COMUNICAÇÃO É BASTANTE GRANDE, MAS O EFEITO REAL


PODE SER BEM PEQUENO/ POIS DEPENDE DE QUESTÕES LIGADAS À EXCELENCIA E CRIA-
TIVIDADE DO PROGRAMA/

LOC 1: COMPETÊNCIA OPERACIONAL, CONFIANÇA NA TÉCNICA E SINAL BEM RECEBIDO//

LOC 2: OUTRO FATO PARA O ALCANCE PEQUENO É O TAMANHO E A FORÇA DA CONCOR-


CAPA
RÊNCIA// CAPA
CAPA
LOC 1: ÀS VEZES OS RADIALISTAS SE ESQUECEM QUE DE QUE AS PESSOAS TÊM OUTRAS
COISAS PRA FAZER//
SUMÁRIO
LOC 2: A VIDA NÃO SE RESUME EM OUVIR RÁDIO E VER TELEVISÃO, NÃO É MESMO?// SUMÁRIO
SUMÁRIO
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: DIFERENTE DA TELEVISÃO, EM QUE O TELESPECTADOR ESTÁ OBSERVANDO ALGO FICHA


FICHAFICHA
QUE SAI DE UMA CAIXA ATRAVÉS DE IMAGENS PRONTAS/ AS PAISAGENS E SONS DO RÁDIO
SÃO CRIADOS DENTRO DE NÓS/ PODENDO TER IMPACTOS E ENVOLVIMENTOS MAIORES//

LOC 2: A TELEVISÃO COMO UM TODO É ASSISTIDA POR PEQUENOS GRUPOS DE PESSOAS// PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 1: E A REAÇÃO A UM PROGRAMA COSTUMA SER AFETADA PELA REAÇÃO ENTRE OS
INDIVÍDUOS ALI PRESENTES//

LOC 2: O RÁDIO É ALGO MUITO MAIS PESSOAL QUE VEM DIRETO PARA O OUVINTE// ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

506
LOC 1: CLARO QUE HÁ EXCEÇÕES ÓBVIAS/ COMO EM ÁREAS RURAIS DE PAÍSES MENOS
DESENVOLVIDOS//

LOC 2: TODA UMA VILA SE REÚNE EM TORNO DE UM APARELHO//

LOC 1: MESMO AQUI / A REVOLUÇÃO DO APARELHO FEZ DO RÁDIO UM ARTIGO PESSOAL


DO DIA-A-DIA//

LOC 2: QUEM GOSTA DE SERTANEJO OUVE SERTANEJO//

LOC 1: E QUEM GOSTA DE ROCK OUVE ROCK//

CAPA
TEC.: CESSA BG CAPA
CAPA
TEC.: SONORA Arquivo n.2 ------ 24 seg

SUMÁRIO
Deixa inicial: “Meu nome é Cauê do Espírito Santo Costa. Moro em Bragança Paulista...” SUMÁRIO
SUMÁRIO
Deixa Final: “...tanto o reggae quanto o rock tem,neh? Acho que é isso mais ou menos.”

TEC.: CESSA sonora BG


FICHA
FICHAFICHA
TEC.: Fundo Musical CD ------ 02 seg -------- BG

LOC 2: O RADIALISTA NÃO DEVE ABUSAR DESSA NATUREZA DIRETA DO RÁDIO E USAR O PRÓXIMA
MICROFONE PARA FAZER DISCURSOS PÚBLICOS//
PRÓXIMA
PRÓXIMA

LOC 1: DEVE USAR COMO UM MEIO DE FALAR DIRETAMENTE COM O OUVINTE//

LOC 2: SE O PROGRAMA FOR AO VIVO/ O RADIASLISTA POSSUI A VANTAGEM DE UM LIGA- ANTERIOR


ANTERIOR
ÇÃO IMEDIATA COM O INDIVÍDUO E COM MILHARES IGUAIS A ELE// ANTERIOR

507
LOC 1: DIFERENTE DE UM PROGRAMA GRAVADO/ QUE SE DESLOCA NO TEMPO//

LOC 2: É COMO UM JORNAL/ PODE ESTAR DESATUALIZADO//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: COM SEU JEITO SIMPLES/ ESTE MEIO DE COMUNICAÇÃO É BASTANTE FLEXÍVEL/ E
EM GERAL FUNCIONA MELHOR NUMA SITUAÇÃO IMEDIATA / AO VIVO//

LOC 2: NADA DE PROCESSAR FILME NEM ESPERAR QUE O MATERIAL SEJA IMPRESSO//

LOC 1: A REPORTAGEM DE UM CORRESPONDENTE INTERNACIONAL/ UM OUVINTE FALAN- CAPA


CAPA
DO AO TELEFONE/ O CARRO DE REPORTAGEM NOS SUBÚRBIOS / O RESULTADO DE UM
CAPA
JOGO DIRETAMENTE DO ESTÁDIO LOCAL / SÃO TODOS EXEMPLOS DO CARÁTER IMEDIATO
DO RÁDIO//
SUMÁRIO
LOC 2: ESTA CAPACIDADE DE DESLOCAMENTO GEOGRÁFICO É QUE GERA SEU PRÓPRIO SUMÁRIO
ENTUSIASMO// SUMÁRIO

LOC 1: IMAGENS E SONS SÃO TRANSMITIDOS POR TODO O MUNDO / TRAZENDO QUAL-
QUER EVENTO DE QUALQUER LUGAR PARA O NOSSO CONHECIMENTO//
FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: O RÁDIO ACELERA A DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO DE MODO QUE TODOS FI-
QUEM SABENDO DA MESMA NOTÍCIA/ DA MESMA IDEIA POLÍTICA/ DECLARAÇÃO OU
AMEAÇA// PRÓXIMA
LOC 1: SE CONHECIMENTO É PODER/ O RÁDIO DÁ PODER A TODOS NÓS/ QUER EXERCITE-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
MOS OU NÃO ALGUM TIPO DE AUTORIDADE//

TEC.: FUNDO MUSICAL 2 ----- 3 SEG ------------ BG


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

508
LOC 2: COMPARADO COM OUTROS MEIOS DE COMUNICAÇÃO/ TANTO O CUSTO DE CAPI-
TAL QUANTO AS DESPESAS DE MANUTENÇÃO SÃO PEQUENOS//

LOC 1: COMO JÁ DESCOBRIRAM OS RADIALISTAS DO MUNDO INTEIRO/ A PRINCIPAL DI-


FICULDADE EM MONTAR UMA ESTAÇÃO GERALMENTE NÃO É FINANCEIRA/ MAS SIM /
OBTER UMA FREQUÊNCIA DE TRANSMISSÃO//

LOC 2: ESSAS FREQUÊNCIAS SÃO PROTEGIDAS PELOS GOVERNOS COMO SIGNATÁRIOS DE


ACORDOS INTERNACIONAIS/ E A CONCESSÃO NÃO É FÁCIL//

LOC 1: AS ESTAÇÕES DE RÁDIO SÃO FINANCIADAS DE DIVERSAS MANEIRAS/ INCLUINDO


LICENÇA PÚBLICA/ PUBLICIDADE COMERCIAL/ SUBSÍDIO DO GOVERNO/ CAPITAL PRIVA- CAPA
CAPA
DO/ ASSINATURA PÚBLICA OU QUALQUER COMBINAÇÕES DESSES MÉTODOS//
CAPA
LOC 2: COMO SE TRATA DE UM MEIO DE COMUNICAÇÃO BARATO E QUE PODE ATRAIR UMA
AUDIÊNCIA SIGNIFICATIVA/ O CUSTO POR HORA É BAIXO//
SUMÁRIO
LOC 1: ESSE RELATIVO CUSTO BAIXO SIGNIFICA QUE O RÁDIO É IDEAL PARA O USO DE SUMÁRIO
SUMÁRIO
NÃO-PROFISSIONAIS//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG


TEC.:CESSA BG FICHA
FICHAFICHA
TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL ----02 seg BG

LOC 2: EM MEIO A TODOS OS TIPOS DE MÉTODOS DE PARTICIPAÇÃO DO OUVINTE/ ESSA PRÓXIMA


MÍDIA É CAPAZ DE OFERECER UM PAPEL DE COMUNICADOR DE MÃO DUPLA/ PRINCIPAL- PRÓXIMA
PRÓXIMA
MENTE NA ÁREA DE RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA//

LOC 1: O RÁDIO TAMBÉM É BARATO PARA O OUVINTE//

LOC 2: A PRODUÇÃO EM MASSA DOS APARELHO TEM UM CUSTO QUE POSSIBILITA A DISTRI- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

509
BUIÇÃO PRATICAMENTE UNIVERSAL//

LOC 1: MAIS ACESSÍVEL DO QUE LIVROS/ O BOM RÁDIO É DE ESPECIAL VALOR PARA OS
QUE NÃO PODEM LER//

LOC 2: ANALFABETOS/ CEGOS/ PESSOAS QUE POR ALGUM MOTIVO NÃO TÊM ACESSO À
LITERATURA EM SUA PRÓPRIA LÍNGUA//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG


TEC.:CESSA BG
TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL ----02 seg BG
CAPA
CAPA
LOC 2: O RÁDIO PROPORCIONA UMA LIGAÇÃO MAIS SUTIL COM O USUÁRIO DO QUE A TE-
CAPA
LEVISÃO OU IMPRENSA ESCRITA//

LOC 1: É MENOS EXIGENTE/ NOS PERMITE FAZER OUTRAS COISAS AO MESMO TEMPO//
SUMÁRIO
LOC 2: OS PROGRAMAS VIRAM UM ACOMPANHAMENTO PARA ALGUMA OUTRA TAREFA// SUMÁRIO
SUMÁRIO
LOC 1: LEMOS COM MÚSICA TOCANDO/ COMEMOS AO SOM DO NOTICIÁRIO/ OU COLO-
CAMOS PAPEL DE PAREDE COM O RÁDIO LIGADO//
FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: MAS UM PONTO FRACO É QUE PODE SER FACILMENTE INTERROMPIDO//

LOC 1: A TELEVISÃO É MAIS COMPLETA/ PRENDE TODA A ATENÇÃO//

LOC 2: ELA PASSA CONTEÚDO SEM EXIGIR ESFORÇO OU REAÇÃO// PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: UM JORNAL PODE TRAZER 30 OU 40 COLUNAS DE NOTÍCIAS// ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

510
LOC 2: UM BOLETIM DE DEZ MINUTOS NO RÁDIO É IGUAL A UMA COLUNA E MEIA//

LOC 1: A SELEÇÃO E A FORMA DO MATERIAL FALADO TÊM DE SER MAIS CURTAS E DIRE-
TAS//

LOC 2: JORNAIS PODEM DEDICAR GRANDES QUANTIDADES DE ESPAÇO À PUBLICIDADE/


EM ESPECIAL AOS PEQUENOS ANÚNCIOS/ E A ANÚNCIOS PESSOAIS COMO NASCIMEN-
TOS/ ÓBITOS E CASAMENTOS//

LOC 1: ESSE É UM MATERIAL IDEAL PARA UMA LEITURA RÁPIDA E SUPERCIFIAL/ MAS NUM
PROGRAMA DE RÁDIO ESSE TIPO DE COBERTURA DETALHADA NÃO É POSSÍVEL//
CAPA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG
CAPA
CAPA
TEC.:CESSA BG
TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL CD n. __ --- Faixa n. ___ ----02 seg BG

SUMÁRIO
LOC 2: A GRANDE VANTAGEM DE UM MEIO DE COMUNICAÇÃO AUDITIVO SOBRE O MEIO SUMÁRIO
IMPRESSO ESTÁ NO SOM DA VOZ HUMANA// SUMÁRIO

LOC 1: A VOZ É CAPAZ DE TRANSMITIR MUITO MAIS DO QUE O DISCURSO ESCRITO//

LOC 2: ELA TEM INFLEXÃO E MODULAÇÃO/ HESITAÇÃO E PAUSA/ UMA VARIEDADE DE FICHA
FICHAFICHA
ÊNFASE E VELOCIDADE//

LOC 1: A INFORMAÇÃO QUE UM LOCUTOR TRANSMITE TEM A VER COM O ESTILO DA APRE-
SENTAÇÃO TANTO QUANTO COM O CONTEÚDO DO QUE ELE DIZ// PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 2: A VITALIDADE DO RÁDIO DEPENDE DA DIVERSIDADE DE VOZES UTILIZADA E DO
GRAU DE LIBERDADE NO USO DE ESTILOS DE FRASES E EXPRESSÕES//

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

511
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: O RÁDIO FUNCIONA BEM NO MUNDO DAS IDEIAS//

LOC 2: COMO UM MEIO DE PROMOVER A EDUCAÇÃO/ ELE SE DESTACA COM CONCEITOS E


TAMBÉM COM FATOS//

LOC 1: SEJA ILUSTRANDO UM EVENTO HISTÓRICO/ SEJA ACOMPANHANDO UM PENSA-


MENTO POLÍTICO ATUAL/ SERVE PARA VEICULAR QUALQUER ASSUNTO QUE POSSA SER
DISCUTIDO/
CAPA
LOC 2: ASSIM/ CONDUZ O OUVINTE/ NUM RITMO PREDETERMINADO/ POR UM CONJUN- CAPA
TO DE INFORMAÇÃO// CAPA

LOC 1: PARA APRECIAR MÚSICA E ENSINAR LÍNGUAS/ O RÁDIO É IDEAL//


SUMÁRIO
LOC 2: É CLARO QUE FALTA A CAPACIDADE DE DEMONSTRAÇÃO QUE A TELEVISÃO POS- SUMÁRIO
SUI// SUMÁRIO

LOC 1: POR ISSO SE PRESTA MAIS PARA TEXTO DO QUE PARA INFORMAÇÕES NUMÉRICAS//

FICHA
FICHAFICHA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG
TEC.:CESSA BG
TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL ----02 seg BG

PRÓXIMA
LOC 2: BOM/ NOSSO PROGRAMA VAI FICANDO POR AQUI// PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 1: ENTRE EM CONTATO COM A GENTE/ MANDE PERGUNTAS E DICAS PRO NOSSO
E-MAIL ERADAINFORMACAO.UNESP@GMAIL.COM//

LOC 1: AGRADECEMOS A SUA PARTICIPAÇÃO// ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

512
LOC 2: ! ATÉ A PRÓXIMA! //

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC. 1: Programa A ERA DA INFORMAÇÃO

LOC. 2: Produção Gabriel Sidorenko, Mariana Buglia e Mirna Kajiyama

LOC. 1: Apresentação Mariana Buglia e Mirna Kajiyama

LOC. 2: Coordenação: Prof. Thiers Gomes da Silva


CAPA
TEC.: FUNDO MUSICAL ____ 3 SEG BG
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
R eferências SUMÁRIO
CALABRE, Lia. A Era do Rádio. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. 59 p. SUMÁRIO

MOREIRA, Sonia Virgínia.O Rádio no Brasil. Rio de Janeiro: Rio Fundo Ed., 1991

MELO, José Marques. Landell de Moura: o brasileiro que inventou a radiodifusão. In: Imprensa brasileira: FICHA
FICHAFICHA
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SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

515
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Capítulo 7 - Roteiro e
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

mercado ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
O FLÂNEUR DA CONTEMPORANEIDADE

I sabela Sanchez | R aquel do N ascimento G omes


Instituto de Artes da Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho (UNESP- SP)

CAPA
R esumo CAPA
O presente trabalho pretende explicar e contextualizar o documentário de nossa autoria, intitula- CAPA
do “O Flâneur da contemporaneidade”. Para isso, utilizamos trechos de cenas cinematográficas e
relações entre as obras de jovens artistas do Instituto da UNESP-SP, que foram transformadas em
SUMÁRIO
roteiro fílmico. A investigação da questão “O que é contemplação” é o fio condutor da obra, que tem SUMÁRIO
como inspiração e eixo temático a possibilidade de existência da flânerie contemporânea. Linhas de SUMÁRIO
teóricos como Walter Benjamin e Bill Nichols relacionam a teoria do documentário à problemática
da questão moderna e contemporânea. As obras plásticas e poemas são transformados em reflexões,
entrevistas e cenas documentais e ficcionais. O documentário traça um paralelo entre arte e realida- FICHA
FICHAFICHA
de, onde o principal é a descoberta de sensações que as grandes metrópoles- como São Paulo, onde
se passam as cenas – causam. O artigo propõe a retomada de conceitos chave como o olhar sobre as
multidões e a solidão em meio ao progresso e às grandes cidades. Relata e sugere em perspectiva PRÓXIMA
histórica e original que a lírica do mundo pós-industrialização ainda está tão presente quanto em PRÓXIMA
PRÓXIMA
tempos mais remotos. Faz uma crítica ao ritmo frenético e pulsante das cidades, que massificaram o
homem moderno e continuam a massificar o homem contemporâneo. Em suma, associa a temática
de Baudelaire às obras de arte dos artistas do Instituto de Artes da UNESP SP, que aos nossos olhos,
utilizam a mesma ideia e mantém o mesmo sentimento do poeta francês. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

517
PALAVRAS CHAVE: Arte; Multidão; Baudelaire; Poesia; Documentário.

A bstract
This paper intends to explain and contextualize the documentary of the authors entitled “The Flâ-
neur contemporary.” For this, we use fragments of cinematic scenes and relationships among the
works of young artists from the Institute of UNESP-SP, which were transformed into film script. The
research question “What is contemplation” is the theme of the work and the inspiration and thematic
possibility of the existence of contemporary flânerie. Lines theorists like Walter Benjamin and Bill
Nichols relate the theory to the problem of the documentary modern and contemporary issue. The
CAPA
plastic artists and poems are transformed into reflections, interviews and scenes documentary and CAPA
fictional. The documentary draws parallels between art and reality, where the primary is the disco- CAPA
very of sensations that big cities like São Paulo- where are the scenes – make the people feel. The
paper proposes the resumption of key concepts like the look on the crowds and solitude amidst the
SUMÁRIO
progress and major cities. Reports and in historical perspective and suggests that the original lyric SUMÁRIO
of the post-industrialization is still as present as in earlier times. Criticizes the frenetic and pulsating SUMÁRIO
cities, which standardized modern man and continue standardizing the contemporary man. All in
all, the theme of Baudelaire associates to works of art by artists from the Art Institute of UNESP SP,
in our opinion, using the same idea and keeps the same feeling of the French poet. FICHA
FICHAFICHA
KEY WORDS: Art; Crowd; Baudelaire; Poetry; Documentary.

“Multidão, solidão: termos iguais e conversíveis pelo poeta ativo e fecun- PRÓXIMA
do. Quem não sabe povoar sua solidão também não sabe estar só no meio PRÓXIMA
PRÓXIMA
de uma multidão ocupadíssima”. (BAUDELAIRE, 2007, p. 68).

O documentário “O Flâneur da Contemporaneidade” trata da investigação sobre artistas contempo-


râneos cuja produção artística compreende uma reflexão crítica da cidade de São Paulo. O flâneur, ANTERIOR
ANTERIOR
figura atrelada ao poeta Baudelaire pelo filósofo Walter Benjamim, inspira a criação do roteiro do ANTERIOR

518
presente documentário, por meio das seguintes problematizações:

Ao se propor a analisar a obra do poeta em questão, Benjamim chega a um poeta lírico envolto pelas
multidões presentes nas ruas da cidade de Paris. Estamos nas raízes da sociedade moderna cuja for-
ma de organização social e econômica estão aterradas no sistema capitalista de produção. A cidade é
espelho do desenvolvimento do capital e, porque não dizer, lugar do homem sem rosto; aquele que
identificamos em meio à multidão é igual aos outros, porém o mesmo está só, paradigmaticamente.

O passante vagueia pelas ruas urbanas, vivendo imbuído no fluxo humano o qual ocontato com a
reflexão parece ato promíscuo, indubitavelmente, desnecessário ao modo de vida que a modernida-
de concebe a existência humana. Todos são iguais por estaremenvolvidos no projeto de progresso-
CAPA
da urbe, bem como força de trabalho comprometida com o desenvolvimento do capital. O homem CAPA
da sociedade moderna vê-se diante do anonimato vivenciado na cidade do século XIX. Baudelaire CAPA
demonstra na sua obra poética as vicissitudes do transeunte solitário. Desta maneira o poeta tece a
experiência de viver na cidade como algo catastrófico.
SUMÁRIO
No momento em que a visão positivista, faz-se predominante, o lirismo baudelairiano acomete as SUMÁRIO
SUMÁRIO
certezas na vida moderna, indagando sobre as relações visivelmente antagônicas vividas pelo espaço
da cidade de Paris. O eu-lírico lança um olhar melancólico ao passear pelas ruas parisienses. A con-
templação do novo emprego urbanístico causa encanto e também desalento; o flâneur passeia pelos
FICHA
FICHAFICHA
diversos espaços da cidade, identifica-se a ela, ao mesmo tempo em que é acometido pelo tédio de
enxergar nela o lugar de profundas desigualdades, onde a destruição e a construção estão vincula-
das de maneira indissociável ao plano de desenvolvimento do capital. Desta maneira, Baudelaire
cria um lírico que vereda pelas ruas da cidade contemplando o movimento da massa, bem como se PRÓXIMA
aprofundando nas interações humanas e sociais que pulsam dela. O olhar que se permeia na poesia
PRÓXIMA
PRÓXIMA
baudelairiana é corrosivo, porque adensa a compreensão sobre este dado momento histórico: o auge
do capitalismo. O lírico que se mistura com as convulsões, excessos e descasos da cidade transporta
para o verso seu manifesto romântico, porém o romancismo que emerge na poesia é contestador. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

519
E, podemos afirmar isto, porque o lírico o qual se tece no texto baudelairiano não titubeia em criti-
caras relações que se constroem no mundo pós-industrialização. Logo, o retorno ao mundo medieval
demonstra o anseio por mudanças na história socioeconômica da sociedade, o flâneur adere ao espi-
rito do período medieval não como uma consciência que busca a evasão da realidade, o que se deseja
é que o tempo catastrófico passe, assim como a Idade Média acabou. Antes de tudo, este retorno
sustenta a ideia de que o tempo pode aparecer como agente das transformações as quais se vê como
necessárias para um mundo mais igualitário.

Daí encontramos a contemplação do flâneur, pois ele projeta uma visão que revela uma cidade gro-
tesca, onde podemos enxergá-la sem os adornos arquitetados por uma literatura comprometida com
as ideologias vinculadas a ideia do progresso, justamente, o que o flâneur desnuda é a cidade e sua CAPA
CAPA
potencialidade para a destruição.
CAPA
Desta maneira, o olho deste transeunte se lança no contra fluxo da vida organizada para o controle
das massas as quais vivem na urbe. A ociosidade permite-lhe a observação e o passeio, - ele conhece
SUMÁRIO
os diversos espaços da cidade -, por este motivo pode prosear sobre os acontecimentos últimos dela, SUMÁRIO
bem como se misturar na multidão, mas sendo diferente dela, porque é um inadaptado. Benjamim SUMÁRIO
afirma que:

(...) é impossível não ficar emocionado com o espetáculo dessa multidão


FICHA
FICHAFICHA
doentia, que traga a poeira das fábricas, que inspira partículas de algo-
dão, que se deixa penetrar pelo alvaiade, pelo mercúrio e todos os vene-
nos utilizados na fabricação de obras primas (BENJAMIN, 2004, p. 73).
PRÓXIMA
Ambientando tal perspectiva à cidade de São Paulo e às grandes metrópoles em geral encontramos PRÓXIMA
PRÓXIMA
elementos familiares ao trecho acima, como se enxergássemos a Paris do Século XIX na própria São
Paulo. Ao confeccionarmos o documentário em questão, nos preocupamos em responder a seguinte
questão: existe um flâneur na contemporaneidade?
ANTERIOR
ANTERIOR
Esta indagação também nos trouxe o problema de lidar com o anacronismo de se afirmar que ele ANTERIOR

520
existe, e que, vive, ainda hoje, nas grandes metrópoles. Porém, a história é permeada por estruturas
de rupturas e permanências e, acreditamos que há permanências nítidas na flânerie, ainda que nos
dias atuais. Claro que não existe, e nem poderia existir da mesma maneira que na modernidade. Ela
pode permanecer com características diferentes, novas tecnologias e anseios, mas a principal angús-
tia do homem solitário na multidão, daquele homem que não encontra a si mesmo, é visível ainda
em produções artísticas diversas. O mundo capitalista e progressista ainda age sobre o signo da
destruição. É o sentimento de estar isolado em meio às multidões, ou como escrito por Baudelaire:
“o prazer de ser achar numa multidão uma expressão misteriosa pelo gozo da multiplicação pelo
número”. Mesmo que para isso tenhamos que abdicar do ser humano e tomá-lo como simples força
de trabalho ou mercadoria.
CAPA
CAPA
Respondendo a estas questões, criamos um documentário cujo método investigativo propõe a cria-
CAPA
ção de um roteiro que desse margem a uma lente contemplativa sobre as obras dos artistas do Insti-
tuto de Artes da UNESP SP, bem como entrevistas realizadas com os mesmos, sobre as possíveis sig-
nificações de suas produções. É importante ressaltar que nosso roteiro não estava pronto, justamente SUMÁRIO
por sua vertente investigativa: o flâneur é um investigador, assim comoa lente de nossa câmera o é. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A partir da seleção de materiais (obras e gravação de cenas)o roteiro foi naturalmente emergindo,
pois encontramos na documentação da fala dos artistas e cenas de nosso cotidiano, bem como cenas
ficcionais, a temática fílmica.
FICHA
FICHAFICHA
A partir do pressuposto de que o documentário não é um gênero que se pode dar uma característi-
ca específica, sua estrutura não está fechada, pois, apesar de supostamente retratar a realidade, na
verdade o filme nada mais é do que a visão de seu criador. Não é possível apreender a realidade em PRÓXIMA
sua totalidade, pois cada obra de arte dialoga com o ponto de vista do documentarista em questão. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Como descreve Bill Nichols:

“Essas diferenças, como veremos, não garantem uma separação absolu-


ta entre ficção e documentário. Alguns documentários utilizam muitas ANTERIOR
ANTERIOR
práticas ou convenções que frequentemente associamos à ficção, como, ANTERIOR

521
por exemplo, roteirização, encenação, reconstituição, ensaio e interpreta-
ção. Alguns filmes de ficção utilizam muitas práticas ou convenções que
frequentemente associamos à não ficção ou ao documentário, como por
exemplo, filmagens externas, não atores, câmeras portáteis, improvisação
e imagens de arquivo (imagens filmadas por outra pessoa). (NICHOLS,
2005, p.17).

O ponto de partida para a criação do roteiro compreende tal proposição do teórico Nichols como me-
todologia que fundamentasse a vinculação entre ficção e registro documental. Deste modo, o projeto
possui cenas documentais e ficcionais, se é que esta caracterização e distinção podem ser possíveis.
Visto desta maneira, o roteiro busca para a lente da câmera a visão do flâneur, constituído por cenas CAPA
CAPA
internas e externas que captam imagens de São Paulo discutidas por poetas cuja presença da temáti-
CAPA
ca do homem imerso na multidão e sua relação com o espaço da cidade são visíveis.

Na intenção de propor tal vinculação, uma das cenas criadas no roteiro faz uma interposição de ver-
SUMÁRIO
sos de conhecidos poetas e filósofos com um dos artistas que compõem o documentário. Neste caso, SUMÁRIO
as cenas narram uma cidade vista sob o ponto de vista dos poetas e os trechos dos versos se entre- SUMÁRIO
laçam compondo um texto único, onde podemos notar a correspondência entre um jovem artista da
contemporaneidade e poetas já consagrados pela história da arte:
FICHA
FICHAFICHA
CENA IV (enquanto uma pessoa narra o texto-poema, uma série de ima-
gens se projetam na tela: estação metroviária, imagens de multidões, fotos
em preto e branco)
PRÓXIMA
Não é dado a todo o mundo tomar banho de multidão, gozar das mas- PRÓXIMA
PRÓXIMA
sas populares é uma arte. (Baudelaire) Multidão, solidão: termos iguais
e conversíveis pelo poeta ativo e fecundo. Quem não sabe povoar sua
solidão também não sabe estar só no meio de uma multidão ocupadíssi-
ma (Baudelaire). eu sou uma solidão nua amarrada a um poste ( Roberto ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

522
Piva)/ fios telefônicos cruzam-se no meu esôfago ( Roberto Piva). Surjo
na cidade por entre as frestas/ nos matos em terrenos baldios/ sou o
caruru crescendo em calçadas/ as ervas incentivadas pelo esgoto/ Dos
jardins, sou o frescor/ e a vontade de ser por tudo (Saulo Bortoloso). eu
posso abrir os olhos para a lua e aproveitar o medo das nuvens e escutar
o volume do grito/ minha loucura atinge a extensão de uma alameda/ as
árvores lançam panfletos contra o céu cinza/ a paisagem racha-se de en-
contro com as almas/ o vento sul sopra contra a solidão das janelas e as
gaiolas de carne crua ( Roberto Piva) O meu coração, dilacerado/ tem o
tamanho das castanheiras decepadas, serradas em caibros e tábuas ( Saulo
CAPA
Bortoloso).Eu abro os braços para as cinzentas alamedas de São Paulo e CAPA
como um escravo vou medindo a vacilante música das flâmulas ( Roberto CAPA
Piva), ( Saulo Bortoloso) onde a cidade por entre os dedos/ escorre como
areia, encharcada/ escorre para seco/ escorre para fogo/ O motor da ci-
SUMÁRIO
dade/ Carvão mal queimado/ mesmo Cinza chamuscado, verde/ Vi a SUMÁRIO
boca sem olhos da cidade/ Suas vísceras/seus dejetos. SUMÁRIO

(Roberto Piva) não serei paz. O mundo exterior tem pressa demais para
mim. trago o mundo na orelha como um brinco imenso. Eu te ouço ru-
FICHA
FICHAFICHA
gir para os documentos e as multidões. (Alan Poe) quando as lâmpadas
se ascenderam, duas densas e contínuas ondas de passantes desfilavam
pela porta, (Baudelaire) Todos em farrapos. (Joana Bremicampi) Uma vida
reclama por justiça e o poeta quebra o espelho da cegueira/ enquanto a PRÓXIMA
multidão atropela a sua solidão cansada. (Baudelaire) o poeta goza desse
PRÓXIMA
PRÓXIMA
incomparável privilégio que é o de ser ele e um outro. (Saulo Bortoloso)
entrelaçado, nos garranchos da mata ao cosmo. (Baudelaire) É um homem
da multidão. (Murilo Mendes) Que anda, voa, está em toda parte/ E não ANTERIOR
ANTERIOR
consegue pousar em ponto algum. É (Saulo Bortoloso) a vida ressurgindo ANTERIOR

523
verde/ nos líquens/ passarinho aninhado no chão, (Roberto Piva) onde
García Lorca espera seu dentista/ onde conquistamos a imensa desolação
dos dias mais doces, onde (Murilo Mendes) Ninguém ampara o cavaleiro
do mundo delirante. (Bauman) Estamos todos numa solidão e numa mul-
tidão ao mesmo tempo.

Logo, notamos a presença de caracteres importantes para o desenvolvimento do roteiro do documen-


tário: a teoria da flânerie baudelairiana empregada em diálogos com artistas cuja obra nos remete a
aspectos do poeta romântico em questão. Ao notar nestes artistas o lírico a que nos fala Benjamim,
compusemos esta cena cuja conversa sobre a obra e a contemplação remeteu a pensamentos políti-
cos e artísticos. O lírico juvenil - Saulo Bortoloso - da contemporaneidade versando por meio de sua CAPA
CAPA
criação as angústias sociais e individuais que os acometem.
CAPA
A pergunta condutora do filme é: “O que é contemplação?”. Esta questão foi respondida em filma-
gens separadas pelos quatro artistas participantes de nosso trabalho.
SUMÁRIO
A obra de Ricardo (...) trata a contemplação por meio do tema habitação cuja proposta foi desenvol- SUMÁRIO
SUMÁRIO
ver casas e as espalharem em lugares inusitados, levando o olhar do espectador a locais antes não
enxergados pelo passante desatento. O artista provoca-nos à reflexão sobre a relação subjetiva do
individuo com o espaço a qual se vive. Desta feita, o flâneur é outro, aquele que passa e se percebe
FICHA
FICHAFICHA
como parte integrante de uma lógica arquitetônica dispersa em lugares inimagináveis, a rua é local
de afeto, memoria e zelo. Como afirma Benjamim:

A rua se torna moradia para o flâneur que, entre as fachadas dos prédios PRÓXIMA
sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para PRÓXIMA
PRÓXIMA
ele, os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de pa-
rede tão bom ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros
são a escrivaninha onde apoia o bloco de apontamentos, bancas de jornais
são biblioteca, e os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

524
observa o ambiente. (BENJAMIM, 1995 p.35).

A partir desta leitura o artista plástico Ricardo propõe intervenções pela cidade. A casa deixa de ser,
sob seu ponto de vista, o espaço privado para se juntar em meio ao público, tal como o flâneur a que
nos fala Benjamin. A arte produzida relaciona-se ao passado do artista contemporâneo em questão
como a mudança no conceito de tempo operada pela modernidade. O ciclo de vida deixa de ser re-
ferência de mediação do tempo. O tempo como duração perde sua importância e vira mercadoria,
representado pelo slogan “tempo é dinheiro”. O artista como flâneur foge de uma normatividade
marcada pela polarização do homem e do cidadão, resistindo à divisão esquizofrenizante do espaço
moderno.
CAPA
Em decorrência da massificação, a multidão vive o instante, o imediato, como se a vida fosse um CAPA
flash passageiro, havendo, com isso, um enfraquecimento da experiência com o passado. O que vale CAPA
é o presente; o passado é esmagado pelo capitalismo, pelo progresso, pela tecnologia. Não há, nessa
sociedade, compartilhamento de experiências, devido à competição. O homem-máquina acostumou-
SUMÁRIO
-se à solidão, ao isolamento. Mesmo em meio à multidão, ele está envolto em uma bolha, robotizado, SUMÁRIO
onde mãos não se tocam, lábios não se beijam, ou seja, onde não há intimidade nem sentimentos. SUMÁRIO

O desejo de ócio criativo e o retorno a um ritmo de vida mais tranquilo também manifesta-se das
mais variadas maneiras, não é um desejo exclusivo do flanêur. A partir da modernidade, este desejo
FICHA
FICHAFICHA
deixa de ser reconhecido como antes. Isso torna a flânerieuma arte, que exige uma postura histórica.

O músico e poeta Guilherme Furtado tambémcostura sua poesia a partir desta visão sobre a cidade.
Disto decorre, um olhar reflexivo que enseja na linguagem artística o lirismo engajado. Encontramos PRÓXIMA
na poesia do artista a seguinte ideia: “Pneu e asfalto/ Prato do dia: Ao molho Tietê.” PRÓXIMA
PRÓXIMA
O verso nos provoca; estamos diante de um anúncio qualquer informando sobre o cardápio do res-
taurante; a forma e o conteúdo estão direcionados para outra problemática: a cidade massacra e mata
qualquer tipo de vida que dela tenha nascido. As ironias dos versos desencadeiam em uma contem- ANTERIOR
ANTERIOR
plação pautada pelo desvendamento de uma cidade morta, os fragmentos dos objetos são restos que ANTERIOR

525
se misturam ao cotidiano do flâneur.A natureza está morta e a cidade pulsa os seus compromissos
econômicos, sociais, porém o flâneur titubeia nesta dinâmica de vida.

A contemplação é feita em meio à multidão que corre de um lado para outro. Todos estão iguais e o
flâneur prossegue envolto em sua solidão, Guilherme argumenta que:“Qualquer pessoa que está na
rua sem aquele ritmo frenético, de um lado para o outro, e que pareça um tanto perdido em meio à
multidão será chamado de louco.” E qual a reação dos alunos e visitantes do Instituto de Artes ao ler
o poema? Você pega o elevador e dá de cara com os versos estampados na parede do prédio e pensa
em todo o concreto que está lá fora.

O também músico e poeta Saulo Bortoloso igualmente participa de uma cena com seus poemas, que
CAPA
julgamos dialogar com os poetas presentes em um mesmo contexto. O olhar estrangeiro diante da CAPA
dinâmica da cidade promove um debate que adensa mais os antagonismos, porque o participante CAPA
denuncia uma cidade apática e poluída: O motor da cidade/ Carvão mal queimado/ Cinza chamus-
cado, verde/ Vi a boca sem olhos da cidade/ Suas vísceras/seus dejetos.
SUMÁRIO
Na cena em que se verifica a presença do artista plástico GabrielUrasaki, o diálogo se inicia com a SUMÁRIO
SUMÁRIO
explicação de sua obra intitulada “Desfoco”: O titulo Desfoco é pronunciado pelo artista e a imagem
da obra aparece entrelaçada ao seu modo de ver o mundo que é distorcido, por causa de um proble-
ma que ele tem na visão. Olho e obra costuram-se para retratar a visão desfocada do próprio artista;
FICHA
FICHAFICHA
a transformação deste conceito em linguagem artística acontece na sua obra de escultura na madeira.
Na fala do artista: “No geral, eu sou uma pessoa muito observadora.” É um paradoxo ao seu proble-
ma de visão; para contemplar é preciso apenas a vontade.
PRÓXIMA
Para além de uma concepção de visão pensada segundo os parâmetros do próprio eu, Gabriel nos PRÓXIMA
PRÓXIMA
propõe uma reflexão que começa com questões individuais chegando à concepção da obra cuja lin-
guagem artística nos faz entrar em contato com os problemas enfrentados pelo homem contemporâ-
neo, como afirma o artista plástico: “Este trabalho fala de perceber o mundo através de si, primeiro
você fala de si e depois do mundo.” ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

526
A engrenagem da cidade e o seu constante sentido de movimentação despontam na conversa como
manifestação de uma vida atordoada; a cidade cresce e com ela seus problemas, o que assola o es-
pírito do artista, porque o tempo é para a sua construção e destruição e assim se faz a vida civiliza-
cional; decorre disto uma existência imbuída de sentido e sentimentos sempre descartáveis. Nada é
perene, tudo se destrói e se recria em um ciclo desenvolvimentista da vida. E, as ruas da cidade de
São Paulo não deixariam de estar envolvidas nesta roda que movimenta todos os dias a existência de
seus habitantes.

Com uma linguagem ao mesmo tempo documental e poética, procuramos maneiras de conseguir
pensar a solidão e a multidão como contrapontos; pela arte e por meio da arte; como moderna, con-
temporânea e universal. CAPA
CAPA
CAPA

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BAUDELAIRE, Charles. O pintor da vida moderna. Ed. Autêntica: Belo Horizonte: MG, 2010. SUMÁRIO
SUMÁRIO
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CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

528
PRÓFUGOS: NOVOS FORMATOS NA FICÇÃO
SERIADA LATINO-AMERICANA

Luiza Lusvarghi
Professora do Curso de Comunicação Social da Universidade Nove de Julho, email: lluiza@uninove.br e lumecom@uol.co.br

CAPA
CAPA
R esumo 1 CAPA
Os movimentos de retomada da produção de audiovisual no continente latino-americano, ao longo
da década de 90, não atingiram apenas o campo cinematográfico, mas também a produção televisiva.
SUMÁRIO
A mais recente produção da HBO Latin America é a série chilena Prófugos, protagonizada por quatro SUMÁRIO
populares atores locais, e dirigida por Pablo Larrain, do aclamado “Tony Manero”. Prófugos sugere SUMÁRIO
que a telenovela não é mais, definitivamente, o único formato de ficção latino-americano, dialoga
com a tradição do gênero de ação e assinala a consolidação de uma política de intervenção por parte
das majors no mercado local. FICHA
FICHAFICHA
Palavras-chave: Seriado latino; HBO Latin America; gênero policial e ação; ficção seriada; neopolicial

PRÓXIMA
I ntrodução PRÓXIMA
PRÓXIMA
O sucesso internacional de filmes como “Cidade de Deus” (Fernando Meirelles e Katia Lund, 2002),
e “Tropa de Elite 2” (José Padilha, 2011), a maior bilheteria da história do cinema brasileiro, inspirou

ANTERIOR
ANTERIOR
1 Trabalho apresentado no V Colóquio Brasil-Chile de Ciências da Comunicação, evento componente do XXXV Congresso
Brasileiro de Ciências da Comunicação. ANTERIOR

529
uma nova onda de seriados policiais e de ação no Brasil. As séries “Força-Tarefa” (Globo, 2009-2011),
“9 MM” (HBO, 2008-2011), “A Lei e o Crime” (Record, 2009), “Mandrake” (HBO, 2005-2008), e o mais
recente “Fora de Controle (Record, 2012), de Marcílio de Moraes, invadiram as telas da TV. Mas a ten-
dência não se resume ao Brasil, e nem pode ser explicada tão-somente pelo cinema. Seriados como
os argentinos “Poliladrón” (Canal 13, 1995-1997), “Epitafios” (HBO, 2004-2009), e a franquia “Her-
manos y Detectives” (Telefe, 2006), com versões em oito países, de “Capadócia” (HBO,2008-2010),
produzido pela HBO, passam a compor o imaginário latino-americano do gênero com uma produ-
ção de ficção que fala de violência, de conflitos sociais, e trata temas urbanos de forma realista e ao
mesmo tempo, se espelha na tradição destes gêneros no cinema mundial e, sobretudo, no americano.
O bem-sucedido seriado argentino El Puntero (El Trece, 2011) mescla elementos de ação e suspense
CAPA
ao thriller político. Com identidade visual própria, esses seriados vêm contribuindo para deixar de CAPA
lado, definitivamente, a ideia de ficção seriada latina como mera paródia de seriado americano ou CAPA
ainda como sinônimo de telenovela e melodrama.

O mais recente exemplo desta tendência é a série “Prófugos” (HBO, 2011), uma produção da HBO SUMÁRIO
Latin America no Chile, em parceria com as produtoras locais Efetres e Fabula, atualmente em fase SUMÁRIO
SUMÁRIO
de produção da segunda temporada, que deve estrear em 2013. A série é bastante característica da
corrente neopolicial que veio da literatura e se estende ao cinema: a solução do enigma e a descober-
ta da verdade não são a parte mais importante da trama.
FICHA
FICHAFICHA
Este artigo é parte integrante de um estudo sobre a produção neopolicial seriada do Brasil e da
América Latina. O gênero policial vai ser abordado a partir dos estudos de Jason Mittell (2004), que
entende o gênero como uma categoria social, analisando o surgimento do gênero na TV dos Estados PRÓXIMA
Unidos, por entender que o modelo americano é a maior referências dessas produções tanto para a PRÓXIMA
PRÓXIMA
audiência quanto para os produtores. Para a análise de recepção e dos modos de endereçamento, se-
rão utilizados os conceitos de Jesus-Martin Barbero. Uma das denominações mais comuns para esta
nova produção latina, tanto no cinema quanto na televisão, é o termo neopolicial ou negro, numa
alusão ao conceito de noir. A expressão neopolicial foi inicialmente utilizada para se referir à expan- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

530
são do gênero enquanto fenômeno literário na América Latina, sobretudo a partir da década de 80,
em autores como Paco Ignacio Taibo, Ricardo Piglia, Patrícia Melo, Ramon Diaz Eterovic, com obras
voltadas para a realidade do continente, muito distante do modelo americano, em que a imagem do
policial não é nada heroica: a maioria ganha pouco, vive em conflito com a corrupção reinante na
corporação. Alguns desempenharam ainda um papel fundamental nos períodos de ditadura mili-
tar, em que as corporações serviram apoio a governos autoritários e repressivos. Já o termo noir, foi
utilizado pela primeira vez por Nino Frank (1946), e é discutido aqui sob as perspectivas de James
Naremore (2008) e Frank Krutnik (2010). Os filmes do noir, em seu período de lançamento, foram
classificados como sendo obras de crítica social, ao abordar os conflitos das sociedades modernas,
em que o mal parece ser inerente à civilização. Assim como ocorreu com os cop shows americanos
CAPA
na década de 50, que desafiavam o padrão água com açúcar das sitcoms, mostrando o outro lado da CAPA
América (MITTELL, 2004), os seriados policiais e de ação latino-americanos vão ser os responsáveis CAPA
por introduzir na televisão os conflitos da pós-modernidade, com personagens mais realistas, um
cenário distante dos folhetins eletrônicos e da fórmula fácil da ascensão social através do casamento,
SUMÁRIO
com finais felizes. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O objetivo desta comunicação é estabelecer de que forma se dá o diálogo entre os formatos hollywwo-
dianos do gênero e a tradição audiovisual latina, e mais especificamente da chilena, através da obra
do cineasta Pablo Larrain e da classificação de gêneros hollywwodianos proposta por Steve Neale
FICHA
FICHAFICHA
(2000).

A ção e crimes contemporâneos


PRÓXIMA
A série Prófugos narra a história de uma família que vive do tráfico de drogas na região entre a Bolí-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
via e o Chile. A família Farragut é comandada por Kika (Claudia di Girólamo), uma mulher que, ao
perder o marido, convence o filho mais velho, Santiago (Néstor Cantillana), um médico, a assumir a
função do pai, tornando-se o chefe do cartel. Kika também tem uma filha, Laura (Blanca Lewin), uma ANTERIOR
ANTERIOR
advogada, com quem mantém uma relação conturbada. A contragosto, Laura mantém a função de ANTERIOR

531
defender e camuflar os negócios da família perante a lei. A família conta com Mario (Luis Gnecco), o
faz-tudo, um homem violento e que foi um dos torturadores do regime Pinochet.

Entre os homens que realizam o transporte da droga está Oscar (Francisco Reyes), um ex-revolu-
cionário da década de 1970 que agora, diagnosticado com uma doença terminal, precisa recorrer ao
tráfico para assegurar o futuro de sua filha. Tem também Álvaro Parraguez (Benjamín Vucuña), um
detetive da polícia que se faz passar por traficante sob o nome de Tegui. Seu trabalho o leva a se in-
filtrar no meio do cartel o que o faz tomar atitudes muitas vezes contra a lei que defende.

As decisões de Álvaro o levam a se tornar um fugitivo da polícia, deixando-o isolado, contando


apenas com a ajuda de Ximena (Aline Kuppenheim), sua ex-parceira na polícia, que coloca em risco
CAPA
sua carreira para poder ajudá-lo sempre que ele precisa. Ela responde às ordens de Bruno (Marcelo CAPA
Alonso), o chefe de polícia local, que costuma manipular a lei para conseguir realizar sua missão de CAPA
capturar os traficantes.

Os Farragut têm como inimigos os Aguilera, outra família que comanda um cartel de drogas rival, SUMÁRIO
comandada por Iván (Luis Dubó), considerado um dos narcotraficantes mais poderosos e impiedo- SUMÁRIO
SUMÁRIO
sos da região. Criada por Pablo Illanes, Josefina Fernández, Mateo Iribarren e Enrique Videla, a série
teve 13 episódios em sua primeira temporada, e foi dirigida por Pablo Larrain, diretor de Fuga, Post
Mortem, Tony Manero. Os episódios terminam invariavelmente com as músicas da cantora folk ex-
FICHA
FICHAFICHA
perimental Camila Moreno, que produzem uma sensação de estranhamento. Nada de rock, ou jazz.

Pablo Illanes, o principal roteirista de Prófugos, vem de uma carreira bem-sucedida na televisão, pri-
meiro em tramas novelescas voltadas para a audiência jovem, abordando temas como homossexua- PRÓXIMA
lidade, drogas, e depois com o tremendo êxito de ¿Donde está Elisa¿ (Onde está Elisa, 2009), classifi- PRÓXIMA
PRÓXIMA
cada como telesérie pela TVN. A história foi livremente inspirada na trilogia Millenium, escrita pelo
sueco Stieg Larssom, sobretudo no volume 1, “Os Homens que não amavam as mulheres”, e narra a
trajetória de uma investigação sobre o desaparecimento de Elisa Fernandez, jovem de 16 anos, filha
de bem-sucedido empresário chileno, que desaparece misteriosamente em uma noite, após sair para ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

532
dançar em uma boate onde se encontrava com seus primos.

Steve Neale (2000), em seu ensaio sobre os gêneros hollywoodianos, propõe uma categoria classi-
ficatória intitulada “Crimes contemporâneos”, que incluiria os detective films, gangster films, e os
suspense thrillers. A primeira delas, ele entende que foi parcialmente embotada pela discussão do
noir. O filme noir, um conceito problemático, na medida em que aparece simultaneamente em diver-
sas obras referido como estilo, tendência, gênero e subgênero (Krutnik, 2010: 15; Naremore, 2008: 27),
pela dificuldade de se chegar a um termo comum, estaria incluído nos filmes de detetives, como um
subgênero. Em sua estreia no exterior, o filme “Cidade de Deus” foi classificado pela distribuição do
filme como um “gangster movie” e lançado em um pacote que incluía “Gangues de Nova York”, de
Martin Scorcese. Aparentemente, a julgar pelo início do seriado, repleto de perseguições e fugas em CAPA
CAPA
carros de alta velocidade, Prófugos caberia perfeitamente nesta discrição. Mas nos episódios seguin-
CAPA
tes da primeira temporada, nos damos conta de que nada é tão simples como parece. Os prófugos,
palavra que significa fugitivo, e que não é muito usada em português, na verdade compõem um
autêntico painel de personagens comuns a nossa realidade e ao passado recente da América Latina, SUMÁRIO
e mais especificamente, do Chile. Sua fuga pela cordilheira andina ainda serve de pretexto para re- SUMÁRIO
SUMÁRIO
velar não apenas a verdade da corporação e da política, mas os conflitos de um país que se debate
com seu passado para pensar o futuro. Um deles é um policial infiltrado, o outro um ex-torturador,
há ainda um ex-guerrilheiro, e por fim o traficante, que na verdade, nunca quis assumir a herança
FICHA
FICHAFICHA
familiar e se revela homossexual ao longo da trama.

Em suspense thriller (NEALE, 2002) vamos encontrar uma proposta de subdivisão que parece ga-
nhar mais sentido na busca de uma definição para Prófugos, tachado pela crítica especializada como PRÓXIMA
um seriado fortemente influenciado pelas narrativas americanas do gênero. Trata-se de “the-inocen- PRÓXIMA
PRÓXIMA
t-on-the-run-thriller”, em que a trama se apoia em uma pessoa que é considerada culpada de um cri-
me ou transgressão que não cometeu. Os exemplos são “The man who knew too much” (1955), “The
Parallax View” (1974), “Three Days of Condor” (1975), e “Into the night”, de John Landis (1985). A
fuga de Parraguez-Tegui, vivido pelo ator Benjamin Vicuña, que vai assumindo progressivamente o ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

533
papel de protagonista, parece interminável, e sua situação, irreversível. Afinal, ele termina a primei-
ra temporada como prisioneiro.

A segunda temporada vai se passar na Ilha de Pascoa, e deve abordar questões referentes a prisões
de segurança máxima. A ambientação natural como cenário, contudo, não é a única forma de abor-
dagem que traz à tona uma identidade neopolicial latina. O reencontro de um ex-torturador com sua
vitima, o guerrilheiro que ele torturou, elimina qualquer possibilidade de redenção ou reconciliação
com o passado, ainda que o presente os reúna em alianças estratégicas. Nem a ganância, nem a cor-
rupção, são capazes de anular esse conflito. A corporação policial e militar ganhou novas funções
dentro de um país democrático, mas há resquícios de um passado recente que insistem em se colocar
em primeiro plano. Ex-torturadores, apoiadores do regime, políticos corruptos, são personagens que CAPA
CAPA
dificilmente vão conduzir a um final feliz. Essa característica não se limita a Prófugos, mas está pre-
CAPA
sente em diversas produções do gênero, inclusive no Brasil.

Apresentado pela HBO como o primeiro seriado de ação de seu braço latino, imagem que as vinhe-
SUMÁRIO
tas e o teaser reforçam com muita adrenalina e uma edição que lembra as perseguições de carro dos SUMÁRIO
seriados americanos do gênero, Prófugos vai lentamente desvelando, em uma narrativa paralela, a SUMÁRIO
sua outra face – a realidade é outra. Inicialmente, temos um grupo de quatro aventureiros que se
unem para dar um golpe, transportando cocaína pela fronteira e são traídos. Na sequência da fuga,
esses quatro protagonistas assumem suas verdadeiras identidades. Temos novamente o conflito da FICHA
FICHAFICHA
corporação, tentando lutar para que a verdade prevaleça, mas “forças ocultas”, tanto na corporação,
quanto no governo, impedem que isso aconteça. A corrupção parece ser inerente ao sistema. O perso-
nagem Parraguez-Tegui (Benjamin Vicuna), um dos quatro fugitivos que dão nome à série, é a repre- PRÓXIMA
sentação mais definida do tough guy (KRUTNIK, 2010), elemento fundamental dos filmes noir. Em PRÓXIMA
PRÓXIMA
crise com a sua própria identidade, e com os valores que sempre defendeu, ele acaba se envolvendo
com os marginais da trama. Policial infiltrado no narcotráfico, ele vai descobrindo que para estabe-
lecer a verdade, terá de se esquecer de quem era, e abandonar as formas usuais de ação. Seus antigos
companheiros, à exceção de Ximena e Fábian Salgado (Cesar Caillet), parecem mais interessados em ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

534
ganhar muito dinheiro. A ideia, naturalmente, é a de que em algum momento, todo o enigma será
esclarecido e a verdade virá a tona, resgatando o mocinho de sua conflituosa condição. Ao final dos
13 capítulos que compõem a temporada, já se pode perceber claramente que essa possibilidade não
existe. Pois para entender o que acontece, Parraguez-Tegui se envolve tão profundamente no meio
que supostamente deveria combater, que já não se reconhece como policial.

E ntretenimento , N acionalidade e I ndústria C ultural


No Chile, é comum o uso indiferenciado da expressão teleserie e telenovela. No Para o pesquisador
Valerio Fuenzalida, da Pontificia Universidade Católica do Chile, a classificação teleserie, aplicada
CAPA
indistintamente a formatos que se assemelham à telenovela, ou a seriados que apresentam similari- CAPA
dades com as séries americanas, estaria relacionada a uma visão equivocada do formato. CAPA

De fato, para sites como IMDB o termo TV series se aplica tanto para as franquias CSI, Law and Or-
der, quanto para o formato brasileiro telenovela e é empregado para designar “Insensato Coração” SUMÁRIO
(Globo, 2011) em suas páginas de indexação. SUMÁRIO
SUMÁRIO
No caso específico da trama de ¿Donde está Elisa? (TVN, 2009), verificamos que a narrativa se ca-
racteriza por um mix entre as minisséries brasileiras e os seriados americanos. Embora as séries
americanas possuam temporadas definidas por temas, com 13 episódios, é a forma como a narrativa FICHA
FICHAFICHA
se desenvolve que faz toda a diferença. A apresentação dos capítulos começa sempre com a última
cena do capítulo anterior como gancho, e ao final de cada um, a imagem congela, convertendo-se
numa representação gráfica da cena e do personagem. Igualmente, as divisões de cena nos remetem PRÓXIMA
a filmes seriados de aventura e ação dos idos de 1930 e 1940 – Jim das Selvas (1937, Ford Beebe e Cli- PRÓXIMA
PRÓXIMA
ff Smith), Buck Rogers (1934) – com efeitos de transição (wipe) que deixam claro para o espectador
a ideia de uma história ficcional. O ator Francisco Reyes, o ex-guerrilheiro Salamanca de Prófugos,
desempenhou nesta produção o papel de Bruno Alberti, marido da principal vilã, Consuelo (Paola
Volpato). ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

535
A obra se notabilizou por consolidar o gênero policial de suspense com uma trama forte, em que se
mesclaram assassinatos, amores clandestinos, homossexualidade, com um realismo pouco encontra-
do até mesmo nas tramas brasileiras, com uma exploração na internet de blogs a partir dos perso-
nagens e enquetes para o público adivinhar o final. O sucesso chileno levou à venda de uma versão
filipina, atualmente em exibição naquele país. Mas a TVN apresentou Donde Esta Elisa como uma
telenovela ou teleserie.

Já Prófugos, de qualquer maneira, foi lançada pela HBO como um seriado de ação. O cineasta Pablo
Larrain, à frente do projeto de Prófugos, acaba de concluir o longa “Não”, sobre o plebiscito que
pôs fim aos 15 anos da ditadura Pinochet, protagonizado por Gael Garcia Bernal, que desempenha
o papel de um publicitário exilado no México que volta ao seu país de origem para participar da CAPA
CAPA
campanha. Dois de seus filmes anteriores, “Tony Manero” (2008) e “Post Mortem” (2010), discutem
CAPA
a sociedade chilena e a vida durante a ditadura militar de Pinochet. Em Tony Manero, ele narra a
trajetória de um velho dançarino que consagra a sua vida a imitar o personagem de John Travolta
no filme “Grease” (Randal Kleiser, 1978)2 em programas de televisão. A identificação com o astro SUMÁRIO
hollywoodiano leva Tony a se julgar um ser superior. Cada vez mais imerso em um mundo próprio, SUMÁRIO
SUMÁRIO
ele começa a matar pessoas, e a se livrar de tudo e todos que possam abalar a sua relação imaginária
com o ídolo. Em “Post Mortem”, a apoio tácito à barbárie de Pinochet vem de um olhar exterior ao
personagem. Um zeloso e subserviente funcionário do Instituto de Medicina Legal, Mário Cornejo,
FICHA
FICHAFICHA
assiste, indiferente, à procissão de corpos serem empilhados diante de seus olhos. Alguns, ainda vi-
vos, são mortos ali mesmo. Mário se apaixona por uma artista de teatro burlesco, sua vizinha, que
se relaciona com revolucionários, e acaba por abrigá-la. Mas Mário não tem nenhum envolvimento
com política. Trata-se de um retrato cruel da classe média. O ator que protagoniza ambas é o mes- PRÓXIMA
mo, Alfredo Castro, impecável. Larrain, nascido em 76, investiga aquele período turbulento da vida
PRÓXIMA
PRÓXIMA
chilena sem paixão, com um olhar distanciado, mas não descompromissado. O resultado, tanto em
“Tony Manero”, quanto em “Post Mortem”, são filmes que dialogam com as tradições de gênero sem

ANTERIOR
ANTERIOR
2 O filme se chamou no Brasil “Nos tempos da Brilhantina”, e embalou as reuniões de jovens da década de 70, que
imitavam os passinhos de :Travolta. ANTERIOR

536
olvidar o contexto social, o que lhes confere um caráter único. A trajetória do serial killer Tony Mane-
ro não é narrada apenas como um thriller policial tradicional, mesmo porque ninguém será punido.
A história de amor de “Post Mortem” jamais se cumprirá. A indiferença de seus personagens diante
da realidade que os cerca, levado ao paroxismo, celebra a inviabilidade do triunfo individual diante
do social. De uma certa forma, esse é o ponto em comum com a trajetória dos “Prófugos”: o desdém
pela realidade e a ausência de uma visão crítica sobre as instituições emperra qualquer possibilidade
de conviver com a verdade e a justiça. É difícil prosseguir com uma visão maniqueísta entre o bem e
o mal e ignorar os conflitos permanentes trazidos pela organização social, o que acaba por colocar o
“mocinho” da trama em uma posição marginal. Um dilema inerente às narrativas neopoliciais.

Um conceito fundamental para o neopolicial latinoamericano seria justamente a subversão dos meios CAPA
CAPA
e da própria lei (JIMENES, 2006). A expressão neopolicial, oriunda da literatura, designaria uma re-
CAPA
leitura do gênero, uma vez que a América Latina não conheceu propriamente uma tradição literária
do gênero em décadas anteriores, nem mesmo no cinema, de forma expressiva. Parte desta produção
estaria ainda associada, contudo, ao boom mais recente da literatura policial e negra que se situa SUMÁRIO
entre as décadas de 70 e 80, com nomes como Rubem Fonseca, Patrícia Melo, Ramon Diaz Eterovic, SUMÁRIO
SUMÁRIO
Ricardo Piglia, Leonardo Padura Fuentes e Paco Ignacio Taibo. Outro conceito muito relacionado
com esta abordagem da literatura policial e suspense é o conceito do discurso sobre a memória pós-
-traumática (OLIVARES, GONZALO, 2009), pois curiosamente, o surgimento deste fenômeno na
FICHA
FICHAFICHA
literatura se deu em paralelo com a queda dos regimes ditatoriais, sobretudo na América do Sul. O
que pode ser estendido, com certeza, às produções audiovisuais, muitas delas baseadas narrativas
ficcionais e testemunhais destes períodos.
PRÓXIMA
A crítica tem realçado o caráter hollywoodiano desses seriados, feitos efetivamente com um olho no PRÓXIMA
PRÓXIMA
mercado externo, tanto no Chile quanto no resto da América Latina. Essa preocupação não se expres-
sa apenas a partir da crítica especializada, mas também de posts em blogs, onde a audiência reclama,
muitas vezes, da insistência em passar uma visão tão “violenta” do país para os estrangeiros, crítica
que “Cidade de Deus”, e mesmo as duas sequências de “Tropa de Elite” também sofreram por aqui. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

537
No quesito violência e realismo, a Globo evita repetir a dose nas telinhas, apoiando-se no código
Abert3. O filme e seriado Antonia foram uma tentativa de redenção, de passar uma imagem melhor
da periferia. Enquanto a Globo romantiza a visão das favelas, sua principal concorrente, a Record,
aposta abertamente neste filão – vide as telenovelas “Vidas Opostas” (Alexandre Avancini, 2006-
2012), “Poder Paralelo” (Ignacio Coqueiro, 2010), e os seriados “A Lei e o Crime” (2009, Alexandre
Avancini) e o atual “Fora de Controle” (2012, Daniel Rezende).

De qualquer forma, esses seriados televisivos inovam com relação aos tradicionais melodramas ca-
racterísticos do formato telenovela, o mais popular da América Latina. Assim como ocorreu com
os cop shows americanos na década de 50, que desafiavam o padrão água com açúcar das sitcoms,
mostrando o outro lado da América, os seriados policiais e de ação latino-americanos vão ser os CAPA
CAPA
responsáveis por introduzir na televisão os conflitos da pós-modernidade, com personagens mais
CAPA
realistas, um cenário distante dos folhetins eletrônicos e da fórmula fácil da ascensão social através
do casamento, com finais felizes.
SUMÁRIO
No Brasil, a indústria cultural e a produção voltada para o entretenimento se estabelece a partir da SUMÁRIO
televisão, e não do cinema ou da literatura (PAES, 2001). A ideia de um cinema de resistência e não de SUMÁRIO
entretenimento acaba por configurar um modelo único de filme nacional, e a telenovela, o formato
nacional de ficção seriada, é quase um sinônimo da baixa qualidade artística, nos moldes propos-
tos por Adorno em seu famoso ensaio “A Indústria Cultural – O Iluminismo como mistificação de FICHA
FICHAFICHA
massas”. A ideia de uma indústria cultural estabelecida a partir da televisão pode ser estendida ao
restante da América Latina. Os trabalhos de Barbero (1997) e de outros intelectuais voltados para os
estudos de recepção sobre a produção televisiva seriada vêm resgatando essa discussão, mas a noção PRÓXIMA
de telenovela como construtora do imaginário nacional não necessariamente inclui análises da qua- PRÓXIMA
PRÓXIMA
lidade artística desta produção.

A ideia de uma indústria cultural estabelecida a partir da televisão pode ser estendida ao restante da

ANTERIOR
ANTERIOR
3 Disponível em www.abert.com.br ANTERIOR

538
América Latina. O cinema sempre foi ocupado estrategicamente pela produção estrangeira, com a
predominância da produção norte-americana hollywoodiana nas últimas décadas. Mesmo os maio-
res produtores do continente, México, Argentina e Brasil, não lograram vencer essa concorrência. Se,
a partir da década de 90 que vamos assistir a uma retomada desta produção audiovisual latino-a-
mericana, é sem dúvida graças a distribuição das majors que ela pode ser compartilhada por todo o
continente.

Nas emissoras de televisão brasileiras, em que se destaca a Rede Globo, o gênero ficcional predomi-
nante ainda é a telenovela, também chamadas de folhetim eletrônico. O folhetim surgiu na França
em 1836, e fazia sucesso na segunda metade do século XIX, quando as narrativas eram publicadas
diariamente em jornais nos espaços destinados a entretenimento, com a função de popularizar o CAPA
CAPA
acesso e formar novos leitores. O romance policial era publicado em periódicos jornalísticos no sé-
CAPA
culo XVIII e XIX, e herdou características folhetinescas como o texto envolvente, o papel de herói do
detetive, a luta do bem contra o mal, a verossimilhança e atualidade informativo-jornalística. Além
disso, possui uma temática semelhante aos faits divers e à cobertura policial. No Brasil, à época do SUMÁRIO
primeiro cinema, muitos filmes foram baseados justamente em casos policiais (GOMES, 1980 ) para SUMÁRIO
SUMÁRIO
driblar a concorrência dos filmes estrangeiros e atrair público. Apesar de serem atualmente quase
sinônimos de ficção seriada televisual, os primeiros filmes de aventuras e ação do cinema também
seriam exibidos em capítulos. A ideia de uma narrativa com personagens fixos, dialógica, sempre
FICHA
FICHAFICHA
foi uma estratégia fecunda para o envolvimento da audiência e para a criação de outras obras, dela
derivadas.

As ficções seriadas policiais e de ação vêm abalando, com propostas ousadas e uma abordagem da PRÓXIMA
realidade extremamente crítica, a exemplo de “Epitáfios” (HBO, 2004-2009), “9 MM” (Fox-2008-2011), PRÓXIMA
PRÓXIMA
“Prófugos” (HBO,2011), e mesmo formatos mais híbridos, como “Los simuladores” (Argentina, Te-
lefé, 2002-2003), “Donde está Elisa” (Chile, TVN, 2009). As séries televisivas que exploram gêneros
semelhantes aos seriados americanos, adotando ainda muitas vezes o formato de temporadas, com
temas, e episódios com início, meio e fim, vêm se colocando cada vez mais como referência, abordan- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

539
do situações inusitadas e, nos casos do sistema a cabo, mais experimentais no tratamento da imagem
do que os filmes, que devem ser capazes de conquistar grandes audiências em curto prazo. Concor-
rem para isso não somente os canais nacionais, mas também as produções das majors, notadamente
Fox e HBO, que vem produzindo seriados policiais e de ação, sobretudo, voltadas para o mercado
doméstico, beneficiadas por renúncia fiscal.

C onclusões
A ficção seriada Prófugos se inscreve dentro de uma tradição que vem sendo chamada pela crítica
de neopolicial, para expressar filmes de ação, policiais e suspense em que os elementos ficcionais
CAPA
deixam a solução do enigma para segundo plano, pois o sistema e a corrupção também matam, e são CAPA
de alguma forma, os verdadeiros assassinos. A delimitação entre a lei e o crime é tênue. No entanto, CAPA
diferentemente de filmes anteriores, que já abordaram a questão, o papel da corporação ganhou no-
vos matizes. Nem todo policial é corrupto ou torturador. Policiais sempre desempenharam papeis
SUMÁRIO
secundários ou de vilões em filmes anteriores sobre o tema. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O grande papel coadjuvante dessas produções, à semelhança de “Prófugos” (HBO, 2011) é desem-
penhado pelo recente passado político do continente, e da América do Sul, que deixa de ser cenário
para se integrar à narrativa. Um coadjuvante que, como ocorre por vezes nas mais destacadas pre-
FICHA
FICHAFICHA
miações, acaba literalmente, roubando a cena.

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PRÓXIMA
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PRÓXIMA
PRÓXIMA

SHAW, Miranda (2005). “The Brazilian Goodfellas: City of a God as a Gangster Film” in VIEIRA, Else. (org.)
City of God in several voices: Brazilian social cinema as action. London: CCCPress.
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

541
GÊNEROS E FORMATOS AUDIOVISUAIS NOS
ESTUDOS DE COMUNICAÇÃO NO BRASIL

Aécio M agalhães Santos

R esumo 1
O principal objetivo deste trabalho é proceder a uma a revisão de literatura sobre os formatos e gê-
neros audiovisuais na televisão e na web e sua classificação, disponíveis no mercado nacional em
português, discriminando linhas de abordagem teórica, modos de endereçamento e recepção. Para
CAPA
classificar este material serão utilizados critérios baseados nas principais leis bibliométricas: Lei de CAPA
Bradford, (produtividade de periódicos), Lei de Lotka (produtividade científica de autores) e Leis CAPA
de Zipf (frequência de palavras). O resultado deve ser publicado em forma de verbetes, em edição
eletrônica.
SUMÁRIO
Palavras-Chave: Formatos Televisivos - Gêneros audiovisuais – TV Brasileira – telejornalismo. SUMÁRIO
SUMÁRIO

I ntrodução
FICHA
FICHAFICHA
Os estudos sobre televisão sempre foram relegados a segundo plano no Brasil, em comparação aos
estudos sobre cinema, teatro e literatura. Nossa indústria audiovisual, voltada para o entretenimen-
to, se desenvolve a partir da televisão. Esse projeto visa fazer um levantamento e classificação das
obras disponíveis no mercado nacional em língua portuguesa, no sentido de identificar lacunas do PRÓXIMA
mercado editorial e sugerir traduções, publicações, que visem complementar os estudos nesta área,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
que se encontram majoritariamente em língua inglesa. O projeto pretende ainda realizar o mapea-

1 Trabalho de Iniciação Científica integrado por Aécio Magalhães Santos, Cristiany Vieira Szocs, Erika Muniz Lins, ANTERIOR
ANTERIOR
Giovana de Lima, José Vinícius Galdino dos Santos, Sílvia Regina Mendonça dos Reis, sob orientação da profa. Dra. Luiza
Lusvarghi, da Uninove São Paulo. ANTERIOR

542
mento dos formatos na televisão enquanto área de conhecimento e de estudos.

O número de obras publicadas no Brasil sobre a televisão brasileira e mundial é insuficiente para
aprofundar os estudos sobre a mídia televisiva, e menos ainda sobre formatos e gêneros na TV. Essa
lacuna não dificulta somente as pesquisas sobre o tema, mas impossibilita a ampliação dessas dis-
cussões nos cursos de graduação. Ignorado pelo mercado, o tema vem conquistando cada vez mais
espaços nos cursos de pós-graduação, e nos grupos de trabalho dos eventos científicos. O problema
com relação à publicação de pesquisas, certamente, não se resume à mídia televisiva, mas sem dúvi-
da expressa a relação da intelectualidade com o tema, que se agrava quando o assunto são as obras
de ficção, quase sempre abordadas do ponto de vista dos estudos sociais. A esse respeito, Roberto
Moreira vai dizer em seu ensaio “A televisão a partir do cinema” (MOREIRA in BUCCI, 2000), parte CAPA
CAPA
integrante de uma coletânea que comemorava os 50 anos da televisão brasileira:
CAPA
O primeiro passo de qualquer pesquisa é levantar uma bibliografia, ge-
ralmente encabeçada por uma obra de referência. Quando comecei a re-
SUMÁRIO
digir o projeto, fui à escola de Comunicações e Artes da Universidade de SUMÁRIO
São Paulo em busca de uma história da televisão brasileira. Surpresa: tal SUMÁRIO
livro não existe. Os livros sobre a história da tv brasileira cabem em uma
prateleira. Alguns têm caráter memorialista ou são perfis de personali-
dades, outros possuem ensaios sobre aspectos desta história ou então são FICHA
FICHAFICHA
levantamentos como o de Ismael Fernandes1 sobre a telenovela. Mas uma
obra compreensiva, com dados confiáveis... simplesmente não existe! Que
contraste com a história do cinema brasileiro. Ao lado da prateleira de- PRÓXIMA
dicada à tv temos duas estantes sobre nosso cinema. O primeiro livro de PRÓXIMA
PRÓXIMA
história do cinema foi publicado em 1959 por Alex Viany2, seguido por
uma avalanche de estudos produzidos sob a égide de Paulo Emilio Sal-
les Gomes. Por que uma diferença tão grande? Afinal, é inquestionável a
profunda inserção social da tv brasileira. Vários milhões de espectadores ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

543
passaram e continuam a passar horas e horas em frente à televisão. Boa
parte da história recente do país aconteceu nesse meio de comunicação.
Já o cinema sempre teve uma existência problemática, pouco significativa
como fenômeno social. (MOREIRA in BUCCI, 2000, pg 35)

O panorama encontrado por Moreira (2000) não mudou de forma significativa nos últimos 12 anos.
Há, sem dúvida mais pesquisas e produção científica sobre o tema, mas elas não são publicadas na
mesma proporção em que são produzidas. Naturalmente, o acervo online que algumas disponibi-
lizam, e a publicação de anais de congressos, contribuem para que estes estudos circulem, mas no
impacto sobre a própria graduação nos trabalhos de conclusão é pequeno. O objetivo deste trabalho
é realizar um primeiro mapeamento de obras publicadas sobre o audiovisual brasileiro no mercado CAPA
CAPA
editorial brasileiro para poder discutir os novos formatos audiovisuais a partir de uma perspectiva
CAPA
histórica, entendendo os gêneros como categoria social, bem como analisar os modos de endereça-
mento e a recepção dessa produção. A pesquisa não exclui o levantamento de dados nos anais de
congressos e internet, uma vez que, sabidamente, a produção intelectual circula não apenas de forma SUMÁRIO
impressa, mas também digital. A produção de um livro eletrônico voltado para o mercado univer- SUMÁRIO
SUMÁRIO
sitário, com verbetes sobre os formatos audiovisuais, e sua classificação enquanto gênero também
integra o projeto, bem como o levantamento de grades, websites, pesquisa bibliográfica, entrevistas
e dados referentes aos programas.
FICHA
FICHAFICHA
Para a condução e elaboração da pesquisa vem sendo utilizadas predominantemente técnicas qua-
litativas de pesquisa, coo a Lei de Bradford, que permite estimar o grau de relevância de periódicos
em dada área do conhecimento, que os periódicos que produzem o maior número de artigos sobre PRÓXIMA
dado assunto formam um núcleo de periódicos, supostamente de maior qualidade ou relevância PRÓXIMA
PRÓXIMA
para aquela área; a Lei de Lotka, que considera que alguns pesquisadores, supostamente de maior
prestígio em uma determinada área do conhecimento, produzem muito e muitos pesquisadores, su-
postamente de menor prestígio, produzem pouco, e ainda as leis de Zipf, que permitem estimar as
freqüências de ocorrência das palavras de um determinado texto científico e tecnológico e a região ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

544
de concentração de termos de indexação, ou palavras-chave, que um pequeno grupo de palavras
ocorre muitas vezes e um grande número de palavras é de pequena freqüência de ocorrência.

Para este levantamento, vêm sendo consultados os acervos das principais editoras do mercado na-
cional, bem como das principais universidades, com tradição de cursos na área. São relevantes neste
estudo, portanto, os acervos de universidades federais que possuam cursos de Comunicação com
pós-graduação nesta área, pois é a partir deles que se estabelece a maioria das pesquisas. A maioria
está concentrada no eixo Rio-São Paulo, uma vez que os cursos de pós-graduação em Comunicação
se constituíram, sobretudo, a partir da década de 90 nas demais regiões, e muitas universidades fe-
derais sequer possuem pós-graduação em todas as áreas.
CAPA
O estudo comparativo das obras selecionadas deve contribuir para uma melhor compreensão do CAPA
processo de análise e reflexão dos estudos sobre televisão e web, sob um cenário de convergência. CAPA

O levantamento do contexto histórico e a compreensão das origens e evolução do processo de im-


plantação da imprensa, dos grupos de mídia, e do mercado editorial serão fundamentais para a SUMÁRIO
elaboração dos verbetes e para esta análise. A primeira parte do trabalho consiste em levantamento SUMÁRIO
SUMÁRIO
bibliográfico de literatura pertinente ao assunto. Dada a escassez de material publicado disponível
sobre o assunto em português, serão colhidos diversos depoimentos de diretores da emissora, jorna-
listas, crítica especializada e artistas para um levantamento inicial.
FICHA
FICHAFICHA
Os sites especializados também fazem parte deste levantamento inicial, sobretudo os fanfics e os
fansites. As fontes de consulta devem incluem ainda as revistas do segmento como Pay-TV, material
produzido para divulgação. Este projeto de iniciação está vinculado à pesquisa docente “A Ficção PRÓXIMA
Neopolicial e suas Relações de Gênero no Audiovisual - Brasil e América Latina”, e pretende con- PRÓXIMA
PRÓXIMA
tribuir para o mapeamento das questões de gênero audiovisuais e para uma avaliação do ensino e
estudo sobre a comunicação audiovisual no Brasil.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

545
F orma D e A nálise E R esultados
Na medida em que os estudos específicos sobre o audiovisual são recentes no Brasil, a expectativa
é de que a maioria da produção sobre o tema esteja vinculada a áreas como Ciências Sociais, Letras
e História, que possuem maior tradição. Desta forma, este levantamento deve contribuir para uma
epistemologia dos estudos para esta área.

Para uma classificação sobre a inserção das linhas de pesquisa adotadas estamos utilizando obras
referenciais sobre as teorias de comunicação, como as de José Marques de Melo (2003) e Armand e
Michele Mattelard (1999), e para uma reflexão sobre a aculturação dos formatos clássicos entre nós
os conceitos de autores como Jason Mittell (2004), que entende o gênero na TV como categoria social,
e o de Robert Stam (2003) para o cinema, que pressupõe uma revisão crítica desses conceitos, tradi- CAPA
CAPA
cionalmente estudos a partir do modelo hollywoodiano de cinema e televisão, sob a perspectiva dos
CAPA
estudos culturais, uma vez que os gêneros e formatos ficcionais na televisão e na web são tributários
do cinema.
SUMÁRIO
As obras que abordem a relação entre literatura e indústria cultural serão igualmente relevantes, na SUMÁRIO
medida em que contribuam para um maior entendimento sobre a relação entre audiência nacional SUMÁRIO
e gêneros, caso, sobretudo, dos ensaios de José Paulo Paes (2001) sobre literatura e entretenimento.

O objetivo é produzir um relatório que possa servir de subsídio para pesquisas futuras, bem como a
FICHA
FICHAFICHA
produção de um ensaio sobre o tema, ou ainda de livros didáticos sobre o tema gêneros na televisão
e na web – portais das emissoras e portais de conteúdos como You Tube.

Esse estudo prevê ainda uma sondagem realizada junto a estudantes de Comunicação Social (Jor- PRÓXIMA
nalismo, Publicidade e Propaganda, Cinema e Audiovisual) de faculdades destinadas ao segmento PRÓXIMA
PRÓXIMA
A-B, e C-D2, para avaliar as fontes e referências dos alunos sobre o tema selecionado para o nosso
estudo. Uma primeira parte destas pesquisas já foi realizada, e se encontra em fase de tabulação.

ANTERIOR
ANTERIOR
2 Classificação feita mediante perfil fornecido pelas próprias instituições. ANTERIOR

546
F orma D e A nálise E R esultados
Um resultado parcial revelou que efetivamente a web é uma das principais fontes de consulta dos
alunos, e não as bibliotecas, ou mesmo as livrarias, mas a outra metade é representada pelas revis-
tas – as semanais, como “Veja”, mas também especializadas como “Bravo”, e até mesmo as revistas
femininas tradicionais, como “Contigo”, “Cláudia”, etc. As revistas, aparentemente, substituíram os
livros. O motivo não é apenas a facilidade de acesso do ponto de vista técnico, ou econômico, mas a
linguagem popular e a forma de organização dos conteúdos. Surpreendentemente, a metade desses
estudantes possui acesso à banda larga e à televisão a cabo. A televisão é a terceira maior fonte de
consulta para trabalhos acadêmicos.

Na medida em que os estudos específicos sobre o audiovisual são recentes no Brasil, a expectativa é CAPA
CAPA
de que a maioria da produção sobre o tema esteja vinculada a áreas como Ciências Sociais, Letras e
CAPA
História, que possuem maior tradição.

Para uma classificação sobre a inserção das linhas de pesquisa adotadas, a ser feita posteriormente,
SUMÁRIO
serão utilizados obras referenciais sobre as teorias de comunicação, como as de José Marques de Melo SUMÁRIO
(2003) e Armand e Michele Mattelard (1999), no sentido de identificar alguma linha predominante. SUMÁRIO

Para uma reflexão sobre a aculturação dos formatos clássicos entre nós os conceitos de autores como
Jason Mittell (2004), que entende o gênero na TV como categoria social, vai permitir estabelecer um
FICHA
FICHAFICHA
estudo sobre a audiência. Para Mittell (2004), a classificação de gêneros na televisão deve ser concei-
tuada tanto a partir da classificação propostas pela grade quanto da relação que o público estabelece
com os programas.
PRÓXIMA
Alguns pontos abordados por Robert Stam (2003) para discutir o cinema também serão levados em PRÓXIMA
PRÓXIMA
conta Ele pressupõe uma revisão crítica dos conceitos de gênero no cinema, tradicionalmente estuda-
dos a partir do modelo hollywoodiano, sob a perspectiva dos estudos culturais, que levam em conta
as diferenças étnicas e sociais da audiência com relação à obra, uma vez que os gêneros e formatos
ficcionais na televisão são tributários do cinema. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

547
As obras avaliando a relação entre literatura e indústria cultural são gualmente relevantes, na me-
dida em que contribuam para um maior entendimento sobre a relação entre audiência nacional e
gêneros, caso, sobretudo, dos ensaios de José Paulo Paes (2001) sobre literatura e entretenimento. O
objetivo é produzir um relatório que possa servir de subsídio para pesquisas futuras, bem como a
produção de um ensaio sobre o tema, ou ainda de livros didáticos sobre o tema gêneros na televisão
e na web – portais das emissoras e portais de conteúdos como You Tube.

Uma prévia das pesquisas entre alunos de graduação apontou que as fontes de consulta mais utili-
zadas na realização de trabalhos escolares sobre televisão são a efetivamente a internet, e as revistas,
seguidas pela própria televisão, e pelos livros. O número de pessoas com assinatura de TV a cabo de
instituições de ensino superior massificado chega a 50%. A maioria, entretanto, assiste aos progra- CAPA
CAPA
mas pela televisão, o que já não vem ocorrendo entre alunos de instituições públicas de ensino su-
CAPA
perior, que preferem dar download a partir da web para os seus programas favoritos, e utilizam até
mesmo programas oferecidos pelas operadoras para armazenar os favotitos. O mesmo parece estar
ocorrendo em instituições privadas de ensino superior particulares voltadas para a classe média alta, SUMÁRIO
com mensalidades que giram em torno de R$ 2 mil. SUMÁRIO
SUMÁRIO
A própria televisão agenda seus telespectadores, com um impacto muito maior do que os demais
mediadores (família, professores, etc), e não existe uma grande unanimidade entre os programas
favoritos, tanto de entretenimento quanto de ficção ou ainda telejornalísticos entre os jovens alunos. FICHA
FICHAFICHA
De 27 programas mencionados, somente 6 eram da Globo, e programas como “A Liga”, da Band, fo-
ram considerados jornalísticos. Os telejornais tradicionais, exibidos no horário nobre, não são uma
grande referência em termos de informação. PRÓXIMA
O grupo responsável pela pesquisa de obras relacionadas aos gêneros e formatos audiovisuais, não
PRÓXIMA
PRÓXIMA
tem encontrado dificuldades em identificar autores que abordem o tema televisão e imagens na web,
e o resultado parcial não foi muito satisfatório. Outra dificuldade foi encontrar literatura de autores
estrangeiros de referência sobre o tema traduzidos para o idioma português. Algumas obras funda- ANTERIOR
ANTERIOR
mentais, como “Television. Technology and Cultural Forms” (1996), de Raymond Williams, perma- ANTERIOR

548
necem sem tradução.

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ANTERIOR
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CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

553
SEGUNDA TELA: DESAFIOS DE UM MERCADO EM
EXPANSÃO

Elissa Schpallir Silva


Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho – UNESP, São Paulo, SP - elissa_schpallir@hotmail.com

CAPA
CAPA
R esumo CAPA
O hábito de assistir televisão e simultaneamente acessar à internet através de dispositivos móveis
- comumente denominado “segunda tela” - tem crescido no Brasil e no mundo. Segundo pesquisa
SUMÁRIO
do IBOPE Nielsen Online (2012), 43% dos internautas brasileiros possuem esse hábito; desses, 70% SUMÁRIO
declararam que costumam navegar motivados pela televisão, procurando informações sobre o que SUMÁRIO
está sendo mostrado, e 80% afirmaram que ligam a televisão ou trocam de canal motivados por algo
que viram na internet. Essa mudança nos hábitos de consumo é claramente uma tendência e tem sido
explorada por produtores e emissoras, com a criação de aplicativos que atraiam esses consumidores FICHA
FICHAFICHA
a acessar um conteúdo específico, fortalecendo e intensificando a imersão e o envolvimento com o
que é exibido na tela da TV. Por se tratar de um fenômeno recente, é preciso que se volte um olhar
atento ao perfil desses consumidores - habituados à interação, hiperlinks, ativos e participativos, PRÓXIMA
para os quais exclusividade é um objeto-valor - e se desenvolvam produtos que explorem novas PRÓXIMA
PRÓXIMA
possibilidades narrativas e interativas na segunda tela. Utilizando como metodologia uma pesquisa
de natureza bibliográfica e documental, esse estudo analisa as características dos consumidores das
mídias digitais, a partir dos conceitos explorados por Lev Manovich (2001), Henry Jenkins (2008) e
Carlos Alberto Scolari (2009), e reúne dados de pesquisas que mostram o quanto esse público tem ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

554
seguido a tendência da segunda tela. Também expõe o caráter informativo de muitos dos aplicativos
de segunda tela no mercado e busca sugerir a possibilidade de criação de histórias que explorem
esse recurso como parte da narrativa de forma mais complexa, e não apenas como meio para obter
informações sobre determinado programa. A segunda tela é uma realidade, o dispositivo já está nas
mãos do consumidor, e levar isso em conta na hora de contar histórias é, sem dúvida, um grande
desafio para o roteirista.

Palavras-chave: segunda tela, narrativas interativas, dispositivos móveis, TV digital

A bstract CAPA
CAPA
The habit of watching television and, simultaneously, access the internet beyond mobile devices -
CAPA
commonly known as “second screen” - has increased in Brazil and the world. According to Nielsen
research (2012), 43% of Brazilian internet users have this habit. 70% of these usually navigate mo-
tivated by TV content, and 80% turn on the tv or change the channel motivated for something they SUMÁRIO
saw on web. This change of consume habits is clearly a trend and has been explored by producers SUMÁRIO
SUMÁRIO
and broadcasters, with the creation of applications that attract these consumers to access specific
content, strengthening and enhancing immersion and involvement with what is displayed on the
TV screen. Since it is a recent phenomenon, it is necessary to watch these consumers - accustomed to
FICHA
FICHAFICHA
interaction, hyperlinks, active and participatory, for whom exclusivity is a value - closer and develop
products that explore new narrative and interactive possibilities on the second screen. Using biblio-
graphical and documentary research, this study analyzes the characteristics of consumers of digital
media, from the concepts used by Lev Manovich (2001), Henry Jenkins (2008) and Carlos Alberto PRÓXIMA
Scolari (2009), and gathers data research that shows that this audience has followed the trend of se-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
cond screen. It also exposes the informational purposes of many of the second screen applications
on the market and suggests the possibility of creating stories that explore this feature as part of the
narrative in a more complex way, not just as a means to get information about a particular program. ANTERIOR
ANTERIOR
The second screen is a reality, the device is already in the hands of the consumer, and taking this into ANTERIOR

555
account when storytelling is undoubtedly a great challenge for the writer.

Key Words: Second screen, interactive narratives, mobile devices, digital TV

I ntrodução
As novas mídias (MANOVICH, 2001) reconfiguram a forma de produzir e consumir todos os tipos
de conteúdos, entre eles o audiovisual. A popularização do computador pessoal tornou familiar a
sua linguagem e, consequentemente, transformou a forma como os indivíduos leem e interpretam o
mundo à sua volta.
CAPA
Com o barateamento de dispositivos móveis, utilizá-los tornou-se mais acessível e faz parte do coti- CAPA
diano de um número crescente de usuários. A tecnologia, que avança rapidamente, permite acesso à CAPA
internet, a conteúdos audiovisuais e a centenas de aplicativos. Se, num primeiro momento, parecia
claro que o tablet 1 seria um recurso utilizado majoritariamente na rua, no trabalho e em situações de
SUMÁRIO
espera - como filas e meios de transporte -, as estatísticas indicam que, ao menos nos Estados Uni- SUMÁRIO
dos, a maior frequência de acesso foi dentro de casa (CTAM, 2011). Os usuários também afirmaram SUMÁRIO
acessar vídeos nos dispositivos móveis e 85% deles afirmaram ver a mesma quantidade ou mais de
televisão que viam antes de adquirir o tablet. Pesquisas indicam, inclusive, que é o conteúdo da pró-
pria televisão que fomenta as buscas na rede e as conversas em redes sociais. FICHA
FICHAFICHA
Daí surge a tendência da second screen ou “segunda tela”: o hábito de acessar a internet através de
dispositivos móveis enquanto se assiste a televisão ou filmes. O foco desse artigo, no entanto, é o
uso simultâneo dos dispositivos com a televisão. Esse hábito de consumo tem sido explorado como PRÓXIMA
um local para acontecer a interatividade, sem interferir no fluxo da televisão, através de aplicativos
PRÓXIMA
PRÓXIMA
instalados nos dispositivos.

Essa nova forma de consumo da televisão traz desafios para todas as fases da produção, incluindo
ANTERIOR
ANTERIOR
1 Computador portátil, de tamanho pequeno, fina espessura e com tela sensível ao toque. ANTERIOR

556
o roteiro, pois abre possibilidades de criar histórias interativas e que utilizem a segunda tela como
recurso narrativo, também em narrativas ficcionais.

Para pensar esses desafios, é preciso antes analisar quem são esses consumidores e quais seus hábi-
tos de consumo.

N ovos consumidores

No livro The Language of New Media, Lev Manovich (2001) usa o termo “novas mídias” para se
referir aos objetos culturais que surgem a partir da linguagem computacional. Segundo o autor, as
novas mídias são “objetos culturais que usam a tecnologia computacional digital para distribuição CAPA
CAPA
e exposição”, e também para a produção. Esses objetos compartilham de uma linguagem comum e
CAPA
de alguns princípios descritos pelo autor: representação digital, variabilidade, modularidade, auto-
mação, transcodificação.
SUMÁRIO
Após a popularização dos computadores pessoais e, principalmente, da internet, o contato com tais SUMÁRIO
mídias passou a ser constante e cotidiano. O computador passou a ser usado tanto para as atividades SUMÁRIO
de trabalho quanto para o lazer. Aos poucos, sua linguagem e lógica foram sendo apreendidas, e tor-
nou-se comum e intuitivo procurar e interagir com hiperlinks, construir hipertextos, contribuir com
criações próprias, abrir diversas janelas e abas simultaneamente, acessar vídeos, imagens e textos na FICHA
FICHAFICHA
mesma tela, usar mais de um dispositivo ao mesmo tempo.

Hoje, a todo momento interagimos com a tecnologia e acessamos produtos culturais através dela.
Com dispositivos móveis cada vez mais avançados, podemos, a qualquer momento e em qualquer PRÓXIMA
lugar, acessar conteúdo audiovisual, jogos, chats, redes sociais, compartilhar informações, interagir.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Segundo Scolari (2009), tudo isso forma um usuário com uma lógica própria, e os meios de comu-
nicação devem se atentar a essas mudanças, que afetam a forma como esse usuário encara os meios
tradicionais: ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

557
Essa experiência (...) construiu um tipo de leitor acostumado à interativi-
dade e às redes, um usuário especialista em textualidades fragmentadas e
com grande capacidade de adaptação a novos ambientes de interação. Os
meios de comunicação também devem adaptar-se a esses novos especta-
dores. (SCOLARI, 2009, p.183)

Para Jenkins (2008), essa mudança não é só tecnológica, mas também cultural, e criou um novo perfil
de consumidor bem diferente do que as mídias tradicionais estavam acostumadas:

“Se os antigos consumidores eram tidos como passivos, os novos consu-


midores são ativos. Se os antigos consumidores eram previsíveis e ficavam
CAPA
onde mandavam que ficassem, os novos consumidores são migratórios, CAPA
demonstrando uma declinante lealdade a redes ou a meios de comunica- CAPA
ção. Se os antigos consumidores eram indivíduos isolados, os novos con-
sumidores são conectados socialmente.” (Jenkins, 2008, p.45)
SUMÁRIO
O fato de termos hoje um público migratório e altamente ativo faz com que seja necessário o desen- SUMÁRIO
SUMÁRIO
volvimento de estratégias para conquistá-lo e mantê-lo imerso no conteúdo.

FICHA
N ovos hábitos de consumo FICHAFICHA
Um fenômeno que vem crescendo entre esse público conectado é o da segunda tela, que é a denomi-
nação atribuída ao hábito dos espectadores de navegar na internet, através de dispositivos móveis,
enquanto assistem à televisão. Esse processo introduz novos paradigmas no que diz respeito à forma PRÓXIMA
de produzir e consumir televisão, e lança desafios à produção audiovisual televisiva.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

O consumo simultâneo de televisão e internet já é um costume estabelecido em boa parte dos espec-
tadores, e vem crescendo. Segundo pesquisa do IBOPE Nielsen Online (2012), 43% dos internautas
brasileiros tem esse hábito e, desses, 60% o fazem todos os dias. Dos 43%, uma fatia correspondente ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

558
a 70% declarou que costuma navegar motivada pela televisão, procurando informações sobre o que
está sendo mostrado, e 80% afirmaram que ligam a televisão ou trocam de canal motivados por algo
que viram na internet. 29% comentam online sobre o programa que estão assistindo. Um outro es-
tudo, realizado pela E.life em meados de 2012, monitorou os assuntos mais comentados no Twitter
em São Paulo e no Rio de Janeiro e apontou que quase metade desses assuntos são relacionados com
eventos e programas de TV. Nos Estados Unidos, a Google realizou uma pesquisa durante o Oscar
2012 que constatou que 51% dos espectadores acessaram a internet através do celular e, desses, 58%
buscavam informações sobre o que viam na TV.

Esse fenômeno demonstra que, com a popularização da internet, a televisão não recuou, mas conti-
nuou cumprindo seu papel de “laço social” (WOLTON, 1990). A TV sempre foi e continua sendo es- CAPA
CAPA
sencialmente um meio de massa, cujo interesse é o de se dirigir ao grande público. (WOLTON, 1990,
CAPA
p.78).

Em que a televisão constitui um laço social? No fato de que o espectador,


SUMÁRIO
ao assistir à televisão, agrega-se a esse público potencialmente imenso e SUMÁRIO
anônimo que a assiste simultaneamente, estabelecendo assim, como ele, SUMÁRIO
uma espécie de laço invisível. (WOLTON, 1990, p.124)

Nesse papel de laço social que une um grande público, a televisão sempre foi o objeto de conversas
FICHA
FICHAFICHA
e debate e com o advento da internet e, mais tarde, de seu uso em dispositivos móveis, essa função
continuou sendo realizada. Ao invés de afastar as pessoas da televisão, a internet torna-se instru-
mento que as instiga a ligá-la para que se acompanhem os comentários nas redes sociais, fazendo
com que os espectadores prefiram assistir os programas ao vivo ao invés de vê-los mais tarde. A PRÓXIMA
“social TV” – como é denominado o conceito de comentar o conteúdo da televisão nas redes sociais,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
simultaneamente – reforça, portanto, o ao vivo.

Uma pesquisa realizada pela CTAM apurou os locais em que os usuários costumavam acessar apli-
cativos de vídeo em seus dispositivos móveis. O resultado divulgado foi de que o acesso era feito ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

559
com mais frequência dentro de seus lares, indo contra o mito de que tais aplicativos seriam majorita-
riamente acessados na rua, a fim de preencher situações de espera como filas, transportes públicos,
entre outros. A frequência de acesso em casa foi de, em média, 75%, bem adiante dos 50% de acesso
dentro do carro, que ficou em segundo lugar. Já uma pesquisa da Nielsen mostra que 65% dos consu-
midores sequer leva seus tablets para o trabalho, faculdade, e outros lugares fora de casa. Um relató-
rio da Forrester apurou que, nos Estados Unidos, 85% dos usuários de tablets os acessam enquanto
assistem à TV, e constatou um aumento no consumo de vídeo por parte desses usuários.

Trata-se, portanto, da existência de um público conectado, disposto a receber conteúdo audiovisual


em seus dispositivos móveis, que assiste à televisão - e o faz enquanto acessa a internet -, e com ten-
dência a procurar informações que vê na tela da TV. Um público que já se senta diante da televisão CAPA
CAPA
com um outro dispositivo nas mãos, ou seja: foi o comportamento do público que levou ao desenvol-
CAPA
vimento de produtos para a segunda tela, e não o contrário.

SUMÁRIO
D esafios para o roteirista SUMÁRIO
SUMÁRIO
Esses novos hábitos de consumo criam uma nova demanda de produção audiovisual que atenda a
esse público e que faça da segunda tela um meio de maior imersão no conteúdo exibido na televisão,
e não de dispersão. Se a atenção do espectador é disputada agora com outras telas, o desafio é fazer
FICHA
FICHAFICHA
com que o conteúdo acessado nessa tela remeta à televisão, o que afeta todas as etapas da produção
audiovisual, desde o roteiro, produção, até edição, afinal, é preciso que os conteúdos se multipli-
quem e sejam pensados para múltiplos canais.
PRÓXIMA
Para o roteirista, existem alguns desafios e possibilidades. A segunda tela pode ser explorada em PRÓXIMA
PRÓXIMA
qualquer gênero de programa televisivo, desde programas de auditório e reality shows até telejor-
nais e documentários. Aqui, no entanto, nos ateremos ao conteúdo para narrativas ficcionais, como
séries, minisséries, telenovelas, entre outros. Atualmente, a maior parte dos aplicativos de segunda
tela feitos para esses gêneros televisivos traz recursos como: conteúdo informativo, como detalhes ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

560
sobre um personagem, episódio ou capítulo, biografias e notícias; interação social entre espectadores
do mesmo programa; compras de itens exibidos na TV; check-in - em que o usuário compartilha o
que está assistindo e quais são seus programas preferidos, além de organizar quais episódios já as-
sistiu e quais devem sair em breve -; votação.

O que falta, realmente, são roteiros que levem em conta a segunda tela como um recurso narrativo, e
não informativo, e que estendam a narrativa para esse dispositivo, aproveitando suas possibilidades:
exibição de imagem e áudio simultâneos; ambientes exploráveis através de animações, ilustrações
ou vídeos panorâmicos2; jogos; conteúdo extra ao fim do programa, exibido apenas no dispositivo
móvel, com uma cena do próximo episódio ou alguma pista sobre algo que aconteceu na trama. As
possibilidades são muitas, e os usuários desejam experiências únicas e exclusivas. CAPA
CAPA
Segundo Gosciola (2003), para criar roteiros interativos em hipermídia, é preciso que haja conteúdos CAPA
relevantes e que realmente façam diferença, justificando a necessidade de abrir uma tela ou uma
janela, caso contrário, o espectador poderá não se sentir motivado a interagir ou se frustrar com o
SUMÁRIO
conteúdo acessado, não voltando a participar. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Há que se atentar, no entanto, ao fato de que conteúdo relevante não é o mesmo que conteúdo es-
sencial. É preciso que se tomem certos cuidados que previnam ou remediem alguns problemas. Por
se tratar de televisão, que é um dispositivo que se dirige ao grande público, utilizando um formato
FICHA
FICHAFICHA
específico e com o qual nem todos são familiarizados (interativo), com narrativa multiplataforma,
por meio de dispositivos aos quais nem todos tem acesso ou mesmo interesse, um dos cuidados que
podem ser tomados é o de manter um conteúdo principal, um fio condutor da narrativa, na tela prin-
cipal - a televisão -, de forma que o que é oferecido no dispositivo móvel acrescente à história, traga PRÓXIMA
novas informações, mas que não sejam primordiais para a compreensão da história. O que é preiso
PRÓXIMA
PRÓXIMA
atingir é um conteúdo interessante e envolvente o suficiente para que quem tenha interesse não o
perca e quem não tem interesse ou não possua os meios para acessar se sinta atraído a fazê-lo.

ANTERIOR
ANTERIOR
2 Vídeos que permitem a visualização de um ambiente em 360°, e podem ou não ser interativos. ANTERIOR

561
C onsiderações finais

O contato frequente com o computador e com objetos que derivam de sua linguagem forma especta-
dores habituados a uma lógica de hipertexto, convergência entre meios, interatividade. Os usuários
já pressupõem, numa obra digital, que haja interação e a presença de hiperlinks.

As pesquisas comprovam, também, certos hábitos de consumo desse público, como o costume de as-
sistir televisão e acessar a internet simultaneamente. Um público disposto a interagir, que já está com
outra tela nas mãos: é uma oportunidade de criar conteúdos relevantes e marcantes, que aumentem
a imersão no conteúdo exibido na TV. É um grande desafio para o roteirista estender sua narrativa
para uma tela adicional.
CAPA
Fazer uma pesquisa de público e seus hábitos é primordial para conseguir conquistá-lo, levando em CAPA
conta que nem todos possuem os mesmos recursos e interesses e criando conteúdo ao mesmo tempo CAPA
relevante e secundário, a fim de que possa ser compreendido sem a necessidade de se acompanhar
o conteúdo de segunda tela, mas que leve quem não o faz a desejar fazê-lo. O importante é fazer ex-
SUMÁRIO
perimentações e explorar as possibilidades abertas por essa tela adicional, fazendo dela um recurso SUMÁRIO
narrativo, uma ferramenta a mais para se contar histórias. SUMÁRIO

R eferências FICHA
FICHAFICHA
GOSCIOLA, Vicente. Roteiro para as novas mídias: do cinema às mídias interativas. São Paulo: Editora
Senac São Paulo, 2003.

MANOVICH, Lev. The language of new media. London: The MIT Press, 2001. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
_____________. Novas mídias como tecnologia e ideia: dez definições. In: Leão, L. (org) O chip e o caleidos-
cópio: reflexões sobre as novas mídias. São Paulo: Senac, 2003.

SCOLARI, Carlos Alberto. Ecologia de la hipertelevision. Complejidad narrativa, simulación y transme- ANTERIOR
ANTERIOR
dialidad en la televisión contemporánea. In SQUIRRA, Sebastião e FECHINE, Yvana (orgs). ANTERIOR

562
Televisão digital - desafios para a comunicação. Porto Alegre: sulina, 2009.

WOLTON, Dominique.O elogio do grande público. Rio de Janeiro: Ática, 1996.

BARROS, Tiago. ‘Social TV’ cresce no Brasil: 43% assistem à TV e navegam na web ao mesmo tempo.
Disponível em: <http://www.techtudo.com.br/artigos/noticia/2012/06/social-tv-cresce-
-no-brasil-43-assistem-a-tv-e-navegam-na-web-ao-mesmo-tempo.html>. Acesso em: 12. out.
2012

HAMANN, Renan. Mais de 60% dos tablets são apenas utilizados dentro de casa. Disponível em: <http://
www.tecmundo.com.br/tablet/28162-mais-de-60-dos-tablets-sao-apenas-utilizados-
-dentro-de-casa.htm>. Acesso em: 22. nov. 2012 CAPA
CAPA
IAB Brasil. Pesquisa Brasil Conectado - hábitos de consumo de mídia. Disponível em: <http://www.iabbra- CAPA
sil.org.br/arquivos/IAB_Brasil_conectado_consumodemedia.pdf>. Acesso em: 14.out.2012

KARASINSKI, Lucas. Pesquisa mostra que a TV influencia quase metade dos assuntos do Twitter. Dispo- SUMÁRIO
nível em: <http://www.tecmundo.com.br/twitter/31704-pesquisa-mostra-que-a-tv-influen- SUMÁRIO
SUMÁRIO
cia-quase-metade-dos-assuntos-do-twitter.htm>. Acesso em: 24.out.2012

MOREIRA, Tom. Com o advento segunda tela nasce o conceito teleparticipante. Revista da SET, nº 126.
Disponível em: <http://m.set.com.br/revista/ed126_interatividade.html>. Acesso em: FICHA
FICHAFICHA
12.out.2012

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

563
GÊNESE DE UM PROGRAMA EDUCATIVO
MULTIMÍDIA APLICANDO OS OBJETIVOS DO
MILÊNIO

F ernando Luis C azarotto Berlezzi | F red I zumi Utsunomiya


Universidade Presbiteriana Mackenzie - fernando@berlezzi.com | fredu@mackenzie.br

CAPA
CAPA
CAPA
R esumo
Como é elaborado um programa televisivo educativo e motivacional sobre iniciativas de protagonis-
SUMÁRIO
mo individual em ações simples que desenvolvam e estimulam a cidadania no cumprimento dos Ob- SUMÁRIO
jetivos do Milênio? SUMÁRIO

O objetivo principal deste trabalho é a documentação de todo o processo de desenvolvimento do


programa-piloto, desde sua concepção, planejamento, produção edição e seu lançamento no canal
FICHA
FICHAFICHA
televisivo universitário da TV Mackenzie, além de tecer críticas e reflexões pertinentes à área de co-
municação televisiva, sobretudo na parte de roteiro, adaptação e produção. Como objetivos secun-
dários, temos: a) documentar o processo de pesquisa de histórias de iniciativas de individuais de
protagonismo de cidadania que estejam relacionadas com um dos Objetivos do Milênio, b) descrever PRÓXIMA
e analisar o processo de transformação dessas histórias em cases para o programa a ser desenvolvido
PRÓXIMA
PRÓXIMA
(roteirização e decisões de direção) e c) estudar e analisar as decisões para a formatação do programa
sob a perspectiva de “programas educativos e multimídia”. Para realizar esta pesquisa foi utiliza-
do o método de Pesquisa Bibliográfica (pesquisa sobre programas de TV Educativos e multimídia), ANTERIOR
ANTERIOR
breve estudo e análise de programas de TV educativos que serão utilizadas como referência no es- ANTERIOR

564
tudo, além de consultas e entrevistas com profissionais da área de televisão, cinema, multimídia e
educação a respeito desse projeto. A análise de programas de TV educativos serviu com o objetivo
de observar a confluência entre a prática de roteirização, captação de imagens e edição (montagem)
e os elementos apontados na literatura sobre o formato de programas educativos. Outro aspecto im-
portante da metodologia de documentação é a descrição dos processos das etapas de produção do
programa piloto, entrevistando, inclusive, a equipe de roteirização, produção e edição final.

Ao final descreve-se como foi a concepção do episodio piloto do programa líder cidadão.

Palavras Chave: Objetivos do Milênio, Programa Educativo, Roteiro para Televisão.

CAPA
CAPA
A bstract CAPA
How prepared is a television program on motivational and educational initiatives of individual lea-
dership in simple actions that develop and encourage citizenship in meeting the Millennium Deve-
SUMÁRIO
lopment Goals? SUMÁRIO
SUMÁRIO
The main objective of this work is the documentation of the entire process of developing the pi-
lot program since its conception, planning, production and editing its launch in the university te-
levision channel TV Mackenzie, besides criticize and reflections relevant to the area of ​​television
FICHA
FICHAFICHA
communication especially in the screenplay, adaptation and production. As secondary objectives,
we: a) document the research process with stories of individual initiatives role of citizenship which
are connected with one of the Millennium Development Goals, b) describe and analyze the process
of transforming these stories into cases for the program to be developed (routing decisions and di- PRÓXIMA
rection) and c) to study and analyze the decisions for formatting program from the perspective of
PRÓXIMA
PRÓXIMA
“educational programs and multimedia.” To conduct this research method was used for Bibliogra-
phical Research (Research on Educational TV programs and multimedia), brief study and analysis
of educational TV programs that will be used as reference in the study, as well as consultations and ANTERIOR
ANTERIOR
interviews with professionals in the field of television , cinema, multimedia and education about this ANTERIOR

565
project. The analysis of educational TV programs served with the aim of observing the confluence
between the practice of scripting, image capture and editing (assembly) and the elements highligh-
ted in the literature on the design of educational programs. Another important aspect of the metho-
dology of documentation is the description of the processes of production steps in the pilot program,
interviewing, including the staff of scripting, production and editing final.

At the end describes himself as was the design of the pilot episode of the program Leading Citizen.

Key-Words: Millennium Development Goals, Education Program, Writing for Television.

CAPA
I ntrodução : televisão e programas educativos CAPA
A televisão criou explosiva oportunidade de circulação de informação e entretenimento. Ela está de- CAPA
finitivamente instalada na intimidade dos lares, mas é preciso aprender a conviver com ela.

Não que os conteúdos transmitidos não tenham importância, mas uma abordagem rigorosa da tele- SUMÁRIO
visão não pode ser feita sem uma análise profunda dos efeitos que ela gera em sua audiência, e tais SUMÁRIO
SUMÁRIO
efeitos são, em grande parte, resultado da relação que os telespectadores estabelecem com eles, da
interação que se produz entre o meio e os receptores das mensagens dentro de um contexto determi-
nado.
FICHA
FICHAFICHA
É dentro desse contexto que é compreendido o que McLuhan (1969) afirmou que o meio é a mensa-
gem. Para ele, a verdadeira mensagem de um meio são as mudanças por ele produzidas no contexto
em que ele está inserido. PRÓXIMA
Segundo Ferrés (1996), a identificação produz-se quando o espectador assume emotivamente o pon-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
to de vista de um personagem, ao considerá-lo um reflexo da sua própria situação de vida ou de seus
sonhos e ideais. A projeção, no entanto, produz-se quando o espectador coloca uma série de senti-
mentos próprios (amor, ódio, compaixão, desejo sexual, etc.) sobre alguns personagens da fantasia. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

566
No extremo oposto, aparecem as posturas integradas, segundo as quais a televisão deve ser consi-
derada como uma oportunidade para a democratização do conhecimento e da cultura, para a am-
pliação dos sentidos, para a potencialização da aprendizagem. (Idem, 1996). Ferrés acredita que as
preferências dos telespectadores provêm tanto de um exercício da sua inteligência como de seus sen-
timentos. Quando o espectador escolhe os seus heróis ou heroínas, está manifestando as suas ideias,
interesses, expectativas, esperanças e problemas. Quando ele avalia um programa está, inconscien-
temente, avaliando a si mesmo.

Para Rincón (2002), os programas educativos, em geral, adotam formas racionais, descritivas e ana-
líticas, consideradas eficazes do ponto de vista didático – e por isso deixam de lado os recursos
dramáticos do cinema e da televisão comercial, que trabalham com a emoção ou sensação. Adotam CAPA
CAPA
o modelo clássico de programação pedagógico, identificado como extensão da escola. O autor ex-
CAPA
plica que os programas, com a intenção didática explícita, exigem concentração, reflexão e alguma
forma de acompanhamento pessoal, seja na sala de aula ou à distância. Eles se dirigem a um público
específico, têm uma linguagem própria e resultados variáveis, conforme os suportes adicionais que SUMÁRIO
oferecem. SUMÁRIO
SUMÁRIO

O s O bjetivos do M ilênio
FICHA
FICHAFICHA
Em 2000, a Organização das Nações Unidas (ONU), ao analisar os maiores problemas mundiais,
estabeleceu os Objetivos do Milênio (ODM), que no Brasil também são chamados de “Oito Jeitos de
Mudar o Mundo”. Esses objetivos devem ser atingidos por todos os países até 2015. Os ODM´s são
um conjunto de metas pactuadas pelos governos dos 191 países-membros da ONU com a finalidade PRÓXIMA
de tornar o mundo um lugar mais justo, solidário e melhor para se viver.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

567
Os objetivos do milênio são os seguintes :

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA
Figura 1: Os Objetivos do Milênio

• ODM 1: Acabar com a fome e a miséria. BRASIL: Já foi cumprido o objetivo de re-
duzir pela metade o número de pessoas vivendo em extrema pobreza até 2015: de PRÓXIMA
25,6% da população em 1990 para 4,8% em 2008. Mesmo assim, 8,9 milhões de brasi- PRÓXIMA
PRÓXIMA
leiros ainda tinham renda domiciliar inferior a US$ 1,25 por dia até 2008. Para se ter
uma ideia do que isso representa em relação ao crescimento populacional do país,
em 2008, o número de pessoas vivendo em extrema pobreza era quase um quinto do
observado em 1990 e pouco mais do que um terço do valor de 1995. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

568
• ODM 2: Educação básica de qualidade para todos. BRASIL: Os dados do 4º Rela-
tório Nacional de Acompanhamento dos ODM são de 2008: 94,9% das crianças e
jovens entre 7 e 14 anos estão matriculados no ensino fundamental. Nas cidades, o
percentual chega a 95,1%. O objetivo de universalizar o ensino básico de meninas
e meninos foi praticamente alcançado, mas as taxas de frequência ainda são mais
baixas entre os mais pobres e entre as crianças das regiões norte e nordeste. Outro
desafio na área de educação é com relação à qualidade do ensino recebida por essas
populações.

• ODM 3: Igualdade entre sexos e valorização da mulher. BRASIL: As mulheres já


estudam mais que os homens, mas ainda têm menos chances de emprego, rece- CAPA
CAPA
bem menos do que homens trabalhando nas mesmas funções e ocupam os piores
CAPA
postos. Em 1998, 52,8% das brasileiras eram consideradas economicamente ativas,
comparadas a 82% dos homens. Em 2008, essas proporções eram de 57,6% e 80,5%.
A participação delas nas esferas de decisão políticas e econômicas do país ainda é SUMÁRIO
pequena. Em 2010, elas ficaram com 13,6% dos assentos no Senado, 8,7% na Câmara SUMÁRIO
SUMÁRIO
dos Deputados e 11,6% no total das vagas nas Assembleias Legislativas.

• ODM 4: Reduzir a Mortalidade Infantil. BRASIL: A mortalidade de crianças com


menos de um ano foi de 47,1 óbitos por mil nascimentos, em 1990, para 19 em 2008. FICHA
FICHAFICHA
Até 2015, a meta é reduzir esse número para 17,9 óbitos por mil. A expectativa é de
que esse objetivo seja cumprido ainda antes do prazo, mas a desigualdade ainda é
grande: crianças pobres têm mais que o dobro de chance de morrer do que as crian- PRÓXIMA
ças ricas, e as nascidas de mães negras e indígenas têm maior taxa de mortalidade PRÓXIMA
PRÓXIMA
em comparação às crianças brancas. Por região, o Nordeste apresentou a maior que-
da nas mortes de zero a cinco anos.

• ODM 5: Melhorar a saúde das gestantes. No Brasil foi registrada uma redução na ANTERIOR
ANTERIOR
mortalidade materna, desde 1990, de praticamente 50%. A Razão de Mortalidade ANTERIOR

569
Materna (RMM) corrigida para 1990 era de 140 óbitos por 100 mil nascidos, enquan-
to em 2007 declinou para 75 óbitos. O relatório explica que a melhora na investi-
gação dos óbitos de mulheres em idade fértil (10 a 49 anos de idade), que permite
maior registro dos óbitos maternos, possivelmente contribuiu para a estabilidade da
RMM observada nos últimos anos da série.

• ODM 6: Combater a AIDS, a malária e outras doenças. O Brasil foi o primeiro país
em desenvolvimento a proporcionar acesso universal e gratuito para o tratamento
de HIV/AIDS na rede de saúde pública. Quase 200 mil pessoas recebem tratamento
com antirretrovirais financiados pelo governo. A sólida parceria com a sociedade
civil tem sido fundamental para a resposta à epidemia no país. De acordo com o CAPA
CAPA
UNAIDS, a prevalência de HIV no Brasil é de 0,5%, com cerca de 600 mil pessoas
CAPA
infectadas.

• ODM 7: Qualidade de vida e respeito ao meio ambiente. O país reduziu o índice de


SUMÁRIO
desmatamento, o consumo de gases que provocam o buraco na camada de ozônio e SUMÁRIO
aumentou sua eficiência energética com o maior uso de fontes renováveis de ener- SUMÁRIO
gia. Acesso à água potável deve ser universalizado, mas a meta de melhorar con-
dições de moradia e saneamento básico ainda depende dos investimentos a serem
realizados e das prioridades adotadas pelo país. O ODM 7 é considerado por muitos FICHA
FICHAFICHA
como um dos mais complexos para o país, principalmente na questão de acesso aos
serviços de saneamento básico em regiões remotas e nas zonas rurais.

• ODM 8: Todo mundo trabalhando pelo desenvolvimento. O Brasil foi o principal PRÓXIMA
articulador da criação do G-20 nas negociações de liberalização de comércio da Ro-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
dada de Doha da Organização Mundial de Comércio. Também se destaca no esforço
para universalizar o acesso a medicamentos para a Aids. O país é proativo e inova-
dor na promoção de parcerias globais usando a cooperação sul-sul como veículo. ANTERIOR
ANTERIOR
Com a união das partes envolvidas numa questão social seria possível mudar a rua, ANTERIOR

570
a comunidade, a cidade, o país e até mesmo o planeta.

Faltam três anos para atingir os objetivos do milênio e este trabalho mostra sua relevância ao acom-
panhar um processo de idealização, roteirização, produção e finalização de um programa piloto de
TV: “líder cidadão”, desde sua concepção até a finalização do programa final, que servirá para criar
uma série de vinte cases, que enfocará iniciativas de protagonismo individual em ações simples que
desenvolvam e estimulam a cidadania no cumprimento dos Objetivos do Milênio. Dessa forma a
Universidade Presbiteriana Mackenzie contribui com os ODMs por meio de uma série de programa
televisivo educativo e motivacional. Os episódios produzidos, além de serem veiculados no Canal
Digital da TV Mackenzie são postados na Internet em mídias sociais (YouTube) ficando acessível à
comunidade, podendo ser exibidos em sala de aula em disciplinas como Ética e Cidadania, como CAPA
CAPA
base de discussão e promoção da cidadania, além de servir como material para discussão de disci-
CAPA
plinas que envolvem Recursos Humanos (liderança, motivação, participação social) e protagonismo
cidadão.
SUMÁRIO
Com o este trabalho pretende-se responder a seguinte pergunta: Como é elaborado um programa SUMÁRIO
televisivo educativo e motivacional sobre iniciativas de protagonismo individual em ações simples SUMÁRIO
que desenvolvam e estimulam a cidadania no cumprimento dos Objetivos do Milênio?

O objetivo principal deste trabalho é a documentação de todo o processo de desenvolvimento do


FICHA
FICHAFICHA
programa-piloto, desde sua concepção, planejamento, produção edição e seu lançamento no canal
televisivo universitário da TV Mackenzie, além de tecer críticas e reflexões pertinentes à área de co-
municação televisiva, sobretudo na parte de roteirização, adaptação e produção.
PRÓXIMA
Como objetivos secundários, temos: PRÓXIMA
PRÓXIMA
a) documentar o processo de pesquisa de histórias de iniciativas de individuais de pro-
tagonismo de cidadania que estejam relacionadas com um dos Objetivos do Milênio,

b) descrever e analisar o processo de transformação dessas histórias em cases para o ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

571
programa a ser desenvolvido (roteirização e decisões de direção) e

c) estudar e analisar as decisões para a formatação do programa sob a perspectiva de


“programas educativos e multimídia”.

M étodo de pesquisa

Para realizar esta pesquisa foi utilizado o método de Pesquisa Bibliográfica (pesquisa sobre progra-
mas de TV Educativos e multimídia), breve estudo e análise de programas de TV educativos que
serão utilizadas como referência no estudo, além de consultas e entrevistas com profissionais da
área de televisão, cinema, multimídia e educação a respeito desse projeto. A pesquisa bibliográfica é CAPA
CAPA
uma etapa fundamental em todo trabalho científico que influenciará as demais fases da pesquisa, à
CAPA
medida em que dá o embasamento teórico à pesquisa.

A análise de programas de TV educativos ocorreu com o objetivo de observar a confluência entre a


SUMÁRIO
prática de roteirização, captação de imagens e edição (montagem) e os elementos apontados na lite- SUMÁRIO
ratura sobre o formato de programas educativos. SUMÁRIO

Outro aspecto importante da metodologia de documentação é a descrição dos processos das etapas
de produção do programa piloto, entrevistando, inclusive, a equipe de roteirização, produção e edi-
FICHA
FICHAFICHA
ção final.

R esultados E D iscussões PRÓXIMA


Concepção do formato do programa.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Todo programa de televisão, tem como principio um conceito. E no caso do Líder Cidadão é o de
mostrar “Iniciativas simples que podem mudar o mundo do telespectador”, ou seja, retratar através
de uma série de programa televisivo educativo e motivacional sobre iniciativas de protagonismo in- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

572
dividual em ações simples que desenvolvam e estimulam a cidadania no cumprimento dos Objetivos
do Milênio.

Desta forma criou-se um formato de programa padrão para ser aplicado na produção dos demais
episódios após ser testado no programa piloto e se fazer alterações cão necessárias.

Um episódio padrão é dividido em três blocos de 8 minutos, com a apresentação de um caso de pro-
tagonismo para a cidadania. O narrador apresenta no primeiro bloco a temática e introduz o caso,
sempre focando a questão do protagonismo, da cidadania e da liderança.

Os casos são apresentados através de uma narrativa que inclui entrevistas com o protagonista e
pessoas envolvidas, tendo a opinião de algum especialista. Ao final, há uma rápida conclusão do CAPA
CAPA
programa com uma abordagem relacionando a temática do dia com um dos Objetivos do Milênio.
CAPA
Imagem representativa
Descrição
(print screen do programa)
SUMÁRIO
Introdução: SUMÁRIO
O apresentador em ambientes externos e situações diferentes, sempre SUMÁRIO
relacionados ao tema, introduz o assunto do dia questionando o teles-
pectador.
1º Bloco – Introdução ao tema

Ex: Qual é a importância do seu voto?


FICHA
FICHAFICHA
Vinheta e ODMs:
Vinheta de abertura do programa e
animação com os objetivos do milênio
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

VT / Matéria sobre o tema relacionado


Com recursos de videografismo, gráficos, informações, estatísticas e
figuras ajudam a apresentar o tema do programa. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

573
1º Bloco – Introdução ao tema Enquete (Povo Fala)
Depoimentos curtos de alunos do Mackenzie sobre o tema para ajudar
a introduzir o assunto

Apresentação do líder
Flashes do quotidiano do líder cidadão do programa, depoimentos
curtos de uma ou duas pessoas sobre características do líder. Encerra
o bloco: ”Você acha que esta pessoa é um líder?” Confira no próximo
bloco!
ESTAMOS APRESENTANDO
CAPA
CAPA
CAPA

Imagem representativa
Descrição
(print screen do programa)
SUMÁRIO
SUMÁRIO
Liderar é...
SUMÁRIO
Após intervalo uma pílula com a apresentação de um conceito de lide-
2º Bloco - A história do Líder Cidadão

rança.
VOLTAMOS A APRESENTAR
FICHA
FICHAFICHA
Apresentação do caso do líder cidadão
- situação-problema que ele abraçou; como o cidadão se envolveu no
caso; como o caso foi resolvido.
Apresenta-se a história do líder e os agentes envolvidos. Depoimentos PRÓXIMA
de pessoas sobre ele.
PRÓXIMA
Aspecto sobre liderança a ser aprendido
PRÓXIMA
Apresentador faz uma breve recapitulação do caso e relaciona com o
tema, extraído uma lição, aplicação para o programa (iniciativa, capaci-
dade de mobilização, persistência, criatividade etc.)
ANTERIOR
ANTERIOR
ESTAMOS APRESENTANDO
ANTERIOR

574
Imagem representativa
Descrição
(print screen do programa)

VOLTAMOS A APRESENTAR
3º Bloco – Aplicação/ aprendizado com história do Líder Cidadão

Apresentador chama comentários de especialistas e alunos sobre o que


aprenderam por meio desse cidadão.

Especialistas
Depoimentos de dois professores especialistas no tema, que após as-
sistirem o bloco 2 do programa, comentam sobre a temática, o envolvi-
mento do protagonista, projeções para novas iniciativas com relação ao CAPA
tema, lições de liderança desenvolvidas no caso. CAPA
CAPA

Enquete (Povo Fala)


Depoimentos dos mesmos alunos entrevistados no bloco 1, após eles SUMÁRIO
terem assistido a história do Líder(bloco 2), falando sobre o que as pes- SUMÁRIO
soas podem colocar o que aprendeu em sua realidade. SUMÁRIO
Fechamento
Apresentador faz breve retomada do tema e menção aos objetivos do
milênio, relacionando o objetivo relacionado ao líder do episódio. FICHA
FICHAFICHA
Pergunta final: “o que você pode fazer...?”

PRÓXIMA
P rodução do programa líder cidadão PRÓXIMA
PRÓXIMA
O formato do programa foi fundamental para dar-se então os passos da produção do episódio piloto
que seguiu as seguintes etapas.

1. Construção da identidade visual do programa. ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

575
Foi definida a identidade visual e concepção do videografismo (vinhetas e animações) do programa.

CAPA
CAPA
CAPA
Figura 2: Identidade Visual do programa

2. Pesquisa do tema e protagonista. Nesta etapa a partir da descoberta do protagonista SUMÁRIO


do episódio inicia-se o processo de pesquisa do tema e escrita do texto para o apresen- SUMÁRIO
SUMÁRIO
tador.

3. Produção do bloco 2 - A história do Líder Cidadão: Uma vez que o protagonista


do programa já foi descoberto, agenda-se uma pré-entrevista e são realizadas algumas FICHA
FICHAFICHA
perguntas para colher informações. Com essas informações escrevem-se pequenas fa-
las, sonoras de no máximo 30 segundos que são enviadas ao entrevistado. Agenda-se a
entrevista com entrevistado, e pessoas que possam falar de sua atuação como cidadão e PRÓXIMA
sobre características do líder, grava-se e edita o bloco 2. A Figura 3 apresenta a relação PRÓXIMA
PRÓXIMA
dos personagens que compõem o bloco 2, que aborda o tema Engajamento e participa-
ção política e o lider é Claudio Vieira.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

576
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

Figura 3: Diagrama de personagens na construção da historia do protagonista.


FICHA
FICHAFICHA
• A: Claudio conheceu a Rede Adote um vereador por meio do programa do radialista
Milton Jung da Radio CBN.

• B: Ele adotou o vereador Marco Aurélio Cunha e desde então começou a acompa- PRÓXIMA
nhar as ações do vereador e foi além, propôs projetos de leis que renderam prêmio
PRÓXIMA
PRÓXIMA
na Assembleia Legislativa.

• C/D: Após sua atuação acompanhando vereadores Claudio foi difundindo a ideia
e proposta da Rede Adote um vereador e outras pessoas como Sergio Mendes que ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

577
começaram a participar da Rede por sua causa. Claudio se tornou um cidadão mais
atuante e começou a ajudar a associação de moradores de seu bairro e influenciando
sua própria esposa a assumir responsabilidades cidadãs em seu bairro.

4. Produção dos Blocos 1 e 2: Com a história do protagonista definida, parte-se para a


construção dos demais blocos que contam com a participação de estudantes e especia-
listas que assistem ao vídeo para comentar suas respostas.

5. Gravação das cabeças ou passagens, isto é, partes onde o apresentador fala.

6. Escrita do roteiro final e Edição do programa.


CAPA
CAPA
CAPA
C onclusão
Relatamos neste artigo a motivação e processo de concepção do programa Líder Cidadão. Os obje-
tivos iniciais foram cumpridos e o programa já está sendo veiculado tanto na televisão, quanto na SUMÁRIO
Internet. Além disso professores já o utilizam em aulas para promover a discussão do papel do cida- SUMÁRIO
SUMÁRIO
dão comum e sua influência no lugar onde vive, atingindo-se desta forma o caráter educativo para
o qual foi elaborado.

FICHA
FICHAFICHA
R eferências
BARRETO, Tiago. Vende-se em 30 segundos: manual do roteiro para filme publicitário. São Paulo: Ed. SE-
NAC São Paulo, 2004 PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
COMPARATO, Doc. Da criação ao roteiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1996

FIELD, Syd. Os exercícios do roteirista: Exercícios e instruções passo a passo para criar um roteiro de suces-
so: uma abordagem prática. [3 ed.] Rio de janeiro: Objetiva, 1996 ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

578
FERRÉS, Joan. Televisão e educação. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

MCLUHAN, Marshal. O meio são as massa-gens. Rio de Janeiro: Record, 2. ed., 1969.

Ministerio da Educação e Cultura. Instituto Nacional de Estudos Pedago. Teleducação no Brasil, um docu-
mentário. Brasilia: MEC : Inep, S.D

RINCÓN, Omar. TV CULTURA: a diferença que importa. In: Televisão pública: do consumidor ao cidadão.
São Paulo, 2002.

PNUD – Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento disponível em www.pnud.org.br/odm/


acessado em 21 de março de 2012 as 14h25min
CAPA
CAPA
PUCCINI, Sérgio. Roteiro de documentário: da pré-produção à pós-graduação. 3. ed. São Paulo: Papirus,
CAPA
Objetivos do Milênio. disponível em www.objetivosdomilenio.org.br/ acessado em 21 de março de 2012 as
15h.
SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

579
CAPA
CAPA

Capítulo 8 - Em
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

construção: Processo e
FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

criatividade ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR
EM CONSTRUÇÃO: A DESCOBERTA DE NOVOS
AUTORES EM BUSCA DAS MÚLTIPLAS TELAS

G laucia D avino

Este capítulo traz três textos e quatro resumos referentes a projetos de roteiros. CAPA
CAPA
Uma surpresa em nossas atividades! Ao divulgarmos a abertura de submissões de trabalhos no semi- CAPA
nário 2012, esses novos autores viram a oportunidade de trocar, gerar e adquirir conhecimentos com
vistas à prática da roteirização. No princípio estranhamos as propostas fora de padrão (acadêmico).
SUMÁRIO
Mas, felizmente a quantidade de propostas iluminou o alcance que o trabalho com o Seminário His- SUMÁRIO
torias de Roteiristas estava tendo. Ao aceitarmos Seminário também se dispôs à colaboração com a SUMÁRIO
formação de novos profissionais, então, nos desafiamos a montar este GT, cujo título metaforiza o
trabalho em processo.
FICHA
FICHAFICHA
Ao mediarmos este GT, formalmente inovador, verificamos uma dinâmica cheia de energia e com
trocas efetivas. Todos comentavam os trabalhos que foram efetivamente apresentados (alguns não
vieram a esta dinâmica), embora o tempo fosse curto.
PRÓXIMA
Pioneiros nesta intervenção, mesmo que sem intenção, do Seminário 2012, eles são responsáveis por PRÓXIMA
PRÓXIMA
incluirmos na 4ª edição, em 2013, uma chamada especial e específica para essas modalidades de tra-
balhos, com rodadas de projetos de roteiros, acompanhadas da presença de acadêmicos e profissio-
nais para comentarem e trocarem ideias.
ANTERIOR
ANTERIOR
Parabenizamos esses novos autores (ordem alfabética) pela ousadia, ao proporem os trabalhos abaixo: ANTERIOR

581
• Artur Henrique da Costa Pinto com “A Foto”

• Darlielson de Sousa Lima com “Bilhete”

• Gisele da Mota Trindade com “Vitória”

• Gustavo Reiniger Neto “Mariza - o filme”

• Miriam Rezende Gonçalves com “Alcântara”

• Mirna Ayumi Kajiyama, Gabriel Sidorenko, Mariana Buglia e o orientador Thiers


Gomes da Silva com o “Projeto Experimental: A Era da Informação”
CAPA
• Nicole Zatz com “Concerto em Ré Maior” CAPA
CAPA
Para finalizar, ressaltamos o feedback de Miriam Rezende Gonçalves com as publicações, dentre ou-
tras na internet:
SUMÁRIO
1) No blog de Vagalume Produções [http://produtoravagalume.blogspot. SUMÁRIO
com.br/2013/02/alcantara.html]: SUMÁRIO

“quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Alcântara FICHA
FICHAFICHA
PUBLICAÇÃO. 

Obra de Miriam Rezende Gonçalves. PRÓXIMA


O roteiro dramatúrgico de “Alcântara” é um thriller de suspense que foi
PRÓXIMA
PRÓXIMA
selecionado para o “Laboratório de Roteiro de Longa-Metragem”, do dra-
maturgo cubano Eliseo Altunaga da Escuela de Internacional de Cine e
Television de San Antônio de Los Banos; e aprovado para o seminário ANTERIOR
ANTERIOR
“Histórias de Roteiristas 2012”, do Núcleo de Audiovisual da Universida- ANTERIOR

582
de Presbiteriana Mackenzie, orientado pelo roteirista Di Moretti. Esta his-
tória é apresentada em formato de longa-metragem com forte potencial
para se transformar num seriado especial de TV. Este projeto quer revelar
ao  público brasileiro que o país tem um adiantado e sério Programa Espa-
cial que envolve centenas de pessoas, especialistas, técnicos e intelectuais
dedicados a desenvolver uma tecnologia própria. Poucas vezes tratado
pela cinematografia nacional, o filme quer revelar este universo dos avan-
ços da ciência e da tecnologia aeroespacial brasileira. Roteiro audiovisu-
al de ficção cinematográfica, inspirado no Programa Espacial Brasileiro.
Biblioteca Nacional 580.251 livro: 1108 folha: 326 Prot: 827.7/12 Registro
CAPA
Lavrado pela Técnicada EDA/FBN Rejane Beatris Schneider. O formato CAPA
deste projeto é multi-plataforma e transmídia. CAPA

Alk Blog:http://alcantaraofilme.blogspot.com.br/
SUMÁRIO
Fanpage:Alk” SUMÁRIO
SUMÁRIO
2) e no blog Alcântara o Filme [http://alcantaraofilme.blogspot.com.br/],
em 2013

“A cineasta Miriam Rezende Gonçalves comemora uma nova fase em sua FICHA
FICHAFICHA
carreira, a escolha de seus parceiros na produção de seu primeiro longa-
-metragem ´ALCÂNTARA´ ”

A melhor e mais autêntica prova de que o “aceite” e a inclusão dos trabalhos fora do formato aca- PRÓXIMA
dêmico, que impulsione novos roteiristas ao mercado no 3º Seminário também faz parte de nossa
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Missão.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

583
O CATARINA

R odrigo Ayres de A raújo

acmestudio@yahoo.com

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA
Fig1:Tela de apresentação da série “O CATARINA” Fig2:Cena da animação da série “O CATARINA”

A bstract PRÓXIMA
Esse estudo é baseado em pesquisas sobre o Folclore e a história de Santa Catarina, visando construir
PRÓXIMA
PRÓXIMA
um roteiro, seguido de tradição e fantasia, dentro dos elementos que constituíram a História de San-
ta Catarina, através do protagonista. Atravessando o século XIX aos olhares de um catarinense que
viu o desenvolvimento de uma província através de aventuras, conflitos e influências, convivendo ANTERIOR
ANTERIOR
entre o mistério e a história. ANTERIOR

584
Key Worlds: Santa Catarina; Folclore, Cultura, Fantasia, História

1.I ntrodução
Baseado em argumentos em que a História é construída através das pessoas, inicialmente a pesquisa
em torno das origens da província de Santa Catarina se dá através de sua população indígena, o povo
Xokleng e Kaingang, e foi baseado no artigo de Os Nativos Indígenas da Região Norte Catarinense
Henry Henkels. Nesse artigo, Henkels relata em suas pesquisas o mito dos Xoklengs “Para o clã ao
qual pertencia o morto, o passamento de um membro representa um grande prejuízo, pois tudo que
possuía é queimado, lançado ao rio ou metido  na cova ossuária para que o extinto não tenha motivo
CAPA
de voltar.  Os Xokleng, alguns grupos isoladamente, tinham o hábito de quebrar os ossos dos braços CAPA
e pernas do morto antes de cremar ou simplesmente enterrar – ritual relacionado com a manifesta- CAPA
ção de temor da volta do espírito do falecido para atormentar os outros índios. Essa característica é
própria de muitas tribos filiados ao grupo Macro-Jê como são os Xokleng. Os grupos que habitavam
SUMÁRIO
a região nordeste de Santa Catarina certamente observavam o ritual de quebrar os ossos dos mortos, SUMÁRIO
como se verá adiante. Essa característica se explica pela crença que o morto se converte num uñañiti- SUMÁRIO
-óg – ser fantástico que se diverte em atirar pedras nas cabanas durante a noite e perseguir donzelas,
com as quais pode chegar a copular, dando lugar ao nascimento de uñañiti- kun óg jó – filho ou cria
de morto, considerado um ser maldito. Os Xokleng não eram um grupo antropófago, pelo menos não FICHA
FICHAFICHA
praticavam antropofagia nos séculos XVIII e XIX, quando passaram a ser mencionados e descritos
pelos exploradores.”

Assim, foi pensado no personagem secundário, a criatura “Unaniti”, que acompanharia o protago- PRÓXIMA
nista da história durante toda a sua vida.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

2.O C atarina ANTERIOR


ANTERIOR
O protagonista enfim, é Luca Torin, é um morador do litoral catarinense, nascido em Laguna, viu ANTERIOR

585
a Tomada de Laguna e era amigo de Anita Garibaldi. Na primeira história, depois do suicídio de
seu pai, Luca Torin passa a trabalhar num baleeiro em Imbituba. Em Imbituba, a pesquisa sobre os
baleeiros, “Da política da exploração ao discurso da preservação: usos e abusos da baleia-franca na
história de Imbituba” de Giuliano Albuquerque de Medeiros- Universidade Federal de Santa Cata-
rina – UFSC.

O Litoral catarinense possui influência dos açorianos, e no primeiro capitulo, o protagonista convide
em meio a cultura açoriana e enfrenta o lendário Cabeleira. Uma serpente marinha lendária extraída
do livro Poranduba Catarinense de Lucas Alexandre Boiteux, onde observamos o contexto mítico.

“No penhascoso costão da enseada de Imbituba existe uma tenebrosa lapa a que dão o nome de “Bu-
CAPA
raco da Cobra”. Ali. - segundo diziam os antigos — se aninhava enorme e horrível serpente, dotada CAPA
de farta cabeleira e que, à noite, fazia grandes estragos na criação das redondezas. No tempo em que CAPA
existia naquele porto uma Armação de Baleias, havia um negro, empregado nela, que aos domingos
e dias santos fugia de ouvir a missa para meter-se naquela furna e ali entreter-se em pentear e fazer
SUMÁRIO
tramas na cabeleira do apavorante monstro. Apontavam-no como feiticeiro e ter partes com o demô- SUMÁRIO
nio, mascarado naquela horrenda e temível cobra. Um belo dia o negro e serpente desapareceram SUMÁRIO
sem deixar vestígios.”

Do mesmo autor percebe-se o registro de outra criatura da lenda catarinense, o “Sete Cuias” onde
FICHA
FICHAFICHA
descobri através de antigos moradores que a origem do Sete Cuias estaria ligado a uma criança de-
moníaca que teria nascido no vale do Itapocu ou na serra de São Francisco do Sul, e que um padre
precisou de sete cuias para batizar o bebê, e teve as sete cuias quebradas pela força da criança-de-
mônio. No entanto, ah quem diga no litoral, que “sete cuias” é o mesmo feiticeiro que comandava a PRÓXIMA
serpente Cabeleira. Segundo Lucas Alexandre Boiteux, o Sete Cuias, apresenta-se da seguinte forma:
PRÓXIMA
PRÓXIMA

“Contaram-me os pescadores de Sambaqui e Ponta Grossa que, no Pontal


dos Ratones, por eles considerados como assombrado, em noite velha, se ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

586
ouvem rufos de misteriosos tambores e que também costuma aparecer um
vulto negro a pedir, por aceno, passagem aos canoeiros que se avizinham e
perlogam aquela estirada língua de areia. Acontece que, ao embarcar a es-
tranha e silenciosa figura a canoa se torna de tal maneiras sobrecarregada
que não mais avança e apesar das fortes e continuas remadas do tripulan-
te,começa a encher d’água e afundar. Nessa ocasião o malvado negro, que é
apelidado de “Sete Cuias” da uma pavorosa risada e desaparece, deixando o
mísero canoeiro a debater-se nas ondas.”

No entanto, baseado nesses estudos é que criei o personagem coadjuvante da série. O “Catiro”, uma
figura misteriosa que acompanha Lucas Torin, Ele é a criatura “Unaniti”, o “feiticeiro” e o “sete CAPA
CAPA
cuias”ele expõe o personagens as transformações da sociedade, acompanhando sua evolução e ama-
CAPA
durecimento do protagonista, para que depois revele seu verdadeiro objetivo.

Os “sete cuias” e o “negro d´agua” registrado no Litoral catarinense, paranaense, até o Vale do Ri-
SUMÁRIO
beira, consiste numa criatura aculturada entre os indígenas e os árabes que viveram no litoral no SUMÁRIO
século XVI, é como um Djin, e segundo o depoimento de alguns caiçaras, essa criatura, rouba a alma SUMÁRIO
e a “existência das pessoas.”

FICHA
FICHAFICHA
3.C itações e referências

Na Figura 1 podemos verificar a tela de apresentação da série O Catarina.

Na Figura 2 uma cena da animação “O Catarina” Capítulo I PRÓXIMA


PRÓXIMA
PRÓXIMA

4.C onclusão
No entanto, o mistério que circula a vida de Torin o expõe em situações adversas, como a vinda dos ANTERIOR
ANTERIOR
imigrantes alemães, a fundação de Joinville e Blumenau,a Guerra do Paraguai, a história de Madre ANTERIOR

587
Paulinia, Cruz e Sousa e José Maria, com os conflitos da Federalista e do Contestado, onde finalmen-
te ocorre o desfecho da história, e o coadjuvante “Catiro” revela suas intenções.

O Trabalho em si, pretende através da linguagem do desenho animado e dos games, propor os ele-
mentos culturais que deram origem aos catarinenses, e através disso, evidenciar a força e a impor-
tância do folclore brasileiro e sua influência direta na História do Brasil.

R econhecimento
Agradeço aos catarinenses, em especial o povo de Benedito Novo e Timbó de Santa Catarina.
CAPA
CAPA
CAPA
R eferences
1- Boiteux. Lucas Alexandre, Poranduba Catarinense, Edição da Comissão caterinense de Folclore, Floria-
nópolis, 1957, pp. 24-25 SUMÁRIO
SUMÁRIO
2-Henkels. Henry . Os Nativos Indígenas da Região Norte Catarinense SUMÁRIO

3-Medeiros, Giuliano Albuquerque de. Da política da exploração ao discurso da preservação: usos e abusos
da baleia-franca na história de Imbituba
FICHA
FICHAFICHA
Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC

4-Pereira, Maristela. A imigração alemã em Blumenau e a situação de bilingüismo


PRÓXIMA
Departamento de Letras – Universidade Regional de Blumenau (FURB) PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

588
DAS PÁGINAS PARA AS TELAS: PROPOSTAS
PARA A TRANSPOSIÇÃO CINEMATOGRÁFICA DO
ROMANCE ‘AGORA É QUE SÃO ELAS’ DE PAULO
LEMINSKI

J oão Knijnik
osanosjk@uol.com.br

CAPA
CAPA
CAPA

R esumo
SUMÁRIO
1984. O poeta Paulo Leminski aceita o desafio de seu editor para escrever um romance. Em poucos SUMÁRIO
meses, ele entrega o prometido: o anti-romance AGORA É QUE SÃO ELAS. Segundo o próprio autor, SUMÁRIO
o resultado é a própria impossibilidade de escrever um romance, já que é um autor que desenvolve
a linguagem poética, sem as amarras de estruturas narrativas.
FICHA
FICHAFICHA
Mas AGORA É QUE SÃO ELAS tem qualidades intrínsecas ao desafio autoimposto pelo seu autor.
Leminskidesenvolve uma narrativa que se forma e deforma; uma festa que começa e termina e vol-
ta a começar incessantemente, num clima de alucinação que mistura desejo e morte, viagens inter-
planetárias e flash-backsdos personagens; como observou Boris Schnaiderman, a própria impureza PRÓXIMA
como gênero dá à obra uma expressão variada e rica, saltitante, uma riqueza que exige releituras
PRÓXIMA
PRÓXIMA
para sua própria fruição”.

Este trabalho vai propor a criação de um roteiro cinematográfico baseado em AGORA É QUE SÃO
ELAS. O ponto de partida para impulsionar o roteiro são as questões levantadas pelo livro: frag- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

589
mentar, colar, destruir o que está sendo contado; recomeçar não importa de que ponto. Com estes
aspectos, busca-se uma narrativa que, como o texto se refere à personagem Norma, era lógica. Só que
a lógica dela não fazia sentido.

O que faz todo sentido é o personagem do pai de Norma, Vladimir Propp, homônimo do teórico rus-
so , autor de um estudo aprofundado da narrativa dos contos folclóricos. É ai que Leminski reflete
sobre a narrativa e sua impossibilidade dela como literatura, sua escolha pelas potências poéticas
como motor da escrita.

Recorremos a André Parente e seu estudo sobre o cinema não narrativo para definir a adaptação
como um cinema disnarrativo, que é um cinema que tem por objetivo quebrar não a ilusão de narra-
CAPA
tiva, mas a ilusão da narrativa como modelo da verdade. CAPA
CAPA
Seguimos para encontrar modelos de cinema disnarrativo, na filmografia de Jean Luc Godard e Pe-
dro Almodóvar. O primeiro desconstrói a narrativa criando obras de distanciamento e desestrutura.
O segundo tem o desejo como motor, desvirtuando clichês, reescrevendo o melodrama, com uma SUMÁRIO
visão libertária dos corpos e das mentes. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Numa análise de AGORA É QUE SÃO ELAS, vamos apontar uma possível forma cinematográfica,
seguindo a máxima de que, numa transposição cinematográfica de obra literária, é preciso trair o
original para se manter fiel a ele. FICHA
FICHAFICHA
Palavras-chave: cinema narrativa roteiro transposição

PRÓXIMA
ABSTRACT PRÓXIMA
PRÓXIMA
1984. Poet Paulo Leminski is challenged by his editor to write a novel. In a few months, he delivers
the work promised: the anti-novel AGORA É QUE SÃO ELAS (no English title). According to the
author himself, the outcome is his own inability to write a novel, since he is a writer that develops ANTERIOR
ANTERIOR
the poetic language, which does not have the ties of the narrative structure. ANTERIOR

590
However, AGORA É QUE SÃO ELAS has qualities that are intrinsic to the challenge imposed by the
author on himself. Leminski develops a narrative that takes form and deforms, a party that begins
and ends and begins once again continuously, within an atmosphere of hallucination that mixes the
characters’ death and desire, interplanetary travels, and flashbacks; as Boris Schnaidermanobser-
ved, “impurity itself as a gender provides the work with a bouncing, rich, and varied expression, a
richness whose enjoyment requires several readings.”

This paper will propose the creation of a screenplay based on AGORA É QUE SÃO ELAS. The star-
ting point of the screenplay is the issues raised in the book: fragment, mend, and destroy what is
being told, and restart from whatever point. With these aspects, we search for a narrative that, as the
character Norma in the text, was logical. But her logic made no sense. CAPA
CAPA
It is the character of Norma’s father, Vladimir Propp, who makes all sense. He has the same name CAPA
of the Russian scholar who wrote a comprehensive study on the narrative of Russian folk tales. That
is where Leminski, in his prose, speculates on the narrative, its impossibility as literature, and his
SUMÁRIO
choice for the poetic power as a drive to writing. SUMÁRIO
SUMÁRIO
We resort to André Parente and his study about non-narrative cinema to define the adaptation as
“disnarrative” cinema, which is a cinema that aims at breaking, not the illusion of the narrative, but
the illusion of the narrative as a model of the truth.
FICHA
FICHAFICHA
We go on to find models of “disnarrative” cinema, in Jean Luc Godard and Pedro Almodóvar ’s fil-
mography. The former deconstructs the narrative creating works of detachment and lack of structu-
re. The latter has desire as his drive, distorting clichés, and rewriting the melodrama, with a free and PRÓXIMA
creative view of the bodies and minds. PRÓXIMA
PRÓXIMA
By analyzing AGORA É QUE SÃO ELAS, we’ll point out a possible cinematographic form, following
the maxim that in a cinematographic transposition of the literary work, it is necessary to betray the
original story to be faithful thereto. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

591
KEY WORDS: cinema narrative screenplay transposition

A rtigo
Na biografia de Paulo Leminski, Toninho Vaz conta a gênese do romance Agora é que são elas. Corre
o ano de 1984 quando editor Caio Graco da Editora Brasiliense propõe ao poeta a escritura de um ro-
mance em troca de um salário mensal. Leminski faz uma conta rápida, rabiscando num papel e lança
sua oferta , que é aceita de imediato pelo editor. Leminski tem 6 meses para entregar os originais e,
como é citado por Vaz, seria um pretexto, segundo o autor “para criar uma história na velocidade do
fliperama, com texto fragmentário, capítulos curtíssimos e cortes bruscos”. (Vaz, 2001:308)
CAPA
CAPA
O livro é lançado em setembro do mesmo ano, com críticas negativas. Após a morte de Leminski, em
CAPA
1989, a importância de Agora é que são elas começa a ser reconhecida. No artigo Em torno de um
romance enjeitado, publicado no Livro Envie meu dicionário, Cartas e alguma crítica, organizado
por Régis Bonvicino, Boris Schnaiderman contesta a opinião de críticos e detratores que consideram SUMÁRIO
a obra ”um livro fracassado, resultado de um equívoco, algo que o autor iria se envergonhar no fu- SUMÁRIO
SUMÁRIO
turo”. (Bonvicino, 1999:248)

O próprio Paulo Leminski, talvez influenciado pela má recepção do livro, em entrevista citada no
mesmo artigo, expôs: FICHA
FICHAFICHA
Agora é que são elas é uma brincadeira com a mentira de escrever um ro-
mance redondo hoje (...). Escritores com a cabeça feita no século XX não
são capazes de escrever um romance. São produtores de mensagens do sé- PRÓXIMA
culo XX.O romance não é mais possível. Agora é que são elas é um roman-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
ce sobre a impossibilidade de escrever um romance (Bonvicino, 1999: 248)

Schnaiderman no artigo já citado aponta o que ele considera as qualidades do livro: a agilidade da
prosa, a língua portuguesa que vem das ruas e bares, um jogo de esconde-esconde com o leitor mis- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

592
turando fatos reais, imaginários e uma história de ficção científica se infiltrando na loucura toda,
condensação e duplicação de personagens, o cômico e o patético existente até a última página do
livro.

Agora é que são elas é dividido em capítulos curtos e gira em torno de uma festa que vai acontecendo
e subitamente desacontece. O personagem principal sai da festa, decide voltar e não encontra nada:
a festa aconteceria depois, mas ele vê uma foto daquela noite. Estas idas e vindas retira da história
qualquer fator realista ou cronológico. Este personagem não tem nome e conta em primeira pessoa
suas peripécias, sua relação com a personagem Norma e seu pai, o linguista Vladimir Propp. Tam-
bém conhecemos uma menina de nome Norma que vive uma história passada numa galáxia distante.
E existe uma outra Norma, na festa, que canta maravilhosamente e encanta o protagonista com sua CAPA
CAPA
voz. Neste redemoinho que gira para todos os lados, estamos sempre em dúvida da validade das
CAPA
ações narradas. Cada capítulo acaba geralmente de maneira desconcertante e o seguinte pode iniciar
em qualquer outro espaço físico/ temporal da trama.
SUMÁRIO
A narrativa e sua impossibilidade é o que move Agora é que são elas. Neste trabalho pretendemos SUMÁRIO
estudar como este motor pode se desenvolver em imagens. Pretendemos propor uma possível nar- SUMÁRIO
rativa visual seguindo este pressuposto: traduzir em imagens uma história apoiada no texto, com
características orais e visuais que se confundem continuamente.
FICHA
FICHAFICHA
É importante se referir ao filme já existente baseado no livro de Leminski e dirigido por Beto Car-
minatti no ano de 2001, que não foi assistido pelo autor deste artigo e por isso não será citado como
referência.
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Um personagem morfologista

Morfologia do conto encantado, escrito pelo do teórico russo se baseia nos métodos e na classificação
do mundo vegetal pelos botânicos, práticas que estavam sendo desenvolvidas no início do século ANTERIOR
ANTERIOR
XX. No livro, Propp se propõe a fazer um amplo levantamento das narrativas folclóricas russas, e ANTERIOR

593
consegue perceber uma estrutura comum aos 100 contos analisados. Daí retira 31 funções, que são as
ações comuns a todos os contos. Por exemplo: um dos membros da família se afasta de casa, ou então
agressor tenta enganar sua vítima para se apoderar dela.

Imbuído da missão de escrever uma narrativa, Leminski escolhe como personagem de sua história o
próprio Propp, uma indicação de que quer livremente desconstruí-la, observando e comentando as
funções que se apresentam.

No final, a morte de Propp. Nada mais apropriado ao narrador do que assumir um crime que ele não
cometeu. Afinal, é o escritor, usando a voz e os atos do personagem, que ganha liberdade para não
ter as funções narrativas descritas por Propp na sua escrita , e assim usufruir plenamente da função
CAPA
poética. Leminski evidencia aí a sua vontade de liberdade: ficção é prisão. CAPA
CAPA
O que o roteirista do filme propor como invenção, dentro da temática e da forma do livro, será fiel
ao escritor. É preciso afastar as amarras de uma transposição literal, o que incidiria em imagens sem
força e sem pertinência. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Para ser fiel ao livro, a adaptação de Agora é que são elas pretende se posicionar como um cinema de SUMÁRIO
invenção, de criatividade e coragem. Um cinema que analisa constantemente a sua própria arte, que
coloca em questão o ato de narrar por imagens: um cinema disnarrativo.
FICHA
FICHAFICHA

P or um cinema disnarrativo

André Parente faz um estudo sobre as formas não narrativas e as conceitua desta maneira: PRÓXIMA
A concepção não-verídica de narrativa e do mundo significa indissoluvel-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
mente o Deus morto, o “eu” rachado e o mundo múltiplo. Por isso, mui-
tos críticos e teóricos notaram a importância, na literatura e no cinema
moderno, da indeterminação da ação, (...) As ações já não se encadeiam ANTERIOR
ANTERIOR
em relação a uma lógica causal, as personagens e narradores perdem suas ANTERIOR

594
identidades, e a voz narrativa torna-se polifônica, descentrada, afônica,
mentirosa etc. (Parente, 2000: 39)

Este autor percorre a teoria sobre narratividade para se perguntar o que aproxima ou confronta a
narrativa da imagem cinematográfica. Na discussão se a imagem é uma linguagem e, como a semio-
logia a percebe, é construída a partir de um modelo, Parente chega a outras respostas. Sua conclusão,
que para este trabalho é um ponto de partida,“é que a oposição narrativo / não-narrativo é um falso
problema. (...) O fílmico não se opõe ao narrativo, ao contrário, eles são quase sempre consubstan-
ciais “ . (Parente, 2000: 43).

Este recorte cai muito bem na problemática da adaptação cinematográfica de uma obra como Agora
CAPA
é que são elas. Vamos evitar as teorias verídicas da narrativa que procuram trazer para si o formato CAPA
definitivo de narrativa, isolando imagem e narrativa. CAPA

O que Parente opõe é o processo narrativo verídico e o não-verídico, disnarrativo ou falsificante; e


neste último podemos estabelecer aquele em que Agora que são elas se classifica com exatidão. Uma SUMÁRIO
adaptação cinematográfica deve considerar este processo narrativo. “O cinema é disnarrativo no SUMÁRIO
SUMÁRIO
sentido em que o código ou a narrativa é contestado por ele mesmo”. (Parente, 2000:132).

Parente vai investigar, acompanhando os escritos de Pasolini, o que este chamou de cinema de poe-
sia: “Os objetos na imagem não são referentes, a imagem não é um significado ou uma representação FICHA
FICHAFICHA
da realidade e a língua cinematográfica pode ser comparável a um monólogo interior”. (Parente,
2000: 56)

Este monólogo interior aparece como alternativa à estrutura do cinema clássico, que deseja recons- PRÓXIMA
tituir a ficção como realidade a partir de uma série de pressupostos que vão desde a decupagem
PRÓXIMA
PRÓXIMA
estabelecida para planejar metodicamente este mundo recriado até a continuidade, evitando qual-
quer sobressalto na atenção do espectador. O monólogo narrativizado passa por evitar tal estrutura,
seguindo o fluxo de pensamento de uma personagem desvinculada do objeto filmado. “A narração e ANTERIOR
ANTERIOR
a descrição substitutivas deixam de descrever e narrar uma situação e uma realidade supostamente ANTERIOR

595
preexistente. Dito de outra maneira, eles deixam de reportar objetos, fatos e falas“. (Parente, 2000:
71)

Na transposição cinematográfica de Agora é que são elas é imperioso manter o monólogo do perso-
nagem sem nome, motor de criatividade do livro. Seguindo as considerações acima sobre o monó-
logo interior, a imagem e o monólogo devem se contradizer, se chocar, se embaralhar, sendo uma o
comentário da outra.

É um cinema disnarrativo que se exprime por imagens puras, e que vai procurar seguir o fluxo das
palavras, com toda a liberdade de criar seu fluxo de imagens, escravo e senhor um do outro. A ima-
gem vai ocupar espaços que a voz literária não é capaz e vice-versa. Já temos o cinema que queremos,
CAPA
agora procuramos modelos em dois cineastas que poderiam nos conceder suas visões de cinema para CAPA
o roteiro do livro que estamos estudando. CAPA

SUMÁRIO
À maneira de G odard SUMÁRIO
Cineasta que se destaca pela desconstrução que faz da narrativa, Jean Luc Godard faz parte da SUMÁRIO
nouvelle vague, movimento de jovens cineastas franceses. Godard exprime uma nova estética: ele
quebra a narrativa clássica criando cortes abruptos, recriando uma gramática cinematográfica que
envolve um novo olhar sobre atores, a quem naturaliza em excesso ou desnaturaliza e os transforma FICHA
FICHAFICHA
em autômatos.

Na sua vasta obra, escolhemos um filme para iniciar a aproximação com a obra de Leminski. Acossa-
do conta a história de Michel Poiccard um personagem amoral, à margem de regras e leis , que rouba PRÓXIMA
um carro e mata um policial que o persegue logo no início do filme. Ele está apaixonado por uma
PRÓXIMA
PRÓXIMA
americana, vive como um herói às avessas, fugindo da polícia que o procura. A narrativa acompanha
a dinâmica do personagem: cortes abruptos, mudanças inesperadas de tempo e espaço, momentos
de introspecção ao ler uma história em quadrinhos e, o que o aproxima mais de Agora é que são elas: ANTERIOR
ANTERIOR
um personagem em transe, que busca algo que não pode definir, seguindo o ritmo que é do filme e ANTERIOR

596
é dele também.

“Raccord” nas palavras de Jacques Aumont é definido como “qualquer mudança de plano apagada
enquanto tal, isto é, como qualquer figura de mudança de plano em que há esforço de preservar, de
ambos os lados da colagem, elementos de continuidade” (Aumont,2011: 77). O corte de um plano
para outro, que no cinema clássico segue esta lógica, em Acossado segue a lógica da ruptura, doim-
pacto, da elipse.

Godard radicaliza o “falso raccord” presente nos filmes de Orson Welles e do neorrealismo italiano.
A câmera está viva pelas ruas de Paris, nosso olhar acompanha pelas costas dos personagens mesmo
com o tremer da câmera. Na cena do carro, um pouco antes do assassinato do policial, num delírio
CAPA
verbal semelhante ao personagem sem nome de Agora é que são elas, Michel Poinccard, xinga o es- CAPA
pectador, olhando diretamente para a câmera. É um convite ao despertar do jogo cinematográfico. CAPA
O espectador é lembrado: isto é um filme. O jogo com o espectador agora é outro: é de estimulá-lo a
buscar referências, a se surpreender com a dinâmica das cenas, com os cortes abruptos, exigindo-lhe
SUMÁRIO
outra postura, mais ativa, que ele possa construir o filme e não apenas aceitar uma narração que evo- SUMÁRIO
lui para um desenlace. SUMÁRIO

O que podemos inferir desta possível adaptação seguindo os ensinamentos de Godard, 52 anos de-
pois do filme e 28 do livro? Tanto um como outro tem a intenção de colocar a narrativa em jogo, de
FICHA
FICHAFICHA
destruí-la ou reconstruí-la. Como o personagem sem nome que deseja o inferno no final do livro. O
fim do paraíso do fluir mágico da narrativa é o inferno: vozes desconexas e diálogos imprevisíveis.
A trilha sonora, tanto nos ruídos como na música, fora de lugar.
PRÓXIMA
Os personagens principais têm motivações semelhantes: sabem que não existe futuro, que não vai PRÓXIMA
PRÓXIMA
haver um final feliz. Fazem parte de uma tradição de anti-heróis que não se debatem contra o desti-
no. Temos a referência de Humphrey Bogart como matriz. Aquele que adota uma postura cínica para
esconder o medo e as fraquezas, que encanta com um humor rápido, sensual, como uma forma de
se livrar da imbecilidade humana. A dança de Poinccard rumo à morte é um balé desajeitado, com a ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

597
consciência do patético da existência, numa fuga sempre estúpida.

O que podemos constatar nos dois autores é o que os une e separa ao mesmo tempo: são filhos de
épocas diferentes. Godard faz sua carreira na França e é um dos protagonistas da vida cultural dos
anos 50 e 60. Tudo o que fez, mesmo posteriormente, é sob o signo deste período. Parece que seus
filmes discutem o sexo, por exemplo, sem passar pela revolução sexual, mas sempre fazendo a crí-
tica que resultou nela: trabalha com a desconstrução do amor e do sexo. Leminski segue sua vida
produtiva a partir do final dos anos 60 e já tem a revolução de costumes, o trinômio drogas, sexo
e rock’nroll,, como paradigma do seu trabalho. Agora é que são elas é rigorosamente produto des-
ta época: quando o sexo e a exploração do homem pelo homem, ou da mulher pelo homem, ou do
homem pela mulher; é banalizado e comercializado. É preciso persistir na denúncia sem perder o CAPA
CAPA
prazer que o sexo traz. O personagem sem nome de Agora é que são elas é movido pelo desejo e não
CAPA
abre mão dele no seu discurso.

As cenas de sexo são detalhadas até perder o senso de prazer, o mesmo podemos pensar sobre a vio-
SUMÁRIO
lência. Portanto, o roteiro seguindo os pressupostos do cinema de Jean Luc Godard vai se deter mais SUMÁRIO
na classificação da narrativa e das imagens e tende a esfriar a tensão do romance. O humor existente SUMÁRIO
em Godard é mais ácido, menos perceptível. Para atualizar o desejo de Agora é que são elas, vamos
recorrer a outro autor contemporâneo do escritor paranaense, apenas cinco anos mais moço do que
Paulo Leminski: o cineasta espanhol Pedro Almodóvar. FICHA
FICHAFICHA

À maneira de A lmodóvar PRÓXIMA


Pedro Almodóvar começa sua vida artística nos estertores do regime franquista e participa intensa- PRÓXIMA
PRÓXIMA
mente da cena alternativa madrilenha da virada dos anos 70 para 80. Seus primeiros filmes são pro-
duzidos em super-8. Pepi, Luci, Bom y otras chicas delmontón é seu primeiro longa. Segundo Anto-
nioHolguin, citado por Eduardo PeñuelaCañizal, o filme é “testemunho de um movimento artístico,
renovador e criativo, não tinha antecedentes no mundo do cinema”. (Cañizal,1996:13). Novos filmes ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

598
se sucedem ao longo da década de 80 e hoje, há mais de 30 anos da estreia, Almodóvar já nos pre-
senteou com algumas obras primas, sempre fiel ao seu estilo e surpreendendo na maioria das vezes.

A análise que Cañizal faz do filme citado acima evolui no sentido de colocar o desejo reprimido
como:

Mola propulsora de todo tipo de mudanças e, além de interferir constan-


temente no comportamento dos personagens, arma incríveis ciladas aos
valores que regem a estrutura familiar, buscando com incansável tenaci-
dade, dada sua permanente insatisfação, substitutos para lançá-los, desa-
jeitadamente, ao vazio deixado pela perda definitiva de algo que nunca se
CAPA
sabe exatamente o que é. (Cañizal, 1996: 28). CAPA
CAPA
Leminski e Almodóvar são frutos deste êxtase do desejo. Tanto a obra do escritor, em poesia e prosa,
como a do cineasta, está imbuída de sua época: os anos 70 e 80. A retomada do desejo reprimido por
séculos de cristianismo se dá em todo o ocidente e traz novas cores para as atividades culturais em SUMÁRIO
geral. SUMÁRIO
SUMÁRIO
O Brasil e a Espanha deixam para trás ditaduras repressivas para alcançar a livre expressão e os anos
80 é tempo de revisões tanto na literatura como no cinema. Na literatura, ao menos no Brasil há um
boomcom obras que retornam às prateleiras: o próprio Leminski é tradutor de diversos livros. No FICHA
FICHAFICHA
cinema, o vídeo doméstico ganha impulso, o que permite que títulos antigos sejam revistos e apre-
ciados.

A família patriarcal é colocada em questão e as artes viram seus holofotes para denunciar a farsa da PRÓXIMA
liderança masculina sem usar da aridez da denúncia. Sobre este ponto, Cañizal continua se referin-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
do a Pepi, Luci, Bom y otras chicas delmontónmas poderia ampliar seu pensamento a toda obra de
Almodóvar:

Na poética construída pelo cineasta, a família, no que diz respeito aos ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

599
laços estabelecidos a partir das denominações - pai, mãe, filhos, primos,
netos etc – aparece como um conjunto de significantes cuja arbitrariedade
se desmancha sem passar pelas tensões das tragédias edipianas. Tal par-
ticularidade expressiva, ainda difusa em Pepi, Luci, Bom y otras chicas
delmontón, ganha formas mais explícitas em filmes posteriores. (Cañizal,
1996: 28).

Este alívio das tensões freudianas se acentua em vários filmes. Temas complexos como estupro,
morte, doença, incesto, impotência e transexualismo são tratados sem a compaixão ocidental. É o
que vemos em Matador, em que sexo e morte são mistérios a serem apreciados sem culpas. O olhar
do cineasta é sempre mágico e está pronto para mudar os rumos da narrativa. Em Tudo sobre mi- CAPA
CAPA
nha mãe, a mãe do título, que perde o filho no início do filme, vai procurar o ex-marido, que é um
CAPA
conhecido travesti de Madrid. Ele é portador do vírus da AIDS e engravida uma freira, criando um
curto-circuito de significados que aparentemente se contradizem, mas que ao final faz este panora-
ma polissexual proposto por Almodóvar. O personagem Agrado é um travesti, mas é interpretado SUMÁRIO
por uma atriz. Em Fale com ela, a personagem em estado vegetativo aparece grávida e o homem que SUMÁRIO
SUMÁRIO
a estuprou era seu enfermeiro, homem apaixonado, movido pelo amor e desejo, declarado culpado
pela justiça mas inocentado pelos espectadores, afinal é seu ato ilegal que faz sua vítima retornar à
vida. É um torvelinho de sensações e informações que o espectador recebe e que o deixa entretido e
FICHA
FICHAFICHA
fascinado entre o horror e o prazer.

O desejo aflora tanto nos filmes de Almodóvar como na poesia de Leminski e na prosa de Agora é
que são elas. Os dois autores se encontram no sentido de que não há medos na exposição do desejo, PRÓXIMA
no seu desenrolar, em suas consequências. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Em Almodóvar, o relato flui solto. Pulsões são assumidas e realizadas. Existe uma saída: deixar que
a linguagem revele o desejo de amar, fazer sexo, matar e morrer. O desejo falocêntrico. Wilson H. da
Silva nos expõe como se dá esta narrativa: ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

600
Dialógico, polifônico e intertextual, o cinema de Almodóvar nos lança
num labirinto onde o sentido só pode saltar do entrechoque de suas múl-
tiplas perspectivas, onde a ação unificadora e “coerentizante” de um cine-
ma chamado “clássico“ é substituída pela exacerbação da diferença e da
ambiguidade, onde a própria representação é multifacetada e palpitante.
(Silva, 1999: 62)

Este tratamento elástico possibilitando a demonstração do desejo e sua consumação no sexo pode
nos ajudar quando o problema da transposição de uma obra como Agora é que são elas é levado para
as telas e telinhas.
CAPA
CAPA
CAPA
C onclusão
A festa de Agora é que são elas sempre ou nunca existiu, ou então ficou perdida num fim de semana
dos anos 80, num bairro de Madri, Curitiba, ou Paris. O cineasta que se aventurar pelas palavras de SUMÁRIO
Paulo Leminski, poeta por excelência, vai ter que beber na veia poética das imagens, radicalizando a SUMÁRIO
SUMÁRIO
forma de fazer e construir a narrativa. A função poética é aliada das estratégias do sonho e do desejo
sugerido por Leminski.

Num mundo excessivamente visual e fragmentado, com as cores de Almodóvar e os falsos “rac- FICHA
FICHAFICHA
cords” de Godard, podemos compor imagens potencialmente poéticas, compartilhando uma festa
em que tudo muda e não para de mudar. Uma festa com um teórico russo e uma mulher acima de
todas as Normas. Uma festa da palavra. Uma festa que nunca, jamais, pode serroteirizada, muito PRÓXIMA
menos filmada. E já o foi. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Como numa canção na voz deChet Baker, soprando numa madrugada qualquer: The Party’s over,
theparty’sneverbegun.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

601
R eferências
AUMONT, Jacques e outros, 1995, A estética do filme. Campinas, Papirus Editora.

CAÑIZAL, Eduardo Peñuela. 1996, “A corrosão do relato falocêntrico no primeiro longa de Almodóvar”, em
CAÑIZAL, Eduardo Peñuela. (org), Urdiduras de sigilos – Ensaios sobre o cinema de Almo-
dóvar. São Paulo, Annablume: ECA/USP, 11-47.

LEMINSKI, Paulo, 1984, Agora é que são elas. São Paulo, Brasiliense.

PARENTE, 2000, André. Narrativa e modernidade – Os cinemas não-narrativos do pós-guerra. Campinas,


Papirus.
CAPA
PROPP, Vladimir Iakovlevich, 1984, Morfologia do conto maravilhoso. Rio de Janeiro: Forense Universitária. CAPA
CAPA
SCHNAIDERMAN, 1999, Boris, “Em torno de um romance enjeitado”, em LEMINSKI, Paulo, e Regis Bon-
vicino, Envie meu dicionário: cartas e alguma crítica. São Paulo, Editora 34, 248-256.
SUMÁRIO
SILVA, Wilson H. da. 1996, “No limiar do desejo”, em CAÑIZAL, Eduardo Peñuela. (org), Urdiduras de SUMÁRIO
sigilos – Ensaios sobre o cinema de Almodóvar.São Paulo, Annablume: ECA/USP, 49-84. SUMÁRIO

VAZ, Toninho, 2001, Paulo Leminski; O bandido que sabia latim. Rio de Janeiro, Record.

Acossado, 1960, DVD. Direção : Jean Luc Godard. São Paulo, Continental. FICHA
FICHAFICHA
Fale com ela, 2002,DVD. Direção: Pedro Almodóvar. Salvador, Vintage Vídeos.

Matador, 1987, DVD. Direção: Pedro Almodóvar. Salvador, Vintage Vídeos. PRÓXIMA
Pepi, Luci, Bom y otras chicas delmontón, 1980, DVD. Direção: Pedro Almodóvar. Salvador, Vintage Vídeos.
PRÓXIMA
PRÓXIMA

Tudo sobre minha mãe,1999, DVD. Direção: Pedro Almodóvar. Salvador, Vintage Vídeos.

“The party’s over. 1988, LP, Chetonpoetry. Cantor: Chet Baker. Roma, Novus. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

602
CONCERTO EM RÉ MAIOR

N icole Zatz

Storyline: Gui de11 anos, vive em Acapme, com calcadas feitas de lixo e quase sem luz do sol. Lá
vai a escola e fica em uma grade, cumprindo tarefas e repetindo conteúdos. Ao ser forçado a abrir CAPA
CAPA
mão de seus pensamentos, não cede e encontra companheiras de fuga. As acompanha para um local
CAPA
repleto de natureza, aonde as pessoas convivem em harmonia e cooperação e tem aulas ao ar livre.
Conhece musica, algo que não existe em sua cidade e ao tentar compartilhar a descoberta, percebe
que nem todos estão prontos para viver desta forma. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Referências: Este argumento tem como base diferentes linhas pedagógicas e a rigidez da grade esco- SUMÁRIO
lar no ensino básico, uma das referencias é o documentário A Educação Proibida.

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

603
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
A rgumento para longa metragem de animação
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A acinzentada metrópole de Acapme inicia mais um ano escolar, veículos metálicos e super rápidos
param em filas enormes e jovens começam a descer e seguir a pé pelas calçadas compostas de lixo
empilhado. Alguns correm, outros seguem como que marchando. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

604
Uma multidão de crianças e adolescentes entra em uma enorme construção, que como um forte me-
dieval tem suas pontes baixadas e aos poucos vai fechando-as de maneira agressiva.

Do lado de dentro, em um pouco iluminado e estreito corredor, um Senhor (79 anos) de expressão
séria apressa cada passante com olhar fulminante, ele balança um sino que segue seu olhar de um
lado ao outro e não deixa ninguém perder o ritmo. Todos os alunos caminham como em uma marcha,
carregam materiais, mochilas e malas e seguem pelo corredor sob o toque insistente de uma sirene.

Na sala do sexto ano, que não possui janelas, os alunos são recebidos pela Senhora Airufia (59 anos,
cabelos grisalhos em um coque, roupas em tons mortos), que se matem rígida, como se empurran-
do-a pudesse quebrá-la. Quando estão todos ordenados em filas e praticamente imóveis ela se apro-
CAPA
xima ficando de frente para os alunos, abre a boca to tenso rosto para falar e um dos alunos espirra, CAPA
tenatando abafar o som com as mãos. Imediatamente, Sra. Airufia adquire expressão enfurecida e CAPA
aponta a saída, o garoto com o rosto vermelho se dirige cabisbaixo para a porta sendo encarado pela
professora, que vai atrás dele e fecha a porta. A Sra. Airufia retorna ao centro do tablado e encara os
SUMÁRIO
alunos de forma assustadora, então limpa a garganta e começa a explicação do ano letivo. Gui (11 SUMÁRIO
anos) observa tenso em meio a fila de alunos. Gui imagina os olhos da professora saltando de seu SUMÁRIO
rosto e se aproximando ainda mais dele, ela segue com sua explicação sobre os novos cartões que
entregara aos alunos, relembra- os de forma aterrorizante que se perderem é melhor que nem voltem.
FICHA
FICHAFICHA
Flashback de Gui na sala da Senhorita Amanda Lac (27, vestido florido, sorridente), que coloca o
nome na lousa repleto de flores e abre a janela sorrindo ela cumprimenta os alunos um por um na
fila de apresentação e sorri para Gui no momento de cumprimentá-lo. Na sala do sexto ano, Gui se
da conta de que Sra. Airufia o encara ao passar pela fila e engole seco ajeitando sua postura. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Flashback de Gui na sala do quarto ano com o Sr. Raul ( 40 anos, barba, bigode e cabelos um pouco
longos) que deixa os cartões na mesa e derruba tudo, depois derruba papéis e comenta com os alunos
sobre ser desastrado e que não se assustem com a nova grade.
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

605
Gui olha para a sala sem janelas da Sra. Airufia, ela fala das dificuldades do sexto ano e de como ja-
nelas podem distrair alunos. Ela segue para o armário para pegar os cartões.

Um colega que esta em pé ao lado de Gui lhe pergunta sobre as férias. Gui conta da semana que
passou na Cidade das Ilusões com seus pais, se divertindo com novos jogos virtuais e a montanha
de açúcar colorido. Seu colega começa a contar sobre sua viagem a Fingitown, A professora se vira
para os alunos gritando para fazerem silencio e a conversa é interrompida. A Sra. Airufia se ajeita em
sua mesa de professora, dispões os cartões sobre ela e começa a chamar os alunos para que busquem
cada um o seu.

Gui caminha para o canto da sala aonde esta uma estrutura de metal com uma pequena porta e seu
CAPA
nome, ao lado estão estruturas idênticas com nomes de seus colegas. Repara em um buraco na estru- CAPA
tura de metal, por onde passaria uma chave e olha para seu cartão. Soa um sinal, todos passam seus CAPA
cartões e entraram nas grades que são fechadas imediatamente. Apenas a professora permanece ao
lado de fora, uma das jaulas fica vazia.
SUMÁRIO
Gui abre uma gaveta e retira o material. A Senhora Airufia se manifesta com sua voz bruta , Gui se- SUMÁRIO
SUMÁRIO
gue suas instruções. Ao longo da explicação, uma das grades se abre e uma colega sai com seu cartão,
o relógio marca cinco minutos para ela voltar do banheiro.

Quando os alunos saem da fortificação escolar já esta escuro. Todos carregam grandes caixas etique- FICHA
FICHAFICHA
tadas tarefas. Dois alunos conversam sobre o pouco tempo para fazê-las.

Chegando em sua caixa de morar, no décimo segundo andar de um edifício, Gui prefere não incomo-
dar sua mãe, que esta com seus óculos virtuais para finanças. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
A tela central ao lado da porta tem mensagens de compras e deveres domésticos. Gui apóia a caixa
e lê os deveres, segue para o quarto e sua mãe lhe pede que cumpra as tarefas para não acabar como
seus vizinhos, expulsos do sistema que os protege.
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

606
Na hora do jantar os potes com remédios para digestão já estão sendo servidos, Gui se aproxima da
mesa com cara de nojo, mas disfarça ao perceber a expressão brava de seu pai.

Na sequência é hora de entretenimento, e Gui conseguiu concluir as tarefas a tempo. Liga o aparelho
da sala para seu encontro com os amigos holográficos, que o cumprimentam por estar ganhando na
partida contra a tela e dão inicio ao jogo .

Em seu quarto deitado no escuro, Gui repara no som de apito bem discreto que ecoa, se movimenta
e decide fechar os olhos.

Nos corredores do colégio, frente as salas, alunos trocam tarefas incompletas e copiam respostas em
troca de dinheiro. CAPA
CAPA
Na sala do sexto ano a Sra. Airufia entra e escreve no quadro, faz questões sobre as tarefas e os alu- CAPA
nos vão recebendo pontos por respostas corretas. Ao final, Gui tem o numero cinco sobre a grade. As
alunas com os números um e dois sorriem e começam suas próximas tarefas, os com números mais
SUMÁRIO
perto de trinta estão cabisbaixos. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Alguns alunos começam a apertam botões que apitam para sinaliza o termino da tarefa, mais uma
rodada de perguntas da professora aos alunos. Gui é numero seis, duas meninas brigam pela primei-
ra posição.
FICHA
FICHAFICHA
No dia seguinte os alunos entram em suas grades e começam copiando o texto da Sra. Airufia, Gui
segue seu ritmo, obedecendo a professora, observa as duas meninas das primeiras posições tem os
pulsos enfaixados e seguem escrevendo rápido, sempre competindo. O texto é de geografia e esta ao PRÓXIMA
lado do mapa, sua cidade ao norte, do outro lado a prisão, no centro Fingitown, Cidade das Ilusões PRÓXIMA
PRÓXIMA
e Entorpecity, ao sul outra urbanicidade.Hora de repetir as palavras da professora. Ela anuncia para
que todos se levantem e dita as frases para que eles repitam em coro.

Em sua grade, Gui escuta as frases ditadas pela Sra. Airufia, repete com o coro. Ele presta atenção no ANTERIOR
ANTERIOR
mapa, nos contornos, o caminho até a prisão e na repetição da terceira frase pelo coro, a professora ANTERIOR

607
interrompe com um gesto e se volta para Gui, que confuso, repara que luzes piscam sobre sua grade,
ele protege os olhos com as mãos. Percebe que esta sendo observado por todos e a Sra. Airufia lhe da
bronca por não ter repetido a ultima frase. Ela se aproxima de sua grade e abre a porta para que ele
saia, deve encaminhá-lo a sala dos Ordenadores. Gui não se manifesta para sair, resiste um pouco ao
chamado da professora que o puxa pelo braço , ele tenta tirar o braço e pegar sua mochila, mas de
forma agressiva a Sra. Airufia o arrasta para fora da grade e pede a um vigilante de corredor que o
leve até a sala dos ordenadores.

Ainda com os gritos da professora em mente, Gui se depara com uma sala séria e apertada de reuni-
ões. Sobre a alta e comprida mesa esta uma placa indicando Sala dos Ordenadores. Dois Senhores (58
e 62 anos) e uma Senhora (60 anos), param de gritar entre si e olham para Gui, começam a descrever CAPA
CAPA
seu comportamento inadequado, gritam com ele sobre sua distração em sala de aula. Sobre a mesa
CAPA
Gui nota um exemplar de “O poder do grito”, livro para o profissional bem sucedido. Tudo o que
conseguiu entender o nome de um comprimido que geralmente receitavam para as crianças agitadas,
ou para os que como ele chamavam de apáticos. Preferiu sair sozinho, antes mesmo de pedir licença. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Caminhando pelo corredor, Gui troca olhares com um menino pequeno de cabelos vermelhos, ele SUMÁRIO
parece estar pedindo ajuda. Cada um segue por um caminho. Gui pensa no comprimido e quando
olha para trás o menino não esta mais ali.
FICHA
FICHAFICHA
Ao entrar novamente em sua grade, Gui termina rápida e mecanicamente as tarefas e sai com os co-
legas.

Enquanto caminha para sua moradia, Gui relembra os gritos de suas broncas do dia, então tropeça PRÓXIMA
em um desnível da calçada de lixo e derruba seu cartão em um vão, ele cai tão fundo que não é mais PRÓXIMA
PRÓXIMA
possível de ser visto. Gui para agachado, imóvel em desespero. Vê o movimento da rua e se levanta.

No dia seguinte, Gui se arruma como de costume e se despede dos pais. A mãe lhe entrega o pacote
com os comprimidos, ele coloca na mochila e sai. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

608
Passando a primeira quadra, Gui desvia do caminho habitual, desliga seu GPS de pulso, tira um
boné da mochila e segue rumo ao outro lado da cidade, desviando de todas as grandes empresas e
estabelecimentos educacionais.

Gui cansado para em uma pista cheia de pedrinhas e encosta as costas em uma pequena casa de
tijolos. Alguém abre a porta e sem tempo para se defender ou fugir, Gui é puxado para dentro por
mãos de adulto. Do lado de dentro ele tira os olhos do chão escuro e um tanto sujo e nota que quem
o puxava era Maristela (39 anos).

Ela o larga no chão e o encarando de forma intimidante. Ele não diz nada e uma menina (12 anos)
passa entre eles usando fitas coloridas nos cabelos e uma bolsa de viajar. Ela se aproxima dele e olha
CAPA
para a moça. É Silvia Anzol, colega de Gui até o quarto ano e explica isso para sua mãe, Maristela. CAPA
Após as apresentações, Maristela questiona Gui e lhe oferece para sentar no sofá e comer algo. CAPA

Os alimentos servidos são estranhos para ele, não vem em latas ou pacotes fechados, mas ele reco-
nhece pelos desenhos das embalagens. Gui pergunta sobre o modo de vida delas e lhe explicam algo SUMÁRIO
que o deixa mais confuso. O local era apenas temporário, estavam se aprontando para deixar a casa SUMÁRIO
SUMÁRIO
quando perceberam sua presença ao lado de fora e acharam suspeito. Ele conta parte de sua historia
de desvio, perda do cartão e conversa de gritos com os ordenadores.

Gui não tinha para onde ir agora que tinha fugido. Certamente já haviam notificado a falta no siste- FICHA
FICHAFICHA
ma escolar e seus pais queriam consertá-lo. Ele pergunta sobre o destino da viagem, mas não obtém
resposta. Ele pede para seguir com elas ao menos até onde fosse mais seguro para ambos.

Maristela Anzol, era de tipo desconfiado e vai certificar que o ele não tenha nada de suspeito. De PRÓXIMA
sua mochila tira uma jaqueta, um pacote de fritos extra temperados, alguns objetos inofensivos e um
PRÓXIMA
PRÓXIMA
pote de remédio ainda lacrado.

Elas ficam curiosas com o remédio, comentam como todos na sala de controle da cidade são notórios
viciados e estavam tentando estimular mais pessoas a tomarem como se fossem balas cheias de açú- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

609
car. Contaram também como é conhecido por poucos o fato de que a água da região já vir premiada
com um pouco do que deveria ser identificado como medicamento e só vendido com prescrição mé-
dica.

Os pertences são devolvidos a Gui, que joga a caixa do remédio longe, causando risos e um convite
de Maristela para seguir com elas.

Eles caminharam em direção ao norte. Gui lembra-se do mapa e pergunta o destino, falam algo como
local aonde a luz brilha mais forte e as calçadas são de plantas, ele estranha, perguntou se era algum
tipo de jogo ou terra holográfica.

Esta anoitecendo e as luzes da cidade diminuem com o movimento, poderiam seguir com mais tran- CAPA
CAPA
quilidade. Eram luzes quase que totalmente apagadas e uma rua sem carros para atravessar.
CAPA
Na moradia de Gui, seus pais estavam usando os óculos virtuais de finanças. Estão totalmente con-
centrados. Seu pai derruba café na mesa e sua mãe ao se levantar esbarra na cadeira ao lado.
SUMÁRIO
Gui segue prestando atenção, não podia se perder de Maristela e Silvia a noite nos limites da cidade. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Eles seguem cautelosos, Gui reparando em tudo, questionava porque iriam para o vazio da fronteira.

Silvia anda rápido, mas sua mãe cautelosa acaba segurando um pouco o passo. Eles passam perto
de uma grande placa de anúncios eletrônica. No momento é a única coisa que não esta apagada. FICHA
FICHAFICHA
Maristela sussurra alguma coisa que Gui não entende. Ele passa sob a placa e tem a sensação de ser
um produto passando pelo medidor de preço no supermercado, olha para cima desconfiado e corre
para alcançá-las. PRÓXIMA
Quando esta ofegante e suado ao final de uma subida, Gui segue mais alguns passos e a luz é intensa,
PRÓXIMA
PRÓXIMA
o sol brilha forte. É mais luz do que seus olhos podem suportar. Maristela recomenda que coloquem
óculos, mas ele não haviam trazido um par.

Então usando óculos escuros reserva de Maristela, um tanto grandes e femininos para Gui, eles se- ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

610
guem por um caminho aonde a calçada não é de lixo, repara nas placas desconhecidas e nas pessoas
que caminham sorrindo.

Gui repara em um som estranho, que não é atonal ou estridente. É vibrante, com ritmo marcado e no-
tas alegres que desenham o som entre o pulsar das batidas. Ele então percebe que suas companheiras
já estão lhe chamando mais a frente.

Um grupo de jovens adultos na faixa dos trinta anos e duas crianças pequenas se aproximam e cum-
primentam Maristela e Silvia, que apresentaram Gui. Ele comenta do som e elas riem, falam que se
chamava musica e é comum na cidade. Todos seguem até uma espécie de caixa de morar com janelas
que davam para a rua e telhados de flores e frutas de verdade.
CAPA
CAPA
Do lado de dentro, Gui deita em uma rede de dormir e adormece. Silvia descansa em outra rede.
CAPA
Maristela conversam com os outros adultos sobre sua nova casa, a beleza local e a escola para Silvia.

Quando Gui acorda, uma jovem (30 anos) que se apresenta como Nanda lhe oferece chá. Gui aceita,
SUMÁRIO
ele e Silvia lembram das aulas de historia da civilização antiga, que bebia chá no tempo de seus ta- SUMÁRIO
taravós. Agora eram só gaseificados e gotas de água na escola. O chá é servido quente e mesmo com SUMÁRIO
os avisos Gui queima a língua, falou que talvez por isso não servissem mais em sua terra. Pergunta
o nome desta cidade e se era de verdade. Nanda explica que estava em Pachamama e que não estava
em seus livros porque as urbanicidades não reconheciam os moradores livres. FICHA
FICHAFICHA
Silvia, Maristela e Gui chegam na escola. Gui hesita em entrar, Silvia lhe da a mão e eles seguem pelo
enorme campo florido. A escola é colorida e a matricula é um passeio pelo local e algumas fichas
coloridas para escolher seus cursos, não ha grades. Eles caminham passando pelos grupos de artes PRÓXIMA
com seus lápis coloridos, ciências na horta, integração e esportes perto do lago e finalmente a sala de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
onde ecoava aquela melodia da chegada. Gui sorri ao reconhecer o som e repara que alguns garotos
e garotas tocam instrumentos metálicos e amadeirados. Ao entrar Gui pode segurar um dos instru-
mentos. Encantado ele aprende um acorde de violão e segue repetindo. Os estudantes descontraídos ANTERIOR
ANTERIOR
riem, explicam que ele pode tocar de varias formas e lhe mostram. ANTERIOR

611
Na cidade de Acapme os alunos seguem mecanicamente para suas moradias carregando caixas de
tarefas, adultos também retornam do serviço com suas malas, ninguém sorri.

Na manha seguinte, Gui comenta com Maristela que eles deveriam contar para seus conhecidos da
Urbanicidade sobre tudo aquilo. Mas ela não se anima, diz que não queriam conhecer, que estavam
presos ao sistema de pontos e obrigações. Ele fica chateado e decide voltar para chamá-los.

Gui se prepara para pegar um transporte que e funciona pelo movimento das pedaladas coletivas,
quem não pode pedalar vai atrás em um banco fixo. É surpreendido por Maristela que o acompanha.

Chegando na fronteira se despede da moça e segue a pé até a saída para Acapme. Gui hesita, mas
decide passar. Ao passar da fronteira um trio de guardas armados se aproxima cercando-o. CAPA
CAPA
Maristela observa Gui sendo cercado por viaturas ao piscar no placar seu registro de fujão. CAPA

Flashback da noite de fuga com Maristela sussurrando para não passarem sob o radar eletrônico e a
luz que piscou quando ele passou. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Gui é levando em um veiculo a base de óleos que deixam um rastro de poluição atrás e fazem os SUMÁRIO
passantes tossir.

Quando o veiculo para, Gui desce cercado pelos guardas que olham para ele enquanto aguardam a
FICHA
FICHAFICHA
abertura de uma pesada porta de ferro puxada por dezenas de homens.

Empurrado para uma sala escura, vozes dão instruções pelo auto falante. Gui senta em uma cadeira
gigante e dura e deve cumprir um questionário eletrônico sobre conteúdos que ele tinha decorado PRÓXIMA
para anos anteriores. PRÓXIMA
PRÓXIMA
Depois de uma bateria de perguntas e desafios, a tela anuncia para que se levante e abre uma passa-
gem para um vasto corredor. Ao fim do corredor ha uma sala toda fechada e uma esteira com crian-
ças paradas. Um guarda aponta o lugar para Gui e ao toque de um sinal todos recebem um compri- ANTERIOR
ANTERIOR
mido. Gui olha nervoso para o seu, olha para o lado e reconhece o menino de cabelos vermelho, que ANTERIOR

612
lhe diz que pode tomar, pois é tranquilo.

Gui olha para a bola soltando tinta em suas mãos e a voz dos auto falantes grita para todos tomarem
seus comprimidos. Gui aproxima o seu da boca e o esfarela em suas mãos. Todos seguem para a sala
de lavagem aonde jatos fortes com fumaça jorram sobre cada um, Gui tenta desviar e olha assustado
os outros sendo atingidos sem resistência

Todos seguem em fila obedecendo as ordens do auto falante. Chegam em uma sala grande, típica
de fortificações de controle. Lá estão autoridades e os pais de Gui. Ele estremece, é seu julgamento
para a prisão. A voz do auto falante diz que ele desrespeitou a escola ao jogar o cartão no buraco e
a cidade ao fugir. Ele nega. O menino de cabelos vermelhos diz que ele andava com o cartão escolar
CAPA
na mão, o que era proibido, era seu delator. CAPA
CAPA
Em Pachamama, Silvia aprende com um grupo de colegas ao ar livre, estão em harmonia com os
adultos. Maristela se aproxima e chama Silvia.
SUMÁRIO
Na fortificação, Gui esta cercado, gritam com ele. Gui sai da fila resistindo aos gritos de proibição e SUMÁRIO
pega um objeto de madeira do canto da sala, tira a tampa e arranca elásticos de seus calçados, impro- SUMÁRIO
visa um instrumento e começa a tocar. O som não sai bom, mas todos observam curiosos. Gui tenta
reproduzir a musica que aprendeu em Pachamama, algumas das crianças começam a bater palmas
ou nos tubos das paredes. Um som de flauta começa a preencher o ambiente, é Silvia que chega com FICHA
FICHAFICHA
sua mãe.

Os músicos são expulsos da cidade , Gui olha para seus pais e colegas e segue para a fronteira, algu-
mas crianças e um jovem seguem atrás de Gui e Silvia. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Mais um dia começa em Acapme, a rotina se repete. Da rua a mãe de Gui liga para ele, diz que con-
seguiu um novo cartão para o sétimo ano. Gui se despede e segue para a aula no lago.

Desenvolvimento: O Argumento encontra-se em processo de revisão para o posterior desenvolvi- ANTERIOR


ANTERIOR
mento de roteiro. A participação no GT de criação foi importante para reflexão sobre formas de ANTERIOR

613
apresentação, discutir o processo criativo com os colegas e pensar um pouco no desenvolvimento da
história no papel e alem deste.

É muito relevante essa troca de experiências e o feedback de pessoas da mesma área. É frequente
autores trabalharem sozinhos, então este paralelo, os apontamento, troca de ideias acabam trazendo
uma perspectiva nova e podem ajudar o trabalho a melhor se desenvolver.

Este projeto em particular surgiu de conversas sobre educação e métodos, que trouxeram elementos
muito imagéticos. Sem saber se escreveria um curta ou longa, acabei desenvolvendo um conto publi-
cado online e posteriormente trabalhando o argumento em laboratório audiovisual.

CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA

PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

614
RESUMOS

BILHETE
D arlielson de Sousa Lima
darlielson@gmail.com - Designer profissional da área de áudio visual

CAPA
CAPA
CAPA

Palavras chave: Cinema, Internet e mídias móveis, Mídias digitais, TV


SUMÁRIO
Sabe quando a relação chegou a um ponto de desgaste, que até situações insignificantes se tornam SUMÁRIO
motivos para graves discussões? SUMÁRIO

Quando ao fim desta, o único refúgio do mundo (e de você mesmo), é o quarto e a solidão?

Um copo de bebida vira um amigo (ou um inimigo) mas pelo menos tira de órbita e te leva para fora FICHA
FICHAFICHA
da realidade.

Logo você percebe que no fundo, já se anunciava à tempestade, só não queria constatar, pois se tor-
nou dependente demais da situação. PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Então por fim, você abre a janela, vê o sol brilhar e percebe que existe um mundo todo lá fora te es-
perando. Os afazeres domésticos se tornam um exercício não só físico, como também mental, pelo
menos você não está bebendo.
ANTERIOR
ANTERIOR
É chegada a hora. Pequenas lembranças que ainda estão fixadas na parede da memória e que insis- ANTERIOR

615
tem em te fazer pensar, são posta na mala do esquecimento. Dessa maneira você finalmente se ver
livre para ver o que há de belo lá fora: A vida.

Baseado na obra “Bilhete”, composição de Ivan Lins e Vitor Martins, esse curta vem mostrar de for-
ma sensível e poética a visão masculina para o termino de uma relação.

FOTO , A
Artur H enrique da C osta Pinto
CAPA
Game Designer / Roteirista e estudante de graduação CAPA
CAPA

SUMÁRIO
SUMÁRIO
Palavras chave: Foto, Viagem, Brincadeiras, Animação, Cinema, TV SUMÁRIO

Francisco, um renomado chefe de cozinha, está em sua viagem para a Europa com seu filho Lúis, um
garoto levado de 9 anos. Luís, pega a câmera raríssima do pai e tira 39 das 40 fotos do filme. Fran-
FICHA
FICHAFICHA
cisco não consegue achar outro filme para sua máquina e agora precisa tirar a única foto que repre-
sentará a viagem toda.

Luís, para chamar a atenção do pai, atrapalha todas as fotos do pai. Francisco fica tão obcecado em ti- PRÓXIMA
rar a foto que esquece de aproveitar a viagem com seu filho. No fim ele percebe a besteira que estava PRÓXIMA
PRÓXIMA
fazendo e aproveita a viagem com o filho. Só assim ele consegue a foto que representa toda a viagem.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

616
VITÓRIA
G isele da M ota Trindade
gigimota@hotmail.com - Free lancer; Roteirista; Pós graduação concluída

Palavras-Chave: TV; série adolescente, amizade entre meninas, agressão não física, primeiro beijo

Este projeto fala sobre Vitória, uma adolescente de 14 anos, sensível, mas cheia de atitude. Usa ócu-
los de grau e os odeia. Não entende nada de maquiagem e de moda, embora isso não tire o seu sono, CAPA
CAPA
está aí algo que a faz invejar as garotas populares do colégio. Mas o que Vitória mais gosta mesmo é
CAPA
estar ao lado de suas melhores amigas: Letícia e Marcela. Aline chega por último à turma após sofrer
por agressões dissimuladas não-físicas de suas antigas amigas.
SUMÁRIO
A adolescência é a época em que as emoções estão à flor da pele, por isso as amizades são tão im- SUMÁRIO
portantes, principalmente entre as meninas. Vitória e suas amigas dividem tudo, se sentem corajosas SUMÁRIO
juntas, se declaram aos meninos, enfrentam desafios, dizem o que pensam aos pais e acima de tudo
cuidam uma das outras. Atualmente meninas com 11 anos, já estão dando o primeiro beijo, andam
maquiadas, com saltos altos e roupas curtíssimas, já não brincam mais. FICHA
FICHAFICHA
Para adentrar o mundo adolescente, fiz uso de livros, revistas, músicas, vídeos online, blogs diversi-
ficados e entrevistas através de questionários a alguns adolescentes. Enfim, Vitória vem para mostrar
que não precisa ter pressa para crescer, é muito gostoso e divertido curtir as amizades, rir juntas, PRÓXIMA
fazer travessuras, viajar, estudar, se apaixonar e fazer festinhas só entre as meninas. O processo de
PRÓXIMA
PRÓXIMA
escrever uma série sozinha me trouxe algumas reflexões, é muita coisa para uma pessoa só. História,
A, B, C, D, E, F e por aí segue. Em alguns momentos pensei que não seria capaz de organizar todas
as ideias em um único papel. Sinto-me feliz por ter me desafiado a tentar e por ter conseguido enfim, ANTERIOR
ANTERIOR
colocar o ponto final no roteiro. ANTERIOR

617
MARIZA - O FILME
R oberto G ustavo R einiger N eto
roberto.reiniger@gmail.com - Sinergia Publicidade/ Diretor de criação (Porto Alegre)

Palavras Chave: (Des)construção identidade feminina roteiro cinema; Criação, Cinema, TV, Roteiro

A vida de Mariza não dá um filme. Não é aquela história bonitinha que a maioria das mulheres gos-
tam de ver nos cinema. Mariza não tem um padrão de beleza de uma celebridade. Mas ela tem um CAPA
CAPA
diferencial. Apesar de sua vida obsoleta, de uma integrante letárgica da classe média, Mariza depois
CAPA
de tanta decepção, faz da sua luta contra a balança, uma arma para recomeçar. Mariza vai descobrir
que é traída pelo namorado, e a comida para ela, vira a arma de sua revolta. E o dinheiro para con-
tentar o seu vício, a porta para um possível e novo amor. Um final feliz para ela não importa, Mariza SUMÁRIO
sabe que sua vida é tão blasée que um filme sobre ela, nada traria de novo. Aliás, se alguém algum SUMÁRIO
SUMÁRIO
dia ligar uma câmera na frente dela, ela tem certeza que a única coisa que teria para oferecer seria
um documentário de cunho biológico para a National Geographic. Ela sabe que nem mesmo o que
Syd Field prega para escrever um roteiro cinematográfico, lhe caberia. Inclusive para escrever até a
FICHA
FICHAFICHA
sinopse de seu filme. Conceito do longa-metragem – Mariza

O longa-metragem “Mariza” retratará situações limites em que o ser humano é posto à prova e reage
de forma inusitada. O par romântico desta estória, Roberval e Mariza, só se conhecerá ao final do PRÓXIMA
filme, no momento em que forem mantidos como reféns durante um sequestro relâmpago. O cenário PRÓXIMA
PRÓXIMA
é a Rua Augusta em São Paulo, que em meio à sua vida noturna e sua pluralidade, os tornam únicos
e singulares, na profusão de milhares de pessoas.

Acima de tudo, a narrativa de “Mariza” será uma análise comportamental, o importante será o modo ANTERIOR
ANTERIOR
como ocorrerão os conflitos e não as resoluções, propriamente ditas. A identificação do espectador ANTERIOR

618
com o filme, se ocorrer, não será pelo padrão de beleza das personagens principais, mas sim pelo
humor em relatar que conflitos amorosos também ocorrem com as minorias.

Um dos diferencias desta trama, será o de ressaltar a relação de Mariza e Roberval, com persona-
gens que não possuem nome. Serão representantes da massificação das minorias que convivem
mutuamente na região da Rua Augusta, em São Paulo. Região, esta, que acima de tudo consegue
estabelecer o convívio entre o seu circuito cultural, a vida noturna e a exploração sexual.

Mariza não pertence a um padrão estético, e ao descobrir que é traída pelo seu namorado, trará
a projeção de sua identidade na trama através de um número musical. Quando encontra com
seu namorado e a amante, estes assistiam a apresentação de um travesti pela televisão. E é desta
CAPA
música, que um ideal de beleza, comum de dois gêneros, se tornará condizente com a projeção CAPA
da identidade de nossa personagem. Ainda que esta seja obesa, e use a comida para se firmar CAPA
enquanto pessoa.

Roberval também fugirá de um padrão estético. E disso, surge a sua frustração de não conseguir SUMÁRIO
sucesso como músico. Roberval não se importa com a sua aparência física. O que lhe agoniza é a SUMÁRIO
SUMÁRIO
sua incapacidade de ao menos colocar a sua imagem de São Paulo nas letras se suas músicas. A
sua agonia é tamanha que só lhe resta apelar para o tabagismo. Mariza e Roberval ainda serão re-
tratados como analistas de seus próprios comportamentos. De modo extra diegético, eles entram
FICHA
FICHAFICHA
na narrativa comentando e criticando os seus próprios vícios: a comida e o cigarro.

Ambas as personagens, movidas pelo consumismo, não possuem o hábito de andar com dinhei-
ro em espécie, e na necessidade deste como amparo para a realização psicológica, eles resolvem PRÓXIMA
procurar um caixa eletrônico em plena madrugada. A crítica do filme atinge seu auge, ao final de PRÓXIMA
PRÓXIMA
seu discurso: a violência fica como ferramenta, e o par romântico, fica sugerido como resultado
de um sequestro relâmpago.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

619
P roposta de direção do longa - metragem “M ariza ”
O longa-metragem “Mariza” retratará situações limites em que o ser humano é posto a prova e reage
de forma inusitada. A personagem que leva o nome do filme, passa por uma inconstante formação
de sua identidade, entre o seu padrão de beleza e o padrão do que é aceito pela sociedade. O cenário
deste trânsito de identificações é a Rua Augusta em São Paulo, que em meio à sua vida noturna e sua
pluralidade, a torna única e singular, na profusão de milhares de pessoas.

Acima de tudo, a narrativa de “Mariza” será uma análise comportamental, o importante será o modo
como ocorrerão os conflitos e não as resoluções e fluxos narrativos, propriamente ditos. A identifica-
ção do espectador com o filme, se ocorrer, não será pelo padrão de beleza das personagens, mas sim
pelo humor em relatar que conflitos amorosos ocorrem com todos, pertencentes a minorias, ou não. CAPA
CAPA
Um dos diferencias desta trama, será o de ressaltar a relação de Mariza, com personagens que não CAPA
possuem nome. Serão representantes da massificação das minorias que convivem mutuamente na re-
gião da Rua Augusta, em São Paulo. Região esta, que acima de tudo consegue estabelecer o convívio
SUMÁRIO
entre o seu circuito cultural, a vida noturna e a exploração sexual. SUMÁRIO
SUMÁRIO
Toda a projeção da identidade desta personagem será por meio de números músicais: a dança neste
caso entra como propulsora de uma ação dramática de protesto, ou como tentativa de autoafirmação
na conjuntura diegética. Há o momento, mesmo que epifânico, da apresentação de uma outra Mari-
FICHA
FICHAFICHA
za na trama. Aquela que pela música, molda a sua identidade para um padrão estético aceitável. A
linguagem destas ações terá como referência o vídeo clipe da década de 80, linguagem está em que o
digital atingia o ápice de seu surgimento enquanto ferramenta estética para o audiovisual. A dança
nesta ocasião também fará alusão a sexualidade das personagens, ao ato ritualístico de sedução, à PRÓXIMA
dança do acasalamento. O mais importante nestas sequências será a ação física, e não cantada. As
PRÓXIMA
PRÓXIMA
músicas não terão letras. O corpo será a principal ferramenta para emissão dos sentidos da comuni-
cação.

Outro ponto estético de suma importância para a realização deste projeto, é a interação entre o que é ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

620
diegético, e o que é extra diegético: a semelhança com a produção de um vídeo etnográfico. Durante
a gravação há a possibilidade de se usar a imagem, contando com a liberação de uso, daqueles que
observarão a realização da cena, e junto com os espectadores do longa estarão como observadores
da cena. A linguagem do filme será rápida, violenta e suja, para retratar a polifonia dos discursos
presentes na Rua Augusta, um dos polos culturais de São Paulo. Para que se atinja esta estética, o
suporte de captação será o DV, fator que viabilizará em custos a finalização do projeto.

O ponto de virada principal do roteiro é o momento em que a personagem do filme encontra seu na-
morado com outra, mas os fatos que ocorrem antes deste evento, a sua trajetória até chegar à baixada
da Rua Augusta, local de sua residência, já prenunciam os fatos que irão acontecer. São prólogos do
momento que está por vir. O que de antemão parece ser uma deambulação a esmo do cinema neor- CAPA
CAPA
realista, nada mais são do que tentativas do embasamento da formação de Mariza.
CAPA
O primeiro momento de ação musical da trama é quando Mariza e sua amiga, ao saírem do metrô
são assediadas no início da Rua Augusta. Este assédio, na verdade, é focado em sua amiga, que já a
SUMÁRIO
abandona no início da trama. O que lhe resta de insinuação, parte de um grupo gay que se divertia SUMÁRIO
com as condições de Mariza em cena. Estas condições surgem, sobretudo por uma tentativa de fazer SUMÁRIO
de uma placa de sinalização da esquina, ferramenta para um número de pole dance, que não seduz
ninguém.
FICHA
FICHAFICHA
As referências nesta ocasião, bem como nos demais números do filme, seriam com o filme “Precious”
(Preciosa, Dir.: Lee Daniels, 2009), obra em que o trânsito de informação entre os planos acaba por
denegrir a personagem, ou ainda, deixá-la cada vez mais utópica. Toda trilha sonora, a partir deste
ponto, também passa a ter um embasamento de referência: som eletrônico, pop, semelhante à obra PRÓXIMA
de Madonna na década de 80, sobretudo a música Express Yourself, e outros títulos como Please
PRÓXIMA
PRÓXIMA
Don´t Let Me Be Misunderstood, do grupo Santa Esmeralda. A retomada da mise-en-scène aos pou-
cos à incentiva uma mudança de comportamento. Mas esta mudança é lenta e gradual. Vale ressaltar
que todas as referências supracitadas em momento algum serão utilizadas na íntegra, ou em trechos, ANTERIOR
ANTERIOR
em virtude da legislação de direitos autorais na atual conjuntura da produção cultural. ANTERIOR

621
Passada a primeira tentativa de firmação da personagem, ela se depara com mais uma tentativa de
provocação: o contato com garotas de programa e transexuais do final da Rua Augusta. Mariza sen-
te-se menos mulher, daquele(a)s que coabitam o local próximo de sua residência.

Um carro para ao seu lado com o farol de trânsito fechado. Por um único momento, nossa persona-
gem acha que será solicitada a ajudar um senhor de idade com informações sobre as redondezas.
Mas não. Ele, ao abrir o vidro do carro com insulfilm, depara-se que a sua tentativa de arrumar uma
companhia para a noite não lhe agradaria. Faltaram-lhe os óculos. A personagem encara um novo
número musical para lhe firmar no meio social. Em uníssono com todo(a)s profissionais do sexo,
uma nova manifestação, uma musicalização do coletivo ocorre na trama. Este momento é uma refe-
rência direta à cena em que a personagem Choni, interpretada por Victoria Torres no filme “Tacones CAPA
CAPA
Lejanos” (De Salto Alto, Dir.: Pedro Almodóvar, 1991), lidera um número musical feito presidiárias
CAPA
isoladas do universo masculino.

Finalmente Mariza chega em casa, e ao descobrir que é traída pelo seu namorado, trará a projeção de
SUMÁRIO
sua identidade na trama através de um número musical final. Quando encontra com seu namorado e SUMÁRIO
a amante, estes assistiam a apresentação de um travesti pela televisão. E é desta música, que um ide- SUMÁRIO
al de beleza, comum de dois gêneros, se tornará condizente com a projeção da identidade de nossa
personagem. Ainda que esta seja obesa, e use a comida para se firmar enquanto pessoa.
FICHA
FICHAFICHA
Mariza em um ataque de fúria usa a comida que está dentro de sua casa para se vingar de seu namo-
rado e da amante. O que mais a revoltará é o fato de seu namorado trajar as suas roupas íntimas en-
quanto ele dublava o show que assistia na televisão. O namorado é alvo de tudo aquilo que a destrói,
a amante sai pela espreita, mas ele não consegue escapar, e é atingido por uma melancia na cabeça. PRÓXIMA
Pouco se sabe sobre o fim dele, o único fator que é sugerido, após uma elipse temporal, é a hipótese
PRÓXIMA
PRÓXIMA
de que o seu namorado, pelo trauma que passara, tenha virado um transexual e tenha partido para
a prostituição.

O propósito deste encerramento final seria uma crítica à linguagem do cinema nacional. O fugir do ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

622
lugar comum de contar banalidades, e/ou crimes frente à formação das classes baixas. O foco de
“Mariza” é ser um filme feminino, porém sem futilidades. Nos mais “almodovariano” dos sentidos,
relatar pelo drama, uma sutil comédia, da crise de identidade do outro, para que com esta haja a
identificação.

Mariza ainda será retratada como analista de seu próprio comportamento. De modo extra diegético,
ela entra na narrativa comentando e criticando o seu próprio vício: a comida em excesso.

Por fim, Mariza será um filme de pouco diálogos. A imagem conduzirá a narrativa: uma etnografia da
identidade da mulher, que independente da classe em que esteja, sofre para ser aceita na sociedade.

CAPA
CAPA
CAPA

ALCÂNTARA
Miriam R ezende G onçalves SUMÁRIO
miriam.mirg@gmail.com - http://miriamrezende.blogspot.com.br/ - Free Lancer; Roteirista; Pós Graduado em Roteiro SUMÁRIO
SUMÁRIO

FICHA
FICHAFICHA
Palavras chave: Foguete Brasileiro explode e mata 21 pessoas; Criação; Cinema; TV, roteiro longa
metragem
PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
P remissa
Após muitos anos morando fora do país, Luiza volta a sua terra natal disposta a descobrir a verda-
deira estória que envolve a trágica morte de seu pai. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

623
T ema
Luiza não consegue aceitar a precoce morte de seu pai.

S tory L ine
Luiza volta a sua terra natal disposta a tudo para esclarecer a verdade sobre a estória que envolve a
catástrofe que resultou na morte de seu pai no acidente com o foguete aeroespacial brasileiro na base
de Alcantâra matando 21 engenheiros. Luiza convence o delegado Guilherme que acaba de chegar
na cidade, resolve reabrir o inquérito policial sobre a explosão e investia o desastre. As pessoas co-
meçam a pensar que Luiza está louca por acreditar em teorias da conspiração.
CAPA
CAPA
CAPA
S inopse
Luiza chega em sua cidade obcecada pela verdade que acredita estar por trás do trágico acidente
SUMÁRIO
que aconteceu em São Luis do Maranhão. Ela convence Guilherme, um cético delegado de polícia, SUMÁRIO
que reabra o inquérito e investigue melhor o acidente que ocorreu em Alcântara. Luiza começa SUMÁRIO
uma verdadeira jornada em busca de uma verdade que ninguém quer confrontar. Angela, uma das
diretoras executivas do IAE começa a atrapalhar as investigações de Luiza e cria situações que a
façam desistir porque acredita que ela está doente ao acreditar em teorias de conspiração e que FICHA
FICHAFICHA
isso pode ser um indício de esquizofrênia e tenta convencer a todos de que ela deveria ir para uma
clínica de repouso para assimilar a morte de seu pai. Leonardo, um engenheiro mecânico e ex na-
morado de Luiza concorda com sua mãe Angela de que ela precisa de ajuda médica. Durval, dono PRÓXIMA
da oficina que o pai de Luiza frequentava entrega a ela uma caixa que pode mudar os rumos da PRÓXIMA
PRÓXIMA
investigação de Luiza.

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

624
PROJETO EXPERIMENTAL: A ERA DA INFORMAÇÃO
Mirna Ayumi Kajiyama | Gabriel Sidorenko | Mariana Buglia | Thiers Gomes da Silva
mirnaayumi@gmail.com | Estudantes de graduação na Universidade Estadual Paulista Julio de Mesquita Filho, sob orientação

do professor Thiers

Palavras chave: rádio, informação, mídia, comunicação

CAPA
CAPA
O bjetivos : CAPA
Tem por objetivo a organização de conteúdos para a produção e transmissão de programas sobre a
informação e sua forma de registro e divulgação no meio social, apresentando programas para ex-
SUMÁRIO
plicar ao ouvinte o histórico do próprio meio de comunicação e transmitir por meio da elaboração SUMÁRIO
de conteúdos, os conceitos de informação. Será estudado o caso da inserção de uma música com SUMÁRIO
conteúdo relacionado ao tema do programa para amenizar o excesso de oralidade e dar o tempo de
assimilação do conteúdo ao ouvinte. A inserção de sonoras tem como objetivo estimular uma espécie
de vínculo entre o programa mais dinâmico, buscando fadiga auditiva durante o processo de audi- FICHA
FICHAFICHA
ção do programa.

Aponta a necessidade da participação de alunos de graduação, conta com a participação de alunos


de pós-graduação e de servidor técnico administrativo. Visibilidade para a universidade: O projeto PRÓXIMA
dá visibilidade à Unesp e faz a divulgação de informações para a universidade e à comunidade ex-
PRÓXIMA
PRÓXIMA
terna. O projeto tem potencial para interferir na formação da comunidade acadêmica e melhorar as
condições da comunidade. Neste trabalho há uma relação entre ensino e pesquisa na aplicação do
conhecimento teórico. O projeto é de importância para a formação integral dos alunos envolvidos e ANTERIOR
ANTERIOR
tem potencial para a geração de produtos e processos. ANTERIOR

625
M etodologia :
Para o desenvolvimento deste projeto experimental, serão associados com os trabalhos práticos,
os conhecimentos adquiridos nas disciplinas práticas-profissionalizantes Roteiros Radiofônicos, Or-
ganização da Produção e Direção em Rádio e Prática de Produção para o Rádio, logo, busca-se, na
articulação com pesquisa, melhorar a vida cotidiana dos ouvintes. Esse procedimento também pode
estimular o ensino-aprendizado, atualizado e contínuo, atendendo as necessidades para uma gradu-
ação sintonizada com o mundo do trabalho da radiodifusão e às demandas sociais.

Para a produção dos roteiros será realizada a pesquisa bibliográfica e audiovisual sobre temas da
“Era da Informação”. Baseado nestes conteúdos, os roteiros serão produzidos explicando alguns
conceitos e dando exemplos. Para dar uma credibilidade serão produzidas sonoras com perguntas CAPA
CAPA
sobre o tema do programa.
CAPA

C ontextualização : SUMÁRIO
A informação, atualmente, é um elemento indispensável para a expressiva prática da cidadania, pois SUMÁRIO
SUMÁRIO
é fundamental no processo de formação da opinião pública; o direito á informação é assegurado pela
Constituição Federal. No desenvolvimento deste projeto experimental, poderá ser verificado que a
informação, no suporte rádio - meio de comunicação social – a informação é manifestada por meio
FICHA
FICHAFICHA
da oralidade, geralmente, de natureza profissional e planejada do profissional de radiodifusão. O
locutor é um dos principais intérpretes dos conteúdos inseridos nos roteiros radiofônicos. Pode-se
verificar na diversidade de ações, de locutores e de ouvintes, a intervenção humana realizando:
os processos cognitivos de percepção, transformação, armazenamento, recuperação e utilização da PRÓXIMA
informação. Porém, no meio social, observa-se que nem todos os ouvintes radiofônicos possuem
PRÓXIMA
PRÓXIMA
entendimento e tempo suficientes para compreender, avaliar, assimilar e fazer uso dos conteúdos
transmitidos. Este projeto experimental visa desabilitar a característica praticamente homogênea dos
programas radiofônicos para a transmissão da informação. ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

626
R esultados (R oteiros de um programa ):
PROGRAMA: A Era da Informação

PRODUÇÃO: Mariana Buglia, Mirna Ayumi Kajiyama e Gabriel Sidorenko

DURAÇÃO: APROX. 10 min

RETRANCA: Programa didático com o objetivo de elucidar a divulgação


da informação no rádio.

TEC.: VINHETA DE ABERTURA 5 seg


CAPA
TEC.: FUNDO MUSICAL 1 ----- 3 SEG ------------ BG CAPA
CAPA

LOC 1: ESTÁ NO AR MAIS UM PROGRAMA “A ERA DA INFORMA-


ÇÃO”// SUMÁRIO
SUMÁRIO
LOC 2: HOJE FALAREMOS SOBRE COMO O RÁDIO LEVA AS INFOR- SUMÁRIO
MAÇÕES ATÉ VOCÊ, OUVINTE//

LOC 1: PORQUE MUITO MAIS DO QUE DIVERSÃO E MÚSICA, NO RÁ-


DIO VOCÊ TAMBÉM APRENDE E SE INFORMA// FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: E ISSO TUDO VOCÊ APRENDE AQUI/ COM O PROGRAMA
“ERA DA INFORMAÇÃO”//

PRÓXIMA
PRÓXIMA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG PRÓXIMA

LOC 1: O RÁDIO É UM MEIO DE COMUNICAÇÃO QUASE QUE UNI-


VERSAL//
ANTERIOR
ANTERIOR
LOC 2: ELE PERCORRE O MUNDO EM ONDAS CURTAS E LIGA CON-
ANTERIOR

627
TINENTES NUMA FRAÇÃO DE SEGUNDOS//

LOC 1: TRAZ ESSE MUNDO PARA AQUELES QUE NÃO SABEM LER E
AJUDA A MANTER CONTATO COM OS QUE NÃO PODEM VER//

LOC 2: NÃO SÓ COMO DIVERSÃO E DIVULGAÇÃO DE INFORMA-


ÇÃO, O RÁDIO TAMBÉM É USADO PELOS MILITARES NA GUERRA,
CONTROLA O TRÁFEGO AÉREO E ORIENTA OS TÁXIS//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

CAPA
CAPA
LOC 1: SÃO OS RADIALISTAS, QUE A CADA MINUTO TRANSMITEM
CAPA
MILHARES DE PALAVRAS//

LOC 2: ESTÃO LÁ PARA NOS INFORMAR, EDUCAR E ENTRETER,


ALÉM DE FAZER PROPAGANDO E PERSUADIR// SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
TEC.: CESSA BG

TEC.: SONORA Arquivo n. __ Pasta n. __ ------ 07 seg


FICHA
FICHAFICHA
Deixa inicial: O que acha dos programas sobre a transmissão da informa-
ção no rádio?

Nome, faz o que. Opinião____________ PRÓXIMA


TEC.: CESSA sonora BG
PRÓXIMA
PRÓXIMA
TEC.: Fundo Musical CD n. ___ faixa n. __ ------ 02 seg -------- BG

ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

628
LOC 1: EXISTE TAMBÉM AS RÁDIOS COMUNITÁRIAS/ QUE TRANS-
FORMAM OUVINTES EM RADIALISTAS, DANDO PODER DE TRANS-
MISSÃO AO INDIVÍDUO//

LOC 2: MUITO MAIS SE PODE DIZER SOBRE O RÁDIO, QUE NO EN-


TANTO, JÁ PERDEU AQUELA ADMIRAÇÃO QUE HAVIA NOS SEUS
PRIMEIROS ANOS DE EXISTÊNCIA //

LOC 1: HOJE EM DIA ELE É UM MEIO DE COMUNICAÇÃO BEM CO-


MUM E TRIVIAL//

LOC 2: MAS MESMO ASSIM SUA CAPACIDADE AINDA É GRANDE//

LOC 1: MESMO COM A CHEGADA DA TV E DA INTERNET/ AINDA CAPA


LEVA INFORMAÇÕES E ENTRETENIMENTO PARA MILHARES DE PES-
CAPA
CAPA
SOAS DE TODO O MUNDO//

SUMÁRIO
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG
SUMÁRIO
SUMÁRIO

LOC 2: O RÁDIO É UM DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO DE MASSA OU


MASS MEDIA//
FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: O TERMO RADIODIFUSÃO INDICA A PROPAGAÇÃO DA IN-
FORMAÇÃO PRODUZIDA//

LOC 1: ABRANGE CADA LAR, VILA, CIDADE E PAÍS QUE ESTEJA AO PRÓXIMA
ALCANCE DO TRANSMISSOR// PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 2: SEU POTENCIAL DE COMUNICAÇÃO É BASTANTE GRANDE,
MAS O EFEITO REAL PODE SER BEM PEQUENO/ POIS DEPENDE DE
QUESTÕES LIGADAS À EXCELENCIA E CRIATIVIDADE DO PROGRA-
MA/ ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

629
LOC 1: COMPETÊNCIA OPERACIONAL, CONFIANÇA NA TÉCNICA E
SINAL BEM RECEBIDO//

LOC 2: OUTRO FATO PARA O ALCANCE PEQUENO É O TAMANHO E


A FORÇA DA CONCORRÊNCIA//

LOC 1: ÀS VEZES OS RADIALISTAS SE ESQUECEM QUE DE QUE AS


PESSOAS TÊM OUTRAS COISAS PRA FAZER//

LOC 2: A VIDA NÃO SE RESUME EM OUVIR RÁDIO E VER TELEVISÃO,


NÃO É MESMO?//

CAPA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG CAPA
CAPA

LOC 1: DIFERENTE DA TELEVISÃO, EM QUE O TELESPECTADOR ESTÁ


OBSERVANDO ALGO QUE SAI DE UMA CAIXA ATRAVÉS DE IMAGENS SUMÁRIO
PRONTAS/ AS PAISAGENS E SONS DO RÁDIO SÃO CRIADOS DENTRO SUMÁRIO
DE NÓS/ PODENDO TER IMPACTOS E ENVOLVIMENTOS MAIORES//
SUMÁRIO

LOC 2: A TELEVISÃO COMO UM TODO É ASSISTIDA POR PEQUENOS


GRUPOS DE PESSOAS//
FICHA
FICHAFICHA
LOC 1: E A REAÇÃO A UM PROGRAMA COSTUMA SER AFETADA
PELA REAÇÃO ENTRE OS INDIVÍDUOS ALI PRESENTES//

LOC 2: O RÁDIO É ALGO MUITO MAIS PESSOAL QUE VEM DIRETO PRÓXIMA
PARA O OUVINTE// PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 1: CLARO QUE HÁ EXCEÇÕES ÓBVIAS/ COMO EM ÁREAS RU-
RAIS DE PAÍSES MENOS DESENVOLVIDOS//

LOC 2: TODA UMA VILA SE REÚNE EM TORNO DE UM APARELHO// ANTERIOR


ANTERIOR
ANTERIOR

630
LOC 1: MESMO AQUI / A REVOLUÇÃO DO APARELHO FEZ DO RÁ-
DIO UM ARTIGO PESSOAL DO DIA-A-DIA//

LOC 2: QUEM GOSTA DE SERTANEJO OUVE SERTANEJO//

LOC 1: E QUEM GOSTA DE ROCK OUVE ROCK//

TEC.: CESSA BG

TEC.: SONORA Arquivo n. __ Pasta n. __ ------ 07 seg

CAPA
Deixa inicial: O que gosta de ouvir no rádio? Por que? CAPA
CAPA

Nome, faz o que. Opinião____________


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
TEC.: CESSA sonora BG

TEC.: Fundo Musical CD n. ___ faixa n. __ ------ 02 seg -------- BG

FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: O RADIALISTA NÃO DEVE ABUSAR DESSA NATUREZA DIRE-
TA DO RÁDIO E USAR O MICROFONE PARA FAZER DISCURSOS PÚ-
BLICOS// PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC 1: DEVE USAR COMO UM MEIO DE FALAR DIRETAMENTE COM PRÓXIMA
O OUVINTE//

LOC 2: SE O PROGRAMA FOR AO VIVO/ O RADIASLISTA POSSUI A


VANTAGEM DE UM LIGAÇÃO IMEDIATA COM O INDIVÍDUO E COM ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

631
MILHARES IGUAIS A ELE//

LOC 1: DIFERENTE DE UM PROGRAMA GRAVADO/ QUE SE DESLOCA


NO TEMPO//

LOC 2: É COMO UM JORNAL/ PODE ESTAR DESATUALIZADO//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: COM SEU JEITO SIMPLES/ ESTE MEIO DE COMUNICAÇÃO É


BASTANTE FLEXÍVEL/ E EM GERAL FUNCIONA MELHOR NUMA SI- CAPA
CAPA
TUAÇÃO IMEDIATA / AO VIVO//
CAPA
LOC 2: NADA DE PROCESSAR FILME NEM ESPERAR QUE O MATE-
RIAL SEJA IMPRESSO//
SUMÁRIO
LOC 1: A REPORTAGEM DE UM CORRESPONDENTE INTERNACIO- SUMÁRIO
NAL/ UM OUVINTE FALANDO AO TELEFONE/ O CARRO DE RE- SUMÁRIO
PORTAGEM NOS SUBÚRBIOS / O RESULTADO DE UM JOGO DIRETA-
MENTE DO ESTÁDIO LOCAL / SÃO TODOS EXEMPLOS DO CARÁTER
IMEDIATO DO RÁDIO//
FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: ESTA CAPACIDADE DE DESLOCAMENTO GEOGRÁFICO É QUE
GERA SEU PRÓPRIO ENTUSIASMO//

LOC 1: IMAGENS E SONS SÃO TRANSMITIDOS POR TODO O MUNDO PRÓXIMA


/ TRAZENDO QUALQUER EVENTO DE QUALQUER LUGAR PARA O PRÓXIMA
NOSSO CONHECIMENTO// PRÓXIMA

LOC 2: O RÁDIO ACELERA A DISSEMINAÇÃO DA INFORMAÇÃO DE


MODO QUE TODOS FIQUEM SABENDO DA MESMA NOTÍCIA/ DA
MESMA IDEIA POLÍTICA/ DECLARAÇÃO OU AMEAÇA// ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

632
LOC 1: SE CONHECIMENTO É PODER/ O RÁDIO DÁ PODER A TODOS
NÓS/ QUER EXERCITEMOS OU NÃO ALGUM TIPO DE AUTORIDA-
DE//

TEC.: FUNDO MUSICAL 2 ----- 3 SEG ------------ BG

LOC 2: COMPARADO COM OUTROS MEIOS DE COMUNICAÇÃO/


TANTO O CUSTO DE CAPITAL QUANTO AS DESPESAS DE MANU-
TENÇÃO SÃO PEQUENOS//
CAPA
LOC 1: COMO JÁ DESCOBRIRAM OS RADIALISTAS DO MUNDO IN- CAPA
TEIRO/ A PRINCIPAL DIFICULDADE EM MONTAR UMA ESTAÇÃO CAPA
GERALMENTE NÃO É FINANCEIRA/ MAS SIM / OBTER UMA FRE-
QUÊNCIA DE TRANSMISSÃO//
SUMÁRIO
LOC 2: ESSAS FREQUÊNCIAS SÃO PROTEGIDAS PELOS GOVERNOS
SUMÁRIO
COMO SIGNATÁRIOS DE ACORDOS INTERNACIONAIS/ E A CON- SUMÁRIO
CESSÃO NÃO É FÁCIL//

LOC 1: AS ESTAÇÕES DE RÁDIO SÃO FINANCIADAS DE DIVERSAS


MANEIRAS/ INCLUINDO LICENÇA PÚBLICA/ PUBLICIDADE CO- FICHA
FICHAFICHA
MERCIAL/ SUBSÍDIO DO GOVERNO/ CAPITAL PRIVADO/ ASSINA-
TURA PÚBLICA OU QUALQUER COMBINAÇÕES DESSES MÉTODOS//

LOC 2: COMO SE TRATA DE UM MEIO DE COMUNICAÇÃO BARATO E PRÓXIMA


QUE PODE ATRAIR UMA AUDIÊNCIA SIGNIFICATIVA/ O CUSTO POR PRÓXIMA
HORA É BAIXO// PRÓXIMA

LOC 1: ESSE RELATIVO CUSTO BAIXO SIGNIFICA QUE O RÁDIO É


IDEAL PARA O USO DE NÃO-PROFISSIONAIS//
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

633
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

TEC.:CESSA BG

TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL CD n. __ --- Faixa n. ___ ----02 seg BG

LOC 2: EM MEIO A TODOS OS TIPOS DE MÉTODOS DE PARTICIPAÇÃO


DO OUVINTE/ ESSA MÍDIA É CAPAZ DE OFERECER UM PAPEL DE
COMUNICADOR DE MÃO DUPLA/ PRINCIPALMENTE NA ÁREA DE
RADIODIFUSÃO COMUNITÁRIA//

LOC 1: O RÁDIO TAMBÉM É BARATO PARA O OUVINTE//

LOC 2: A PRODUÇÃO EM MASSA DOS APARELHO TEM UM CUSTO


CAPA
QUE POSSIBILITA A DISTRIBUIÇÃO PRATICAMENTE UNIVERSAL// CAPA
CAPA
LOC 1: MAIS ACESSÍVEL DO QUE LIVROS/ O BOM RÁDIO É DE ESPE-
CIAL VALOR PARA OS QUE NÃO PODEM LER//

LOC 2: ANALFABETOS/ CEGOS/ PESSOAS QUE POR ALGUM MOTIVO SUMÁRIO


NÃO TÊM ACESSO À LITERATURA EM SUA PRÓPRIA LÍNGUA// SUMÁRIO
SUMÁRIO

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG


FICHA
FICHAFICHA

LOC 1: O RÁDIO TRATA-SE DE UM MEIO DE COMUNICAÇÃO EFÊME-


RO//
PRÓXIMA
LOC 2: SE O OUVINTE NÃO ESTIVER ALI PARA OUVIR O NOTICIÁ- PRÓXIMA
RIO/ ELE TERÁ QUE ESPERAR PELO PRÓXIMO// PRÓXIMA

LOC 1: É DIFERENTE DO JORNAL/ QUE O LEITOR PODE DEIXAR DE


LADO/ PEGAR NUMA OUTRA HORA OU PASSAR PARA OUTRAS PES-
SOAS//
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

634
LOC 2: A RADIODIFUSÃO IMPÕE UMA DISCIPLINA RÍGIDA DE TER
DE ESTAR ALI NA HORA CERTA//

LOC 1: ESSA NATUREZA TRANSITÓRIA DO RÁDIO TAMBÉM SIGNIFI-


CA QUE O OUVINTE DEVE NÃO SÓ OUVIR O PROGRAMA NA HORA
DA TRANSMISSÃO/ MAS TAMBÉM DEVE ENTENDER//

LOC 2: O IMPACTO DA PALAVRA FALADA DEVE OCORRER NO MO-


MENTO EM QUE É OUVIDA//

LOC 1: RARAMENTE HÁ UMA SEGUNDA CHANCE//

CAPA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG CAPA
CAPA
TEC.:CESSA BG

TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL CD n. __ --- Faixa n. ___ ----02 seg BG


SUMÁRIO
SUMÁRIO
SUMÁRIO
LOC 2: O RÁDIO PROPORCIONA UMA LIGAÇÃO MAIS SUTIL COM O
USUÁRIO DO QUE A TELEVISÃO OU IMPRENSA ESCRITA//

LOC 1: É MENOS EXIGENTE/ NOS PERMITE FAZER OUTRAS COISAS


FICHA
FICHAFICHA
AO MESMO TEMPO//

LOC 2: OS PROGRAMAS VIRAM UM ACOMPANHAMENTO PARA AL-


GUMA OUTRA TAREFA//
PRÓXIMA
LOC 1: LEMOS COM MÚSICA TOCANDO/ COMEMOS AO SOM DO PRÓXIMA
NOTICIÁRIO/ OU COLOCAMOS PAPEL DE PAREDE COM O RÁDIO PRÓXIMA
LIGADO//

LOC 2: MAS UM PONTO FRACO É QUE PODE SER FACILMENTE IN-


TERROMPIDO//
ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

635
LOC 1: A TELEVISÃO É MAIS COMPLETA/ PRENDE TODA A ATEN-
ÇÃO//

LOC 2: ELA PASSA CONTEÚDO SEM EXIGIR ESFORÇO OU REAÇÃO//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

LOC 1: UM JORNAL PODE TRAZER 30 OU 40 COLUNAS DE NOTÍ-


CIAS//

LOC 2: UM BOLETIM DE DEZ MINUTOS NO RÁDIO É IGUAL A UMA CAPA


CAPA
COLUNA E MEIA//
CAPA
LOC 1: A SELEÇÃO E A FORMA DO MATERIAL FALADO TÊM DE SER
MAIS CURTAS E DIRETAS//
SUMÁRIO
LOC 2: JORNAIS PODEM DEDICAR GRANDES QUANTIDADES DE ES- SUMÁRIO
PAÇO À PUBLICIDADE/ EM ESPECIAL AOS PEQUENOS ANÚNCIOS/ SUMÁRIO
E A ANÚNCIOS PESSOAIS COMO NASCIMENTOS/ ÓBITOS E CASA-
MENTOS//

LOC 1: ESSE É UM MATERIAL IDEAL PARA UMA LEITURA RÁPIDA E FICHA


FICHAFICHA
SUPERCIFIAL/ MAS NUM PROGRAMA DE RÁDIO ESSE TIPO DE CO-
BERTURA DETALHADA NÃO É POSSÍVEL//

PRÓXIMA
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG PRÓXIMA
PRÓXIMA
TEC.:CESSA BG

TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL CD n. __ --- Faixa n. ___ ----02 seg BG


ANTERIOR
ANTERIOR
ANTERIOR

636
LOC 2: A GRANDE VANTAGEM DE UM MEIO DE COMUNICAÇÃO AU-
DITIVO SOBRE O MEIO IMPRESSO ESTÁ NO SOM DA VOZ HUMA-
NA//

LOC 1: A VOZ É CAPAZ DE TRANSMITIR MUITO MAIS DO QUE O DIS-


CURSO ESCRITO//

LOC 2: ELA TEM INFLEXÃO E MODULAÇÃO/ HESITAÇÃO E PAUSA/


UMA VARIEDADE DE ÊNFASE E VELOCIDADE//

LOC 1: A INFORMAÇÃO QUE UM LOCUTOR TRANSMITE TEM A VER


COM O ESTILO DA APRESENTAÇÃO TANTO QUANTO COM O CON-
TEÚDO DO QUE ELE DIZ//
CAPA
LOC 2: A VITALIDADE DO RÁDIO DEPENDE DA DIVERSIDADE DE
CAPA
CAPA
VOZES UTILIZADA E DO GRAU DE LIBERDADE NO USO DE ESTILOS
DE FRASES E EXPRESSÕES//

SUMÁRIO
SUMÁRIO
TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG SUMÁRIO

LOC 1: O RÁDIO FUNCIONA BEM NO MUNDO DAS IDEIAS//


FICHA
FICHAFICHA
LOC 2: COMO UM MEIO DE PROMOVER A EDUCAÇÃO/ ELE SE DES-
TACA COM CONCEITOS E TAMBÉM COM FATOS//

LOC 1: SEJA ILUSTRANDO UM EVENTO HISTÓRICO/ SEJA ACOMPA- PRÓXIMA


NHANDO UM PENSAMENTO POLÍTICO ATUAL/ SERVE PARA VEI- PRÓXIMA
CULAR QUALQUER ASSUNTO QUE POSSA SER DISCUTIDO/ PRÓXIMA

LOC 2: ASSIM/ CONDUZ O OUVINTE/ NUM RITMO PREDETERMINA-


DO/ POR UM CONJUNTO DE INFORMAÇÃO//
ANTERIOR
ANTERIOR
LOC 1: PARA APRECIAR MÚSICA E ENSINAR LÍNGUAS/ O RÁDIO É ANTERIOR

637
IDEAL//

LOC 2: É CLARO QUE FALTA A CAPACIDADE DE DEMONSTRAÇÃO


QUE A TELEVISÃO POSSUI//

LOC 1: POR ISSO SE PRESTA MAIS PARA TEXTO DO QUE PARA INFOR-
MAÇÕES NUMÉRICAS//

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG

TEC.:CESSA BG

TEC.: (OUTRO) FUNDO MUSICAL CD n. __ --- Faixa n. ___ ----02 seg BG CAPA
CAPA
CAPA

LOC 2: BOM/ NOSSO PROGRAMA VAI FICANDO POR AQUI//

LOC 1: ENTRE EM CONTATO COM A GENTE/ MANDE PERGUNTAS SUMÁRIO


E DICAS PRO NOSSO E-MAIL ERADAINFORMACAO.UNESP@GMAIL. SUMÁRIO
SUMÁRIO
COM//

LOC 1: AGRADECEMOS A SUA PARTICIPAÇÃO//

LOC 2: ! ATÉ A PRÓXIMA! // FICHA


FICHAFICHA

TEC.: FUNDO MUSICAL ----- 02 seg ---- BG


PRÓXIMA
PRÓXIMA
PRÓXIMA
LOC. 1: Programa A ERA DA INFORMAÇÃO

LOC. 2: Produção Gabriel Sidorenko, Mariana Buglia e Mirna Kajiyama


ANTERIOR
ANTERIOR
LOC. 1: Apresentação ______________________
ANTERIOR

638
LOC. 2: Coordenação: Prof. Thiers Gomes da

TEC.: FUNDO MUSICAL ____ 3 SEG BG

CONCERTO EM RÉ MAIOR
N icole Zatz
nicolezatz@ig.com.br - Free lancer; Ação social/ permacultura/ escritora
CAPA
CAPA
CAPA

SUMÁRIO
Palavras chave: educação; transformação; cultura de paz; animação, TV SUMÁRIO
SUMÁRIO
O filme se passa cidade ficcional de Acapme, onde as calçadas são de lixo e as fortificações escolares
tem grades individuais, como jaulas.

Gui (11 anos) inicia o 6º ano na sala sem janelas da professora Airufia, impiedosa e assustadora. Lá FICHA
FICHAFICHA
não há espaço para distrações ou desobediência.

Trecho do argumento: “Em sua grade, Gui escuta as frases ditadas pela Sra. Airufia, repete com o
coro. Ele presta atenção no mapa, nos contornos, o caminho até a prisão. Na repetição da terceira PRÓXIMA
frase pelo coro, a professora interrompe com um gesto e se volta para Gui, que confuso, repara que
PRÓXIMA
PRÓXIMA
luzes piscam sobre sua grade, ele protege os olhos com as mãos. Gui percebe que está sendo obser-
vado por todos e a Sra. Airufia lhe dá bronca por não ter repetido a última frase. Ela se aproxima
de sua grade e abre a porta para que ele saia, deve encaminhá-lo a sala dos Ordenadores. Gui não ANTERIOR
ANTERIOR
se manifesta para sair, resiste um pouco ao chamado da professora que o puxa pelo braço, ele tenta ANTERIOR

639
tirar o braço e pegar sua mochila, mas de forma agressiva a Sra. Airufia o arrasta para fora da grade
e pede a um vigilante de corredor que o leve até a sala dos ordenadores.

Ainda com os gritos da professora em mente, Gui se depara com uma sala séria e apertada de reu-
niões. Sobre a alta e comprida mesa está uma placa indicando Sala dos Ordenadores. Dois Senhores
(58 e 62 anos) e uma Senhora (60 anos), param de gritar entre si e olham para Gui, começam a des-
crever seu comportamento inadequado, gritam com ele sobre sua distração em sala de aula. Sobre
a mesa Gui nota um exemplar de “O poder do grito”, livro para o profissional bem sucedido. Tudo
o que consegue entender é o nome de um comprimido que geralmente receitavam para as crianças
agitadas, ou para os que como ele chamam de apáticos. Prefere sair sozinho, antes mesmo de pedir
licença. “ CAPA
CAPA
Em sua jornada, Gui, que perde seu cartão escolar e chave da grade, decide não voltar e encontra Sil- CAPA
via e Maristela, antiga colega e sua mãe, que estão em fuga da cidade. Neste processo eles descobrem
as cidades do sol, aonde as calçadas são de grama e a escola tem aulas ao ar livre ou em grandes salas
SUMÁRIO
como as de música. Gui fica surpreso e encantando com todas as novidades, mas sente falta de sua SUMÁRIO
família e vontade de compartilhar o que está aprendendo. SUMÁRIO

Os pontos argumentais já estão definidos e o trabalho agora é em cima do personagem principal e


seus coadjuvantes, seguido da confecção do primeiro tratamento do roteiro.
FICHA
FICHAFICHA
Com a construção das cidades ficcionais, a ambientação é de extrema importância para este filme,
motivo principal da opção por animação como formato de realização, já que assim a possibilidade de
se desenvolver uma cidade com calcadas de lixo e jaulas para cada aluno é mais ampla. PRÓXIMA
A música é um elemento chave nesta história, sendo o que mais chama a atenção do protagonista em
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sua passagem pela cidade do sol, já que não existem melodias ritmadas ou canções em Acapme ou
nas outras cidades anteriormente conhecidas.

O texto no presente momento é descritivo dos ambientes mencionados e dos personagens, bem como ANTERIOR
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das principais situações que movimentam a história. As mensagens de transformação, obediência,
conformismo e cultura de paz foram os principais motivadores da narrativa, por este motivo foi
mencionado o atual trabalho de aprofundamento com os, que já foram desenhados e analisados e
agora precisam contar a história

CAPA
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SUMÁRIO
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