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HumaniDiversalidades

Projeto de Humanidades Digitais

Glaucia Eneida Davino (Org.)

Editora Corpo Texto


2017

© 2017 Glaucia Eneida Davino (Org.).

Direitos reservados. Nenhuma parte desta publicação poderá ser reproduzida ou transmitida de qualquer modo ou por qualquer outro meio, eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia, gravação ou qualquer
tipo de sistema de armazenamento e transmissão de informação, sem prévia autorização, por escrito.

Editora Corpo Texto

Revisão, projeto gráfico e conversão para e-Book:

Misael Batista do Nascimento. E-mail: misaelbn@me.com.

Capa:

Amanda Areias. E-mail: amandaareias@givemeflour.com.

DAVINO, Glaucia Eneida (Org.).

Alunos colaboradores, do programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie (segundo semestre de 2017):

Amanda Areias, mestranda.


Augusto Calefo dos Santos, mestrando.
Dângela Nunes Abiorana, doutoranda.
Eduardo Hofling Milani, professor do curso de Publicidade e Propaganda.
Júlia Machado Mussarelli, mestranda.
Lenize Villaça Cardoso, doutoranda.
Leticia Rocha Justino Sanches, mestranda.
Luciany Oliveira Ferraz, mestranda.
Marcia Maria Arco e Flexa F. da Costa, doutoranda.
Mariana Santos Brito, mestranda.
Marina Silva Tavares, mestranda.
Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro, mestrando.
Misael Batista do Nascimento, mestrando.
Mousar Casanova, mestrando.
Thiago Gregório Moreira Ferreira, mestrando.

HumaniDiversalidades: Projeto de humanidades digitais /

DAVINO, Glaucia Eneida. (Org.).

São Paulo: Editora Corpo Texto, 2017.

ISBN: 978-85-5702-005-4

1. Humanidades digitais 2. Cultura e tecnologia

3. Projeto transmídia I. Título

Sumário
MapMosaico 1
A gamificação como ferramenta potencializadora do aprendizado na educação a distância 1
As mulheres e o cinema 3
Autopercepção, usos e convivência com a tecnologia: Perfil de moradores de São Paulo que usam a internet hoje 4
Construindo uma galeria: Transformando a arte em uma experiência multiplataforma 8
Cracked Screen, a Snapchat Story: Audiovisual, metamixagem e orientação vertical das imagens na tela do seu celular 12
Cultura popular versus massiva: Arte ou lixo? 14
Experiência digital na educação 16
O livro digital: Elucubrações embrionárias de um leitor analógico 17
Humanidades digitais e o podcast: O rádio fragmentado e individual do século XXI 21
Transmídia storytelling: Possibilidades de narrativas expansíveis 23
O celular como meio de empoderamento do aluno no processo de aprendizagem 24
Podcasts 26

MapMosaico

A experiência de construir o que chamei de MapMosaico buscou um trabalho que pudesse agregar pessoas, contar histórias, e cruzar os universos que vivemos em um universo múltiplo no segundo semestre de
2017, dentro do tema e turma das Humanidades Digitais.
Convergir diversas formas de recontar diferentes histórias foi um exercício singular de apreender universos e sem nenhuma especial habilidade ou conhecimento, usar muitas ferramentas digitais gratuitas para
compor o trabalho que trouxesse informação sobre o grupo. Usando inicialmente o contato pelo Whatsapp para sensibilizar cada um, além do contato pessoal, encaminhei um formulário Google que podia ser
preenchido muito rapidamente. Neste, cada um se definia e se identificava de acordo com temáticas que mostrariam o que nos une e o que nos separa em Humanidades Digitais.
Temas, interesses, escolhas, idades, curso, orientador, desinteresses, cores, preferências, fotos e imagens. Estas temáticas estavam envolvidos na composição conceitual do trabalho que desejava encontrar pontos
de divergências e convergências nas diferentes histórias que compunham o MiniVerso da sala de aula. O desafio era reunir estas informações e histórias de forma a construir um mosaico que mapeasse as nuances,
as singulares.
O trabalho, o MapMosaico foi refeito inúmeras vezes para atender todas as respostas, convergir todas as informações e clarear o que cada um é e o que cada um faz dentro do todo.
Desta forma o produto desta história virtual e relacional é um Mapa em forma de Mosaico trazendo em palavras, sons e cores o que somos como grupo. Informações, histórias e imagens de Humanos Digitais
em 2017.
Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa.

O MapMosaico

A gamificação como ferramenta potencializadora do aprendizado na educação a distância

Augusto Calefo dos Santos1 e Leticia Rocha Justino Sanches.2

1 Augusto Calefo dos Santos. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Web Designer no Centro de Educação a Distância na Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP. E-mail: augustocalefo@gmail.com.
2 Leticia Rocha Justino Sanches. Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura na Universidade Presbiteriana Mackenzie. Designer Educacional no Centro de Educação a Distância na Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo/SP. E-mail: leticialrj@gmail.com.
Resumo

O surgimento de novas tecnologias propiciou à educação a distância diferentes estratégias para apresentação do conteúdo didático, incluindo o surgimento da gamificação. Este artigo tem o objetivo de explanar o
conceito de gamificação em interfaces web, por meio da conceituação da gamificação e tecnologia móbile, do design instrucional e o trabalho da equipe multidisciplinar em busca da experiência positiva do usuário
e da análise de um projeto que envolve as narrativas transmídias e gamificação nas interfaces.
Palavras-chave: Gamificação; educação a distância.

Introdução

No universo da educação a distância há um mito que afirma que ensinar on-line é algo simples e não exige esforço. Nesse mito, a educação a distância é reduzida a uma cópia fiel da sala de aula face a face. Algumas
tecnologias como a captura de vídeos e apresentações visuais elaboradas em softwares de criação facilitaram o trabalho do docente, permitindo o desenvolvimento de materiais e a postagem em ambientes virtuais
de aprendizagem. Porém, aqui cabe uma indagação: Podemos considerar que este modelo favorece experiências de aprendizagem de alta qualidade?
Transformar o modelo de ensino que acredita que a chave para o sucesso está no conteúdo para o foco na experiência do aluno é um grande desafio para as instituições que ofertam cursos na modalidade on-
line, mas ao assumir que esta mudança é positiva a instituição deve construir processos e procedimentos que permitam que a inovação aconteça. Novas tendências tecnológicas vêm sendo incorporadas no apoio
à aprendizagem, como é o caso da gamificação, que consiste na retirada de conceitos fundamentais dos jogos e aplicação em outros tipos de atividades (GAMIFICATION, INC, 2014). Contudo, o alcance de
resultados positivos por meio de estratégias gamificadas está atrelado ao planejamento dos processos educacionais.
De acordo com o Censo EAD.BR 2016 (ABED, 2016), atualmente existem 561.667 alunos regularmente matriculados em cursos totalmente a distância no Brasil, o número aumenta quando acrescenta-se
alunos que frequentam cursos semi-presenciais e cursos livres. Em termos de faixa etária há uma alta incidência de alunos nas faixas de 26 a 30 anos (29%) e 31 a 40 anos (37%). Ainda em 2016, a Pesquisa Games
Brasil que traça o perfil do gamer brasileiro (PESQUISA GAME BRASIL,2016), realizada pelas empresas Sioux, Blend e ESPM, apontou que a maioria dos gamers brasileiros tem entre 25 a 34 anos. Embora o
conceito de gamificação não seja um sinônimo para jogos educacionais, nota-se uma semelhança entre a faixa etária do público que busca um curso a distância e aqueles que utilizam os jogos como entretenimento.
A partir de tais comparações, o presente artigo pretende promover a discussão sobre a gamificação como tendência e estratégia para a educação a distância. O objetivo é refletir sobre a aplicação da gamificação em
interfaces web, abrindo caminhos para um universo de possibilidades virtuais. Com o desenvolvimento da tecnologia móbile, as interfaces podem ser ainda mais exploradas, juntamente com a gamificação pode-se
gerar maior engajamento e entretenimento, inovando a experiência e interação do usuário.

Gamificação e tecnologia móbile

Gamificação, originalmente do inglês (gamification) ganha com frequência um grande espaço, onde esse conjunto de técnicas e dinâmicas tem sido aplicado principalmente por game designers em diversas partes
do mundo em campos distintos, como saúde, educação, política, esportes, empresas, entre outros. O conceito de gamificação foi apresentado pela primeira vez em 2002 por Nick Pelling, um pesquisador e
programador britânico, mas o termo ganhou popularidade em 2012 em uma apresentação de TED de Jane McGonigal, conceituada game designer norte americana autora do livro “A realidade em jogo: Por que os
games nos tornam melhores e como eles podem mudar o mundo” (MCGONIGAL, 2012) considerado o livro referência da gamificação. O termo ganhou peso após o livro e apresentação da autora, e expandiu-se
mundialmente. No ambiente contemporâneo esse conjunto de dinâmicas da gamificação chegou ao Brasil por meio do fundador da Aennova, Sunami Chun, que trabalha com projetos de jogos no país há dez anos,
apontando uma falta de compreensão do conceito por parte da população, pois ela é vista como uma ação isolada, sem indícios de ser utilizada em outras áreas. O presente trabalho tem como proposta apresentar
em específico a importância da gamificação inserida nas interfaces web, abrindo caminhos para um universo de possibilidades virtuais. Com o desenvolvimento da tecnologia móbile as interfaces podem ser ainda
mais exploradas, juntamente com a gamificação pode-se gerar maior engajamento e entretenimento, inovando a experiência e interação do usuário.
Quando nos referimos a esse tipo de tecnologia, automaticamente entramos em um mundo de infinitas possibilidades. Para obter um maior entendimento nos ambientes onde a gamificação está presente, é
essencial um breve conceito sobre tecnologia móbile.
Tecnologia de informação móvel (móbile) tem como definição mais plausível, estar relacionada à portabilidade, ou seja, ser capaz de mover-se para qualquer lugar um dispositivo de tecnologia de informação
(KALAKOTA e ROBINSON, 2002). Além disso, a tecnologia móvel preserva também o conceito, segundo Weilenmann (2003), é criada para ser utilizada enquanto nos movimentamos, como por exemplo,
celulares, iPod, smartphones, tablets entre outros. Ao considerarmos os princípios já descritos, o termo (mobile) também pode se atrelar ao uso de dispositivos de TI (tecnologia da informação) e sem fio (Wireless)
podendo conectar-se a uma rede de internet ou por outro aparelho.
Atualmente esse tipo de tecnologia cresce de maneira expressiva e cerca de um terço da população mundial está conectada. As vendas de tablets e de smartphones crescem de maneira contínua e significante,
com expectativa de US$ 484 bilhões. No Brasil, a venda dessa tecnologia é umas das maiores comparadas a outros países, estima-se que existam dois bilhões de usuários de dispositivos móveis como Android, iOS
e Windows Phone (STARTUPI, 2015).

Design instrucional e a experiência do usuário

A implementação da gamificação como solução de aprendizagem está atrelada ao trabalho de uma equipe multidisciplinar. Nesta equipe o “designer instrucional trabalha em conjunto com profissionais das áreas
de design da informação e designer da hipermídia” (FILATRO, p. 105, 2008), garantindo que os objetivos de aprendizagem estejam presentes.
O processo de gamificação deve ocorrer por meio de etapas semelhantes ao processo de design instrucional de outras soluções educacionais:
Não há grande diferença nas etapas recomendadas: analisar o público-alvo; identificar os objetivos de aprendizagem; selecionar as melhores práticas e os especialistas em conteúdo; definir elementos centrais
do jogo, tais como a estrutura da narrativa; preparar um storyboard; fazer testes, revisões e validações; empacotar o produto final (FILATRO, p. 373, 2015)
O resultado deste processo deve ser um ambiente ou atividade gamificados que motive o aluno a atingir os seus objetivos. Filatro (2015) aponta alguns elementos que devem ser inclusos em soluções educacionais
gamificadas, como:
— Feedbacks: Funcionam como estímulo ao aluno, demonstrando que ele está fazendo a coisa certa ou orientando-o para o próximo passo. O ciclo de feedback é mais rápido do que o habitual em situações
escolares, normalmente o aluno receberia o feedback após realizar um bloco de atividades ou término do curso, mas nas soluções gamificadas o processo de feedback ocorre em tempo real.
— Níveis progressivos de dificuldades: Ao proporcionar diferentes níveis de dificuldades, o aluno é estimulado a chegar no limite de suas habilidades. As tarefas mais complexas também podem ser divididas
em unidades menores e, consequentemente, mais fáceis de serem superadas.
— Recompensas e ranqueamento: São utilizados para despertar o espírito competitivo. As recompensas podem ser atribuídas por meio de pontos, medalhas, emblemas, e demonstram visualmente o status das
vitórias alcançadas.
— Competição e desafios: A competição pode ser estimulada por meio de desafios que relacionem as atividades acadêmicas com situações-problemas reais. Assim, o aluno se sente motivado a tomar uma ação
e superar o problema.
— Narrativa de fundo: Assim como os desafios devem ser planejados com base em situações reais, a narrativa de fundo incorpora um contexto para a aprendizagem.
Além das questões pedagógicas atreladas ao desenvolvimento de soluções gamificadas é necessário que o planejamento considere as questões técnicas. Dentre as questões técnicas envolvidas neste processo, o
design de interface e o design de interação se apresentam como essenciais, já que todas as interações do aluno com as ferramentas e materiais didáticos se dá a partir da interação com a interface.
Para inserirmos a gamificação em uma interface de AVAs (ambientes virtuais de aprendizagem), é fundamental a compreensão de qual é a função dos User Experience Designer e Interaction Designer. A participação
da equipe multidisciplinar nesse momento é primordial, principalmente de programadores e designers focados na experiência e interação dos usuários.
O User Experience é um conceito holístico e interdisciplinar no qual existem questões específicas da experiência do usuário e elementos práticos. Portanto, produtos são desenhados para serem utilizados por
alguma pessoa (usuário) que terá uma experiência ao interagir com o produto, interface ou sistema. A experiência sendo ela positiva ou negativa, diz respeito da empatia da sua interação com a empresa, produto e
serviço, envolvendo sua publicidade, atendimento e facilidade que ele encontrará ao interagir com o produto (SAFFER, 2009).
A experiência de uso de um produto começa antes mesmo do primeiro contato direto. Já existe uma carga de conhecimento prévio, oriunda de todo o histórico do usuário com experiências anteriores
seja com produtos similares ou com as percepções de mundo de modo geral. Tal se confirma pelo fato de que formamos modelos mentais pela interpretação das ações percebidas e de sua estrutura visível
(NORMAN, 2006).
Design de Interação é a arte de facilitar ou fomentar interações entre humanos (ou seus agentes), mediadas por artefatos (produtos) e serviços. Ao falarmos de Design de Interação, estamos nos referindo a uma
das vertentes do UX que se define em resolver problemas. O esquema abaixo, traz essa ideia da sobreposição dos assuntos (SAFFER, 2009).

Intersecção entre User Experience Designer e Interaction Designer

Ao falarmos de Design de Interação estamos nos referindo às relações humanas, seja em uma comunicação de um a um, ou entre vários.
Assim como uma interface mal projetada pode impactar negativamente web sites com fins comerciais, o design de interface e o design de interação deve ser planejado na educação a distância com o objetivo de
criar experiências positivas aos alunos. Machado Junior (2008, p. 90) afirma que “do ponto de vista da interface gráfica, a abordagem centrada no usuário é que diferencia os AVAs interativos baseados na web dos
web sites comerciais, institucionais e portais da web”. O autor complementa afirmando que embora um AVA seja diferente de um web site, em aspectos de objetivos e programação, ambos compartilham a mesma
tecnologia de suporte na rede, dessa forma:
Quando são feitas considerações sobre a interface gráfica de um AVA, cuja operação e acesso efetuam-se pela World Wide Web, é preciso que se considerem aspectos de design visual aplicados em web sites
(2008, p. 90).
Essa articulação entre as áreas também ocorre na gamificação que vem sendo aplicada em web sites de diferentes áreas do conhecimento.
Você está em um site que tem como objetivo a leitura de notícias. Quando você lê a notícia, além de ganhar o conhecimento desse texto como qualquer outro, você vai ganhar um ponto e uma
mensagem que diz: você está mais informado agora! Após a leitura de 10 notícias você terá 10 pontos e outra mensagem aparece na tela juntamente com um emblema e um texto que diz: “O Atento
– Você sabe de tudo que está acontecendo no mundo”. O que isso gera em você? Muito provavelmente um sentimento de missão cumprida e de realização. Talvez um feedback claro de que agora está
mais informado sobre o assunto determinado ou até mesmo adquire vontade para ler ainda mais na esperança de ganhar mais pontos e reconhecimento pelas suas ações. Gostamos de ser reconhecidos,
recompensados e motivados a realizar qualquer tipo de ação; e é exatamente nesse ponto que a Gamificação começa a fazer sentido (LUCAS, 2015).

USER EXPERIENCE DESIGN

INFORMATION ARCHITECTURE
ARCHITECTURE

Content INDUSTRIAL
(Text, Video, DESIGN
Sound)
HUMAN
FACTORS

VISUAL
DESIGN
INTERACTION DESIGN

SOUND
DESIGN

HUMAN-COMPUTER
INTERACTION

FIGURA 1. Intersecção entre User Experience Designer e Interaction Designer. Fonte: http://www.kickerstudio.com/2008/12/the-disciplines-of-user-experience/

Diversas marcas, produtos e serviços têm utilizado interfaces gamificadas como estratégia para conquistar o seu público. Cada interface possui a sua particularidade como, por exemplo, o projeto de aplicativo
gamificado da Nike Plus (2015), que consiste em permitir ao usuário o monitoramento de suas corridas para o alcance de suas metas, estimulando a comparação e competição entre a rede de amigos, e o Foursquare
(2015) que foca na experiência do usuário ao fazer o check-in nos locais frequentados e ganho de pontuação por avaliação dos locais.

We choose the moon: Uma experiência de gamificação a partir de uma narrativa transmídia

As narrativas transmídia nos apresentam diversos conceitos fundamentais para seu entendimento que estão diretamente ligados ao mundo contemporâneo como, por exemplo a destemporalização, que pode ser
encontrada nas múltiplas telas de uso simultâneo nas redes sociais. O conceito de destotalização nos motiva a buscar explicações em fontes distintas como podemos averiguar em sites de busca. Já a desreferencialização
tem a noção de ser totalmente ligada aos conceitos de realidade virtual e ambientes virtuais (GOSCIOLA, 2014).
Com os princípios de destemporalização, destotalização e desreferencialização é interessante pensar no ideal da narrativa transmídia, onde cada meio midiático trabalha em sua melhor forma. Podemos
exemplificar essa narrativa quando uma história se inicia com um livro, logo em seguida é feito um filme e seu mundo pode ser explorado por meio de videogames, ou seja, a narrativa transmídia ultrapassa a história
sem sair de seu universo.
Crossmídia segue em um conceito distinto, muito utilizado em meio publicitário, onde a mesma história é repassada em diferentes plataformas, e a transmídia expande a história sem sair de seu universo
(GOSCIOLA, 2014).
É interessante refletir a gamificação com base nas narrativas transmídia, pois ela pode ser incorporada em diversas áreas distintas (educação, empresas, saúde, esporte, política) e para cada uma de suas vertentes
(dependendo de seus objetivos específicos) necessita de uma narrativa no universo do tema. Assim, a educação, gamificação e interatividade se relacionam, resolvendo problemas como a falta de engajamento,
motivação e entretenimento.
Uma experiência bem sucedida de aplicação da gamificação foi apresentada no projeto pioneiro “We choose the moon” (2009), que apresenta vários elementos dos games, tornando-o mais atrativo e imersivo. O
projeto recriou a missão em tempo real comemorando o aniversário de quarenta anos do Apollo 11, para que acompanhássemos todas as etapas, níveis, detalhes e procedimentos. A biblioteca e museu presidencial
John F. Kennedy disponibilizou o site gamificado da missão completa.
O site foi feito com o intuito de entreter e buscar outro tipo de experiência para uma maior absorção e aprendizado sobre a missão Apollo 11. O projeto não é somente um informativo ou um documento oficial
da missão, o site é a missão recriada completa, vista por todos os ângulos. Começando pelo ângulo do foguete, o site proporciona total autonomia ao usuário para orientar a câmera tendo uma melhor observação. Já
na parte inferior do site são apresentadas as informações da distância entre a terra e a lua, disponibilizando dados à medida que imergimos nos estágios seguintes da missão. O projeto é composto por onze estágios,
desde a saída do foguete do planeta até a sua chegada à lua, conforme avançamos os níveis, surgem muitas animações, vídeos, fotos e dados complementares da missão. A cada nova etapa avançada, podemos
visualizar a animação do foguete sendo lançado, escutando a transmissão do rádio informando a contagem regressiva do lançamento, observando no rodapé a apresentação da trajetória do foguete (WE CHOOSE
THE MOON, 2009). Após chegarmos à segunda etapa nos deparamos com mais informações, vídeos e fotos na galeria. Ao clicar em partes distintas da nave podemos ver o que acontece em sua parte interna e
externa, qual era o comportamento dos pilotos, e assim, sucessivamente, absorvemos as informações em uma apresentação gamificada, averiguando a missão completa em ângulos diferentes. Além de apresentar
informações completas sobre a missão, o site disponibiliza linhas de compartilhamento nas redes sociais. O projeto apresenta muitos conceitos da gamificação, trazendo uma abordagem eficaz de como engajar,
entreter e ensinar.
FIGURA 2. Apresentação do projeto “We choose the moon”. Fonte: http://www.wechoosethemoon.org/

A biblioteca e museu presidencial John F. Kennedy (2009) não desejou simplesmente comemorar os quarenta anos da missão Apollo 11, ela almejou que vivenciássemos aquele momento em um contexto geral, desde
a sua saída da órbita terrestre até seu pouso em território lunar, nos envolvendo de uma maneira totalmente diferente. O site deixa de ter o caráter informativo e passa a ser um projeto imersivo, onde o grau de interação
é alto, nos engajando e gerando uma experiência positiva que não deixa detalhes ou informações despercebidas. A todo momento, o projeto desperta a emoção e o protagonismo do usuário, tudo em uma interface
dinâmica e interativa (WE CHOOSE THE MOON, 2009).
Nota-se no projeto da missão o conceito híbrido de vertentes que a gamificação nos proporciona, que se define em buscar elementos e dinâmicas dos jogos e transportá-los para outras áreas de entretenimento,
que neste caso são as interfaces.
Ao olharmos atentamente para o projeto podemos observar que não se trata de uma interface comum, pois apresenta muito mais interatividade para o usuário como, por exemplo, os vídeos que são exibidos a
medida em que clicamos na tela para avançarmos o nível, além de recebermos as informações de uma forma totalmente inovadora.
Na relação entre usuário e conteúdo podemos averiguar que o projeto apresenta uma forma diferente de informar, contendo elementos da gamificação que faz com que o aprendizado sobre a trajetória do
homem até a lua passe a ser um aprendizado automático. Quando passamos os conteúdos de uma maneira diferente e engajadora aprendemos de uma maneira divertida e o esforço é quase imperceptível.
O projeto em todo seu conjunto apresenta feedbacks instantâneos aos usuários a medida que nos aprofundamos em sua interface como, por exemplo, as indicações da distância entre a terra e a lua, a numeração
das fases e o trajeto vivenciado do Apollo 11.
Diversos sentidos são despertados conforme o usuário se aprofunda no projeto, a mistura de vários elementos da gamificação faz com que o site proporcione uma experiência positiva em relação ao seu contexto.
Muitos podem ler inúmeros livros sobre a missão, porém nenhum deles trará a experiência de ter vivenciado a missão por outros ângulos, sentidos e formas.

Considerações finais

As mudanças rápidas e radicais nas tecnologias nos últimos anos mostram diferentes estratégias de ensino que podem ser incorporadas à educação a distância. Estas incluem blogs, jogos educacionais, redes sociais,
ambientes virtuais de aprendizagem e, objeto de estudo deste artigo, a gamificação.
Este estudo teve como enfoque apresentar a educadores, designers instrucionais e profissionais da área de design uma reflexão sobre o uso da gamificação na criação de interfaces mais interativas, engajadoras e
imersivas, proporcionando ao usuário uma experiência positiva em relação ao conteúdo apresentado.
Além de contribuir para que designers contemporâneos utilizem essas dinâmicas na criação de interfaces mais atrativas e imersivas, pretende-se quebrar o paradigma da máxima “colocar jogo aonde não tem
jogo”, e substituí-la pelo entendimento da gamificação como a retirada de elementos e mecanismos dos games e inserção em outras áreas de entretenimento, que no contexto do artigo, se refere as interfaces.
O projeto “We choose the Moon” ilustra uma possibilidade de interface gamificada, o site foi inteiramente planejado com dinâmicas da gamificação, juntamente com a organização e a arquitetura da informação,
proporcionando ao usuário uma experiência motivadora. O entendimento de que a gamificação dispõe de elementos que podem contribuir com o processo de ensino-aprendizagem ainda precisa ser difundido entre
profissionais da educação. Acredita-se que a falta de literatura nacional sobre o tema prejudique a sua entrada no mercado educacional, outras investigações se fazem necessárias para averiguar diferentes técnicas de
gamificação em instituições de ensino.

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ZICHERMANN, Gabe; CUNNINGHAM, Cristopher. Gamification by design. Sebastopol: O’Reilly, 2011.

As mulheres e o cinema (Women and the cinema)

Júlia Machado Mussarelli3 e Mariana Santos Brito.4

Resumo

A construção de gênero dentro da sociedade constantemente desfavorece o feminino, colocando-o em lugar subalterno em diversos setores como profissional ou cultural. Em termos de representação, essa questão
toma uma proporção ainda mais alarmante quando não se limita a retratar a mulher de forma inferiorizada, mas torna-se máquina de reprodução desse fenômeno social, legitimando-o. Dessa forma, o cinema,
veículo midiático revolucionário, tem desempenhado esse papel ao retratar personagens femininas. Não é raro encontrar mulheres fortemente sexualizadas, que pouco acrescentam ao enredo das histórias em
termos intelectuais. Quando as personagens são intelectuais, são pouco atraentes e precisam passar por transformações estéticas a fim de alcançarem seus finais felizes. Personagens femininas fortes, por sua vez, são
consideradas de personalidade difícil, e precisam ter seus gênios “apaziguados” até o fim do filme. No caso da representação da cientista a estereotipia também se perpetua já que, normalmente, a presença feminina
se restringe a assistente ou secretária que ajudará o homem. A inteligência feminina também poderá ser sexualizada ou vilanizada, já que a personagem tem objetivos que vão contra os do protagonista masculino, ou
precisa seduzi-lo para atingir os seus próprios. Dessa forma, a proposta do presente trabalho foi verificar a maneira como as mulheres são retratadas no cinema, inclusive como cientistas, e como mulheres cineastas
trabalham suas imagens. O texto foi dividido em dois grandes blocos: a representação feminina no cinema, enfocando o trabalho da diretora Sofia Coppola. O segundo bloco contextualiza a caracterização feminina
da cientista no cinema, discorrendo também sobre a própria caracterização do profissional cientista e do fazer ciência na mídia. A exemplificação dos sintomas foi feita a partir do filme Indiana Jones e a Última
Cruzada (Steven Spielberg, 1989) com a personagem Elsa Schneider, vivida pela atriz Alison Doody. A conclusão é de que a caracterização feminina no cinema é a reprodução de estereótipos sociais atrelados ao que
seria ser mulher, preconizando assim a constante desigualdade de gêneros. Portanto, quanto antes as personagens forem melhor desenvolvidas, antes o ciclo passa a ser interrompido, potencialização representações
femininas que possam inspirar mulheres, tornando a sociedade menos desigual.
Palavras-chave: Mulheres; cinema; ciência.

Abstract

The construction of gender in our society constantly disadvantages the feminine, placing it in a subaltern place in various sectors such as professional or cultural. In terms of representation, this issue takes on an
even more alarming proportion when it is not limited to portraying women in an inferior way, but becomes a machine for the reproduction of this social phenomenon, legitimizing it. In this way, the cinema,
revolutionary media vehicle, has played this role when portraying female characters. It is not uncommon to find strongly sexualized women, who add little to the storyline in intellectual terms. When the characters
are intellectual, they are unattractive and need to undergo aesthetic transformations to reach their happy endings. Strong female characters, on the other hand, are considered of difficult personality, and must
have their geniuses “appeased” until the end of the film. When the character is a scientist, the stereotypy also perpetuates itself, since, normally, the feminine presence is restricted to an assistant or secretary who
will help the man. Female intelligence can also be sexualized or villainized, since the character has goals that go against those of the male protagonist, or need to seduce him to achieve whatever she needs. Thus,
the proposal of the present work was to select sections of films with female characters, including movies with scientists, verifying the way these women are portrayed. The text was divided in two large pieces: the
first one is about the representation of women in the cinema, focusing in the work of Sofia Coppola. The second block contextualizes the feminine characterization of the scientist in the cinema, also discussing
the characterization of the professional scientist and doing science in the media. The exemplification of the symptoms was made from the film Indiana Jones and the Last Crusade (Steven Spielberg, 1989) with
the character Elsa Schneider, lived by the actress Alison Doody. The conclusion is that the female characterization in the cinema is the reproduction of social stereotypes linked to what it a woman should be, thus
advocating constant gender inequality. Therefore, the sooner the characters are better developed, the cycle is interrupted, ensuring the empowerment of women, making society less unequal.
Keywords: Women; cinema; science.

Introdução

A imagem da mulher está mudando cada vez mais conforme os reajustes da sociedade. Com a obra pioneira do movimento feminista O Segundo Sexo, escrito pela francesa Simone de Beauvoir, em 1949, as origens
culturais da desigualdade entre os sexos começaram a ter questionamentos fundamentais para que a mulher pudesse ocupar seu espaço tanto no meio social, quanto no meio econômico, político e cultural. A frase
de sua autoria “Não se nasce mulher, torna-se mulher”, tornou-se fundamental para que a sociedade pudesse compreender de maneira clara “mais” os aspectos defendidos e questionados por Beauvoir.
A partir da década de 60, quando ocorreu a segunda onda feminista, padrões culturais e sociológicos começaram a ser quebrados. A mulher começou a desempenhar o seu papel na área trabalhista, inclusive
artisticamente, onde questionamentos a respeito da existência de mulheres na História da Arte e o preconceito que artistas mulheres sofriam diante da sociedade eram assuntos que tinham a necessidade de ser
discutidos e investigados. Dessa forma, o movimento feminista foi ganhando força, e inúmeras artistas se empenharam para que os estereótipos impostos à imagem da mulher pudessem ser vistos de uma forma
mais crítica, para que pudessem ter a liberdade de desconstruir o imaginário imposto pela cultura patriarcal e examinar as raízes culturais responsáveis pelas desigualdades. Devido a esse apoio, surgiu um novo
grupo de artistas, que enfrentando tais dificuldades tiveram a assunção de seu papel como elemento transformador de sua realidade social, apresentaram uma voz ativa e passaram a desenvolver uma arte mais livre
e conceitual, abordando reflexões sobre a mulher e assuntos feministas em diferentes áreas visuais — na pintura, na fotografia e no cinema. Com essa revolução, os códigos de linguagem também mudaram e sua
intervenção de ideologia construída a partir de critérios preestabelecidos da teoria de consumo e da cultura também começaram a ser questionados.
Contudo, a imagem popular da mulher sempre foi alvo e símbolo da delicadeza, da sensualidade, da fertilidade e da maternidade. Até mesmo no cinema ela obteve sua construção simbológica enraizada em
tais aspectos citados. Foi constituída através de diferentes mudanças desde o período pré-histórico, passando pela mitologia grega, e mudanças históricas do papel da mulher no meio social até a sua independência
e quebra de estereótipos da beleza.
No cinema clássico americano hollywoodiano, a onda feminista influenciou na mudança de narrativa dos filmes. Apontou o preconceito nos roteiros que revelavam mulheres apenas como objetos do voyeurismo
masculino.
3 Júlia Machado Mussarelli. Publicitária formada pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, pós graduada em Fotografia e Audiovisual tambem pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e estudante de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da mesma
instituição com ênfase em cinema e gênero. E-mail: juliamussarelli@gmail.com.
4 Mariana Santos Brito. Professora da rede pública, formada em Ciências Biológicas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, e estudante de mestrado no Programa de Pós-Graduação em Educação, Arte e História da Cultura da mesma instituição. Estuda principalmente as áreas de formação de
professores e ensino de ciências e biologia dentro das perspectivas do estudo da mulher e da teoria da Biologia do Conhecer. E-mail: mari.s.brito@hotmail.com.
A partir da década de 70, com a ajuda de Marc Ferro e outros historiadores, o cinema passou a ser reconhecido como uma fonte de análise histórica. Ferro aponta que por um filme ser constituído de diferentes
tipos de linguagens (escrita, sonora e visual) ele é decodificado de uma maneira ampla e de fácil acesso para o historiador. Assim, um filme pode proporcionar uma identificação de diferentes elementos relacionais
e geracionais, revelar valores ideológicos e apresentar aspectos da sociedade conforme seu contexto histórico.
Neste período, mulheres cineastas passaram a ter visibilidade e muitas que foram surgindo no ramo cinematográfico puderam explorar, reformar e representar de uma maneira mais realista e profunda a imagem
da mulher.

Cinema e mulher

A tecnologia tem sido presente no cotidiano da sociedade, seja em um novo aparelho de celular ou em um eletrodoméstico, ela sempre foi uma novidade almejada por demonstrar criatividade e inovação na vida
de todos.
Conhecida por sua capacidade de evoluir a história da civilização, a tecnologia colaborou para a expansão de inúmeras áreas de trabalho. Uma dessas áreas que avançou graças às novas tecnologias, foi a área
cinematográfica, que de simples cabines de projeções se transformaram em grandes salas de cinema e que de pequenas produções progrediram para longas-metragens excepcionais e conhecidas mundialmente.
Com toda essa evolução e globalização do cinema, alguns valores tradicionais começaram a ser questionados, e assuntos que muitas vezes eram encobertos pela mídia, passaram a ser discutidos e mostrados em
vários enredos de filmes.
Englobado nas Humanidades, o Cinema tem sido alvo de grandes pesquisas, bem como de análises psicológicas e semióticas de personagens que mostram e criticam esses valores tradicionais que foram tantos
enraizados pela cultura machista hollywoodiana.
As mulheres cineastas passaram a ter visibilidade a partir de 1970 e muitas puderam explorar, reformar e representar de uma maneira sob o olhar feminino a imagem da mulher. Dentre todas as cineastas
contemporâneas, Sofia Coppola tem se destacado por trabalhar com construções de protagonistas femininas.
Sofia Coppola, iniciou sua carreira como atriz na trilogia de O Poderoso Chefão (Francis Coppola, 1972) dirigida por seu pai Francis Ford Coppola. Criticada por suas atuações, Sofia desistiu da carreira de atriz
e decidiu engrenar no ramo de direção, trazendo como diferencial seus enredos que sempre mostraram com sensibilidade o interior feminino em suas protagonistas.
Seu último destaque foi o remake do filme dos anos 70 O Estranho Que Nós Amamos, dirigido por Don Siegel e protagonizado por Clint Eastwood. Com aspectos um tanto quanto machistas, o longa que se
passa em meio à Guerra Civil americana obteve sua história reestruturada pela visão de Coppola, que decidiu ser fiel ao livro (material original que inspirou o filme) e mostrou mais uma vez a visão feminina de
todo o enredo. Sua sensibilidade lhe rendeu a honra de ser a segunda mulher diretora na história do cinema a receber o prêmio de melhor direção em Cannes.
É interessante afirmar que ao analisar as personagens desse filme, é viável entender que Sofia Coppola não buscou retratar apenas a sua visão como mulher, mas também apresentou para o público um olhar
feminino diante da situação ocorrida, oferecendo uma análise do filme como documento histórico.
Ao analisar o Cinema como documento histórico, o estudo de gênero e a semiótica das personagens femininas do último filme lançado pela diretora, é notável a importância da evolução tecnológica.
Dessa forma, as Humanidades Digitais podem proporcionar discussões a respeito de preconceitos da indústria cinematográfica com mulheres na direção além de personagens femininas que passaram
de simples objetos de voyeurismo masculino através da evolução midiática e de novas tecnologias, podendo usá-la como meio de divulgação e de observação para que se quebrem tais padrões criados
pela cultura machista.
Deste modo, compreende-se que:
Estes efeitos gravitam ao redor de dois fenômenos: o ocultamento do trabalho que converte a realidade dentro da representação cinematográfica e a construção de um sujeito transcendental que
serve como um apoio à audiência (CASSETI, 1999, p. 194).

A cientista e o cinema

A desigualdade entre os sexos é reforçada por uma construção histórica que coloca a mulher em posição subalterna (MENDONÇA; ROCQUE, 2016). De fato, meninas de seis anos já começam a achar que são menos
inteligentes que meninos da mesma idade, o que representaria um grande déficit em suas autoestimas, e também o desestímulo a procurarem áreas consideradas “difíceis” como a da ciência (BIAN; LESLIE; CIMPIAN,
2017).
Não é recente o entendimento que o papel feminino deveria incluir papéis com menor valor intelectual — isso já era distinto no século XIX na França quando homens considerados afeminados deveriam
desempenhar papéis domésticos, assim como as mulheres da época (SCOTT, 1991). Assim sendo, um trabalho tão dependente de um intelecto considerado superior, como o do cientista, era restrito ao homem.
Essa situação só pôde ser alterada na metade do século XX, com o crescimento de movimentos de luta feminina, além da própria necessidade de mão de obra em áreas especializadas no pós-guerra (LETA, 2003).
Mesmo assim, já no século XXI, a construção científica ainda é dominada pelo androcentrismo limitante e desencorajador. A visão do homem no centro tem origem na própria formação da comunidade
científica que, desde sua origem, rejeita a participação feminina, e, portanto, estabelece em suas bases a discriminação de gênero, mesmo que de forma velada. Dessa forma, quanto mais alto o posto acadêmico,
menor é a participação feminina uma vez que os cargos dos grandes pensadores ainda são destinados preferencialmente a homens (LETA, 2003). Esse fenômeno recebe o nome de teto de vidro ou cristal, expressão
que indica a impossibilidade de ascensão de mulheres a postos de destaque já que elas são “barradas” pelo teto social (LIMA, 2008).
Como causas da pequena participação feminina nas ciências já se cogitaram motivos como: diferenças biológicas entre homens e mulheres que as incapacitariam de entender conceitos sofisticados; priorização do
casamento e maternidade; e a prevalência de comportamentos socialmente ditos como masculinos e femininos na escolha das carreiras profissionais (LETA, 2003). Contudo, a própria veiculação do que é ciência na
mídia é caracterizada por um cientista, ou seja, um homem, trajando o indefectível jaleco, fazendo inúmeras misturas coloridas e, geralmente, caracterizado como louco (SILVA; RIBEIRO, 2012).
Essa estereotipia poderia, portanto, distanciar, de forma passiva as pretensões de crianças, meninos e meninas, por não se identificarem com a característica da loucura e, no último caso, com o sexo do personagem
representado. Diversos personagens poderiam ser citados aqui como Franjinha, personagem da turma da Mônica, Dexter e Jimmy Neutron, ambos protagonistas masculinos de desenhos animados considerados meninos
geniais.
O mesmo processo se repete com a representação da mulher cientista no cinema. Como discutido anteriormente, a veiculação da imagem da mulher tende a ser bastante estereotipada. O filme, suas imagens
e suas informações são interpretadas pelo espectador a partir do contexto que ele possui. Se o espectador não tem discernimento sobre o que está sendo veiculado, a representação midiática passará a ser uma
representação do real para o indivíduo (SILVA; CUNHA, 2017). Dessa forma, afloram as estereotipias quanto ao feminino na ciência retratado pelo cinema.
O primeiro ponto a ser discutido sobre a cientista no cinema é que, muitas vezes, ela não está lá. De fato, quando o filme traz a explicação científica ela é normalmente apresentada por um homem, trazendo
a noção da invisibilidade feminina. Esse é o caso do filme O Inventor da Mocidade, no qual o protagonista é um cientista. Também é revelado outra nuance da participação feminina: mesmo que a mulher tenha o
intelecto, ela será uma ajudante do protagonista masculino. É o caso da esposa retratada no filme que ajuda o marido a solucionar o enredo, mas não passa disso: a ajudante. Nesse caso, a ajudante também poderá
reforçar estereótipos femininos como os bons costumes que uma mulher respeitável deve ter, o que poderia afastar ainda mais a representatividade do intelecto feminino na mídia.
Há também a presença da mulher sexualizada e erotizada no papel intelectual, como no caso do filme: Indiana Jones e a Última Cruzada (Steven Spielberg, 1989). Nele, a personagem feminina, seja uma cientista
de contexto fortemente intelectual, recorre a sedução dos protagonistas masculinos para atingir seus objetivos. Esse mesmo papel se repete na franquia com Indiana Jones e a Caveira de Cristal (Steven Spielberg,
2008), no qual, novamente, a cientista é sexualizada e mais, vilanizada. Sua participação no filme é como antagonista altamente intelectual, não projetando simpatia ao espectador.
Ao representar a mulher dessa forma, as estereotipias de gênero são reforçadas a todos os que assistem, incluindo meninas que terão essas imagens como sugestões de comportamentos socialmente aceitáveis. Seria
muito difícil pensar que uma menina poderia ser atraída a pensar nas ciências como uma possibilidade de carreira se a própria mídia tende a afastá-la. Mesmo que existam cada vez mais representações favoráveis,
como a protagonista do filme Alien, O Oitavo Passageiro (Ridley Scott, 1979) ou as protagonistas do filme Estrelas Além do Tempo, a mídia ainda explora a rotulação do feminino fraco e estereotipado (SIGNORELLI,
1997). E é dessa forma que a desigualdade de gêneros se replica como construção histórica.

Considerações finais

A partir do trabalho desenvolvido ficou evidente que a imagem da mulher está em processo de transformação, principalmente no cinema com a presença de diretoras mulheres que desmitificam suas imagens, e
mostram outras facetas femininas.
Vale destacar que o cinema é um documento histórico e, portanto, capta a imagem em determinados contextos:
As representações do passado que aparecem nos filmes estão relacionadas com o período em que este foi produzido [...] todo filme é uma representação de uma época, portanto é dotado de um discurso
sobre a mesma e, como tal, está imbuído de subjetividade (FERRO, 1989, p. 137).
Nesse sentido, pensando nas questões de gênero, quando o contexto social feminino se altera, sua reprodução também se modificará, portanto. É nesta fase que acreditamos que a mulher se encontra no cinema:
deixando o papel estereotipado e agregando cada vez mais valor aos personagens femininos.
No campo da ciência, notamos esse processo também uma vez que já encontramos protagonistas femininas que são lembradas pelo seu intelecto, transpassando os papeis mais secundários. Claramente, porém,
ainda existem estereotipias e contrastes entre as representações masculinas e femininas. A continuidade do processo de transformação imagética será imprescindível para uma melhor compreensão das personagens
femininas nas telas de cinema.

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Autopercepção, usos e convivência com a tecnologia: Perfil de moradores de São Paulo que usam a internet hoje
(Auto perception, uses and coexistence with technology: Profile of residents of São Paulo using the internet today)

Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa.5

Resumo

Este artigo se propôs a analisar um perfil amostral e aleatório de moradores de São Paulo que usam a internet para saber como se percebem e vivem diante da tecnologia. O ser humano parece mais dependente da
tecnologia, embora esta ideia seja desconfortável e até ameaçadora para a espécie humana. Com a finalidade de verificar esta percepção, o artigo ganhou forma e dados. Esta análise baseou-se em um questionário
virtual, lançado aleatoriamente via mídias sociais, realizado em outubro de 2017. O resultado mais relevante é que 60,7% das pessoas se consideram dependentes da tecnologia. Este resultado corrobora com
a questão principal deste artigo, que consiste em verificar, na prática da pesquisa qualitativa, uma discussão teórica acerca da filosofia da tecnologia no que tange à dependência da tecnologia ou independência
humano-tecnológica. O resultado indicou que a vasta maioria dos entrevistados é usuário de tecnologia e não produtor, outro dado muitíssimo relevante para esta reflexão. Aprofundar o conhecimento desta relação
mostrou-se importante para preparar as pessoas para um mundo invariavelmente mais tecnológico e humano-digital. Desenvolver maior consciência crítica e autopercepção pode ser um caminho para proposições
factíveis e realistas de estratégias educativas para criação, convivência e atualização tecnológica de educadores e educandos visando à formação de um país mais preparado para os anos que virão.
Palavras-chave: Humanidades digitais; educação; tendências tecnológicas.

Abstract

This article aims to analyze a sample and random profile of residents of São Paulo who use the internet to know how they perceive themselves and live in front of technology. The human being seems more dependent
on technology, although this idea is uncomfortable and even threatening to the human species. In order to verify this perception, the article gained form and data. This analysis was based on a virtual questionnaire,
launched randomly via social media, conducted in October 2017. The most relevant result is that 60.7% of people consider themselves technology-dependent. This result corroborates with the main question of this
article, which consists in verifying, in the practice of qualitative research, a theoretical discussion about the philosophy of technology in relation to technology dependence or human-technological independence.
The result indicated that the vast majority of respondents are technology users and not producers, another data very relevant for this reflection. Deepening the knowledge of this relationship has proved important in
preparing people for an invariably more technological and human-digital world. Developing greater critical awareness and self-perception can be a way for feasible and realistic propositions of educational strategies
for the creation, coexistence and technological updating of educators and students aiming at the formation of a country more prepared for the years to come.
Keywords: Digital humanities; education; technological trends.

Introdução

Este artigo se propôs a analisar o perfil amostral de moradores de São Paulo que usam a internet para refletir sobre a autopercepção, o uso e a convivência destes moradores com a tecnologia. Esta análise, feita com
base em um questionário virtual, lançado via mídias sociais e realizado em outubro de 2017, apoiou a reflexão acerca da maneira como o morador de uma metrópole se percebe diante da tecnologia e como se
relaciona com esta. Este artigo ganhou relevância à medida que a discussão sobre a dominação, autonomia, convivência e crítica tecnológica trabalhadas nos textos de teorias da filosofia da tecnologia como os de
Andrew Feenberg trouxeram discussões inquietantes e posições diferentes em relação ao tema. Segue um trecho importante do artigo que situa esta reflexão e pesquisa quantitativa:
5 Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa. Psicóloga, professora, especialista educação, recursos humanos e comunicação. Mestre em Educação e doutoranda pelo Programa de Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: marcia-flexa@gmail.com.
Como se pode ver, a tecnologia está definida aqui ao longo de dois eixos que refletem sua relação aos valores e aos poderes humanos. O eixo vertical oferece duas alternativas, ou a tecnologia é neutra de valor,
como assumido pelo Iluminismo, ou está carregada de valor, como os gregos acreditavam, e, como veremos, como alguns filósofos da tecnologia ainda hoje acreditam. A escolha não é óbvia. De uma perspectiva,
um dispositivo técnico é simplesmente uma concatenação de mecanismos causais. Não há qualquer quantidade de estudos científicos que possa encontrar nele algum propósito. Mas, para outro ponto de vista,
isso não chega ao ponto essencial. Afinal de contas, nenhum estudo científico achará em uma nota de 1.000 yens o que a transforma em dinheiro. Nem tudo é uma propriedade física ou química da matéria.
Talvez as tecnologias, como as notas do banco, tenham um modo especial de conter o valor nelas mesmas como entidades sociais (FEENBERG, 2003, p. 6).
Concordar, discordar e posicionar-se pareceu muito complexo e até desconfortante diante da realidade “conectada” em que todos vivem nesta amostra. Através da pesquisa de campo, a discussão ganhou corpo e
atualidade nos dados obtidos. Conhecer o perfil amostral do morador paulistano, por meio de um questionário, e explorar a noção de convivência desta população com a tecnologia mostrou-se um caminho viável
para reforçar essa discussão filosófica tão pertinente e norteadora, iniciada por autores relevantes citados nos trabalhos referentes à filosofia da tecnologia, aquecendo, portanto, a discussão do que é possível fazer
para preparar educadores e educandos para a realidade altamente tecnológica imaginada para os próximos anos.
O crescimento exponencial da tecnologia traz a ideia de onipresença e um sentimento comum de sedução por parte de quem usufrui da tecnologia vendida diariamente para facilitar a vida humana. Esta relação
precisa ser mais madura, menos comercial e, sobretudo, percebida, para que, sendo reconhecida, seja compreendida produtivamente. Portanto, para alcançar metas mais audaciosas no futuro, como “educar para
performar”, conhecer o perfil do morador de São Paulo revela-se imprescindível. A partir desta percepção, propor estratégias educativas capazes de aumentarem repertórios neste sentido e educar as pessoas para que
sejam mais atuantes e melhor preparadas para viver em uma metrópole expoente e em desenvolvimento tecnológico constante é uma premissa relevante para a formação do educando e do educador.

Fundamentação teórica

A convivência com tecnologia sempre impactou a história e a sociedade, seja negativamente em guerras, por exemplo, ou positivamente, auxiliando o ser humano a executar suas tarefas como extensão de seu corpo.
A tecnologia impõe seus efeitos sobre o comportamento, o mercado, a educação, as relações entre tantos outros espaços. Explorar esta experiência entre tecnologia e sociedade é relevante, inquietante e dinâmico.
Tudo se conecta diretamente com a forma como vivemos e percebemos a tecnologia, sua extensão e nossa relação com esta. Por uma questão didática, enumeram-se a seguir aspectos que corroboram
com a finalidade de se conhecer a relação com a tecnologia, evidenciando a atualidade e a capacidade transformadora do tema, além, é claro, a proximidade com o cotidiano das pessoas.
A multidisciplinaridade de áreas e temas envolvidos com a tecnologia engloba sociedade, educação, empregabilidade, cultura, história da tecnologia e da sociedade, política e poder; passado, presente
e futuro, o cotidiano; as relações interpessoais nas esferas pública e privada; nos níveis pessoal, profissional e acadêmico, entre outras, são muitas das categorias imbricadas nestas reflexões tecnosociais.

Dilemas éticos significativos renovam-se a cada dia nesta temática. Satélites de vigilância mundial on-line e real-time já existem e podem gravar tudo e todos no mundo inteiro. As chamadas wearable technologies,
isto é, as tecnologias que vestimos já oferecem camisetas dryfit para diminuir a sensação de suor e também lentes de contato que monitoram os níveis de açúcar no sangue e, instantaneamente, enviam esta informação
para agentes de saúde que acompanham a distância um paciente com diabetes. Por outro lado, esta tecnologia pretender gravar e fotografar o comportamento e atitudes de empregados de uma empresa para
controlar ações e, desse modo, punir ou recompensar quem estiver dentro ou fora do padrão esperado. Em que medida isto é bom ou assustador? (BIOSCIENCE TECHONOLOGY, 2014).
São muitos os autores e produtores de conteúdo que tem relevância mundial e mercadológica sob o tema da tecnologia e do futuro atualmente. Pessoas como Ray Kurzweil, autor de The Singularity is Near
(2005) e engenheiro chefe na Google, ou Peter Diamandis e Steven Kotler, autores de Abundância (2012) e donos de inúmeras patentes, Michio Kaku, o escritor de O Futuro da Mente de 2015, ou Homo Deus
(2016) escrito por Yuval Noah Harari, o Inevitável (2017) de Kevin Kelly ou Ellon Musk, dono de diversas marcas, entre elas a Tesla que desenvolve hoje supercarros e passeios aeroespaciais e também. José Luiz
Cordeiro, um empresário de instituições relevantes, como MIT, ONU, NASA, Google, traz para a discussão uma tecnologia que, segundo ele, evitará o envelhecimento e até a morte (the death of death). Autor,
empresário da tecnologia e professor, ele descreve um mundo onde a inteligência artificial poderá ler a mente humana e afirma que nos próximos vinte anos haverá mais mudanças na tecnologia e no mundo do que
nos últimos dois mil anos. De acordo com o referido autor, e as instituições que ele representa, viveremos cada vez mais uma era da “MINDfatura” (fazer com a mente), e não da MANUfatura (fazer com as mãos).
Para Cordeiro, em 2020, o mundo todo estará conectado e, em breve, segundo ele, até a telepatia já será uma realidade mais desenvolvida do que é hoje, uma vez ser possível não só comprar equipamentos de
telepatia por cem dólares (comunicação Brain to Brain), bem como colonizar o espaço com tecnologia acessível e em real time. Para conferir estas informações, cabe conferir os vídeos El futuro de la tecnología y la
tecnología del futuro; Os grandes impactos da tecnologia no futuro;6 The birth of the abundance economy e Global challenges for humanity.7

Segundo José Luiz Cordeiro e as instituições que ele representa, viveremos cada vez mais uma era da “MINDfatura” (fazer com a mente), e não da MANUfatura (fazer com as mãos). Vamos decidir que tipo
de filhos queremos ter com uma tecnologia cada vez mais barata, rápida e acessível. Para ele, em 2020 o mundo todo estará conectado e em breve a telepatia já será uma realidade muito mais desenvolvida do que
é hoje, uma vez que já é possível comprar equipamentos de telepatia por 100 dólares (comunicação Brain to Brain) e ainda colonizaremos o espaço com tecnologia acessível e em real time. Conferir os vídeos El
futuro de la tecnología y la tecnología del futuro; Os grandes impactos da tecnologia no futuro, acesso em 22 de maio de 2017; The birth of the abundance economy e Global challenges for humanity, vistos em 22 de maio
de 2017. Já existem viagens para a Lua e projetos de colonização de Marte para 2018 e 2015 (PERRY, 2014).
A diferença, o distanciamento entre as pessoas, o desemprego, a criação de novas ocupações, a educação para as novas tecnologias, as novas configurações de poder e as mudanças no cenário social também
tornam esta compreensão importante para a vida e as relações. O fim da morte predito por Ray Kurzwel, os carros automáticos que dispensam o motorista de Ellon Musk, as viagens espaciais de Ricard Branson;
os robôs androides do Japão; os aplicativos de inteligência artificial da Google, todos os recursos de machine learning (máquinas que aprendem); a preocupação com a espiritualidade dos robôs de Kevin, Kelly e
tantas outras questões vão invadir a realidade, o cotidiano e a normalidade da vida das pessoas no mundo inteiro. A construção de moradias 3D é algo real e atual que pode mudar o mercado deste setor, além de
trazer moradias mais dignas para um número cada vez maior de pessoas.8
Tecnologias de brain merge como as já desenvolvidas por Ellon Musk em sua empresa Neuralink que pretende potencializar o ser humano, tornando-o mais híbrido, desenvolvendo e aumentando suas
capacidades humanas a um nível de alto desempenho graças a dispositivos tecnológicos e robóticos, defendendo, portanto, a tese de que hoje já vivemos assim, e que, portanto transformar os dois em um só seria
apenas potencializar o homem, deixando-o com uma camada cerebral a mais, além do córtex e sistema límbico (HOUSER, 2017). Esta convivência e a compreensão do que dela resulta são uma das muitas questões
que poderão aumentar ainda mais as diferenças entre os detentores da tecnologia, os usuários da tecnologia e os que não estão inseridos no desenvolvimento e uso da tecnologia, entre os letrados e os iletrados
tecnologicamente.
A rapidez exponencial da mudança. A velocidade em que o planeta gira tem crescido drasticamente nos últimos anos. Alguns já chamam estes tempos de “a era exponencial” tal é a celeridade com que as mudanças
ocorrem e as evoluções acontecem. Convém lembrar que o telefone levou 75 anos para chegar a 50 milhões de pessoas, o rádio, 38 anos, a televisão, 13, a internet, quatro, o iPhone (que completou dez anos no início
de 2017), apenas três e, mais recentemente, o Instagram, dois anos, o Angry Birds, 35 dias e o Pokémon GO, apenas 15 dias (KEVIN, 2017).

Materiais e métodos

Este artigo baseia-se em um questionário virtual, lançado via mídias sociais e realizado em outubro de 2017. Estes dados apoiam a reflexão acerca da maneira como o morador de uma metrópole se percebe diante
da tecnologia e como se relaciona com esta. A amostra de moradores da capital de São Paulo reúne pessoas nascidas em diferentes locais e todas se declararam usuárias regulares da internet, portanto o uso é real e
faz parte do dia a dia da amostra. Um dado bastante relevante assinala o alto percentual de utilização da internet (mais de sete horas), o que possivelmente denota uma mudança de comportamento, na medida em
que a internet está presente na vida das pessoas não apenas como um recurso pontual.
Além disso, a maioria dos pesquisados afirmou que não viveria bem sem internet. Muitos não souberam dizer se conseguem viver bem sem internet no âmbito da sua vida extra-trabalho. Já no escopo produtivo
do trabalho a relação com a internet se intensifica ainda mais, sendo bem alto o percentual dos que precisam da internet para trabalhar, sem a qual não produzem. Trata-se de um dado deveras significativo, pois a
relação trabalho-indivíduo é significante na constituição do sujeito; e este se percebe dependente da tecnologia para produzir, fato que o coloca em relação de aparente desvantagem produtiva, já que os sistemas se
engendram e se conectam pelas vias tecnodigitais, visto dependerem da internet, na sua maioria. Pode-se supor que o taxista precisa do GPS, o caminhoneiro do Waze, o musicista do instrumento ou do YouTube
para ser “visto” em larga escala. O jornalista para escrever e divulgar, o atleta para medir desempenho e assim por diante. Embora não se explore as profissões nesta pesquisa, pode ser outro tema para novas reflexões.
Identifica-se também que a amostra é de usuários-consumidores de tecnologias e mídias digitais, e não de pessoas que se declararam produtores de produtos ou serviços que usam mídias ou tecnologia digital e
internet. Esta é mais uma questão relevante, pois a amostra aleatória contempla cem por cento de pessoas conectadas à internet e, portanto, consumidoras, fãs, usuárias, mas que não se veem como produtoras reais
ou potenciais. No âmbito das humanidades digitais e das referências das narrativas transmídia, que embora sejamos conectivos e convergentes, não somos um mercado transmídia de fato, pois não necessariamente
adicionamos ou produzimos nada novo, apenas usamos ou espalhamos o já existente (JENKINS, 2011).
Por intermédio do questionário, procurou-se relacionar a tecnologia ao dia a dia das pessoas e não apenas ao uso da internet ou de tecnologias exclusivamente digitais. Assim, listou-se o uso de aparelhos de
uso doméstico, além do celular, computador, cartão de banco e bilhete único. Esta questão parece ter auxiliado as pessoas a perceberem que a tecnologia encontra-se em muitos e diferentes lugares. O resultado
indicou uma alta incidência do uso destas tecnologias com diferentes escopos e em diferentes situações, além da digital ou conectada pela internet. A informação que mais se destaca na pesquisa refere-se à resposta
à inquietante questão acerca da autonomia tecnológica. A autodeclaração das pessoas de serem dependentes da tecnologia, uma vez que percebem suas vidas permeadas pela tecnologia e por artefatos tecnológicos.

Considerações finais

O questionário foi construído para propiciar uma reflexão acerca do uso da tecnologia na vida das pessoas. A medida que se analisou os usos da tecnologia, verificou-se a existência de muitas formas de utilizarmos
o artefato tecnológico e tentar escapar desta realidade é não querer perceber que a tecnologia está sim para ser usada pelo homem. Restam como resultado desta pesquisa três grandes inquietações para a autora do
artigo: Se percebemos que somos dependentes da tecnologia, como vimos neste questionário, em que medida ela está a serviço do homem ou o homem a serviço dela? A democratização e o uso crítico da tecnologia
nos permitirá ter domínio sobre ela? O que podemos fazer para educar o brasileiro de hoje para ser atuante num futuro próximo (2030)?
A relevância destas questões é parte das reflexões contínuas da tese de doutoramento da autora deste artigo. Na medida em que o ser humano não percebe que a tecnologia é feita para ele, por ele, nele e apesar
dele, o mundo segue seu curso e o ser humano segue vivendo sem saber muito ou sabendo cada vez menos sobre sua potencialidade e perspectivas, vantagens e ameaças deste mundo exponencial.
Um exemplo atual para ilustrar esta questão consiste em o novo lançamento do fone de ouvido da Google (Pixel Bud, 2017), que já faz a tradução simultânea de quarenta idiomas, descartando, portanto, o
treino e a aprendizagem de uma língua. Embora seja aparentemente um ganho tecnológico, uma vantagem emancipatória, traz suas consequências. Algumas delas são, por exemplo, a não aprendizagem da língua,
o menor exercício cerebral e, provavelmente, o desinteresse pela cultura de outro povo, afinal se para resolver um problema em outra língua basta apertar um botão, que interesse o ser humano teria em aprofundar-
se nesta relação? É verdade que muitos argumentarão que agora as fronteiras se dissipam, pois a língua deixa de ser uma barreira que impede a comunicação. Apesar de parecer uma enorme vantagem, trará perdas
relevantes, a médio e longo prazos.
Relatórios como o desenvolvido pelo Millenium Project (2017) mostra a importante inserção da tecnologia para a educação de 2030. Cita, por exemplo, a realidade virtual para aprender história;
a integração de filmes, jogos e música para integrar lazer e educação; o uso de imagens cerebrais para criar um vínculo direto entre o que aprender e as formas de aprendizagem; a tradução universal e
disponível para tornar o conteúdo do mundo todo acessível a qualquer indivíduo de qualquer nação; brainstorming ao vivo de qualquer parte do planeta com um auditório global para viabilizar a troca
e a colaboração mútua; simulações reais de questões sociais para facilitar a tomada de decisão e servir como norteador político; o uso de inteligência artificial; máquinas ou computadores com custo
inferior a cem dólares para democratização do material, entre tantos outros recursos, mostram-se como possibilidades para um mundo global, conectado, convergente e tecnológico, onde a informação
flui e o conhecimento é construído em conjunto.
Desta forma, quanto maior for a compreensão da realidade tecnológica das pessoas, possivelmente mais espaço será criado e percebido para evidenciar o potencial da tecnologia e os perigos desta. Pensar e
trabalhar o uso consciente, inteligente e emancipador de tudo que já está disponível é a forma do humano criador apropriar-se da tecnologia criação e preparar-se para tecnologias que se autoconstroem.
Como educadores, é preciso conhecer os diversos públicos, estar cientes das possibilidades, ter autonomia e conhecimento para levar adiante, inspirando, abrindo espaço e alertando para novos e possíveis alvos
que contribuam com o ser humano e seus muitos mundos.

Referências bibliográficas

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______. Futuros imaginários: Das máquinas pensantes à aldeia global. São Paulo: Peirópolis, 2009.
BENAKOUCHE, Tamara. Tecnologia é sociedade: Contra a noção de impacto tecnológico. Cadernos de pesquisa, n. 17, setembro de 1999. Disponível em: <http://files.dirppg.ct.utfpr.edu.br/ppgte/divulgacao/seminarios/
seminario_01_2012_resumo.pdf>. Acesso em: 2 maio 2017.
FEENBERG, Andrew. O que é filosofia da tecnologia? 2003. Disponível em: <https://www.sfu.ca/~andrewf/Feenberg_OQueEFilosofiaDaTecnologia.pdf>. Acesso em: 17 out. 2017.
FONE de ouvido do Google consegue fazer tradução simultânea. Folha de São Paulo digital, 4 out. 2017. Tec. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/tec/2017/10/1924306-fone-de-ouvido-do-google-consegue-fazer-
traducao-simultanea.shtml>. Acesso em 17 out. 2017.
HENRY JENKINS. Transmedia 202: Further reflections. 2001. Disponível em: <http://henryjenkins.org/blog/2011/08/defining_transmedia_further_re.html>. Acesso em 17 out. 2017.
HOUSER, Kristin. Here’s everything you need to know about elon musk’s human/ai brain merge. futurism. Disponível em: <https://futurism.com/heres-everything-you-need-to-know-about-elon-musks-humanai-brain-
merge/>. Acesso e 17 out. 2017.
PEREIRA, Murilo Fernando. Filosofia da tecnologia: princípios e problemas. Contemplação, n. 4, 2016. Disponível em: <http://fajopa.com/contemplacao/index.php/contemplacao/article/view/126/141>. Acesso em: 17 out.
2017.
THE MILLENIUM PROJECT. Education and learning possibilities by the year 2030. 2007. Disponível em: <http://107.22.164.43/millennium/Education-2030.html>. Acesso em: 17 out. 2017.

Anexos

Nasci na cidade de São Paulo? 122 respostas.


Sim Não

31%

69%

ANEXO 1. Nasci na cidade de São Paulo?

Moro na cidade de São Paulo? 122 respostas.

6 VIDEOS EDUCATIVOS. Os Grandes Impactos da Tecnologia no Futuro. Disponível em: <https://youtu.be/aKv8GZMtdHQ>. Acesso em: 22 mai. 2017.
7 SOUTH SUMMIT 2016. José Luis Cordeiro. The Birth of the Abundance Economy. Disponível em: <https://youtu.be/9JRBGWXRjvM>. Acesso em: 22 mai. 2017; Global Challenges for Humanity. Disponível em: <http://107.22.164.43/millennium/challeng.html>. Acesso em: 22 mai. 2017.
8 APIS COR. Disponível em: <http://apis-cor.com/en/>. Acesso em: [--] nov. 2017; ou MASSA CINZENTA. Tecnologia 3D Permite Construir Casa em 24 Horas. Disponível em: <http://www.cimentoitambe.com.br/3d-casa-em-24-horas/>. Acesso em: 30 mai. 2018.
Sim Não

100%

ANEXO 2. Moro na cidade de São Paulo?

Frequência de uso da internet. 122 respostas.


Diariamente Não
Uma vez por mês Não uso internet

100%

ANEXO 3. Frequência de uso da internet

Tempo diário na intranet. “Quanto tempo eu gasto na intranet por dia”. 122 respostas.
Mais de 7 horas
De 4 a 6 horas
Entre 3 e quatro horas
Entre 1 e 3 horas
Até uma hora
Não tenho ideia
Particular 1h no trabalho mais horas

1%
2%

2%

23%
20%

25% 28%

ANEXO 4. Tempo diário na intranet

Dependência da internet no celular ou computador. “Eu viveria sem internet no celular ou no computador”. 122 respostas.

Sim Não Não sei

17,2%
21,3%

62,5%

ANEXO 5. Dependência da internet no celular ou computador

Dependência no trabalho, da internet no celular ou computador. “Eu trabalharia bem sem internet no celular ou no computador”. 122 respostas.
Sim Não Não sei

9,8% 9,1%

81,1%

ANEXO 6. Dependência no trabalho, da internet no celular ou computador

Entretenimento na internet. “Eu assisto jornal, filve, vídeo ou ouço música utilizando a internet”. 122 respostas.
Sim Não

13,1%

86,9%

ANEXO 7. Entretenimento na internet

Publicação de conteúdo na internet. “Eu faço jornal, filme, vídeo ou música publicada na internet”. 122 respostas.
Sim Não

22,1%

77,9%

ANEXO 8. Publicação de conteúdo na internet

Uso de aplicativos conectados à internet. “Eu uso aplicativos da internet”. 122 respostas.
Sim Não

1,6%

98,4%

ANEXO 9. Uso de aplicativos conectados à internet


Desenvolvimento de aplicativos. “Eu faço aplicativos para a internet”. 122 respostas.
Sim Não

4,9%

95,1%

ANEXO 10. Desenvolvimento de aplicativos

Uso de tecnologia sem fio. “Eu consumo tecnologia Wi-Fi, Bluetooth e 3G”. 122 respostas.
Sim Não

0,8%

99,2%

ANEXO 11. Uso de tecnologia sem fio

Desenvolvimento de tecnologia sem fio. “Eu produzo tecnologia Wi-Fi, Bluetooth e 3G”. 122 respostas.
Sim Não

4,9%

95,1%

ANEXO 12. Desenvolvimento de tecnologia sem fio

Uso de aparelhos domésticos. “Eu uso aparelhos domésticos em casa (cafeteira, TV, aspirador, torradeira, rádio, máquina de lavar”. 122 respostas.
Sim Não

100%

ANEXO 13. Uso de aparelhos domésticos

Uso de bilhete único ou cartão de banco. “Eu uso bilhete único e/ou cartão de banco”. 122 respostas.
Sim Não

1,6%

98,4%

ANEXO 14. Uso de bilhete único ou cartão de banco

Uso de metrô, carro, avião ou barco. “Eu uso metrô, carro, avião ou barco”. 122 respostas.

97,5%

2,5%

Sim Não

ANEXO 15. Uso de metrô, carro, avião ou barco

Uso de redes sociais. 122 respostas.


Sim Não

0,8%

99,2%

ANEXO 16. Uso de redes sociais

Compra e venda pela internet. “Eu faço compra ou vendo pela internet”. 122 respostas.
Sim Não

14,8%

85,2%

ANEXO 17. Compra e venda pela internet

Sou um usuário de tecnologia?


Sim Não

0,8%

99,2%

ANEXO 18. Sou um usuário de tecnologia?

Tipo de usuário de tecnologia. “Você se considera um usuário de tecnologia...” (122 respostas).


Depende da tecnologia, já que preciso dela em tudo o que eu faço
Parceiro da tecnologia, já que eu a uso se eu quiser nas coisas que faço
Independente da tecnologia, já que não preciso de tecnologia no que faço

1,6%

37,7%

60,7%

ANEXO 19. Tipo de usuário de tecnologia

Construindo uma galeria: Transformando a arte em uma experiência multiplataforma


(Building a gallery: Transforming art in a cross-platform experience)

Marina Silva Tavares.9

Resumo

O artigo a seguir visa relatar a experiência do desenvolvimento do projeto Loading (ou, carregando): Uma galeria de arte inteiramente virtual, que se propõe a abrigar trabalhos desenvolvidos por alunos de mestrado
e/ou doutorado do programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Concebido como um trabalho de conclusão de semestre da matéria optativa de
Humanidades Digitais, o projeto se propôs a criar uma nova experiência de galeria de arte, que unisse o real e o digital, trazendo obras produzidas de forma real e concreta — mesmo que digitalmente, para um
ambiente inteiramente virtual. A proposta conversa com as temáticas debatidas em sala, durante o período inicial da disciplina Humanidades Digitais, no qual os alunos presentes foram incentivados a refletir sobre a
transformação na aquisição do conhecimento, legitimação, linguagens e acesso livre à dados e informações na era da cultura digital. O texto a seguir se propõe a descrever todo o processo criativo do desenvolvimento
da plataforma, desde sua concepção inicial e escolha do nome até o processo decisório de levantamento de trabalhos e obras a serem expostas, sua curadoria e o desenvolvimento de uma identidade visual e criativa
para a plataforma em si. Além de detalhar e relatar o processo prático, o artigo aqui apresentado também se propõe a fazer uma relação e análise do projeto e seu processo criativo com as reflexões levantadas pela
bibliografia apresentada em sala, de forma a mostrar e estabelecer uma conexão do trabalho criado com os conceitos de cultura digital e transmídia debatidos de maneira coletiva com a turma ao longo do curso.
Após a apresentação e reflexão sobre a criação da galeria virtual, o artigo também apresentará as propostas e planos para a mesma no futuro — uma vez que a participação de suas autoras na matéria de Humanidades
Digitais se encerrará ao final do mês de novembro de 2017, juntamente com o período letivo de 2017/2.
Palavras-chave: Arte; galeria; cultura digital; multiplataforma

Introdução

Nada existe realmente a que se possa dar o nome Arte. Existem somente artistas. Outrora, eram homens que apanhavam um punhado de terra colorida e com ela modelavam toscamente as formas de um bisão
na parede de uma caverna; hoje, alguns compram suas tintas e desenham cartazes para tapumes; eles faziam e fazem muitas outras coisas. Não prejudica ninguém dar o nome de arte a todas essas atividades, desde
que se conserve em mente que tal palavra pode significar coisas muito diversas, em tempos e lugares diferentes, e que Arte com A maiúsculo não existe (GOMBRICH, 2013, p. 15).
Mesmo passados quase 70 anos, a afirmação acima, feita pelo historiador de arte Ernst Hans Josef Gombrich em seu celebrado livro A História da Arte, publicado pela primeira vez em 1950, continua se mostrando
extremamente perspicaz quando falamos do conceito de arte.
Em apenas um parágrafo, o autor nos leva a refletir sobre o significado do conceito de arte, produção artística e linguagens usadas no processo de transmutação do mundo das ideias em realidade, aonde artistas
buscam a melhor maneira de expressar sua criatividade de maneira real – levando o inconsciente para o físico, expondo seu inconsciente à crítica e análise do mundo real.
Trata-se de uma reflexão extremamente válida na atualidade em que vivemos, aonde cada vez mais nos vemos imersos na vivência de uma humanidade exponencialmente digital, em que nossas rotinas diárias acabam
por mesclar real e digital, inconsciente e tangível, tecnológico e analógico em um ritmo que tem sua velocidade aumentada a cada dia que se passa.
A reflexão se faz ainda mais importe no atual momento sócio-político vivido no Brasil, no qual exposições como Queermuseum, originalmente realizada no Centro Cultural Santander em Porto Alegre, e Histórias
da Sexualidade, realizada no MASP fizeram com que a pergunta “Isso é arte?” começasse a se fazer cada vez mais presente no discurso na grande população.
Os casos citados acima podem ser considerados um exemplo do limiar tênue entre real e digital no qual vivemos atualmente — aonde o discurso divulgado em um mundo digital tem consequências e impactos
concretos no mundo real, talvez exemplificando a mudança do processo de aquisição de conhecimento que vivemos nos dias de hoje.
Talvez se trate de um exemplo da vivência transmidiática que estamos vivendo — o conhecimento adquirido através das telas dos aparelhos tecnológicos que carregamos conosco tem a capacidade de moldar e
transformar o discurso que reproduzimos em nossas interações presenciais com aqueles que fazem parte de nossa vida cotidiana.
A ideia da galeria virtual Loading (ou carregando), cuja concepção e desenvolvimento é o tema central deste artigo pode ter surgido de maneira natural — como será relatado a seguir —, mas sua proposta não
deixa de ser uma reflexão sobre os pontos levantados nesta introdução. Trata-se de um projeto que se propõe a levar a arte de maneira livre e dinâmica para o público, permitindo a expressão criativa dos artistas
participantes sem a restrição de um tema central que restrinja ou coiba a manifestação artística, sendo construída de maneira colaborativa sem uma rígida intervenção curatorial — promovendo a arte pelo artista,
talvez reforçando o ponto levantado por Gombrich em seu texto.

O surgimento da ideia

“E se montássemos uma galeria virtual?” — A ideia surgiu desta forma, de maneira despretensiosa, durante uma conversa em aula. Em meio às ideias que fluíam entre alunos sentados em semicírculo, uma nova
proposta surgiu.
O projeto fez parte da proposta levantada em sala, que visava construir um trabalho transmídia e multiplataforma de maneira colaborativa — ilustrando o conceito de humanidades digitais apresentado em aula.
O conceito pode parecer simples em um primeiro momento, mas tem muito mais profundidade do que aparenta. Durante todo o período de construção coletiva das ideias em sala, inúmeras propostas surgiram,
mas se mostraram inviáveis na prática após uma breve análise.
Ao pensar em desenvolver uma galeria virtual, reunindo trabalhos de diferentes linguagens e propostas em uma plataforma inteiramente digital, estamos pensando na transformação da aquisição de conhecimento
— algo extremamente característico e intrínseco à realidade das humanidades digitais.
Desenvolvido em parceria entre duas alunas do PPG|EAHC, a galeria se propõe, além de apresentar a produção artística dos alunos do programa, a desenvolver um storytelling transmedia, aonde a arte se
transforma em uma narrativa digital de diversas histórias. Segundo o texto Transmedia Project Design: Theorectical and Analytical Considerations:
Starting from the word transmedia itself, there is the prefix trans- in combination with media. This Latin prefix means beyond, through, transverse, conveying the idea of transcendence. Consequently,
the word transmedia would then go beyond, transcending a variety of media. Geoffrey Long (2007: 32), moreover, suggests that “the term ‘transmedia’ should be considered an adjective, not a noun”,
i.e. a word able to describe and to qualify a substantive. / Tomando o termo transmídia como ponto de partida, temos o prefixo trans combinado com mídia. O prefixo, originário do latim, significa além,
através, transverso, passando a ideia de transcendência. Consequentemente, o termo transmídia iria além, transcendendo uma variedade de mídias. Geoffrey Long (2007: 32), no entanto, sugere que o termo
transmídia deveria ser considerado um adjetivo, e não um substantivo”, isto é, uma palavra com a capacidade de descrever e qualificar um substantivo” (GAMBARATO, 2013, p. 3).
Aqui, podemos ver um dos maiores desafios propostos no desenvolvimento de um projeto transmídia como a galeria Loading: como criar um local de exposição que transpassasse o substantivo, indo além do
verbo, construindo uma narrativa coerente a partir de pontos de vista variados, expressos através de diferentes linguagens?

Desenvolvimento criativo

Para ultrapassar a possível barreira imposta pela dificuldade de construção do strorytelling transmidia, foi necessário um desenvolvimento criativo da ideia inicial. Afinal, mais do que reunir e apresentar os trabalhos
que fossem levantados, a galeria deveria transmitir alguns dos conceitos essenciais das humanidades digitais, como o sentimento de criação em colaboração e quebra de barreiras entre o mundo físico e tecnológico
— transformando a tela digital em ambiente capaz de proporcionar uma experiência imersiva de diferentes propostas criativas.
Como ponto de partida, foi levado em consideração o conceito de cross-media, também mencionado no texto Transmedia project design: theorectical and analytical considerations, lido em sala durante as aulas:
Cross-media Communications are integrated, interactive experiences that occur across multiple media, with multiple authors and have multiple styles. The audience becomes an active part in a cross-
media experience. It is experiences that occur across the Internet, video and film, broadcast and cable TV, mobile devices, DVD, print, and radio. The new media aspect of the “cross- media experience”
typically involves some level of audience interactivity. / As comunicações cross-media são experiências integradas e interativas que acontecem em diversas mídias, com diversos autores e estilos. A audiência se
transforma em uma parte ativa em uma experiência cross-media. São experiências que acontecem através da internet, TV, vídeo e cinema, TV aberta e a cabo, aparelhos mobile, DVD, mídia impressa e rádio.
O aspecto de mídia inovadora que ocorre na “experiência cross-media” envolve, tipicamente, um certo nível de interatividade da audiência ((DAVIDSON et al. 2010, apud GAMBARATO, 2013, p. 4).
Naquele momento inicial, sabíamos que queríamos promover uma experiência na qual, assim como mencionado acima, a interatividade da audiência fosse essencial para a construção da experiência — fosse
como “ espectador” ou expositor. Por isso, o primeiro passo foi definir quem seria convidado a participar do projeto e como esse convite aconteceria. Levando em consideração a proposta de interdisciplinaridade
do PPG|EAHC, foi definido que os critérios de inscrição para participação no projeto seriam:
a. Ser aluno matriculado no programa de pós-graduação em Educação, Arte e História da Cultura – Mestrado ou Doutorado.
b. Ter uma produção artística inteiramente autoral, amadora ou profissional, concluída ou em andamento.
c. Desenvolvidos através de uma ou mais das seguintes linguagens: Pintura, fotografia, audiovisual, música, documentação de performance, escultura, desenho, gravura e ilustração.
A decisão de restringir a participação exclusivamente aos alunos do PPG|EAHC deveu-se ao fato de que tínhamos como objetivo divulgar e promover as produções artísticas que conversassem com a proposta oficial
do programa de Pós-Graduação, no qual a matéria de Humanidades Digitais está incluída, mostrando como as áreas de Educação, Arte e História da Cultura — embora gerem linhas de pesquisa extremamente diversas
— têm a capacidade de inspirar e desenvolver um coletivo criativo comum a todos os seus alunos.
A opção de permitir a inclusão de diversos formatos e linguagens, incluindo desde textos a registros de performances, foi a maneira encontrada para promover a diversidade de discursos inerente às experiências
multiplataforma.

Comunicando a proposta e levantamento curatorial

De forma a se manter fiel à proposta de um projeto inteiramente digital, foi decidido que tanto a convocação como o levantamento curatorial seria feito de maneira inteiramente digital e colaborativa.
Para tal, foi definido pelas autoras do projeto10 que o recolhimento de informações pessoais dos participantes, descritivo da proposta artística dos mesmos, assim como os trabalhos artísticos em questão
seriam feitos através da plataforma Google Forms, “um pacote de aplicativos do Google baseado em AJAX. Funciona totalmente on-line diretamente no browser (navegador)” (WIKIPÉDIA, Google Forms). O
pacote de aplicativos tem, em seu conceito essencial, a proposta de permitir aos usuários criar e editar documentos on-line, ao mesmo tempo colaborando em tempo real com outros usuários — algo que conversa
intrinsicamente com a proposta colaborativa inerente à proposta das Humanidades Digitais. Foi desenvolvido um questionário em conjunto pelas duas autoras do projeto, nos quais era solicitado que os participantes
preenchessem os itens abaixo:
1. Sobre o autor:
a. Nome completo.
b. Nome artístico.
c. Biografia resumida do artista (máximo 5 linhas).
2. Sobre a obra:
a. Breve descrição sobre o trabalho (máximo 5 linhas).
b. Tipo de suporte para o envio.
3. Vídeo.
4. Imagem (máximo 5 imagens por autor).
5. Áudio.

Autorização de uso dos trabalhos enviados

Após definida e criada a plataforma para envio de conteúdo, foi o momento de determinar a forma como o projeto seria comunicado e a convocação de artistas seria feita. De forma a se manter fiel à proposta digital
e multiplataforma, foi decidido que a comunicação também seria feita de maneira inteiramente digital. Usando o WhatsApp Messenger, “um aplicativo multiplataforma de mensagens instantâneas e chamadas de
voz para smartphones” (WIKIPÉDIA, WhatsApp Messenger Forms), foi enviado um convite ou convocação para a participação no projeto, cujo texto pode ser visto abaixo:
Loading… — Exposição Virtual — PPG|EAHC
9 Marina Silva Tavares. Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: marina.tavares.rj@gmail.com.
10 Amanda Areias e Marina Tavares, ambas alunas de Mestrado no PPG | EAHC (UPM), inscritas na matéria Humanidades Digitais, ministrada no segundo semestre de 2017 do programa.
Os alunos da disciplina de Humanidades Digitais convidam todos os mestrandos e doutorandos à participar da exposição Virtual Loading…, projeto que se propõe a criar uma experiência transmídia da arte.
A ser desenvolvida em uma plataforma inteiramente virtual, a galeria pretende desenvolver uma nova vivência artística, unindo digital e real para promover uma forma de imersão, envolvimento e estímulo
que incentive a sensibilização para o pensamento artístico.
Por isso, convidamos todos os alunos que possuam trabalhos artísticos, concluídos ou em andamento, nas áreas de pintura, fotografia, audiovisual, música, documentação de performance, escultura,
desenho, gravura e ilustração, entre outros, que desejem contribuir com o projeto, a enviar seus trabalhos através do link abaixo até o 08 de novembro de 2017.
https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSe0h2X_5WqCU8yQvv8SDAvhpJlbD4YQuDBhklVhnoJSG3C2rA/viewform.

Tema livre e formatos.


Prazo submissão: 23h59 de 08/11/2017.
Data da exposição: 14/11/17 - 14/01/18.11
O texto foi enviado em diversos grupos de trocas de mensagens existentes no aplicativo, todos compostos por alunos do programa de pós-graduação em questão, sendo eles direcionados à turmas de diferentes etapas
do programa e/ou grupos direcionados à matérias específicas oferecidas pelo mesmo. Com esta decisão, foi mantida a proposta de manter o projeto aberto à diferentes vozes e visões artísticas — o que possibilitaria a ideia
de uma criação de storyletting digital através da curadoria e organização do material enviado.

Recepção do público

A reação imediata do público foi extremamente positiva. No momento do envio do convocação por grupos de mensagem relacionadas ao PPG EAHC, muitos alunos demonstraram interesse pela proposta. No
entanto, embora muitos demonstrassem interesse, também foi possível perceber que muitos tinham dúvidas sobre o projeto proposto, as mais comuns sendo:
1. Temática aberta do projeto: Talvez a questão mais levantada pelos alunos que entraram em contato com a organização dos projetos. A proposta de temática aberta se mostrou confusa aos que demonstraram
interesse pela proposta, talvez por sentirem falta de um direcionamento criativo do projeto.
2. Maneira de envio do trabalho: Muitos interessados demonstraram dúvidas em relação à maneira como os trabalhos poderiam ser enviadas e o que deveria e/ou poderia ser enviado. Os questionamentos podem
ser um indicativo que, ao contrário do que foi imaginado durante o desenvolvimento da proposta, as plataformas digitais ainda apresentam uma barreira de uso aos usuários — talvez demonstrando que os canais
colaborativos digitais ainda não foram completamente dominados pelo grande público.
3. Informações a serem fornecidas: O quesito “Breve descrição sobre o trabalho” foi o que mais gerou confusão. Muitos alunos demonstraram dificuldade em falar sobre sua proposta artística com clareza —
talvez indicando que muitos deles pensem em sua expressão artística de forma linear.
4. Quem poderia participar: A restrição da participação aos alunos do PPG | EAHC foi questionada por alguns alunos que demonstraram interesse em participar do projeto. Em sua maioria, estes sugeriram
que a participação fosse expandida para alunos matriculados em outras instituições de ensino além do Mackenzie, demonstrando que a proposta se mantinha fiel à ideia de interdisciplinaridade do programa. No
entanto, foi decidido que nesta primeira edição, a participação se manteria restrita aos participantes da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

11 AREIAS, Amanda; TAVARES, Marina. Texto convocatório para participação no projeto Loading Gallery, enviado aos alunos do PPG | EAHC (UPM) em 25/10/2017 às 21h07.
Curadoria e montagem

Uma vez recebidos os materiais, foi a vez de analisar e organizar os trabalhos. É possível dizer que esta etapa do projeto foi resumida a três conceitos extremamente ligados às Humanidades Digitais, sendo eles:
Colaboração, criação em conjunto e storytelling digital. A forma como estes se fizeram presentes durante o processo de montagem da galeria será relatado a seguir.
A montagem efetiva do site foi feita inteiramente em parceria pelas autoras do projeto, iniciada durante uma reunião presencial na Universidade Presbiteriana Mackenzie e finalizada separadamente — antes de
ser apresentada em sala de aula, durante a finalização da matéria Humanidades Digitais. Na reunião, os conceitos citados acima se fizeram presentes da seguinte forma:
1. Colaboração: Designação de tarefas entre as autoras de forma que o trabalho fosse feito de maneira paralela e não excludente, de forma que o fluxo criativo não fosse restrito à apenas uma das alunas.
2. Criação em conjunto e storytelling digital: Estes dois conceitos foram utilizados de maneira conjunta através da análise do material enviado pelos alunos, buscando temas em comum nos mesmos, que
possibilitassem a criação de “salas digitais” da galeria aonde os mesmos pudessem ser reunidos. O desenvolvimento destes possibilitou o storytelling digital, aonde a organização e fluxo das salas digitais se propunha
a contar uma história a respeito dos trabalhos ali expostos.

A galeria

O resultado final apresentou uma galeria dividida da seguinte forma: Apresentação (capa e texto de introdução), trabalhos (divididos por temas, através de salas digitais) e informações sobre os artistas, colaboradores
e apoiadores do projeto.
As imagens do resultado final do trabalho podem ser vistas a seguir:

Seção de apresentação

Loading Gallery, página 1, Capa.

Loading Gallery, página 2, Apresentação.

Dividida em duas salas digitais, esta seção é composta por uma tela contendo o nome da galeria e suas informações de período de exibição, e uma segunda tela contendo um breve texto explicativo sobre a proposta
— desenvolvido em conjunto pelas autoras do projeto.
O uso de um fundo branco simples e sem interferências, replicado em todas as salas da galeria, tem o objetivo de manter o foco de atenção do visitante apenas no trabalho aqui exposto — além de fazer uma
alusão ao tradicional método expositivo utilizado em muitos museus e galerias físicas, conhecido como “cubo branco”.
O texto de introdução escolhido tem o objetivo de, além de apresentar a proposta da galeria, atuar como uma maneira de mediação cultural entre organizadoras e artistas e os visitantes — talvez possibilitando uma
experiência mais completa da proposta para os mesmos.

Trabalhos artísticos e informações sobre os artistas

Loading Gallery, página 3, Cor.

Loading Gallery, página 4, Identidade.


Loading Gallery, página 5, Espaço.

Loading Gallery, página 6, Urbano.

Loading Gallery, página 7, Criação.

Loading Gallery, página 8, Memória.

Loading Gallery, página 9, Música e audiovisual.


Loading Gallery, página 10, Participantes.

Uma vez que as salas digitais foram divididas através de temas em comum e não plataformas utilizadas no trabalho (ex. fotografia, pintura, música, escultura, etc.), houve a liberdade para reunir trabalhos de
diferentes meios no mesmo espaço virtual — como pode ser percebido nas salas digitais 2, 3 e 8, que reúnem diferentes tipos de produção artística em um mesmo “ambiente”.
No que diz respeito às informações sobre os artistas, estes também tiveram a total liberdade de expressão, uma vez que os textos descritivos sobre os mesmos aqui apresentados foram enviados pelos próprios
participantes — sendo usado, salvo poucas exceções, inteiramente da mesma maneira que foram compartilhados com as organizadoras do projeto.
A liberdade de expressão dos artistas e aspecto colaborativo da proposta também foi mantida na decisão de como as propostas artísticas seriam apresentadas, que pode ser vista abaixo:

Loading Gallery, página 10, Descritivo de trabalho pela artista.

Como pode ser visto na figura acima, os textos descritivos dos trabalhos foram incluídos juntamente com o trabalho em questão, sendo posicionado em um botão que funciona de maneira intuitiva — apresentando
o texto quando o visitante passa pelo mesmo durante seu trajeto de navegação na sala digital. A escolha desta forma de apresentação faz com que o texto sobre a proposta artística, assim como o texto de introdução
apresentado na sala digital 2, funcione como uma mediação entre artista e visitante, permitindo que o visitante decida por si próprio se deseja ter apenas a experiência estética do trabalho exposto ou se deseja ter uma
visão mais informativa do mesmo.
Assim como na sala digital 9, que apresenta os artistas participantes, os textos utilizados aqui também foram enviados pelos próprios artistas — sendo usados, salvo poucas exceções, exatamente da mesma
maneira que foram enviados às organizadoras do projeto através do formulário digital. Desta forma, proporcionamos uma nova experiência de “visita guiada” à galeria — permitindo que o visitante, mesmo
que de forma digital, tivesse um contato direto com o artista, sem nenhuma forma de interferência de terceiros em sua proposta de trabalho.

Considerações finais

De sua concepção à sua execução, a experiência do projeto Loading Gallery se mostrou, em sua maioria, extremamente positiva. Além de proporcionar que os alunos do PPG | EAHC apresentassem a
interdisciplinaridade inerente aos seus projetos artísticos, o projeto permitiu uma vivência prática dos conceitos apresentados em sala durante a matéria Humanidades Digitais.
A experiência também apresentou alguns pontos de atenção, que podem ser melhorados em uma próxima edição, dentre eles:
1. Comunicação da proposta: As questões levantadas por alunos após a primeira comunicação oficial /convocação para participação do projeto, especialmente as dificuldades de compreensão em relação à total
liberdade de temática dos trabalhos à serem enviados, demonstrou que nas próximas edições, o texto convocatório deve ser mais claro — reforçando a proposta de liberdade de expressão do projeto.
2. Divulgação: O comunicado foi enviado exclusivamente para os grupos de troca de mensagens instantâneas dos alunos matriculados no PPG | EAHC (UPM) em dois momentos isolados: A primeira chamada
ou convocação oficial para participantes e um lembrete do final do período de participação. Embora dinâmico e eficiente, o canal escolhido para a divulgação também se mostrou excessivamente imediatista — talvez
uma possível consequência da sobrecarga característica da era da informação.
Embora muitos alunos tenham respondido à convocação, as respostas recebidas talvez tenham representado um número menor do que o potencial do projeto. Uma possível solução para este caso em futuras
edições pode estar fundamentada em um dos próprios conceitos das Humanidades Digitais: A ideia de multiplataforma. Caso a comunicação não tivesse sido unicamente focada em um canal, sendo ao invés disso
distribuída em mais de um canal de comunicação, talvez mais respostas tivessem sido recebidas.
3. Prazo para submissão: O prazo alocado para a submissão foi de apenas duas semanas. Embora a princípio parecesse um período razoável, talvez o projeto exigisse um tempo mais extenso para o envio
de trabalhos por parte dos alunos. Além de permitir uma seleção de trabalhos mais detalhada dos artistas, um prazo mais extenso permitiria um maior reforço da comunicação da proposta — o que talvez
resultasse em um maior número de participantes no projeto.
Todos os itens levantados acima, são pontos que devem ser levados em consideração no desenvolvimento de uma nova edição do projeto — para que assim o potencial do mesmo seja alcançado de maneira
ainda mais bem-sucedida.

Referências bibliográficas

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WIKIPÉDIA. WhatsApp Messenger. Dísponível em <https://pt.wikipedia.org/wiki/WhatsApp>. Acesso em 20 Nov. 2017.

Cracked Screen, a Snapchat Story: Audiovisual, metamixagem e orientação vertical das imagens na tela do seu celular
(Cracked Screen, a Snapchat Story: Filmmaking, metamix and vertical orientation on your mobile screen)

Amanda Areias.12

Resumo

A presente análise apoia-se nos conceitos de metamix e info-estética do teórico das novas mídias Lev Manovich para abordar as discussões em torno dos parâmetros estéticos introduzidos por dispositivos móveis na
produção audiovisual contemporânea. Elenca-se como objeto de análise o aplicativo Snapchat e como exemplo de sua utilização o filme Cracked Screen: A Snapchat Story. O curta do diretor Trim Lamba marca um
distanciamento de parâmetros tradicionais do cinema ao fazer uso da verticalização da imagem audiovisual e da mistura de recursos multimodais disponibilizadas pelo aplicativo em questão. O estudo está localizado
dentro do campo amplo das Humanidades Digitais porque lança seu olhar para a influência da tecnologia na construção da cultura contemporânea.
Palavras-chave: Snapchat; dispositivos móveis; infoestética; metamix; cinema vertical.

Abstract

The present essay is grounded on the concepts of metamix and info-aesthetics of new media professor Lev Manovich to address some discussions introduced by the use of mobile devices in contemporary audiovisual
production. We conduct an analysis on the mobile application Snapchat and choose, as an exemple of its use, the short film Cracked Screen: A Snapchat Story from the British director Trim Lamba. Lamba’s short
film has proven to question parameters of traditional cinema by electing vertical orientation and a blend of multimodal resources provided by the same app to built its storytelling. The study can be located within
the broad field of Digital Humanities because it investigates the influence of technology in the construction of contemporary culture.
Keywords: Snapchat; mobile devices; info-aesthetics; metamix; vertical cinema.

12 Amanda Areias. Fotógrafa e Mestranda no PPG em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Pesquisa a fotografia documental contemporânea, suas fronteiras com o mundo das artes e com as novas formas de linguagem imagética. Bolsista CAPES/PROSUP.
E-mail: amandaareias@givemeflour.com.
Introdução

O presente estudo toma como foco central a relação entre as tecnologias móveis, em especial o aparelho celular, e a produção imagética contemporânea. O telefone celular incorporou, ao longo da última década,
uma série de funções que vão muito além da simples transmissão de mensagens sonoras. Dentre as habilidades mais significativas estão a de produzir imagens, sejam elas estáticas ou em movimento, e a possibilidade
de compartilhá-las via internet, de qualquer lugar, a qualquer momento (SHÄFFNER, 2011, p. 200). Aplicativos como Snapchat e plataformas de redes sociais como Instagram funcionam como síntese dessas
competências permitindo ao usuário registrar seu dia a dia por meio de fotos e vídeos e compartilhar esses momentos com redes de amigos.
Um artigo publicado em setembro de 2017 pela Folha de São Paulo (ROSSI, 2017) apresenta dados da agência digital americana We Are Social revelando que 51,4% dos acessos à internet entre abril e junho
desse mesmo ano se deram a partir de aparelhos celulares, ultrapassando a utilização de computadores e laptops para esse mesmo fim. Esses dados combinados às funções dos dispositivos móveis de produzir e
compartilhar imagens levantam a hipótese de que tais aparelhos apresentam potencial para influenciar a produção de imagens e introduzir formas alternativas na elaboração de narrativas audiovisuais.
Isso posto, o presente artigo pretende analisar Cracked Screen: A Snapchat Story (2016), um curta do diretor inglês de raízes indianas Trim Lamba. O filme de aproximadamente sete minutos foi inteiramente
filmado no celular via aplicativo Snapchat e funciona como um olhar crítico sobre o mundo das mídias sociais. Por sua proposta inovadora e abordagem contemporânea da produção audiovisual, Cracked Screen:
a Snapchat Story foi selecionado para o Cannes Lion International Festival of Creativity como parte do Saatchi and Saatchi 2017 New Directors Showcase. Todavia, para além das questões simbólicas e de conteúdo
que poderiam ser levantadas a partir de uma análise fílmica, interessam a esse estudo os aspectos formais bem como o uso e efeitos estéticos resultantes do emprego do aplicativo Snapchat como meio de produção
audiovisual, dentre eles a verticalização das imagens em movimento e o uso de recursos multimodais como textos, emojis e desenhos combinados em diferentes cenas.
Este estudo pode ser localizado dentro do campo amplo das Humanidades Digitais porque lança seu olhar para a influência da tecnologia na construção da cultura contemporânea. No entanto, propõe uma
análise para além do virtual levando em consideração tanto o hardware como o software ou, a “arquitetura” e materialidade das novas mídias como sujeitos de influência sobre as disciplinas em que são usadas —
neste caso as artes visuais e, mais especificamente, a produção audiovisual. Lev Manovich, atualmente professor na CUNY, The City University of New York, onde fundou o centro de pesquisa em Humanidades
Digitais com programas de mestrado e doutorado na área, foi um dos teóricos responsáveis por consolidar a análise interessada na materialidade das linguagens digitais e é nos seus estudos em torno do conceito de
metamix e infoestética que este texto se apoia (DA SILVA, 2012). Manovich observa como os computadores foram aos poucos possibilitando a simulação de quase todos os tipos de mídia previamente existentes.
Como resultado dessa tradução da mídia física para o software, a mídia adquiriu propriedades novas e fundamentais que encontram nos dispositivos móveis um lugar cada vez mais propício de atuação.

Cracked Screen: A Snapchat Story

Cracked Screen: A Snapchat Story (2016) do jovem diretor Trim Lamba tem aproximadamente sete minutos de duração e foi inteiramente filmado no Snapchat. Lamba faz uso da tecnologia deste aplicativo para
abordar problemas de autorrepresentação, intimidade, exposição da vida privada e compartilhamento excessivo de dados em uma socie-dade que atua cada vez mais em função das redes sociais. Cracked Screen
apresenta a jovem Chantelle Levene — atriz e personagem se confundem — narrando sua própria história e expondo sua vida através de uma série de snaps supostamente compartilhados por meio do aplicativo. A
sequência de cenas verticais cobertas por emojis e textos expõe, numa primeira parte, Chantelle festejando, indo à academia, trocando-se, dançando, encontrando amigos, reclamando da dificuldade de encontrar um
emprego, etc. A virada se dá quando em um dos quadros a personagem/atriz sofre um ataque de ácido que a deixa com sequelas físicas e psicológicas. Ainda assim, o episódio traumático não impede Chantelle de
continuar documentando e compartilhando detalhes de sua recuperação e intimidade. Depois do ataque o foco muda e suas primeiras postagens são flores, cupcakes, animal de estimação e pequenos mimos enviados
por pessoas próximas. Aos poucos essas fotos são substituídas por uma série de ilustrações e emojis comunicando sua desilusão diante das redes sociais e da atitude de usuários em difamar sua imagem espalhando a
foto do seu rosto queimado por outras plataformas como Twitter.
No geral a produção se parece com qualquer vídeo saído do Snapchat. A voz na primeira pessoa aliada ao formato vertical conferem à sequência um caráter fortemente amador ou o que pode ser chamado de
uma estética da autenticidade (CANELLA, 2017). De fato essa parece ser a intenção do diretor. Em uma série de entrevistas para as plataformas de entretenimento Mashable (HAYSON, 2017) e Directors Note
(MARBELLE, 2017), Lamba coloca que seu desejo foi unir cinema e mídias sociais em uma síntese que passasse a ideia de autenticidade:
Não havia uma abordagem definida. Trabalhamos de forma íntima, intuitiva e muitas vezes aleatória. Com isso, alcançamos naturalidade e credibilidade, o que é imperativo para o sucesso de um filme como o
nosso. Na verdade, gostei de filmar em uma combinação de smartphones. O próprio Snapchat foi um desafio — você está limitado a dez segundos e não há oportunidade de pausa o que exigiu que eu pensasse
muito estrategicamente sobre o ritmo de filmagem. Havia também um conflito de prioridades. Isso deveria passar a ideia de algo agitado e casual, como uma autêntica história de Snapchat, ou deveríamos nos
concentrar no formato sequencial e estilizado, como um drama clássico? Foi um equilíbrio delicado e levou muito tempo (MARBELLE, 2017, tradução nossa).
Com essa abordagem naturalista de Lamba o espectador é trazido para dentro da história e assiste a todo o desenrolar da trama como um voyeur. Aquele que está do outro lado da tela segue a personagem, antes,
durante e depois do ataque e experimenta empatia pelo seu sofrimento, a traição que ela sente por parte de seus seguidores e um sentimento estranho de estar espionando Chantelle. Essa dinâmica do espectador
com o filme só é possível porque o diretor apoia e constrói a sua história através do Snapchat. Nesse sentido, pode-se afirmar que, com o emprego dos recursos formais do aplicativo, o meio passa a ter o mesmo
peso da mensagem e torna-se parte fundamental da narrativa final.

Snapchat, metamixagem e infoestética

Snapchat é um aplicativo de mensagens fundadas basicamente em imagens — fotos e vídeos — e que funciona tanto para androids como iPhones. Foi desenvolvido por Evan Spiegel, Bobby Murphy e Reggie
Brown, estudantes da Universidade Stanford, e lançado em julho de 2011. O moto do programa é “O jeito mais rápido de compartilhar um momento” — The fastest way to share a moment — e sua maior inovação
foi introduzir a efemeridade na troca de mensagens por meio de snaps, um modo que permite ao usuário construir histórias temporárias que são automaticamente deletadas depois que o receptor visualiza a
mensagem final. Ginette Verstraete (2016), ao escrever sobre o aplicativo coloca que:
Ao contrário de outras redes sociais como Facebook e Tweeter, o conteúdo gerado pelos usuários [do Snapchat] é automaticamente deletado após um curto período de tempo. Essa capacidade para a
autorremoção tem estimulado jovens a produzirem snaps íntimos, espontâneos, pouco seguros e pouco nítidos em tempo real (2016, p. 105, tradução nossa).
Segundo o portal Techtudo (MORETZ, 2016), uma pesquisa realizada pelo próprio grupo que administra o aplicativo revelou que Snapchat é o mais popular entre jovens e adultos entre 13 a 34 anos. Verstraete
(2016, p. 105) também aborda a preferência do público jovem pelo aplicativo e afirma que plataformas como Facebook e Instagram já são vistas por essa faixa etária como redes sociais “de gerações mais velhas”. O autor
ainda afirma que uma parte integral do sucesso de Snapchat tem sido o modo Snapchat Story, função de contar histórias já copiada por outras plataformas como Instagram e WhatsApp (2016, p.105).
Enquanto redes sociais como Facebook e Instagram são objeto de constante pesquisa, a produção acadêmica sobre o aplicativo Snapchat ainda se manifesta de forma tímida e parece abordar, na maioria das vezes,
questões sobre a efemeridade do compartilhamentos de mensagens introduzidas pelo aplicativo em 2011. Todavia, como aplicativo o Snapchat vai além dessa função e se configura como uma ferramenta híbrida
que permite ao usuário incrementar e construir sua própria narrativa. Em 2016, por exemplo, o aplicativo disponibilizou várias outras funções, dentre elas o Memories que permite o armazenamento das imagens
e histórias em uma área privada. É provável que a produção de Cracked Screen: A Snapchat Story só tenha sido possível a partir dessa nova configuração. Além do mais, texto, emojis, filtros de realidade aumentada
e efeitos como troca de rostos são elementos que ajudam a compor a interface e colaboram para a interação do usuário com a plataforma. A renovação e apresentação de novas ferramentas de criação parecem ser
constantes. Em maio de 2017 o aplicativo lançou recursos como snaps com tempo ilimitado de visualização, a possibilidade de desenhar e criar ferramentas a partir de emojis, vídeos em loop e uma “borracha mágica”
que apaga elementos indesejados da imagem (NEWTON, 2017).
A combinação e hibridização de recursos de criação que permeiam o aplicativo fazem com que as imagens produzidas sejam frequentemente caracterizadas por dotes linguísticos multimodais originários tanto
da esfera verbal como da visual — texto, áudio, imagens, símbolos, gestos, artefatos, etc. Essa apropriação de “textos” e recursos linguisticos preexistentes na construção de novos textos pode ser chamado de remix.
Todavia, remixagem não é um conceito novo, o termo já foi aplicado no estudo de áreas como música, cinema, literatura, entre outras formas de manifestação cultural (JOCSON, 2013, p. 69). Diante do advento
do digital, Lev Manovich (MANOVICH; DA SILVA, 2012) propõe uma expansão do conceito, o metamix. Em entrevista publicada em 2012 o autor observa que:
[...] os computadores foram gradualmente permitindo a habilidade de simular quase todos os tipos de mídia previamente existentes e formas artísticas como impressão, fotografia, pintura, filme, vídeo,
animação, composição musical, edição e gravação, modelos 3D e espaços 3D. Como resultado dessa tradução da mídia física para o software, a mídia adquiriu inúmeras propriedades novas e fundamentais.
Tornou-se possível não só mixar diferentes conteúdos numa mesma obra — o que é entendido pelo senso comum como a maneira que se produz um remix —, mas também mixar conteúdos em diferentes
mídias e, mais importante do que isso, utilizá-los ao mesmo tempo com técnicas que previamente pertenciam à especificidade física de cada mídia (MANOVICH; DA SILVA, 2012).
Para Manovich, em adição a uma cultura que remixa seu conteúdo midiático, há também um número crescente de softwares que misturam e combinam dados — os chamados mash-ups. É a partir dessa variedade
de culturas remix e mash-ups de softwares que o autor define o conceito de metamix, a mixagem regular e cotidiana de “vocabulários e gramáticas das mídias previamente separadas” (2012, p. 09). Desse contexto
surge também uma estética híbrida onde não é mais possível separar os meios. Transmissões ao vivo, gráficos, fotografia, GIFs, animação, tipografia e AR (realidade aumentada) agora são combinadas nas mais
diversas formas e começam a se tornar a regra enquanto “puras” imagens em movimento, por exemplo, começam a se tornar exceção:
No nível da estética, a web tem estabelecido um documento multimídia (isto é, algo que combina e mistura diferentes mídias de texto, fotografia, vídeo, gráficos, som) como novo padrão de comunicação
(MANOVICH, 2001, p. 03, tradução nossa).
A “metamixagem” se manifesta de uma maneira particularmente dramática no Snapchat. A descrição de como usar filtros de mudança facial encontradas dentro do aplicativo é exemplo dessa configuração e
pode revelar as inúmeras camadas por trás de um simples snap:
As lentes são, basicamente, uma maneira de modificar suas selfies. Muitas vezes são animações divertidas que se sobrepõem em cima de sua foto ou cenário. Uma lente popular que estreou quando as lentes
foram introduzidas pela primeira vez é um arco-íris que sai da sua boca como se fosse vômito. Snapchat adiciona novas lentes diariamente (BETTERS, 2017).
Uma final e importante observação é que os aplicativos conferem à metamixagem um automatismo cada vez mais poderoso. A presença antes comum de sites ou blogs pessoais foi substituída, não na sua
totalidade mas em grande parte, pelo template pronto das redes sociais. O usuário toma suas decisões e realiza suas criações baseado em ideias geradas automaticamente pelo software, ou seja, a capacidade de criar
um conteúdo através de uma mistura de ferramentas se faz disponível em poucos cliques e não está mais restrita a sofisticados softwares de edição como Photoshop, Adobe Premiere ou After Effects.

Verticalização das imagens

Além do seu caráter híbrido, outro elemento estético colocado em questão pelo aplicativo Snapchat e explorado como parte da narrativa em Cracked Screen é a orientação vertical das imagens. A produção vertical
de vídeos é tema recente no campo do audiovisual. Apesar de câmeras de vídeo digitais portáteis e bastante versáteis já existirem no mercado desde meados da década de 1990, a orientação de vídeos continuou
a ser determinada pelo sua saída, o formato padrão de telas de TV e projetores de imagem horizontais. Parece ser a tela do computador em conjunto com estruturas de suporte multimídia como, por exemplo,
QuickTime, os responsáveis por uma maior liberdade em relação a orientação de vídeos digitais. Já em 2006 é possível encontrar em uma publicação do grupo O’Reilly Media — empresa que exerceu papel
fundamental na concepção da Web 2.0 — instruções para a correção de uma filme produzido no formato vertical:
Quem diz que você tem que gravar todos os seus filmes horizontalmente? Assim como fazemos com fotografia, às vezes é divertido girar a câmera de lado. Mas quando você faz o upload de seus filmes para
o seu computador, eles estão no sentido errado! Veja como corrigir isso (PAUL, 2006, p. 145).
Contudo, a discussão em torno do vídeo vertical permaneceu em segundo plano e só ganhou evidência em 2012, com a publicação do vídeo Vertical Vídeo Syndrome pelo canal de YouTube Glove and Boots
(TRESKE, 2015, p. 136). O vídeo de caráter cômico foi lançado em resposta à produção de vídeos verticais amadores que começavam a invadir as redes sociais. Nele, bonecos informam que vídeos sempre
obedeceram o formato horizontal, herança das grandes telas de cinema e que “televisores e monitores de computador, assim como os olhos, são todos horizontais”. Os personagens convocam as pessoas a dizerem
“não” a vídeos verticais e alertam usuários sobre os perigo de se segurar o celular do “jeito errado”, ou seja, na posição vertical. Tendo alcançando mais de oito milhões e duzentas mil vizualizações, o vídeo chamou a
atenção para a discussão em torno da orientação vertical de imagens em movimento e, ao invés de frear a prática, acabou por aguçar uma corrente que vem ganhando cada vez mais espaço na produção audio visual.
O formato vertical já ganhou seus próprios eventos como o festival itinerante organizado pelo grupo europeu Vertical Cinema. Formado por 10 diretores de vanguarda, Vertical Cinema se autointitula como
um tipo de cinema in situ (site-specific). Filmes na proporção de 9:16 — em oposição à já estabelecida proporção de 16:9 — são verticalmente ajustados e exibidos em espaços arquitetônicos específicos, geralmente
igrejas, que comportam o longo formato. A proposta do grupo é a de questionar ao mesmo tempo a horizontalidade imposta pelas convenções do cinema clássico e o consumo rápido e fácil de filmes digitais pela
tela pequena dos dispositivos móveis. Ao contrário, o grupo propõe um futuro pós-digital e transversal para a arte cinematográfica. O evento já é exemplo notório do reflexo que novas tecnologias digitais estão
exercendo sobre mídias antigas e já consolidadas. Outro evento que segue os mesmos moldes de exibição em igrejas é o Vertical Film Festival. O festival acontece na Austrália, já teve duas edições, uma em 2014 e
outra em 2016, e exibiu filmes selecionados em uma competição internacional de filmes verticais.
O fluxo cada vez maior de vídeos verticais fez com que as principais plataformas de distribuição de audiovisual digital se adaptassem ao novo formato. Enquanto em alguns sites e plataformas os vídeos verticais,
quando visualizados na tela do computador ou da TV, ainda aparecem no meio da tela, acompanhados de barras pretas nas suas laterais, no celular a experiência de visualização é outra. Em 2015, YouTube e Twitter
lançaram melhorias para rodar arquivos verticais em telas cheias nos aparelhos de celular. Em 2016 foi a vez do Facebook e Instagram (via Instagram Stories) ativarem a possibilidade de publicação e compartilhamento
de vídeos verticais (CANELLA, 2017, p. 02).
O já citado artigo da Folha de São Paulo (ROSSI, 2017) que apresenta dados da agência digital americana We Are Social revelando que 51,4% dos acessos à internet entre abril e junho desse mesmo ano foram
feitos por meio de aparelhos celular, também afirma que no campo das imagens, celular é sinônimo de enquadramento vertical e que usuários seguram seus aparelhos nessa posição 94% do tempo. Essas estatísticas
combinadas poderiam sinalizar uma mudança no campo estético da produção audiovisual que opera segundo o paradigma da horizontalidade ou do modo paisagem.
A matéria vai de encontro ao que Andreas Treske (2015) observa quando escreve sobre a estética dos vídeos no ciberespaço. Para o autor, o fato de se segurar o telefone celular na posição vertical é uma
consequência do produto e do design das interfaces de praticamente todos os modelos de celulares (TRESKE, 2015, p. 137). O modo vídeo no iPhone, por exemplo, está a uma “deslizada” do modo fotografia.
Dessa forma, um vídeo curto pode ser feito de forma rápida e sem nenhuma configuração prévia ao passo que a posição horizontal requer mais estabilidade. Essa colocação vai também de encontro ao pensamento
de Manovich (2008) de que os computadores também têm efeitos significativos na estética do nosso ambiente material.
Por fim, o aspecto mais pertinente das tomadas verticais, considerando a análise estética do filme Cracked Screen: A Snapchat Story, é a já citada “estética da autenticidade” introduzida por esse formato
(CANELLA, 2017, p. 06). As imagens verticais, tremidas, mal enquadradas e geralmente capturadas sob condições precárias de iluminação conferem um caráter amador, pressupõem a ausência de manipulação e
uma reprodução fiel do mundo real, “um tipo de construção similar ao adotado em filmes de caráter documental” (TRESKE, 2015, p. 136). Dessa forma, o telespectador é trazido para dentro da cena e participa
de um momento de intimidade a personagem.

Considerações finais

A presente análise pretendeu abordar as discussões em torno dos parâmetros estéticos introduzidos por dispositivos móveis na produção audiovisual contemporânea. Elencou-se como objeto de análise o aplicativo
Snapchat e como exemplo de sua utilização o filme Cracked Screen: A Snapchat Story. O curta do diretor Trim Lamba marca um distanciamento de parâmetros tradicionais do cinema ao fazer uso da verticalização
da imagem audiovisual e da mistura de recursos multimodais disponibilizadas pelo aplicativo.
Viu-se que a variedade de recursos textuais disponibilizadas pelo Snapchat — dotes linguísticos originários tanto da esfera verbal como da visual — são resultado do que o teórico Lev Manovich determinou
chamar de metamix, uma ampla mistura envolvendo tanto conteúdo midiático como operações de diferentes softwares. Verificou-se ainda que o agrupamento de recursos diversos dentro de um único aplicativo
confere à metamixagem um automatismo cada vez mais significativo, o que levanta a dúvida se mídias sociais dessa natureza teriam potencial para catalisar uma integração criativa ou estariam intensificando uma
estética globalizada.
Observou-se ainda que dispositivos móveis atuam como força de remodelamento da produção imagética contemporânea em mais de um sentido. A aderência a formatos não convencionais de imagem como,
por exemplo, a tomada vertical, colocam em evidência a simbiose entre o aparato tecnológico e o corpo e trazem à superfície questões relativas à receptividade e interação do usuário com as propriedades materiais
do aparato técnico.
Por fim, notou-se que o diretor de Cracked Screen responde à cultura das mídias usando a mesma tecnologia que ajuda a construí-la. É a estética do aplicativo e a verticalização da imagem que conferem força
ao filme. A falta de qualidade das imagens comparáveis a qualquer snap revelam a intencionalidade do diretor de subverter o meio e sua sua consciência sobre os limites, possibilidades e impactos da tecnologia
escolhida. A obra não possui um caráter fixo nas convenções do cinema, ao contrário, desafia a sétima arte e coloca o observador numa posição de interação com a obra. E, principalmente, faz isso porque deixa
explícitos os processos culturais que estão por trás da visualização e da produção das imagens de dispositivos móveis e aplicativos.

Referências bibliográficas

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Acesso em: 12 out. 2017.

Cultura popular versus massiva: Arte ou lixo?


(Pop culture vs. massive: Art or trash?)

Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro.13

Resumo

O presente artigo tem como objetivo tratar da cultura popular contra a massiva, que vem se modificando ao longo dos anos de acordo com a evolução da tecnologia. Quanto mais as informações se propagam
com maior rapidez, mais a qualidade cai. A indústria fonográfica domina o mercado com os mesmos produtores e composições vulgares e de péssima qualidade para os millennials hedônicos. As músicas não têm
mais letras elaboradas e inteligentes, mas sim, apenas frases repetitivas ou monossilábicas que grudam nas nossas mentes como “chiclete”. A arte virou uma piada sem graça, na qual “arte” se confunde com lixo.
As emissoras de rádio e algumas de TV estão sendo substituídas por canais e aplicativos stream (YouTube, spotify, etc.). As gravadoras estão perdendo espaço para a produção independente. “Artistas” sem talento
apelam para a sexualidade e (ou) algum outro modo grotesco para se promoverem, enquanto reality shows mostram uma tendência de péssimo gosto, como se aquilo fosse a nossa realidade. Retrata também, um
pouco sobre a evolução do armazenamento e dos equipamentos de som, desde o gramofone até o mp3, causando uma verdadeira revolução no cenário musical.
Palavras-chave: Indústria fonográfica; indústria cultural; arte; música pop; evolução dos equipamentos de som.

Introdução

Desde os primórdios, a tecnologia tem ajudado e afetado o desenvolvimento do ser humano. Cada vez mais ela vem transformando tudo ao nosso redor, principalmente na atualidade, na maneira de nos comunicar,
de interagir e de nos comportar. A velocidade que tudo evolui é incrível e a forma de consumirmos e descartarmos as coisas está fora de controle. Há pouco mais de dez anos, era praticamente impossível o vazamento
de uma música, álbum ou filme antes do lançamento oficial. Hoje em dia é comum.
Na grande maioria, as inovações são voltadas para o mercado do entretenimento e da arte (música, cinema, fotografia, turismo, etc.), que se modificaram para abrir novas possibilidades ao consumidor e aos
produtores.

13 Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro. Radialista, Especialista em História do Cinema Nacional pela ECA-USP. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura — EAHC — da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do HCSM — Núcleo de Estudos de História da Cultura, Sociedades e
Mídias, certificado pelo CNPq. E-mail: matheusribeiro83@hotmail.com.
A evolução da indústria cultural

No final do século XIX a influência da Revolução Industrial, do aumento das velocidades, das máquinas a vapor, do avião, do estudo da mente entre outros elementos que contribuíram para a mudança do
pensamento e das atitudes, com a evolução da fotografia e do cinema que estavam dando um outro rumo à arte visual, com cada vez mais realismo e efeitos especiais rudimentares, pintores e escultores começaram a
mudar seu modo de expressão, dando o início à Arte Moderna, Pós-Moderna e Contemporânea, com artistas como Manet, Monet, Cézanne, Degas, Renoir, Van Gogh, Munch, Matisse, Pablo Picasso, Duchamp,
Salvador Dali, Vassarely e Andy Warhol, todos muito criativos e inovadores. Não foi fácil para estes artistas serem aceitos pela crítica que já estava acostumada com padrões estéticos bem definidos, mas, aos poucos,
suas exposições foram aumentando e o público passou a aceitar e entender as obras modernistas.
A evolução das mídias e formatos de distribuição das artes transformou a indústria cultural. Antigamente o artista era “descoberto” por uma gravadora, estúdio, produtor, empresário, etc. influente, que o
encaminhava ao sucesso.
Era preciso ter um talento e dedicação incrível, coisa que todos buscavam.
O cinema era mudo e a trilha sonora de acompanhamento das imagens era inexistente, sendo substituída por música ou efeitos sonoros executados por músicos e sonoplastas, tudo ao vivo no momento da
exibição. As bandas também executavam suas músicas ao vivo nas rádios, ou seja, com a maior perfeição possível.

Comercialização e reconhecimento da arte mundialmente

Os nazistas usaram muito do cinema como instrumento de propaganda política e de controle da opinião pública, mas em contrapartida, o gênio Charles Chaplin produzia, dirigia e atuava em seus próprios filmes
de comédia.
Com o final da 2ª Guerra Mundial, a arte começou a se expandir ao redor do mundo com mais facilidade e rapidez. A partir de 1950, com o crescimento da televisão, os estúdios de cinema começaram a investir
em diversas tecnologias, como o 3D e o CinemaScope, para gravação de filmes em widescreen. Na mesma época era lançado o disco de vinil, outra revolução na indústria fonográfica, com maior durabilidade e
qualidade de gravação e reprodução. Enquanto os artistas ficavam cada dia mais famosos e ricos por causa da grande distribuição e visualização global, os empresários e gravadoras ficavam mais gananciosos.
Nos anos 60 no Brasil a moda era a Jovem Guarda, onde os cantores e bandas faziam versões cover do estava acontecendo nos EUA e Inglaterra. Foi um grande sucesso entre os jovens. Já no final dos anos 60 e começo
dos anos 70, foi o momento da MPB aparecer combatendo a ditadura, com letras muito bem elaboradas de modo a “enganar” os militares, enquanto nos EUA artistas faziam festivais revolucionários e de paz contra a
guerra no Vietnã.
Anos 70 foi a época da Disco Music e Heavy Metal, com estilos visuais diversificados e autênticos. A fita cassete (K7) era a grande sensação por ser portátil e tocada em automóveis. Na televisão multiplicaram-
se programas de auditório, telenovelas e noticiários.
A MTV (Music Television) entra no ar nos EUA, no início anos 80, apresentando videoclipes de todos os estilos musicais, enquanto o rap, um discurso rítmico com rimas e poesias, surge entre as comunidades
negras e ganha espaço nas mídias. No Brasil é a vez do rock nacional, com bandas de protesto e atitude. O sertanejo ganha grande espaço também com duplas românticas.
Já nos anos 90, a tecnologia estava com tudo. Câmeras fotográficas, filmadoras, videogames, mini games, CDs, fitas VHS, walkman (reprodutores portáteis de K7) e discman (reprodutores portáteis de CDs),
telefones sem fio, computadores e internet. No cinema, filmes de ação com grandes explosões e efeitos especiais. A qualidade musical e televisiva já começa a cair bastante, com muita apelação à sexualidade.

O começo do fim

Com esse apelo à sexualidade, tudo era aceitável. Na televisão, programas infantis e de auditório com apresentadoras e participantes seminuas, músicas pornográficas com direito a danças eróticas em horário nobre.
As gravadoras comandavam o mercado da música, pagando “jabá” (propina) aos programas de rádio e TV e ditavam o que seria a moda do momento, fazendo uma lavagem cerebral nos telespectadores. As bandas
e artistas tinham contratos escravizantes, eram abusados pelos empresários cruéis e gananciosos, inclusive sexualmente. Eram feitos de marionetes, coisa que acontece até hoje. Praticamente impossível para uma
banda independente se destacar e alcançar o tão desejado “sucesso”.
Mas até então, o público ainda tinha um pouco de individualidade no modo de pensar, se vestir, ouvir e assistir, até que vieram os anos 2000. Um bombardeio de reality shows no mundo todo. A internet se
expandindo a toda velocidade. O que era necessário ficar horas e horas esperando para ter acesso via linha discada para pagar apenas 1 impulso telefônico da meia noite as seis da manhã, agora ganhava acesso
ilimitado por um preço único via cabo, dando acesso a conteúdos jamais imaginados aos internautas que ficavam cada vez mais conectados ao mundo virtual e alienados do mundo real, fazendo amizades em bate-
papos (chats), tendo acesso livre e gratuito a todo tipo de pornografia, informações e notícias ao vivo do mundo todo, pirataria de músicas (que já estavam em formato mp3 e sendo hackeadas) e filmes, jogos e
TV on-line, redes sociais, etc.

O fim dos álbuns

Mas qual foi o grande ponto de virada da indústria? Tudo começou ainda na década de 90, mais precisamente em 1998. Enquanto no Brasil os mais moderninhos usavam discmans para ouvir suas músicas, na
Coreia do Sul a Saehan criava o primeiro aparelho para reprodução de mp3. A portabilidade aliada ao fácil acesso às músicas era a chave para toda uma revolução. Enquanto os CDs exigiam meses de espera para
seu lançamento e os discos tinham preços nada camaradas, o mp3 poderia ser baixado em alguns minutos.
Em 2001 aconteceu o boom da mobilidade. Steve Jobs anunciava o que viria a ser a maior febre da década: o iPod. Ele foi apresentado apenas alguns meses após o lançamento do iTunes, a loja da marca que
permite comprar músicas em formato digital. A inovação estava na velocidade, na comodidade e na economia: Sem precisar sair de casa e sem a necessidade de fazer a compra de álbuns inteiros, você poderia curtir
suas músicas preferidas, algo nunca imaginado antes.
Os lançamentos saíram das rádios e foram parar na tela do computador. Para ouvir suas músicas no carro ou na hora da ginástica, não era mais necessário comprar discos ou ficar esperando em frente
ao rádio para gravar fitas. Com poucos cliques, tudo passou a caber em seu bolso.

O fim da MTV e o início de uma nova era para a música

O encerramento das transmissões da MTV brasileira como canal de televisão aberta marcou o final de uma era e, ao mesmo tempo, demonstra muito bem a forma como a popularização das redes sociais e a internet
em geral mudou o consumo de conteúdo musical.
Até o começo dos anos 2000, era preciso esperar a noite de sexta-feira para conferir na programação da MTV o lançamento de determinado videoclipe. Tudo era feito com um enorme suspense:
Durante a semana, várias chamadas anunciavam a novidade da banda que lançaria o clipe, convidando o público a acompanhar a primeira transmissão do novo conteúdo.
Depois da transmissão, linhas telefônicas ficavam congestionadas de jovens que queriam compartilhar com seu grupo de amigos as primeiras impressões. Quem tinha gravado o clipe em seu videocassete poderia
assistir novamente, caso contrário era provável que somente no dia seguinte ele se repetisse.
A mudança começou em 2005, com a criação do YouTube. A rede de compartilhamento de vídeos deu início à grande parte da acessibilidade que temos hoje. Se antes, para ver um clipe, era preciso esperar a
MTV transmitir o conteúdo, conferir fitas ou abrir arquivos digitais em discos (que muitas vezes eram vendidos como extras nos CDs de bandas), agora com poucos cliques na tela ele aparecia em seu computador.
Em poucos anos, o YouTube virou um fenômeno e as gravadoras começaram a perceber que ele era um poderoso instrumento para a divulgação de bandas. E foi exatamente nesse ponto que a MTV começou a
ficar de lado. Em 2009, o YouTube já era chamado de “A nova MTV”, algo que foi potencializado ao longo dos últimos anos. Canais exclusivos de gravadoras e grupos de entretenimento, como o VEVO, começaram a
priorizar a promoção na internet, levando a exclusividade que antigamente era de rádios e canais de televisão para a web.
Tudo isso é potencializado com a divulgação de conteúdo pelo novo “boca a boca”, que ocorre em compartilhamentos de redes como Facebook e Twitter. Em poucos minutos uma nova música vira o assunto
mais comentado das redes, atraindo cada vez mais acessos ou visualizações para os vídeos. Dessa forma, você pode conhecer em segundos novos artistas ou músicas, o que, antigamente, poderia levar dias, semanas
ou até mesmo meses para chegar aos seus ouvidos. Isso gerou mais um novo fenômeno, que são as celebridades instantâneas.

Banalização geral

Sem quase nenhum controle ou policiamento virtual, grande demanda do conteúdo publicado na internet é de má índole, mentiroso, racista, com vírus ou comprometido. As fotos de revistas são todas tratadas e
manípuladas por Photoshop, enganando completamente a leitora que entra em depressão, a “doença” do século, por achar que nunca será como as modelos. Tudo é superficial.
Pessoas sem talento algum que se julgam artistas e (ou) performers, usam de museus e lugares públicos para exibirem suas peças ou obras de “arte” que não fazem sentido algum, de péssimo gosto, sem nenhuma
criatividade ou qualidade, ofensivas, pornográficas, hereges e desrespeitosas às religiões.
A televisão manipula o telespectador banal, que acredita em tudo que vê. As gravadoras (que perderam a força) se venderam ou se uniram, sobrando agora apenas três grandes impérios, Sony, Warner e Universal,
e usando de uma “fórmula do sucesso” (os mesmos acordes de músicas de sucesso antigas, letras repetitivas e monossilábicas, refrão atrás de refrão) e os mesmos compositores, criam músicas e músicos que do mesmo
jeito que surgem, desaparecem. Ganham fortuna com artistas que saem de talent shows e depois os descartam. Enganam o público que acredita que o artista é realmente um bom cantor e compositor, quando na
verdade ele é apenas um fantoche, uma logomarca. Com hardwares e softwares como Pro Tools (programa de produção musical) e plug-ins como Auto-Tune (matriz sonora para corrigir as performances no vocal
e instrumental), mixam, editam e masterizam as músicas do jeito que eles querem, fazendo delas um padrão de sucesso, um combo de hits. Os DJs modernos fazem a mesma coisa ou pior, pois utilizam desses
programas para criarem um monte de barulhos sem nexo.
Qualquer um agora pode produzir e lançar sua própria música em um home studio, sem custo de gravação e mixagem em estúdios profissionais e publicando na internet. É só cair no gosto do público
on-line. Artistas e produtores independentes publicam seus projetos na web, cortando os intermediários, poupando tempo e dinheiro. Claro que, na maioria, com qualidade duvidosa ou péssima, salvo raras
exceções que chegam com inovação e ótima qualidade.
Mas o maior efeito da tecnologia atual na humanidade foi o smartphone, que veio pra escravizar as pessoas de vez. A interação pessoal está cada dia que passa mais escassa, pois o indivíduo tem tudo o que
necessita nesse aparelhinho portátil. Ninguém mais usa o telefone para ligar, mas sim para trocar mensagens, usar mídias sociais, ouvir música, assistir vídeos, ler notícias, receber e enviar e-mails, tirar fotos, GPS,
fazer serviços bancários, etc. e etc. São infinitas as possibilidades e apps (aplicativos) lançados a todo o momento. É impossível se desligar. Quando o sujeito está sem o dispositivo, se sente vazio.

Considerações finais

Com todo esse avanço na tecnologia que todo dia se renova, a humanidade está cada vez mais robotizada. Pessoas publicam fotos e comentários de autoafirmação, encobrindo uma verdade de autoajuda. São muito
destemidas e se sentem seguras para escreverem o que quiserem por detrás da “telinha” de seu computador, tablet ou smartphone, mas na realidade, não sabem mais se comunicar pessoalmente na vida real.
O curioso é que, enquanto a qualidade no mundo da arte e da música cai porque as pessoas exigem cada vez menos, no cinema e séries a qualidade de conteúdo só aumenta. Por que será? Exigimos séries e filmes
com alto teor de criatividade e inovação, com uma trama bem elaborada, linda fotografia e trilha sonora, mas nos deixamos enganar por obras de artes fúteis e músicas repetitivas.
Crianças, ainda muito pequenas, são presenteadas com tablets e outros aparelhos que as entretenham, para que deem sossego aos pais que também estão entretidos em seus próprios mundos virtuais. Infelizmente,
a tecnologia conduziu o mundo para um lado sombrio, mas que já era esperado.

A Evolução dos Equipamentos

1877: Cilindro fonográfico


O cilindro fonográfico foi a primeira mídia que obteve sucesso na gravação e reprodução sonora. A tecnologia era usada no fonógrafo, sendo ambos os dispositivos inventados por Thomas Edison em 1877.
O maior problema dos cilindros fonográficos era a sua durabilidade. As primeiras amostras eram feitas de folha de estanho e podiam ser reproduzidos apenas 3 ou 4 vezes. Apesar de serem praticamente
descartáveis, na época essa mídia abriu novas perspectivas para a indústria fonográfica.
De acordo com algumas lendas, a primeira gravação feita por Edison no protótipo do seu aparelho de gravação foi a mensagem: “Mary tinha um cordeirinho”. Algum tempo depois, as folhas de estanho foram substituídas
por metal ou cera na confecção dos cilindros — aumentando a durabilidade de reprodução da mídia. Embora tenha sido pensado para o registro apenas de fala, não demorou para que essa invenção fosse adotada para guardar
músicas.
1887: Disco plano (gramofone)
Dez anos mais tarde, o alemão Emile Berliner criou o gramofone — equipamento considerado o sucessor direto do fonógrafo. A principal diferença entre essas tecnologias é que o gramofone passou a usar
discos planos constituídos de cera, vinil, cobre e goma laca em vez dos cilindros de Thomas Edison. Tendo maior resistência e uma capacidade maior para as gravações, o sucesso dos discos planos e do gramofone
foi quase imediato e eles logo foram adotados pelos músicos para gravar e reproduzir as suas composições.
1948: Disco de vinil
A indústria fonográfica viu outra revolução em suas tecnologias somente em 1948 com o surgimento dos discos de vinil, que ainda eram chamados de Long Play. No auge dos seus 64 anos de existência, muitas
pessoas ainda preferem o som analógico dos LPs.
Produzida com material plástico leve e flexível, essa mídia tem ranhuras espiraladas que conduzem a agulha do toca-discos — também conhecido como vitrola ou radiola. Tais sulcos microscópicos causam
vibrações na agulha, as quais são transformadas em sinais elétricos que, quando amplificados, geram sons audíveis.
1958: Cartucho 8-track
Popular nos EUA nas décadas de 60 e 70, essa mídia foi a pioneira em gravar conteúdos sonoros em fitas magnéticas — técnica que mais tarde originou outros mecanismos que servem para o armazenamento
de dados, como os discos rígidos.
O primeiro cartucho 8-track desenvolvido para o uso comercial foi lançado em 1958 e essa mídia foi a precursora no desenvolvimento de equipamentos sonoros portáteis — embora o aparelho que a tocava
não fosse tão fácil de ser transportado como os dispositivos que temos hoje.
1963: Fita cassete
As fitas cassete (ou K7 para os mais “chegados”) são a evolução dos cartuchos 8-track, com a vantagem de serem menores. No início, devido à baixa qualidade sonora, essa mídia era usada apenas para gravação
de conversas, entrevistas e palestras.
Com os reparos das falhas mecânicas e de gravação existentes nas primeiras versões da tecnologia, as fitas cassete ganharam uma enorme popularidade em todo o planeta. O auge dessa mídia foi dos anos 70 até
meados da década de 90 — quando foi desbancada pelo CD.
1982: CD
O CD, ao menos até as atuais gerações, dispensa apresentação. Essa mídia óptica foi desenvolvida especificamente para armazenar e reproduzir arquivos de áudio. A tecnologia foi criada em 1979, mas os compact
discs só começaram a ser comercializados a partir de 1982. Esses discos compactos dominaram as prateleiras ao longo dos anos 90 e início dos anos 2000.
Além de quebrar paradigmas na época de seu lançamento, essa mídia foi inspiração para o desenvolvimento de outros meios de guardar conteúdos digitais, como os DVDs e os discos de Blu-Ray. É fato que os CDs
estão perdendo espaço com o passar dos anos e a popularização de outras mídias, mas você ainda pode encontrá-los com facilidade no mercado.

Miniaturização

1990: MiniCD
Os miniCDs são basicamente CDs menores e com sua capacidade de armazenamento reduzida. Embora tenha sido pensada para substituir o CD com foco na portabilidade, essa mídia não vingou e pouco foi
usada para a reprodução de músicas.
Atualmente, eles ainda são usados, em baixa escala, para fornecer informações ou conteúdos de suporte para equipamentos eletrônicos, como drivers de mp3 players e webcams. O primeiro player específico para
esse tipo de disco foi lançado em 1990.
1992: MiniDisc
Criado pela Sony, o MiniDisc visava transformar conteúdos analógicos em digitais a partir de equipamentos de gravação. Em suma, ele é um miniCD regravável com a intenção de guardar e reproduzir músicas.
De acordo com a empresa que a criou, essa mídia é capaz de ser regravada até 1 milhão de vezes. O MD foi anunciado pela multinacional japonesa em 1991, mas só começou a ser vendido no ano seguinte. Apesar da
capacidade, a tecnologia teve grande sucesso apenas no Japão.
1998: MP3 Player
O mp3 player chegou para revolucionar a forma como as músicas eram armazenadas e ouvidas no ano de 1998 com créditos para a empresa coreana Saehan. Ele praticamente liquidou com todas as tecnologias
antecessoras por ser facilmente transportado em qualquer bolso ou mochila e pela sua longa vida útil se comparado às outras mídias existentes até então.
O primeiro aparelho lançado tinha meros 32 MB de memória (espaço irrisório para os padrões atuais). Um ano depois, a Samsung lançava o primeiro celular com suporte para esse tipo de funcionalidade.

Memória flash

2000: Pendrive
Embora não tenha sido criado com o intuito de ser repositório de canções, a popularização de eletrônicos com portas USB, como PCs, TVs, notebooks e aparelhos de som — inclusive automotivos —, deu ao
pen drive mais uma utilidade: ser um dispositivo para o armazenamento de músicas.
As memórias flash USB começaram a ser vendidas em 2000 (tendo suas patentes registradas em 1999 pela empresa israelense M-Systems) e ofereciam míseros 8 MB de espaço para guardar dados — mesmo
assim esse espaço era cinco vezes maior do que o dos disquetes.
Essa limitação inicial foi um dos principais motivos por essa mídia demorar muitos anos para ser adotada como equipamento para salvar canções. Atualmente, presenciamos a terceira geração dessa tecnologia,
que disponibiliza modelos muito mais velozes e “espaçosos”.
2005: Cartão de memória microSD
Variação desses primórdios da memória flash, o padrão microSD de cartões de memória foi usado inicialmente em celulares. Mas as suas medidas reduzidas e enorme espaço de armazenamento logo foram
adotadas por outros tipos de aparelhos eletrônicos — incluindo GPS, som automotivo e câmeras digitais. Quando anunciados em 2005, os cartões dessa categoria tinham no máximo 128 MB.

Streaming

O streaming no formato que o conhecemos tomou forma no final da década de 80 e começou a se desenvolver nos anos 90, sendo que a primeira rádio on-line surgiu em 1994. Contudo, a infraestrutura precária
e a baixa disseminação da internet nesse período fizeram que esse tipo de mídia demorasse para se popularizar.
Há aproximadamente três ou quatro anos é que o streaming ganhou força. Atualmente, existem inúmeros serviços em que você pode escutar música sem baixar nada, quando e onde estiver. Mais do que isso,
você já pode assistir a filmes completos em alta definição diretamente do seu PC sem fazer o download de nenhum arquivo.

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Experiência digital na educação


(Digital education experience)

Mousar Casanova.14

Resumo

Este artigo tem por objetivo trazer uma breve introdução da tecnologia digital na educação corporativa sob o ponto de vista de quem viveu essa experiência na última década e como ela influenciou o modo de
fazer educação corporativa. Nesta experiência, é contada também como a tecnologia digital rompeu fronteiras trazendo a desterritorialização dos programas de treinamento de educação corporativa, provocando
um fenômeno interessante, ao mesmo tempo que se dissolviam as fronteiras com desterritorialização, foi preciso reterritorializar novamente, com a necessidade de criar controles, tais como a gestão dos acessos,
distribuição de cursos, comprovação de realização do treinamento. Também apresenta os impactos que a tecnologia trouxe para as universidades e os principais desafios na consolidação de modelos pedagógicos no
desenvolvimento de metodologias que atendam às necessidades dos alunos, a melhor compreensão do novo papel do professor na mediação com a aluno que estuda a distância, a melhoria da gestão dos processos,
bem como a implementação de equipes que entendam de tecnologia e de pedagogia. O texto destaca as dez competências que todo profissional vai precisar até 2020. São habilidades que ganharão destaque no
mercado de trabalho, segundo relatório do Fórum Econômico Mundial, divulgado em 2016. Até 2020, 35% das habilidades mais demandadas para a maioria das ocupações deve mudar, essas mudanças são
justificadas no contexto da chamada Quarta Revolução Industrial, composta pela robótica avançada, automação no transporte, inteligência artificial e aprendizagem automática. Frente a todos esses desafios, as
universidades precisam se preparar e ressignificar seu papel na conexão entre os vários campos do conhecimento, relacionando cada vez mais a educação com a construção do conhecimento.
Palavras-chave: Educação corporativa; desterritorialização; quarta revolução digital; competências.

Abstract

This article aims to bring a brief introduction of digital technology in corporate education from the point of view of those who lived this experience in the last decade and how it influenced the way of doing
corporate education. In this experience, it is also told how digital technology broke boundaries bringing deterritorialization of corporate education training programs, but at the same time, provoking an interesting
phenomenon, while dissolving borders with deterritorialization immediately to reterritorializando returned, with the need to create controls, such as access management, course distribution, and proof of training.
It also presents the impacts of technology brought to universities and the main challenges in the consolidation of pedagogical models, in the development of methodologies that meet the students’ needs, a better
understanding of the new role of the teacher in mediating with the student who studies at a distance, improvement of the management of the processes, as well as the implementation of teams that understand
technology and pedagogy. The text highlights the 10 skills that every professional will need by 2020, are skills that will gain prominence in the job market, according to a report by the World Economic Forum,
released in 2016. By 2020, 35% of skills most demanded for most occupations must change, these changes are justified in the context of the so-called Fourth Industrial Revolution, composed of advanced robotics,
automation in transportation, artificial intelligence and automatic learning. Faced with all these challenges as Universities need to prepare and re-signify their role in the connection between the various fields of
knowledge, relating education more and more with the construction of knowledge.
Keywords: Corporative education; deterritorialization; fourth digital revolution; Skills.

Tecnologia na educação corporativa

Nos últimos 14 anos da minha vida profissional, atuei na Educação Corporativa de uma grande empresa, responsável pela definição de políticas e diretrizes de treinamento e pelo desenvolvimento e implementação
de estratégias e soluções de capacitação para as áreas de negócios. Realizar educação no ambiente corporativo sempre foi um grande desafio, a exigência em tentar garantir os objetivos de aprendizagem, assegurar a
qualidade e a permanente evolução dos programas educacionais sem perder o foco em custo e eficiência, eram preocupações constantes.
No mundo corporativo o aprendizado “precisava” necessariamente acontecer, ele tinha que ser convertido em resultado para a organização. A pressão nesse sentido era grande. Os conhecimentos transmitidos
por meios dos treinamentos precisam gerar mudanças de comportamentos. Por exemplo, um treinamento para um cargo de vendas precisava gerar mais vendas, um treinamento para líderes, precisava gerar um
clima melhor na organização e menos reclamações trabalhistas e assim por diante.
Modelos e métricas eram utilizados para avaliar os treinamentos, tais como o de Donald Kirkpatrick e de Jack Phillips. Eram metodologias trazidas da literatura e adaptadas para o mundo corporativo, visando
entender se as ações realizadas estavam contribuindo para os resultados da empresa. As avaliações procuravam mensurar os treinamentos em quatro níveis de avaliação:
1. Reação: Avaliar se o participante ficou satisfeito com o treinamento.
2. Aprendizagem: Avaliar a aprendizagem imediata ou a retenção do conhecimento ao longo do tempo.
3. Comportamento: Avaliar após o treinamento se houve mudanças percebidas no comportamento ou de impacto no negócio, por meio de avaliação subjetiva do gestor.
4. Resultado: Avaliar se a ação de treinamento impactou indiretamente nos resultados, tais como aumento nas vendas de um determinado produto ou serviço.
O ano era 2002, os programas de treinamento aconteciam presencialmente e não era possível alcançar todo o público-alvo de colaboradores. Tínhamos volume de pessoas e dispersão geográfica pelo Brasil todo,
o que impactava diretamente custos com transporte, hospedagens e alimentação. Nem todos os colaboradores eram treinados e muitas dúvidas pairavam sobre as ações de treinamento implementadas. Como ter
certeza sobre a efetividade dos resultados desse processo? Como saber se os conhecimentos eram realmente transferidos e se geravam resultados? Como saber se o processo de educação estava na direção correta?
No papel de gestor de educação, sempre estiveram presentes os cuidados em propiciar nos treinamentos metodologias educacionais com aplicação prática do conhecimento, integrando o aprendizado e o
desenvolvimento das pessoas o mais próximo possível do mundo real. Também buscávamos apoiar o desenvolvimento dos programas de educação corporativa em três pilares que se apoiam nas premissas do
Modelo Andragógico de Malcolm Knowles:
1. Preparação: Apresentando as questões essenciais e desafios e estimulando o pensamento crítico de tudo que é experimentado, facilitando a organização dos conhecimentos, ferramentas e recursos.
2. Experimentação: Criando as condições e a ambientação para que o conhecimento faça sentido pela aplicação prática, permitindo tomar decisões semelhantes às adotadas na vida real, gerando envolvimento,
cooperação e colaboração.
3. Conexão: Com evidências do conhecimento aplicado na prática, provoca-se reflexões sobre o impacto do aprendizado no dia a dia e a preparação dos treinandos para as novas e diversas situações que a
dinâmica dos negócios pode trazer como desafio.
A tecnologia digital chegou no processo educacional da empresa em 2003, ampliando o acesso dos colaboradores aos programas de treinamento por meio de ações a distância. Foi o início de um novo modelo
educacional com uso de metodologias e recursos tais como e-learnings, vídeos, e-Books, trilhas e certificações de conhecimento e gamificação. A tecnologia digital permitiu um crescimento exponencial no volume
de pessoas treinadas, quebrando barreiras geográficas e reduzindo custos.
A mudança que a tecnologia estava introduzindo naquele momento era exatamente a desterritorialização descrita no artigo de André Lemos (texto do Bakhtin e Vygosty). Com dispersão geográfica muito
elevada, com filiais e colaboradores espalhados pelo Brasil, os treinamentos até então eram centralizados em São Paulo. Os colaboradores convocados para treinamento precisavam necessariamente se deslocar para
São Paulo, único território onde aconteciam as ações de capacitação de forma presencial, envolvendo altos custos com transporte, hospedagem e alimentação, representando 65% do valor do treinamento.
A tecnologia digital permitiu a desterritorialização dos treinamentos. O colaborador já podia realizar o treinamento em qualquer lugar, em qualquer momento e horário. Sua mesa de trabalho passou a ser o seu
território. Considere uma empresa com mais de 90 mil colaboradores. São 90 mil miniterritórios em que cada um pode realizar o seu desenvolvimento. A tecnologia estava dissolvendo fronteiras para o acesso aos
conteúdos ofertados pela organização.
Mas um fenômeno interessante passou acontecer. Ao mesmo tempo que que se dissolviam as fronteiras com desterritorialização, outros desafios começaram a surgir, tais como: Como fazer a gestão de
cada miniterritório, o que cada colaborador pode ou não realizar de treinamento, como saber se o treinamento foi realizado, como avaliar se houve aprendizado? As ferramentas e metodologias utilizadas no
desenvolvimento dos treinamentos presenciais precisavam de adaptações para serem aplicadas nos treinamentos a distância.
A tecnologia que efetivamente desterritorializou os treinamentos, os reterritorializou novamente! Cada miniterritório precisou passar a ser controlado pela tecnologia, a empresa passou a determinar o que cada
colaborador deveria realizar de treinamento para sua área de negócio. A empresa passou a controlar cada miniterritório, reterritorializando-o virtualmente no ciberespaço.
Toda mídia, da escrita à internet, cria processos que nos permitem driblar os constrangimentos do espaço e do tempo: Envio de mensagens a distância, processos mnemônicos. As mídias contemporâneas
instauram processos de territorialização e desterritorialização, a partir da compressão espaço-tempo (Harvey, 1992) e do desencaixe (Giddens, 1991) (André Lemos).
Com a reterritorialização, ou seja, o controle de todos os miniterritórios, por meio da gestão de um Learning Management System (LMS), a tecnologia digital inaugurou uma nova fase no processo de educação
corporativa das empresas. Com a tecnologia foi possível implementar ferramentas que possibilitavam mensurar o desempenho dos colaboradores, apontando pontos fortes e pontos de melhorias no mapa de
competências de cada colaborador. A oferta de treinamento passou a ser customizada por área de negócio.
Foram implementadas trilhas de aprendizagem que, na concepção de Freitas (2002), são caminhos alternativos e flexíveis para promover o desenvolvimento das pessoas, sequências integradas e estruturadas
com a finalidade de proporcionar a aprendizagem das competências necessárias ao desempenho em diferentes atividades e perfis dentro da empresa. Apresentam características que possibilitam uma aprendizagem
contínua, mais centrada no participante e suas necessidades de desenvolvimento, sem perder o foco nas necessidades de desenvolvimento da própria empresa.
A tecnologia digital influenciou profundamente a forma de fazer educação corporativa, mas vale uma reflexão sobre tudo isso: A aprendizagem não é um evento e sim um processo. Mas na maioria das vezes,
aplica-se a educação com um evento ou um fim em si mesmo, quando na verdade, o último dia de treinamento é apenas o início de processo de transferência do conhecimento dado pela sua aplicação no dia a dia.
Podemos ter muita tecnologia, mas sem necessariamente gerar a mudança de comportamento que esperamos. Será que mudamos a mídia, mas não mudamos o método ou o lócus de controle? A tecnologia é
imprescindível para grandes avanços na educação corporativa, mas será que estamos prontos para usá-la da melhor forma possível?

Tecnologia na Universidade

Nas universidades, a tecnologia digital também tem gerado impactos significativos no ensino. O que se pode ter como percepção é que as universidades ainda estão correndo para acompanhar o ritmo das
tecnologias, ainda com desafios tais como consolidação de modelos pedagógicos, desenvolvimento de metodologias que atendam às necessidades dos alunos, melhor compreensão do novo papel do professor na
mediação com a aluno que estuda a distância, melhoria da gestão dos processos, bem como equipes que entendam de tecnologia e de pedagogia. Essa combinação de fatores poderá, eventualmente, ser suprida por
um novo profissional de mercado, o das Humanidades Digitais. As Humanidades Digitais terão desafios de identificar como as tecnologias podem ser melhor utilizadas nos processos educacionais de programas a
distância, identificando uma linguagem pedagógica apropriada à aprendizagem mediada pelas mídias disponíveis.

14 Mousar Casanova. Consultor em Educação Corporativa, experiência no desenvolvimento e aplicação de soluções de educação presencial e a distância, especialmente em temas relacionados à gestão de pessoas e negócios. Licenciatura em ciências e bacharelado em matemática pela Universidade São
Judas, especialização em administração pela FECAP, MBA Executivo pelo IBMEC e Educação, Arte e História da Cultura — EAHC — da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: mousarcasanova1@gmail.com.
FIGURA 1. Mudamos a mídia, mas não mudamos o método ou o lócus de controle.

A tecnologia digital trouxe uma transformação profunda na forma de produzir e consumir conteúdo. A grande mudança está na fragmentação e descentralização da informação, bem como na velocidade da
própria transformação. Inevitavelmente, em sala de aula, não será mais possível falar apenas com o aluno de corpo presente. Ele já não está só na sala de aula, ele está “espalhado” num mundo virtual onde tudo e
todos estão conectados e interligados pelos vários fios condutores de conhecimentos de um ecossistema. O desafio da educação e, especificamente do professor, é entender que o aluno em sala de aula, também está
levando informações e conhecimentos a que todos os alunos podem ter acesso e o professor está competindo com todas as informações que os alunos podem acessar. A compreensão desse novo contexto conduz o
professor a repensar seu papel em sala. Esse novo papel não é apenas levar informação e replicar o conhecimento, mas também ajudar no pensamento reflexivo do aluno, oferecer caminhos para que este possa abrir
sua mente para um mundo novo cheio de perspectivas e possibilidades.
As mudanças que as tecnologias digitais estão trazendo na educação, têm na sua essência uma transformação entre mundo físico e virtual, elas estão integrando o ser humano entre dois mundos, criando um
novo ecossistema. Essa transformação reside na fragmentação e na descentralização; muitas informações em todo lugar e de forma fragmentada. Refletindo sobre a Instituição de Ensino Superior (IES), ela pode
deixar de ser o lugar onde se busca conhecimento somente por meio de um professor e passar a ser apenas mais um dos locais onde se busca o conhecimento. As informações e conhecimento estão nesse ecossistema
e a IES e o professor precisam apoiar o aluno a encontrar o fio condutor que o levará por um caminho com ramificações que contém parte do conhecimento ou indica conhecimento em sistemas paralelos.
O futuro deverá ser muito peculiar e interessante, sinalizando que a IES será um lugar híbrido em que o mundo físico e o virtual coexistirão. As atividades não são um fim em si mesmas e não terminam na
sala de aula, elas continuam fora. A compreensão desse modelo pode levar a uma transformação da IES, incentivando cada vez mais o ambiente de colaboração. O futuro aponta para a importância de estar atentos
às novas tecnologias e o quanto elas podem auxiliar nos processos de ensino aprendizagem, transformando a educação em um ambiente de troca e colaboração e de como essas dinâmicas podem favorecer a busca
pelo conhecimento.

Tecnologia digital e o modelo de educação, uma mudança possível

A grande experiência que vivemos nesse ecossistema é que, até meados do século XX, contávamos as mudanças ocorridas na História “do lado de fora”. Elas demoravam para acontecer e viravam histórias contadas
em sala. Hoje contamos as mudanças dentro do “olho do furacão”, estamos vivendo a mudança e sendo a própria mudança. Esse ecossistema traz conexões infinitas, nos mantendo constantemente on-line, gerando
um fenômeno interessante e amedrontador: Nós estamos transferindo parte de nós mesmos para esse ecossistema, ampliando nosso cérebro e nossas conexões para as plataformas tecnológicas, criando certo
cibridismo. Há uma mistura entre um pouco de nós aqui no mundo físico e um pouco de nós no mundo virtual.
É esse o aluno que vem chegando às universidades e que, necessariamente, tem mais habilidades com a tecnologia do que o professor atual, mas que de certa maneira também é um cenário passageiro, pois
muitos desses alunos de hoje assumirão a docência daqui há alguns anos e enfrentarão desafios muito maiores do que os vividos atualmente. Mas uma coisa não vai mudar, o professor continuará sendo a referência
em experiência de vida e conceitual para os alunos. Fazer a combinação harmônica entre professor, aluno e tecnologia será fator crítico de sucesso na educação daqui para a frente.
Muitas universidades já compreenderam a necessidades de uma mudança frente a esse novo cenário, mas há uma parcela ainda formatada com características voltadas à era industrial. Um aluno que entra hoje
na universidade poderá ser surpreendido com a obsolescência de alguns conhecimentos aprendidos entre o primeiro e o último ano da faculdade, além de correr o risco de ter sido preparado para uma realidade e
uma profissão que serão muito diferentes daquela a qual passou anos estudando. Esse é um dos pontos que pesquisadores, professores e profissionais de Humanidades Digitais deverão estar muito atentos, reforçando
a necessidade de uma mudança de mentalidade e uma conexão intensa com a tecnologia digital.
Outro lado da mesma moeda é que o que as tecnologias digitais estão fazendo pelo nosso cérebro hoje, talvez, possa ser comparado com o que as tecnologias mecânicas fizeram pelo músculo humano na
revolução industrial. Sabemos que não estamos mais falando da substituição clássica de mão de obra, mas provavelmente algo próximo do nosso cérebro. Isso muda profundamente a maneira de pensar a formação
do educador, as metodologias, as ferramentas e a estratégia de ensino e pesquisa.
A tecnologia digital sinaliza para uma necessidade de mudança do modelo de educação, assim como já vem acontecendo em outras áreas, tais como a economia com bitcoins, na administração com mudança do status
quo e quebra de hierarquias e assim por diante. Para viver e sobreviver nesse novo ecossistema, precisamos nos adaptar as essas mudanças. Uma avalição mais profunda nesse contexto é que as universidades precisarão
encontrar o seu novo papel nesse novo ecossistema. Sem dúvida, haverá a necessidade de reestruturação da escola e uma nova visão na formação de professores, inclusive numa possível revisão do currículo.

FIGURA 2. Por que continuar fazendo as mesmas coisas? Por que não romper com os limites na aprendizagem?

O futuro bate à porta

O Fórum Econômico Mundial publicou em 2016 o relatório The Future of Jobs, sinalizando que, nos próximos quatro anos, influenciadas pela Quarta Revolução Industrial, mudanças socioeconômicas, geopolíticas
e demográficas impactarão diretamente o mercado de trabalho. Esse cenário afeta diretamente as universidades e sinaliza para a necessidade de uma forte aderência dos currículos ao que o futuro do mercado de
trabalho espera, formando profissionais conectados com a quarta onda da Revolução Industrial.
O relatório destacou as dez competências que todo profissional precisará até 2020. São habilidades que ganharão destaque no mercado de trabalho, segundo relatório do Fórum Econômico Mundial. Até 2020,
35% das habilidades mais demandadas para a maioria das ocupações deve mudar, segundo o relatório. As mudanças são justificadas no contexto da chamada Quarta Revolução Industrial, composta pela robótica
avançada, automação no transporte, inteligência artificial e aprendizagem automática.
As competências listadas no relatório estão ligadas a ações ainda impossíveis de serem realizadas por máquinas. O foco do relatório está nos aspectos em que nós, humanos digitais, ainda superamos os robôs.
As competências listadas no relatório são:
1. Resolução de problemas complexos: Nos próximos 4 anos, 36% das atividades em todos os setores da economia exigirão habilidade para solução de problemas complexos.
2. Gestão de pessoas: Capacidade de motivar, desenvolver pessoas e identificar talentos. Não é preciso, necessariamente, ter um cargo de “chefia”. Essa habilidade é demandada de profissionais que fazem gestão
de um projeto ou atividade e precisam engajar pessoas.
3. Criatividade: Os robôs perdem para nós em criatividade. Ainda não conseguem ter ideias inusitadas e inteligentes ou desenvolver alternativas criativas para resolver problemas.
4. Pensamento crítico: Pensamento estruturado, capacidade de comunicação clara, habilidade de fazer as perguntas certas, de reconhecer o problema atrás do problema e de olhar para uma questão sob diferentes
perspectivas define o conceito de pensamento crítico.
5. Coordenação: A capacidade de coordenar as próprias ações de acordo com as ações de outras pessoas.
6. Inteligência emocional: A gestão adequada das emoções é uma habilidade que pode fazer profissionais passarem pela crise com mais serenidade e sem perder o “espírito de luta”.
7. Capacidade de julgamento e de tomada de decisão: Pessoas hábeis em analisar dados e ambiente e tomar decisões a partir dessa análise.
8. Orientação para servir: A inclinação para ajudar os outros.
9. Negociação: Habilidades de negociação e conciliação de diferenças são importantes para todos os profissionais.
10. Flexibilidade cognitiva: Capacidade de criar ou usar diferentes conjuntos de regras e/ou informações para combinar ou agrupar as coisas de diferentes maneiras.
É interessante notar que lista de competências não parece ser tão futuristas assim. No entanto, tais habilidades são essenciais para imaginar e explorar possibilidades que permitirão o avanço da humanidade em
um mundo que está mudando em ritmo exponencial e em um cenário cada vez mais volátil, incerto, complexo e ambíguo, do inglês VUCA, um acrônimo usado para descrever situações que envolvem volatilidade
(volatility), incerteza (uncertainty), complexidade (complexity) e ambiguidade (ambiguity). Nota: o termo começou a ser utilizado no final dos anos 90 com origem no vocabulário militar.

Considerações finais

Um dos caminhos possíveis é intensificar o papel da universidades na conexão entre os vários campos do conhecimento, relacionando cada vez mais a educação com a construção do conhecimento, se possível com
um viés interdisciplinar. Professores e pesquisadores podem conduzir seus alunos a aprender a refletir, imaginar e explorar sobre tudo o que acontece e nos cercam e como tudo isso faz parte da nossa existência,
entendendo que não há mais separação entre o físico e virtual, estamos nos dois mundos que funcionam, se relacionam e interferem uns nos outros (Bakhtin e Vygosty).
O desafio da educação não é mais oferecer acesso à tecnologia para que os alunos tenham mais informações, mas prepará-los para que utilizem de forma mais eficiente a tecnologia e consigam navegar num mundo
mais complexo, portanto, não é só acessar a informação por meio da tecnologia, mas sim saber o que fazer com ela e como transformá-la em conhecimento. Nesse ponto o professor continuará sendo indispensável em
conduzir o aluno à construção do conhecimento, independentemente de estar no mundo físico ou virtual.

Referências bibliográficas

DEVELOPING LEADERS IN A VUCA ENVIRONMENT. Disponível em: <http://www.growbold.com/2013/developing-leaders-in-a-vuca-environment_UNC.2013.pdf>. Acesso em: 01 out. 2017.
GABRIEL, Martha. Educar: A (r)evolução digital na educação. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013.
FREITAS, I. A. Trilhas de desenvolvimento profissional: Da teoria à prática. In: Anais 6. ENANPAD. Salvador: ANPAD, 2002.
FREITAS, Maria Teresa de Assunção. Nos textos de Bakhtin e Vygostsky: Um encontro possível. Texto apresentado na mesa redonda: Bakhtin e seus interlocutores, durante o colóquio internacional Dialogismo: 100 anos de Bakhtin,
promovido pelo Departamento de Linguística da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da USP. SP, de 16 a 18 de novembro de 1995.
RELATÓRIO DO FÓRUM MUNDIAL ECONÔMICO 2016 REVOLUTION. The future of jobs employment, skills and workforce strategy for the fourth industrial. Disponível em: <http://www3.weforum.org/docs/
WEF_Future_of_Jobs.pdf>. Acesso em: 01 out. 2017.
SOUSA, Robson Pequeno; MOITA, Filomena M. C. da S; CARVALHO, Ana Beatriz Gomes. Tecnologias digitais na educação. Campina Grande/PB: Eduepb, 2011.
O USO DA TECNOLOGIA DE INFORMAÇÃO PARA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/dspace/handle/10438/2463>. Acesso em: 01 set. 2017.
TRILHAS DE APRENDIZAGEM. Disponível em: <https://eadbox.com/trilhas-de-aprendizagem/>. Acesso em: 01 out. 2017.
VOCÊ SABE O QUE É CIBRIDISMO. Disponível em: <https://www.internetinnovation.com.br/blog/voce-sabe-o-que-e-cibridismo/>. Acesso em: 01 set. 2017.

O livro digital: Elucubrações embrionárias de um leitor analógico


(The digital book: Embryonic lucubrations of an analog reader)

Misael Batista do Nascimento.15

Resumo

Este artigo apresenta o livro digital como culminação de um processo de desenvolvimento técnico e mudanças, iniciado com a criação da escrita. O livro surgiu como resultado direto da criação desta última. Até
então, a verbalização do mundo pela linguagem falada, privilégio inigualável, permitiu interação e organização social, limitando os registros das coisas à memória individual e coletiva. Em tal contexto, ensinar
e aprender correspondiam a fazer uso de habilidades retóricas e de memorização. Foi a chegada da escrita, lamentada por Sócrates, que possibilitou inclusive, a chegada até o leitor contemporâneo (pela pena de
Platão) dos ensinos do próprio Sócrates. A inserção da escrita na experiência humana não apenas adicionou tecnologia neutra, mas alterou o homem, modificando subestruturas de linguagem e sensibilidade,
revolucionando processos mentais e marcando a transição de uma cultura oral, focada no falar e ouvir, para uma cultura visual, focada em escrever e ler. Ao salvaguardar nomes, feitos e crenças, a escrita supriu
demandas culturais e administrativas. Porém, o registro em barro, pedra ou madeira contemplava durabilidade, mas não usabilidade. O livro foi criado para assegurar, organizar e publicar conteúdos. Seus primeiros
designers foram os escribas egípcios, que redigiam textos em colunas e usaram ilustrações. Eumênio II, rei de Pérgamo, criou o pergaminho, como alternativa ao papiro. Com a possibilidade de dobrar e encadernar
o pergaminho surgiu o códex, mais compacto e ideal para viagens. O livro nasceu com a substituição gradativa do pergaminho pelo papel, introdução de lombadas e conteúdos paginados e divididos em capítulos,
com costura e encadernação em couro, madeira ou metal. Devido ao alto custo e demora da produção, o acesso ao livro artesanal era restrito. A mecanização do processo de produção, com a prensa de Gutenberg,
15 Misael Batista do Nascimento. Teólogo e educador presbiteriano. Membro do Conselho de Educação e Publicações da Igreja Presbiteriana do Brasil. Especialista em Teologia Prática pela Faculdade Teológica Batista de Brasília. Doutor em Teologia pelo Centro Presbiteriano de Pós-Graduação An-
drew Jumper, SP e Reformed Theological Seminary, Jackson, Mississipi. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: misaelbn@me.com.
engendrou novas mudanças na cultura e no homem. A possibilidade de possuir um livro abriu espaço para o espaço privado de leitura e o ideário de individuação. Com isso, mais pessoas empenharam-se em leitura
ativa (que conduz à boa compreensão de um texto) e consolidou-se, entre os editores, uma arte do livro. Até aquele ponto, o livro era tido como um repositório da inteligência do homem e um objeto a ser lido, mas
isso mudou com o livro digital, herdeiro direto do desenvolvimento e prevalência da tecnologia. Este último produz desconfortos no leitor analógico: Desnorteamento, intimidação diante da curva de aprendizado,
insegurança do compartilhamento de dados em rede, possibilidade de dispersão e o questionamento sobre o futuro do livro impresso.
Palavras-chave: Livros e leitura; livros — história; editoração; comunicação escrita; tecnologia da informação.

Abstract

This article presents the digital book as the culmination of changes and as a technical development process, started out with the creation of writing, from which books emerged as a direct result. Until then,
the verbalization of the world through spoken language, a unique privilege, had enabled social interaction and organization, limiting the record of things to the individual and collective memory. In that context,
teaching and learning meant making use of rhetorical abilities and memorization. It was the advent of writing, lamented by Socrates, which enabled the advent of his own ideas (written by Plato’s pen) to the
contemporary man. Writing insertion in human experience not only added neutral technology, but also changed men, modifying language and sensitivity structures, revolutionizing mental processes and marking
the transition of an oral culture, focused on speaking and listening, to a visual culture, focused on writing and reading. By safeguarding names, doings and beliefs, writing met cultural and administrative demands.
However, registration in clay, stone or wood covered durability, but not usability. Books were created to ensure, organize and publish content. Their first designers were Egyptian scribes, who wrote texts in columns
and used illustrations. Eumenes II, king of Pergamon, created the parchment as an alternative to papyrus. The codex, more compact and ideal for trips, emerged with the possibility of folding and binding the
parchment. Books were born with the gradual replacement of parchment by paper, the introduction of book spines and paginated chapter-divided content, sewed and bound in leather, wood or metal. Due to high
cost and delay of production, access to artisanal books was restricted. The mechanization of production process, with the Gutenberg press, engendered new changes in culture and men. The possibility of owning
a book made way to private reading space and ideas of individuation. Thus, more people engaged in active reading (which leads to good comprehension of a text), consolidating, among editors, a book art. Until
that point, books were seen as a repository of man’s intelligence and an object to be read, but this idea has changed with digital books, which are direct heirs of the development and prevalence of technology. These
digital books cause discomfort in the analog reader: bewilderment, intimidation before the learning curve, uncertainty of network data sharing, possibility of dispersion and the questioning about the future of
printed books.
Keywords: Books and reading; books — history; editing; written communication; information technology.

Introdução

Desde os tempos primordiais, o objeto livro tem diferentes usos. Haslam nos informa que:
A palavra book deriva-se de uma velha palavra inglesa bok oriunda de beech tree (faia, tipo de árvore). Em português a palavra livro deriva-se do latim liber. Os saxões e os germânicos usavam as tábuas de
faia para escrever, sendo a definição literal de um livro “tábua para escrita” (HASLAM, 2010, p. 6).
Uma obra clássica do século 19 conceitua o livro como “uma obra escrita por qualquer pessoa esclarecida sobre qualquer assunto de ciência, para a instrução e o entretenimento do leitor” (ROUVEYRE, 2000,
p. 15).

A novidade e as repercussões da escrita

O livro foi inserido na experiência humana como resultado direto da criação da escrita. Até então, a verbalização do mundo pela linguagem falada, privilégio inigualável, permitiu interação e organização social,
limitando os registros das coisas à memória individual e coletiva. Em tal contexto, ensinar e aprender correspondiam a fazer uso de habilidades retóricas e de memorização. Não pensemos que se tratava de um
ambiente de comunicação informal, pois tanto o falar quanto o ouvir exigiam esforços significativos de formatação e sistematização (cf. ADLER, 2013, p. 11-17). Simplesmente, tais empreendimentos — ensinar
e aprender — eram levados adiante sem material escrito.
Sócrates parece tratar desta questão, ao mencionar a fala de Tamos a Theuth, no Fedro (PLATÃO, 2016, 274b—278b, p. 135-141). Lamenta-se ali a chegada das “artes da escrita” que, na opinião de Tamos,
alardeavam um auxílio à memória, quando na verdade, resultavam em desserviço à memória (pois os homens a usariam menos, confiando no registro escrito) e no afastamento da verdade em si (encontrada na
interação pessoal entre o mestre e seu discípulo), em favor de uma:
[...] aparente e não verdadeira sabedoria. Pois [...] vão ouvir falar de muita coisa que não aprenderam e serão aparentemente sabidos em tudo, quando ignoram a maior parte — e ainda de convívio difícil —,
feitos sábios em aparências e não em saberes (PLATÃO, op. cit., 275a-275b, p. 137, grifo nosso).
McLuhan (1972, p. 47) chama a atenção para o fato de Tomás de Aquino considerar “que nem Sócrates nem Nosso Senhor puseram por escrito seus pensamentos, porque a espécie de interação das mentes que
é ensinar não é possível por meio da escrita”.16 Ele sinaliza corroborar o parecer de J. C. Carothers, quando este compara as culturas oral e escrita, sugerindo que:
Foi somente quando a palavra escrita, e ainda mais a palavra impressa, apareceram em cena que se constituiu o cenário para as palavras perderem seus poderes mágicos e suas vulnerabilidades (ibid., p. 42,
grifo nosso).
E ainda (ibid., loc. cit., grifo nosso), “enquanto para os europeus, em geral [imersos em uma cultura escrita], ‘ver é acreditar’, para os africanos rurais [imersos em uma cultura oral] a realidade parece residir
muito mais no que se ouve e diz”.17 Por fim:
Quando as palavras são escritas, tornam-se elas, naturalmente, parte do mundo visual. [...]. Assim, em geral, as palavras, ao tornarem-se visíveis, juntam-se a um mundo de relativa indiferença para o
expectador — um mundo do qual se abstraiu o ‘poder’ mágico da palavra (ibid., p. 43, grifo nosso).
McLuhan (ibid., p. 44) assevera que a alfabetização modifica gradativamente “subestruturas de linguagem e sensibilidade”. Reconhece “a grande contribuição de Carothers [...] em assinalar a ruptura entre o
mundo mágico da audição e o mundo neutro da visão, e mostrar como, dessa cisão surgiu o indivíduo destribalizado” (ibid., p. 45). Esse momento, de visualização das letras, alterou a relação entre nossos sentidos
e revolucionou nossos processos mentais, como segue:
Se se introduz uma tecnologia numa cultura, venha ela de fora, ou de dentro, isto é, seja ela adotada, ou inventada pela própria cultura, e se essa tecnologia der novo acento ou ascendência a um ou outro
de nossos sentidos, altera-se a relação mútua entre todos eles. Não mais nos sentimos os mesmos, nem nossa vista e ouvido e demais sentidos permanecem os mesmos. [...] O resultado é uma ruptura da
relação normal entre os sentidos, uma espécie de perda de identidade. O homem tribal, analfabeto, vivendo sob a intensa pressão da organização auditiva de toda experiência, está, como se fosse, em estado
de transe (ibid., p. 48-49, grifo nosso).
A escrita salvaguarda e publica nomes, feitos e crenças com finalidade religiosa, artística (técnica) e histórica (mesmo o dito de Sócrates, contrário à escrita, é preservado pelo registro escrito de Platão). Destarte
a escrita supre, ao longo das eras, demandas tanto culturais quanto administrativas, mas da escrita ao livro, um caminho extenso teve de ser percorrido.

Uma trajetória breve do livro

O registro em barro, pedra ou madeira contempla durabilidade, mas não usabilidade. Se, guardadas as devidas proporções (pelo menos do ponto de vista de Theuth, como consta acima), podemos pensar na escrita
como suporte para a memória, é plausível enxergar o livro como suporte triplo para a escrita, uma vez que, em primeiro lugar, é necessário guardar o que se escreveu (assegurar o conteúdo). Em segundo lugar, é
preciso acessar os volumes e coleções de autores e escritos (organizar os conteúdos). Por fim, em terceiro lugar, é mister permitir a consulta e leitura em diferentes lugares (circulação dos conteúdos).
Haslam sumariza as origens do livro com precisão:
Podemos dizer que os primeiros designers de livros foram os escribas egípcios, que redigiam seus textos em colunas e já faziam uso de ilustrações. A escrita egípcia não era apresentada em forma de livro como
o conhecemos, mas em rolos — as folhas de papiro eram coladas umas às outras e enroladas em forma de cilindro que chegava a medir até 20 m de comprimento. [...]
Foi provavelmente Eumênio II, rei de Pérgamo (197-158 a.C.), na Ásia Menor, quem primeiro pesquisou o uso de peles de animais como uma alternativa ao papiro, que teve sua exportação proibida por
Ptolomeu Epifânio, de Alexandria. Os sábios do reino produziram uma pele de animal (carneiro) com dois lados, que após ser esticada em um caixilho, era secada, branqueada com giz e, então, polida e
alisada com pedra-pomes. Daí a origem do pergaminho, de membrana pergamena, pergamenum (op. cit. loc. cit.).
Paiva (2010, p. 14) informa que:
A variação que a pele traz para o suporte livro estaria no toque, maciez, beleza, qualidade da escrita, economia. Material adequado à ornamentação, tem superfície bem regular, oferece pouca resistência aos
instrumentos de escrita e confere excelente efeito visual para imagens.
A possibilidade de dobrar e encadernar o pergaminho deu origem ao códex (códice), mais compacto e ideal para levar em viagens. Gradativamente o pergaminho foi substituído pelo papel, “palavra derivada de
pāpyrus em latim ou pápyros do grego, [...] desenvolvido na China por volta de 200 a.C.” (HASLAM, op. cit., p. 7). Especialmente a introdução das lombadas, permitiu identificar, em uma estante, qualquer obra por
seu título, autor ou volume. Desde então, os conteúdos foram escritos em colunas, em páginas retangulares numeradas (resultantes das dobras dos pergaminhos ou folhas de papel) e divididos em partes (capítulos). E
tudo isso costurado e encapado com couro, madeira ou metal. Nasceu o livro.
Mas ainda não era o livro impresso. Tratava-se do livro artesanal, cuja produção era dispendiosa, limitada e dependente da technē do escriba copista, do criador de iluminuras (que, com um estêncil, coloria e
dourava ilustrações), do artista de gravura em madeira e das oficinas encadernadoras (WHITE, 2006, p. viii). O alto custo aliado ao tempo alongado de produção, impediam que este se difundisse para o público
mais amplo. Sendo assim, mesmo nas universidades que surgiram a partir do décimo segundo século, o bom aluno era o dotado de grande capacidade de memorização, pois o mestre lia o único volume disponível
de determinada obra. Adler (2013, p. 13) explica que “como a etimologia da palavra ‘preleção’ indica, oferecê-la consistia em ler um texto em voz alta, acompanhado de um comentário contínuo acerca do que ela
lido”. O aluno ouvia, tomava notas e decorava o que ouvia. Ainda que pudesse ler suas notas individualmente, não se podia dizer até aquele tempo, que houvesse um “espaço privado” do leitor — um ambiente em
que ele próprio pudesse entabular diálogo com o texto completo do livro (MCLUHAN, op. cit., p. 82-83). É claro que indivíduos ou famílias, bem como comunidades de maior poder aquisitivo desfrutavam do
privilégio do acesso a acervos de leitura. Isso, porém, não altera o quadro geral: Não havia disponibilidade de livros em grande escala; o saber literato era restrito.
Daí apareceu Gutenberg, que inventou a imprensa e impactou o mundo.
Gutenberg ilustra um princípio: Parece que Tofler estava certo ao capitalizar a ideia de “ondas de mudança” (TOFLER, 1992, p. 15-32). A metáfora da onda é útil, sugerindo a ideia de algo novo (um movimento)
que não exclui o que existia antes (o movimento anterior). O livro, que já existia em forma artesanal, para uso de indivíduos ou grupos privilegiados, ao ser publicado por meio de um processo mecânico, tornou-se
acessível a um público amplo.
Ocorreu algo similar à invenção da escrita. Alcançado pelas novidades providas pela prensa móvel de Gutenberg, o público mais amplo foi não apenas informado, mas transformado. O processo de produção do
livro mudou e o homem mudou com ele. Richard Sennett repercute Carothers e McLuhan ao sugerir que o ser humano pensa por meio do fazer (SENNET, 2009, passim). O acesso ao livro trouxe, em seu bojo, o
espaço privado de leitura e o ideário de individuação e privatização (o leitor podia, finalmente, se fechar em um ambiente somente seu e mergulhar em seu livro). Nesse contexto, ampliou-se o espaço para a leitura
ativa.
Mas o que é isso, leitura ativa? A experiência remonta à primeiras leituras de textos escritos, mas a conceituação surgiu no século XX, com a obra Como Ler Livros, de Adler e Van Doren (2011, passim). O
objetivo deste artigo não é explicar em detalhes a proposta de leitura ativa de Adler e Van Doren. Basta saber que, grosso modo, leitura ativa é sinônimo de boa leitura, que conduz o leitor à compreensão de uma
obra e o torna apto a conversar sobre ela com a convicção de que sabe o que o autor quis dizer. O enquadramento da leitura ativa assume como possível a um leitor contemporâneo compreender o pensamento de um
autor do passado distante. Admite-se que esta compreensão pode ser difícil, quando não, virtualmente impossível. Ainda assim, não se desiste deste intento, assumindo-se que um bom leitor atual dos Evangelhos,
de Freud ou de Marx, pode afirmar com razoável grau de certeza o que Jesus, Freud ou Marx quiseram dizer.
É claro que eruditos empreendiam esse tipo de leitura antes do advento da prensa móvel, mas a partir de Gutenberg essa possibilidade foi ampliada, em um grau nunca dantes possível. Desde então, livros
foram e têm sido impressos, publicados e desfrutados como fonte de novo saber, informação e entretenimento. Mais do que nunca, “educação” passou a equivaler a letramento e “estudioso”, a leitor de livros. Todo
o esforço nesta empreitada, diz respeito a como ler mais e melhor, quer dizer, como manusear mais eficazmente o objeto livro.
Desde seu nascedouro o livro foi lido e compartilhado, servindo simultaneamente ao indivíduo (psychē), à família (oikos) e à comunidade mais ampla ou sociedade (polis).
Com o tempo mudaram tecnologias, materiais de composição e meios de distribuição e preservação (com a adequação das bibliotecas). Modificaram-se também os espaços (ou territórios) de fruição.
Compreendeu-se que mesmo o conteúdo mais excelente fica prejudicado, se a composição gráfica do livro for ruim. Que tipos distintos de literatura exigem projetos gráficos distintos. Que ao se pensar no formato,
encadernação e peso do livro, deve ser levada em conta a interação dos sentidos e do corpo humano. E que é importante compreender como o olho interage com o objeto — o impacto do tipo de papel, fonte, espaço
entre palavras e linhas e alinhamento na leitura dos textos. Também, o modo como a mente processa imagens e palavras, e a partir disso, a melhor posição destas nas páginas. Pouco a pouco foram estabelecidos
cânones, visando garantir aos leitores experiências de leitura mais prazerosas e eficientes. Desenvolveram-se paradigmas de composição ou, como preferem alguns, uma arte do livro (VON OECH, 1995; HANKS,
1998; BRINGHURST, 2005; HENDEL, 2006; TSCHICHLOD, 2007; ARAÚJO, 2008).
Até aquele ponto, o livro era tido como um repositório da inteligência do homem e um objeto a ser lido. Em algumas tradições filosóficas e religiosas precedentes, havia quem afirmasse que existe um sentido
em que, quando um homem lê um livro, o livro também lê o homem.18 Mesmo assim, o homem antigo nunca imaginou que chegaria um dia em que, ao ler um livro, ele próprio, como leitor, estaria sendo lido
pelo algoritmo de uma inteligência artificial, capaz de registrar seus hábitos de leitura, de sugerir novas leituras a partir de tais registros e de compartilhar seus dados em uma rede de alcance global. Como veremos,
esta é a experiência do leitor digital.

A prevalência da tecnologia e a chegada do livro digital

O que se insere a partir de Gutenberg e industrialização, é a desenvolução e prevalência da tecnologia. Jacques Ellul (1964, p. 79-148) propõe uma leitura deste desenvolvimento. Para Ellul, a sociedade tecnológica
possui seis características, quais sejam, (1) automatismo da escolha técnica (op. cit., p. 79-85); (2) auto-incrementação (op. cit. p. 85-94), ou seja, “transformação e progresso sem intervenção direta do homem”
(ibid., p. 85); (3) monismo (ibid., p. 94-111), “o fenômeno técnico abarca todas as técnicas separadas, tornando tudo UM” (ibid., p. 94); (4) como desdobramento dos itens 2 e 3, a ligação necessária entre
técnicas (ibid., p. 111-116); (5) universalismo técnico (ibid., p. 116-133), ou seja, geograficamente, todos os países abraçam a tecnologia e, qualitativamente, são desenvolvidas linguagens e padrões universais
para desenvolvimento tecnológico; por fim, (6) a autonomia da técnica (ibid., p. 133-148), que avança a despeito da política, economia, moralidade e valores espirituais. Na perspectiva nada otimista de Ellul, isso
imbrica no homem-máquina, na dissociação ou fragmentação do homem e no estado apocalíptico que ele denomina “Integração Total” (ibid., p. 387-432).
Falamos tanto de ruptura, quanto de metamorfose; as novas tecnologias não apenas auxiliam o homem a fazer coisas antigas de um jeito novo. Elas o movem e instrumentalizam para empreender o que nunca
dantes empreendera e, ao mesmo tempo, o alteram. O ser humano muda com o uso de novas tecnologias, mesmo quando opta por elas simplesmente com a finalidade de realizar tarefas antigas de modo mais
eficiente e eficaz.

Os primórdios do livro digital: O formato PDF

Como surgiu o livro digital? Os avanços que permitiram sua produção podem ser resumidos a três movimentos (admitindo-se aqui um grau extremo de simplificação). Primeiro, se tornou possível usar
computadores para compor layouts de livros. De acordo com White (op. cit., p. 1), “não mudou muita coisa no ramo editorial nos últimos cinquenta anos, ou nos últimos quatrocentos [...]. Então veio a fita durex...
A letraset... O xerox... impressão em offset... e os Macs!” Outro autor fornece mais detalhes sobre o uso do computador para editoração:
A editoração eletrônica trouxe vantagens ao mercado, evitando o leva e traz de empresas especializadas em textos e operações de paste-up. Além disso, uma série de convenções estão sendo derrubadas nas
artes gráficas, passando as tarefas a serem realizadas numa simples mesa (COLLARO, 1996, p. 30).
Fundamental foi o primeiro software de editoração eletrônica, o Adobe PageMaker.
Por ser um diagramador eletrônico, o PageMaker permite criar o que chamamos de página-mestre, que conterá em sua estrutura todas as diretrizes, regendo a diagramação das páginas em trabalhos
livrescos e para-livrescos (COLLARO, op. cit., p. 31).19
O segundo movimento, que abriu caminho para o livro digital, foi o desenvolvimento pela Adobe Systems, em 1993, do formato de arquivo digital denominado Portable Document Format (PDF). Atualmente,
mesmo pessoas leigas em tecnologia lidam razoavelmente com arquivos PDF. O formato é usado quase que universalmente, mas em 1999, quando o autor deste artigo publicou seu primeiro web site oferecendo

16 McLuhan alude a AQUINAS, Thomas. Summa Theologica III. Cleveland: Anboco, 2016, q. 42, art. 4, e-Book Kindle, posição 8667 de 20922.
17 O apóstolo Paulo revela a base oral da cultura judaico-cristã, ao ensinar que a fé vem pelos “sons” (gr. akoē) e estes, pela “palavra de Cristo” (Romanos 10.17). Daí a tradução Nova Versão Internacional (NVI): “A fé vem por se ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”
(grifo nosso).
18 Isso parece ser comum a todas as religiões que acreditam em uma Escritura Sagrada. Na tradição cristã, e.g., afirma-se que a leitura da Bíblia, iluminada e aplicada pelo Espírito Santo, lê e modifica o crente. Mesmo assim, observe-se que, no fim das contas, é o devoto (o homem), quem toma o livro e
lê.
19 Em 2002 o Adobe PageMaker foi substituído pelo Adobe inDesign (cf. ADOBE INDESIGN CC. Disponível em: <https://www.adobe.com/br/products/indesign.html>. Acesso em: 30 mai. 2018). Na esteira do PageMaker, apareceu o também excelente QuarkXPress (cf. QUARK. Disponível em:
<http://www.quark.com/Products/QuarkXPress/>. Acesso em: 30 mai. 2018).
livros digitais, foi necessário despender um esforço significativo para explicar aos compradores o que era o PDF. Na ocasião os interessados escolhiam as obras, depositavam o valor pertinente em banco e enviavam
o pedido da encomenda por e-mail com o comprovante do pagamento anexado. Podiam também enviar um cheque ou vale postal. A pré-história do e-commerce tupiniquim.
Esta tecnologia abriu possibilidades interessantes. Era possível criar o PDF de um livro diretamente do software de editoração, e este era visualizado e manuseado em qualquer plataforma ou dispositivo
computacional.20 Sendo assim, o PDF atendia perfeitamente à demanda inicial de e-Books com layouts fixos (figura 1).

FIGURA 1. Um livro em PDF reproduz exatamente o layout do livro impresso.

Outros recursos dos arquivos PDF:


• O arquivo PDF podia ser lido na tela de um computador, utilizando o Adobe Acrobat Reader.21
• Para navegar pelas partes do livro, bastava clicar, em uma barra lateral, nos títulos de capítulos do sumário ou nas miniaturas de páginas. O Acrobat Reader permitia adicionar um marcador, gravando o
ponto em que o leitor parou a leitura.
• Várias obras cabiam em poucos disquetes,22 diminuindo a demanda de espaço para livros na estante, bem como o peso para quem precisasse transitar com muitos volumes.
• O leitor pesquisava digitando frases ou palavras-chave em um campo de buscas. Também escrevia anotações e marcava palavras, frases ou parágrafos inteiros com cores, à semelhança do que podia ser feito
com textos impressos.
• O leitor imprimia apenas a parte desejada do livro ou texto.
• Corporações podiam digitalizar manuais, apostilas e outros documentos.
• O autor ou editor eliminava custos de impressão e distribuição, disponibilizando a obra para venda imediatamente. Por outro lado, o leitor também acessava o livro rapidamente, sem precisar aguardar o
envio pelo correio.
• Por fim, o livro em PDF custava menos do que sua versão impressa.
Esses recursos continuam disponíveis para os usuários contemporâneos do PDF. Em suma, o PDF representou inovação e possibilidades de uso que repercutem ainda hoje. Apesar disso, uma nova demanda
surgiu com a chegada de novos dispositivos de leitura (e.g., smartphones, tablets ou leitores Kindle). Nestes gadgets a leitura de um PDF desafia.
Entendamos algumas limitações na leitura de e-Books PDF em novos dispositivos.

Limitações na leitura de e-Books PDF em novos dispositivos

Uma característica dos dispositivos mencionados acima é a profusão de tamanhos de tela. Além disso, os conteúdos mostrados mudam de proporção se o aparelho é segurado na horizontal ou vertical. As páginas
de PDFs se ajustam ao tamanho e formato das telas, mas nem sempre o tamanho do texto é legível. Isso exige que o conteúdo seja diminuído ou aumentado afastando-se ou juntando os dedos na tela do dispositivo,
mas tal procedimento empurra o texto excedente para “fora”. A visualização da página em seu tamanho integral requer novo movimento com os dedos (figura 2).

FIGURA 2. Um PDF em uma tela de smartphone: Necessidade de ajustar o tamanho do texto com os dedos.

Para usuários de tablets e smartphones, o ideal é um formato de arquivo que preserve os recursos de navegação, busca por palavras-chave e anotações do PDF, mencionados acima, mas cujo conteúdo se ajuste
automaticamente ao tamanho e orientação das telas, e que permita também personalizar a experiência de leitura (alterar alinhamento, família, tamanho ou cor de fontes e fundo de páginas).

Os e-Books baseados em HTML e CSS

Uma solução para produção de e-Books adequados para os novos dispositivos foi adaptada de uma iniciativa de Tim-Bernes Lee, de 1989, antes mesmo da criação do PDF. Lee criou a World Wide Web,
popularmente conhecida como “www”,23 o HTML24 original e alguns protocolos associados ao HTTP,25 abrindo espaço para a popularização do uso da internet, tal como a conhecemos. O resultado de longo prazo
foi o surgimento do XML,26 XHTML27 e CSS,28 bases para formatação e publicação do livro digital. Como observou Elizabeth Castro, “a World Wide Web é a prensa de Gutenberg de nosso tempo” (CASTRO, 2003,
p. 13, tradução nossa; grifo nosso).
A partir do XHTML e CSS surgiram diferentes formatos de livros digitais, cada um propondo atender às necessidades de personalização e otimização de leitura: O formato “.lit” (da Microsoft, descontinuado
em 2011); o “.azw” (da Amazon, para leitores Kindle); o “.mobi” (padrão nos leitores Kindle) e o “.iba” (dos iBooks Apple). O mais utilizado é o “.epub”, abraçado pelo Open eBook Forum e desenvolvido pelo
International Digital Publishing Forum. Um ePub propicia boa leitura em um smartphone ou tablet. Para começar, o texto se ajusta automaticamente à tela. Ademais, fontes e fundo de tela podem ser personalizadas
conforme as preferências do leitor (figura 3).

FIGURA 3. O mesmo livro da figura 2, em formato ePub, propicia mais conforto e possibilidades de personalização da leitura.

Com a finalidade de ler tais formatos, investe-se na produção e aperfeiçoamento de novos aparatos de leitura. Uma das promessas é o conjunto de tecnologias denominado ora como electronic ink (e-ink), ora
como electronic paper (e-paper). A proposta é simular ao máximo a experiência da leitura impressa no dispositivo eletrônico. Trabalha-se para produzir telas que podem ser dobradas e sem brilho, similares ao papel
(figura 4).

FIGURA 4. Um protótipo de dispositivo leitor e-ink: A tela se dobra, simulando o papel. Fonte: The Digital Reader.

Considerando esse esforço, parece razoável sugerir que a experiência de manuseio do livro impresso estabelece ainda o cânone de excelência em leitura.

Desconfortos do leitor analógico frente ao livro digital

O leitor analógico sente desconfortos frente ao livro digital. A designação “leitor analógico” se refere aos nascidos até a geração X (1981), para quem computadores e a internet representam novidades não muito
bem-vindas. “Leitor digital” é o nascido a partir de 1981 (gerações Y e Z). Os da geração Z são considerados “nativos digitais”. Estes últimos utilizam linguagens e aparatos digitais com razoável desenvoltura. De
acordo com Goleman e Senge:
Alguém com menos de dezoito anos provavelmente nunca conheceu um mundo que não tivesse internet. E em cada vez mais partes do mundo a maioria das crianças com menos de dez anos nunca vivenciou
uma época em que não houvesse um dispositivo portátil que pudessem sintonizar — para ficar sintonizadas com as pessoas em volta delas (GOLEMAN; SENGE, 2015, p. 7).29
Algumas coisas podem tornar a leitura do livro digital desconfortável para o leitor analógico. Para começar, o leitor analógico pode se sentir desnorteado diante das opções de dispositivos eletrônicos e da sopa
de letrinhas da internet.
Além disso, para ler um livro antes, bastava pegá-lo na estante e abri-lo. Agora é necessário aprender a lidar com smartphones, tablets e aplicativos. E o aprendizado de novas técnicas pode ser intimidante. “Cada
nova técnica exige uma longa iniciação numa nova linguagem, ainda mais longa na medida em que nosso espírito é formatado pela utilização das linguagens que precederam o nascimento dessa recém-chegada
(ECO; CARRIÈRE, op. cit., p. 39). De fato, “cada nova tecnologia implica na aquisição de um novo sistema de reflexos” (ibid., p. 41). Mesmo com todo esforço para propiciar ao leitor do e-Book uma experiência
similar à do livro impresso, para quem nasceu antes das gerações Y e Z, o aprendizado de novas linguagens e tecnologias nem sempre é fácil ou agradável.
Outro desconforto é a propensão à dispersão possibilitada pela conexão em rede. Cada link tem o potencial de conduzir o leitor para bem longe do texto do livro. Nestas situações a leitura ativa não ocorreria.
Essa dispersão do leitor pode conduzi-lo a uma “dessedimentação intelectual” (SENNETT, 2006, p. 49).
Se isso não bastasse, antes o livro era lido e compartilhado em escala limitada, agora surge uma preocupação nova, com privacidade e segurança. Se antes o leitor lia o livro, agora o livro também lê o leitor, uma
vez que os softwares podem enviar dados dos hábitos de leitura para as corporações que desenvolvem aplicativos e dispositivos. Não é sem razão que há quem enalteça o livro digital como um futuro desejável e,
por outro lado, quem considere diversos aspectos da cultura digital alienígenas e ameaçadores (KEEN, 2009; LANIER, 2010; HARARI, 2016).

Considerações finais

20 O termo “plataforma” se refere ao sistema operacional (software) utilizado para abrir o aplicativo de leitura do PDF (e.g., MS Windows, Linux/Android ou macOS/IOS, etc. Neste artigo, o termo “dispositivo” se refere ao equipamento (hardware) que roda o sistema operacional.
21 Mais informações sobre o formato PDF e o Acrobat Reader podem ser obtidas em ADOBE SYSTEMS INCORPORATED. O que é PDF? Disponível em: <https://acrobat.adobe.com/br/pt/why-adobe/about-adobe-pdf.html>. Acesso em: 18 out. 2017.
22 Um disquete era um “disco de material plástico flexível, revestido com material magnético e acondicionado em capa plástica quadrada, e usado para armazenamento de dados e programas de computador; disco flexível” (FERREIRA, 2009, CD-ROM). Como mídia de armazenamento e troca de
arquivos, os disquetes foram substituídos pelo CD-ROM, depois pelo DVD e hoje, por pen drives e pela “nuvem” computacional.
23 World Wide Web é a parte da internet que fornece o espaço de troca de informações baseadas em hipertexto ou arquivos multimídia (hipertexto é uma ligação digital ou link, que permite ir de uma parte a outra de um documento, ou de um documento a outro, em diferentes servidores web).
24 HTML ou HyperText Markup Language (linguagem de marcação de hipertexto) é a linguagem regulamentada pelo World Wide Web Consortium (W3C), usada para marcar os conteúdos de uma página da web. HTML informa aos browsers (navegadores ou softwares leitores) como estes devem mostrar
os itens que compõem uma página.
25 HTTP ou HyperText Transfer Protocol (protocolo de transferência de hipertexto) é o protocolo que permite a troca de dados na World Wide Web. A maioria dos endereços de sites inicia com “http://”.
26 XML ou Extensible Markup Language (linguagem de marcação extensível) é uma metalinguagem, que permite criar marcadores personalizados e transpor conteúdos web para outras mídias tais como smartphones, softwares de composição gráfica, eletrodomésticos e eletroeletrônicos.
27 A XTHML ou Extensible HyperText Markup Language (linguagem extensível de marcação de hipertexto) é uma junção do HTML com o XML, permitindo a utilização dos conteúdos de uma página em outras plataformas. Seus marcadores são muito semelhantes ao HTML padrão.
28 CSS ou Cascading Style Sheets (folhas de estilos em cascata) são orientações de estilos aplicáveis a qualquer conteúdo de uma página da web. Com CSS é possível implementar efeitos na aparência de textos e links, além de estabelecer posicionamentos absolutos de imagens. Os estilos possibilitam ainda
alterar todas essas propriedades visuais de uma só vez.
29 Ao usar o verbo “sintonizar”, Peter e Senge revelam pertencer à geração analógica; os verbos da geração digital são “conectar” e “compartilhar”.
Parece mais maduro admitir que a leitura em um e-Book difere da de um livro impresso, considerando as limitações e imposições da tecnologia, a reterritorialização do ambiente, a interface do software e o manuseio
do dispositivo eletrônico. Essa diferença de experiência não equivale, porém, a ruptura, quer dizer, ainda se trata de leitura e sim, pode ser leitura ativa. Ademais, os e-Books podem (e devem) encaminhar o leitor para
os livros impressos e vice-versa.
É provável que, quanto ao objeto livro, o futuro nos reserve o que é sugerido na série Star Trek: Discovery, produzida e distribuída pela Netflix. Duas cenas do episódio 3 chamam a atenção. Na primeira,
enquanto se espreme em um duto de ar, fugindo de uma criatura mortífera, a ex primeira-oficial da Frota Estelar, Michael Burnham (Sonequa Martin-Green) pronuncia as seguintes palavras:
O buraco do coelho seguiu como um túnel, depois mergulhou repentinamente, tanto que Alice não teve tempo de pensar em parar, em vez disso, ela se encontrou caindo em um poço muito profundo. Ela
tinha agora só vinte e cinco centímetros de altura. Seu rosto se iluminou. Agora tinha o tamanho certo para atravessar a pequena porta para aquele lindo jardim (STAR TREK: DISCOVERY, E3, 35:26).
Daí ela escorrega por uma abertura e é teletransportada, escapando da morte.
Na segunda cena, a colega de alojamento de Burnham, Sylvia Tilly (Mary Wiseman), se surpreende ao vê-la retirar um objeto de uma sacola de viagem: “Uau, isso é um livro?” (op. cit., 44:33, grifo nosso).
Burnham coloca nas mãos de Tilly um exemplar impresso de Alice no País das Maravilhas. Ela diz que aquele livro era lido por sua mãe adotiva do planeta Vulcano, para que ela compreendesse que nem tudo pode
ser resolvido apenas pela razão (ibid., 45:00).
Surpreende o uso de um livro impresso no futuro distante de 2256! O esperado, talvez, seria a leitura de textos na tela translúcida de um dispositivo digital. A primeira cena liga o novo Star Trek à literatura
universal; a segunda, constrói uma ponte entre as culturas digital e analógica.
Outro quadro é fornecido pelo último escrito do Novo Testamento: Na sublime e enigmática visão da consumação dos séculos, o autor do Apocalipse enxerga não apenas Deus, anjos e homens, mas também
livros (Apocalipse 20.12). A julgar pela ótica dos roteiristas de Star Trek: Discovery e, antes deles, do cristianismo, o livro tem ainda um longo caminho pela frente.

Referências bibliográficas

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Humanidades digitais e o podcast: O rádio fragmentado e individual do século XXI
(Digital humanities and podcast: The fragmented and individual radio of the 21st century)

Lenize Villaça Cardoso.30

Resumo

O presente trabalho quer discutir a “novidade” dos arquivos multimídia podcasts produzidos atualmente em larga escala por vários setores da sociedade, como a imprensa, as empresas, artistas, profissionais, etc., como
mais um canal de troca de ideias. Para isso, juntamos os estudos e algumas produções sobre o podcast atualmente e também realizamos um trabalho experimental na disciplina Humanidades Digitais do programa de
pós-graduação de Educação Arte e História da Cultura — EAHC no segundo semestre de 2017, da Universidade Presbiteriana Mackenzie. O resultado abre espaço para a discussão de como as mudanças causadas por
essa nova plataforma sonora inova ou não a maneira de se consumir as informações, embasados nos conceitos de convergência midiática, narrativa transmídia e podcast.
Palavras-chave: Convergência midiática; EAHC; humanidades digitais; narrativa transmídia; podcast.

Abstract

The present article wants to discuss the “novelty” of multimedia files podcasts currently produced on a large scale by various sectors of society, such as the press, companies, artists, professionals, etc., as another
channel for the exchange of ideas. To this end, we have joined the studies and some productions on the podcast currently and also carried out an experimental work in the discipline Digital Humanities of the
Postgraduate Program of Education Art and History of Culture - EAHC in the 2nd semester of 2017, Universidade Presbiteriana Mackenzie. The result opens space for the discussion of how the changes caused
by this new sound platform innovate or not the way to consume the information, based on the concepts of media convergence, transmediative narrative and podcast.
Keywords: Media convergence; EAHC; digital humanities; transmedia narrative; podcast.

Introdução

O rádio é o meio de comunicação eletrônico mais antigo do mundo e desde que foi inventado, no fim do século XIX, vem naturalmente passando por transformações tecnológicas. No começo a escuta era feita por
fios e em volta do aparelho, situação que o transistor nos libertou, e depois passamos a contar com duas bandas de transmissão principais, em Amplitude Modulada ou Frequência Modulada.
Graças ao transistor, o rádio deixou de ser meio de recepção coletiva e tornou-se individualizado. As pessoas podem receber suas mensagens sozinhas, em qualquer lugar que estejam. Essa característica faz
com que o emissor possa falar para toda sua audiência como se estivesse falando para cada um em particular, dirigindo-se àquele ouvinte específico (ORTRIWANO, 1985, p. 81).
Durante a década de 1980, o rádio via satélite foi a grande novidade e a Transamérica, por exemplo, foi a primeira em todo o país. Mas nada se compara ao surgimento da internet comercial no Brasil, em 1995,
e a globalização trazida por essa tecnologia que muitos acreditavam, a princípio que “mataria” outras mídias como o jornal e o próprio rádio. Mas o que se viu foi justamente o contrário, um casamento perfeito
entre diferentes mídias e, como resultado, a revitalização do rádio mundialmente.
A digitalização redesenhou, a partir de fins dos anos 1990, a criação, a produção, a circulação e o consumo de conteúdos radiofônicos. Num cenário de crescente convergência midiática, o rádio foi
forçado a se reinventar mais uma vez e, surpreendentemente, mostrou maior capacidade de reação do que outros meios de comunicação — notadamente, o segmento de jornais [...]. Relegado a um papel
de coadjuvante desde a popularização da TV, o rádio renasce amalgamando-se à rede mundial de computadores e às redes de telefonia móvel, encontrando novos e diversificados canais de distribuição
(KISCHINHEVSKY, 2016 p. 13).
Hoje é possível por meio dos sites das próprias emissoras ou aplicativos escutar em tempo real uma rádio na Rússia, no Camboja, qualquer lugar do mundo. E nessa onda tecnológica atual e infinita, surgiram os
podcasts, programas ou entrevistas em áudio que podem ser produzidos por qualquer pessoa para qualquer pessoa, não necessitando mais das grandes corporações de comunicação tradicionais como interface entre esses
públicos e conteúdo. Mas, quem é esse novo produtor, esse novo ouvinte? E que conteúdo é esse? É um rádio em forma assíncrona? Para acharmos essas respostas verificamos como uma grande empresa tem se posicionado
quanto a isso, como é o caso da rede CBN de rádio e também produzimos uma série de cinco podcasts durante as aulas de Humanidades Digitais do programa de pós-graduação de Educação Arte e História da Cultura
(EAHC) no segundo semestre de 2017. A ideia era verificar na prática essa modalidade de arquivo multimídia para refletir o quanto o formato é inovador ou não, ou se é apenas o rádio mais uma vez reapropriado em
outra plataforma, como já aconteceu com a própria transmissão pela internet, sem os devidos créditos.

Mas, afinal, o que é podcast?

Podcast é um “consumo” individual de um produto midiático — um programa de rádio, uma entrevista — ofertado em arquivos de áudio no qual o ouvinte pode escutá-lo a hora que quiser e quantas vezes. Basta,
para isso, estar conectado ao mundo digital por um computador, tablet ou smartphone.
[...] é uma mídia de transmissão de informações [...]. O podcast é como um programa de rádio, porém sua diferença e vantagem primordial é o conteúdo sob demanda. Você pode ouvir o que quiser, na
hora que bem entender. Basta acessar e clicar no play ou baixar o episódio. O podcast é um conteúdo de mídia (geralmente áudio) transmitido via RSS. Os temas são os mais abrangentes possíveis. Cinema,
TV, Literatura, Ciências, Profissionais, Política, Notícias, Games, Culturais, Religiosos, Educacionais, Humorísticos, Musicais, Esportivos (MIRO, 2014, on-line).
Sim, rádio e podcasts são mídias diferentes, mas há muita similaridade entre ambas e, neste sentido, quando uma emissora passa a veicular podcasts, é mais um instrumento de interação junto ao seu público,
que não se vê obrigado a escutar mais este conteúdo junto com todos os outros, em tempo real. E, assim, ele pode sentir como que aquele programa (podcast) tivesse sido feito somente para ele. Mas essa nova escuta
individual e assíncrona, já havia sido alardeada por Negroponte em 1995, nos primeiros momentos do fenômeno da internet em escala mundial:
Uma maneira de contemplar o futuro da vida digital é perguntar se a peculiaridade de um veículo pode ser transposta para outro. [...] A resposta está na criação de computadores que filtrem, classifiquem,
estabeleçam prioridades e gerenciem os múltiplos veículos, a multimídia, para nós — computadores que leiam jornais, assistam à televisão e que ajam como editores quando solicitados. Esse tipo de
inteligência pode alojar-se em dois lugares distintos. Ela pode estar do lado transmissor e comportar-se como se você tivesse seu próprio time de redatores — como se o New York Times estivesse publicando
um jornal único, feito sob medida para seus interesses [...]. Num segundo exemplo, seu sistema editor de notícias está no receptor, e o New York Times transmite uma quantidade enorme de bits, [...]
dentre os quais seu aparelho seleciona umas poucas, dependendo de seus interesses, hábitos ou planos para o dia em questão. [...] O que teremos no futuro não será uma coisa ou outra, mas ambas
(NEGROPONTE, 1995, p. 25-26).
E eis que surge em 2004 o podcast:
Uma mídia da cibercultura vem conquistando grande espaço na internet graças a sua facilidade de criação e distribuição: O podcast. Em linhas gerais, podcasts são programas de áudio ou vídeo ou ainda
uma mídia de qualquer formato cuja principal característica é sua forma de distribuição direta e atemporal chamada podcasting. Isso os diferencia dos programas de rádio tradicionais e até de audioblogs e
similares. A expressão podcasting vem da junção do prefixo pod, oriundo de iPod (nome do mais popular tocador de mídia digital, fabricado pela empresa norteamericana Apple Computer), com o sufixo
casting, originado da expressão broadcasting, transmissão pública e massiva de informações que, quando feita através de ondas eletromagnéticas de rádio também pode ser chamado de radiodifusão (LUIZ;
ASSIS, 2010, on-line).31
Desde então, os brasileiros começaram a se aventurar na nova onda e as empresas de comunicação também passaram a oferecê-lo como um novo canal de divulgação de conteúdo.

CBN, um estudo de caso cibernético

Entre as grandes corporações mundiais, foi a partir de 2010, com mais avanços em relação à internet por conta da velocidade dos downloads, por exemplo, que os podcasts começaram a ser produzidos e popularizados
pela BBC em Londres e a NPR nos Estados Unidos.
Essa modalidade de radiofonia traz, contudo, a possibilidade de baixar os arquivos para o computador, e daí para um telefone celular ou tocador multimídia, engendrando um novo tipo de mediação sonora,
com múltiplas temporalidades e possibilidades de inserção espacial, e propiciando o fortalecimento de uma cultura da portabilidade (KISCHINHEVSKY, 2016 p. 69-70).
O fenômeno mundial foi observado pelas emissoras brasileiras e, dentre elas, destacamos a rede Central Brasileira de Notícias (CBN), pertencente ao Sistema Globo de Rádio (SGR). Em 2015, a emissora já
produzia podcasts e anunciou em 2016, a marca de dez milhões de downloads do que até então ela disponibilizava como podcasts. Isso porque esse conteúdo nada mais era do que alguma entrevista já veiculada na
emissora, que fora editada e ficava disponível para o ouvinte no próprio site (GLOBO.COM, 2016, on-line).

FIGURA 1. Página da CBN, registrando dez milhões de downloads de podcast.

Mas o ineditismo veio em 2017 com a produção de áudios exclusivos para podcast, o CBN Professional, sob o comando do jornalista Milton Jung e do produtor e locutor Thiago Pereira.
Âncora do CBN Professional, Milton Jung avalia que, com o projeto, a CBN mostra mais uma vez a sua vocação para inovar. “Nós criamos conteúdo diferente para os ouvintes que querem saber mais sobre um assunto,
aprofundar no tema e se desenvolver na carreira”, afirma o jornalista (COMUNIQUE-SE, 2017, on-line).

FIGURA 2. Página da CBN, anunciando o CBN Professional.

Ainda de acordo com a divulgação do podcast, a CBN informou que lançará mais projetos com conteúdo exclusivo nos próximos meses. “É muito fácil baixar no celular para ouvir quando e onde quiser,
ficando assim bem informado sobre o mundo dos negócios, mesmo sem sinal de Rádio ou de Internet”, informa a emissora (COMUNIQUE-SE, 2017, on-line).
A partir deste conceito, ou seja, informar alguém sobre algo mesmo sem sinal de rádio, surgiu a ideia da produção de podcasts que tratassem a temática das Humanidades Digitais e que fossem linkados ao
e-Book HumaniDiversalidades.

Nossa experiência áudio multimídia

A partir do caminho exposto neste artigo, partimos para a prática, ou seja, foram produzidos cinco podcasts com alunos do programa de pós-graduação stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, linha
de pesquisa Educação, Arte e História da Cultura (EAHC) no segundo semestre de 2017. Como o e-Book era dividido em segmentos de conhecimentos específicos de cada aluno, dos quinze que realizarem a
disciplina, cinco manifestaram a vontade de gravar um podcast. Todos foram feitos no formato de entrevista entre um entrevistador e um entrevistado. Para imprimir um padrão, em todos os áudios manteve-se a
mesma entrevistadora, Lenize Villaça, jornalista, aluna da disciplina e autora deste texto. As gravações ocorreram nos próprios estúdios de áudio do Mackenzie em dois dias e a primeira pós-edição foi ali mesmo,
sendo uma segunda e definitiva por outro aluno posteriormente. A condução foi a mesma em todas, ou seja, abria-se com o currículo do entrevistado, fazia-se basicamente três perguntas a respeito do texto lido e,
por fim, por que o ouvinte deveria se interessar por esse tema. A primeira a ser entrevistada foi Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa, que falou sobre o artigo A narrativa transmidiática: conceitos e pequenas
dissonâncias, de Vitor Lopes Resende. A segunda foi Luciany Oliveira Ferraz, que abordou o tema Convergência midiática em Henry Jenkins, Lucia Santaella e Carlos A. Scolari. O terceiro foi Eduardo Hofling Milani,
com Tell me a history: Storytelling to create impact brains, de Jen Beeman. A penúltima foi Dângela Nunes Abiorana, sobre Mappingfesto: Projection mapping manifesto, de Alexis Anastasiou e encerrando a série foi
a vez de Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro, que abordou o texto Indústria cultural, indústria fonográfica, tecnologia e cibercultura, de Lucina Reitenbach Viana. Em relação ao tempo de duração de cada episódio,
este foi o mais dissonante possível com, no mínimo, cinco minutos e o de maior tempo, dez minutos: Marcia Flexa — 5’16”; Eduardo Milani — 7’48”; Dângela Abiorana — 8’16”; Luciany Ferraz — 9’10”
e Matheus Ribeiro —10’24”.
Diferente do que o ouvinte está acostumado no rádio, no podcast CBN Professional será possível criar sentimento maior de proximidade na conversa descontraída com os convidados. Estamos abusando
do som estéreo para que o nosso ouvinte tenha a sensação de estar no estúdio com a gente”, explica o responsável pela produção e edição da novidade, Thiago Barbosa (COMUNIQUE-SE, 2017, on-line).
Assim como ocorrido na CBN, queríamos despertar no nosso ouvinte esse interesse e acreditamos que o podcast era o melhor caminho, uma vez que não temos uma rádio e queremos passar uma mensagem
em áudio. O objetivo era que esse entrevistado resumisse durante os minutos do podcast artigos ou livros lidos para a disciplina Humanidades Digitais e despertasse no ouvinte um conhecimento e a vontade de
ler o referido artigo/livro. Também seguimos o princípio de proximidade, uma das características marcantes do meio rádio, nossos podcasts foram produzidos de forma descontraída, como um bate-papo entre a
entrevistadora e o convidado. Após a apresentação final, alguns dos entrevistados manifestaram como foi para eles a experiência audiodigital:

30 Lenize Villaça Cardoso. Jornalista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ciências da Comunicação pela PPGCOm ECA-USP. Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura — EAHC — da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do HCSM — Núcleo
de Estudos de História da Cultura, Sociedades e Mídias, certificado pelo CNPq. E-mail: lenize@mackenzie.br.
31 Apesar do nascimento desta mídia estar relacionada à Apple e ao iPod, a transmissão, ou seja, o podcasting não ficou atrelado a essa empresa, e os arquivos em áudio puderam com o tempo ser compatíveis a qualquer aparelho, mesmo que os mesmos não fossem Apple.
Sobre a minha primeira experiência em um estúdio de rádio foram momentos apreensivos pois enfrentamos uma autocensura muito grande de falar informalmente sobre algo recentemente lido em que não
tivemos tempo ainda de incorporar. Mesmo preparando um texto, acompanhar a simpatia e descontração da entrevistadora facilitando a fluidez da conversa, não desaparece o clima de falar “certinho” na hora.
Sem falar no choque da percepção de nossa voz gravada onde não nos reconhecemos. Apesar do medo e depois de experimentar as maravilhas da edição, fiquei satisfeito com a minha fala mediada.32

Realizar a gravação foi muito interessante como experiência. Geralmente onde trabalhamos há roteiro predefinido, com poucas possibilidades de ajuste. Gravar no formato mais livre, realmente senti que
trouxe a espontaneidade para o podcast. Foi muito gratificante.33
Como são profissionais não ligados a áudio, apenas um era, todos os demais nunca haviam entrado em um estúdio, por exemplo, e vencer essa barreira física e emocional foi muito agregador e trouxe a todos
a vivência das humanidades digitais na prática.

32 Eduardo Milani em entrevista à autora deste trabalho, em 20 nov. 2017.


33 Luciany Ferraz em entrevista à autora deste trabalho. em 20 nov. 2017.
Humanidades digitais e o podcast

No contexto de produção, realização e pós-produção dos podcasts, não faltaram leituras e discussões teóricas sobre as Humanidades Digitais e autores que poderiam contribuir para as classificações e reflexões sobre
o que estávamos fazendo. Para Jenkins, essas reapropriações tecnológicas foram acontecendo naturalmente e é muito mais uma convergência de meios do que uma revolução:
As palavras impressas não mataram palavras faladas. O cinema não matou o teatro. A televisão não matou o rádio. Um meio antigo foi forçado a coexistir com a mídia emergente. É por isso que a
convergência parece mais plausível como uma forma de entender as últimas décadas de mudança de mídia do que o antigo paradigma da revolução digital (JENKINS, 2015, p. 14).
Seguindo os preceitos de Gosciola, o podcast em si não necessita de uma informação anterior para ser compreendido, portanto é um produto transmídia:
Na forma ideal da narrativa transmídia, cada meio faz o que faz melhor, uma história pode ser iniciada por um filme, expandir-se através da televisão, livros e quadrinhos, e seu mundo pode ser explorado
e vivenciado em um game. Cada entrada da franquia deve ser autossuficiente o bastante para permitir o fruir autônomo. Ou seja, você não precisa ter visto o filme para desfrutar do game e vice-versa. [...]
(GOSCIOLA, 2014, p. 9).
Lembrando que o mesmo podcast pode ser consumido em sites ou aplicativos exclusivos:
A narrativa transmídia é considerada o resultado da articulação das distintas partes de uma grande narrativa, todas elas complementares e ligadas a esta. Cada uma está veiculada pela plataforma que melhor
potencialize suas características expressivas. Por fazer parte da contemporaneidade na era das redes colaborativas, as comunicações entre os meios, entre os meios e os espectadores e entre os espectadores
fortalecem as articulações da narrativa transmídia, como um movimento intensamente criativo e socializador.(PORTO-RENO; VERSUTI; GONÇALVES et al, 2011, p. 209).
Mas quando é uma mera repetição de conteúdo já veiculado por uma emissora de rádio, é crossmedia, e nada mais:
Em seu livro [...], Convergence Culture, Jenkins [...] faz um alerta quanto à diferença entre narrativa transmedia e crossmedia [...]. Enquanto crossmedia é um projeto, quase sempre publicitário, que faz uso de
diferentes plataformas para divulgar uma mesma história, narrativa transmídia é uma história expandida e dividida em várias partes que são distribuídas entre diversas mídias, exatamente aquelas que melhor
possam expressar a sua parte da história. Assim, todas as mídias e todas as partes da história são integradas, ainda que não precisamente do mesmo modo. Jenkins ressalta a importância das redes sociais para a
transmídia e de vídeos virais, ainda que não sejam obrigatórias [...] (GOSCIOLA, 2014, p. 9).
Esses autores contribuíram quando se quer achar uma categoria em que o podcast está inserido. Então, dependendo de como for utilizado será trans ou crossmedia, mas tudo é convergência midiática, não há
dúvida.

Considerações finais

A parceria do rádio com a internet trouxe para os ouvintes que também são internautas a possibilidade de receber a programação da emissora preferida através do envio de e-mails ou pelo simples acesso à homepage
da rádio. Além da interatividade proposta pelo WhatsApp e as mídias sociais. Apesar de questionamentos envolvendo uso do rádio na internet, o futuro do meio passa por ela e o podcast reforça a forma assíncrona
e aleatória com que o ouvinte/público escolhe o que e quando ouvir.
Assim, a narratividade que organiza as experiências humanas em linguagem, continua sendo a responsável pela interação característica dos novos tempos e das novas maneiras de produzir conteúdo. Nesse
sentido, os estudos de linguagem no contexto da comunicação firmam-se como indispensáveis para o entendimento da complexidade dos relacionamentos no processo comunicativo e fundamentais para
aquele que enfrenta o desafio da produção midiática pela narrativa transmídia. (MORAES-GONÇALVES, 2014, p. 23)
O podcast mantém a mesma proposta de interação e narrativa do rádio, só que agora é uma narrativa que não está mais atrelada somente às ondas hertzianas e sim, multiplataforma, que pode ser transmídia
ou crossmedia, dependendo da intenção do produtor daquele áudio. Para quem vive a inclusão digital, é sem dúvida, uma maneira fácil, rápida, barata (alguns são cobrados) de se consumir informações e novidades
do mundo, pois o áudio pode ser escutado no carro, no transporte público, em casa, etc. Concluímos que a proliferação deste tipo de arquivo multimídia é novidade e instigante, mas o formato utilizado já é o que
tem se feito em rádio.

Referências bibliográficas

CBN. Podcast. São Paulo, 2017. Disponível em: <http://cbn.globoradio.globo.com/servicos/podcast/PODCAST.htm>. Acesso em: 03 nov. 2017.
COMUNIQUE-SE. CBN lança podcast de entrevistas sobre carreira e negócios. São Paulo, 2017. Disponível em: <https://portal.comunique-se.com.br/cbn-podcast-entrevistas-carreira-negocios/>. Acesso em 05 nov. 2017.
GLOBO.COM. Podcasts da CBN chegam a 10 milhoes de downloads. São Paulo, 2016. Disponível em: <http://cbn.globoradio.globo.com/institucional/historia/2016/04/13/podcasts-da-cbn-chegam-a-10-milhoes-de-
downloads-em-marco.htm>. Acesso em: 10 nov. 2017.
MORAES-GONÇALVES, Elizabeth, Elizabeth Moraes. Da narratividade à narrativa transmídia: a evolução do processo comunicacional. In: CAMPALANS, Carolina; RENÓ, Denis; GOSCIOLA, Vicente. (Ed.). Narrativas
transmídia: Entre teorias y prácticas. Barvelona: Universidad del Rosario, 2014. p. 15-25.
GOSCIOLA, Vicente. Narrativa transmídia: conceituação e origens. In: CAMPALANS, Carolina; RENÓ, Denis; GOSCIOLA, Vicente. (Ed.). Narrativas transmídia: Entre teorias y prácticas. Barvelona: Universidad del
Rosario, 2014. p. 7-14.
JENKINS, Henry. Cultura da convergência. 2.ed. São Paulo: Aleph, 2015.
KISCHINHEVSKY, Marcelo. Rádio e mídias sociais: Mediações e interações digitais de comunicação. Rio de janeiro: MAUAD, 2016.
LUIZ, Lucio; ASSIS, Pablo de. O podcast no Brasil e no mundo: Um caminho para a distribuição de mídias digitais. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 33, 2010, Caxias do Sul. Anais.
São Paulo: Intercom, 2010. 1 CD-ROM.
MIRO, Thiago. O que é podcast? In: Mundo podcast. Disponível em: <https://mundopodcast.com.br/artigos/o-que-e-podcast/>. Acesso em: 09 nov. 2017.
ORTRIWANO, GISELA S. A informação no rádio: Os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo: Summus, 1985.
PORTO-RENO, Denis; VERSUTI, Andréa; MORAES-GONÇALVES, Elizabeth, et al. Narrativas transmídia: Diversidade social, discursiva e comunicacional. Palabra Clave, v. 14, n. 2, p. 201-215. dez. 2011. Disponível em:
<http://www.scielo.org.co/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0122-82852011000200002&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 12 nov. 2017.

Transmídia storytelling: Possibilidades de narrativas expansíveis


(Transmedia storytelling: Expandable narrative possibilities)

Eduardo Hofling Milani.34

Resumo

O objetivo geral deste artigo, que é apenas uma etapa de um estudo de maior envergadura, será o de identificar a relevância da comunicação transmidiática no processo de construção de marca. Neste novo
cenário marcado fortemente pela web, mídias com conteúdos fluidos disputam um mercado competitivo, que busca atingir um consumidor cada vez mais participativo. O presente trabalho propõe uma análise
do fenômeno denominado como narrativa transmídia — transmedia storytelling — e suas infinitas possibilidades. Transmídia é um conceito muito utilizado para explicar ações que são desenvolvidas se valendo
de diferentes plataformas simultaneamente. E a narrativa está presente de forma primordial nas mídias atuais. A era digital alterou a produção e o consumo de informação. O mercado de comunicação aderiu ao
conceito de convergência midiática, em que um único equipamento pode ser utilizado a fim de suprir todas as necessidades pessoais — para entretenimento, educação ou comércio. Isso tem afetado diretamente a
circulação da informação, que se mostra muito mais abrangente. As informações, que até então eram praticamente um monopólio de alguns veículos, nos últimos anos passaram a ter seu conteúdo distribuído entre
diversas plataformas, explorando-se as potencialidades de cada meio para a sua divulgação. É sobre essa distribuição de conteúdos que versa este artigo. Pois, agora, as narrativas transitam em diferentes formatos de
mídia, tornando possível serem moldadas por novas linguagens e tendo seu conteúdo modificado por meio da ação interativa do receptor ativo. Nesse contexto, as fronteiras entre comercial e entretenimento têm
se misturado, ocorrendo assim integração de conteúdos. Na publicidade, métodos e procedimentos tradicionais não são mais eficazes, pois o consumo de mídias e a relação das pessoas alteraram-se radicalmente.
As apostas são em ações que gerem engajamento, diálogo e estabeleçam vínculos emotivos entre marca e consumidor. Por conta da necessidade de uma comunicação eficaz da marca, pretende-se analisar o suporte
conceitual sobre as mídias e abrir a possibilidade de ampliar o conhecimento acerca de outras áreas do saber; desse modo, este artigo insere-se no universo da interdisciplinaridade, pois se posiciona em relação a
diversas áreas que se interconectam. Portanto, este artigo mostra que convergência tecnológica e interatividade são as apostas para o processo comunicacional no Brasil e no mundo.
Palavras-chave: Transmídia; storytelling; convergência tecnológica; interatividade; branded content.

Abstract

The overall objective of this article, which is a stage in a larger study, will identify the relevance of the transmidia communication in the brand building process. In this new scenario strongly marked by the web,
media with fluid content compete for a competitive market, which seeks to reach an increasingly participatory consumer. The present work proposes an analysis of the phenomenon denominated as transmedia
narrative — transmedia storytelling — and its infinite possibilities. Transmidia is a concept widely used to explain actions that are developed by using different platforms simultaneously. And the narrative is present
in a primordial way in the current media. The digital age has changed the production and consumption of information. The communication market has adhered to the concept of media convergence, where a single
piece of equipment can be used to meet all personal needs - for entertainment, education or commerce. This has directly affected the circulation of information, which is much more understood. The information,
which until then was practically a monopoly of some vehicles, in recent years began to have its content distributed among several platforms, exploring the potential of each medium for its dissemination. It’s about
the distribution of contents that this article is all about. For, now, narratives transpose into different media formats, making it possible to be shaped by new languages and having their content modified through the
interactive action of an active receiver. In this context, the boundaries between commerce and entertainment have been mixed, thus occurring content integration. In advertising, traditional methods and procedures
are no longer effective, as the consumption of media and human relationships have changed radically. The bets are on actions that generate engagement, dialogue and establish emotional bonds between brand and
consumer. Because of the need for effective brand communication, we intend to analyze the conceptual support for the media and open the possibility of expanding knowledge about other areas of knowledge; In
this way, this article is inserted in the universe of interdisciplinarity, because it is positioned in relation to several interconnected areas. Therefore, this article shows that technological convergence and interactivity
are the bets for the communicational process in Brazil and in the world.
Keywords: Transmedia; storytelling; technological convergence; interactivity; branded content.

Introdução

Este artigo faz parte de um estudo mais amplo, que se apoia na observação das campanhas publicitárias voltadas ao público feminino e suas tentativas de formar opinião e introduzir marcas e produtos para a
consolidação do consumo. O recorte aqui proposto apresenta-se como uma breve introdução sobre o conceito de transmídia e sua aplicação na publicidade e na indústria de entretenimento.
Visto que se impõe a necessidade constante de atualização de uma comunicação eficaz da marca, pretende-se analisar o suporte conceitual sobre as mídias e abrir a possibilidade de ampliar o conhecimento
acerca de outras áreas do saber; por isso, este artigo insere-se no universo da interdisciplinaridade, pois se posiciona em relação à história, usa como base os estudos culturais e faz análises da mídia.
Ressaltam-se, neste trabalho, a convergência tecnológica e o surgimento do fenômeno transmídia. Esta prática, com suas estratégias e técnicas, tem se definido como ferramenta necessária para tornar o público
um parceiro no processo comunicacional e estimular novas formas de consumo.
Até bem pouco tempo, a comunicação dirigia-se às massas, de forma bastante vertical. O conteúdo era praticamente empurrado. Porém, com os avanços tecnológicos, consolidam-se novas narrativas.
A narrativa transmídia — transmedia storytelling — apresenta-se cada vez mais de modo efetivo na atualidade. A atratividade proporcionada por peças com esse recurso chama atenção do público ou da empresa
pelo seu caráter de identificação, ficando evidente que é muito mais fácil os conteúdos serem retidos e absorvidos quando se enquadram dentro de uma estrutura narrativa.
Neste novo cenário marcado fortemente pela web e pela interatividade, a conquista de consumidores se dá por meio da personalização dos produtos oferecidos. O desenvolvimento contínuo dos fatores de
convergência tecnológica é a aposta das empresas de tecnologia e comunicação no Brasil e no mundo. Na verdade, o novo ambiente digital e as novas mídias estão transformando a relação das marcas com seus
consumidores.
Jenkins (2009) aponta que novos modelos de marketing estão procurando expandir os investimentos emocionais, sociais e intelectuais do consumidor, uma vez que não basta vender um produto, o que se almeja
é uma relação mais duradoura. Por conta disso, há um empenho na geração de valor.
Nesse contexto, a comunicação entre usuário e empresa se torna ainda mais interativa e midiatizada, em face da participação ativa do público nos esquemas de produção e consumo de conteúdos.

Deslizando de mídia em mídia — a relação do salto da mídia impressa para a transmídia, ou reflexões para um projeto de narrativa transmídia — transmedia storytelling

O impacto da mídia no século XXI acaba gerando o conceito da prática transmidiática, que busca então horizontalizar realmente a comunicação com o envolvimento da subjetividade do sujeito, de um modo
que não era possível no período pré-digital ou no mundo pré-web 2.0, contrapondo a verticalidade da transmissão noticiosa de informações tradicional.
Comunicação e interação estão intrinsecamente relacionadas. O processo de comunicação implica uma ação interativa, considera não apenas um sujeito envolvido, mas sim a gama de participantes do ato
social; portanto, no processo comunicacional estabelece-se um esquema plural, todos com papel simétrico e horizontalizado, não vertical. O sujeito não mais representa um mero receptor de conteúdos, com
unilateralidade de protagonismo como ocorre no esquema informacional; há agora interação do indivíduo, ele torna-se um participante e difusor de informações deixando “sua digital” na formação de conteúdos.
Ao lançar mão de um novo modelo de narrativa, nos meios midiáticos, passa-se da mera informação dos fatos, que é simplesmente absorvida, para a elaboração da massa crítica dos indivíduos, promovendo
uma sociedade que engendra conhecimento.
Para os linguistas, a conivência entre linguagem e pensamento sempre provocou inúmeras considerações. De fato, porém, é uníssono que a concretude da totalidade do pensamento se dá pela via da narratividade.
Entende-se a narratividade como aspecto típico do universo próprio da linguagem do homem. Contar histórias é inerente ao ser humano, constituindo-se como parte de sua formação, desde a infância e seus
relatos encantatórios até a idade adulta quando se tem acesso aos mais variados escritos culturais. Permeando essa apreensão cognitiva, ainda existem as narrativas midiáticas, às quais estamos mais expostos por sua
incidência diária.
A existência humana compõe-se de um arcabouço de narrativas de toda sorte de eventos, personagens e símbolos, em tempo e locais distintos. Por intermédio dessas narrativas, em plano real ou ficcional, entre
fatos, mitos e magias, o homem constrói sua identidade e estrutura e organiza sua relação com a sociedade. A história humana é uma grande narrativa repleta de relatos secundários que se mantêm em interconexão.
Afirma Luiz Gonzaga Motta:
A narrativa traduz o conhecimento objetivo e subjetivo do mundo (o conhecimento sobre a natureza física, as relações humanas, as identidades, as crenças, os valores, os mitos, etc.) em relatos. A partir dos
enunciados narrativos, somos capazes de colocar as coisas em relação umas com as outras em uma ordem e perspectiva, em um desenrolar lógico e cronológico. É assim que compreendemos a maioria das
coisas do mundo (2005).
A era digital difundiu uma nova forma de comunicar-se e disseminar conhecimento, alterou a produção e o consumo de informação. O mercado de comunicação aderiu ao conceito de convergência midiática.
As informações, que até então eram centralizadas nos veículos mais consolidados, nos últimos anos passaram a ter seu conteúdo distribuído entre diversas plataformas. Essa nova possibilidade de distribuição de
conteúdos fez surgir o fenômeno denominado transmídia. Agora, as narrativas transitam em diferentes formatos de mídia, tornando possível serem moldadas por novas linguagens e tendo seu conteúdo modificado
por meio da ação interativa do receptor ativo. Ou seja, há efetivamente uma atuação recíproca de interagentes na construção do processo comunicativo.
Portanto, a interatividade é a palavra de ordem das mídias atuais. Ela qualifica a criação. O público impõe sua participação, influencia o ambiente digital, desenvolve comunidades de conhecimento quebrando
uma hierarquia e constituindo aquilo que se pode chamar de mundo plano.
A possibilidade de reelaboração e retransmissão de conteúdos, com acesso irrestrito à informação e à sua produção, configura a interatividade, que implica a construção da figura do receptor-emissor.
Interatividade pressupõe uso de linguagem. Esta se apresenta como elemento da interação social e por intermédio da qual se consolida a relação entre os atores, interlocutores do processo comunicativo; o código
a ser utilizado deve ser entendível por ambos. Assim, para que o ato de linguagem, campo da produção e circulação dos discursos, se efetive, é necessário que o emissor faça o destinatário reconhecer sua intenção,
a fim de que ocorra a produção de sentido, e, em seguida, a interatividade. Isso envolve um processo de posicionar o sujeito em relação ao objeto e em relação aos demais partícipes. É uma espécie de tomada de
posição, pois, ao refletir um enunciado, o indivíduo não mais se apresenta como simples decodificador da mensagem, antes a transforma por meio de sua subjetividade.
34 Eduardo Hofling Milani. Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie no Curso de Publicidade Propaganda, do Centro de Comunicação Letras. E-mail: milani@mackenzie.br.
Como ambos — emissão-recepção — se encontram no interior de um contrato, deve-se considerar a mobilização de várias remissivas: relações entre texto e autor; texto com outros textos; textos referentes,
enfim, saberes e várias dimensões interdiscursivas que põem por terra a noção de sujeitos (autor e leitor) objetivos (FAUSTO NETO, 2002, p. 200).
Nesse contexto, o discurso é concebido de forma coletiva, de múltiplas “vozes”. Contrapondo-se às mídias tradicionais, em que os emissores detinham o controle total do tráfego de informação, as mídias atuais
têm como fator preponderante a interatividade, e as novas tecnologias digitais apresentam potencial para serem instrumentos eficazes nesse sentido. Atualmente, emissores e receptores trocam de papéis o tempo
todo, uma vez que a produção tornou-se conjunta.
No entanto, Bakhtin já havia instaurado o “dialogismo” como princípio constitutivo da linguagem e condição de sentido do discurso. Para Bakhtin (1997), o autor nunca está sozinho, o texto nunca é o
original, pois sofre influências anteriores ou repercutirá em textos posteriores, ou, em tempo, enunciar algo subentende a referência ao outro: “O fato de ser ouvido, por si só, estabelece uma relação dialógica.
A palavra quer ser ouvida, compreendida, respondida e quer, por sua vez, responder à resposta, e assim ad infinitum” (BAKHTIN, 1997, p. 357).
Narrativas sempre migraram pelas mídias. Livros viram filmes que viram jogos. Adaptações são recorrentes assim como sua veiculação nos mais distintos suportes. Elas constituem, sobretudo, uma apresentação
da narrativa em multiplataforma, porém no final ainda propõem o mesmo conteúdo oferecido, só que em suportes diversificados sem relação com o todo. Portanto, configuram-se como uma coleção de narrativas
similares e estanques.
A área de publicidade também já levava em conta o veículo que melhor promoveria sua marca.
Porém, no caso de narrativa transmídia, não se trata de uma adaptação ou trânsito entre as mídias contando uma mesma história. A narrativa transmídia move-se entre diversas plataformas de mídia, onde cada
conteúdo, desdobrando pontos diferentes, permite acréscimo de conhecimento a uma história principal:
A narrativa transmídia é considerada o resultado da articulação das distintas partes de uma grande narrativa, todas elas complementares e ligadas a esta. Cada uma está veiculada pela plataforma que melhor
potencialize suas características expressivas. Por fazer parte da contemporaneidade na era das redes colaborativas, as comunicações entre os meios, entre os meios e os espectadores e entre os espectadores
fortalecem as articulações da narrativa transmídia, como um movimento intensamente criativo e socializador (RENÓ; VERSUTI; GONÇALVES; GOSCIOLA, 2011).
As práticas da tradicional comunicação, institucional ou publicitária, mesmo utilizando múltiplas mídias, implicam redundância de conteúdo; a mesma mensagem apenas é moldada de forma pertinente ao
veículo em que é processada repetindo informações. Igualmente, pode-se dizer dos links inseridos nos textos que apenas somam material de consulta, mas não alteram nem transformam o conteúdo original. Esse
conceito de “multi” vem sendo substituído pelo conceito “trans”, que supõe influência e participação direta no conteúdo.
Com a revolução comunicacional, a transmídia tende a modificar esse cenário. Cada pessoa é um produtor de conteúdo. Um player de comunicação. Na narrativa transmídia, existe uma expansão do conteúdo.
A questão não é a de contar a mesma história ou inserir o mesmo anúncio em diferentes mídias, como a forma tradicional. E sim de múltiplas mídias comporem uma mesma história ou campanha publicitária, que
transcenda os meios e perpasse os canais digitais de forma fluida. Um exemplo disso é o livro Da Vince Code. Após o sucesso do livro, criou-se um roteiro turístico em Paris onde as pessoas podem visitar os locais
frequentados pelo protagonista. Ou o caso de Star Wars. Filme de George Lucas lançado em 1977 e que gerou uma série de produtos. O universo de Star Wars ganhou uma história anterior ao filme, sob a forma
de RPGs para PC e Xbox: Knights of the Old Republic. Além de filme para TV, a Guerra dos Clones, livros e uma animação 3D.
Nesse contexto, as fronteiras entre comercial e entretenimento tornam-se difusas. Ocorre assim a integração de conteúdos. Na publicidade, métodos e procedimentos tradicionais não são mais eficazes, pois o
consumo de mídias e a relação das pessoas alteraram-se radicalmente. As apostas são em ações que gerem engajamento, diálogo e estabeleçam vínculos emotivos entre marca e consumidor. A busca, na atualidade,
é por envolver os usuários/consumidores no universo narrativo. O branded content apresenta-se como uma resposta a isso na área de publicidade. Seu conceito passa pela criação de conteúdo diretamente ligado ao
mundo de determinada marca, mas que tenha relevância para o público e lhe transmita valor. A marca é associada com informações ou diversão, em vez de ser ligada a anúncios, ou seja, se desperta um sentimento
em relação a ela. Então, o foco está no posicionamento e na divulgação; a influência sobre a venda é indireta.
Para que haja entendimento, é preciso diferenciar o termo publicidade do conceito de conteúdo. A publicidade é o território do marketing e da mídia e sua característica é interrupção, intrusão; ela impõe
uma pausa para passar a mensagem. O conteúdo diz respeito ao entretenimento, ao imaginário, à imersão. Por isso, geralmente vem na forma de narrativas, de histórias, como se fosse um escapismo, um universo
paralelo que informa ou distrai, ao mesmo tempo em que agrega valor humano. Um exemplo bem conhecido é o da campanha Dove Real Beleza, que aborda de forma comovente o modo bastante crítico com que
as mulheres se autoanalisam em relação à aparência.
Portanto, conteúdos publicitários desse tipo, pela repercussão expressiva que obtêm, comprovam que as pessoas incomodam-se com os apelos massivos e estereotipados, e que não querem ser tratadas como
meros compradores.
A música streaming e as séries vistas na Netflix, sem a interferência de comerciais de trinta segundos, são realidade para os jovens. A audiência está optando pelo conteúdo, por não ser interruptivo. Isso torna o
mercado da publicidade mais complexo, destacando cada vez mais a comunicação que se dá por meio do envolvimento, em detrimento do conteúdo imposto. Em outras palavras, não cabe somente uma inserção
de anúncio em determinado meio. A ideia é fazer o consumidor interagir e se envolver com a narrativa construída para certo produto, sem notar que está sendo direcionado para uma venda.
Mais uma vez, faz-se necessário distinguir o branded content do já conhecido merchandising. Este introduz o produto em cena apenas por exibição, sem dialogar com o entorno nem gerar algum nível de discussão
mais profunda; seu único propósito é o de alavancar vendas.
Assim, a tendência é de que a narrativa transmídia, com utilização de conceitos como o branded content, se transforme em uma prática essencial para atrair público e garantir resultados.
Essa prática torna-se exequível pelo fato de a tecnologia digital ter viabilizado a transposição de barreiras entre mídias e linguagens, criando convergência. Dados e informações, ao serem digitalizados,
transformam-se em códigos que podem ser interpretados em qualquer tipo de equipamento e mídia. Decorre desse processo o conceito de convergência tecnológica, em que um único equipamento pode ser
utilizado para suprir todas as necessidades pessoais — para entretenimento, educação ou comércio. Surge então uma nova maneira de pensar os meios e o modo de contar histórias, de comercializar mensagens
institucionais ou de vendas, ou seja, mediante novos meios criam-se novas narrativas.
[...] você estabelece a noção de que está comunicando mensagens, conceitos, histórias de forma que cada plataforma diferente de mídia possa contribuir com algo novo para uma narrativa principal. Além
disso, ela convida o público a participar de alguma forma ou em algum momento. Então, uma boa narrativa transmídia é aquela que se espalha por diferentes mídias, sendo que uma delas é a principal em
que a maioria das pessoas vai acompanhar e se divertir, sem a necessidade de seguir o todo, mas quem o fizer terá uma experiência mais intensa (GOMEZ, apud GALO, 2010, on-line).
Assim, a narratividade, que moldou a civilização humana por meio da linguagem, permanece presente nos dias atuais, evocada como fator primordial para a interação de pessoas e produção de conteúdo.
Estudos da linguagem tornam-se necessários aos profissionais do universo midiático, a fim de capacitá-los na melhor compreensão do uso da narrativa transmídia e do comportamento das dinâmicas mercadológicas
e publicitárias em relação a esse conceito.
O teórico Henry Jenkins (2009) define a narrativa transmídia como uma nova estética que surgiu em resposta à convergência das mídias – uma estética que faz novas exigências aos consumidores e tem a
participação ativa de comunidades de conhecimento.
Desse modo, a narrativa transmídia, que é a narrativa própria da cultura da convergência, determina a utilização de várias plataformas midiáticas que contam uma história, sendo que cada novo texto contribui de
forma autônoma para tal. Um texto central oferece vários pontos de acesso ao enredo, que são explorados em outras mídias, tais como jogos digitais, HQs, sites, vídeos etc. Assim, por meio da narrativa transmídia,
um livro torna-se filme, história em quadrinhos, jogo, possibilitando, por exemplo, desenvolver histórias de personagens secundários, apresentar outras perspectivas da narrativa, completar lacunas da história.
No caso de narrativa transmídia ideal, não há redundância de informações, pois cada plataforma oferece novos níveis de revelação, que se juntam para compor a narrativa completa. Vale ressaltar ainda que a
narrativa transmídia tem gerado novos formatos de produção a baixo custo e com visibilidade expressiva, impactando os meios de comunicação publicitária e a indústria cultural.

Considerações finais

Uma sociedade se forma por meio da sua cultura, mas só é possível que se mantenha pela sua linguagem e pelos seus processos comunicacionais. Ao efetivar a interação social, o homem não utiliza apenas signos
verbais, recorre a outras tipologias de signos. Assim, entende-se a linguagem como toda forma de expressão do homem mediada por signos; e a língua é apenas uma delas. Com a chegada dos ambientes digitais, os
mecanismos de comunicação existentes nos últimos séculos, especialmente na era Gutenberg, sofreram mudanças significativas, adquirindo novos formatos. Essa busca por diferentes formas de interação é cada vez
mais facilitada pelas tecnologias de comunicação. E todo esse processo de ação interativa nos leva ao fenômeno que hoje se denomina transmídia.
Para contextualizar, o foco do trabalho principal em andamento, do qual este artigo é apenas uma parte, se dá no âmbito publicitário, destacando metáforas do mito da mulher guerreira nas peças inseridas na revista
Claudia da Editora Abril, que contempla mídia impressa e versões para tablet, computador e celular, e, ainda, a interação com seu grande público pelas redes sociais, principalmente o Facebook. Consta desse projeto,
acerca do universo feminino da revista impressa e digital, um planejamento de transmídia, em uma dimensão mais íntima, pessoal e de identidade. A ideia é transformar a marca Claudia ou em uma pessoa fictícia ou em
pessoas reais, que se chamem Claudia verdadeiramente, abrindo assim para várias possibilidades de identidade, exploradas por via de contos com conteúdos criados ou fatos da vida real dessas inúmeras Claudias sendo
desdobrados em diversos capítulos, sempre com um desafio a ser superado no final, a fim de despertar no público a curiosidade pelo próximo desfecho. Seriam vários conteúdos usando distintas plataformas. A proposta
contempla, desse modo, personagens com perfis diferentes, múltiplas Claudias e suas respectivas histórias — que poderão até convergir no final. As narrativas abrangeriam, além do conteúdo de marca da própria revista,
outros branded content, de forma a associá-la a outras marcas idôneas e garantir patrocinadores que seriam coadjuvantes da grande narrativa.
Assim, destaca-se o quanto a narrativa transmídia desenvolve a força convergente dos meios de comunicação e o tanto que está aberta ao engajamento colaborativo, o que contribui para o desenvolvimento das
narrativas.
Por fim, há a constatação da importância da narrativa transmídia — transmedia storytelling — e salienta-se não se tratar de uma estratégia, moda ou estrutura. A narrativa em questão é uma linguagem definida
naturalmente pela evolução da sociedade contemporânea denominada como neo-pós-moderna, ainda que a própria pós-modernidade seja alvo de debates de outras linhas investigativas.

Referências bibliográficas

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RANDAZZO, S. A criação de mitos na publicidade: Como publicitários usam o poder do mito e do simbolismo para criar marcas de sucesso. Rio de Janeiro: Rocco. 1997.
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SANTAELLA, L. Linguagens líquidas na era da mobilidade. São Paulo: Paulus, 2007.

O celular como meio de empoderamento do aluno no processo de aprendizagem


(The cell phone as a means of student empowerment in the learning process)

Luciany Oliveira Ferraz.35

Resumo

A tecnologia está presente em todos os setores da sociedade, mudando a forma como nos comunicamos, dirigimos, nos relacionamos, pagamos uma conta e até mesmo no modo de solicitar um táxi, independente
do contexto, tornou-se uma necessidade da contemporaneidade, e, como tal, não deveria estar apartada da educação. No entanto, devido ao desconhecimento de práticas educacionais inovadoras, o sistema de
ensino tende a manter de forma predominante a pedagogia tradicionalista baseada na aplicação de conteúdo, desconsiderando a tecnologia como uma necessidade do indivíduo. A maioria das escolas brasileiras,
principalmente na rede pública de ensino, impugnam a tecnologia como prática pedagógica; uma atitude clara dessa sentença é a proibição do uso de dispositivos móveis como celular e tablet em sala de aula. O
celular está presente no processo de aprendizagem do aluno e muitos já utilizam esse recurso como apoio aos estudos. Negligenciar essa realidade é uma forma de comprometer a formação de um cidadão digital,
limitando suas oportunidades de aprendizagem, integração social e inserção no mercado de trabalho. O celular possibilitou o acesso à tecnologia e à informação para diversas famílias brasileiras, sobretudo após seu
baixo custo de aquisição. Pesquisas do IBGE apontadas nesse artigo evidenciam a ascensão desse recurso nas famílias brasileiras de baixa renda per capita, principalmente, nos estudantes da rede pública de ensino.
O alto índice de rejeição do gestor escolar ao incremento do celular em sala de aula demonstra o receio de perder o controle dos alunos e a ameaça de posicionar o professor numa condição ínfima. Apoiando uma
visão positivista e pragmática para o uso do celular em sala de aula, serão apresentadas nesse artigo evidências e possibilidades para a aplicação desse recurso como meio de empoderamento do aluno no processo de
aprendizagem, não os considerando como meros expectadores de aulas expositivas, mas sim como agentes do próprio conhecimento.
Palavras-chave: Tecnologia; educação; empoderamento; escola; aluno.

Abstract

The technology is present in all sectors of society, changing the way we communicate, drive, relate, pay bill and even the way to request a taxi, regardless of the context, has become a necessity of contemporaneity,
as such, should not be separated from education. However, due to the ignorance of innovative educational practices, the education system tends to maintain predominantly the traditional pedagogy based on the
application of content, disregarding the technology as a necessity of the individual. Most Brazilian schools, especially in the public school system, contest the technology as a pedagogical practice; a clear attitude of
this sentence is the prohibition of the use of mobile devices such as cell phones and tablets in the classroom. Cell phone is present in the student learning process, and many already use this resource to support their
studies. Neglect this reality is a way of compromising the formation of a digital citizen, limiting the opportunities for learning, social integration and insertion in the labor market. The cell phone enabled access
to technology and information for several Brazilian families, especially after its low acquisition cost. Research by the IBGE pointed out in this article evidences the rise of this resource in the Brazilian low-income
families per capita, and especially in the students of the public school system. The high rejection rate of the school manager to the increase of the cell phone in the classroom demonstrates the fear of losing control
of the students and the threat of placing the teacher in a very small condition. Supporting a positivist and pragmatic vision for the use of the cell phone in the classroom, will be presented in this article evidences
and possibilities for the application of this resource as a means of student empowerment in the learning process, not considering them as mere spectators of expositive classes, but as agents of knowledge itself.
Keywords: Technology; education; empowerment; school; student.

Introdução: A tecnologia na escola

Na década de 90, como aluna e docente do ensino público estadual, acompanhei a implantação das salas de informáticas nas escolas e o medo absurdo da direção escolar em disponibilizar esse recurso. A sala de
informática impecável tornou-se o principal objetivo pedagógico, deixando em segundo plano a inclusão digital dos alunos e do corpo docente. Sem função pedagógica, os equipamentos eram disponibilizados
apenas aos docentes e funcionários que possuíam aptidão.
Nesse momento, muitos devem presumir que se trata de um cenário do passado, representando um momento crítico da implantação da tecnologia na rede pública de ensino e que atualmente vivemos numa
era de incentivo da inclusão digital nas escolas. Então, seguem alguns dados para apoiar esta reflexão: Segundo a pesquisa da TIC Educação 2015,36 um total de 22% dos diretores da rede pública de ensino estadual
e municipal consideram importante gerar ações de integração da prática pedagógica com o uso de computadores, 16% desenvolvem novas práticas de ensino com o uso de computador e da internet, apenas 2%
desenvolvem atividades com foco nas habilidades técnicas dos alunos com o uso da tecnologia. Em relação aos coordenadores pedagógicos, 75% discutem com os professores sobre o uso dos computadores e da
internet na prática de ensino e 51% desenvolvem ações para conscientizar os pais do uso da internet dos filhos (TIC Educação, 2015).
A pesquisa comprova o incentivo modesto do uso da tecnologia nas escolas públicas como prática pedagógica e evidência o temor da gestão escolar da entrada desses recursos em sala de aula. Observe que não
estamos avaliando as condições de infraestrutura ou políticas de incentivo, mas refletindo sobre a crença dos principais agentes educacionais que poderiam dar boas-vindas para a tecnologia nas escolas.
35 Luciany Oliveira Ferraz. Coordenadora de Projetos de Educação Corporativa. Graduada em Pedagogia, pós-graduada em Designer Instrucional e Planejamento de Gestão de Projetos em EaD, Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:
lucianyferraz@outlook.com.
36 Pesquisa TIC Educação 2015, realizada pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil. Base: 898 diretores. Respostas estimuladas. Dados coletados entre setembro e dezembro de 2015, p. 449.
O gestor escolar deve exercer um importante papel de articulador do trabalho pedagógico e facilitador da educação inovadora em toda escola, mas, para isso, é necessário conhecimento, informação e espaço
para debater (VILLAS BOAS, 2010). Mas, será que a gestão escolar possui uma base para evoluir com o tema nas escolas?
Disponibilizar tecnologia nas escolas envolve aspectos técnicos como hardware adequado (computador, tablet ou celular), software licenciado, conexão de internet de no mínimo 78 megabits, de acordo com
referências do próprio MEC (2017) e equipe de manutenção e educadores qualificados com a infraestrutura disponível. Oferecer suporte para toda essa cadeia tecnológica é fundamental para que os agentes públicos
responsáveis por essa frente tenham o entendimento mínimo para investir adequadamente em tecnologia de forma massificada na rede de ensino.
Nas escolas públicas, os programas federais e estaduais incentivam a aquisição de hardware e banda larga; porém, o acesso adequado de internet por aluno não é contemplado na implantação da tecnologia nas
escolas. Segundo a Folha de São Paulo (2016), a velocidade da internet nas escolas públicas é de apenas 3% do índice considerado ideal pelo MEC, inviabilizando assim a utilização deste recurso na escola.
O Estado reconheceu a tecnologia como meio integrado a práticas educacionais e formação do cidadão brasileiro, quando sancionou a lei no Art. 26 do marco civil da internet:37
O cumprimento do dever constitucional do Estado na prestação da educação, em todos os níveis de ensino, inclui a capacitação, integrada a outras práticas educacionais, para o uso seguro, consciente e
responsável da internet como ferramenta para o exercício da cidadania, a promoção da cultura e o desenvolvimento tecnológico (BRASIL, 2014).
Nas políticas públicas, podemos citar iniciativas de incentivo ao uso da tecnologia na escola, como o Programa Nacional de Tecnologia Educacional (PROINFO), vinculado com o Fundo Nacional de
Desenvolvimento da Educação (FNDE) do Ministério da Educação, que tem como objetivo qualificar os professores da rede pública de educação básica para o uso da informática como prática pedagógica (FNDE,
2017). O Programa um computador por aluno (PROUCA), com objetivo de promover a inclusão digital de professores, alunos da rede pública federal, estadual, municipal, distrital, municipal e nas escolas sem fins
lucrativos que atendam pessoas com deficiência. O Regime Especial de Incentivo a Computadores para Uso Educacional (REICOMP) e outra iniciativa em conjunto com Ministério da Educação (MEC), Agência
Nacional de Telecomunicações (ANATEL), Ministério das Comunicações e Ministério do Planejamento é o Programa Banda Larga nas Escolas, lançado em 2008 com objetivo de conectar as escolas públicas
urbanas à internet (MEC, 2017).
Com o apoio da iniciativa privada, o Programa Escolas Rurais Conectadas surge em 2012 com objetivo de disponibilizar infraestrutura tecnológica para as escolas rurais de todo o Brasil, através da criação dos
laboratórios de tecnologia digital e da qualificação dos professores em cursos on-line, visando ensinar práticas pedagógicas inovadoras para o uso da tecnologia na educação (Fundação Telefônica, 2017).
As ações mencionadas representam um pequeno recorte do fomento ao uso da tecnologia nas escolas pela iniciativa pública e privada; o incentivo maior se dará a partir do conhecimento e envolvimento dos
principais agentes envolvidos na educação pública, tais como a sociedade, a escola, a família e o aluno.
Visando apoiar a formulação das políticas públicas educacionais, em 2014 a UNESCO formulou as Diretrizes de políticas para aprendizagem móvel, uma iniciativa com apoio de especialistas de vinte países para
construção de aplicações pedagógicas da pré-escola até a formação profissional, recomendando aos formadores de políticas públicas educacionais que:
Evitem a proibição plena do uso do celular sendo esse ato um instrumento grosseiro que inibe a inovação e aprendizagem, capacitem os professores para a prática pedagógica por meio da tecnologia,
promovam o desenvolvimento de conteúdos educacionais digitais, aprimorem as condições de conectividade nas escolas, promovam o uso responsável da tecnologia móvel, apliquem a tecnologia como
ferramenta de apoio à gestão educacional e estimulem o diálogo sobre aprendizagem móvel (UNESCO, 2014).
O fato inegável da tecnologia estar presente em todos os setores da sociedade comprova uma necessidade real da inserção de tecnologia nas escolas como apoio à formação de um cidadão competente, com habilidades
técnicas e capacidade de interação humana (BASTOS, 2000).

A tecnologia na palma da mão

Os celulares e tablets invadiram a sala de aula, seja por incentivo do professor ou por revelia do aluno, independente do cenário. A escola não deve considerar o uso da tecnologia como um ato ignóbil da prática
pedagógica, mas sim uma real necessidade da educação contemporânea.
De forma destrutiva, a tecnologia modificou o modo como as pessoas vivem. Das ligações em áudio passamos para mensagens, fotos e chamadas em vídeo com transmissão ao vivo. Muitos não conseguem mais
se deslocar sem o apoio e direcionamento de um GPS, simplificou-se o meio de solicitar um táxi, pagar uma conta e até pedir comida. Em suma, incorporamos a tecnologia de forma progressiva ao nosso dia a dia,
sendo virtualmente impossível se conceber a vida sem ela.
Segundo uma pesquisa do AppOlympics produzido pela Cheetah Mobile, realizada em nove países com uma média de 52 milhões de usuários Android, os brasileiros são os maiores consumidores de aplicativos
em escala mundial, utilizando uma média de 29,23 aplicativos por mês, numa média global de até 27. Os aplicativos preferidos dos brasileiros são WhatsApp e Messenger, sendo a preferência de download os que
proporcionam acesso às redes sociais, personalização de mídias e games educacionais (Tecnologia-iG, 2017).
Os fabricantes de dispositivos móveis influenciam constantemente a população ao consumo de tecnologia inovadora. Tudo avança e se modifica rapidamente e no senso comum é até impossível imaginar qual
a próxima tendência devido à rapidez desse mercado.
A massificação da produção tecnológica e o incentivo fiscal do Governo Federal, geraram a redução do valor de aquisição de recursos tecnológicos no varejo, consequentemente favoreceram a posse de dispositivos
móveis no país, de acordo com dados da ANATEL (2017).38 Em setembro desse ano, uma média de 241 milhões de linhas de telefones móveis estavam ativas no Brasil. De acordo com dados do IBGE (2015),39
apresentados no gráfico abaixo, de 2013 para 2014 aumentou-se o percentual referente à existência de tablet nos domicílios brasileiros, entretanto, em 2015 os números praticamente mantiveram os mesmos, devido
ao crescimento do uso do celular nos domicílios. As famílias que não possuíam tablet tinham uma média de rendimento domiciliar per capita de R$ 1.074,00 e as famílias com posse domiciliar do tablet uma média
de R$ 2.237,00. Outro fator otimista foi o fato de 39,3 milhões de domicílios terem acesso à internet, representando uma média de 57,8% da base total analisada.

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013-2015.

O acesso à internet pelo telefone celular cresceu no país. Nos comparativos entre os anos, em 2013 os brasileiros acessavam a internet em grande maioria pelo microcomputador. Em 2014 e 2015, o celular se tornou
a base de referência para acesso à internet na maioria dos domicílios brasileiros. Acompanhe a evolução no gráfico 15 da mesma pesquisa (IBGE, 2015).

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013-2015.

A pesquisa do IBGE (2015), também demonstrou crescimento referente à posse de telefone celular para uso pessoal nas pessoas com dez anos de idade ou mais, representando uma média de 139,1 milhões
de brasileiros e correspondendo a 78,3% da população do país nessa faixa etária. Os estudantes também foram avaliados: Da base total, 74,0% possuem celular para uso pessoal e de acordo com a rede de ensino
frequentada, 93,7% dos estudantes da rede privada tinham posse do celular, sendo que na rede pública esse percentual representa 67,2% dos estudantes. Anos de estudo também influenciaram na aquisição do
celular: Observou-se que, quanto maior o nível de instrução, maior será o percentual de estudantes com posse do dispositivo para uso pessoal.

Fonte: IBGE. Diretoria de Pesquisas, Coordenação de Trabalho e Rendimento. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2013-2015.

Em todas as categorias avaliadas, verificou-se o crescimento contínuo da posse do celular, principalmente entre os estudantes e nas famílias com baixo rendimento per capita mensal. O fato é que o celular está
presente na sociedade brasileira, e essa onda não será reversa, mas sim uma tendência constante devido à incorporação da tecnologia na vida cotidiana e as facilidades comerciais para aquisição dos dispositivos
móveis no país.
O Brasil tem uma média de um celular ativo por habilitante no país. Atualmente, já existe uma média de quatro aparelhos comercializados por habilitante, ou seja, no país é maior o número de celular já
adquiridos no mercado do que habitantes (FGV-SP, 2017).40
Para Coutinho (2014), os smartphones estão em pleno processo de universalização e democratização de seu uso, estendendo assim seus impactos sobre uma parcela cada vez maior da população e com grande
relevância na inclusão digital por serem mais baratos e estarem em condições acessíveis.
A tecnologia móvel está presente nas áreas mais vulneráveis, evidenciando uma excelente oportunidade educacional. Um estudo de caso da UNESCO promoveu a alfabetização por meio do telefone celular para
mulheres nas áreas remotas do Paquistão, após a aplicação da tecnologia, o conceito A de avaliação subiu de 20% para 60% das alunas alfabetizadas, e devido ao sucesso da iniciativa o programa passou a atender
de 250 para 2,5 mil alunas (UNESCO, 2014).

O papel do professor

A tecnologia mudou a interação entre as pessoas, os meios de comunicação e até mesmo de aprendizagem. Em toda história da humanidade, não sucedeu um movimento que concebesse o acesso ao conhecimento
como na atualidade. Observe o impacto da tecnologia em diversos setores da sociedade, o cálculo da melhor rota para o trabalho, o pagamento on-line sem as filas do banco, uma visita on-line em qualquer cidade
ou monumento, o bate papo em tempo real por meio de uma chamada de vídeo, dentre outras, mas e a educação? Consegue avaliar as evoluções impactantes nas escolas e principalmente na sala de aula?
Felizmente, algumas escolas disponibilizam recursos multimídia de apoio às aulas como lousa digital, projetor, câmera, filmadora e até uma plataforma virtual de aprendizagem. Mas será que, genuinamente, a
tecnologia está sendo utilizada como apoio ao processo de aprendizagem do aluno ou os recursos continuam sendo uma forma de empoderamento do professor em sala de aula? Disponibilizar recursos multimídia
em sala de aula não significa necessariamente mediar a tecnologia como prática pedagógica. Muitos educadores utilizam esses recursos como exposição de conteúdo, condicionando os alunos a meros espectadores
de vídeos, áudios ou textos. Apropriar-se de métodos ultrapassados e amparados com recursos tecnológicos parece ser uma tendência de muitos educadores, mas, deixar de replicar a tabuada no caderno para o Excel
é apenas um meio de utilizar uma ferramenta tecnológica, mas não um meio de favorecer a aprendizagem.
Os casos de proibição de dispositivos móveis, geralmente, estão associados ao fato do professor ou da escola não compreenderem como “controlar” o aluno em sala de aula, dando a ideia de liberdade do aluno
para o uso indevido ou recreativo do dispositivo. Entretanto, agindo desse modo, perde-se uma grande oportunidade de educar os alunos para cidadania digital. Aprender a utilizar os dispositivos móveis de forma
ética é uma grande necessidade da sociedade contemporânea, principalmente no momento de inserção do jovem no mercado de trabalho, fato que infelizmente as escolas desprezam.
O conhecimento técnico se faz necessário para que o professor consiga convergir conhecimento em aprendizagem, direcionar as atividades em sala de aula e evitar que os alunos dispersem do objetivo de
aprendizagem. Nesse sentido, a qualificação para o uso das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) nas escolas é inadiável e necessária para que os educadores consigam evoluir do estágio inicial para o de
criadores das novas possibilidades de conhecimento (D’IMPÉRIO LIMA, 2013).
A maioria das escolas replica o modelo tradicional de aprendizagem, compartilhando o conhecimento de um para todos com métodos pedagógicos arcaicos. O ato de ensinar está sugestionado diretamente com
o modelo de aprendizagem vivido pelo educador. Para evitar esse ciclo vicioso é necessário engajamento, preparação e conhecimento, algo que ocorre mais pela motivação intrínseca do professor e não por incentivo
da gestão escolar.
O conhecimento empoderou o professor em sala de aula por séculos; permitir a inversão desse papel é uma prática disruptiva da educação. Cabe aos educadores avaliarem qual o verdadeiro significado que
pretendem designar ao ato de ensinar: Tornar-se um reprodutor de conteúdo ou mediador legítimo do conhecimento de seus alunos?
O professor necessita de apoio informal e formal para o seu desenvolvimento profissional, sendo esse critério fundamental para o sucesso da aprendizagem de práticas pedagógicas por meio da tecnologia.
Aprender a ensinar com tecnologia requer planejamento, conhecimento e atualização constante (VALENTE, 2010), porque a tecnologia pela tecnologia não promove aprendizagem, do mesmo modo que o
conteúdo pelo conteúdo não gera aprendizagem.

Práticas educacionais de empoderamento do aluno por meio dos dispositvos móveis

Os dispositivos móveis como celular e tablet podem ser aliados do processo de aprendizagem, entretanto, a dedicação do professor é necessária para promover o planejamento da aula, estudo complementar,
pesquisa e principalmente a práxis. Compreender como a tecnologia será utilizada em sala de aula é a base para diferenciar a aplicação desses dispositivos como meio de aprendizagem ou recursos tecnológicos.
A internet tornou-se um forte aliado do processo de formação do professor, principalmente pela facilidade de acesso a conteúdo de qualidade e aplicativos. Porém, existem múltiplas possibilidades de práticas
pedagógicas no modo off-line com celular como:
• E-Book: Criação de um book digital de imagens com assuntos relacionados ao tema da aula ou disciplina, como por exemplo, captar fotos do percurso até a escola para identificar os impactos do progresso
na natureza, identificar necessidade de saneamento básico na região de domicílio do aluno, documentar testemunhos de fatos históricos dos moradores ou familiares, registrar ações realizadas na escola, etc.

37 A lei federal nº 12.965, de 23 de Abril de 2014, sanciona o Marco Civil da Internet no Brasil.
38 ANATEL. Publicado em 03 de novembro de 2017, 16h56. Última atualização em 06 de novembro de 2017, 9h8.
39 IBGE 2015. Pesquisa nacional por amostra de domicílios. Acesso à internet e à televisão e posse de telefone móvel celular para uso pessoal 2015 (Gráfico 34).
40 28ª Pesquisa anual de administração e uso de tecnologia da informação nas empresas, realizada pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo em 2017.
• Vídeo-aula: Convidar os alunos para criação de vídeos relacionados ao tema da aula ou objetivo de aprendizagem proposto. O vídeo poderá ser exibido numa rede social como YouTube, Facebook ou blog
da turma.
• Podcast: É a gravação de pequenos áudios que poderá ser desenvolvida pelo aluno semelhante ao formato de um programa de entrevistas, apresentação das considerações importantes da aula, contar histórias,
músicas, paródias, etc.
• Apresentação: Os dispositivos móveis oferecem uma variedade de dispositivos e aplicativos que podem ser utilizados para criação de uma apresentação de trabalho individual ou em grupo; empodere o aluno
dando a liberdade para criar o formato desejado seja em áudio, vídeo, textos e até mesmo formato híbrido.
• Anotações e registro: Os aplicativos de notas permitem que os alunos realizem anotações de apoio a memória, gravem as aulas em áudio ou vídeo, construam insumos de conteúdo como apoio aos estudos.
• Agenda: Ajudará o aluno no planejamento da rotina de estudo, sendo uma aprendizagem necessária para a vida.
• Calculadora: Para as aulas de cálculos e gestão financeira. A educação financeira é algo que deve ser incorporado na vida dos alunos para prepará-los para a gestão efetiva de seus recursos financeiros na vida
adulta e profissional.
• Edição de imagens: Imagens que poderão ser utilizadas como conteúdo de estudo ou insumo para atividades em sala de aula.
• Biblioteca ou repositório de conteúdo: O material pedagógico em formato digital facilita a consulta durante as aulas off-line ou on-line.
• Música: Os alunos podem criar músicas relacionados ao objetivo de aprendizagem da aula e até mesmo utilizá-la como recurso para estudo e concentração. Algumas pessoas conseguem se concentrar numa
leitura com o apoio de uma música. Respeite o estilo de aprendizagem do seu aluno.
A internet oferece um universo de possibilidades de conteúdo digital, aplicativos e recursos úteis para a aprendizagem, sobretudo devido à falta de material pedagógico de qualidade. Também é possível
utilizar as plataformas educacionais on-line de conteúdo aberto como os MOOCs (Massive Open Course Systems), que são cursos on-line gratuitos e disponibilizados com objetivo de massificar o conhecimento,
principalmente amparado por grandes universidades de alcance mundial. Segue algumas referências de MOOCs disponíveis no momento, que poderão apoiar a formação do docente, do aluno e como conteúdo
pedagógico complementar. São os principais:
• Coursera: Uma das mais conhecidas plataformas de cursos on-line gratuitos do mundo, grande maioria disponibilizada em formato de vídeo-aulas. A plataforma e os cursos foram desenvolvidos inicialmente
pelas universidades norte-americanas de Stanford, Princeton, Michigan e Pennsylvania. Desde de 2013, as aulas começaram a ser traduzidas para o português com o apoio e supervisão da Fundação Lemann
no Brasil (LEMANN, 2017).
• Veduca: Plataforma de conteúdo on-line aberto, desenvolvida por brasileiros com parceria com a USP e outras instituições de ensino. Todos os cursos são disponibilizados de forma gratuita. Caso o aluno
tenha interesse em certificar-se pagará apenas o investimento do certificado, desde que tenha aproveitamento mínimo do curso (VEDUCA, 2017).
• Khan Academy: Plataforma aberta de cursos on-line com conteúdo de matemática, ciências, economia e computação. Os cursos são divididos por tema e referência da série do currículo escolar brasileiro, o
acesso também é classificado por indicação para professor e alunos.Voluntários apoiam na tradução dos cursos e os conteúdos são desenvolvidos com apoio de empresas parceiras como a NASA, Academia
de Ciências da Universidade da Califórnia e o Instituto de Tecnologia de Massachussetts (MIT) (KHAN ACADEMY, 2017).
• Stembyme: Plataforma de cursos on-line gratuitos no formato de vídeo-aulas numa linguagem indicada ao público-jovem com conteúdo das disciplinas STEM (ciência, matemática e tecnologia). Os cursos
podem ser utilizados como apoio às aulas e até como material de estudo complementar do aluno (STEMBYME, 2017).
• ScolarTIC: Plataforma aberta de cursos on-line dedicada a formação de educadores, com temas de apoio à rotina e planejamento das aulas, orientação de como utilizar a tecnologia em sala de aula e com
conteúdo contemporâneo (ScolarTIC, 2017).
A formação híbrida ou blended (on-line + presencial), já é uma realidade dos alunos, pois a maioria utiliza a internet como fonte de estudo devido às múltiplas possibilidades de aprendizagem. Com uma conexão
factível, é possível criar as seguintes práticas pedagógicas:
• Avaliação on-line: Ferramentas como Google, SurveyMonkey dentre outras, podem ajudar o professor na criação, consolidação e evolução do aluno no processo de avaliação formal. Utilize uma avaliação
inicial e final para comparar o grau de evolução do conhecimento do aluno ao longo no ano letivo.
• Wikipédia: Criação de um trabalho coletivo, onde todos os alunos contribuem com o desenvolvimento da atividade on-line.
• Fórum: Criação de um fórum para que os alunos possam dialogar sobre tema ou assunto num ambiente de aprendizagem on-line, com tempo determinado de início e fim.
• Chat: On-line e ao vivo para apresentar ou dialogar. O Instagram, Facebook e YouTube são ferramentas de uso comum dos alunos que podem ser utilizadas para fins pedagógicos. O fator do compartilhamento
incentiva a dedicação e comprometimento dos alunos na atividade devido à exposição pública.
• WhatsApp: É comum a criação de grupos no WhatsApp entre os alunos, amigos e familiares para compartilhamento de informações. Utilizar essa ferramenta como incentivo ao dialogo, conscientização de
um tema e até mesmo compartilhamento de conteúdo para estudo prévio da aula.
• Games: Estimulam a aprendizagem por meio lúdico; atualmente é possível encontrar na internet jogos para aprender praticamente todos os assuntos relacionados à aprendizagem escolar. Exemplo de
aplicativos como o Duolingo para idiomas, Perguntados para estimular a criação de perguntas, Discovery Kids para educação infantil, dentre outros.
• Social learning: Ou redes sociais em português, é a preferência de acesso dos alunos. De forma estratégica e com autorização dos pais, incentive a criação de uma página de conteúdo para compartilhamento
de informações da disciplina ou tema proposto.
• Compartilhamento coletivo: A internet possibilita infinitas possibilidades de compartilhamento por meio de vídeo, áudio e textos; basta usar a criatividade para eleger o melhor formato para criação de um
espaço coletivo de aprendizagem como um repositório de conteúdos digitais produzidos pelos alunos.
As plataformas educacionais com código aberto, conhecidas como open source, também fortalecem o conceito de aprendizagem on-line, aberta e coletiva. A partir do momento que o conhecimento é compartilhado,
é possível que qualquer indivíduo, de qualquer lugar do mundo, contribua para desenvolvimento ou atualização de uma solução digital, aplicativo, produtos, impressão em 3D, site, etc. O desenvolvimento ou
consulta de um projeto open source pode ser indicado para trabalhar disciplinas como matemática, programação, elétrica e física. Algumas plataformas como o GitHub, são semelhantes a uma rede social, onde os
participantes informam o tipo de permissão de utilização do projeto e o escopo de desenvolvimento. Através desse compartilhamento é possível que ambos aprendam, pois, os usuários compartilham sugestões
de melhorias do projeto inicial.
As possibilidades de uso da tecnologia na educação são infinitas. Independentemente da tecnologia, é importante que o educador compreenda qual o objetivo de aprendizagem proposto para a ação em sala de
aula, pois a tecnologia pela tecnologia não gera aprendizagem e não forma cidadãos digitais conscientes e éticos.

Considerações finais

A tecnologia faz parte do cotidiano dos alunos. Dados apresentados neste artigo comprovam a inserção crescente do celular nas famílias brasileiras, portando, não cabe à escola discutir se os dispositivos móveis
devem ser inseridos na sala de aula, mas sim como utilizá-los de forma efetiva para favorecer a prática pedagógica.
A escola deve promover uma formação que atenda às necessidades da sociedade contemporânea, preparando os alunos para a vida adulta, favorecendo-lhes inserção no mundo do trabalho. Desta forma, a
tecnologia deve fazer parte da prática pedagógica e não estar à parte da sala de aula. Com um ato radical de proibição do uso do celular, abdicam totalmente da oportunidade de formar cidadãos digitais consciente
de seus direitos e deveres.
A aplicação de recursos digitais em sala de aula fortalecerá a motivação para os estudos, e, como educadores, precisamos aprender a ouvir e a empoderar nossos alunos para compreender como e o que desejam
aprender. Não cabe discutir quem deverá ser empoderado pelo conhecimento, mas identificar quais são as possibilidades de promover aprendizagem por meio da tecnologia para os nativos digitais. Atente-se que a
nova geração de alunos, conhecidos como nativos digitais, não sabe como é uma vida sem tecnologia, sem internet ou celular; não incorporar esses recursos em sala de aula é um retrocesso, e não a prática de uma
aula de história. Observe a quantidade de conteúdo que um aluno acessou antes de entrar na educação infantil e a praticidade de uma criança em manipular um celular. O que deve ser feito com esse conhecimento?
Descartá-lo? Afinal, quando a tecnologia estará presente e não ausente da sala de aula?

Referências bibliográficas

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escolas> Acesso em: 09 nov. 2017.
BRASIL. Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Programa nacional de tecnologia educacional (PROINFO). Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/6429-proinfo-programa-
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COUTINHO, G.L. A era dos smartphones: Um estudo exploratório sobre o uso de smartphones no Brasil. Brasília: Universidade de Brasília (UNB). Faculdade de Comunicação Social, habilitação em Publicidade e
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D’IMPERIO LIMA, A. L. O. Uso das TIC na Educação: Inclusão ou exclusão digital? In: COMITÊ GESTOR DA INTERNET NO BRASIL – CGI.br. Pesquisa sobre o uso das tecnologias de informação e da
comunicação no brasil – TIC educação 2012. São Paulo: CGI.br, 2013.
EAESP. 28ª Pesquisa anual de administração e uso de tecnologia da informação nas empresas. FGV-SP. Disponível em: <http://eaesp.fgvsp.br/ensinoeconhecimento/centros/cia/pesquisa> Acesso em: 19 nov. 2017.
FUNDAÇÃO LEMANN. Coursera: Abrindo as portas das melhores universidades do mundo para você. Disponível em: <http://www.fundacaolemann.org.br/coursera-brasil/> Acesso em: 09 nov. 2017.
KHAN ACADEMY. A nossa missão é proporcionar uma educação gratuita e de alta qualidade para todos, em qualquer lugar. Disponível em: <https://pt.khanacademy.org/about> Acesso em: 09 nov. 2017.
ScolarTIC. Formação. Disponível em: <https://www.stembyme.com/web/guest/outros-pt>. Acesso em: 09 nov. 2017.
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VALIENTE, O. 1-1 in Education: Current practice, international comparative research evidence and policy implications. OECD Education Working Papers, n. 44. Paris: ECD Publishing, 2010. Disponível em: <http://dx.doi.
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VEDUCA.org. Quem somos. Disponível em: <https://veduca.org/p/quem_somos>. Acesso em: 09 nov. 2017.
VILLAS BOAS. Projeto de intervenção na escola: Mantendo a aprendizagem em dia. TECNOLOGIA_IG. Disponível em: <http://tecnologia.ig.com.br/2016-05-23/brasileiros-sao-os-que-mais-usam-aplicativos-para-celular-
diz-estudo.html> Acesso em: 09 nov. 2017.

Podcasts

Lenize Villaça Cardoso.41

Foram produzidos cinco podcasts com alunos do programa de pós-graduação stricto sensu da Universidade Presbiteriana Mackenzie, linha de pesquisa Educação, Arte e História da Cultura (EAHC) no segundo
semestre de 2017. Como o e-Book é dividido em segmentos de conhecimentos específicos de cada aluno, dos quinze que realizarem a disciplina, cinco manifestaram a vontade de gravar um podcast. Todos foram
feitos no formato de entrevista entre um entrevistador e um entrevistado. Para imprimir um padrão, em todos os áudios manteve-se a mesma entrevistadora, Lenize Villaça, jornalista e aluna da disciplina. As
gravações ocorreram nos próprios estúdios de áudio do Mackenzie em dois dias e a primeira pós-edição foi ali mesmo, sendo uma segunda e definitiva por outro aluno posteriormente. A condução foi a mesma em
todas, ou seja, abria-se com o currículo do entrevistado, fazia-se basicamente três perguntas a respeito do texto lido e, por fim, por que o ouvinte deveria se interessar por esse tema. Em relação ao tempo de duração
de cada episódio, este foi o mais dissonante possível com, no mínimo, cinco minutos e o de maior tempo, dez minutos. Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa: 5’16”; Eduardo Hofling Milani: 7’48”; Dângela
Nunes Abiorana: 8’16”; Luciany Oliveira Ferraz: 9’10” e Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro: 10’24”.

41 Lenize Villaça Cardoso. Jornalista e professora da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Ciências da Comunicação pela PPGCOm ECA-USP. Doutoranda em Educação, Arte e História da Cultura — EAHC — da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do HCSM — Núcleo
de Estudos de História da Cultura, Sociedades e Mídias, certificado pelo CNPq. E-mail: lenize@mackenzie.br.
Podcast 1: A narrativa transmidiática: Conceitos e pequenas dissonâncias, de Vitor Lopes Resende
Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa.42

Lenize Villaça Cardoso entrevista Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa, sobre Narrativa transmidiática: conceitos e pequenas dissonâncias, de Vitor Lopes Resende.

Ouça o podcast

42 Marcia Maria Arco e Flexa Ferreira da Costa. Psicóloga, professora, especialista educação, recursos humanos e comunicação. Mestre em Educação e doutoranda pelo Programa de Educação, Arte e História da Cultura da Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail: marciaflexa@gmail.com.
Podcast 2: Convergência midiática em Henry Jenkins, Lucia Santaella e Carlos A. Scolari
Luciany Oliveira Ferraz.43

Lenize Villaça Cardoso entrevista Luciany Oliveira Ferraz, sobre convergência midiática em Henry Jenkins, Lucia Santaella e Carlos A. Scolari.

Ouça o podcast

43 Luciany Oliveira Ferraz. Coordenadora de Projetos de Educação Corporativa. Graduada em Pedagogia, pós-graduada em Designer Instrucional e Planejamento de Gestão de Projetos em EaD, Mestranda em Educação, Arte e História da Cultura pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. E-mail:
lucianyferraz@outlook.com.
Podcast 3: Tell me a history: Storytelling to create impact brains, de Jen Beeman
Eduardo Hofling Milani.44

Lenize Villaça Cardoso entrevista Eduardo Hofling Milani, sobre o livro Tell me a history: storytelling to create impact brains, de Jen Beeman.

Ouça o podcast

44 Eduardo Hofling Milani. Mestre em Arquitetura e Urbanismo, Professor na Universidade Presbiteriana Mackenzie no Curso de Publicidade Propaganda, do Centro de Comunicação Letras. E-mail: milani@mackenzie.br.
Podcast 4: Mappingfesto: Projection mapping manifesto, de Alexis Anastasiou
Dângela Nunes Abiorana.45

Lenize Villaça Cardoso entrevista Dângela Nunes Abiorana, sobre o livro Mappingfesto: Projection mapping manifesto, de Alexis Anastasiou.

Ouça o podcast

45 Dângela Nunes Abiorana. Doutoranda no curso de Educação, Arte e História da Cultura — Universidade Mackenzie. Mestre em Educação, Arte e História da Cultura — Universidade Mackenzie. Especialista em Arte e Tecnologia — Universidade de Brasília (UNB). Pedagoga e Professora da
Secretaria de Estado de Educação do DF. E-mail: ddangela@gmail.com.
Podcast 5: Indústria cultural, indústria fonográfica e cibercultura, de Luciana Reitenbach Viana
Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro.46

Lenize Villaça Cardoso entrevista Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro, sobre o artigo Indústria cultural, indústria fonográfica e cibercultura, de Luciana Reitenbach Viana.

Ouça o podcast

46 Matheus Henrique Pinheiro Ribeiro. Radialista, Especialista em História do Cinema Nacional pela ECA-USP. Mestrando em Educação, Arte e História da Cultura — EAHC — da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Membro do HCSM — Núcleo de Estudos de História da Cultura, Socieda-
des e Mídias, certificado pelo CNPq. E-mail: matheusribeiro83@hotmail.com.

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