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Liberdade e Tirania - A Liberdade Maçónica

“Liberdade, que estais no céu…

Rezava o padre-nosso que sabia,

A pedir-te, humildemente,

O pio de cada dia.

Mas a tua bondade omnipotente

Nem me ouvia.

Liberdade, que estais na terra…

E a minha voz crescia

De emoção.

Mas um silêncio triste sepultava

A fé que ressumava

Da oração.

Até que um dia, corajosamente,

Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,

Saborear, enfim,

O pão da minha fome.

Liberdade, que estais em mim,

Santificado seja o vosso nome.”

Miguel Torga

“Em 1922, quando Mussolini toma o poder na Itália, de imediato condena a Maçonaria e os
maçons. Como qualquer ditador, não podia tolerar a existência de uma sociedade secreta em que se
defendia a “liberdade, igualdade e fraternidade”, a qual, na sua perspetiva, facilmente se tornaria numa
organização conspirativa contra o regime que pretendia impor em Itália. Também em Espanha, os maçons
foram sistematicamente perseguidos pela Igreja Católica e depois pela ditadura de Primo de Rivera,
sendo, contudo, tolerados após a revolução de 1931, isto é, durante a Segunda República espanhola.
Quando o general Franco instaura de novo uma ditadura, na sequência do levantamento militar de julho
de 1936, afirma publicamente que estava a comandar uma revolução para “… combater o comunismo e
a Maçonaria”. Em março de 1949, Franco emite um decreto contra os maçons, criando mesmo um tribunal
especial para os julgar. Os exemplos de perseguição à Maçonaria multiplicam-se em inúmeros
acontecimentos históricos e Portugal, neste contexto, não é exceção. Desde o acontecimento de outubro
de 1817, onde o Grão-Mestre Gomes Freire é enforcado em São Julião da Barra, passando pelos inúmeros
processos inquisitoriais à Maçonaria e aos seus membros, até à Lei n.º 1901, de 21 de maio de 1935, onde
se decreta a ilegalidade e dissolução das sociedades secretas em Portugal, rapidamente se constata o
incisivo clima de intolerância vivido pela Ordem desde a sua génese no país, entrecortado apenas por
pequenos tempos de aceitação, fosse na órbita da vigência política do marquês de Pombal ou durante o
período histórico da Primeira República.

E porque é a tirania tão avessa à Maçonaria? Porque a Liberdade é um dos três princípios
estruturantes da Ordem, conjuntamente com os preceitos da Igualdade e Fraternidade. E o que é a
Liberdade? Juridicamente a noção inicial de Liberdade, de ser-se livre, era a condição de não se ser
escravo, de não se ser propriedade de outrem. A noção jurídica de Liberdade evoluiu de acordo com a
evolução societária e hoje em dia a Liberdade comporta diversos patamares da sua aceção. Liberdade
física, liberdade de consciência, liberdade de expressão, liberdade de Acão… Ser-se livre é agir em plena
autonomia de meios e convicções, numa escolha de métodos e vontades que colidem, necessariamente,
com os preceitos “filosóficos” da tirania. A tirania não aceita a crítica, a sua diversidade e a sua autonomia
de pensamento. O tirano promove, acima de todos os preceitos, a sua vontade. Mesmo acima da própria
Lei (se necessário) e da Justiça. Ora, sendo a Maçonaria uma associação de homens livres e iguais, em cuja
essência organizacional prevalece o sentido democrático, fácil é concluir-se que os opressores da
Liberdade não podem conviver facilmente com ela.

A semente do pensamento livre, para a Maçonaria, assenta no primado da razão. Sem o exercício
da razão não pode existir um pensamento verdadeiramente livre, já que a Inteligência é, para a
Maçonaria, a mais perfeita manifestação da vida, onde se pode ascender pelo trabalho individual do
adepto. Por outro lado, a liberdade maçónica comporta outros três elementos fundamentais na sua
caracterização: a responsabilidade, a virtude e moral. A liberdade do maçom não resulta de um ato
indiscriminado e libertino da razão, como meio de exercício de uma acão que se autojustifica quaisquer
sejam as suas consequências. Para o maçom a liberdade comporta limites de responsabilidade finalística,
de saber ético e voluntarismo moral. A virtude, como fim da ação maçónica, é um exercício da razão mais
pura a qual não se restringe à obediência strictu sensu às regras das leis civis. Supera-a. O homem
verdadeiramente livre, na conceção maçónica, é aquele que sendo autónomo nas suas decisões, justifica-
as através de um exercício de reflexão e adequação a uma causa maior, a um princípio de autorregulação
onde o bem comum vigora como princípio fundamental. O tirano tem como fim um princípio diferente, o
seu bem próprio, e usa a sua vontade como fim “regulador” desse objetivos. Por outro lado, o tirano faz
uso do irracionalismo como fonte justificativa da sua ação pela ação. A ação, para ser vigorosa, deve ser
tomada sem qualquer reflexão prévia. Pensar é uma forma de emasculação. Nesse sentido, a cultura
revela-se suspeita na medida em que é identificada com a atitude crítica. A desconfiança pelo mundo
intelectual sempre foi um apanágio dos governos ditatoriais, como se extrai da declaração de Goering
(“Quando ouço falar de cultura busco imediatamente a minha arma”). Nenhum espírito autoritário pode
aceitar a crítica analítica, já que esta aceita o desacordo como forma de melhorar o conhecimento. E a
tirania não busca o Conhecimento, porque conhecer é ser-se livre. E ser-se livre é aceitar a diferença, é
combater o dogma, é procurar a Virtude.

Ao longo de toda a história da humanidade sempre se registou o sonho perene do homem em


ser livre. Esta, creio, é a maior aspiração do homem no seu quadro existencial. Primeiro existir, depois ser
livre. Sartre dizia que a condição libertária do homem vinha antes até da sua condição existencial. A
própria condição de existência era decidida nesse quadro de pura liberdade (da alma?) de escolha. Existir
ou não existir. Nesse sentido, não é por acaso que a palavra “Liberdade” se coloca no primórdio face às
outras duas, “Igualdade” e “Fraternidade”. Trata-se de um claro juízo de valor, e se atentarmos no que
pensaram e escreveram os nossos Irmãos aquando da redação da Declaração de Independência dos EUA,
vemos que a aspiração à liberdade se equivale à preservação da vida e à consecução da felicidade como
“verdades sagradas e inalienáveis”. A liberdade maçónica é, contudo, uma liberdade pessoal e interna,
não necessariamente política. Todos conhecemos heroicos casos de homens e mulheres que cortados na
sua liberdade física nunca deixaram de ser livres. Daí a condição primordial da liberdade de pensamento
como vetor fundamental do homem maçom. É certo que muitos maçons participaram em lutas políticas
em prol da liberdade, fosse ela política, social ou laboral. Fizeram-no, com toda a certeza, imbuídos desse
espírito maior expresso pelo pensamento livre e gizado pela razão, pela moral e pela virtude. E, sabendo
que a liberdade de consciência é o cimento basilar que consolida as outras formas exteriores de liberdade:
a civil, a religiosa, a política e a económica. Assim, todo o maçom tem a obrigação de lutar contra a
ignorância moral e intelectual da humanidade e moldar, na estrutura psíquica do indivíduo e da
coletividade, a compreensão que a liberdade de pensamento (e as demais liberdades) são diretos
inalienáveis do Homem, mas que, para bem as exercer, é preciso instrução. A ignorância, por norma, anda
associada à intolerância. E da intolerância sobressai, por certo, a violência e a perseguição. Está escrito
nos anais da História. A ignorância humana “fundamentou” incontáveis vidas sacrificadas pela
“omnipotência” de um pensamento único. Graças a esse imobilismo político, religioso, social e
conceptual, a Humanidade forjou séculos de obscurantismo e decadência espiritual.

Mesmo após o triunfo do pensamento moderno, forjado por lutas sangrentas e demarcações teológicas
sobre a conceção da relação do Homem com Deus, este consagrou-se, definitivamente, ao materialismo
conceptual da sua existência. Aniquilando progressivamente o seu vínculo ao sagrado, o homem
combateu a Religião instituída gerando uma sociedade laica e materialista, onde o primado da razão
(como antítese da superstição) se consubstanciou no materialismo científico. A sua construção filosófica,
edificada sobre o monismo, partiu de um extremo para atingir o outro. Numa tentativa de desconstruir a
ignorância humana, confundiu a espiritualidade com a teologia, a Igreja com o Vício, a Religião com o
obscurantismo. Esquecendo a sua vivência mitológica e a ritualidade das suas passagens existenciais, o
homem moderno perdeu a vivência do sagrado no seu combate exacerbado à religião instituída. Tomando
a parte pelo todo o homem, crente (de novo crente) no primado absoluto da razão, confundiu
conhecimento com Conhecimento. Negando as virtudes do espírito, passou a “contemplar” apenas as
forças da matéria, fazendo delas o fim e a causa. Com efeito, o monismo filosófico nega a existência dos
dois princípios, o espiritual e o material, o que denota efeitos perversos que contradizem os princípios
maçónicos mais elementares. O primeiro desses efeitos é o materialismo científico, que nega ao Espírito
o seu âmbito de reflexão racional. O segundo efeito dá-se no espectro político e social, onde a Religião
passa a ser vista como o ópio do povo e não mais como uma estrutura de pensamento que permita ao
Espírito estruturar a sua relação com Deus. A Religião passa a ser entendida como um instrumento de
domínio, não como carácter de conhecimento ou ascese. A liberdade de consciência comporta a liberdade
religiosa e, dentro dela, a liberdade de ser religioso ou não. A liberdade de consciência não nega a Religião,
dá-lhe sim uma fundamentação filosófica racional. Essa fundamentação é o dualismo, a separação entre
Espírito e Matéria, e está construída de modo a comportar a consistência de que o Espírito é uma
realidade e que a liberdade de consciência, no seu quadrante maçónico, tem a ver com a compreensão
da primazia do Espírito sobre a Matéria. A aceitação de GADU como princípio criador e orientador do
pensamento maçónico, comporta, necessariamente, a aceitação plena deste principio. Não porque esta
seja uma negação dogmática da nossa liberdade de pensamento, mas sim porque essa aceitação implica
uma análise filosófico-racional da sua aprovação e lógica. A compreensão da existência do Espírito como
elemento primordial à Matéria resulta de uma compreensão plena da nossa essência, como centelhas
emanadas desse referencial primordial do Espírito: o Grande Construtor do Universo. E não se trata
apenas de uma liberdade de pensamento tout court, mas de uma ampla liberdade de Pensamento que
nos transporta ao grau maior do Conhecimento. Nessa amplitude Razão e Espírito congregam-se para se
obter um grau maior de compreensão, visão e sentimento. A liberdade maçónica opera nos vários
quadrantes do Conhecimento e não "joga” apenas com os dados da razão. Vai mais longe, atua com as
energias sinestésicas em Loja e oferece a GADU os propósitos das suas realizações no Templo. Intelectuais
e Espirituais. A liberdade maçónica é mais exigente, já que sendo guiada pela Mente instruída traduz a
libertação do Homem em relação às coisas materiais enquanto coisas e dá-lhe o rumo do
autoconhecimento. Sem essa fundamentação filosófica que concede a espiritualidade ao Homem e que
responsabiliza os seus atos, as liberdades civis perdem parte da sua substância. O exercício da liberdade
de consciência também se dá na relação com os outros, no sentido da compreensão, pela Razão, de que
os demais indivíduos são igualmente espíritos que se relacionam similarmente.”
Assim, se se negar esta realidade, a Liberdade perde toda a sua fundamentação, pois se tudo é matéria,
se a consciência do Eu nada mais é que uma série de sinapses e atividades elétricas neuronais, se o estado
social nada mais é que a síntese das estruturas económicas de produção e intercâmbio, então de que
serve a Liberdade se tudo não passa apenas de uma tentativa frágil de equilibrar o sofrimento humano
dentro de níveis toleráveis? Se se esvazia a relação corpo-alma e se entende que a única forma existente
é a matéria, como aceitar a possibilidade de continuidade da Vida? Como se entende a equação de GADU
nesse quadrante? Se a Liberdade é sentido de responsabilidade, veículo de moral e Virtude, como se pode
entender uma Criação sem sentido de continuidade, sem uma relação evolutiva, sem um sentido final de
Lógica? Pode a Existência existir por existir? Pode a Inteligência evoluir sem reflexão? Pode a Maçonaria
existir sem Liberdade?

Assim disse,

16 de junho de 6020 (e.m.)

[Giordano Bruno], M∴M∴

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