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BÍBLIA: O MARAVILHOSO LIVRO DE DEUS – RUBEM MENEZES

A REVELAÇÃO BÍBLICA1

Certamente o Senhor Deus não fará coisa alguma, sem ter


revelado o seu segredo aos seus servos, os profetas.
Profeta Amós (séc. VIII a.C.)

A Bíblia é a revelação especial de Deus. Sendo assim, podemos dizer que co-
nhecer a revelação de Deus é o mesmo que conhecer o próprio Deus. E conhecer
Deus é conhecer a Sua vontade. Por conseguinte, conhecer a vontade de Deus é
conhecer a verdadeira vida e felicidade e esta está invariavelmente ligada à ideia
de comunhão.
De acordo com Chafer (1986) quando Deus fez o homem à sua imagem, deu
a esse homem2 capacidade para ter comunhão com Ele.
Que no devido tempo Deus revelaria ao homem a verdade relativa a Ele
mesmo e aos Seus propósitos, também o verdadeiro lugar do homem no
plano divino da criação: o seu relacionamento com Deus, com a eternida-
de, com o tempo, com a virtude, com o pecado, com a redenção, além de
com todos os outros seres do universo dentro do qual a vida do homem
encontra-se engastada.

O homem, como criação, é imperfeito, incompleto e limitado. Deus, como cri-


ador, é pleno, perfeito e ilimitado. No homem havia a emergência da plenitude e
da completude, portanto a necessidade de conhecer o pleno, completo e perfeito –
Deus. Assim, aprouve a esse Deus se dar a conhecer ou se mostrar ao homem. O
modo pelo qual Ele se fez conhecido foi através da revelação. Partimos do pressu-
posto que revelar significa “tirar o véu ou remover a coberta que esconde um obje-
to para o expor à vista” (CRABTREE, 1980). Assim, como diz o profeta Isaías, foi
Deus quem se apresentou ao homem e se fez conhecer.
Atendi a quem não me pedia, fui encontrado por quem não me procurava;
a uma nação que não invocava meu nome, respondi: “Aqui estou eu! Aqui
estou eu!” (ISAÍAS, 65.1).

De acordo com o profeta foi Deus quem se mostrou. No texto ele não descre-
ve o modo como se deu essa revelação. Mas, cabe dizer que há diversos e diferen-
tes modos de Deus revelar-se. Por exemplo: Deus pode se revelar (e se revela) a-
través da natureza, como mostra o rei Davi: “Os céus narram a glória de Deus, o
firmamento anuncia a obra de suas mãos” (Sl 19.1). Porém, nesse momento nos
interessa particularmente aquilo que na teologia se chama de revelação especial
de Deus – a Escritura sagrada ou simplesmente Bíblia sagrada. Essa revelação

1 Obra original: MENEZES, Rubem. Bíblia: o maravilhoso livro de Deus. São Paulo: Clube de Autores, 2012.
2 Usamos o vocábulo homem não no sentido de gênero masculino, mas no sentido de espécie, homo sapiens.
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nada mais é que a própria manifestação de Deus – de quem Ele é, o que faz, o que
pode e quer fazer etc. É o ato de Deus descobrir-se e mostrar-se ao homem atra-
vés das mensagens de seus interlocutores – os escritores da Bíblia sagrada.
Quando se discute revelação, a inevitável pergunta que se faz é: QUE É REVE-
LAÇÃO? Em sentido comum, revelação é o ato de tirar o véu, descobrir, declarar,
manifestar, denunciar, fazer conhecer. Todas essas nuances podem ser percebidas
em toda a extensão das Escrituras sagradas. Pois, os proclamadores da mensa-
gem divina fazem denúncias, declaram a superior vontade de Deus e mostram
quem Ele é.
A palavra que do Senhor veio a Jeremias, dizendo: Assim diz o Senhor
Deus de Israel: Escreve num livro todas as palavras que te tenho falado.
Porque eis que vêm dias, diz o Senhor, em que farei voltar do cativeiro o
meu povo Israel, e de Judá, diz o Senhor; e tornarei a trazê-los à terra
que dei a seus pais, e a possuirão. (JEREMIAS 30.1-3).
Deus é Espírito, e importa que os que o adoram o adorem em espírito e
em verdade. (JOÃO 4.24).

Do ponto de vista teológico pode-se dizer que revelação “é o desvendamento


que Deus faz de si mesmo, girando em torno da pessoa de Jesus Cristo, através
da criação, da história, da consciência humana e das Escrituras” (CHAMPLIN; BEN-
TES, 1995, p. 701).

Nosso interesse nesse momento são as Escrituras sagradas como fonte de


revelação. De acordo com Champlin e Bentes, como vimos, revelação é fundamen-
talmente o desvendamento que Deus faz de si mesmo. Não se trata de uma desco-
berta meritória do homem. Trata-se, sim, de um gesto de Deus em direção ao ho-
mem. Ou seja, revelação é um ato de Deus e não do homem.
E dize-lhes: Assim diz o Senhor Deus: No dia em que escolhi a Israel,
levantei a minha mão para a descendência da casa de Jacó, e me dei a
conhecer a eles na terra do Egito, e levantei a minha mão para eles,
dizendo: Eu sou o Senhor vosso Deus. (EZEQUIEL 20.5).

É Deus quem toma a iniciativa e age para se descortinar diante do homem.


É, nesse agir, portanto, que Deus se mostra e se dá a conhecer. É o desabrochar
da verdade, da realidade e/ou do conhecimento de Deus que o homem, por suas
próprias forças, capacidades ou habilidades jamais poderia alcançar. É isso basi-
camente que Thiessen (1994, p.10) compreende como sendo a revelação: “ato de
Deus pelo qual Ele se mostra ou comunica a verdade [...] que não pode ser conhe-
cida de nenhuma outra maneira”. Do mesmo modo, para Duffield & Van Cleave
(1991) “revelação é o ato de Deus mediante o qual Ele comunica [...] a verdade
antes desconhecida [...] que não poderia ser conhecida de qualquer outra manei-
ra”. Em todos esses conceitos o que temos em comum é o fato de a revelação ser
um ato eminentemente de Deus. O homem figura apenas como receptor desse
desvendamento. O agente é sempre Deus.
No estudo de todas as outras ciências, o homem se coloca acima do objeto
de sua investigação e ativamente extrai dele o seu conhecimento pelo mé-
todo que lhe pareça mais apropriado, mas, na teologia, ele não pode colo-
car-se acima, e, sim, sob o objeto do seu conhecimento. Noutras palavras,

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o homem só pode conhecer a Deus na medida em que Este ativamente se


faz conhecido. Deus é, antes de tudo, o sujeito que transmite conhecimen-
to ao homem, e só pode tornar-se objeto de estudo do homem na medida
em que este assimila e reflete o conhecimento a ele transmitido pela reve-
lação. Sem a revelação, o homem nunca seria capaz de adquirir qualquer
conhecimento de Deus. (BERKHOF, 1990, p.26).

Isto é, Deus é a fonte do conhecimento de si mesmo. O homem só pode alcan-


çá-lo se Deus se abrir para ser conhecido. Sendo assim, “não há nada surpreen-
dente no fato de que Deus só pode ser conhecido se Ele se revela, e na medida em
que o faz” (IDEM, p.27). O apóstolo Paulo falando a respeito disso, diz: “De fato, foi
por revelação que tive conhecimento do mistério, como acima o expus em poucas
palavras” (Ef 3.3). Outro momento em que podemos perceber a revelação como
originada em Deus, está nas palavras de Jesus, quando este se dirige a Pedro:
“[...] Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi carne e sangue que te reve-
lou isso, mas o meu Pai, que está no céu” (Mt 16.17). Afinal, como o apóstolo Pau-
lo nos diz: “Porque, qual dos homens sabe as coisas do homem, senão o espírito do
homem, que nele está? Assim também nin-guém sabe as coisas de Deus, senão o
Espírito de Deus” (1 Co 2.11).
Também é ponto comum nos conceitos de revelação que estamos consideran-
do, que a única possibilidade de o homem conhecer a Deus está na suprema von-
tade de Deus em querer ser conhecido. Parte-se do princípio de que Deus é sobe-
rano em todas as coisas e questões. Quando Pilatos arroga poder de vida e de
morte perante Jesus, este lhe responde que a única razão para Pilatos ter tal po-
der é a vontade soberana de Deus.
Disse-lhe, pois, Pilatos: Não me falas a mim? Não sabes tu que tenho po-
der para te crucificar e tenho poder para te soltar? Respondeu Jesus: Ne-
nhum poder terias contra mim, se de cima não te fosse dado [...] (JOÃO
19.10-11).

A revelação, portanto, está diretamente ligada à questão da soberania de


Deus. Por isso revelação é um ato divino, ou seja, é o ato sobrenatural de Deus se
mostrar e se tornar conhecido. Esse ato começa e termina nele. É uma ação dele
em direção ao homem sem o que esse homem jamais poderia conhecê-lo. Deus
quis se revelar. Deus se revelou. Deus se revela.
Ademais a tudo o que consideramos sobre revelação de Deus, vale a pena
chamar a atenção para o fato de que embora a Bíblia toda seja a revelação espe-
cial de Deus, como já fora dito, entretanto, ela não está constituída somente de
revelações sobrenaturais. Muito do conhecimento contido na Bíblia seus escrito-
res adquiriam por meios naturais, isto é, vendo, ouvindo, pesquisando etc. Alguns
escritores do Segundo Testamento foram testemunhas oculares daquilo que es-
creveram. Outros não testemunharam pessoalmente os fatos, mas estiveram com
aqueles que os testemunharam. O evangelista Lucas, por exemplo, não foi teste-
munha ocular, mas pesquisou com cuidado, junto às testemunhas oculares de Je-
sus, a fim de escrever o evangelho que leva o seu nome.
Tendo, pois, muito empreendido pôr em ordem a nar-ração dos fatos que
entre nós se cumpriram, segundo nos transmitiram os mesmos que os
presenciaram desde o princípio, e foram ministros da palavra, Pare-ceu-
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me também a mim conveniente descrevê-los a ti, ó excelente Teófilo, por


sua ordem, havendo-me já in-formado minuciosamente de tudo desde o
princípio. (LUCAS 1.1-3).

Outros conhecimentos foram adquiridos única e exclusivamente por meio do


ato sobrenatural da revelação divina. Essa revelação se deu algumas vezes por
meio de sonhos e visões, como nos casos específicos experimentados pelos profetas
Daniel e Ezequiel.
No primeiro ano de Belsazar, rei de Babilônia, teve Daniel um sonho e
visões da sua cabeça quando estava na sua cama; escreveu logo o sonho, e
relatou a suma das coisas. Falou Daniel, e disse: Eu estava olhando na
minha visão da noite, e eis que os quatro ventos do céu agitavam o mar
grande [...] (DANIEL 7.1-2).
E aconteceu no trigésimo ano, no quarto mês, no quinto dia do mês, que
estando eu no meio dos cativos, junto ao rio Quebar, se abriram os céus, e
eu tive visões de Deus. (EZEQUIEL 1.1).

Como podemos ver a revelação ocorre por meios sobrenaturais e naturais,


mas sempre com a preeminência de Deus que é soberano. No que se refere à Bí-
blia sagrada, ela toda é revelação sobrenatural de Deus. Pois tudo o que nela está
escrito, está por que Deus, por sua suprema vontade quis que ali estivesse. Ele
revelou aos homens a sua palavra e, por meio delas a sua vontade.
O Primeiro Testamento não apresenta uma discus-são ou uma concepção
clara sobre a revelação de Deus. Mas, por intermédio de seus textos podemos
apreender as ideias correntes entre o povo. O fato que precipita a revelação é dito
pelo profeta Isaías: “Verdadeiramente tu és o Deus que te ocultas, o Deus de
Israel, o Sal-vador” (Is 45.15). Sendo Deus um deus “que se oculta”, torna-se
mister que Ele se revele. A revelação é, por-tanto, a única maneira de Deus e a
sua vontade serem conhecidos pelos homens. O profeta Daniel assevera que o
grande revelador é o próprio Deus: “É ele quem revela o que existe de profundo e
também o escondido [...]” (Dn 2.22). Assim, no Primeiro Testamento vamos
apreendendo sobre a revelação de Deus.
A antiga religião de Israel, com certa regularidade, apresenta alguns meios
pelos quais consultar o divino a fim de se saber a Sua vontade. Muitos desses
meios possuem certa semelhança com práticas de adivinhação, ainda que em
geral essa semelhança seja apenas superficial. Isso nos indica que os israelitas
tinham algumas considerações pelos sinais e presságios3. Um exemplo disso está
na atitude de Eliezer, servo de Abraão, quando saiu para sua missão de encontrar
uma esposa para Isaque. No caminho do deserto ele orou e pediu a Deus que lhe
mostrasse a pessoa escolhida. Para saber a resposta de Deus o mordomo pediu
um sinal e descreveu, ele mesmo, esse sinal.
[...] Ó Senhor, Deus de meu senhor Abraão! Dá-me hoje bom encontro, e
faze beneficência ao meu senhor Abraão! Eis que eu estou em pé junto à
fonte d’água, e as filhas dos varões desta cidade saem para tirar água;

3 Presságio é o mesmo que agouro. Ou seja, é um objeto ou acontecimento que presumivelmente prefigura algo
que sucederá, normalmente de natureza negativa, ainda que alguns possam ser positivos. Esses sinais podem ser
vistos nas ações e acontecimentos da natureza, dos animais, das estrelas, das ocorrências celestiais de qualquer
espécie, sonhos, visões ou das coincidências estranhas.
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seja pois que a donzela, a quem eu disser: Abaixa agora o teu cântaro
para que eu beba; e ela disser: Bebe, e também darei de beber aos teus
camelos; esta seja a quem designaste ao teu servo Isaque, e que eu
conheça nisso que fizeste beneficência a meu senhor. (GÊNESIS 24.12-
14).
Esses sinais eram usados como meios de se tentar chegar ao conhecimento
da vontade de Deus. Não se trata de profecia, nem de revelação divina. Trata-se
tão-somente de prognóstico4. O mesmo acontecia com o lançar sortes a fim de se
conhecer a vontade de Deus.
No Primeiro Testamento, como instrumentos de consulta temos o URIM e o
TUMIM, que nada mais eram que objetos usados para conhecer a vontade divina,
quando assuntos de importância nacional necessitavam de uma resposta de Javé.
Eram fixados no peitoral sacerdotal de Arão – “depois pôs-lhe o peitoral, pondo no
peitoral o Urim e o Tumim” (Êx 28.30; Lv 8.8). Não se sabe exatamente o que e-
ram, mas alguns estudiosos têm sugerido que se tratava de 12 pedras preciosas
que eram fixadas no peitoral do Sumo-sacerdote.
Outro exemplo da prática de se buscar a conhecer a vontade divina por mei-
os misteriosos, como o “lançar sorte” está no livro do profeta Jonas, quando Javé
se utiliza de um grupo de marinheiros não israelitas para fazer prevalecer Sua
vontade divina – “E diziam cada um ao seu companheiro: Vinde, e lancemos
sortes, para que saibamos por que causa nos sobreveio este mal. E lançaram
sortes, e a sorte caiu sobre Jonas” (Jn 1.7). Prática semelhante vai ser repetida
também no período do Segundo Testamento. A primeira quando lançaram sorte
para saber com quem ficaria a túnica de Jesus. E a segunda para saber quem se-
ria o sucessor de Judas Iscariotes no apostolado.
Disseram, pois, uns aos outros: Não a rasguemos, mas lancemos sortes
sobre ela, para ver de quem será. Para que se cumprisse a Escritura que
diz: Repartiram en-tre si as minhas vestes, E sobre a minha vestidura
lançaram sortes (JOÃO 19.24).
Para que tome parte neste ministério e apostolado, de que Judas se
desviou, para ir para o seu próprio lugar. E, lançando-lhes sortes, caiu a
sorte sobre Matias. E por voto comum foi contado com os onze apóstolos
(ATOS 1.25,26).

Outro instrumento útil quando se queria conhecer a vontade de Deus, e tal-


vez o mais conhecido dos leitores em geral, era o profeta. Este tinha a dádiva de
receber a mensagem divina através de sonhos, visões, audição ou da habilidade
que Javé lhe concedia colocando em sua boca as palavras necessárias para que
cumprisse a Sua vontade. Um exemplo que podemos citar é o do profeta Ezequiel:
“Ele me disse: ‘Filho do homem, vai! Dirige-te à casa de Israel e fala-lhes com
minhas palavras’” (Ez 3.4). A fórmula do dito profético, normalmente usada, era
“assim diz o Senhor” – “Porque assim diz o Senhor à casa de Israel: Buscai-me, e
vivei” (Am 5.4).

4Prognóstico origina-se no latim prognosticus e significa previsão, conjectura ou suposição do que há de aconte-
cer.
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No Primeiro Testamento o fato mais importante da revelação é que Deus é


um deus vivo que se comunica com o homem – vê, fala e ouve. Isso o torna diame-
tralmente diferente e superior aos deuses das nações pagãs, que eram mortos, ou
seja, não viam, não ouviam, não falavam. As Escrituras declaram, sobre os deu-
ses pagãos, que estes “têm boca, mas não podem falar, olhos, mas não podem ver;
têm ouvidos, mas não podem ouvir, nariz, mas não podem sentir cheiro; têm
mãos, mas nada podem apalpar, pés, mas não podem andar; e não emitem som
algum com a garganta” (Sl 115.5-7). Javé, ao contrário, é um deus vivo e dinâmi-
co, como também declaram as Escrituras sagradas: “Mas o Senhor é o Deus ver-
dadeiro; ele é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme; as na-
ções não podem suportar o seu furor” (Jr 10.10).
Deus, o Senhor, utiliza-se de suas palavras e ações para revelar sua realida-
de, natureza e vitalidade. Ele revela-se como Senhor da história, pois a tem sob
seu absoluto controle, mesmo quando o homem se opõe à sua vontade. Nas Escri-
turas há um canto benedictus5 onde Javé é proclamado Senhor da história e dos
seus protagonistas: “Falou Daniel, dizendo: Seja bendito o nome de Deus de
eternidade a eternidade, porque dele são a sabedoria e a força; e ele muda os
tempos e as estações; ele remove os reis e estabelece os reis; ele dá sabedoria aos
sábios e conhecimento aos entendidos” (Dn 2.20-21).
Na história Deus não só é o Senhor, mas também, e ao mesmo tempo, salva-
dor e provedor. Ao longo das páginas do Primeiro Testamento os escritores sagra-
dos nos apresentam de maneira maravilhosa o perfil desse Deus vivo. Um dos
textos mais apropriados para referendar essa assertiva é o cântico das romarias6:
“Ergo os meus olhos para os montes: de onde virá o meu socorro? O meu socorro
vem de Javé, que fez o céu e a terra” (Sl 121.1,2). Durante a peregrinação de Is-
rael pelo deserto do Sinai, Deus se revelou como deus-provedor: “porque Javé teu
Deus te abençoou em todos os trabalhos das tuas mãos. Ele acompanhou-te na
caminhada por esse grande deserto. Durante quarenta anos Javé teu Deus esteve
contigo e nada te faltou" (Dt 2.7).
Em suma, no Primeiro Testamento Deus age de diferentes e de extraordiná-
rias maneiras com o fim de se revelar inteira e totalmente ao homem e, ao se re-
velar, Ele o faz por atos visíveis, audíveis, intuitivos e/ou sonhados. Como ins-
trumentos ou meios Ele vale-se dos profetas, dos anjos, dos fenômenos da nature-
za e da própria criação. Essa revelação torna-se fundamental para que Javé seja
conhecido do seu povo e para que esse povo, junto e ao mesmo tempo, conheça Ja-
vé. A importância disso está em que somente através da revelação de Javé o povo
poderá ter esperança de ser feliz. As Escrituras dizem que “onde não há revelação
divina, o povo se desvia; mas como é feliz quem obedece à lei’’ (Pv 29.18). Com-

5 Benedictus é uma palavra latina que significa bendito, abençoado, glorificado. É usado para designar poemas
ou cânticos que bendizem a Deus por aquilo que ele é, fez, faz ou fará. No Segundo Testamento benedictus de-
signa o trecho de Lucas 1.68-70 que contém o cântico de Zacarias, por ocasião da anunciação do nascimento de
João, o Batista. Benedicite: bendizei.
6 Salmos das romarias ou peregrinações também são nomeados de “cânticos das subidas ou graduais”. São de-
signados assim porque eram cantados por ocasião da peregrinação ou subida à Jerusalém. Fazem-se referências
à peregrinação atual do momento, à subida a partir do Egito, à subida a partir da Babilônia depois do exílio, à
peregrinação cheia de esperança e de fé; uma subida para o novo céu e a nova terra. Alguns salmos das roma-
rias são: 120 a 134.
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plementar a isso, as mesmas Escrituras declaram que “Javé faz justiça e defende
a todos os oprimidos. Revelou seus caminhos a Moisés, e as suas façanhas aos
filhos de Israel.” (Sl 103.6,7).
No Segundo Testamento, assim como ocorreu no Primeiro, não há uma dis-
cussão objetiva sobre o tema da revelação de Deus. Contudo, há inúmeras expres-
sões que servem de sinônimos para o vocábulo revelação: “dar a conhecer”, “tor-
nar claro”, “mostrar”, “revelar” e “revelação”.
O Segundo Testamento além corroborar com Primeiro acerca do fato da re-
velação e dos modos utilizados por Javé, vai além e apresenta Jesus, o Messias,
como o ápice da revelação de Deus. Nessa nova aliança de Javé com o seu povo
misto (Israel e gentio) o interlocutor não é mais a simples figura do profeta, mas
a sublime pessoa do Seu filho, Jesus – “Havendo Deus antigamente falado muitas
vezes, de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, a nós falou-nos nestes últi-
mos dias pelo Filho” (Hb 1.1).
Desse modo a revelação divina supera a tudo o que no Primeiro Testamento
foi ou representou. Ou seja, no Segundo Testamento a revelação atinge o seu clí-
max na pessoa gloriosa de Jesus. Agora a revelação é em Cristo e através de Cris-
to, e mais, ele é a personificação da revelação, a encarnação de Deus. As Escritu-
ras neotestamentárias afirmam isso: “No princípio, era o Verbo, e o Verbo estava
com Deus, e o Verbo era Deus [...] E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, e
vimos a sua glória, como a glória do Unigênito do Pai, cheio de graça e de verda-
de” (Jo 1.1,14). O Unigênito do Pai, Jesus, que é a própria revelação, não apenas
nos faz conhecer a Deus, mas é ele mesmo esse deus: “Deus nunca foi visto por
alguém. O Filho unigênito, que está no seio do Pai, esse o revelou” (Jo 1.18); e a-
inda: “Disse-lhe Jesus: Estou há tanto tempo convosco, e não me tendes conhe-
cido, Filipe? Quem me vê a mim vê o Pai; e como dizes tu: Mostra-nos o Pai?” (Jo
14.9).
Berkhof (1990, p.31) defende que “Jesus Cristo é a revelação de Deus, e so-
mente aquele que conhece a Jesus Cristo conhece alguma coisa da revelação”. Ou
seja, Jesus é o ponto alto da revelação de Deus. Ele é a autoafirmação de um
Deus vivo, provedor e presente na história. O apóstolo Paulo falando aos seus in-
terlocutores sobre essa divina presença provedora, ensina que “Deus é poderoso
para vos cumular de toda sorte de graças, para que, em tudo, tenhais sempre o
necessário e ainda tenhais de sobra para empregar em alguma boa obra, como
está escrito: ‘Distribuiu generosamente, deu aos pobres; a sua justiça permanece
para sempre’” (2 Co 9.8,9).
Nem sempre a ideia de revelação aparece de modo claro nas Escrituras. Nos
evangelhos, por exemplo, ela está implícita nas narrativas a respeito dos fatos
fundamentais da vida de Jesus. Mackenzie (1984) nos sugere que, em particular
nos evangelhos sinóticos “a ideia da revelação não está tratada de maneira for-
mal, porém eles evidenciam e consolidam essa revelação relatando a vida, morte
e ressurreição de Jesus Cristo.”
Na riqueza do pensamento paulino, revelar nada mais é que descobrir, des-
nudar, tornar conhecido e claro o que antes esteve oculto em mistério. Nas pró-

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prias palavras do apóstolo temos a seguinte declaração: “Ora, aquele que é


poderoso para vos confirmar segundo o meu evangelho e a pregação de Jesus
Cristo, conforme a revelação do mistério que desde tempos eternos esteve oculto,
mas que se manifestou agora, e se notificou pe-las Escrituras [...]” (Rm 16.25,26).
Nessa linha paulina o mistério da salvação está diretamente relacionado à reve-
lação de Jesus. Assim, revelação tem haver com a comunicação do plano divino a
respeito da salvação em Jesus, o Cristo.
Conforme argumentações até aqui apresentadas, podemos compreender que
revelação é Deus tornando-se conhecido do homem e permitindo e possibilitando
a este o conhecimento da Sua vontade. Porém, não é possível ter uma compreen-
são clara da revelação sem considerar os modos pelos quais Deus se revelou e/ou
se revela ao homem. Para ampliar a compreensão vamos considerar seis modos
de Deus se revelar: Deus revelado através da natureza, através da providência,
através dos milagres, através da comunicação direta, através da encarnação e a-
través das Escrituras.
DEUS REVELADO ATRAVÉS DA NATUREZA: embora a natureza não possa revelar
Deus completamente, no entanto, de alguma maneira ela nos revela Deus. Ela é
em si mesma o que podemos chamar de revelação prática (ou natural) de Deus. O
salmista Davi nos mostra isso com muita propriedade, como já mencionamos em
oportunidades anteriores – “Os céus manifestam a glória de Deus e o firmamento
anuncia a obra das suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite
mostra sabedoria à outra noite. Sem linguagem, sem fala, ouvem-se as suas vo-
zes, em toda a extensão da terra, e as suas palavras até ao fim do mundo [...]” (Sl
19.1-5). Para Davi a natureza é um depoimento da mais alta importância e fide-
dignidade a respeito do fato de Javé. Portanto, é uma revelação de Deus.
O apóstolo dos gentios também nos dá importantes pistas de que a natureza
é um modo de Deus se revelar ao homem: “pois aquilo que é possível conhecer de
Deus foi manifestado aos homens; foi o próprio Deus quem o manifestou. De fato,
desde a criação do mundo, as perfeições invisíveis de Deus, tais como o seu poder
eterno e sua divindade, podem ser contempladas, através da inteligência, nas o-
bras que ele realizou [...]” (Rm 1.19,20). Paulo, assim como Davi, reconhece e ad-
mite a natureza como sendo obra da criação de Deus, e, por conseguinte, teste-
munha de Deus, ou seja, um modo pelo qual Deus se revela ao homem.
DEUS REVELADO ATRAVÉS DA PROVIDÊNCIA: dentre os diferentes modos de
Deus se revelar ao homem destacamos a PROVIDÊNCIA. O vocábulo “providência”,
do latim providentia, significa cautela antecipada ou disposição que se toma para
resolver um assunto ou evitar o mal. Teologicamente providência conserva basi-
camente o mesmo sentido, pois se refere à maneira sábia com que Deus conduz
todas as coisas. Ou seja, providência é a execução do programa divino das dispen-
sações em todos os seus mínimos detalhes. Podemos perceber isso quando Jesus
revela que “até mesmo os cabelos da vos-sa cabeça estão todos contados” (Mt
10.30). Que Deus detalhista! É o próprio Senhor Jesus quem nos informa sobre
essa maravilhosa providência de Deus em Seu sermão da montanha:
Por isso, eu vos digo: não vivais preocupados com o que comer ou beber,
quanto à vossa vida; nem com o que vestir, quanto ao vosso corpo. Afinal,

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a vida não é mais que o alimento, e o corpo, mais que a roupa? Olhai os
pássaros do céu: não semeiam, não colhem, nem guardam em celeiros. No
entanto, o vosso Pai celeste os alimenta. Será que vós não valeis mais do
que eles? Quem de vós pode, com sua preocupação, acrescentar um só dia
à duração de sua vida? E por que ficar tão preocupados com a roupa? O-
lhai como crescem os lírios do campo. Não trabalham, nem fiam. No en-
tanto, eu vos digo, nem Salomão, em toda a sua glória, jamais se vestiu
como um só dentre eles. Ora, se Deus veste assim a erva do campo, que
hoje está aí e amanhã é lançada ao forno, não fará ele muito mais por vós,
gente fraca de fé? Portanto, não vivais preocupados, dizendo: “Que vamos
comer? Que vamos beber? Como nos vamos vestir?” Os pagãos é que vi-
vem procurando todas essas coisas. Vosso Pai que está nos céus sabe que
precisais de tudo isso. Buscai em primeiro lugar o Reino de Deus e a sua
justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo. (MATEUS
6.25-33).

A providência é a maneira especial de Deus manifestar sua ação protetora e


sustentadora da criação. Desse modo Deus se revela como o Soberano. O Deus
que, na revelação dos seus propósitos eternos, molda todos os eventos tanto mo-
rais como físicos. Enquanto a preservação dá continuidade à existência das coi-
sas, a providência orienta o seu progresso.
DEUS REVELADO ATRAVÉS DOS MILAGRES: outro modo de Deus se revelar é a-
través do milagre. O sentido comum de “milagre” é maravilha, prodígio, ou seja,
um fato portentoso, supranatural, oposto às leis da natureza. Entenda-se como
“natureza” o mundo material e físico, aquilo que tem como característica princi-
pal o fato de ser natural. O milagre vai para além da fronteira do natural.
Assim, podemos dizer que “milagre” é tudo aquilo que, no mundo físico, ul-
trapassa todo o conhecimento e possibilidades humanas sendo, portanto, atribuí-
do ao plano supranatural. Isto é, é uma manifestação extraordinária do poder de
Deus agindo fora do alcance das causas e dos efeitos naturais. Operação de mila-
gres parece ser uma das mais importantes características de Javé a fim de mos-
trar aos povos seu poder – “Tu és o Deus que realizas milagres; mostras o teu po-
der entre os povos” (Sl 77.15). Essa atitude de Deus em realizar o assombroso é
perfeitamente compreensível e aceitável, visto que Ele espera que o homem creia
nele e o reverencie para merecer o seu favor.
Seria incoerente negar o portentoso na história das relações de Deus com
o homem. A fim de atrair a dureza de coração da criatura, era normal ou
necessário que Deus suscitasse milagres ou manifestações mais evidentes
da sua ação no mundo. O Senhor não costuma exigir fé sem apresentar
“credenciais”, isto é, sinais que satisfaçam à natureza intelectual e, ao
mesmo tempo, sensível do homem (BETTENCOURT, 2003, p. 221).

O profeta Habacuque já dizia que é necessário fé para ter vida – “Eis o so-
berbo! Sua alma não é reta nele; mas o justo viverá pela sua fé” (Hc 2.4). Essa fé
nasce pelo conhecimento de Javé – “de sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela
palavra de Deus” (Rm 10.17). Na medida em que se tem acesso à revelação de
Deus torna-se mais provável a libertação (da morte para a vida, da escravidão
para liberdade) – “e conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará” (Jo 8.32).

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BÍBLIA: O MARAVILHOSO LIVRO DE DEUS – RUBEM MENEZES

Um dos característicos das credencias do Messias foi a operação de milagres.


O próprio Jesus nos indica que um dos modos de ele se revelar como messias foi
através de obras portentosas. Quando João, o Batista, manda saber se Jesus é
mesmo o messias, sua resposta foi: “Ide, e anunciai a João as coisas que ouvis e
vedes: Os cegos vêem, e os coxos andam; os leprosos são lim-pos, e os surdos
ouvem; os mortos são ressuscitados, e aos pobres é anunciado o evangelho” (Mt
11.4,5). Isso também mostra que Deus não realiza milagres de ma-neira
desprositada, nem leviana. Ele não opera um ato miraculoso sem que haja uma
relação proporcional entre o milagre e o fim a ser atingido. Ou seja, “o Senhor não
‘brinca’ com o seu poder sobre a natureza” (BETTENCOURT, 2003, p. 222). Não te-
mos o direito de banalizar os milagres. Deus utiliza o método miraculoso a fim de
se revelar em determinado momento, para satisfazer a determinado propósito da
sua soberana vontade.
DEUS REVELADO ATRAVÉS DA COMUNICAÇÃO DIRETA: a revelação de Deus tam-
bém se dá através da comunicação direta com o homem. Isso inclui sonhos, vi-
sões, teofanias e a comunicação boca a boca. Entre os povos antigos, os sonhos
eram geralmente tidos como estados de alma. Desse modo era possível ao homem
entrar em contato com o mundo dos deuses ou dos gênios (espíritos superiores) de
quem recebiam advertências ou revela-ções respeitantes ao passado, ao presente
ou ao futuro. Como chama a atenção Bettencourt (2003, p. 203), nas Escrituras
sagradas “o povo de Israel professa fé nos sonhos e o próprio Deus parece
corroborar esta atitude”. Isso parece está decretado no Pentateuco: “E disse: Ouvi
agora as minhas palavras; se entre vós houver profeta, eu, o Senhor, em visão a
ele me farei conhecer, ou em sonhos falarei com ele” (Nm 12.6). O que temos aqui
é a clara decisão de Javé de utilizar a “visão” e o “sonho” como modos de se
revelar e, por conseguinte, revelar a sua vontade aos homens.
José (do Egito) e Daniel são quase sempre os primeiros nomes que surgem
quando se pensa em sonhos proféticos no Primeiro Testamento. José chega
mesmo a ser chamado de sonhador: “Teve José um sonho, que contou a seus
irmãos; por isso o odiaram ainda mais. E disse-lhes: Ouvi, peço-vos, este sonho,
que tenho sonha-do” (Gn 37.5,6). Daniel também tinha suas visões noturnas: “No
primeiro ano de Belsazar, rei de Babi-lônia, teve Daniel um sonho e visões da sua
cabeça quando estava na sua cama; escreveu logo o sonho, e relatou a suma das
coisas” (Dn 7.1).
Temos, no Segundo Testamento, um episódio no mínimo interessante.
Pilatos está prestes a tomar uma decisão a respeito do destino de Jesus. Mas,
Deus que é um deus providente, através de sonho fala à mulher de Pilatos e envia
a este um alerta sobre o que está prestes a fazer: “E, estando ele assentado no
tribunal, sua mulher mandou-lhe dizer: Não entres na questão desse justo,
porque num sonho muito sofri por causa dele” (Mt 27.19).
No que tange à visão, prece ser familiar aos pro-fetas o recebimento da
revelação de Javé por esse modo. Em geral as visões eram dadas através de
figuras ou símbolos para os quais nem sempre ao profeta era dado o significado.
Daniel certa vez chegou a perguntar ao mensageiro celestial qual o significado da
visão, mas a resposta não foi bem o que ele esperava: “Eu, pois, ouvi, mas não

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BÍBLIA: O MARAVILHOSO LIVRO DE DEUS – RUBEM MENEZES

entendi; por isso eu disse: Senhor meu, qual será o fim destas coisas? E ele disse:
Vai, Daniel, por-que estas palavras estão fechadas e seladas até ao tempo do fim”
(Dn 12.8,9). Em outros momentos Javé fazia questão de dar ao profeta o
significado da visão: “‘Tive uma visão à noite. Era um homem montando um cava-
lo vermelho, parado num lugar escuro no meio de murtas que estavam no fundo.
Atrás deles estavam cavalos vermelhos, alazões e brancos’. E eu disse: Senhor
meu, quem são estes? E disse-me o anjo que falava comigo: Eu te mostrarei quem
são estes” (Zc 1.8,9).
No Segundo Testamento temos a bem conhecida visão de Pedro, quando este
se encontrava na cidadela de Jope, e teve um êxtase onde viu o céu aberto e algo
parecido com enorme pano cheio de animais impuros. Nesse ínterim os servos de
Cornélio, um centurião7 de Cesaréia8, estavam chegando à casa de Pedro a fim de
conduzi-lo ao encontro do seu senhor. Lucas relata que
No dia seguinte, enquanto os homens estavam a caminho e se aproxima-
vam da cidade, ao meio-dia, Pedro subiu ao terraço para orar. Sentiu fo-
me e quis comer. Mas, enquanto preparavam a comida, entrou em êxtase.
Viu o céu aberto e algo como um grande pano ser baixado pelas quatro
pontas para a terra. Dentro do pano havia toda espécie de quadrúpedes e
répteis da terra e de aves do céu. E uma voz lhe disse: “Levanta-te, Pedro,
mata e come!” Mas Pedro respondeu: “De modo algum, Senhor! Nunca
comi coisa profana ou impura”. (ATOS 10.9-14).

As teofanias, muito frequentes no Primeiro Testamento, eram um modo bas-


tante forte de Javé se revelar. Em explicação comum teofania é a aparição ou re-
velação de Deus no período do Primeiro Testamento. O termo é a composição gre-
ga theos (deus) e phaneroô (aparecer), que quer dizer “aparição de Deus”. Na teo-
logia a teofania é usada para descrever a manifestação visível de Deus, seja em
forma humana, seja através de fenômenos da natureza como fogo e vento. É im-
portante aceitar que essas manifestações teofânicas são sempre temporárias.
Muitas vezes o fenômeno da teofania se dá na forma do “anjo do Senhor”.
Dentre tantos exemplos observemos o da experiência de Agar, serva de Sarai,
mulher de Abrão, quando se encontrava grávida e no deserto à mercê da sorte: “E
o anjo do Senhor a achou junto a uma fonte de água no deserto, junto à fonte no
caminho de Sur [...] Disse-lhe mais o anjo do Senhor: Multipli-carei sobremaneira
a tua descendência, que não será contada, por numerosa que será [...] E ela
chamou o nome do Senhor, que com ela falava: Tu és Deus que me vê; porque
disse: Não olhei eu também para aquele que me vê?” (Gn 16.7, 10, 13).
A primeira experiência de Moisés com a teofania se deu no monte Horebe,
quando Javé se manifestou no fogo – “E apareceu-lhe o anjo do Senhor em uma
chama de fogo do meio duma sarça; e olhou, e eis que a sarça ardia no fogo, e a

7 Centurião era o chefe comandante da centúria na antiga milícia romana. Uma centúria era uma unidade de
infantaria composta por cem legionários.
8 A cidade de Cesaréia, conhecida como Cesaréia Marítima ou Cesaréia Palestina, construída por Herodes, o
Grande, cerca de 25 a 13 a.C., tinha uma população de aproximadamente 125.000 habitantes. Seu nome foi da-
do em homenagem ao imperador romano César Augusto. Sua localização está na costa do Mar Mediterrâneo, no
Oriente Médio, entre Tel Aviv e Haifa. Foi nela que se realizou o batismo do centurião romano Cornelius e de onde
o apóstolo Paulo partiu prisioneiro em direção à capital do império, Roma, para julgamento (At 10; 23.23,24).
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sarça não se consumia [...] Disse mais: Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de
Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. E Moisés encobriu o seu rosto,
porque temeu olhar para Deus” (Ex 3.2,6). No deserto Javé se manifestava de
duas formas principais: nuvem durante o dia e fogo durante a noite – “E o Senhor
ia adiante deles, de dia numa coluna de nuvem para os guiar pelo caminho, e de
noite numa coluna de fogo para os iluminar, para que caminhassem de dia e de
noite (Êx 13.21). Esses eram modos teofânicos de Javé falar com o Seu povo – “E
aconteceu que, quando falou Arão a toda a congregação dos filhos de Israel, e eles
se viraram para o deserto, eis que a glória do Senhor apareceu na nuvem. E o Se-
nhor falou a Moisés [...]” (Êx 16.10).
Mas, o modo mais comum de Deus comunicar com o seu povo talvez seja
através da palavra oral e depois escrita. A palavra, especialmente no Primeiro
Testa-mento, apresenta-se de duas maneiras distintas: a pa-lavra legislativa (a
lei) e a palavra profética (a profe-cia). A lei era transmitida ao povo e recebida por
este como sendo palavra de Javé. Era assim que o próprio Javé fazia questão que
fosse entendido:
Então falou Deus todas estas palavras, dizendo: Eu sou o Senhor teu
Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão [...] Estes são os
estatutos que lhes proporás [...] Veio, pois, Moisés, e contou ao povo todas
as palavras do Senhor, e todos os estatutos; então o povo respondeu a
uma voz, e disse: Todas as palavras que o Senhor tem falado, faremos.
(ÊXODO 20.1; 21.1; 24.3).

A revelação também se dava pela palavra profética. Deus chamava e voca-


cionava o profeta e punha em sua boca as suas palavras, ao menos foi o que acon-
teceu com Jeremias – “E estendeu o Senhor a sua mão, e tocou-me na boca; e dis-
se-me o Senhor: Eis que ponho as minhas palavras na tua boca” (Jr 1.9). O profe-
ta passava a ser uma espécie de materialidade da palavra de Javé. A partir do
chamado profético o servo de Deus passa a falar com a autoridade divina – “Escu-
tem bem esta palavra que Javé diz a respeito de vocês, ó filhos de Israel, a respei-
to de toda família que eu tirei da terra do Egito” (Am 3.1).
DEUS REVELADO ATRAVÉS DA ENCARNAÇÃO: a teofania era a manifestação visí-
vel e temporária de Javé. A encarnação, por outro lado, é a manifestação física
definitiva de Javé. Esse é o ponto alto da revelação de Deus. É o ponto em que “o
Verbo se fez carne, e habitou entre nós, e vimos a sua glória, como a glória do u-
nigênito do Pai, cheio de graça e de verdade” (Jo 1.14). Na teologia paulina a en-
carnação de Jesus é o grande mistério da piedade: “E sem dúvida alguma grande
é o mistério da piedade: Aquele que se manifestou em carne, foi justificado em
espírito, visto dos anjos, pregado aos gentios, crido no mundo, e recebido acima na
glória” (1 Tm 3.16). A encarnação é o sublime gesto da misericórdia de Deus para
com o homem, daí Paulo chamar de “mistério da piedade”. Sendo um mistério,
claro está que não poderá ser plenamente compreendida nem tampouco explica-
da.
Teologicamente encarnação é o ato espetacular de Deus se manifestar como
Filho de Deus, materializando-se e assumindo a forma e a natureza humanas, re-
vestindo-se de carne e sangue humanos. Paulo fala com muita propriedade sobre

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esse fato miraculoso: “Por-quanto o que era impossível à lei, visto como estava
enferma pela carne, Deus, enviando o seu Filho em semelhança da carne do
pecado, pelo pecado condenou o pecado na carne” (Rm 8.3).
A encarnação do Filho de Deus foi profetizada no Primeiro Testamento –
“Portanto o mesmo Senhor vos dará um sinal: Eis que uma virgem conceberá, e
dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel” (Is 7.14). No Segundo
Testamento o anjo Gabriel anuncia à Maria que ela será o instrumento de Deus
para o cumprimento dessa profecia.
E, entrando o anjo onde ela estava, disse: Salve, agraciada; o Senhor é
contigo: bendita és tu entre as mulheres. E, vendo-o ela, turbou-se muito
com aquelas palavras, e considerava que saudação seria esta. Disse-lhe
então o anjo: Maria, não temas, porque achaste graça diante de Deus; e
eis que em teu ventre conceberás e darás à luz um filho, e pôr-lhe-ás o
nome de Jesus. Este será grande, e será chamado filho do Altíssimo; e o
Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai; e reinará eternamente na
casa de Jacó, e o seu reino não terá fim. (LUCAS 1.28-33).

Jesus é o ápice da revelação de Deus, constituindo-se no modo mais ousado,


impressionante e inigualável de Deus se mostrar ao homem.
DEUS REVELADO ATRAVÉS DAS ESCRITURAS: a revelação das Escrituras é
essencial a toda e qualquer revelação de Deus. Como vimos anteriormente, a
natureza é um meio ou uma maneira de Deus se revelar ao homem. No entanto,
para que a revelação seja completa depende das Escrituras, pois só estas podem
revelar Deus de maneira organizada, progressiva e inteligível. De certo modo
podemos dizer que as Escrituras revelam Deus inteira e completamente (sem
querer questionar a infinitude de Deus).
O mesmo se pode dizer sobre a providência divina, que só pode ser
compreendida de fato pelos registros das Escrituras. É na Bíblia que encontramos
os relatos e registros, muitas vezes objetivos, que nos mostram o quão provedor é
o Senhor Deus.
No que tange a milagres, as páginas da Bíblia estão recheadas de fatos
miraculosos. Tais milagres são testemunhos do poder, da ação e da providência
divina.
A mesma coisa se pode dizer com respeito à encarnação. Cristo é a prova
maior do amor de Deus, a manifestação máxima de um deus providente. Deus se
fazendo carne, assumindo a forma humana, vindo ao encontro do homem, é claro
que se trata da revelação literal de Deus.
Em suma, as Escrituras sagradas são a revelação de Deus organizada e pro-
gressiva. Elas são essenciais para o conhecimento de Deus e de seu maravilhoso
plano de redenção. É nas suas páginas que compreendemos a criação, os mila-
gres, a providência e a encarnação. Logo, ela é a revelação especial de um Deus
que se mostra.

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