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ISSN: 2525-9571

Eixo TEMÁTICO: POLÍTICAS


Vol. 4 | Nº. 1 | Ano 2019 PÚBLICAS EDUCACIONAIS

Júlio Korzekwa
SÍNTESE DE ANÁLISES SOBRE A
Universidade Federal do Rio POLÍTICA PÚBLICA BRASILEIRA
Grande do Sul (UFRGS) e
Instituto Federal de Educação, VOLTADA À EDUCAÇÃO
Ciência e Tecnologia Sul-rio-
grandense (IFSul)
PROFISSIONAL
juliokorzekwa@gmail.com SYNTHESIS OF ANALYSIS ABOUT
BRAZILIAN PUBLIC POLICY FOR
PROFESSIONAL EDUCATION

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RESUMO

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
O trabalho tem como objetivo elaborar uma síntese de análises a respeito da política pública brasileira
voltada à educação profissional por intermédio de uma revisão bibliográfica baseada em modelos
explicativos consagrados na literatura de políticas públicas, tais como, as tipologias de políticas
públicas, a teoria de redes de políticas, o modelo garbage can, o modelo do equilíbrio pontuado e as
capacidades estatais. Abordando as conceituações básicas de cada perspectiva e analisando-as em
consonância com a política de expansão da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, verifica-se que o arcabouço teórico do campo de políticas públicas permite a
visualização de políticas já estabelecidas por meio de teorias consagradas na literatura; frisando-se,
no entanto, que, para sólidas análises de políticas públicas, faz-se necessária uma mesclagem de
teorias que complementem pontos vulneráveis de cada modelo.

Palavras-chave: Políticas públicas. Modelos de Análises. Rede Federal de Educação


Profissional, Científica e Tecnológica.

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ABSTRACT

The objective of this work is to elaborate a synthesis of the analysis on brazilian public policy oriented
to professional education through a bibliographic review that is based on devoted explanatory models
at public policies literature, such as public policies typologies, the policy networks, the garbage can
model, the model of punctuated equilibrium and the state capacities. Approaching the basic
conceptualization of each perspective and analyzing them accordance the policy of expansion from
the Federal Network of Professional, Scientific and Technological Education, ensures that the theoric
frame of the public policies field allows the visualizaton of public policies already established by
means of devoted theories of literature. Emphasizing that for solid public policies analysis, it’s
necessary a merge between theories that complements vulnerable aspects of each model.

Keywords: Public policies. Analysis Models. Federal Network of Professional, Scientific and
Technological Education.

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1. INTRODUÇÃO

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
Para fazer uso de teorias e modelagens que embasam o campo de Políticas Públicas,
utilizar-se-á, como objeto de análise, a Política Pública que deu origem à Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, fato que desencadeou a criação, no Brasil,
dos Institutos Federais de Educação Ciência e Tecnologia (IFs).

Inicialmente, cabe ressaltar que o governo brasileiro apresentava, originalmente, sua


política voltada à Educação Profissional em 1909, oportunidade em que o então Presidente da
República, Nilo Peçanha, por meio do Decreto Federal n° 7.566, de 23 de setembro de 1909,
criou 19 (dezenove) escolas de Aprendizes e Artífices. A história desta instituição é marcada
por várias remodelagens. Em 1937 as escolas de Aprendizes e Artífices foram transformadas
em Liceus Industriais, que, cinco anos depois, em 1942, vieram a ser chamadas de Escolas
Industriais e Técnicas, passando a oferecer formação profissional em nível equivalente ao do
secundário. Em 1959, as Escolas Industriais e Técnicas foram transformadas em autarquias
denominadas Escolas Técnicas Federais, gozando de autonomia didática e de gestão. A partir
de 1978, as Escolas Técnicas Federais foram sendo transformadas gradualmente em Centros
Federais de Educação Profissional e Tecnológica (Cefets) e, mais recentemente, em 2008, a
mesma política propiciava também a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia (IFs).

Para investigar as mudanças dessa política (policy) e a sua expansão será feito,
primeiramente, o enquadramento da política pública consoante as tipologias decretadas por
Lowi (2009). A partir disso, a análise transcorre com o uso de teorias afetas às redes de políticas
públicas, com o modelo de análises garbage can, com a teoria do equilíbrio pontuado e sob
fundamentação de literatura sobre capacidades estatais.

2. ANALISANDO A POLÍTICA DA EDUCAÇÃO PROFISSIONAL

Depois de muitas mudanças (numa trajetória que teve períodos de evolução e até uma
completa estagnação), em 2008, a política voltada à educação profissional ganha um novo tom
e efetivamente é instituída a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,
criando-se os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, por intermédio da Lei
1416
11.892, de 29 de dezembro de 2008.

Para entender sobre o contexto que levou à promulgação da lei que criou os IFs, tem-se

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
o seguinte cenário: marcado por um modelo de gestão sob as características de descentralização
executiva e privatização do atendimento educacional, o governo de Fernando Henrique
Cardoso (FHC), por intermédio da sanção da lei nº 9.649, de 27 de maio de 1998, gerou um
empecilho ao desenvolvimento da política destinada à educação profissional brasileira, uma
vez que o dispositivo era taxativo ao prescrever que somente estaria permitida a criação de
novas unidades de ensino quando houvesse parceria com Estados, Municípios, Distrito Federal,
setor produtivo ou organizações não-governamentais. Ou seja, a União até poderia construir
novos estabelecimentos, mas os recursos de custeio teriam que ser de responsabilidade de
estados, municípios ou instituições privadas, situação que restringia consideravelmente a
potencialidade de abertura de novas unidades.

Mesmo sem ter previsto a expansão da Rede Federal especificadamente em seu programa
de governo lançado nas eleições presidenciais de 2002, ao assumir o poder, o governo do
Presidente Luís Inácio Lula da Silva (Lula), impulsionado pelas demandas de crescimento do
país e tendo ciência de que, minimamente, já havia, em âmbito federal, estruturas que
ofertavam o tipo de educação precarizado à época (educação profissional), desencadeou, a
partir de 2004, uma série de medidas governamentais a fim de reativar e expandir a política
pública em questão, ampliando a presença destas instituições em todo o território nacional, já
que havia uma necessidade de expansão da oferta de cursos voltados à educação profissional
para abastecer o mercado de trabalho com mão de obra qualificada.

A sanção da Lei 11.195/05 foi um grande marco para a retomada desta política, pois
revogava o dispositivo da lei 9.649/98 que estagnava o seu desenvolvimento. Assim, a redação
do texto legal que se referia à criação de novas unidades de ensino passou a vigorar de “somente
poderá ocorrer” para “ocorrerá, preferencialmente, em parceria”, possibilitando a estruturação
de um Plano de Expansão que até o presente momento contou com três fases. Na primeira fase
de expansão, lançada no final de 2005, foram criadas 64 novas unidades de ensino. Em 2007,
na segunda fase de expansão, mais 150 unidades estavam previstas para serem somadas à Rede
Federal e, por fim, em 2011, a terceira e última fase vivenciada desta política estabelecia um
projeto para a criação de mais 208 novas unidades.
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Para se fazer uma análise melhor fundamentada também é importante trazer, neste
trabalho, ao menos resumidamente, os objetivos dos IFs, estabelecidos pela respectiva lei de

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
criação da Rede Federal, que são: ministrar educação profissional técnica de nível médio;
ministrar cursos de formação inicial e continuada de trabalhadores; realizar pesquisas
aplicadas; desenvolver atividades de extensão e outros.

2.1. Tipologia

Considerando que o elemento mais básico de uma análise de políticas públicas é a


verificação de sua tipologia (Secchi, 2013), pode-se inferir, segundo os estudos de Lowi
(2009), que a política pública voltada à educação profissional brasileira que contemplou a
criação dos IFs, tem caráter de uma política distributiva.

As políticas distributivas se caracterizam quando se pretende distribuir recursos. O meio


de distribuição pode ser, inclusive, via prestação de serviços, e a definição de como os recursos
serão distribuídos ou quem serão os beneficiários normalmente é feita por meio de legislação.
Uma das dificuldades no desenho deste tipo de política é a delimitação do grupo beneficiário,
no caso da Política Pública em estudo, tal percalço pode ser percebido em atos que precedem
a expectativa de onde serão instaladas fisicamente novas unidades de IFs. Tendo em vista que
há grande margem discricionária aos atores com poder de decisão, diante das diretrizes legais
que estabeleçam critérios para designação das sedes que irão compor a Rede Federal, ocorre a
tensão entre grupos de interesses locais, até mesmo regionais, pela luta em conquistar para sua
cidade ou região uma unidade de ensino proveniente da política em foco, mobilizando o
conflito, as alianças e as negociações entre os atores.

2.2. Rede de Políticas Públicas

Torna-se inquietante, diante do contexto exposto, buscar saber: como o governo decide
a localização em que serão instaladas novas unidades de ensino? Além da observância de
critérios técnicos previstos em normativas internas da política, um dos fatores que pode estar
contido nesta resposta é a influência de redes de políticas públicas.

Primeiramente, cabe uma breve conceituação sobre o tema. Assim, Börzel (1998) define
as redes de políticas públicas como:
1418
“Um conjunto de relações relativamente estáveis, de natureza não hierárquica e
interdependente, que vinculam uma variedade de atores que compartilham interesses
comum em relação a uma política pública e intercambiam recursos para perseguir tais
interesses, admitindo que a cooperação é a melhor forma de alcançar objetivos

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
comuns.” (Börzel, 1998, p. 253-273)

Usando como exemplo a decisão do governo em implantar unidades da Rede Federal nos
municípios de Sapiranga e de Novo Hamburgo, Rio Grande do Sul, tem-se, no tecido do
Estado1, a atuação estruturada de atores na região do Vale do Rio do Sinos, tais como:

1
A expressão “tecido do Estado” é utilizada pelo autor Eduardo Cesar Marques (2014) para denominar a estrutura interna ao Estado.
sindicatos de trabalhadores, cidadãos, vereadores, deputados federais e estaduais e até mesmo
prefeitos.

No caso prático em análise, a ação desses atores caracteriza uma rede de política pública,
uma vez que a junção desses membros envolvidos detém uma organização que vai além de um
simples “grupo de interesse”, pois possui uma estrutura de interações entre atores públicos e
privados, que buscam interesses externos aos membros da rede, a fim de resolver um problema
coletivo de uma maneira não hierárquica.

Levando-se em conta as possíveis tipologias assumidas pelas configurações das redes de


políticas públicas, Marsh e Rhodes (1998) abrem possibilidades de classificar essa rede
explicitada como uma “Rede Temática”, por especificadamente se tratar de uma rede de atores
que se forma em torno de um assunto específico.

Nesta arena política em que foi travada a batalha para se conquistar uma unidade da Rede
Federal havia, provavelmente, outras redes de políticas públicas em regiões próximas; como,
por exemplo, a Região Vale do Caí. No caso específico que tratava do lançamento de novos
campi relacionados à terceira fase de expansão da rede federal (2011), o Vale do Rio do Sinos
obteve êxito, tendo sido contemplado com a instalação de novas unidades nas cidades de
Sapiranga e, posteriormente ao final de 2013, em Novo Hamburgo; por outro lado, o Vale do
Caí não teve sucesso.

Isso expõe outra interessante questão: por que uma rede de política pública obteve
sucesso e outra não? Muito provavelmente, apoiando-se nos estudos de Marques (2014), o fator
decisivo foi a proximidade das redes com o grupo político que detinha o poder, exercido, em
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âmbito federal, pelo Partido dos Trabalhadores (PT) naquele período, pois de acordo com o
autor:

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
“As redes estruturam o interior do Estado, mas a sua maior ou menor mobilização ou
influência é produto de decisões de governo. É isso que nos ensina o caso de São
Paulo, onde a rede da comunidade tinha grande proximidade com um determinado
grupo político (de direita). Quando os políticos do grupo político que se opõe a esse
(de esquerda) ascenderam ao poder, optaram por isolar a rede da política ao máximo
(...)" (Marques, 2014, p. 8)

Se for comparada a situação partidária entre as regiões, a Região do Vale do Caí, durante
aquele ciclo político, estava marcada por gestões municipais correspondentes aos seguintes
partidos: Partido Progressista (PP), Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB), Partido
do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB, hoje MDB) e Democratas (DEM). Esses
partidos, no período em foco, faziam parte da gestão de 12 prefeituras no universo de 19
cidades que compõem a região. Paralelamente, no caso das prefeituras dos municípios de
Sapiranga e de Novo Hamburgo, os governos eram regidos pelo PT e, além disso, a região do
Vale do Rio do Sinos é reduto eleitoral da Deputada Federal Maria do Rosário (que é engajada
nesta rede de política pública), cujos votos nas eleições de 2010, nessa região, representaram
cerca de 12% do seu total de votos obtidos2.

Por fim, Procopiuck (2013), estabelece que:


"A conclusão lógica do conceito de redes de políticas públicas é que quando agentes
governamentais tentam conduzir o processo político, têm, necessariamente, de levar
em conta as características das redes constituídas pelos demais interessados na
condução ou nos resultados das políticas públicas." (Procopiuck, 2013, p. 217)

Diante disso, torna-se coerente pensar que a organização de redes de políticas públicas
pode influenciar o processo de decisão do governo. Salienta-se, no entanto, que considerando
o objetivo deste trabalho, não é possível generalizar a análise feita e mesmo para os casos
específicos de Novo Hamburgo e Sapiranga, não se pode afirmar que a atuação das redes tenha
sido o fator determinante para a tomada de decisão, pois ao governo também incumbia
considerar outros critérios: tais como, tamanho dos municípios, demanda de ofertas de vagas
na região, arranjos produtivos locais, identificação de potenciais parcerias, etc.

2.3. “Garbage can” – Modelo do cesto de lixo

Passando a outro nível de análise, em termos de modelo analítico para explicar a tomada
de decisão que resultou na criação dos IFs em 2008, pode-se tentar utilizar o modelo garbage

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can (cesto de lixo), desenvolvido por Cohen, March e Olsen (1972).

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
2
Os dados eleitorais apresentados foram estabelecidos em levantamento próprio feito com resultados das eleições daquele período junto ao
site do Tribunal Superior Eleitoral.

Tal modelo traz à tona que o processo de decisão política não ocorre de forma linear, mas
é desordenado e caótico. Os autores desta abordagem argumentaram que as oportunidades de
decisão são:
“Uma cesta de lixo na qual os participantes jogam vários problemas e soluções. A
mistura do lixo numa cesta isolada depende em parte dos rótulos dados às diversas
cestas; mas também depende de que lixo está sendo produzido no momento, da
mistura de cestas disponíveis e da velocidade com que o lixo é coletado e removido
de cena.” (Cohen, March e Olsen, 1979, p. 26 apud Howlett, Ramesh e Perl, 2013, p.
171)

O modelo tenta deixar claro que os policy-makers muitas vezes não conhecem os
objetivos, como também desconhecem as relações causais. Se for feita uma visualização rasa
sobre o contexto que levou à criação dos IFs, observa-se que, ao assumir o poder, o governo
Lula estava pressionado pela necessidade de crescimento do país, que – simultaneamente –
demandava vagas para o ensino técnico e, tendo ciência de que já havia uma política voltada à
educação profissional, desencadeou uma série de medidas governamentais, a fim de reativar e
expandir a política pública em questão. A situação se assemelha ao modelo previsto do cesto
de lixo, como se as alternativas estivessem em uma lata de lixo à procura dos problemas.
De acordo com Hood (1999), citado por Howlett, Ramesh e Perl (2013, p. 172), é mais
provável que o tipo de decisão baseado nesse modelo explicativo ocorra em momentos em que
os paradigmas estejam em transição. Visto isso, é bem possível que a decisão que fez surgir os
IFs tenha de fato ocorrido tal qual demonstram os estudos feitos pelos autores da teoria garbage
can, pois a mudança do poder, decorrente das eleições de 2002, é um fator relevante em termos
de mudanças de paradigmas.
No entanto, sem o aprofundamento necessário sobre as ações que ocorreram nos
bastidores desse cenário em âmbito governamental não há como inferir com plena certeza quais
foram os processos realizados em prol dessa política pública. A tomada de decisão pode ter
ocorrido de acordo com a ideia garbage can, mas não se descarta a possibilidade de
compreender o processo de tomada de decisão sobre essa política com base em outras
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abordagens. Ressalta-se ainda que o modelo garbage can é alvo de críticas por seu caráter
generalista que prevê a irracionalidade como um padrão nas tomadas de decisões.

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
2.4. Modelo do equilíbrio pontuado

Outro exercício interessante é tentar explicar a ruptura da estagnação da Rede Federal de


Educação Profissional, Científica e Tecnológica, utilizando-se o modelo do equilíbrio
pontuado, constituído com base no seguinte princípio: os processos políticos são geralmente
caracterizados por estabilidade e incrementalismo, pontuado ou interrompido, ocasionalmente,
por mudanças de larga escala (Araújo e Rodrigues, 2017).

Cabe registrar que a mencionada estagnação acerca dessa política é caracterizada pelo
fato de que a Rede Federal, no período de 1909 a 2002, era composta por 140 unidades. Já no
período a seguir, conforme a Figura 1, há uma grande diferença. Um aumento de cerca de 150%
no número de unidades, tendo-se ainda o fato de que esse incremento ocorreu no espaço de
tempo de 8 anos, muito menor do que o primeiro período, que foi de 94 anos.

Figura 1 - Evolução do número de unidades de ensino da Rede Federal

Justamente por essa impactante evolução, o modelo do equilíbrio pontuado se mostra um


instrumental com bom potencial para explicar por que processos políticos, geralmente tratados
como decorrentes de uma lógica de estabilidade e incrementalismo, ocasionalmente também
produzem grandes variações (Ollaik, 2010).
Mais didaticamente, para auxiliar no entendimento do porquê da estabilidade e de
possíveis rupturas, com base nesse modelo, é vital a seguinte citação:
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“Os períodos de estabilidade são reflexos de pressões políticas de manutenção do
status quo e de restrições institucionais que coíbem a mudança da agenda. Os períodos
de ruptura (ascensão de novos problemas ou redefinição de velhos problemas) são
reflexos da mudança da compreensão da essência do problema (informações

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empíricas), de novos apelos emotivos em torno de algum problema, e de
empreendedores de políticas públicas que são capazes de inserir ou inflar certos
problemas na agenda.” (Capella, 2007 apud Secchi, 2013, p. 46)

Com isso, é aceitável cogitar que o período de estabilidade (estagnação) que teve a Rede
Federal ocorreu devido a pressões políticas e restrições institucionais. Sem maiores
aprofundamentos a respeito dessa política pública, pode-se discorrer, mais notoriamente, sobre
o fator institucional, entendendo-se que, de acordo com a escola institucionalista tradicional,
instituições são regras formais; seria, dessa forma, a lei n° 9.649/98, um dos fatores de grande
determinância para manutenção do status quo.
Sobre o período de ruptura, é perceptível que a mudança de governo, em 2002, provocou
a inserção de novos atores e novos discursos no eixo dos subsistemas. Com base na teoria desse
modelo, o “agendamento” se dá pela passagem de um problema do subsistema para o
macrossistema (governo). Portanto, é admissível entender que essa mudança de atores inflou o
problema (que seria a falta de oferta de vagas públicas no nível de ensino técnico), motivando
a introdução do tema na agenda e, por conseguinte, gerando a variação da política pública em
estudo.
Uma das críticas à proposta de Baumgartner e Jones é que o modelo é essencialmente
bottom-up e negligencia a capacidade que os decisores políticos têm de formatar as decisões
de acordo com as suas próprias preferências (Araújo e Rodrigues, 2017).

2.5. Capacidade estatal

Há, ainda, um outro aspecto, que também pode ser mencionado a respeito desta política
pública. A Rede Federal resulta em demonstração de ação clara de capacidade estatal,
entendida como um catalisador de resultados sociais desejáveis (Cingolani, 2013). Neste caso,
com a captação de recursos (impostos), há uma distribuição positiva dessas receitas a serviço
da população, com a oferta de vagas públicas e gratuitas na educação.

Registra-se, como conceituação do atributo de capacidade estatal, a definição de Geddes


(1996):

“A capacidade de implementar políticas de iniciativa do estado depende da habilidade

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de taxação, coerção, modulação dos incentivos dos atores privados, e da tomada de
decisões burocráticas efetivas durante o curso de implementação.”

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
Estudando esse conceito fica patente que, conforme a Figura 1, a reestruturação dessa
política pública, que desencadeou a atual estrutura da Rede Federal, hoje composta por 38
Institutos Federais presentes em todos estados, e no Distrito Federal, 2 Cefets, 25 escolas
técnicas vinculadas a Universidades, o Colégio Pedro II e uma Universidade Tecnológica,
totalizando 644 campi em funcionamento, é tradução da capacidade institucional do Estado de
executar políticas públicas que ofertam benefícios e serviços à população, pois resta
comprovado que o Estado teve a competência de promover um aumento que soma trezentos e
sessenta porcento (360%), em termos de unidades educacionais existentes, de 1909 até o
momento, fato que é resultado da política pública tratada.

3. CONCLUSÃO

Fica evidente, por fim, que, o arcabouço teórico sobre processos de políticas públicas é
bastante rico e permite facilmente visualizar, em políticas já estabelecidas, aspectos que foram
consolidados nesses modelos explicativos. Até mesmo modelos mais simplistas, como o
garbage can, permitem fazer inferências de certa forma esclarecedoras a respeito da construção
de políticas públicas. No entanto, é importante frisar que cada modelo tem suas fragilidades e,
em vista disso, para se buscar análises mais sólidas, o recomendado é fazer uso de instrumentais
teóricos que complementem os pontos vulneráveis de cada modelo explicativo, como por
exemplo, no caso do modelo garbage can, que detém pouca atenção em relação ao contexto
institucional no qual decorre a ação política, seria necessário - para estudos de maior rigor -
análises complementares que auxiliem a garantir explicações para esse aspecto específico.

4. REFERÊNCIAS

ARAÚJO, L.; RODRIGUES, M. DE L. Modelos de análise das políticas públicas.


Sociologia, Modelos e Práticas, ed. 83, p. 11-35, 2017.

1424
BÖRZEL, T. A. Organizing Babylon – on the diferente conceptions of policy networks.
Public Administration, 76, p. 253-273, 1998.
BRASIL. Decreto N° 7.566 de 23 de setembro de 1909. Disponível em:

Anais da IV Jornada Ibero-Americana de Pesquisas em Políticas Educacionais e Experiências Interdisciplinares na Educação. Anais...Salvador (BA), 2019.
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Júlio Korzekwa
Mestrando no programa de pós-graduação
em políticas públicas na Universidade
Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e
Servidor Técnico-Administrativo em
Educação no Instituto Federal de Educação,
Ciência e Tecnologia Sul-rio-grandense
(IFSul).

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