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ANÁLISE DO EPISÓDIO QUEDA LIVRE DA SÉRIE BLACK MIRROR ATRAVÉS DE

CONCEITOS DA TEORIA DA SOCIOLOGIA CLÁSSICA.

Fernanda Inah

Este texto crítico analítico tem como objetivo analisar o primeiro episódio da terceira temporada
da série Black Mirror intitulado Queda Livre (Nosedive título original inglês) tomando como
base conceitos de autores clássicos da sociologia, em especial do sociólogo francês Émile
Durkheim (1858 – 1917) e o sociólogo alemão Max Weber (1864 – 1920).
Abordando temas como ficção científica e futuros distópicos sob uma ótica sombria a serie foi
criada pelo roteirista Charlie Brooker e foi ao ar em 2011 pelo canal britânico Channel 4, depois
foi comprada pelo site de streaming Netflix. Atualmente possui cinco temporadas e está com
promessa de estreia da sexta temporada para junho 2023.
Segundo o próprio autor e em tradução livre Black Mirror significa Espelho Negro “àquilo que
você encontrará em cada parede, mesa, na palma de cada mão: a tela fria e brilhante de uma
TV, monitor ou smartphone” (BROOKER,2011). Interessante perceber que mesmo 12 anos
depois a série permanece atual levando o espectador a refletir sobre o uso cada vez mais
exagerado da tecnologia e a influência nas relações sociais cada vez mais midiatizadas.
O episódio em questão conta a história de Lacie, uma mulher que vive numa sociedade em que
a vida depende do bom status nas redes sociais através de notas emitidas por um aparelho
portátil semelhante a um celular, as notas variam de 1 a 5 e determinam as condições de vida
dos indivíduos como entradas em lugares, uso de transportes, local de trabalho, aluguel de casa,
e até mesmo relações afetivas.
Desesperada por ascensão social a personagem consegue ser convidada por uma amiga de
infância para ser madrinha do seu casamento luxuoso cheio de pessoas com notas altas, no
entanto ela enfrenta uma séria de dificuldades cotidianas e imprevistos até chegar ao local tendo
que manter a boa conduta para conseguir notas altas dos indivíduos as quais se relaciona,
chegando próximo a 5 estrelas.
Pensando sobre os conceitos de Durkheim como fato social e consciência coletiva, a sociedade
prevalece no indivíduo, uma vez que ela constitui em um conjunto de normas e regras de ação
construídas exteriormente fora das consciências individuais, na sociedade futurista que a
personagem vive, esse sistema de notas vem como algo maior independente da vontade dela e
por isso a personagem atribui as notas sem pensar, como um ato involuntário cotidiano. O ser
coletivo nessa sociedade está acima do individual para garantir a sobrevivência e isso fica muito
claro no desespero da personagem para agradar a todos e conseguir estrelas.

O sistema de signos de que me sirvo para exprimir meu pensamento, o sistema de


moedas que emprego para pagar minhas dívidas, os instrumentos de credito que utilizo
em minhas relações comerciais, as praticas observadas em minha profissão, etc,
funcionam independente do uso que faço deles. Que se tomem um a um todos os
membros que é composta a sociedade; o que precede poderá ser reprtido a propósito
de cada um deles. Eis ai, portanto, maneiras de agir, de pensar e de sentir que
apresentam essa notável propriedade de existirem fora das consciências individuais.
(DURKHEIM,99)

Para Durkheim interiorizamos a estrutura social, o conjunto de normas e os indivíduos são


apenas reprodutores e reorganizadores dos símbolos e regras que regem a vida social, fazendo
um paralelo com o episódio, temos as notas como critérios de legitimação, a personagem
principal inclusive ignora os conselhos do próprio irmão quando chamada atenção para a
relação vazia que está vivendo, seu irmão.

Um fato social se reconhece pelo poder de coerção externa que exerce ou é capaz de
exercer sobre os indiíviduos; e a presença desse poder se reconhece, por sua vez, seja
pela existencia de alguma sanção determinada, seja pela resistencia que o fato opoe a
toda tentativa individual de farzer-lhe violencia. (DURKHEIM,99)

Outra parte do episódio que mostra como a consciência coletiva impõe sua força sobre as
consciências individuais é o cancelamento do personagem Chester, o colega de trabalho de
Lacie que está com nota baixa e todos reproduzem o mesmo comportamento cancelando o
personagem com notas baixas.
Ao fim do episódio podemos relacionar o conceito de Anomia de Durkheim uma vez que a
personagem rompe com todo o sistema de normas e regras se tornando uma desviante ao ir ao
casamento mesmo com a amiga dizendo para desistir pois sua nota estava muito baixa e assim
chegar no casamento toda suja, com vestido rasgado, completamente bêbada desrespeitando
todas as regras fazendo um discurso completamente caótico e acaba ficando com nota zero por
não manter o controle emocional e não agir conforme esperado, sendo assim banida. Tal
comportamento é inadmissível nessa sociedade que só se preocupa com a boa reputação, moral
e bons costumes.
Ao fim do episódio ela é conduzida ao isolamento social representando a fuga da consciência
coletiva, a personagem rompe a bolha e tem ações totalmente inesperadas. Ao chegar nessa
espécie de prisão futurista temos novamente ilustrado o estado de anomia, o personagem preso
em frente a cela de Lacie está vestido totalmente diferente dos demais personagens com roupas
escuras e o diálogo final repleto de insultos é totalmente diferente do esperado na sociedade
como se fosse um rompimento total da lógica vigente.
Enquanto Durkheim é um sociólogo que volta seus olhos para a coletividade com intuito de
entender o funcionamento da vida, Max Weber traz o indivíduo para o centro das preocupações
sociológicas, dito isso podemos relacionar os conceitos de ação e sentido para o episódio de
Queda Livre. Weber vai dizer que toda ação é motivada por um sentido, um significado e para
entender o mundo é preciso entender o conceito de ação social. “Por “relação” social deve-se
entender uma conduta de vários – referida reciprocamente conforme seu conteúdo significativo,
orientando-se por essa reciprocidade.” (WEBER, Max, 1977 p.10) Ou seja existe um fluxo de
ações, o indivíduo vai agir pensando na expectativa do outro e isso é muito bem ilustrado no
episódio a cada vez que a personagem dá uma nota a quem está se relacionando e fica alguns
minutos parada esperando a ação do outro, tudo é feito pensando na ação do outro.

Um mínimo de reciprocidade nas ações, é portanto, uma característica conceitual. O


conteúdo pode ser o mais diverso: conflito, inimizade, amor sexual, amizade, piedade,
troca no mercado, “cumprimento”, “ não cumprimento”, “ruptura” de um pacto...(
WEBER, 1977)

Weber também vai criar tipologias, classificações de ações sociais para fins de entendimento,
são elas: ação racional com relações a fins, ação racional com relação a valores, ação afetiva,
ação tradicional.
A ação social, como toda ação pode ser: 1) racional com relação a fins: determinado
por expectativas no comportamento tanto de objetos do mundo exterior como de
outros homens e utilizando essas expectativas como “condições” ou “ meios para o
alcance de fins próprios racionalmente avaliados e perseguidos; 2) racional com
relação a valores: determinada pela crença do consciente no valor – interpretável
como ético, estético, religioso ou de qualquer outra forma – próprio e absoluto de uma
determinada conduto considerada per si e independente de êxito; 3) afetiva,
especialmente emotiva, determinada por afetos e estados sentimentais atuais; e 4)
tradicional: determinada por um costume arraigado. ( WEBER,1977)

Pensando nas tipologias de ações sociais criadas por Weber e entendendo que elas são híbridas
e não acontecem isoladamente podemos pensar que a personagem principal Lacie tem durante
o episódio ações racionais, ou seja com finalidade de ascensão social, de conseguir as notas
boas das pessoas para ser aceita mas essas ações também se misturam com ações afetivas não
racionais e emocionais quando ao final do episódio ela externa todos os seus sentimentos
contidos ao perceber que a amiga não a queria mais no casamento mesmo após todo o esforço
para chegar ao local da cerimônia e assim ser aceita. Temos no episódio também ações
tradicionais, como a própria celebração do casamento em que mesmo num futuro distópico as
pessoas mantem a tradição de reunir pessoas com boas notas numa cerimônia religiosa.

Podemos concluir que os dois sociólogos trazem ótimas contribuições e reflexões para a análise
do episódio uma vez que suas ideias permanecem atuais mesmo para avaliar uma serie futurista.

REFERÊNCIAS

DURKHEIM, Émile. “O que é um fato social”. In: As regras do método sociológico. São Paulo:
Martins Fontes, 1999

WEBER, Max. “Ação social e relação social”. In: FORACCHI, Marialice & MARTINS, José
S. Sociologia e sociedade. Rio de Janeiro: LTC, 1977

QUEDA livre. Direção: Joe Wright. Roteiro: Charlie Brooker; Michael Schur; Rashida Jones.
In: Black Mirror. Reino Unido / Estados Unidos: Netflix, 2016. Episódio 1, Temporada 3.

Na Íntegra - Raquel Weiss - Émile Durkheim,


disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=BeK3FDE_Iy0

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