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Imperatriz
2023
CIZA IOHANA MACHADO DE SOUZA
Imperatriz
2023
CIZA IOHANA MACHADO DE SOUZA
BANCA EXAMINADORA
____________________________________________________
Prof. Dr. Jorge Alberto A. de Araújo
____________________________________________________
Examinador I
____________________________________________________
Examinador II
Imperatriz
2023
Dedico ao Gabriel, Alday e Adriana.
AGRADECIMENTOS
O presente trabalho tem como objetivo analisar de que modo as mídias sociais tendem
a repercutir nas decisões judiciais, em especial no julgamento do caso do incêndio da
Boate Kiss, por meio do Tribunal do Júri. Tem-se como problemática o seguinte
questionamento: A mídia tem interesse em influenciar as decisões da população em
relação aos processos submetidos ao Tribunal do Júri, em especial no caso da Boate
Kiss? Utilizando-se da metodologia de pesquisa bibliográfica, mesclando com análise
crítica e estudo de caso, buscou-se entender, desse modo, como a repercussão
midiática tem se tornado uma ferramenta de influência perante as decisões emitidas
pelo Tribunal do Júri, auxiliando na obtenção de um pré-julgamento sobre determinado
caso. Como resultado, entende-se que é importante se observar a possibilidade de
uma influência das atuações jornalísticas, juntamente com as mídias sociais, nas suas
coberturas de crimes dolosos contra a vida, que são objeto de apreciação do tribunal
do júri, ocasião em que estas determinam e formam, mesmo que de forma indireta, as
decisões e apreciações proferidas pelos populares através do Conselho de Sentença,
e que violam, dessa forma, os princípios e normas penais, chegando a violar até
direitos fundamentais do cidadão.
The present work aims to analyze how social media tend to have an impact on judicial
decisions, especially in the judgment of the Boate Kiss fire case, through the Jury
Court. The following question is problematic: Is the media interested in influencing the
decisions of the population in relation to the cases submitted to the Jury Court,
especially in the case of Boate Kiss? Using the methodology of bibliographical
research, mixing with critical analysis and case study, we sought to understand, in this
way, how the media repercussion has become a tool of influence before the decisions
issued by the Jury Court, helping to obtain prejudgment in a particular case. As a result,
it is understood that it is important to observe the possibility of an influence of
journalistic actions, together with social media, in their coverage of intentional crimes
against life, which are the object of appreciation by the jury, when these they determine
and form, even if indirectly, the decisions and assessments made by the people
through the Sentence Council, and that violate, in this way, the principles and penal
norms, even violating the fundamental rights of the citizen.
1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................13
2. O TRIBUNAL DO JÚRI: CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES ............................15
2.1 Conceito e historicidade do Tribunal do Júri...................................................15
2.2 Aspectos Subjetivos e Objetivos relacionados ao Tribunal do Júri .............20
3 A MIDIATIZAÇÃO DO TRIBUNAL DO JURI ..........................................................23
3.1 A (im) parcialidade da mídia no sistema judiciário brasileiro ........................24
3.2 Influência da mídia nos Tribunais do Júri ........................................................25
4 BOATE KISS: PERSPECTIVAS E CONTRACENAS DA MÍDIA NO TRIBUNAL
DO JURI GAÚCHO .....................................................................................................31
4.1 O Incêndio na Boate Kiss ...................................................................................31
4.2 A repercussão do incêndio na Boate Kiss .......................................................33
4.3 O Tribunal do Juri e a Boate Kiss: a mídia no banco dos réus? ...................37
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS .....................................................................................42
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................44
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1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho tem como objetivo geral, analisar de que modo as mídias
sociais tendem a repercutir nas decisões judiciais, em especial no julgamento do caso
do incêndio da Boate Kiss, por meio do Tribunal do Júri. Enquanto objetivos
específicos, busca-se explanar sobre os aspectos legais e legislativos acerca do
trâmite do procedimento do Tribunal do Júri, com aplicação do Direito Penal,
Processual Penal e Constitucional; apresentar os fatos do caso da Boate Kiss, com
análise no âmbito penal; e, por fim, avaliar as implicações do Tribunal do Júri do caso
em questão.
Tem-se como problemática o seguinte questionamento: A mídia tem interesse
em influenciar as decisões da população em relação aos processos submetidos ao
Tribunal do Júri, em especial no caso da Boate Kiss?
A metodologia utilizada para responder os questionamentos centrais do projeto
se deu pela inserção de pesquisa bibliográfica, mesclando com análise crítica, acerca
de um estudo de caso, onde, buscou-se analisar a relação entre a competência e
atuação decisiva do Tribunal do Júri e a expressiva e maçante atuação midiática na
sociedade perante o viés jurídico. A fundamentação se deu com base em livros,
artigos, teses, levantamento bibliográfico, audiovisual, etc.
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Art. 48. Ninguém poderá ser detido, preso ou despojado dos seus bens,
costumes e liberdades, senão em virtude de julgamento de seus Pares
segundo as leis do país.
O Corregedor do Crime da Côrte e Casa, que por este nomeio Juiz de Direito
nas causas de abuso da liberdade da imprensa, e nas Provincias, que tiverem
Relação, o Ouvidos do crime, e o de Comarca nas que não o tiverem,
nomeará nos casos occurrentes, e a requerimnto do Procurador da Corôa e
Fazenda, que será o Promotor e Fiscal de taes delictos, 24 cidadãos
escolhidos de entre os homens bons, honrados, intelligentes e patriotas, os
quaes serão os Juizes de Facto, para conhecerem da criminalidade dos
escriptos abusivos (BRASIL, 1822).
Deve-se ater ao fato de que a decisão estabelecida pelos jurados era a que
prevalecia, e que em caso de recurso, os réus somente poderiam apelar para o
imperador. Para tentar driblar tais julgamentos, os escritores buscavam utilizar de
pseudônimos para que assim pudessem realizar seus escritos sem que houvesse
punição em caso de descumprimento das regras de imprensa estabelecidas pelo
império.
Outrossim, dois anos depois, já em 1824, houve a promulgação do texto
constitucional, no qual trazia a previsão do Tribunal do Júri para julgamento de ações
cíveis e criminais, conforme se observa no seu artigo 151:
Art. 23. São aptos para serem Jurados todos os cidadãos, que podem ser
Eleitores, sendo de reconhecido bom senso e probidade. Exceptuam-se os
Senadores, Deputados, Conselheiros, e Ministros de Estado, Bispos,
Magistrados, Officiaes de Justiça, Juizes Ecclesiasticos, Vigarios,
Presidentes, e Secretarios dos Governos das Provincias, Commandantes das
Armas, e dos Corpos da 1ª linha.
Art. 24. As listas dos cidadãos, que estiverem nas circumstancias de serem
Jurados, serão feitas em cada Districto por uma Junta composta do Juiz de
Paz, Parocho, ou Capellão, e o Presidente, ou algum dos Vereadores da
Camara Municipal respectiva, ou, na falta destes ultimos, um homem bom,
nomeado pelos dous membros da Junta, que estiverem presentes.
Art. 25. Feitas as listas do referidos cidadãos, serão affixadas á porta da
Parochia, ou Capella, e publicadas pela imprensa em os lugares, em que a
haja, e se remetterão ás Camaras Municipaes respectivas, ficando uma cópia
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em poder do Juiz de Paz para a revisão, a qual deve ser verificada pela
referida Junta, todos os annos, no dia primeiro de Janeiro.
Nota-se que a escolha dos jurados passou a ser flexibilizada, entre os cidadãos,
desde que estes fossem eleitores aptos e não exercessem nenhum cargo ou ofício
perante o sistema de justiça, bem como na administração pública, como também
fizesse parte das Forças Armadas. A lista era fixada em local visível e de
movimentação constante, em especial nas paróquias, e deveria ser revisada e
atualizada a cada ano, no primeiro dia do mês de janeiro. Anos mais tarde, já em 1841,
com a instituição da Lei nº 261, de 03 de dezembro, foi feita a extinção do chamado
Júri de Acusação, além da alteração da quantidade de jurados que deveriam participar
das sessões (CARDOSO, 1986).
Foram diversas as demais alterações legislativas que levaram em consideração
o papel do Tribunal do Júri durante o Brasil Império. Sabendo disto, é importante que
se adentre na dinâmica de interposições feitas frente ao Brasil República, até
chegarmos ao que se conhece atualmente. A Constituição de 1891, trouxe consigo a
manutenção do Conselho de Jurados, mantendo o júri e a sua soberania nas decisões
que lhe coubesse.
Borba citado por Silva (2005, p. 24 e 25) denota que, em 1899, o Supremo
Tribunal Federal trouxe consigo uma atualização sobre as características do Tribunal
do Júri, quais sejam:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
A escolha dos cidadãos deve ser criteriosa, buscando todos aqueles que
melhor representem a sociedade. O juiz não pode diferenciar os cidadãos pela posição
social que eles ocupam, mas, deve visar a sua idoneidade. Sobre isso, Sousa (2010,
p. 833) diz que “o que se aconselha é uma maior diversificação, quando possível, de
funções sociais, de forma a permitir que a sociedade se faça presente por todas as
suas camadas”.
No que compete a convocação dos jurados para o Tribunal do Júri, Nucci (2014,
p. 176-179) coloca em evidência que:
No Júri, ressalta-se que não apenas a defesa técnica, relativa aos aspectos
jurídicos do fato, pode ser produzida, mas mais que isso: dadas as peculiaridades do
processo e considerando o fato de que são leigos os juízes, permite-se a utilização de
argumentação não jurídica, com referências a questões sociológicas, religiosas,
morais, dentre outras. Ou seja, argumentos que, normalmente, não seriam
considerados fosse o julgamento proferido por um juiz togado, no Júri ganham
especial relevância, podendo ser explorados à exaustão (SANTANA, 2021).
De forma semelhante, ao aplicar tal conceito nas análises de inferências,
Araújo (2020) considera que existe, em certas decisões judiciais, a relativização de
determinadas temáticas ou em torno de determinados objetos que acabam sendo
nutridos por “movimentos externos à prática” (p. 360) – judicial. Nesse sentido, pode-
se considerar que algo que reluta ser encontrado perante o Tribunal do Júri diz
respeito aos critérios de moderação da opinião popular perante determinados julgados
considerados relevantes e de grande repercussão. Por vezes, as inferências materiais
se tornam ofuscadas pela conformidade de interpretações que nem sempre são
aquelas plenamente delimitadas como sentença do Tribunal do Júri, mas
fundamentadas em um anseio popular e de clamor por justiça.
É diante desse quadro que a repercussão midiática entra como coadjuvante do
processo criminal, situando-se como intérprete e observadora, buscando ‘interpretar’,
de acordo com interesses diversos os fatos e os direitos competentes do júri.
23
tem sido fragmentado diante da erosão das decisões judiciais que tem pendido entre
o common law e o civil law. Diante disso, percebe-se que:
O Brasil tem uma imprensa livre, muito embora essa liberdade não seja
considerada absoluta, uma vez que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo
220, constata que a divulgação de informações pela mídia deve observar os direitos
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fundamentais do indivíduo elencados em seu artigo 5º, como outrora exposto. E, nos
dias de hoje, percebe-se a utilização da informação para outras finalidades que não a
de comunicar e informar, pois a mídia usa do próprio interesse para manipular uma
ideia que será passada com a informação, fazendo com que o público receptor crie a
partir dessa ideia uma nova realidade baseando-se no que viu, ouviu ou leu (NOBRE,
1988).
O Júri veio ao passar dos tempos, mudando, assim como houve mudanças
sociais, dentre as quais podemos citar o avanço dos meios de comunicação,
entretanto, essa grande quantidade de informações nem sempre é de qualidade, pois
a notícia tornou-se um instrumento poderoso nas mãos da imprensa, tornando-a
perigosa, uma vez que seu foco é a audiência (SANTOS, 2018).
Os noticiários de crimes e seus julgamentos, denominados crônica jurídica,
uma arma forte, que, para assegurar uma boa audiência, produzem prejuízo aos
direitos e garantias fundamentais do acusado pela prática de um crime que está sendo
noticiado, principalmente àqueles de competência do Tribunal Popular do Júri
(SANTOS, 2018).
A grande pressão exercida pela mídia faz-se refletir e questionar sobre a
imparcialidade dos julgamentos, como também o devido processo legal, atingindo
diretamente ao princípio da plenitude de defesa, que acaba se tornando ineficaz
perante as informações transmitidas pela mídia (SANTOS, 2018).
Um dos principais problemas em casos de grande repercussão que perpassam
pelo Tribunal do Júri diz respeito a parcialidade dos jurados quanto a sentença que
será proferida. São diversas as jurisprudências, acordões e decisões que acolhem ou
que afastam essa retórica diante dos casos de competência do júri. O desaforamento
acaba sendo um pedido recorrente tanto da defesa como da acusação, nesses casos.
O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro julgou improcedente o pedido de
desaforamento de processo em que tinha como requerimento a mudança da comarca
em face da
Nota-se que a decisão acima reverbera, em seu final, que não é válido que haja
o desaforamento de processos que tenham elementos fáticos de coação moral ou
julgamento predeterminado, uma vez que isso poderia acarretar um problema não
apenas regional, pois se todo processo for preciso ser desaforado, não haveria espaço
para julgamento em outras localidades, ainda mais quando este tem sobrecarga de
conhecimento público e irrestrito, sendo repercutido nacionalmente.
O seguinte julgado no Supremo Tribunal de Justiça colabora para o
entendimento de tal cerne:
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Percebe-se que o julgado acima nega a concessão de habeas corpus para réu
em que a defesa coaduna que pela repercussão da imprensa sobre caso concreto, a
decisão do júri poderia estar comprometida. Na decisão, o relator proferiu que o
exercício do direito de informação não macula os dados contidos no processo, uma
vez que nem sempre o que se encontra nos noticiários é a verdade presente nas vias
de fato das entrelinhas do processo, cabendo ao jurado atribuir sentido para o que
está sendo discutido perante o plenário, desvinculando-se do saber social.
Assim, entende-se que a repercussão dada pela mídia em determinados
processos judiciais tem sido palco de debates entre os juristas sobre até que ponto a
imprensa passa a influenciar as arguições e inferências dedicadas nas decisões,
inclusive do Tribunal do Júri.
Por um lado, há os que consideram como positiva o saber prévio e notório sobre
determinado caso, a fim de que seja mais fácil para a acusação ou para a defesa
elencar seus discursos. Por outro, entende-se que o caso deve ser analisado de
acordo com as ponderações exclusivas do quadro processual em voga, orquestrado
nas paredes do pleno, de tal modo que trazer uma clareza externa estaria indo de
forma contrária ao pressuposto da parcialidade, incomunicabilidade e manifestação
pré-determinada sobre sentença condenatória ou de absolvição (FRAGOSO, 2016).
Destaca-se o fato de que o jornalismo não apenas notícia, mas dá ‘poder’ à
notícia. Esta passa a ter um valor intrínseco no pensamento social, de tal modo que é
quase imprevisível que não se crie uma opinião popular em torno de um determinado
assunto que circula nas mídias comunicativas. A mensagem que é emitida acaba
sendo modificada pelas diferentes visões existentes, e, quando chega no receptor,
este deve decodificar utilizando-se daquilo que melhor lhe aparece (PRADO, 2022).
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presunção da inocência. Como postula Nucci (2014), o estado natural das pessoas é
a inocência, logo, para que esse status de inocência seja retirado pelo Estado é
necessário que o indivíduo passe pelo devido processo legal, no qual diante de provas
cabais suficientes, o Estado poderá culpabilizá-lo.
Entretanto, diante da exploração midiática indiscriminada as quais são
submetidos alguns casos, dificilmente haverá um jurado que ainda não tenha formado
uma opinião acerca do acontecido, e que, apesar de ser uma opinião própria, teve
como elementos formadores os meios de comunicação que não refletem,
necessariamente, a verdade real construída no devido processo legal.
Em um cenário onde passa a ser exigida a condenação, bem como a aplicação
do direito penal enquanto prima ratio, ocorre um processo de desumanização do réu,
que em decorrência da suposta prática criminosa, terá seus direitos e garantias
fundamentais respeitados.
Em que pese a imprensa, esta possui relevante responsabilidade social da
imprensa, portanto a prestação de seus serviços em favor da sociedade é um dever,
conforme determina o art. 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2013)..
Portanto, apesar da liberdade de imprensa, se demonstra imprescindível a
consecução do seu objetivo de informar a sociedade, e é indiscutível que nenhuma
liberdade é absoluta no ordenamento jurídico brasileiro. No entanto, tais limitações
não devem ser tratadas como uma forma de censura, apenas uma forma para evitar
que outros direitos sejam violados, em especial quando tende a influenciar decisões
importantes de clamor social, tal como as proeminentes do Tribunal do Júri.
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Por sua vez, a Figura 02 deixa bastante perceptível os danos causados no teto
da Boate Kiss, com o deslocamento das placas acústicas feitas de espuma tóxica, que
eram fixadas não apenas no teto, mas também nas paredes, com a finalidade de
atenuar a amplitude sonora presente no ambiente. A estrutura de aço também foi
danificado, fazendo com que caísse em cima do público que estava na casa noturna,
dificultando a saída destes e causando ferimentos múltiplos.
Figura 03. Capa do periódico The New York Times sobre o incêndio na Boate
Kiss.
Figura 04. Manchete sobre o incêndio na Boate Kiss em primeiro plano no site
da rede britânica BBC.
por todas as circunstâncias que o envolvem exige uma grande mobilização e estamos
prontos para que tudo transcorra do melhor jeito”. Para isso, foi mobilizado um quórum
de mais ou menos 200 servidores, além da contratação de empresas de comunicação,
que instalaram telões do lado de fora do pleno, a fim de que a imprensa pudesse cobrir
todos os detalhes.
Cabe destacar que a pandemia de COVID-19 impedia a lotação máxima do
auditório do júri, de tal modo que fez com que houvesse a presença, em especial, de
familiares e vítimas da Boate Kiss, além da equipe de comunicação do próprio
Tribunal, que transmitia simultaneamente, e de diferentes ângulos, o julgamento. Duas
câmeras foram utilizadas, sendo direcionadas com foco para os réus e a defesa, além
da acusação e o juiz Orlando Faccini Neto, titular do 2º Juizado da 1ª Vara do Júri da
Comarca de Porto Alegre, que presidiu a sessão (CNN, 2021).
Durante o julgamento, as redes sociais se tornaram também parte do júri,
informal, dos acusados. Facebook e Instagram passaram a repercutir as principais
falas dos advogados e assistentes de defesa, do Ministério Público e do próprio Juiz.
O Twitter se tornou um campo fértil para, em tempo real, ‘especialistas’ pudessem
visualizar, criticar, debater e identificar a consistência dos argumentos que estavam
sendo explanados no plenário e, deliberando, com senso crítico, os pontos positivos
e negativos de um ou de outro lado do tablado.
Quanto a isso, Ricardo e Silva (2022, p. 15) destacam que:
Desse modo, o julgamento da Boate Kiss, assim como outros júris de grande
repercussão trazem à tona os debates sobre os limites da publicidade dos processos
e de como os excessos podem influenciar, direta e indiretamente as decisões judiciais.
Não é uma temática fácil de ser abordada, mas que precisa de contínua discussão,
uma vez que a opinião popular reverbera, em parte, aquilo que se coaduna por certo
por determinados grupos sociais, como no caso da imprensa, que busca além
informar, legitimar ideias e sentidos em torno de um objeto, sujeito ou matéria
reportada.
Tamanha a influência da mídia no caso da Boate Kiss que foi inclusive apontada
como um dos fatores que ‘auxiliou’ no processo de anulação do tribunal do júri que
condenou os acusados da Kiss. Todos os procedimentos adotados na fase de
instrução preliminar, pronúncia, preparação para julgamento do plenário, alistamento
e sorteio dos jurados, desaforamento e composição do júri foram amplamente
divulgadas pela imprensa, de tal modo que até mesmo a acusação e a defesa se
beneficiaram daquilo que estava sendo debatido fora das paredes do Tribunal.
Tal retórica pode ser vista em trecho da denúncia do Ministério Público, o qual
preleciona que:
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Isabella Nardoni. Patrícia Acioli. Eloá Pimentel. Bernardo Boldrini. Nomes que
são conhecidos nacionalmente, e que assim o tornaram pelo episódio fático de
homicídio em que foram vítimas ao longo da primeira década do século XX. A
cobertura da imprensa e dos noticiários, com seus plantões, carregados de jornalismo
investigativo, apuravam os detalhes, o desenrolar do processo, apontavam suspeitos
e culpados, trazia notas das defesas, emitia opiniões com base nos comentários de
especialistas.
Todos os casos acima descritos tinham algo em comum: eram crimes contra a
vida. Mais que isso, seriam – e foram - julgados perante o júri composto por sete
cidadãos que integrariam o Conselho de Sentença, em momento oportuno.
Entretanto, outro detalhe trazia a sincronia entre os casos: a repercussão que tiveram
perante a mídia e a opinião popular, sobre a responsabilização dos delitos.
A mídia, ou as mídias, são redes de comunicação que, assim como a internet,
se encontram interligadas. Os veículos de comunicação tem se tornado cada vez mais
íntimos e próximos do cotidiano social, discutindo, debatendo, refletindo e
promovendo temáticas, fatos, notícias, conteúdos múltiplos e plurais. Em voga, tem
crescido nos últimos anos o desenvolvimento do jornalismo investigativo, mas também
do jornalismo judicial, um termo que nem sempre é encontrado nas pesquisas
acadêmicas, mas que evoca a politização da justiça por parte dos instrumentos de
imprensa.
Diante desse quadro, o presente trabalho buscou por trazer, por mínima que
seja, uma análise em torno da influência da mídia nos Tribunais do Júri, mais
precisamente no caso da Boate Kiss. Poderia se ter elencado os mais diversos casos
envolvendo a participação do júri que ocorreram nos últimos anos, mas a
representatividade emblemática e a repercussão que teve, com a transmissão nas
múltiplas redes sociais, tanto na primeira como na segunda instância, foram motivos
para a escolha de tal caso concreto.
Importa destacar que são muitos os pontos que podem ser abordados e
destacados do presente caso concreto quanto a atuação e influência da mídia, mas
se procura reverberar em três argumentos plausíveis. O primeiro é de que o sistema
judiciário deve delimitar até que ponto o ambiente externo e suas diferentes interações
podem influenciar nas atribuições do júri. O segundo ponto é se pensar sobre os
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critérios e as atribuições do júri. Por mais plural que seja a escolha dos jurados, o
judiciário deve se utilizar de freios e contrapesos para identificar os atores sociais que
irão compor o pleno, fomentando a razão em detrimento da subjetividade, sendo esta
uma problemática que emerge de campos variados da ciência jurídica. O terceiro
ponto a ser levantado é se, na atualidade, o tribunal do júri ainda é um artifício válido
para a formulação das sentenças.
Todos os pontos elencados, por mais simbólicos e reflexivos que sejam,
possuem múltiplas dimensões de concordâncias e discordâncias entre os pensadores.
Mas o que se sabe é que, independente da absolvição ou da condenação do júri, o
pensamento social, inconstante e impulsivo, acaba sendo influenciado, e a mídia tem
participação importante nesse processo. Teria a mídia lugar no banco dos réus?
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