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PENÉLOPE LUISA VENÂNCIO

A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NOS JULGAMENTOS DE COMPETÊNCIA DO


TRIBUNAL DO JÚRI: UMA ANÁLISE DO CASO DA BOATE KISS

Londrina
2023
PENÉLOPE LUISA VENÂNCIO

A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NOS JULGAMENTOS DE COMPETÊNCIA DO


TRIBUNAL DO JÚRI: UMA ANÁLISE DO CASO DA BOATE KISS

Trabalho de Conclusão de Curso


apresentado ao Curso de Direito do
Instituto Filadélfia de Londrina, como
requisito parcial à obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Vinicius Bonalumi


Canesin

Londrina
2023
PENÉLOPE LUISA VENÂNCIO

A INFLUÊNCIA MIDIÁTICA NOS JULGAMENTOS DE COMPETÊNCIA DO


TRIBUNAL DO JÚRI: UMA ANÁLISE DO CASO DA BOATE KISS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Graduação do Centro
Universitário Filadélfia - UniFil, como requisito
parcial à obtenção do título de Bacharel em
Direito.

BANCA EXAMINADORA

__________________________________
Orientador: Prof. Dr. Vinicius Bonalumi
Canesin
Centro Universitário Filadélfia - UniFil

_________________________________
Prof(a). Dr(a). Componente da Banca
Centro Universitário Filadélfia - UniFil

_________________________________
Prof(a). Dr(a). Componente da Banca
Centro Universitário Filadélfia - UniFil

Londrina, ____de __________de ______.


Dedico este trabalho aos meus pais, que sempre
sentiram orgulho em ter uma filha estudando
Direito.
AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus, pois sem Ele nenhuma conquista seria


possível. Agradeço imensamente por Teu amor e por Tua presença em minha vida.
Agradeço aos meus pais Élson e Edineia e à minha irmã Aléxia, que são
minha família, que me incentivam, me apoiam e enxergam sempre o melhor em mim.
Espero poder retribuir tudo o que fizeram por mim.
Agradeço ao meu melhor amigo e namorado David, por toda a paciência, pelo
amor, pelo encorajamento e pelo apoio incondicional.
Ao professor e orientador, Vinicius Bonalumi Canesin, pelo suporte no pouco
tempo que lhe coube, pela excelente orientação e pela confiança depositada em mim.
Aos professores que compõem minha banca pela solicitude ao convite para
compor a banca examinadora do presente trabalho e pelas valiosas colaborações.
À esta Universidade, seu corpo docente, direção e administração, que fizeram
parte dessa etapa decisiva da minha vida.
Aos amigos feitos ao longo do Curso de Direito, que tornaram este percurso
mais fácil, leve e alegre.
Estou imensamente grata por cada contribuição.
Com muito orgulho, concluo esta etapa tão importante em minha vida.
“Se teus olhos forem bons, todo o teu corpo
terá luz”.
Matheus 6:22
VENÂNCIO, Penélope Luisa. A influência midiática nos julgamentos de
competência do Tribunal do Júri: uma análise do caso da Boate Kiss. 2023. 65
páginas. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário
Filadélfia - UniFil, Londrina, 2023.

RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso tem como objetivo retratar a influência da


mídia perante os julgamentos que competem ao Tribunal do Júri, com foco especial
aos jurados que compõem o Conselho de Sentença, e como essa influência pode
afetar diretamente os princípios da imparcialidade e da presunção da inocência. Para
isso, primeiramente, foi realizado um estudo sobre a origem e evolução histórica do
Júri, como também, seu contexto e funcionamento no ordenamento jurídico brasileiro,
destacando os princípios que regem esse instituto. Importante destacar que ao
abordar essa influência exercida pela mídia sobre os vereditos do Júri, surge um
embate principiológico entre o princípio da liberdade de imprensa e o princípio da
presunção da inocência, explicado no segundo capítulo. Isso ocorre porque quando a
mídia atua de forma desenfreada, costuma causar interferências indesejadas, que
dificultam a atividade do Júri, ferindo o princípio da presunção da inocência. É
necessário que os jurados cheguem a suas decisões de maneira imparcial, baseando-
se nas evidências apresentadas pelas partes durante o julgamento e guiados pelo seu
próprio juízo de valor. A ênfase do presente trabalho é a análise do caso da Boate
Kiss, ocorrido em Santa Maria-RS, destacando como a mídia impactou o caso desde
o princípio. Ao final, a partir de toda a pesquisa realizada e com o estudo do caso Kiss,
constata-se que a mídia causa pré-condenações em razão do ímpeto de punir
ostentado por uma população fortemente consumida pelo sensacionalismo midiático
propagado pelos meios de comunicação.

Palavras-chave: Boate Kiss. Imparcialidade dos jurados. Influência midiática.


Princípio da presunção de inocência. Tribunal do Júri.
VENÂNCIO, Penélope Luisa. The media influence on Jury Trial judgments: an
analysis of the Kiss nightclub case. 2023. 65 páginas. Trabalho de Conclusão de
Curso (Bacharel em Direito) – Centro Universitário Filadélfia - UniFil, Londrina, 2023.

ABSTRACT

The present final paper aims to portray the influence of the media on the judgments
that the Jury Trial is responsible for, with a special focus on the jurors that compose
the Sentencing Council and how this influence can directly affect the principles of
impartiality and presumption of innocence. Firstly, a study was carried out on the origin
and historical evolution of the Jury, as well as its context and functioning in the Brazilian
legal system, highlighting the principles that govern this institute. It’s important to
highlight that when addressing this influence exerted by the media on the Jury's
verdicts, a principled clash arises between the principle of freedom of the press and
the principle of the presumption of innocence, explained in the second chapter. It
occurs when the media acts in an unbridled way, which usually causes unwanted
interference, making the Jury's activity more difficult and violating the principle of the
presumption of innocence. It’s necessary that the jurors reach their decisions
impartially, based on the evidence presented by the parties during the trial and guided
by their own value judgment. The emphasis of the present research is the analysis of
the Kiss nightclub case, which took place in Santa Maria-RS, focusing on how the
media impacted the case from the beginning. At the end, with all the research carried
out and the study of the Kiss nightclub case, it appears that the media causes pre-
condemnations due to the impetus to punish held by a population strongly consumed
by the media sensationalism propagated by the media.

Keywords: Kiss nightclub. Juror impartiality. Media influence. Principle of the


Presumption of Innocence. Jury Trial.
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

a.C Antes de Cristo


CF Constituição Federal
CP Código Penal
CPP Código de Processo Penal
MPRS Ministério Público do Rio Grande do Sul
STF Supremo Tribunal Federal
STJ Superior Tribunal de Justiça
TAC Termo de Ajustamento de Conduta
TJRS Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul
UFSM Universidade Federal de Santa Maria
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO………………………………………………………………....10

1. O TRIBUNAL DO JÚRI……………………………......................................12
1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA………………..................................12
1.2 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL……………........................................15
1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO TRIBUNAL DO JÚRI………...............19
1.3.1 Plenitude de Defesa …………………………………………………………...19
1.3.2 Sigilo das Votações....…………………………………………………………23
1.3.3 Soberania dos Vereditos……………………...……………………………….25
1.3.4 Competência para o Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a
Vida……….26

2. A MÍDIA E OS IMPACTOS NO TRIBUNAL DO JÚRI................................28


2.1 RELAÇÃO ENTRE A MÍDIA E A (IM)PARCIALIDADE DOS JURADOS…28
2.2 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRESUNÇÃO DE INOCÊNCIA................33
2.3 REDUÇÃO DAS DESVANTAGENS TRAZIDAS PELA INFLUÊNCIA DA
MÍDIA ........................................................................................................36
2.3.1 Possíveis Soluções para o Conflito de Princípios.......................................37

3 ANÁLISE DO CASO BOATE KISS...........................................................40


3.1 DESAFORAMENTO: CONCEITO E HIPÓTESES DE CABIMENTO.........42
3.1.1 O Pedido de Desaforamento no Caso da Boate Kiss……………………...45
3.2 O JULGAMENTO NO TRIBUNAL DO JÚRI...............................................47
3.2.1 A Prolação da Sentença ............................................................................50
3.2.2 A anulação do Julgamento.........................................................................51
3.3 O IMPACTO DA MÍDIA BRASILEIRA SOBRE O CASO…………………...52

4. CONCLUSÃO ...........................................................................................57

REFERÊNCIAS ........................................................................................59

ANEXO A – Revista IstoÉ.........................................................................63


ANEXO B – Revista VEJA........................................................................64
10

INTRODUÇÃO

Previsto dentro dos direitos e garantias individuais da Constituição, o instituto


do Tribunal do Júri é considerado um dos grandes instrumentos da democracia no
Brasil, pois confere aos cidadãos uma participação direta em julgamentos que
envolvem crimes dolosos contra a vida.
Ocorre que, ao atribuir a competência a um Tribunal Popular com a finalidade
de alcançar um maior grau de democracia, o constituinte fez com que o princípio da
parcialidade dos jurados fosse afetado, uma vez que os membros da sociedade não
possuem conhecimento técnico-jurídico, julgando de acordo com o seu entendimento
a partir de suas experiências particulares. Motivados pelo sentimento de buscar a
justiça a qualquer custo, acabam ferindo o princípio do in dubio pro reo, que assegura
uma decisão favorável ao acusado na presença da dúvida, visto que, mesmo com
provas insuficientes para embasar a decisão, os jurados tendem a condenar o réu.
Agrega-se ao problema exposto o aumento da influência midiática sobre a
sociedade que, com o passar do tempo, tornou-se cada vez mais rápida e mais
sensacionalista com a finalidade de atrair um maior número de telespectadores. Na
maioria das vezes, a prioridade da mídia é gerar uma comoção no seu público e, para
isso, deixam de lado o comprometimento de trabalhar com a verdade.
Isso tem um impacto direto com o instituto do Tribunal do Júri, isso porque a
mídia é uma importante ferramenta formadora de opinião, tornando-se perigosa
quando atua de forma sensacionalista ao extrapolar os limites do princípio da
liberdade de imprensa, causando danos latentes à honra, privacidade e imagem do
indivíduo que está sendo julgado.
É nesta direção que este trabalho se propõe a analisar, observando a
extensão da influência midiática na sociedade como um todo e no âmbito jurídico,
dando atenção especial ao sistema do Tribunal do Júri, o caso do incêndio na Boate
Kiss, uma das maiores tragédias ocorridas no Brasil, no dia 27 de janeiro de 2013,
que levou à morte de mais de 200 (duzentas) pessoas, deixando outras 600
(seiscentas) feridas na cidade de Santa Maria (RS), sendo este caso considerado um
grande espetáculo midiático.
Para isso, o presente trabalho adotou a metodologia de pesquisa bibliográfica
do tipo descritivo-analítica com abordagem teórica, por meio da qual houve buscas na
doutrina jurídica, assim como em trabalhos acadêmicos de diversas áreas e outras
11

formas de leitura, incluindo jurisprudências, artigos de revistas e afins, com a


finalidade de adquirir subsídios para a elaboração de conceitos que contribuíssem
para a fundamentação do estudo. Ainda, foi feito um estudo de um caso concreto com
o intuito de compreender na prática de que forma a mídia pode afetar os julgamentos
competentes ao Tribunal do Júri em relação à escolha dos jurados nos casos de
grande repercussão midiática.
O primeiro capítulo realiza um estudo acerca da origem e evolução histórica
do Tribunal do Júri, tanto no mundo quanto no Brasil, desde seus primórdios até sua
previsão legal na Constituição de 1988, além de explicar seu procedimento e
conceituar seus princípios norteadores.
Por conseguinte, o segundo capítulo tem o foco no impacto que a mídia gera
no âmbito do Tribunal do Júri, expondo a relevância das mídias sociais na realidade
atual e a influência que gera mediante os tribunais. Ainda, é apresentado o embate
principiológico entre a liberdade da imprensa e a presunção da inocência,
demonstrando como a mídia impacta diretamente o plenário do júri e afeta a
parcialidade dos jurados. Em seguida, são apontadas eventuais soluções para reduzir
as desvantagens que ocorrem em razão dessa influência midiática e solucionar esse
conflito entre os princípios.
Por fim, o terceiro capítulo aborda especificamente o caso concreto e objeto
central de estudo, o caso do incêndio à Boate Kiss, de forte impacto e de grande
alcance midiático. Desse modo, se fez necessário discorrer sobre os fatos da tragédia,
porém, com foco no processo judicial. Além disso, é conceituado o instituto do
desaforamento e demonstrado como foi elaborado seu pedido no caso Kiss, tendo
como base o interesse da ordem pública e a dúvida sobre a parcialidade dos jurados.
Em seguida, aborda-se o julgamento do caso no Tribunal do Júri até a prolação da
sentença e, em seguida, sua eventual anulação. Ao final, destaca-se a atuação da
mídia sobre o caso e como esta feriu a imparcialidade dos jurados, inclusive levando
à anulação do julgamento.
Assim, concluindo a presente introdução e adentrando a pesquisa, o objetivo
do presente trabalho é expor como a atuação da mídia pode ser prejudicial para
aqueles que são levados a julgamento perante o Tribunal do Júri, buscando destacar
algumas maneiras de diminuir esse impacto e evitar violações aos princípios
constitucionais, em especial no caso da tragédia da Boate Kiss.
12

1 O TRIBUNAL DO JÚRI

Previsto no artigo 5° da Constituição Federal de 1988, inciso XXXVIII 1, o


Tribunal do Júri é uma das instituições mais democráticas do sistema jurídico
brasileiro, competente para julgar os crimes dolosos ou intencionais, os crimes contra
a vida, assim como qualquer delito a eles conexo.
Composto por um Juiz de Direito que preside a sessão do júri, sem direito a
voto e sete jurados que compõem o Conselho de Sentença, o Tribunal do Júri é um
mecanismo que exerce a cidadania e demonstra a importância da democracia na
sociedade.

1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA

A origem do Tribunal do Júri é imprecisa, visto que não há uma decisão


unânime na doutrina que determine com precisão o momento em que esta instituição
surgiu. Por isso, alguns doutrinadores apontam antecedentes bem distantes da
instituição do Júri.
Em Atenas, na Grécia, há indícios dos primeiros sinais do Júri, por volta do
século V a.C., em razão do início da laicização da lei penal, a qual era promulgada e
revogada pela população. Houve a valorização da retórica com a participação do povo
na república, época a qual o cidadão ateniense possuía acesso livre aos tribunais
populares chamados de Heliéia e Areópago.
Nádia de Araújo e Ricardo R. Almeida (1996, p. 201-202)2 explicam que:

Na Atenas clássica, duas instituições judiciárias velam pela restauração da


paz social: o Areópago e a Heliéia. Ambas apresentam pontos em comum
com o Júri. O Areópago, encarregado de julgar os crimes de sangue, era
guiado pela prudência de um senso comum jurídico. Seus integrantes,
antigos arcontes, seguiam apenas os ditames de sua consciência. A Heliéia,
por sua vez, era um Tribunal Popular, integrado por um número significativo
de heliastas (de 201 a 2.501), todos cidadãos optimo jure, que também
julgavam, após ouvir a defesa do réu, segundo sua íntima convicção.
Parecem elementos bastantes para identificar aqui os contornos mínimos, o
princípio ao qual a ideia de justiça popular historicamente se remeteria.

1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
2
ARAÚJO, Nádia de; ALMEIDA, Ricardo R. de. O Tribunal do júri nos Estados Unidos: sua evolução
histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais,
ano 4, v. 15, p. 143-144. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. Acesso em 26 abr. 2023.
13

Sendo assim, em Atenas, todo cidadão grego tinha direito de votar na


assembleia, na qual as leis eram elaboradas, e de participar dos tribunais, que
aplicavam e interpretavam essas leis.
Para compor o tribunal de Heliéia eram necessários quinhentos membros
sorteados entre os cidadãos, desde que tivessem no mínimo trinta anos de idade,
conduta ilibada e não estivessem em dívida com o Erário Público. As reuniões
ocorriam na praça pública, chamada de Ágora, e eram presididas por um arconte,
responsável por fazer cumprir a lei e dizer o direito. Por sua vez, o tribunal Areópago
era responsável por julgar os casos de homicídio premeditados e sacrilégios, sendo
esse a violação daquilo que é dito como sagrado. Nestes tribunais gregos, o voto não
era secreto e não havia a opção de recusar determinado jurado, mesmo que o
considerassem suspeito.
Em se tratando da origem do Tribunal do Júri em Roma, no século II a. C., por
volta do ano 149 a.C., este surgiu quando o sistema acusatório do processo penal era
predominante com as quaestiones perpetuae, que eram os julgamentos criminais
compostos inicialmente apenas por patrícios, sendo essa a primeira espécie de
jurisdição penal instituída em Roma.
As quaestiones eram compostas por 35 (trinta e cinco) a 75 (setenta e cinco)
membros, sendo presididos por um quaestor, que era responsável por organizar,
escolher e convocar os jurados, receber o juramento das partes e pronunciar a
sentença com o resultado do julgamento.
Inicialmente, os jurados votavam oralmente e, posteriormente, a votação era
feita com supra tabelas, sendo: A (absolvo), C (condeno), ou NL (non liquet),
necessitando de uma instrução mais ampla nesse último caso. Ao fim da votação, o
quaesitor proclamava o resultado da sentença.
O atual sistema do Júri brasileiro se assemelha ao modelo da instituição
romana no que diz respeito à denominação dos membros do júri; a escolha dos
integrantes por meio de sorteio; a possibilidade de recusar jurados sem a necessidade
de justificativa; o juramento; a votação de forma objetiva; a decisão por maioria de
votos; a soberania do veredicto; dentre outros aspectos similares.
Destaca-se que grande parte da doutrina aponta o surgimento do Tribunal do
Júri no ano de 1215, na Inglaterra, com a Magna Carta, quando o Concílio de Latrão
aboliu as ordálias e os juízos de Deus.
14

Envolvido pelo caráter religioso, o júri surge por conta da necessidade de


julgar os crimes praticados com caráter místico, como os de bruxaria. Com isso, o
julgamento era composto por doze homens da sociedade, fazendo alusão aos doze
apóstolos de Cristo, que deveriam ter uma “consciência pura” e que se julgavam
detentores da verdade divina para análise do fato supostamente ilícito e a aplicação
do respectivo castigo, uma vez que, para eles, um grupo de cidadãos honrados, na
pluralidade de suas ideias podiam apreciar melhor um delito e se pronunciar sobre
ele.
Ângelo Ansanelli Júnior (2005, p. 18)3 em sua obra “O tribunal do júri e a
soberania dos veredictos” sustenta que o nascimento da instituição do Júri se deu na
Inglaterra, com a finalidade de substituir o abusivo julgamento das ordálias e combater
os absurdos praticados pelos soberanos. Segundo ele, foi na Inglaterra que o
julgamento popular assumiu as características democráticas, permitindo a
participação efetiva do cidadão comum na administração da justiça e estabelecendo-
se como uma garantia em prol da sociedade.
É possível perceber que foi na Inglaterra que o Tribunal do Júri começou a ser
delimitado como é conhecido atualmente, com exceção do caráter religioso que lhe
foi conferido pelo povo inglês, porém, preservando o seu aspecto democrático com a
participação do cidadão na aplicação da justiça.
Existem doutrinadores que não mencionam as origens mais remotas do Júri,
restringindo-se a atribuir à Inglaterra a sua origem. Mesmo os autores que buscam as
origens mais antigas para o instituto concordam entre si que o modelo atual do
Tribunal Popular possui sua maior influência decorrente do modelo inglês do ano de
1215 com a Carta Magna.
Nesse sentido, nos dias atuais a instituição do Júri é um mecanismo de
emancipação social que surgiu em razão das justificativas históricas que permearam
a evolução do Estado Democrático de Direito. Com esse intuito democrático e
participativo, proporcionado pelas revoluções populares, o Tribunal do Júri se
disseminou pelo mundo como garantia fundamental do cidadão e da sociedade.

3
ANSANELLI JÚNIOR, Ângelo. O tribunal do júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005.
15

1.2 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL

O Tribunal do Júri no Brasil foi instituído pelo Príncipe Regente D. Pedro com
o Decreto-Lei de 18 de junho de 1822, após um projeto de iniciativa do Senado do
estado do Rio de Janeiro, cuja proposta abordava a criação de um “juízo dos jurados”.
Inicialmente, o tribunal do povo no Brasil limitou sua competência ao julgamento dos
crimes de imprensa, composto por vinte e quatro juízes intitulados "juízes de fato”,
que eram homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas.
Contudo, os motivos que levaram à criação do sistema do júri não eram
exatamente democráticos, uma vez que afetavam de maneira significativa a liberdade
de imprensa. Segundo José Henrique Pierângeli (2004, p. 59-60)4, em sua obra
“Processo Penal, evolução histórica e legislativa”, na parte inicial do Decreto Lei de
18 de junho de 1822 constava o seguinte:

Havendo-se ponderado na Minha Real Presença, que Mandando Eu


convocar uma Assembléia-Geral Constituinte e Legislativa para o Reino do
Brasil, cumpria-Me necessariamente e pela suprema lei da salvação pública
evitar que ou pela imprensa, ou verbalmente, ou de outra qualquer maneira
propaguem e publiquem os inimigos da ordem e da tranqüilidade e da união
doutrinas incendiarias e subversivas, princípios desorganizadores e
dissociáveis; que promovendo a anarchia e a licença ataquem e destruam o
sistema, que os Povos deste grande e riquíssimo Reino, por sua própria
vontade escolheram, abraçaram e Me requereram, a que Eu Annui e
Proclamei, e a cuja defesa e mantença já agora elles e Eu estamos
indefectivelmente obrigados.

Posteriormente, em 1824, com a promulgação da Constituição, o instituto do


Júri foi inserido no capítulo relativo ao Poder Judiciário, no artigo 151, do 6º título 5,
sendo competente para julgar causas cíveis e criminais. Já nos termos do artigo 152
da Constituição Imperial (BRASIL, 1824)6, era determinado que os jurados se
pronunciassem sobre o fato e os juízes aplicassem a lei.
Dispõem os referidos artigos:

Art. 151. O Poder Judicial independente, e será composto de Juízes, e


Jurados, os quais terão logar assim no Civel, como no Crime nos casos, e
pelo modo, que os Códigos determinarem.

4
PIERÂNGELI, José Henrique. Processo penal, evolução histórica e legislativa. 2. ed. São Paulo:
IOB Thomson, 2004.
5
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 05 abr. 2023.
6
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 05 abr. 2023.
16

Art. 152. Os Jurados pronunciam sobre o facto, e os Juízes aplicam a Lei.

Com a Lei de 20 de setembro de 1830, que tratava sobre o abuso da liberdade


de imprensa, foram instituídos o “Júri de Acusação” e o “Júri de Julgação”. O “Júri de
Acusação” ocorria quando o promotor, as testemunhas e a parte acusada eram
ouvidas. Após isso, os “Juízes de Facto” se isolavam em uma sala e analisavam as
provas. Logo após o debate sobre o tema, retornavam e comunicavam ao Juiz de
Direito se houve ou não matéria para a acusação. Se houvesse a denúncia, iniciava-
se o “Júri de Julgação” que deveria seguir o disposto nos artigos 32 e 33 da Lei de 20
de setembro de 18307, que dispunham:

Art. 32. Achando-se a causa em estado de ser decidida, o Juiz de Direito,


resumindo com a maior clareza possível toda a matéria da accusação, e da
defeza, e as razões expendidas pró, e contra, proporá por escripto ao Jury as
seguintes questões.
1º Se no impresso (ou naquilo que fizer o objecto da denúncia) houve abuso?
2º Se o accusado é criminoso?
3º Se está comprehendido no artigo da Lei em que foi denunciado, ou em
outro, e em qual?
4º Em que gráo de pena tem incorrido?
5º Se houve reincidência (se disso se tratar).
6º Se há lugar à indemnização?

Art. 33. Retirando-se os Juizes de Facto a outra sala, conferenciarão sós, e a


portas fechadas, sobre cada uma das questões propostas, e o que fôr julgado
pela maioria absoluta, será escripto, assignado, e publicado, como no Jury
de accusação. Decidida a primeira questão negativamente, não se tratará
mais das outras (BRASIL, 1830).

Tendo o júri declarado o réu culpado, então cabia ao Juiz de Direito proferir a
sentença, caso contrário o magistrado absolveria o acusado.
Com o Código de Processo Criminal de 1ª Instância, promulgado em 29 de
novembro de 1832, foi conferido ao Tribunal do Júri uma ampla competência. O “Júri
de Acusação” passou a ser denominado também como “1º Conselho de Jurados” e a
eles competia a admissibilidade da acusação. Já o “Júri de Julgamento” passou a ser
chamado de “Júri de Sentença” ou de “2º Conselho de Jurados”, responsáveis pela
procedência da acusação formulada.
Em 1842, com Dom Pedro II no poder, entrou em vigor a Lei n° 261,
regulamentada pelo Decreto n° 120, de 31 de janeiro de 1842, que restringiu a ampla

7
BRASIL. Lei de 20 de setembro de 1830. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37987-20-setembro-1830-565654-
publicacaooriginal-89402-pl.html. Acesso em: 06 abr. 2023.
17

competência que havia sido conferida ao Júri. O “Júri de Acusação” foi extinto e sua
função passou a ser de competência da autoridade policial, assim como o Juiz de
Direito e o Chefe de Polícia ganhavam mais atribuições nas fases que procedem a
convocação do Júri, função que antes pertencia ao “Júri de Acusação”.
Tanto a Constituição de 1891 quanto a Constituição de 1934 mantiveram o
Júri como instituição soberana. Porém, a Constituição de 1937 manteve-se inerte
quanto ao instituto, fazendo com que os estudiosos entendessem que o Júri havia sido
extinto. Mas, em 05 de janeiro de 1938, com a edição do Decreto-Lei n° 167, a
instituição do Júri foi restabelecida, embora sem soberania.
A Constituição de 1946 reinseriu em seu texto o capítulo dos direitos e das
garantias individuais, estabelecendo em seu artigo 141, § 28 o seguinte:

§ 28 - É mantida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei,


contanto que seja sempre ímpar o número dos seus membros e garantido o
sigilo das votações, a plenitude da defesa do réu e a soberania dos
veredictos. Será obrigatoriamente da sua competência o julgamento dos
crimes dolosos contra a vida (BRASIL, 1946).

Na Constituição de 1967, a soberania e a competência do Júri contra os


crimes dolosos contra a vida foram mantidas, uma vez que muitos julgados
entenderam que não era possível compreender a instituição do Júri sem soberania.
Por fim, na Constituição de 1988, vigente até os dias atuais, a instituição do
Júri tem seu respaldo no artigo 5º, inciso XXXVIII, alíneas “a”, “b”, “c” e “d”8, nos
seguintes termos:

XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der


a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida;
(BRASIL, 1988).

Quanto ao seu procedimento no Brasil, a Lei n° 11.689, de 09 de junho de


20089 é a responsável por estabelecer os procedimentos que devem ser seguidos

8
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
9
BRASIL. Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de
outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.
Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2008.
18

para o funcionamento do Júri.


Composto por duas fases, o procedimento adotado pelo Júri é especial. A
primeira fase chamada judicium accusationis ou juízo de acusação, tem como objeto
a admissibilidade da acusação perante o Tribunal. Consiste em produção de provas
para apurar a existência de um crime doloso contra a vida. Essa fase se inicia com o
oferecimento da denúncia ou queixa-crime e se encerra com a prolação da sentença
de pronúncia, impronúncia, desclassificação ou absolvição sumária. Por sua vez, a
segunda fase conhecida como judicium causae ou juízo da causa, diz respeito ao
julgamento da acusação admitida na fase anterior. Se inicia com o trânsito em julgado
da sentença de pronúncia e se encerra com a sentença do Juiz Presidente do Tribunal
do Júri.
O Tribunal do Júri é composto por um juiz presidente e 25 (vinte e cinco)
jurados, dos quais 7 (sete) são sorteados para compor o Conselho de Sentença,
responsáveis por afirmar ou negar a existência do fato criminoso cometido pelo
acusado. O Juiz adverte os jurados sorteados que de não poderão se comunicar com
outras pessoas, nem manifestar sua opinião sobre o processo, sob pena de exclusão
do conselho. Posteriormente, é feito o juramento, no qual o juiz concita os jurados a
examinarem com imparcialidade a causa para que decidam de acordo com suas
consciências e com os ditames da Justiça. Assim, é o cidadão, sob juramento, quem
decide sobre o crime.
O julgamento é realizado pelo colegiado popular por meio de quesitos que
serão colocados em votação, que nada mais são do que perguntas que o juiz-
presidente faz aos jurados sobre o fato criminoso e demais circunstâncias essenciais
ao julgamento. Os jurados decidem sobre a matéria de fato e se o acusado deve ser
absolvido. Por fim, com base no que ficou decidido pelos jurados, o Juiz profere a
sentença e encerra a seção.
Dessa forma, como demonstrado neste capítulo, o surgimento do Tribunal do
Júri e sua evolução ao longo dos anos consolidaram-no como a instituição mais
democrática de aplicação dogmática, enfrentando vários ataques e restrições.
Atualmente, tendo completado seus 200 (duzentos) anos de existência no
Brasil no ano de 2022, o Tribunal do Júri firma-se em princípios, os quais serão
analisados no capítulo seguinte, sendo um poderoso instrumento do processo penal,
pois permite que o cidadão possa ser julgado por seus semelhantes e, principalmente,
assegura a participação popular de maneira direta nos julgamentos proferidos pelo
19

Poder Judiciário, reforçando seu caráter democrático perante a sociedade.

1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO TRIBUNAL DO JÚRI

O Tribunal do Júri, regulamentado na Constituição Federal de 1988 em seu


artigo 5º, inciso XXXVIII10, é um órgão do judiciário que possui suas características
próprias, sendo responsável pelo procedimento dos julgamentos dos crimes dolosos
contra a vida.
No referido artigo, a Constituição de 1988 estabelece os princípios
constitucionais necessários para o funcionamento do Tribunal do Júri, sendo eles: a)
plenitude de defesa; b) sigilo das votações; c) soberania dos veredictos; d)
competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida.
Nesse sentido, por tratarem de uma garantia constitucional de todo cidadão
brasileiro, os princípios constitucionais do júri não poderão ser reprimidos ou, sequer,
ameaçados, tendo em vista que visam garantir a imparcialidade, a participação
popular, a soberania das decisões e o melhor exercício desse instituto tão importante.

1.3.1 Princípio da Plenitude de Defesa

Antes de adentrar no mérito do princípio da plenitude de defesa, se faz


necessário discorrer sobre as diferenças entre este e o princípio da ampla defesa,
uma vez que ambos são considerados princípios constitucionais explícitos, pois
possuem previsão no art. 5° da Constituição Federal, e ambos estão positivados na
área do processo penal; entretanto, o constituinte fez questão de diferenciar esses
dois institutos.
Primeiramente, conforme a explicação de Guilherme de Souza Nucci (1999,
p. 140)11:

A razoável explicação para isso é que o constituinte fez questão de ressaltar


que, como regra geral, em qualquer processo judicial ou administrativo, tem
o acusado o direito à ampla defesa, produzindo provas em seu favor e
buscando demonstrar sua inocência, a fim de garantir o devido processo
legal, única forma de privar alguém de sua liberdade ou de seus bens. Mas,

10
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
11
NUCCI. Guilherme de Souza. Júri: Princípios Constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
20

no cenário do Júri, onde a oralidade é essencial e a imediatidade crucial, não


se pode conceber a instituição sem a plenitude de defesa. Portanto, apesar
de ser uma garantia de o acusado defender-se com aptidão, é característica
fundamental da instituição do júri que a defesa seja plena. Um tribunal
popular, onde se decide por íntima convicção, sem qualquer motivação, sem
a feição de ser uma tribuna livre, especialmente para o réu, não é uma
garantia individual, ao contrário, é um fardo dos mais terríveis.

O princípio da ampla defesa está presente no artigo 5º, inciso LV da


Constituição Federal de 198812, que dispõe: “aos litigantes, em processo judicial ou
administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla
defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 1988). Dessa forma, este
princípio corresponde a uma defesa jurídica mais técnica e objetiva, no intuito de
defender o acusado que está respondendo a uma ação criminal.
A ampla defesa divide-se em defesa técnica e autodefesa. A primeira é
indisponível e corresponde à defesa exercida por profissionais que possuem
capacidade postulatória, que exercem a função de defender, da melhor maneira
possível, os interesses do seu cliente no âmbito do processo criminal. Já a autodefesa
ocorre quando o próprio acusado realiza sua defesa nos momentos processuais em
que tem a possibilidade de se manifestar sem a presença de um defensor.
Por sua vez, o princípio da plenitude de defesa presente no art. 5°, inciso
XXXVIII, alínea “a” da Constituição Federal13, é abordado especificamente no rito do
Tribunal do Júri. Nesse rito, quem decide são os jurados mediante a sua íntima
convicção. Sendo assim, a defesa do acusado não fica restrita tão somente à defesa
técnica, sendo possível dispor de todos os meios de defesa estabelecidos em lei para
o convencimento do Júri.
Nesse sentido, Guilherme de Souza Nucci (2013, p. 31)14 leciona:

A expressão 'amplo' indica algo vasto, extenso, enquanto a expressão 'pleno'


significa algo completo, perfeito. A ampla defesa reclama uma abundante
atuação do defensor, ainda que não seja completa e perfeita. Contudo, a
plenitude de defesa exige uma integral atuação defensiva, valendo-se o
defensor de todos os instrumentos previstos em lei, evitando-se qualquer
forma de cerceamento.

12
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
13
Ibid.
14
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
21

Da mesma forma, Gustavo Badaró (2012, p. 465)15 explica:

Nos processos perante um juiz togado, com conhecimentos técnicos, a


defesa deve ser ampla, mas eventuais falhas ou equívocos do defensor
podem, muitas vezes, ser corrigidos pelo juiz, na busca da decisão mais justa
(p. ex: mesmo que não alegada, o juiz pode absolver o réu por legítima
defesa). Já no júri, por se tratar de um tribunal popular, em que os jurados
decidem mediante íntima convicção, com base em uma audiência
concentrada e oral, a defesa deve ser plena, isto é, “uma defesa acima da
média” ou “irretocável”. Por isso que o art. 497, V, do CPP prevê que o Juiz
pode considerar o réu indefeso e lhe nomear outro defensor.

Percebe-se que há diferença substancial entre os dois princípios citados,


porém, importante ressaltar que ambos possuem o escopo de assegurar ao acusado
o acesso aos instrumentos normativos hábeis ao exercício da defesa.
Adentrando-se ao princípio da plenitude de defesa no Tribunal do Júri, este
tem como principal função conscientizar os jurados que são os juízes de fato e
assegurar uma defesa irretocável ao acusado no júri.
No procedimento do júri, quem decide a causa são os sete jurados que
compõem o Conselho de Sentença, por maioria de votos, fazendo-o de modo sigiloso.
Estes jurados são leigos, que decidem a causa por sua íntima consciência, podendo
decidir o caso considerando seu bom senso e espírito crítico. Já o Juiz da Causa,
magistrado togado, que possui bacharel no curso de direito, ingressado na função por
meio de concurso público de provas e títulos, profere a sentença motivada com base
na decisão dos jurados. Por esse motivo, em plenário é necessário que as provas
sejam explicadas minuciosamente, pois os jurados são leigos e uma defesa apenas
regular pode colocar em risco a liberdade do acusado.
Em razão disso, a plenitude de defesa se faz necessária do Tribunal do Júri
para que o defensor do acusado possa utilizar-se de todos os argumentos lícitos a fim
de convencer os jurados, possibilitando ao advogado buscar maiores informações
sobre eles, não se limitando apenas às informações fornecidas na lista de jurados
sorteados apresentada às partes. Essa busca por mais dados e detalhes cruciais pode
influenciar na escolha dos jurados, destacando, assim, a importância do direito de
composição heterogênea do conselho de sentença. Ainda, é ideal que o júri seja
composto por pessoas de diversos segmentos da sociedade, para que se evite a
influência de uma classe social específica e, consequentemente, impedir que a justiça

15
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal – Série Universitária. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2012
22

do julgamento seja distorcida em favor de valores não compartilhados por todos os


segmentos sociais.
Dessa forma, no âmbito do Tribunal do Júri, a defesa do réu deve ser a mais
reforçada possível, a fim de que haja paridade de armas entre as partes, promovendo
o equilíbrio para ambos.
De acordo com Uadi Lammêgo Bulos (2000, p. 197)16, o exercício da plena
defesa manifesta-se da seguinte maneira:

Plenitude de defesa assenta-se na possibilidade de o acusado se opor ao que


contra ele se afirma. Trata-se de uma variante do princípio da ampla defesa
(art. 5º, LV). Significa que no processo penal requer-se defesa técnica
substancial do réu, ainda que revel (art. 261 do CPP), para que se verifique a
realização efetiva desse mandamento constitucional. Há também de ser
observado o art. 497, V, do Código de Processo Penal, que manda seja dado
defensor ao réu, quando o magistrado considerar indefeso. Demais disso, se
houver defesa desidiosa, insuficiente, tendenciosa, incorreta tecnicamente,
por parte do advogado do réu, o feito deve ser anulado e nomeado outro
defensor, sob pena de violação à plenitude de defesa, assegurada pela
Constituição de 1988. Desse modo, o princípio constitucional da ampla
defesa – é sobremodo vasto, repercutindo, sensivelmente, na situação
jurídica vivida pelo acusado.

Pode se observar que a aplicação desse princípio possui uma estreita relação
com o exercício do profissional encarregado a exercer uma defesa verdadeiramente
plena no Júri. Assim, se o advogado não possuir a devida preparação ou experiência
suficiente para apresentar de forma clara as teses defensivas aos jurados, o direito de
defesa do acusado não será plenamente exercido. Isso significa que o defensor
necessita, acima de tudo, ter habilidade para falar com o público durante a defesa em
plenário, a fim de articular e sustentar seus argumentos de forma lógica e convincente.
A aplicação do princípio da plenitude de defesa também é evidenciada quando
a defesa inova a tréplica, aumenta o rol de testemunhas, faz perguntas no
interrogatório do réu e na inquirição das testemunhas no plenário ou até mesmo
expande o tempo dos debates. Entretanto, é válido ressaltar que todo direito a ele
concedido, mesmo que esteja constitucionalmente previsto, possui limites que, se
forem ultrapassados, configuram abuso desse direito.

16
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000.
23

1.3.2 Princípio do Sigilo das Votações

Encontra-se previsto no artigo 5º, inciso XXXVIII, alínea “b” da Constituição


Federal17, o princípio do sigilo das votações, uma das principais garantias para se
proteger a livre manifestação do pensamento dos jurados que precisam proferir sua
decisão de modo consciente e com íntima convicção, permanecendo imunes a
quaisquer interferências externas e não podendo revelar suas posições e opiniões em
relação aos fatos até o término do julgamento quando ocorre a votação dos quesitos.
Considerando as características do Tribunal do Júri, este princípio, junto com
as determinações do Código de Processo Penal, asseguram a garantia de um
julgamento imparcial e justo. Para Aramis Nassif (2017, p. 29)18, a Constituição
assegura o sigilo de votações para preservar, com certeza, os jurados de qualquer
tipo de influência, ou, depois do julgamento, de eventuais represálias pela sua opção
ao responder os quesitos.
No momento da votação, após a instrução, os jurados reúnem-se em uma
sala secreta para decidirem o veredicto. Na falta de uma sala especial, a plateia
presente deverá ser retirada do plenário e somente permanecerão as pessoas
mencionadas no artigo 485 do Código de Processo Penal 19. Dispõe o referido artigo
em seu caput e parágrafos que:

Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados,
o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o
escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser
procedida a votação.
§ 1° Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se
retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste
artigo.
§ 2° O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer
intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará
retirar da sala quem se portar inconvenientemente.

Na explicação de Guilherme de Souza Nucci (2012, p. 106)20:

17
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
18
NASSIF, Aramis. O júri objetivo II. 1. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
19
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
20
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
24

[...] os jurados devem proferir o veredicto em votação situada em sala


especial, assegurando-lhes tranquilidade e possibilidade para reflexão, com
eventual consulta ao processo e perguntas ao magistrado. Estarão presentes
apenas as partes (embora, no caso do réu, representado por seu defensor) e
os funcionários da Justiça, sob a presidência do Juiz de Direito.

Este princípio também versa sobre a incomunicabilidade dos jurados, que


serão avisados pelo juiz togado sobre a proibição de comunicação entre eles sobre
assuntos relacionados ao processo, advertindo-os que, caso haja o descumprimento
dessa regra, haverá a exclusão do conselho e a aplicação de multa. A comunicação
entre eles só será permitida em relação às questões que não versem sobre o caso a
ser julgado.
Os jurados podem fazer perguntas nos momentos próprios ou solicitar
esclarecimentos sobre eventuais dúvidas que possam surgir no decorrer da instrução,
uma vez que a lei assegura que devem ser feitas todas as elucidações necessárias
dos fatos para favorecer uma votação segura.
Importante ressaltar que o princípio do sigilo das votações não é uma afronta
ao princípio da publicidade presente no art. 93, inciso IX da Constituição Federal, o
qual parte minoritária da doutrina utilizou para fundamentar que o voto dos jurados
deveria ser público. Isso porque o princípio do sigilo das votações diz respeito ao ato
de votar, e não ao resultado do voto que é divulgado na leitura da sentença feita pelo
juiz, sendo vedado apenas o conhecimento acerca do voto de cada um dos jurados,
para que eles decidam a causa com independência e imparcialidade, sem que haja
ameaças ou retaliações ao realizar a votação do veredicto.
Sendo assim, este princípio é uma garantia constitucional que tem como
objetivo permitir um julgamento consciente, sem medo, pressões ou
constrangimentos, complementado pela proibição de comunicação garantida pela lei
ordinária, evitando que os jurados sejam influenciados. Qualquer fator que possa,
indevidamente e ilegalmente influenciar a formação dessa convicção, será
considerada uma causa de invalidade do julgamento, anulando o Conselho de
Sentença.
25

1.3.3 Princípio da Soberania dos Veredictos

Conferida no art. 5º, inciso XXXVIII da Constituição Federal21, o princípio da


soberania dos veredictos é uma das características mais importantes do Tribunal do
Júri, que tem por objetivo manter a decisão dos jurados, conferindo caráter de
supremacia e independência para a decisão, não podendo ser alterada por ninguém,
nem mesmo pelo Supremo Tribunal Federal. Com isso, em grau de recurso, o Tribunal
não poderá substituir o veredicto dos jurados, condenando ou absolvendo o réu,
somente se a decisão for submetida a um novo julgamento pelo mesmo tribunal.
Entretanto, esse princípio não é absoluto e a própria lei estabelece limites a
ele, uma vez que permite a interposição de recursos para as decisões proferidas pelo
Tribunal do Júri, assim como não impede a revisão criminal.
O artigo 593, inciso III, letra d, do Código de Processo Penal22 estabelece os
casos especiais em que caberá recurso contra as decisões do Júri. Vejamos:

Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:


III - das decisões do Tribunal do Júri, quando:
a) ocorrer nulidade posterior à pronúncia;
b) for a sentença do juiz-presidente contrária à lei expressa ou à decisão dos
jurados;
c) houver erro ou injustiça no tocante à aplicação da pena ou da medida de
segurança;
d) for a decisão dos jurados manifestamente contrária à prova dos autos
(BRASIL, 1941).

Em atenção à possibilidade de revisão criminal, segundo o entendimento do


Supremo Tribunal Federal, a condenação penal definitiva imposta pelo júri é passível
de desconstituição por meio dela, o que significa que, nesses casos, não é legítimo
invocar a cláusula constitucional do princípio da soberania do veredicto do conselho
de sentença. Conforme ensina Vicente Greco Filho (1997, p. 456)23:

São revisíveis, também, sentenças proferidas pelo Tribunal do Júri, porque o


direito de liberdade e a necessidade de correção do erro judiciário prevalecem
sobre a soberania. Entre dois princípios constitucionais, prevalece o de maior
valor, no caso, a liberdade.

21
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
22
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
23
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
26

Isto posto, temos que o princípio da soberania dos veredictos é uma garantia
fundamental do ordenamento jurídico que visa resguardar a liberdade de convicção e
opinião dos jurados, reconhecendo a importância da participação popular no processo
de julgamento, acreditando que a decisão tomada pelos membros que formam o
Conselho de Sentença reflete a vontade coletiva e os valores sociais, tendo em vista
que eles decidem de acordo com a consciência e fazem um juramento em relação a
isso.
Todavia, como a soberania dos veredictos está relacionada somente às
matérias de fato e não às matérias de direito, uma vez que os jurados são leigos e
não conhecem o entendimento jurisprudencial predominante, estes não precisam
justificar suas decisões. Por isso, este princípio possui limitações, admitindo-se, em
casos específicos, um novo julgamento no qual o órgão responsável por avaliar o
mérito da acusação será novamente o Júri Popular.

1.3.4 Princípio da Competência para os Julgamentos dos Crimes Dolosos Contra a


Vida

É de competência do Tribunal do Júri os crimes dolosos contra a vida, sendo


eles: o homicídio (Art. 121 §§ 1º e 2º, CP), o infanticídio (art. 123, CP), induzimento,
instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122, p.ú., CP) e o aborto (art. 124 a 127, CP) 24.
Todos esses tutelam o bem jurídico supremo, ou seja, a vida humana, de onde surgem
todos os demais direitos de personalidade, por isso, caso esteja presente o elemento
subjetivo do dolo, direto ou eventual, na prática desses crimes, em suas modalidades
tentadas ou consumadas, a competência para o seu julgamento será do Júri Popular.
Vejamos a redação do artigo 74, parágrafo primeiro do Código de Processo
Penal25, que reafirma essa competência mínima do Júri:

Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de
organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts.
121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código
Penal, consumados ou tentados (BRASIL, 1941).

24
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
25
Idem.
27

Desse modo, entende-se que a Constituição não proibiu que a competência


em razão da matéria pudesse vir a ser regulada por lei ordinária, arrolando novas
infrações penais como de competência do Júri. Conforme explica Alexandre de
Moraes “a Constituição Federal prevê regra mínima e inafastável de competência do
Tribunal do Júri, não impedindo, contudo, que o legislador infraconstitucional lhe
atribua outras e diversas competências” (1998, p. 97)26.
Destaca-se que, por determinação do artigo 78, inciso I, do Código de
Processo Penal27, se houver conexão ou continência, diversos delitos que
originalmente seriam analisados por um juiz singular podem ser submetidos à
avaliação do Tribunal do Júri, ou seja, em casos de concurso entre crime doloso contra
a vida e outro que seja de competência do Juízo singular, ou de qualquer outro rito
especial, a competência do Tribunal do Júri prevalecerá sempre, ocorrendo a
chamada atração dos crimes conexos.

26
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
27
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
28

2 A MÍDIA E OS IMPACTOS NO TRIBUNAL DO JÚRI

Com o decorrer do tempo, cada vez mais a mídia vem causando impactos na
sociedade e, atualmente, com o imediatismo dos noticiários, os crimes chegam ao
conhecimento das pessoas quase no mesmo instante em que ocorrem, sendo a
própria mídia o principal meio responsável pela repercussão dos fatos.
Particularmente, a mídia tem como um dos seus principais focos noticiar e
divulgar fatos relacionados diretamente com o Poder Judiciário. Em especial, aos que
se referem aos crimes dolosos contra a vida, uma vez que estes têm uma grande
comoção popular, pois despertam curiosidade em toda população e, em muitos casos,
geram enorme indignação. Isso resulta em um aumento significativo do alcance e da
audiência dos meios de comunicação ao noticiar tais acontecimentos.
Ocorre que, na maioria das vezes, ao noticiar fatos criminosos, utilizando-se
de argumentos poderosamente convincentes, a mídia acaba por influenciar a opinião
pública, uma vez que seus espectadores, mesmo sem averiguar as fontes de
veracidade da matéria, formam sua convicção mediante o que lhes foi noticiado.
Isso possui um impacto que se relaciona diretamente ao instituto do Tribunal
do Júri, visto que quando a imprensa não cumpre seu papel de informar de forma
precisa, verídica e imparcial, ela pode causar danos significativos à sociedade e à
democracia. A partir disso, o modo como a mídia veicula esses noticiários podem levar
o réu, ainda em fase preliminar do processo, a ter sua condenação já declarada, além
de ferir a imparcialidade dos futuros jurados do caso.

2.1 RELAÇÃO ENTRE A MÍDIA E A (IM)PARCIALIDADE DOS JURADOS

O Tribunal do Júri pauta-se no exercício da cidadania e da democracia da


sociedade, estabelecendo que os cidadãos devem ser julgados pelos seus
semelhantes, contemplando, assim, a participação popular nos julgamentos dos
crimes de sua competência, ou seja, os crimes dolosos contra a vida. De acordo com
Mário Rocha Lopes (2008, p. 15)28:

O Tribunal do Júri é uma forma de exercício popular do poder judicial, daí

28
LOPES FILHO, Mário Rocha. O tribunal do júri e algumas variáveis potenciais de influência.
Porto Alegre: Núria Fabris, 2008.
29

derivando sua legitimidade, constituindo-se um mecanismo efetivo de


participação popular, ou seja, o exercício do poder emana diretamente do
povo, que tem como similar os institutos previstos na Constituição Federal.

Por sua vez, o conceito de mídia pode ser entendido como sendo um conjunto
de variados meios de comunicação com a finalidade de transmitir informações e
conteúdos diversos, abrangendo diferentes plataformas como revistas, televisão,
jornais, rádio e internet a fim de que se possa noticiar e levar ao conhecimento da
população os acontecimentos recentes mais importantes.
Atualmente, diversas notícias chegam ao público ditando regras e moldando
opiniões, isso porque a mídia, usando sua grande influência e aproveitando suas
liberdades, em nome do direito de informar tem preferência em noticiar aqueles crimes
que chocam e podem ser vendidos facilmente como matéria de grande repercussão
e comoção, em especial os que atentam contra o bem jurídico mais importante, ou
seja, a vida humana.
Com isso, a mídia exerce um papel significativo no processo penal, vez que é
a principal precursora da opinião pública nos tempos atuais e surge como elemento
de informação e conhecimento da sociedade em relação aos processos criminais.
Segundo Paulo Cesar Freitas (FREITAS, 2016, p. 150)29:

A mídia, como visto, exerce um papel preponderante na dinamização do


sistema penal pós-moderno. E parte desse papel consiste justamente em
disseminar a insegurança, explorando o fenômeno crime de forma a incutir
na crença popular um medo do crime que não necessariamente corresponde
à realidade da violência. A mídia reforça e dramatiza a experiência pública do
crime, colocando o fenômeno criminal na ordem do dia de qualquer cidadão.

Todavia, são nessas circunstâncias que surge o sensacionalismo da mídia,


desprezando o compromisso com a veracidade dos acontecimentos e utilizando-se
de uma linguagem mais popular. Assim, a atuação midiática sensacionalista e
apelativa pode influenciar decisões jurídicas dentro do plenário. Segundo Gregório
(2014)30 o modo como os crimes violentos são abordados pela mídia reflete
diretamente na segurança pública, construindo outra realidade, ocasionando medo

29
FREITAS, Paulo Cesar. Criminologia Midiática e Tribunal do Juri. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016.
30
GREGÓRIO, Joanderson Olímpio. A relação entre mídia e o crime: Um estudo bibliográfico sobre a
mídia, demonstrando como os noticiários retratam do crime violento e as consequências disso para
a Segurança Pública. C&D – Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v. 7, n. 1, p. 64,
jan./jun, 2014.
30

nas pessoas e até mesmo uma síndrome do pânico. Portanto, os meios de


comunicação, principalmente os televisivos, transformam a notícia em um verdadeiro
espetáculo, o que, embora seja uma tática eficaz para atrair audiência, é
inegavelmente prejudicial por diversos fatores.
Esse impacto da mídia na opinião pública interfere diretamente na
imparcialidade dos jurados que compõem o Conselho de Sentença, prejudicando sua
capacidade de formar uma convicção imparcial ao julgar um caso. O que justifica tal
acontecimento é o fato de que esses jurados são juízes leigos, cidadãos comuns, sem
conhecimento técnico da linguagem jurídica, que estão diretamente à mercê dessa
influência midiática e, do mesmo modo, sujeitos a se deixarem influenciar pela opinião
coletiva formada pela mídia sensacionalista.
Sabe-se que os jurados são os responsáveis por condenar ou absolver o réu
e sua função no Conselho de Sentença é soberana, não podendo ser prejudicada
pelos excessos da mídia. Ocorre que, principalmente em casos de grande
reverberação, os jurados já comparecem ao Tribunal com um conhecimento prévio
sobre o ocorrido e com suas opiniões formadas sobre o fato em si, uma vez que foram
influenciados anteriormente pelas notícias divulgadas pela mídia. Nesse sentido, é
inegável que esses aspectos possam afetar negativamente um julgamento imparcial.
Sobre o tema, explica Guilherme de Souza Nucci (2014, p. 131)31:

[...] eis porque é maléfica a atuação da imprensa na divulgação de casos sub


judice, especialmente na esfera criminal e, pior ainda, quando relacionados
ao Tribunal do Júri. Afinal, quando o jurado dirige-se ao fórum, convocado
para participar do julgamento de alguém, tomando ciência de se tratar de
“Fulano de Tal”, conhecido artista que matou a esposa e que já foi
“condenado” pela imprensa e, consequentemente, pela “opinião pública”,
qual isenção terá para apreciar as provas e dar o seu voto com liberdade e
fidelidade às provas?

Dessa forma, é imprescindível afirmar que a má influência da mídia tem


gerado graves efeitos nos julgamentos competentes ao Tribunal do Júri, no qual a
imparcialidade deveria ser primordialmente exercida. Nesses casos
desordenadamente explorados pela mídia, ao formar o conselho de sentença
dificilmente haverá um jurado que ainda não tenha um posicionamento pré-definido
que, apesar de ser uma opinião própria, teve como elementos formadores os meios

31
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.
31

de comunicação, que nem sempre condizem com a verdade real apresentada em


julgamento.
Na mesma linha de raciocínio, afirma Kléber Mendonça (2013, p. 377) 32:

Ocorre que, ultimamente, despir-se de preconceitos, pré-julgamentos e


experiências anteriores tem sido um desafio diante dos noticiários apelativos
transmitidos pela mídia sobre os crimes dolosos contra a vida. Sendo as
pessoas do povo - em sua grande maioria pessoas pouco esclarecidas, alvos
dos meios de comunicação em massa - quem decidirão sobre a liberdade de
seus semelhantes nos casos em que há decisão pelo Júri Popular, toda a
informação vendida pela mídia pode influenciar sobremaneira a decisão do
jurado, fazendo-o agir muito mais com a emoção e com os pré-conceitos
disseminados pelos veículos de comunicação do que com a razão e
imparcialidade na avaliação das informações que lhes são passadas durante
o julgamento.

Para alguns doutrinadores, a mídia e sua influência atuam sobre o processo


penal de duas formas: direta e indiretamente. Em um primeiro momento, a mídia atua
de maneira indireta, por meio do chamado “marketing do terror”, expressão utilizada
pelo autor Francisco Paulo de Melo Neto para referir-se a divulgação excessiva dos
crimes e violências, sabendo ser esse um ponto que suscita interesse do público, uma
vez que, diariamente, os noticiários buscam divulgar as mais variadas ações
criminosas, da forma mais trágica possível, causando na população uma cultura do
medo, em razão do grande poder que a mídia exerce sobre a sociedade, seja positiva
ou negativamente. Segundo o referido autor:

Em linhas gerais, sustenta o mencionado autor que terroristas se utilizam dos


veículos de comunicação para introduzir no imaginário e consciência das
pessoas imagens de medo e pavor, produzindo, deste modo, ansiedade e
insegurança. Relata ainda que tal processo se inicia com a revolta, passando
pela surpresa, a consternação, pelo medo e, por fim, pelo pânico e desejo de
vingança (MELO NETO, 2013, p. 83-84)33.

Ainda, em um segundo momento, de modo direto, a influência da mídia


se dá por meio da formação da opinião pública pré-concebida em relação aos
envolvidos no crime doloso perpetrado contra a vida. Conforme já mencionado, a
maneira como a mídia divulga e teatraliza os fatos faz com que o público-alvo absorva
aquela notícia de forma rápida e emotiva, impulsionando a crença naquilo que lhe foi
narrado. Isso afeta o julgamento dos delitos de competência do júri popular devido ao

32
MENDONÇA, Kléber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quarter, 2013.
33
MELO NETO, Francisco Paulo de. Marketing do terror. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
32

investigado sofrer uma pré-execução sem qualquer chance de defesa, ou seja, antes
mesmo do seu julgamento, o réu já é considerado culpado e condenado perante a
sociedade, independentemente das provas apresentadas durante a sessão do Júri.
Segundo a esclarecedora análise do autor Rogério Lauria Tucci (1999, p. 15):

Indubitável é que a pressão da mídia produz efeitos perante o juiz togado, o


qual se sente pressionado pela ordem pública. Por outro lado, de maior
amplitude é este efeito sobre o júri popular, que possui estreita relação com
a opinião pública construída pela campanha midiática. É óbvio, pois, que isto
faz com que a independência do julgador se dissipe, não podendo este
realizar um julgamento livre por estar diante de uma verdadeira coação.
“Levar um réu a julgamento no auge de uma campanha de mídia é levá-lo a
um linchamento, em que os ritos e fórmulas processuais são apenas a
aparência da justiça, se encobrindo os mecanismos cruéis de uma execução
sumária”.

Diante disso, a problemática existente entre a influência da mídia e a


imparcialidade dos jurados está cada vez mais presente nos julgamentos,
principalmente nos casos em que são repercutidos em todo o território nacional. A
forma como os veículos de comunicação vende os noticiários propaga na população
um verdadeiro medo e uma motivação de se fazer justiça a todo custo, independente
das informações divulgadas serem verdadeiras, distorcidas ou abusivas.
Por conseguinte, no âmbito do Tribunal do Júri, onde o réu é julgado por seus
pares, pelos membros que formam o Conselho de Sentença, que são pessoas leigas
da sociedade, estes tendem a decidir favoráveis à condenação, ainda que as provas
processuais não sejam suficientes para embasar a decisão, pois, motivados pela
emoção e com um conhecimento sobre o caso já estabelecido, é impossível dizer que
a condenação já não está gravada no subconsciente dos jurados.
Dessa forma, a influência da mídia sobre os jurados acaba ferindo princípios
e garantias fundamentais do Processo Penal, principalmente no que se trata o
princípio da presunção da inocência, podendo, assim, prejudicar o réu em razão da
alienação que a mídia exerce sobre a sociedade. Portanto, é imprescindível
estabelecer limites claros para os meios de comunicação, a fim de evitar a propagação
de informações superficiais e sensacionalistas, prevenindo assim condenações
exageradas influenciadas pelo clamor público.
33

2.2 LIBERDADE DE IMPRENSA X PRESUNÇÃO DA INOCÊNCIA

Em primeiro lugar, antes de adentrar nesse conflito entre a Liberdade da


Imprensa e o princípio da presunção da inocência, é necessária uma boa
compreensão acerca desse princípio.
O princípio da presunção de inocência é considerado uma das bases
garantidoras dentro do Direito Processual Penal, sendo um mecanismo de controle da
atuação estatal que visa a tutela da liberdade individual. Tal princípio é um direito
fundamental, presente no art. 5º, inciso LVII da Constituição Federal de 1988, que
preceitua que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de
sentença penal condenatória” (BRASIL, 1988).
Esse princípio é uma proteção ao indivíduo contra o jus puniendi do Estado,
uma vez que, para exercer seu direito de punir, o ente estatal deve comprovar a culpa
do acusado. Caso não consiga fazer isso, nenhuma sanção poderá ser imposta, já
que se presume a inocência do acusado.
Conforme Gilson Bonato (2003, p. 126-127)34, a essência da presunção de
inocência é esclarecida da seguinte maneira:

Insta salientar que o princípio possui um inegável conteúdo ideológico, pois


procura expressar inicialmente a vontade do legislador, qual seja, garantir a
posição de liberdade do acusado em confronto com o interesse coletivo à
repressão penal. Além disso, o princípio visa informar todo o processo penal
e respeitar valores inerentes à dignidade da pessoa humana. Nenhum
acusado pode receber tratamento que o equipare ao condenado. É
importante ressaltar que ninguém poderá ser considerado nem tratado como
culpado senão por uma sentença que o considere como tal, sob pena de se
efetivar uma punição anterior ao juízo de culpabilidade.

Desse modo, o indivíduo deve ser considerado inocente enquanto um tribunal


não se convence, através dos meios de prova legal, de sua participação e
responsabilidade nos fatos puníveis, o que será determinado em uma sentença
fundamentada após um devido processo legal e justo, onde é garantido o contraditório
e a ampla defesa, evitando danos a pessoas inocentes mediante a violação de seus
direitos fundamentais.
Por outro lado, assim como a presunção da inocência, a liberdade de
expressão, que inclui a liberdade de imprensa, também é um princípio constitucional.

34
BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
34

Além disso, ambos são direitos e garantias fundamentais, que merecem uma proteção
especial do ordenamento jurídico para prevenir eventuais abusos por parte do Estado.
Assim, a liberdade de imprensa encontra-se respaldada no art. 5° da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seus incisos IV, “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato” e inciso IX “é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou
licença”. Ainda na Constituição, em seu art. 22035, dispõe que “a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".
Para o autor Álvaro Júnior Rodrigues (2009, p.59)36, a liberdade de expressão:

[...] não está na faculdade de alguém ter opiniões (ou pensamentos) que lhe
pareçam convenientes (sem chegar a expressar ou divulgá-las), mas sim, na
possibilidade de exteriorizá-las, de poder manifestá-las e transmiti-las a
outras pessoas e muito especialmente àquelas que podem ter ponto de vista
diferente.

Contudo, há um verdadeiro confronto entre o princípio da liberdade da


imprensa e o princípio da presunção da inocência. Mesmo que a Constituição Federal
determine que a informação veiculada não poderá ser censurada ou sofrer quaisquer
restrições, insta salientar que o exercício da liberdade de imprensa deve observar o
cumprimento de determinados deveres, uma vez que, quando a imprensa atua de
maneira exacerbada, acaba ferindo a ordem constitucional.
Dessa forma, para que a liberdade de imprensa seja exercida de maneira
correta, a informação propagada pela mídia deve ser imparcial, objetiva, sem alterar
o conteúdo ou modificar a verdade. Como o direito à informação é coletivo, os meios
de comunicação devem informar as pessoas sobre o que está ocorrendo na
sociedade, para possibilitar a autodeterminação do indivíduo, sempre respeitando a
dignidade da pessoa humana e a transmissão correta dos fatos.
É de conhecimento geral que a mídia exerce influência sobre diversos setores
da sociedade, principalmente na área do direito processual penal. Ocorre que com o
passar do tempo, tendo como principal foco o lucro, a mídia passou a noticiar os fatos

35
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
36
RODRIGUES, Álvaro Junior. Liberdade de Expressão e Liberdade de Informação. Curitiba: Juruá,
2009.
35

criminosos de maneira sensacionalista, fazendo uso de artifícios para chocar o


telespectador. Isso acaba por criar um sentimento de injustiça, induzindo o público a
pensar que aquele indivíduo que está sendo acusado é verdadeiramente culpado,
descartando toda a legislação penal e processual brasileira, bem como diversos
princípios fundamentais.
Logo, essa condenação antecipada do cidadão envolvido na prática de um
delito incitada pela mídia, tem uma consequência direta nos crimes de competência
do Tribunal do Júri. Isso porque a mídia é capaz de moldar a opinião pública a ponto
de comprometer a presunção de inocência de um suspeito ou acusado, levando-o a
ser julgado e sentenciado pelo povo mesmo antes que a decisão penal seja transitada
em julgado.
Segundo Aury Lopes Júnior (2012, p. 778)37:

[...] a presunção de inocência exige uma proteção contra a publicidade


abusiva e a estigmatização (precoce) do réu. Significa dizer que a presunção
da inocência (e também as garantias constitucionais da imagem, dignidade e
privacidade) deve ser utilizada como verdadeiro limite democrático à abusiva
exploração midiática em torno do fato criminoso e do próprio processo
judicial. O bizarro espetáculo montado pelo julgamento midiático deve ser
coibido pela eficácia da presunção de inocência.

Com isso, quando a mídia atua de maneira equivocada, especialmente


quando se trata de cobertura de crimes, tendo como alvo o suspeito do delito, acaba
noticiando o fato de modo infiel à realidade processual, indo contra ao que está sendo
investigado no inquérito. Assim, há o desrespeito com a presunção de inocência, a
ampla defesa e o contraditório. Diante desta realidade, o jurado nem sempre
conseguirá se manter imparcial frente às influências às quais foi submetido antes
mesmo do próprio julgamento.
Dessa maneira, a liberdade de imprensa não é e nem pode ser vista como um
princípio de caráter absoluto, irrefutável, tendo em vista que a mídia não possui o
poder de punir qualquer pessoa e, portanto, não deve utilizar meios cruéis, como a
divulgação de notícias sensacionalistas, tendenciosas e parciais para ferir direitos e
garantias fundamentais, que podem gerar consequências duradouras e prejudicar a
vida daquele indivíduo.
Assim, o conflito entre o princípio da liberdade da imprensa e o princípio da

37
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
36

presunção da inocência não tem como obstáculo a prestação de informações,


inclusive a publicidade é um dos princípios que devem ser observados no
procedimento do Tribunal do Júri, assim como o devido processo legal, a presunção
da inocência, a ampla defesa, o contraditório e a liberdade de expressão, que são
direitos constitucionais. O problema surge quando a liberdade de imprensa extrapola
o seu direito, causando lesão às garantias constitucionais daquele indivíduo que está
sendo julgado, sendo ele a parte mais fraca no rito do Júri.
Posto isso, a mídia deve sempre se nortear de acordo com o valor da
dignidade da pessoa humana, para que os jurados permaneçam imparciais e atuem
com democracia, cientes de sua responsabilidade perante o Tribunal do Júri, evitando
lesionar qualquer princípio constitucional.

2.3 REDUÇÃO DAS DESVANTAGENS TRAZIDAS PELA INFLUÊNCIA DA MÍDIA

Conforme demonstrado nos tópicos anteriores, são inúmeras as


desvantagens trazidas pela influência da mídia no contexto do Tribunal do Júri. Isso
porque os jurados que formam o conselho de sentença não possuem as prerrogativas
dos juízes togados, as quais garantiriam, teoricamente, um desempenho mais
imparcial e independente. Ainda, as decisões dos jurados não são motivadas,
tornando, assim, quase impossível verificar se houve ou não uma influência da mídia
na determinada decisão. Por fim, os jurados possuem um contato superficial com as
provas dos autos, tendo em vista que eles apenas conhecem o que lhes é mostrado
por meio das peças processuais que são entregues, dos depoimentos das
testemunhas, do interrogatório do acusado e dos debates.
Muitas vezes a mídia ultrapassa os limites éticos por meio de excessivas
intervenções, desrespeitando os direitos individuais e constitucionais, causando o
conflito entre a liberdade de imprensa e a presunção da inocência, tendo em vista que
essas informações distorcidas são amplamente divulgadas, influenciando a opinião
pública e individual de forma inadequada, não se importando com direitos e garantias
fundamentais.
Fato é que a exorbitante transmissão das informações e a atuação despótica
da imprensa ultrapassam os limites da moral e acabam por interferir diretamente nos
casos de grande repercussão, prejudicando a imparcialidade daqueles que serão
37

julgados pelo plenário do Júri. Em relação a essa publicidade dos julgamentos pelo
Tribunal Popular, Guilherme de Souza Nucci (2019, p. 994)38 afirma:

Importantes princípios constitucionais entram em conflito aparente, quando


se coloca em debate a viabilidade – ou mesmo necessidade – de se transmitir
o julgamento em plenário, ao vivo, por meio das redes de comunicação (TV,
rádio, internet). Seria uma garantia ao acusado de que o julgamento se dará
de maneira justa? Em especial, nos casos de grande repercussão. Seria, ao
contrário, uma ingrata exposição de sua imagem, lesando a dignidade da
pessoa humana? Pode-se argumentar com o princípio da publicidade,
sustentando ser ele o responsável pela democratização do Judiciário há
séculos, pois, quanto mais evidente, claro e aberto, maiores seriam as
chances de equilíbrio e imparcialidade. Sob outro aspecto, discutível e
relativo, por certo é o grau de alcance da publicidade. Afinal, abrir as portas
da sala de julgamento, permitindo o acesso de qualquer pessoa do povo já
representa, nos tribunais em geral, a efetividade da publicidade. A
transmissão do julgamento, em cadeia de rádio, televisão e internet, poderia
comprometer seriamente a reputação do acusado, além de expor a imagem
das testemunhas e, sobretudo, se houver, da vítima. Os princípios
constitucionais não são absolutos; dependem de interpretação conciliatória
para que haja harmonização entre todos. Em face disso, a dignidade humana,
confrontando com a publicidade, demanda um julgamento aberto, mas não
televisionado ou espalhado, como se fosse um evento público de
divertimento. O Tribunal do Júri, embora composto por juízes leigos, é órgão
do Poder Judiciário, evidenciado ser uma corte séria, formal e imparcial por
natureza. A transmissão ao vivo termina por gerar um clima perturbador e um
ambiente de torcida, como se fosse um jogo de interesses, cuja maior pressão
fosse capaz de vencer. Em nada enaltece o princípio da publicidade, nem
mesmo colabora para garantir a justa solução da causa. Por isso, deve-se
garantir o acesso das pessoas interessadas em acompanhar o julgamento,
que se faz, como regra, a portas abertas, inclusive com o seguimento da
imprensa, mas sem transformá-lo num evento de mídia.

Em virtude disso, é imprescindível que haja alguma alternativa para reduzir as


desvantagens que podem ocorrer por consequência dessa influência midiática.

2.3.1 Possíveis Soluções para o Conflito de Princípios

A solução para estes conflitos de normas principiológicas deve ser buscada


com base na realidade concreta, visto que não há direito ou liberdade fundamental
absoluta, ou seja, não pode haver hierarquia entre eles. Portanto, deve ser feita uma
análise do caso concreto para sopesar qual dos princípios em conflito deve prevalecer
e qual deles deve recuar.
Dessa forma, sempre que há um confronto entre direitos constitucionais, um
acaba condicionando o outro, atuando com limites estabelecidos pela própria lei maior

38
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Forense, 2019.
38

para evitar excessos e arbítrios.


Sabe-se que os meios de comunicação não podem utilizar-se da prerrogativa
da liberdade de informação jornalística, que lhe é garantida pela Constituição Federal,
para divulgar notícias que ofendem a outras liberdades igualmente garantidas, tais
como a intimidade, a vida privada e a presunção de inocência. Isso porque, no âmbito
do Tribunal do Júri, quando um acusado vê sua imagem, reputação, honra e vida
privada devastadas em nome do direito à informação, surge esse conflito.
Assim, se o princípio da livre expressão da atividade intelectual e de
comunicação por meio da imprensa contrapõe-se ao princípio da presunção da
inocência, da inviolabilidade da vida, da honra e da imagem, segue-se como
consequência lógica que os últimos princípios restringem o exercício do primeiro.
Nos ensinamentos de Márcio Thomaz Bastos (1999, p. 103)39:

embora não se deva atribuir primazia absoluta a um ou a outro princípio ou


direito, no processo de ponderação desenvolvido para a solução do conflito o
direito de noticiar há de ceder espaço sempre que o seu exercício importar
sacrifício da intimidade, da honra e da imagem das pessoas.

Para a doutrina e a jurisprudência majoritária, quando ocorre uma colisão


entre direitos fundamentais, a solução está na aplicação do princípio da
proporcionalidade; isso porque, no caso concreto, o julgador irá decidir qual o direito
fundamental que prevalecerá, levando em consideração o peso dos princípios e os
valores ou bens protegidos. Para o autor Sérgio Cavalleri Filho (2007) 40, eventuais
conflitos podem ser resolvidos por meio da aplicação do princípio da
proporcionalidade, o qual preserva a liberdade de informação, porém, de forma
limitada para assegurar o respeito à dignidade da pessoa.
A ponderação é uma técnica jurídica aplicável a essas situações em que
princípios da mesma hierarquia entram em conflito. Diante da colisão entre o interesse
na informação e a presunção de inocência em relação a um suposto infrator da lei
penal, o caso concreto determinará qual desses princípios deve prevalecer, mas sem
que um seja sacrificado em detrimento do outro.
Nesse contexto, no atual Estado Democrático de Direito, da mesma forma em

39
BASTOS, Márcio Thomaz. Júri e mídia. In: Tribunal do júri: Estudo sobre a mais democrática
instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 103.
40
CAVALERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo:
2007.
39

que se garante o direito à informação, o direito à presunção da inocência também


deve ser protegido. Dentro dessa ótica, a Constituição Federal desempenha um papel
fundamental para estabelecer que o acusado seja considerado inocente, até que haja
uma sentença penal condenatória transitada em julgado, conforme estabelecido no
art 5º, inciso LVII da CF41.
Com isso, a liberdade de expressão da imprensa deverá ceder às garantias
do direito de presunção de inocência, visto que jamais seria coerente que uma
liberdade de expressão sem limites prevaleça sobre os impactos prejudiciais
resultantes do conflito com justos direitos garantidos de proteção e dignidade
conferidos ao acusado do processo.
Com a finalidade de impedir a colisão dos princípios mencionados, deve-se
fazer um esforço organizado e orientado para elevar o nível educacional e cultural da
sociedade como um todo. Isso poderia reduzir o interesse do público pelo
sensacionalismo explorado pela mídia, levando a imprensa a diminuir ou até mesmo
eliminar essa prática. Uma outra opção seria a criação de mecanismos legais que
viabilizassem restringir noticiários que eventualmente pudessem atingir bens jurídicos
fundamentais, evitando que terceiros fossem prejudicados.

41
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
40

3 ANÁLISE DO CASO BOATE KISS

Na noite de 27 de janeiro de 2013, na cidade de Santa Maria, no estado do


Rio Grande do Sul, ocorreu na Boate Kiss o segundo maior incêndio na história do
Brasil em número de vítimas fatais.
Nesse dia, a casa noturna sediava uma festa universitária chamada
“Agromerados”, organizada por estudantes de seis cursos técnicos e universitários da
Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Duas bandas estavam programadas
para se apresentarem durante a noite e a estimativa era de um público de mil pessoas,
sendo a maioria estudantes.
Ocorre que, durante a apresentação do show da banda Gurizada
Fandangueira, a segunda banda a se apresentar naquela noite, o vocalista utilizou um
sinalizador de uso externo. O instrumento pirotécnico soltou faíscas que atingiram a
espuma que revestia o teto do estabelecimento, que imediatamente pegou fogo e, em
cerca de três minutos, uma fumaça espessa se alastrou por todo o local, juntamente
com as chamas, ocasionando a morte de 242 (duzentas e quarenta e duas) pessoas
e deixando 636 (seiscentos e trinta e seis) sobreviventes feridos.
Foi constatado, na apuração dos fatos, que a banda Gurizada Fandangueira
utilizou um modelo de fogo de artifício contraindicado para uso em ambientes
fechados. O palco do estabelecimento era de madeira e cercado por cortinas,
enquanto o teto era revestido por uma espuma que, de acordo com a investigação,
continha material altamente inflamável. Ainda, na data dos fatos, constatou-se que a
boate estava superlotada e, quando as chamas começaram a se espalhar, verificou-
se a falta de iluminação de emergência adequada, além de que os seguranças
estavam impedindo a saída do público, em razão da orientação para evitar que
pessoas saíssem sem pagar a comanda de consumo.
No dia seguinte à tragédia, foi decretada a prisão temporária dos sócios da
boate, Mauro Londero Hoffmann e Elissandro Callegaro Sphor, conhecido como
“Kiko”, sendo ele o proprietário da boate e responsável por ela, e dos músicos da
banda, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos.
Após alguns meses, em 01 de março de 2013, a prisão preventiva dos sócios
e dos membros da banda foi decretada, com base na necessidade de garantir a ordem
pública e conveniência da instrução criminal. No entanto, essa medida foi revogada
em 29 de maio de 2013 pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande
41

do Sul (TJRS), devido ao habeas corpus impetrado pela defesa do músico Marcelo de
Jesus dos Santos.
Em abril daquele ano, o Ministério Público do Rio Grande do Sul formalizou a
denúncia por homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual,
qualificado por fogo, asfixia e torpeza, contra os sócios-proprietários da Boate Kiss,
Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista do grupo musical
Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor e auxiliar de palco Luciano Augusto Bonilha
Leão. Ainda, o parquet denunciou os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan
Severo Berleze, e os ex-sócios da casa noturna Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor
Panzer, por fraude processual e falso testemunho.
Segundo o órgão ministerial, os sócios concorreram para o crime ao
instalarem uma espuma altamente inflamável, sem indicação técnica, nas paredes e
no teto do estabelecimento. Além disso, os mesmos contrataram um show que sabiam
envolver fogos de artifício e mantiveram a boate superlotada, sem condições
adequadas de saída e segurança, bem como não possuíam uma equipe com
treinamento obrigatório. Ademais, o Ministério Público também os indiciou pela ordem
dada aos seguranças, os quais impediram a saída das pessoas do estabelecimento
sem o pagamento das comandas de consumo, assumindo o risco de matar.
Conforme o seguinte trecho da denúncia42:

As vítimas foram surpreendidas pelo fogo em seu momento de diversão, sem


saber que estavam dentro de um verdadeiro “labirinto”, pois a boate dispunha
de uma única porta, não apresentava saída adequada ou sinalização de
emergência, sendo que a disposição das paredes e das grades supostamente
orientadoras de fluxo formaram “bretes” que inviabilizaram a evacuação,
ficando as vítimas sem saber para onde fugir, muitas delas acabando por
ingressar em um dos banheiros, de onde não puderam escapar, por confundi-
lo com uma possível saída.

Em contrapartida, conforme a acusação do parquet, os integrantes da banda,


Luciano e Marcelo, concorreram para a produção do resultado ao acionarem fogos de
artifício identificados como “Chuva de Prata” dentro de um estabelecimento fechado,
cientes de que eles eram destinados exclusivamente para uso em ambientes
externos. Eles direcionaram o artefato pirotécnico, aceso, para o teto da boate, o que

42
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Denúncia. Inquérito Policial nº
027/2.13.0000696-7. Santa Maria, 02 abr. 2013. Disponível em:
http://www.mprs.mp.br/areas/imprensa/arquivos/boate_kiss/denunciaprincipal.pdf. Acesso em: 31
ago. 2022.
42

deu início a queima do revestimento inflamável que cobria o local. Ainda, de acordo
com a denúncia, os acusados deixaram a boate sem alertar o público sobre o incêndio
e a necessidade de evacuação, mesmo tendo acesso fácil ao microfone e ao sistema
de som, assumindo, assim, o risco de causar a morte das pessoas que ali estavam.
Em 27 de julho de 2016, três anos após o oferecimento da denúncia, a Justiça
de Santa Maria acolheu integralmente a denúncia do Ministério Público do Rio Grande
do Sul (MPRS), proferindo a sentença de pronúncia e determinando que os réus
Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos
e Luciano Augusto Bonilha Leão, acusados de serem os responsáveis pela tragédia
na Boate Kiss, fossem julgados pelo Tribunal do Júri.
De acordo com o magistrado prolator da sentença, Doutor Ulysses Fonseca
Louzada (2016)43:

A sociedade exige, tem interesse que seja obtida uma prestação jurisdicional
eficiente, rápida, para que possa ser esclarecido o que realmente aconteceu
no palco dos acontecimentos, e o Poder Judiciário tem essa função/dever e
de maneira efetiva, porque no processo penal, ao lado das liberdades e
demais garantias do acusado (o que é irrefutável), devem ser protegidos
outros bens jurídicos (também tutelados) fundamentais para a sociedade,
mormente uma tutela jurisdicional efetiva.

Portanto, ao entender que houve dolo eventual e, seguindo o princípio do in


dubio pro societate, de modo que, a dúvida acerca da autoria delitiva deve ser dirimida
em favor da sociedade, ou seja, admitindo-se a acusação, determinou-se que os fatos
criminosos fossem julgados perante o Tribunal do Júri.

3.1 DESAFORAMENTO: CONCEITO E HIPÓTESES DE CABIMENTO

O instituto de desaforamento, previsto nos artigos 427 e 428 do CPP, é


característico e excepcional do Tribunal do Júri e consiste em uma decisão
jurisdicional que modifica a competência territorial do julgamento, inicialmente prevista
de acordo com o art. 70 do Código de Processo Penal. Portanto, é por meio da
concessão do desaforamento que o réu, por motivos os quais a lei estabelece, será

43
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Decisão de Pronúncia - Processo nº 0023844-
82.2013.8.21.0027. 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria/RS. Juiz de Direito: Dr. Ulysses
Fonseca Louzada. J. em 27 jul. 2016. DJE 28 jul. 2016. Disponível em:
http://www.mprs.mp.br/areas/imprensa/arquivos/boate_kiss/sentencapronunciajuri.odt. Acesso em:
31 ago. 2022.
43

julgado em um foro diverso daquele em que o crime ocorreu, a fim de que nesse foro
seja realizada a sessão do Júri.
Outrossim, é importante destacar que o pedido de desaforamento é restrito à
segunda fase do júri (judicium causae), portanto, o momento cabível para fazer o
pedido de desaforamento é após o trânsito em julgado dos recursos, ou seja, depois
do fim da primeira fase (judicium accusationis).
Nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal, estão previstas as
hipóteses de cabimento do desaforamento, que poderá ocorrer quando houver
interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade dos jurados ou dúvida
sobre a segurança do acusado. Ainda, o desaforamento também poderá ser
determinado se for comprovado excesso de serviço ou nos casos em que o julgamento
não ocorrer no prazo de 6 (seis) meses do trânsito em julgado da decisão de
pronúncia. Surge essa necessidade diante da assertiva de que o Poder Judiciário,
além de cumprir o devido processo legal, deve também assegurar a efetivação da
Justiça de forma célere e eficiente, para que se concretize o princípio da razoável
duração do processo.
Importante ressaltar que, em regra, o réu deve ser julgado no lugar em que,
supostamente, cometeu o delito cuja prática lhe foi imputada. Portanto, o
desaforamento é uma medida extrema, de caráter excepcional, por isso, não ofende
o princípio do juiz natural. Nas palavras de Guilherme Souza Nucci (2009, p. 773-
774)44:

Não há ofensa ao princípio do juiz natural, porque é medida excepcional,


prevista em lei, é válida, portanto, para todos os réus. Aliás, sendo o referido
princípio uma garantia à existência do juiz imparcial, o desaforamento se
presta justamente a sustentar essa imparcialidade, bem como a garantir
outros importantes direitos constitucionais (como a integridade física do réu e
a celeridade no julgamento).

Isto posto, para assegurar a livre manifestação dos jurados, é imprescindível


que o julgamento seja conduzido com serenidade e ocorra em um ambiente imune de
influências externas. Caso haja indícios de que os jurados possam estar hesitantes
quanto à sua imparcialidade ou ocorra situações em que a manutenção do Júri no
local em que perpetrado o delito acarreta um grande risco à vida ou à incolumidade

44
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 9. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
44

física do réu, torna-se necessário o desaforamento, podendo ser solicitado pelas


partes ou determinado de ofício pelo juiz.
No entanto, comprovar a falta de imparcialidade dos jurados não é uma tarefa
fácil, em detrimento às provas que, normalmente, são frágeis e não poderão ser
presumidas. O autor Walfredo da Cunha Campos (2015, p. 427)45 explica que:

Meras conjecturas em tal sentido, pelo puro e simples fato de ter havido
estrépito pela imprensa, não justificam a medida, até porque todos os dias,
literalmente, há pelo menos um escândalo policial na televisão, em
programas policialescos, não se podendo concluir que todo e qualquer
cidadão que o assistiu tornou-se parcial.

Logo, o desaforamento só poderá ser aplicado se for pautado em dados


objetivos e em provas explícitas que demonstrem claramente que a imparcialidade do
Conselho de Sentença foi afetada, o que comprometeria um julgamento justo ao
acusado. Portanto, deverá ser deferido somente quando houver prova inequívoca de
que ocorreu qualquer um dos pressupostos taxativamente referidos no art. 427 do
Código de Processo Penal.
Um conflito surge nos casos em que há uma grande repercussão sobre
determinado crime, em razão do excesso de visibilidade e exploração dos meios de
comunicação. Essa situação pode acarretar um desequilíbrio no jurado, condenando
ou absolvendo o réu muito antes de ser julgado, pois, ao ter contato com informações
minuciosas que foram expostas pela mídia, mesmo que não intencionalmente, aquele
indivíduo que poderá ser um futuro jurado, acaba formando determinado juízo em
relação aquilo que ele ouviu ou assistiu nas mídias.
Ocorre que, o desaforamento não pode ser provocado simplesmente em
razão dos efeitos midiáticos do crime. Isso porque, em determinados casos de grande
repercussão, há uma enorme cobertura jornalística e todos os detalhes do ocorrido
são amplamente divulgados. Atualmente, a facilidade com que as notícias se
difundem por todo o país torna inócuo o desaforamento para qualquer local. Assim, a
simples veiculação de notícias sobre o fato não é capaz de tornar os jurados
tendenciosos. Dessa forma, o objetivo é evitar qualquer influência direta decorrente
de alguma circunstância particular do local do crime.

45
CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
45

Diante disso, aprofunda-se em entendimento jurisprudencial do Superior


Tribunal de Justiça46:
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO. DESAFORAMENTO.
DÚVIDA QUANTO À PARCIALIDADE DOS JURADOS. NÃO OCORRÊNCIA.
ORDEM NÃO CONHECIDA. 1. Nos termos do art. 427 do Código de
Processo Penal, se o interesse da ordem pública o reclamar ou se houver
dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do réu, o
Tribunal poderá determinar o desaforamento do julgamento para outra
comarca da mesma região, onde não subsistam tais motivos, com preferência
daquela mais próxima. 2. A eventual repercussão que o delito tenha
causado na região e o costumeiro debate sobre notícias veiculadas pela
imprensa constituem atitudes normais em crimes de grande gravidade
– notadamente em casos como este, em que o paciente foi acusado da
prática de mais de 12 homicídios e de ser chefe de grupo de extermínio, além
de envolvido com roubos de cargas –, e que estariam presentes em
qualquer Comarca para a qual fosse deslocado o julgamento, de modo
que não justificam, por si sós, o desaforamento do julgamento. 3. A
simples presunção de que os jurados poderiam ter sido influenciados
por ampla divulgação do caso pela mídia e a mera suspeita acerca da
parcialidade dos jurados não justificam a adoção dessa medida
excepcional, sobretudo por não se tratar de pequena Comarca. 4. Ordem
não conhecida. (STJ, HC 253.137/SP, 6ª Turma, Min. Rogerio Schietti Cruz,
18 de fev. 2016.

Dessa forma, é possível perceber que a interferência da mídia no interesse da


ordem pública, na dúvida sobre a imparcialidade dos jurados e na dúvida sobre a
segurança do acusado é cada vez mais constante, sendo necessária maior cautela,
uma vez que, de fato, há uma intervenção midiática nas decisões dos jurados perante
a sessão do Tribunal do Júri.

3.1.1 O Pedido de Desaforamento no Caso da Boate Kiss

Com a decisão de pronúncia do juiz, levando os sócios da casa noturna e os


dois integrantes da banda para o julgamento no plenário do Júri, a 1ª Vara Criminal
de Santa Maria/RS, determinou o desmembramento do processo, decidindo que
primeiro seriam julgados os réus Marcelo de Jesus dos Santos e Mauro Londero
Hoffmann no dia 16 de março de 2020, e depois, no dia 27 de abril de 2020, seriam
julgados os réus Elissandro Spohr e Luciano Bonilha Leão.

46
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Habeas Corpus n° 253.137-SP (2012/0185127-
8). Impetrante: César Augusto Moreira e outro. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Relator: Min. Rogério Schietti Cruz. Brasília, 18 de fevereiro de 2016. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1483454&tipo=0&nreg=201201851278
&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20160229&formato=PDF&salvar=false. Acesso em 20
jul. de 2023.
46

Entretanto, as defesas de três dos acusados juntaram nos autos os pedidos


de desaforamento com base no interesse da ordem pública e na dúvida sobre a
parcialidade dos jurados, fazendo com que o julgamento fosse postergado. Apenas o
assistente de palco da banda, Luciano Bonilha Leão, não requereu o desaforamento,
permanecendo o julgamento na comarca de Santa Maria/RS.
Por se tratar de um caso de grande comoção social, a dúvida sobre a
parcialidade dos jurados foi o principal motivo para que os pedidos de desaforamento
fossem pleiteados, uma vez que não há julgamento justo sem a imparcialidade. Acerca
da dúvida sobre a parcialidade do júri, Guilherme de Souza Nucci (2020, p. 824-825)47
leciona:

Não há possibilidade de haver um julgamento justo com um corpo de jurados


parcial. Tal situação pode dar-se quando a cidade for muito pequena e o crime
tenha sido gravíssimo, levando à comoção geral, de modo que o caso vem
sendo discutido em todos os setores da sociedade muito antes do julgamento
ocorrer. Dificilmente, nessa hipótese, haveria um Conselho de Sentença
imparcial, seja para condenar, seja para absolver, visto que a tendência a
uma postura ou outra já estará consolidada há muito tempo. No entanto,
depende-se de provas concretas para alterar a competência do Tribunal
Popular e não meras conjecturas.

O desembargador Manuel José Martinez Lucas, relator dos pedidos de


desaforamento, negou os pleitos, pois, em seu entendimento, estes só poderiam ser
concedidos em situações excepcionais, uma vez que os autores dos crimes dolosos
contra a vida devem ser julgados pelos membros da sociedade onde os fatos foram
cometidos. Quanto à segurança dos réus, o desembargador considerou que não teria
como afirmar que em Porto Alegre a segurança dos mesmos seria maior. Contudo, o
relator foi vencido por dois votos a um, sendo deferido o desaforamento dos réus.
Não concordando com a decisão que deu provimento ao pedido da defesa, o
Ministério Público do Rio Grande do Sul encaminhou ao STJ requerimentos
solicitando, liminarmente, efeito suspensivo às decisões da Primeira Câmara Criminal
do Tribunal de Justiça que concedeu desaforamento do júri aos réus Elissandro Spohr,
Mauro Hoffmann e Marcelo de Jesus dos Santos, requerendo que os três réus fossem
julgados no dia 16 de março de 2020 em Santa Maria, juntamente com o quarto réu
Luciano Bonilha Leão.

47
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 19. ed. São Paulo: Editora
Forense, 2020.
47

Devido à recusa do STJ em conceder efeito suspensivo aos desaforamentos


de três dos quatros réus, o Ministério Público interpôs um recurso junto ao TJRS
solicitando que o julgamento do réu Luciano Bonilha Leão, o único a não pedir o
desaforamento, fosse transferido para Porto Alegre, juntamente com os outros réus.
Em vista disso, em 10 de setembro de 2020, o Tribunal de Justiça do Rio
Grande do Sul acolheu o pedido ministerial, decidindo que os quatros réus seriam
julgados juntos em Porto Alegre, tendo em vista que julgar os réus em apartado seria
prejudicial para a Justiça, gerando vários julgamentos complexos ao invés de apenas
um, aumentando o sofrimento e angústia dos familiares das vítimas.

3.2 O JULGAMENTO NO TRIBUNAL DO JÚRI

Com a determinação do Tribunal de Justiça de Rio Grande do Sul para


que os quatro réus fossem julgados juntos na capital, o processo passou a tramitar
em Porto Alegre, tornando-se os autos n° 001/2.20.0047171-0.
Em 05 de abril de 2021, foi definido que os quatro réus seriam julgados em 1º
de dezembro de 2021 pelos crimes de homicídio simples, 242 (duzentas e quarenta e
duas) vezes em sua modalidade consumada, em razão do número de vítimas fatais,
e 636 (seiscentas e trinta e seis) vezes em sua modalidade tentada, sendo esse o
número dos feridos na tragédia.
No total, 28 (vinte e oito) depoentes passaram pelo plenário do 2º andar do
Foro Central I da comarca de Porto Alegre. Foram 12 (doze) vítimas, 13 (treze)
testemunhas e 3 (três) informantes. Inicialmente, a previsão era de ouvir 34 (trinta e
quatro) pessoas ao todo, porém, em busca de otimizar o tempo dos trabalhos, cada
parte abriu mão de algumas oitivas.
Somente no oitavo dia de julgamento é que começou o interrogatório dos réus,
que optaram por responder apenas os questionamentos do magistrado e das suas
próprias defesas. Os quatro réus choraram durante seus depoimentos, mandaram
recados aos familiares das vítimas, negaram ter tido a intenção de causar a tragédia
e apresentaram suas próprias versões dos acontecimentos.
O primeiro a ser interrogado foi Elissandro Spohr, conhecido como “Kiko”, um
dos sócios da casa noturna, que assegurou acreditar ter agido dentro dos limites da
legalidade. Além disso, negou ter autorizado o uso de artefatos pirotécnicos pela
banda Gurizada Fandangueira.
48

Já o réu Luciano Bonilha Leão esclareceu aos jurados que era apenas auxiliar
do grupo, não produtor musical da banda, uma vez que não possuía conhecimento
técnico musical. Em seu depoimento, declarou que foi ele quem adquiriu os artefatos
pirotécnicos em uma loja da cidade para utilizarem no show. Disse que não recebeu
nenhuma orientação de uso por parte do funcionário da loja. Ainda, foi ele quem
acionou o fogo de artifício e o entregou ao vocalista, Marcelo.
Por sua vez, Mauro Londero Hoffmann, outro sócio da boate Kiss, defendeu-
se das acusações alegando que sua participação era apenas como investidor da casa
noturna e que não estava envolvido nas decisões tomadas por Elissandro, o sócio
administrador do estabelecimento. Ele enfatizou que sua condição para entrar na
sociedade era que a documentação estivesse em ordem e que fosse concluída a
reforma feita por Kiko para corrigir o vazamento acústico que incomodava os vizinhos,
conforme estabelecido pelo Ministério Público no Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), que apurava o caso.
Por fim, o último réu a prestar depoimento foi Marcelo de Jesus dos Santos,
que afirmou em juízo que era de conhecimento geral, inclusive da boate Kiss, que a
banda Gurizada Fandangueira fazia uso de instrumentos pirotécnicos em suas
apresentações, enfatizando que essa informação nunca foi escondida de ninguém.
Marcelo relatou que estava no palco segurando o artefato e seu colega Luciano o
alcançou. Com o artefato em mãos, ele o levantou e repentinamente percebeu o início
do fogo. Ressaltou que tentaram usar o extintor de incêndio, mas infelizmente ele não
funcionou.
Em sua tese, o Ministério Público, responsável pela denúncia que colocou os
quatro acusados no banco dos réus, pediu a condenação deles por homicídio simples
com dolo eventual, que ocorre quando o agente não quer atingir o resultado, mas
assume o risco de produzi-lo. A acusação baseou-se no fato de que os quatro réus
assumiram o risco de matar, ante a indiferença para com a vida das pessoas que
estavam presentes na boate.
Para colaborar com a fundamentação da sua tese e assentar que o caso foi
atribuído de dolo eventual para a prática de homicídio simples, o Promotor David
49

Medina da Silva abordou o Recurso Especial nº 1.277.03648, de relatoria do Ilmo.


Ministro Jorge Mussi, da Quinta Turma do E. Superior Tribunal de Justiça:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. DOLO EVENTUAL. QUALIFICADORA.


EMPREGO DE RECURSO QUE DIFICULTA OU IMPOSSIBILITA A DEFESA
DA VÍTIMA. MODO DE EXECUÇÃO QUE PRESSUPÕE O DOLO DIRETO.
INCOMPATIBILIDADE. EXCLUSÃO. RECURSO PROVIDO. 1. Quando atua
imbuído em dolo eventual, o agente não quer o resultado lesivo, não age
com a intenção de ofender o bem jurídico tutelado pela norma penal. O
resultado, em razão da sua previsibilidade, apenas lhe é indiferente,
residindo aí o desvalor da conduta que fez com o que o legislador
equiparasse tal indiferença à própria vontade de obtê-lo. 2. Entretanto, a
mera assunção do risco de produzir a morte de alguém não tem o condão de
atrair a incidência da qualificadora que agrava a pena em razão do modo de
execução da conduta, já que este não é voltado para a obtenção do resultado
morte, mas para alguma outra finalidade, seja ela lícita ou não. 3. Não é
admissível que se atribua ao agente tal qualificadora apenas em decorrência
da assunção do risco próprio da caracterização do dolo eventual, sob pena
de se abonar a responsabilização objetiva repudiada no Estado Democrático
de Direito. 4. Recurso especial provido para excluir da decisão de pronúncia
a qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, inciso IV, do Código Penal.

Com relação ao réu Elissandro Callegaro Sphor, a defesa, representada pelo


advogado Jader Marques, pediu a desclassificação para outro crime, que não o
doloso. Assim, demonstrou que o réu só soube que a espuma era inflamável após os
fatos, que por mais que a tivesse comprado, não sabia de sua capacidade inflamável.
Ainda, no tocante à superlotação, a defesa sustentou o alvará concedido pelos
bombeiros e negou que a boate teria recebido mais de oitocentas pessoas na noite
dos fatos, visto que não havia determinação para a quantidade de pessoas.
Por conseguinte, a defensora de Marcelo Jesus dos Santos, a advogada
Tatiana Vizzotto Borsa, pleiteou ao Conselho de Sentença a absolvição do cliente,
insistindo na inércia da vigilância do poder público e afirmando que Marcelo não teria
sido um dos primeiros a se evadir do local, já que o mesmo teria desmaiado quando
iniciou a fumaça provocada pelo fogo e teve que sair carregado por seus colegas.
Já os advogados Mário Cipriani e Bruno Seligman de Menezes, que
representaram o réu Mauro Hoffmann, pediram absolvição, desclassificação do crime
ou participação reduzida do empresário, insistindo na ausência de prova do dolo.

48
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma). Recurso em Habeas Corpus n. 60.572 - SP
(2015/0139373-0). REsp n. 1.277.036/SP. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Homicídio Doloso.
Pronúncia. Preclusão. Desclassificação para a forma culposa. Impossibilidade. Matéria que deve ser
arguida na próxima fase do procedimento. Ausência de prejuízo. Necessidade de revolvimento do
conjunto probatório. Impropriedade da via eleita. Recurso desprovido. Recorrente: Raphael Cordeiro
de Farias Wright. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Jorge
Mussi, julgado em 2/10/2014, DJe de 10/10/2014.
50

Ressaltou a questão do alvará e afirmou que Mauro apenas aceitou fazer parte da
sociedade, pois sabia da autorização do poder público. Em relação ao dolo eventual,
supostamente evidenciado pela acusação, os advogados relataram que o risco não
foi produzido por Mauro, bem como o mesmo não assumiu o risco. A defesa aduziu
que quando a espuma foi instalada no teto do estabelecimento Mauro não estava
presente, o que foi corroborado por uma das testemunhas apresentadas pela
acusação.
Dessa forma, a responsabilidade atribuída a Mauro baseia-se no fato de ele
ser um dos sócios e estar incorporado no Contrato Social da Kiss, levando a acusação
a imputar-lhe a responsabilidade objetiva. Além disso, Mauro não participava das
questões e decisões de contratação dos grupos que se apresentariam na Kiss,
afirmação ratificada por Elissandro Callegaro, bem como que não estava presente na
data dos fatos.
Por fim, os advogados de defesa de Luciano Bonilha pleitearam sua
absolvição, questionando se a aplicação da tese do dolo eventual seria correta ao
caso, visto que os réus estavam dentro do estabelecimento. Para a defesa, não faria
sentido que ele e os outros réus tivessem assumido o risco, colocando-se em uma
situação que prejudicaria a si mesmos e às vítimas. Ou seja, eles não teriam assumido
o risco de sua própria morte.

3.2.1 A Prolação da Sentença

Após quase nove anos do trágico incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria,
que resultou na morte de 242 (duzentas e quarenta e duas) pessoas e deixou outras
636 (seiscentas e trinta e seis) feridas, o julgamento mais longo da história do Poder
Judiciário do Rio Grande do Sul chegou ao fim depois de 10 (dez) dias de trabalhos.
O Juiz Orlando Faccini Neto leu a sentença ao final do julgamento, por volta das
dezoito horas, após o Conselho de Sentença votar pela condenação dos quatro
acusados.
As condenações incluíram homicídio simples e homicídios tentados com dolo
eventual e as penas foram determinadas da seguinte forma: Elissandro Spohr, 22
anos e 6 meses; Mauro Hoffmann, 19 anos e 6 meses; Marcelo de Jesus e Luciano
Bonilha, 18 anos, todos em regime inicial fechado.
51

O magistrado chegou a decretar a prisão dos réus, mas um Habeas Corpus


preventivo foi concedido pela 1ª Câmara Criminal do TJRS, resultando na suspensão
da medida.
Orlando Faccini Neto49 mencionou a dor das famílias perante a perda de seus
filhos, em suas palavras:

Os dados do processo indicam, sem qualquer margem para dúvida, a


presença de intenso sofrimento, decorrente das razões pelas quais
morreram as vítimas. Quem, num exercício altruísta, por um minuto apenas
buscar colocar-se no ambiente dos fatos haverá de imaginar o desespero, a
dor e o padecimento das pessoas que, na luta por sua sobrevivência,
recebiam, todavia, a falta e a ausência de ar, os gritos e a escuridão, em
termos tão singulares que não seria demasiado qualificar-se tudo o que ali foi
experimentado ao modo como assentado pela literatura, “o horror, o horror”.

3.2.2 A Anulação do Julgamento

Ocorre que, em 03 de agosto de 2022, em sessão de julgamento exclusiva


para analisar os recursos que questionavam a sentença prolatada, a 1ª Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou, por dois votos a um, o
julgamento ocorrido em dezembro de 2021 que havia condenado os quatro réus. Com
o provimento das apelações da defesa, foi revogada a prisão dos apelantes, que
estavam presos desde dezembro do ano de 2021.
O voto do relator, desembargador Manuel José Martinez Lucas, defendendo
a rejeição de todas as nulidades apresentadas pela defesa, foi vencido pelos
desembargadores José Conrado Kurtz de Souza e Jayme Weingartner Neto. Ambos
discordaram do relator ao reconhecerem parcialmente as nulidades alegadas pelos
réus. A nulidade mais proeminente nos votos dos dois magistrados diz respeito à
formação do Conselho de Sentença, o sorteio dos jurados e atos do juiz na
condenação do júri.
O professor da Faculdade de Direito de Santa Maria, Mauro Stürmer (2023, p.
1)50, explica:

49
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sentença - Processo nº 001/2.20.0047171-0 (CNJ:
0047498-35.2020.8.21.0001). 1ª Vara do Juri do Foro Central de Porto Alegre/RS, 2021. Disponível
em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/12/B2D28CB95C2B9B_sentenca-caso-kiss.pdf.
Acesso em: 31 ago. 2022.
50
STÜRMER, Mauro. Boate Kiss: entenda por que júri foi anulado e quatro réus foram soltos pela
Justiça do RS. G1, Rio Grande do Sul, 26 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-
grande-do-sul/noticia/2023/01/26/boate-kiss-entenda-por-que-juri-foi-anulado-e-quatro-reus-foram-
soltos-pela-justica-do-rs.ghtml. Acesso em: 24 jul. 2023.
52

O que aconteceu (...) é a continuidade do julgamento. Houve o júri, que foi a


primeira fase, e agora foram analisados os recursos da defesa, que
configuram uma continuidade do julgamento, e não uma reversão. Em
hipótese alguma os réus poderiam ser absolvidos nesta etapa, pois prevalece
a soberania do veredicto dos sete jurados. Poderiam acontecer três coisas: a
manutenção da sentença inalterada, a redução das penas ou a anulação por
força de algum vício processual. Houve um entendimento pela terceira
hipótese.

Por parte do desembargador Manuel José Martinez Lucas, foram negados os


argumentos de que o juiz teria agido de forma parcial no júri e de que teria havido
excesso de linguagem e quebra da paridade de armas entre acusação e defesas no
uso de maquete digital pelo Ministério Público. O magistrado considerou que um
julgamento de grande importância, como o da Kiss, não deveria ser anulado por
questões que não tiveram impacto significativo no resultado.
Todavia, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul anulou o júri por quatro
motivos principais: irregularidades na escolha dos jurados, incluindo um sorteio
realizado fora do prazo estipulado pelo Código de Processo Penal; a ocorrência de
uma reunião reservada entre o juiz presidente do júri e os jurados durante a sessão
de julgamento sem a participação das defesas ou do Ministério Público;
questionamentos sobre a ilegalidade na formulação dos quesitos e a suposta inovação
por parte da acusação durante a fase de réplica.

3.3 O IMPACTO DA MÍDIA BRASILEIRA SOBRE O CASO DA BOATE KISS

Não há dúvidas de que o incêndio na Boate Kiss foi uma enorme tragédia,
resultando na morte de 242 (duzentas e quarenta e duas) pessoas, a maioria jovens
universitários que estavam presentes na boate para uma noite de festa e
comemoração, deixando mais de 600 (seiscentos) feridos, que adquiriram inúmeras
sequelas físicas e psíquicas em decorrência do desastre. A tragédia ocorrida em
Santa Maria não apenas abalou os familiares e amigos das vítimas, mas também teve
um impacto significativo na sociedade, tanto em âmbito nacional quanto internacional.
O devastador incêndio, que causou tantas perdas, comoveu pessoas ao redor
do mundo todo. O caso ganhou grande destaque na mídia, sendo que até mesmo
veículos internacionais, como CNN, BBC e The New York Times destacaram a
tragédia em suas manchetes principais em razão da gravidade e da inconformidade
53

com a morte de tantos jovens, sendo classificado como o segundo pior incêndio
registrado na história do Brasil.
Desde o início, o acontecimento foi amplamente noticiado pela mídia, inclusive
enquanto o incêndio ainda estava ocorrendo e os bombeiros trabalhavam para
resgatar as pessoas do interior da boate. As emissoras de televisão realizaram
transmissões ao vivo, mostrando a situação em tempo real. O programa “Esporte
Espetacular”, da Rede Globo, revelou os primeiros detalhes da tragédia durante uma
edição de três horas e meia, com entrevistas de sobreviventes que haviam acabado
de passar pela tragédia.
O conhecido programa dominical “Fantástico” exibido no dia 27 de janeiro de
2013 iniciou com uma tela preta que exibia as palavras “Santa Maria, RS - madrugada
de hoje”, apresentando uma cobertura completa, com possíveis causas do incidente
e depoimentos das vítimas ao longo da exibição. Ao final do programa, foi apresentado
o discurso do Governador do Rio Grande do Sul na época, Tarso Genro, que ressaltou
a necessidade de uma investigação rigorosa para apurar as responsabilidades dos
envolvidos nos equipamentos usados naquela fatídica noite.
A afiliada da Rede Globo no estado do Rio Grande do Sul, a RBS TV, também
cobriu a tragédia em tempo real, apresentando novas informações sobre o caso a
cada momento. Em vez de intervalos comerciais e programas de entretenimento, a
emissora optou por exibir entrevistas com sobreviventes, atualizações sobre o número
de vítimas, informações sobre a possível causa do incidente e conversas com
especialistas. Por cerca de dois meses e meio, a RBS dedicou todos os esforços na
apuração do ocorrido, transmitindo 130 (cento e trinta) reportagens junto com a TV
Globo e entradas ao vivo em telejornais e programas, seguindo a lógica do mercado
de informar constantemente, mesmo que em algumas ocasiões as informações sobre
o caso ainda não estivessem completamente estabilizadas.
Em vista disso, por se tratar de um caso de grande calamidade, os meios de
comunicação preocupavam-se em acobertar o acontecido, mesmo que de forma
54

despreparada e sem esclarecimentos definidos. Nesse sentido, Ada C. Machado da


Silveira (2017, p. 221)51 explica:

Em situações de tragédia, constituídas a priori por um caráter de indizibilidade


em razão da impossibilidade da língua de traduzir toda a dimensão de seu
horror, destarte emerge a intenção latente do jornalismo de organizar relatos
em meio ao caos. Na situação observada, referente à cobertura da tragédia
da boate Kiss, uma série de pontos-de-vista justapunham-se no caótico
frenesi de uma cobertura improvisada frente a um acontecimento trágico de
repercussão internacional.

Nos meios de comunicação, o tema dominante era a Boate Kiss. A mídia


estava focada na investigação das causas da tragédia e na busca por
responsabilização dos culpados, assumindo um papel não apenas informativo, mas
também investigativo, o que a levou a invadir o campo de atuação dos órgãos
legitimamente responsáveis pela apuração dos fatos.
Desde o início, o excesso de notícias sobre o caso Kiss inflou os telejornais e
programas de entretenimento, provocando uma dramatização excessiva sobre os
acontecimentos. Sem dúvidas, a mídia, em especial a televisão, procurava encontrar
uma oportunidade de ganhar mais visibilidade em razão da enorme tragédia, visto
que, para a mídia, explorar o tema era garantir a audiência. Para o autor Tiago Rosário
(2013, p. 6-7)52:

O assunto em pauta se dilata na grade de programação das emissoras de TV


e rádio, os discursos se alocam numa falácia tão grande que o espaço dentro
desta mesma falácia não é preenchido, ficando apenas um vazio de
significado. As notícias sobre um mesmo assunto ou o excesso de divulgação
de uma mesma notícia vão se tornando tão redundantes que chega um
determinado momento que é preciso acrescentar um valor notícia para as
novas informações ou fazer se sobressair algo nas notícias já veiculadas, e
isso leva, inevitavelmente, ao sensacionalismo excessivo, pois o que se
sobressai na “nova-antiga notícia” quase sempre não é merecedor de
atenção. Não se trata somente do excesso pelo excesso, mas de um exagero
vazio de reflexões.

51
SILVEIRA, Ada Christina Machado da (Org.). Midiatização da tragédia de Santa Maria – volume
1. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2018. pp. 215-230. Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/AdaMachado-Da-
Silveira2/publication/360614219_A_midiatizacao_da_tragedia_de_Santa_Maria_A_catastrofe_biop
olitica_vol1/links/62 813cbb973bbb29cc813177/A-midiatizacao-da-tragedia-de-Santa-Maria-A-
catastrofe-biopolitica-vol1.pdf.
52
ROSÁRIO, Tiago. Retórica e Facebook em tempos de histeria midiática: uma análise sobre a tragédia
da Boate Kiss. Razón y palabra, Quito, n. 83, jun-ago, 2013.
55

A fatalidade também recebeu destaque em renomadas revistas e jornais, que


dedicaram a suas capas e edições especiais imagens comoventes dos familiares das
vítimas, evidenciando o sentimento de indignação com o ocorrido e exigindo uma
resposta das autoridades. Um exemplo disto, foram as edições especiais das revistas
IstoÉ (anexo A)53 e Veja (anexo B)54, que não só informaram acerca da tragédia de
Santa Maria, como também trouxeram um apelo sentimental e uma percepção de
impunidade e insegurança, atribuídos a um suposto desrespeito às leis, corrupção de
valores e negligência.
As informações sobre o acontecido na boate foram transformadas em notícias
sensacionalistas, que não apenas detalharam a tragédia, mas também protestavam
por acusações direcionadas às organizações envolvidas no funcionamento da casa
noturna, procurando um culpado para ser responsabilizado pelo ocorrido. Houve uma
enorme dramatização midiática do caso, fazendo com que o público formasse uma
opinião implícita sobre a tragédia, com a convicção de que a cobrança de
responsabilidades pelo acidente deveria ser uma obrigação da sociedade.
Dessa forma, a ampla divulgação do incêndio da Boate Kiss contribuiu para a
formação de um imaginário sensacionalista em torno do acontecimento, levando à
ideia de que a punição era o caminho mais adequado para lidar com o caso. No
julgamento da tragédia, os direitos dos acusados já não importavam mais, mas sim o
resultado da condenação, independentemente de qualquer prova, para que, de
alguma forma, fosse possível amenizar o sentimento de tristeza dos familiares e
amigos das vítimas do incêndio. Nesse sentido, entende Aury Lopes Júnior (2022, p.
384)55:

A situação é ainda mais grave se considerarmos que a liberdade de


convencimento (imotivado) é tão ampla que permite o julgamento a partir de
elementos que não estão no processo. A “íntima convicção”, despida de
qualquer fundamentação, permite a imensa monstruosidade jurídica de ser
julgado a partir de qualquer elemento. Isso significa um retrocesso ao Direito
Penal do autor, ao julgamento pela “cara”, cor, opção sexual, religião, posição
socioeconômica, aparência física, postura do réu durante o julgamento ou
mesmo antes do julgamento, enfim, é imensurável o campo sobre o qual pode
recair o juízo de (des)valor que o jurado faz em relação ao réu.

53
ISTOÉ. Capa. IstoÉ, nº 2.255, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://revista.istoe.com.br/edicao/edicao-2255/. Acesso em: 2 set. 2022.
54
VEJA. Capa. Veja, nº 2.307, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://www.skoob.com.br/revista-veja-edicao-2307-06-de-fevereiro-de-2013-
301126ed337406.html. Acesso em: 2 set. 2022.
55
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
56

Logo, com base na análise das notícias sobre a tragédia de Santa Maria, é
evidente o intenso descontentamento da sociedade com o ocorrido devido a uma
suposta ideia de impunidade, presente antes mesmo da condenação dos acusados
perante o Tribunal do Júri. A mobilização midiática trouxe como única realidade
plausível o fato de que Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Luciano
Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus foram responsáveis pelo incêndio, e que
buscaram esse resultado e, portanto, deveriam ser condenados a penas severas
como forma de dar uma resposta à sociedade.
Assim, não importava quais seriam os jurados ali sorteados para compor o
Conselho de Sentença, tendo em vista que, para grande parte da população,
impactada com as notícias propagadas pelos meios de comunicação, os acusados já
eram considerados culpados, afetando diretamente a imparcialidade dos jurados.
Mesmo que não concordassem com a condenação de algum dos acusados, levariam
em consideração a frustração perante a sociedade e, principalmente, perante os
familiares das vítimas.
Ocorre que, conforme explicado acima, quase um ano após a condenação
dos réus pelo Tribunal do Júri, em agosto de 2022 o julgamento foi anulado, de forma
a colaborar com a tese de que o veredicto foi influenciado por uma estratégia midiática
que criou uma percepção equivocada sobre as provas apresentadas, além de
divulgarem um conceito errado acerca da teoria do dolo eventual, bem como não
permitirem que as defesas apresentassem seus argumentos, não levando em
consideração os direitos daqueles réus que ali estavam sendo julgados.
Portanto, considerando a análise da influência da mídia na formação da
opinião pública e nos julgamentos competentes ao Tribunal do Júri, juntamente com
a análise da cobertura midiática brasileira sobre o caso da Boate Kiss, conclui-se que
as condenações dos réus Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann,
Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus foram influenciadas pela
construção midiática da responsabilidade penal dos acusados, bem como da
necessidade de encarceramento como resposta social.
57

4 CONCLUSÃO

É inegável que o papel da imprensa é de extrema importância para a


democracia. No entanto, para que tal objetivo se concretize, é necessário que a
imprensa desempenhe seu papel de informar de maneira honesta, com
responsabilidade e seriedade, não focando na incessante busca por audiência a
qualquer custo.
Nesse sentido, o presente trabalho de conclusão de curso analisou como os
meios de comunicação em massa assumiram uma função investigatória, tomando
para si a responsabilidade que originalmente pertence aos órgãos encarregados do
desenvolvimento de políticas criminais e da aplicação da lei penal. Foi abordada a
forte influência e o poder de manipulação que a mídia exerce sobre a opinião pública,
em especial aos crimes que geram grande repercussão midiática, que acabam
despertando, automaticamente, o sentimento de revolta na sociedade. Nesse sentido,
é oportuno, ainda, evidenciar a presença de tal influência nas decisões emanadas
pelo Conselho de Sentença do Tribunal do Júri.
Assim, para demonstrar como essa influência midiática pode ser prejudicial, o
presente estudo teve como objeto e foco principal o famoso incêndio ocorrido em
2013, na casa noturna Boate Kiss, localizada na cidade de Santa Maria/RS, que teve
seu caso julgado perante o Tribunal do Júri da cidade de Porto Alegre/RS em
dezembro de 2021, eventualmente sendo anulado em agosto de 2022.
A partir da análise realizada, ficou evidente que, por meio da propagação de
notícias fundamentadas em argumentos acusatórios relacionados aos proprietários da
boate e aos integrantes da banda “Gurizada Fandangueira”, uma perspectiva punitiva
foi firmemente consolidada em relação ao caso. Portanto, o trabalho aponta como
essa constante exposição dos eventos, juntamente com a disseminação de discursos
rigorosos quanto à aplicação de sanções e a exigência de encarceramento dos
acusados como forma das instituições públicas darem uma resposta à sociedade pelo
trágico incidente que resultou na morte de muitos jovens, contribuiu para a formação
de uma abordagem punitiva que culminou na condenação dos réus pelo Tribunal do
Júri.
Ocorre que, mesmo com o julgamento anulado em razão das nulidades
processuais alegadas pela defesa, independente de um novo julgamento, os quatro
réus já estão fortemente condenados pela sociedade em virtude do grande escândalo
58

midiático. A escolha de novos jurados para a formação do Conselho de Sentença e a


concessão do pedido de desaforamento são formas de amenizar esse impacto da
mídia sobre o caso. No entanto, não possuem eficiência para sanar todos os vícios do
processo, visto que a imparcialidade dos jurados sempre estará comprometida devido
à grande repercussão da tragédia e do poder de manipulação dos meios de
comunicação em relação à convicção dos jurados.
Entretanto, o presente trabalho não visa discutir se os réus devem ser
condenados ou não, mas sim analisar que os jurados sorteados para o julgamento do
caso devem formar sua opinião estritamente com base nas provas testemunhais
apresentadas, assim como nos argumentos da acusação e das defesas durante os
debates orais da sessão, focando apenas nas provas constantes nos autos do caso e
esquivando-se das notícias sensacionalistas e das provas mostradas pela mídia, que
são eivadas de vício.
Dessa forma, é possível concluir que a cobertura midiática do caso da Boate
Kiss, caracterizada pela extrapolação dos limites do dever de informar e pela exigência
de aplicação de sanções aos acusados como única forma de as instituições públicas
darem uma resposta à sociedade pelo trágico ocorrido, desempenhou um papel
significativo na consolidação de um imaginário sancionador que influenciou tanto os
jurados, que julgaram pela condenação dos quatro réus, quanto os profissionais do
direito, que descumpriram diversas garantias constitucionais como forma de conferir
credibilidade ao poder judiciário com base em uma necessidade de condenação e
encarceramento.
Diante do exposto, comprova-se a necessidade de regular a atuação da mídia,
pois sempre que esta atua de forma sensacionalista, de maneira que ultrapassa o
campo da presunção de inocência, verifica-se que ao invés de considerar inocente o
suspeito até o trânsito em julgado, a mídia o considera culpado até que se prove o
contrário, violando, portanto, o referido princípio.
Logo, é necessária a aplicação de mecanismos que restrinjam a atuação da
mídia e viabilizem um julgamento isento e imparcial ao acusado. Nesse sentido, a
mídia se limitaria a notícias pautadas na realidade dos fatos, sem sensacionalismo e
sem emitir juízo de valor, proporcionando aos telespectadores e eventuais jurados
uma informação neutra, sem poder de influência sobre a decisão a ser tomada em
plenário.
59

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63

ANEXO A – Capa da revista IstoÉ

Fonte: IstoÉ, 201356.

56
ISTOÉ. Capa. IstoÉ, nº 2.255, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://revista.istoe.com.br/edicao/edicao-2255/. Acesso em: 2 set. 2022.
64

ANEXO B – Capa da revista Veja

Fonte: Veja, 201357.

57
VEJA. Capa. Veja, nº 2.307, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://www.skoob.com.br/revista-veja-edicao-2307-06-de-fevereiro-de-2013-
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