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Londrina
2023
PENÉLOPE LUISA VENÂNCIO
Londrina
2023
PENÉLOPE LUISA VENÂNCIO
BANCA EXAMINADORA
__________________________________
Orientador: Prof. Dr. Vinicius Bonalumi
Canesin
Centro Universitário Filadélfia - UniFil
_________________________________
Prof(a). Dr(a). Componente da Banca
Centro Universitário Filadélfia - UniFil
_________________________________
Prof(a). Dr(a). Componente da Banca
Centro Universitário Filadélfia - UniFil
RESUMO
ABSTRACT
The present final paper aims to portray the influence of the media on the judgments
that the Jury Trial is responsible for, with a special focus on the jurors that compose
the Sentencing Council and how this influence can directly affect the principles of
impartiality and presumption of innocence. Firstly, a study was carried out on the origin
and historical evolution of the Jury, as well as its context and functioning in the Brazilian
legal system, highlighting the principles that govern this institute. It’s important to
highlight that when addressing this influence exerted by the media on the Jury's
verdicts, a principled clash arises between the principle of freedom of the press and
the principle of the presumption of innocence, explained in the second chapter. It
occurs when the media acts in an unbridled way, which usually causes unwanted
interference, making the Jury's activity more difficult and violating the principle of the
presumption of innocence. It’s necessary that the jurors reach their decisions
impartially, based on the evidence presented by the parties during the trial and guided
by their own value judgment. The emphasis of the present research is the analysis of
the Kiss nightclub case, which took place in Santa Maria-RS, focusing on how the
media impacted the case from the beginning. At the end, with all the research carried
out and the study of the Kiss nightclub case, it appears that the media causes pre-
condemnations due to the impetus to punish held by a population strongly consumed
by the media sensationalism propagated by the media.
INTRODUÇÃO………………………………………………………………....10
1. O TRIBUNAL DO JÚRI……………………………......................................12
1.1 ORIGEM E EVOLUÇÃO HISTÓRICA………………..................................12
1.2 O TRIBUNAL DO JÚRI NO BRASIL……………........................................15
1.3 PRINCÍPIOS NORTEADORES DO TRIBUNAL DO JÚRI………...............19
1.3.1 Plenitude de Defesa …………………………………………………………...19
1.3.2 Sigilo das Votações....…………………………………………………………23
1.3.3 Soberania dos Vereditos……………………...……………………………….25
1.3.4 Competência para o Julgamento dos Crimes Dolosos Contra a
Vida……….26
4. CONCLUSÃO ...........................................................................................57
REFERÊNCIAS ........................................................................................59
INTRODUÇÃO
1 O TRIBUNAL DO JÚRI
1
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
2
ARAÚJO, Nádia de; ALMEIDA, Ricardo R. de. O Tribunal do júri nos Estados Unidos: sua evolução
histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual. In: Revista Brasileira de Ciências Criminais,
ano 4, v. 15, p. 143-144. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1996. Acesso em 26 abr. 2023.
13
3
ANSANELLI JÚNIOR, Ângelo. O tribunal do júri e a soberania dos veredictos. Rio de Janeiro:
Lúmen Júris, 2005.
15
O Tribunal do Júri no Brasil foi instituído pelo Príncipe Regente D. Pedro com
o Decreto-Lei de 18 de junho de 1822, após um projeto de iniciativa do Senado do
estado do Rio de Janeiro, cuja proposta abordava a criação de um “juízo dos jurados”.
Inicialmente, o tribunal do povo no Brasil limitou sua competência ao julgamento dos
crimes de imprensa, composto por vinte e quatro juízes intitulados "juízes de fato”,
que eram homens considerados bons, honrados, inteligentes e patriotas.
Contudo, os motivos que levaram à criação do sistema do júri não eram
exatamente democráticos, uma vez que afetavam de maneira significativa a liberdade
de imprensa. Segundo José Henrique Pierângeli (2004, p. 59-60)4, em sua obra
“Processo Penal, evolução histórica e legislativa”, na parte inicial do Decreto Lei de
18 de junho de 1822 constava o seguinte:
4
PIERÂNGELI, José Henrique. Processo penal, evolução histórica e legislativa. 2. ed. São Paulo:
IOB Thomson, 2004.
5
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 05 abr. 2023.
6
BRASIL. Constituição Política do Império do Brazil de 25 de março de 1824. Disponível em:
https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm. Acesso em: 05 abr. 2023.
16
Tendo o júri declarado o réu culpado, então cabia ao Juiz de Direito proferir a
sentença, caso contrário o magistrado absolveria o acusado.
Com o Código de Processo Criminal de 1ª Instância, promulgado em 29 de
novembro de 1832, foi conferido ao Tribunal do Júri uma ampla competência. O “Júri
de Acusação” passou a ser denominado também como “1º Conselho de Jurados” e a
eles competia a admissibilidade da acusação. Já o “Júri de Julgamento” passou a ser
chamado de “Júri de Sentença” ou de “2º Conselho de Jurados”, responsáveis pela
procedência da acusação formulada.
Em 1842, com Dom Pedro II no poder, entrou em vigor a Lei n° 261,
regulamentada pelo Decreto n° 120, de 31 de janeiro de 1842, que restringiu a ampla
7
BRASIL. Lei de 20 de setembro de 1830. Disponível em:
https://www2.camara.leg.br/legin/fed/lei_sn/1824-1899/lei-37987-20-setembro-1830-565654-
publicacaooriginal-89402-pl.html. Acesso em: 06 abr. 2023.
17
competência que havia sido conferida ao Júri. O “Júri de Acusação” foi extinto e sua
função passou a ser de competência da autoridade policial, assim como o Juiz de
Direito e o Chefe de Polícia ganhavam mais atribuições nas fases que procedem a
convocação do Júri, função que antes pertencia ao “Júri de Acusação”.
Tanto a Constituição de 1891 quanto a Constituição de 1934 mantiveram o
Júri como instituição soberana. Porém, a Constituição de 1937 manteve-se inerte
quanto ao instituto, fazendo com que os estudiosos entendessem que o Júri havia sido
extinto. Mas, em 05 de janeiro de 1938, com a edição do Decreto-Lei n° 167, a
instituição do Júri foi restabelecida, embora sem soberania.
A Constituição de 1946 reinseriu em seu texto o capítulo dos direitos e das
garantias individuais, estabelecendo em seu artigo 141, § 28 o seguinte:
8
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
9
BRASIL. Lei nº 11.689, de 9 de junho de 2008. Altera dispositivos do Decreto-Lei no 3.689, de 3 de
outubro de 1941 – Código de Processo Penal, relativos ao Tribunal do Júri, e dá outras providências.
Brasília, DF: Diário Oficial da União, 2008.
18
10
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
11
NUCCI. Guilherme de Souza. Júri: Princípios Constitucionais. São Paulo: Juarez de Oliveira, 1999.
20
12
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
13
Ibid.
14
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 10. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2013.
21
15
BADARÓ, Gustavo. Processo Penal – Série Universitária. Rio de Janeiro: Elsevier Brasil, 2012
22
Pode se observar que a aplicação desse princípio possui uma estreita relação
com o exercício do profissional encarregado a exercer uma defesa verdadeiramente
plena no Júri. Assim, se o advogado não possuir a devida preparação ou experiência
suficiente para apresentar de forma clara as teses defensivas aos jurados, o direito de
defesa do acusado não será plenamente exercido. Isso significa que o defensor
necessita, acima de tudo, ter habilidade para falar com o público durante a defesa em
plenário, a fim de articular e sustentar seus argumentos de forma lógica e convincente.
A aplicação do princípio da plenitude de defesa também é evidenciada quando
a defesa inova a tréplica, aumenta o rol de testemunhas, faz perguntas no
interrogatório do réu e na inquirição das testemunhas no plenário ou até mesmo
expande o tempo dos debates. Entretanto, é válido ressaltar que todo direito a ele
concedido, mesmo que esteja constitucionalmente previsto, possui limites que, se
forem ultrapassados, configuram abuso desse direito.
16
BULOS, Uadi Lammêgo. Constituição Federal anotada. São Paulo: Saraiva, 2000.
23
Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados,
o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o
escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser
procedida a votação.
§ 1° Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se
retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste
artigo.
§ 2° O juiz presidente advertirá as partes de que não será permitida qualquer
intervenção que possa perturbar a livre manifestação do Conselho e fará
retirar da sala quem se portar inconvenientemente.
17
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
18
NASSIF, Aramis. O júri objetivo II. 1. ed. Florianópolis: Empório do Direito, 2017.
19
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
20
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de processo penal e execução penal. 9. ed. São Paulo:
Revista dos Tribunais, 2012.
24
21
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
22
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
23
GRECO FILHO, Vicente. Manual de processo penal. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1997.
26
Isto posto, temos que o princípio da soberania dos veredictos é uma garantia
fundamental do ordenamento jurídico que visa resguardar a liberdade de convicção e
opinião dos jurados, reconhecendo a importância da participação popular no processo
de julgamento, acreditando que a decisão tomada pelos membros que formam o
Conselho de Sentença reflete a vontade coletiva e os valores sociais, tendo em vista
que eles decidem de acordo com a consciência e fazem um juramento em relação a
isso.
Todavia, como a soberania dos veredictos está relacionada somente às
matérias de fato e não às matérias de direito, uma vez que os jurados são leigos e
não conhecem o entendimento jurisprudencial predominante, estes não precisam
justificar suas decisões. Por isso, este princípio possui limitações, admitindo-se, em
casos específicos, um novo julgamento no qual o órgão responsável por avaliar o
mérito da acusação será novamente o Júri Popular.
Art. 74. A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de
organização judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts.
121, §§ 1º e 2º, 122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código
Penal, consumados ou tentados (BRASIL, 1941).
24
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
25
Idem.
27
26
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 4. ed. São Paulo: Atlas, 1998.
27
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 08 abr. 2023.
28
Com o decorrer do tempo, cada vez mais a mídia vem causando impactos na
sociedade e, atualmente, com o imediatismo dos noticiários, os crimes chegam ao
conhecimento das pessoas quase no mesmo instante em que ocorrem, sendo a
própria mídia o principal meio responsável pela repercussão dos fatos.
Particularmente, a mídia tem como um dos seus principais focos noticiar e
divulgar fatos relacionados diretamente com o Poder Judiciário. Em especial, aos que
se referem aos crimes dolosos contra a vida, uma vez que estes têm uma grande
comoção popular, pois despertam curiosidade em toda população e, em muitos casos,
geram enorme indignação. Isso resulta em um aumento significativo do alcance e da
audiência dos meios de comunicação ao noticiar tais acontecimentos.
Ocorre que, na maioria das vezes, ao noticiar fatos criminosos, utilizando-se
de argumentos poderosamente convincentes, a mídia acaba por influenciar a opinião
pública, uma vez que seus espectadores, mesmo sem averiguar as fontes de
veracidade da matéria, formam sua convicção mediante o que lhes foi noticiado.
Isso possui um impacto que se relaciona diretamente ao instituto do Tribunal
do Júri, visto que quando a imprensa não cumpre seu papel de informar de forma
precisa, verídica e imparcial, ela pode causar danos significativos à sociedade e à
democracia. A partir disso, o modo como a mídia veicula esses noticiários podem levar
o réu, ainda em fase preliminar do processo, a ter sua condenação já declarada, além
de ferir a imparcialidade dos futuros jurados do caso.
28
LOPES FILHO, Mário Rocha. O tribunal do júri e algumas variáveis potenciais de influência.
Porto Alegre: Núria Fabris, 2008.
29
Por sua vez, o conceito de mídia pode ser entendido como sendo um conjunto
de variados meios de comunicação com a finalidade de transmitir informações e
conteúdos diversos, abrangendo diferentes plataformas como revistas, televisão,
jornais, rádio e internet a fim de que se possa noticiar e levar ao conhecimento da
população os acontecimentos recentes mais importantes.
Atualmente, diversas notícias chegam ao público ditando regras e moldando
opiniões, isso porque a mídia, usando sua grande influência e aproveitando suas
liberdades, em nome do direito de informar tem preferência em noticiar aqueles crimes
que chocam e podem ser vendidos facilmente como matéria de grande repercussão
e comoção, em especial os que atentam contra o bem jurídico mais importante, ou
seja, a vida humana.
Com isso, a mídia exerce um papel significativo no processo penal, vez que é
a principal precursora da opinião pública nos tempos atuais e surge como elemento
de informação e conhecimento da sociedade em relação aos processos criminais.
Segundo Paulo Cesar Freitas (FREITAS, 2016, p. 150)29:
29
FREITAS, Paulo Cesar. Criminologia Midiática e Tribunal do Juri. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2016.
30
GREGÓRIO, Joanderson Olímpio. A relação entre mídia e o crime: Um estudo bibliográfico sobre a
mídia, demonstrando como os noticiários retratam do crime violento e as consequências disso para
a Segurança Pública. C&D – Revista Eletrônica da Fainor, Vitória da Conquista, v. 7, n. 1, p. 64,
jan./jun, 2014.
30
31
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11 ed. Rio de Janeiro:
Forense, 2014.
31
32
MENDONÇA, Kléber. A punição pela audiência: um estudo do Linha Direta. Rio de Janeiro:
Quarter, 2013.
33
MELO NETO, Francisco Paulo de. Marketing do terror. 1. ed. São Paulo: Contexto, 2002.
32
investigado sofrer uma pré-execução sem qualquer chance de defesa, ou seja, antes
mesmo do seu julgamento, o réu já é considerado culpado e condenado perante a
sociedade, independentemente das provas apresentadas durante a sessão do Júri.
Segundo a esclarecedora análise do autor Rogério Lauria Tucci (1999, p. 15):
34
BONATO, Gilson. Devido Processo Legal e Garantias Processuais Penais. Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 2003.
34
Além disso, ambos são direitos e garantias fundamentais, que merecem uma proteção
especial do ordenamento jurídico para prevenir eventuais abusos por parte do Estado.
Assim, a liberdade de imprensa encontra-se respaldada no art. 5° da
Constituição Federal (BRASIL, 1988), em seus incisos IV, “é livre a manifestação do
pensamento, sendo vedado o anonimato” e inciso IX “é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independente de censura ou
licença”. Ainda na Constituição, em seu art. 22035, dispõe que “a manifestação do
pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou
veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição".
Para o autor Álvaro Júnior Rodrigues (2009, p.59)36, a liberdade de expressão:
[...] não está na faculdade de alguém ter opiniões (ou pensamentos) que lhe
pareçam convenientes (sem chegar a expressar ou divulgá-las), mas sim, na
possibilidade de exteriorizá-las, de poder manifestá-las e transmiti-las a
outras pessoas e muito especialmente àquelas que podem ter ponto de vista
diferente.
35
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
36
RODRIGUES, Álvaro Junior. Liberdade de Expressão e Liberdade de Informação. Curitiba: Juruá,
2009.
35
37
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito processual penal. 9. ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
36
julgados pelo plenário do Júri. Em relação a essa publicidade dos julgamentos pelo
Tribunal Popular, Guilherme de Souza Nucci (2019, p. 994)38 afirma:
38
NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de direito processual penal. 16. ed. São Paulo: Forense, 2019.
38
39
BASTOS, Márcio Thomaz. Júri e mídia. In: Tribunal do júri: Estudo sobre a mais democrática
instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p. 103.
40
CAVALERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. 7. ed. rev. e ampl. São Paulo:
2007.
39
41
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal,
1988. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao. Acesso em: 05
abr. 2023.
40
do Sul (TJRS), devido ao habeas corpus impetrado pela defesa do músico Marcelo de
Jesus dos Santos.
Em abril daquele ano, o Ministério Público do Rio Grande do Sul formalizou a
denúncia por homicídios e tentativas de homicídios, praticados com dolo eventual,
qualificado por fogo, asfixia e torpeza, contra os sócios-proprietários da Boate Kiss,
Elissandro Calegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, o vocalista do grupo musical
Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor e auxiliar de palco Luciano Augusto Bonilha
Leão. Ainda, o parquet denunciou os bombeiros Gerson da Rosa Pereira e Renan
Severo Berleze, e os ex-sócios da casa noturna Elton Cristiano Uroda e Volmir Astor
Panzer, por fraude processual e falso testemunho.
Segundo o órgão ministerial, os sócios concorreram para o crime ao
instalarem uma espuma altamente inflamável, sem indicação técnica, nas paredes e
no teto do estabelecimento. Além disso, os mesmos contrataram um show que sabiam
envolver fogos de artifício e mantiveram a boate superlotada, sem condições
adequadas de saída e segurança, bem como não possuíam uma equipe com
treinamento obrigatório. Ademais, o Ministério Público também os indiciou pela ordem
dada aos seguranças, os quais impediram a saída das pessoas do estabelecimento
sem o pagamento das comandas de consumo, assumindo o risco de matar.
Conforme o seguinte trecho da denúncia42:
42
MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Denúncia. Inquérito Policial nº
027/2.13.0000696-7. Santa Maria, 02 abr. 2013. Disponível em:
http://www.mprs.mp.br/areas/imprensa/arquivos/boate_kiss/denunciaprincipal.pdf. Acesso em: 31
ago. 2022.
42
deu início a queima do revestimento inflamável que cobria o local. Ainda, de acordo
com a denúncia, os acusados deixaram a boate sem alertar o público sobre o incêndio
e a necessidade de evacuação, mesmo tendo acesso fácil ao microfone e ao sistema
de som, assumindo, assim, o risco de causar a morte das pessoas que ali estavam.
Em 27 de julho de 2016, três anos após o oferecimento da denúncia, a Justiça
de Santa Maria acolheu integralmente a denúncia do Ministério Público do Rio Grande
do Sul (MPRS), proferindo a sentença de pronúncia e determinando que os réus
Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos
e Luciano Augusto Bonilha Leão, acusados de serem os responsáveis pela tragédia
na Boate Kiss, fossem julgados pelo Tribunal do Júri.
De acordo com o magistrado prolator da sentença, Doutor Ulysses Fonseca
Louzada (2016)43:
A sociedade exige, tem interesse que seja obtida uma prestação jurisdicional
eficiente, rápida, para que possa ser esclarecido o que realmente aconteceu
no palco dos acontecimentos, e o Poder Judiciário tem essa função/dever e
de maneira efetiva, porque no processo penal, ao lado das liberdades e
demais garantias do acusado (o que é irrefutável), devem ser protegidos
outros bens jurídicos (também tutelados) fundamentais para a sociedade,
mormente uma tutela jurisdicional efetiva.
43
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Decisão de Pronúncia - Processo nº 0023844-
82.2013.8.21.0027. 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria/RS. Juiz de Direito: Dr. Ulysses
Fonseca Louzada. J. em 27 jul. 2016. DJE 28 jul. 2016. Disponível em:
http://www.mprs.mp.br/areas/imprensa/arquivos/boate_kiss/sentencapronunciajuri.odt. Acesso em:
31 ago. 2022.
43
julgado em um foro diverso daquele em que o crime ocorreu, a fim de que nesse foro
seja realizada a sessão do Júri.
Outrossim, é importante destacar que o pedido de desaforamento é restrito à
segunda fase do júri (judicium causae), portanto, o momento cabível para fazer o
pedido de desaforamento é após o trânsito em julgado dos recursos, ou seja, depois
do fim da primeira fase (judicium accusationis).
Nos artigos 427 e 428 do Código de Processo Penal, estão previstas as
hipóteses de cabimento do desaforamento, que poderá ocorrer quando houver
interesse da ordem pública, dúvida sobre a imparcialidade dos jurados ou dúvida
sobre a segurança do acusado. Ainda, o desaforamento também poderá ser
determinado se for comprovado excesso de serviço ou nos casos em que o julgamento
não ocorrer no prazo de 6 (seis) meses do trânsito em julgado da decisão de
pronúncia. Surge essa necessidade diante da assertiva de que o Poder Judiciário,
além de cumprir o devido processo legal, deve também assegurar a efetivação da
Justiça de forma célere e eficiente, para que se concretize o princípio da razoável
duração do processo.
Importante ressaltar que, em regra, o réu deve ser julgado no lugar em que,
supostamente, cometeu o delito cuja prática lhe foi imputada. Portanto, o
desaforamento é uma medida extrema, de caráter excepcional, por isso, não ofende
o princípio do juiz natural. Nas palavras de Guilherme Souza Nucci (2009, p. 773-
774)44:
44
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 9. ed. rev. atual. e ampl. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2009.
44
Meras conjecturas em tal sentido, pelo puro e simples fato de ter havido
estrépito pela imprensa, não justificam a medida, até porque todos os dias,
literalmente, há pelo menos um escândalo policial na televisão, em
programas policialescos, não se podendo concluir que todo e qualquer
cidadão que o assistiu tornou-se parcial.
45
CAMPOS, Walfredo Cunha. Tribunal do júri. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2015.
45
46
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6ª Turma). Habeas Corpus n° 253.137-SP (2012/0185127-
8). Impetrante: César Augusto Moreira e outro. Impetrado: Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo. Relator: Min. Rogério Schietti Cruz. Brasília, 18 de fevereiro de 2016. Disponível em:
https://www.stj.jus.br/websecstj/cgi/revista/REJ.cgi/ITA?seq=1483454&tipo=0&nreg=201201851278
&SeqCgrmaSessao=&CodOrgaoJgdr=&dt=20160229&formato=PDF&salvar=false. Acesso em 20
jul. de 2023.
46
47
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de Processo Penal comentado. 19. ed. São Paulo: Editora
Forense, 2020.
47
Já o réu Luciano Bonilha Leão esclareceu aos jurados que era apenas auxiliar
do grupo, não produtor musical da banda, uma vez que não possuía conhecimento
técnico musical. Em seu depoimento, declarou que foi ele quem adquiriu os artefatos
pirotécnicos em uma loja da cidade para utilizarem no show. Disse que não recebeu
nenhuma orientação de uso por parte do funcionário da loja. Ainda, foi ele quem
acionou o fogo de artifício e o entregou ao vocalista, Marcelo.
Por sua vez, Mauro Londero Hoffmann, outro sócio da boate Kiss, defendeu-
se das acusações alegando que sua participação era apenas como investidor da casa
noturna e que não estava envolvido nas decisões tomadas por Elissandro, o sócio
administrador do estabelecimento. Ele enfatizou que sua condição para entrar na
sociedade era que a documentação estivesse em ordem e que fosse concluída a
reforma feita por Kiko para corrigir o vazamento acústico que incomodava os vizinhos,
conforme estabelecido pelo Ministério Público no Termo de Ajustamento de Conduta
(TAC), que apurava o caso.
Por fim, o último réu a prestar depoimento foi Marcelo de Jesus dos Santos,
que afirmou em juízo que era de conhecimento geral, inclusive da boate Kiss, que a
banda Gurizada Fandangueira fazia uso de instrumentos pirotécnicos em suas
apresentações, enfatizando que essa informação nunca foi escondida de ninguém.
Marcelo relatou que estava no palco segurando o artefato e seu colega Luciano o
alcançou. Com o artefato em mãos, ele o levantou e repentinamente percebeu o início
do fogo. Ressaltou que tentaram usar o extintor de incêndio, mas infelizmente ele não
funcionou.
Em sua tese, o Ministério Público, responsável pela denúncia que colocou os
quatro acusados no banco dos réus, pediu a condenação deles por homicídio simples
com dolo eventual, que ocorre quando o agente não quer atingir o resultado, mas
assume o risco de produzi-lo. A acusação baseou-se no fato de que os quatro réus
assumiram o risco de matar, ante a indiferença para com a vida das pessoas que
estavam presentes na boate.
Para colaborar com a fundamentação da sua tese e assentar que o caso foi
atribuído de dolo eventual para a prática de homicídio simples, o Promotor David
49
48
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5ª Turma). Recurso em Habeas Corpus n. 60.572 - SP
(2015/0139373-0). REsp n. 1.277.036/SP. Recurso Ordinário em Habeas Corpus. Homicídio Doloso.
Pronúncia. Preclusão. Desclassificação para a forma culposa. Impossibilidade. Matéria que deve ser
arguida na próxima fase do procedimento. Ausência de prejuízo. Necessidade de revolvimento do
conjunto probatório. Impropriedade da via eleita. Recurso desprovido. Recorrente: Raphael Cordeiro
de Farias Wright. Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo. Relator: Ministro Jorge
Mussi, julgado em 2/10/2014, DJe de 10/10/2014.
50
Ressaltou a questão do alvará e afirmou que Mauro apenas aceitou fazer parte da
sociedade, pois sabia da autorização do poder público. Em relação ao dolo eventual,
supostamente evidenciado pela acusação, os advogados relataram que o risco não
foi produzido por Mauro, bem como o mesmo não assumiu o risco. A defesa aduziu
que quando a espuma foi instalada no teto do estabelecimento Mauro não estava
presente, o que foi corroborado por uma das testemunhas apresentadas pela
acusação.
Dessa forma, a responsabilidade atribuída a Mauro baseia-se no fato de ele
ser um dos sócios e estar incorporado no Contrato Social da Kiss, levando a acusação
a imputar-lhe a responsabilidade objetiva. Além disso, Mauro não participava das
questões e decisões de contratação dos grupos que se apresentariam na Kiss,
afirmação ratificada por Elissandro Callegaro, bem como que não estava presente na
data dos fatos.
Por fim, os advogados de defesa de Luciano Bonilha pleitearam sua
absolvição, questionando se a aplicação da tese do dolo eventual seria correta ao
caso, visto que os réus estavam dentro do estabelecimento. Para a defesa, não faria
sentido que ele e os outros réus tivessem assumido o risco, colocando-se em uma
situação que prejudicaria a si mesmos e às vítimas. Ou seja, eles não teriam assumido
o risco de sua própria morte.
Após quase nove anos do trágico incêndio da Boate Kiss, em Santa Maria,
que resultou na morte de 242 (duzentas e quarenta e duas) pessoas e deixou outras
636 (seiscentas e trinta e seis) feridas, o julgamento mais longo da história do Poder
Judiciário do Rio Grande do Sul chegou ao fim depois de 10 (dez) dias de trabalhos.
O Juiz Orlando Faccini Neto leu a sentença ao final do julgamento, por volta das
dezoito horas, após o Conselho de Sentença votar pela condenação dos quatro
acusados.
As condenações incluíram homicídio simples e homicídios tentados com dolo
eventual e as penas foram determinadas da seguinte forma: Elissandro Spohr, 22
anos e 6 meses; Mauro Hoffmann, 19 anos e 6 meses; Marcelo de Jesus e Luciano
Bonilha, 18 anos, todos em regime inicial fechado.
51
49
RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça. Sentença - Processo nº 001/2.20.0047171-0 (CNJ:
0047498-35.2020.8.21.0001). 1ª Vara do Juri do Foro Central de Porto Alegre/RS, 2021. Disponível
em: https://www.migalhas.com.br/arquivos/2021/12/B2D28CB95C2B9B_sentenca-caso-kiss.pdf.
Acesso em: 31 ago. 2022.
50
STÜRMER, Mauro. Boate Kiss: entenda por que júri foi anulado e quatro réus foram soltos pela
Justiça do RS. G1, Rio Grande do Sul, 26 jan. 2023. Disponível em: https://g1.globo.com/rs/rio-
grande-do-sul/noticia/2023/01/26/boate-kiss-entenda-por-que-juri-foi-anulado-e-quatro-reus-foram-
soltos-pela-justica-do-rs.ghtml. Acesso em: 24 jul. 2023.
52
Não há dúvidas de que o incêndio na Boate Kiss foi uma enorme tragédia,
resultando na morte de 242 (duzentas e quarenta e duas) pessoas, a maioria jovens
universitários que estavam presentes na boate para uma noite de festa e
comemoração, deixando mais de 600 (seiscentos) feridos, que adquiriram inúmeras
sequelas físicas e psíquicas em decorrência do desastre. A tragédia ocorrida em
Santa Maria não apenas abalou os familiares e amigos das vítimas, mas também teve
um impacto significativo na sociedade, tanto em âmbito nacional quanto internacional.
O devastador incêndio, que causou tantas perdas, comoveu pessoas ao redor
do mundo todo. O caso ganhou grande destaque na mídia, sendo que até mesmo
veículos internacionais, como CNN, BBC e The New York Times destacaram a
tragédia em suas manchetes principais em razão da gravidade e da inconformidade
53
com a morte de tantos jovens, sendo classificado como o segundo pior incêndio
registrado na história do Brasil.
Desde o início, o acontecimento foi amplamente noticiado pela mídia, inclusive
enquanto o incêndio ainda estava ocorrendo e os bombeiros trabalhavam para
resgatar as pessoas do interior da boate. As emissoras de televisão realizaram
transmissões ao vivo, mostrando a situação em tempo real. O programa “Esporte
Espetacular”, da Rede Globo, revelou os primeiros detalhes da tragédia durante uma
edição de três horas e meia, com entrevistas de sobreviventes que haviam acabado
de passar pela tragédia.
O conhecido programa dominical “Fantástico” exibido no dia 27 de janeiro de
2013 iniciou com uma tela preta que exibia as palavras “Santa Maria, RS - madrugada
de hoje”, apresentando uma cobertura completa, com possíveis causas do incidente
e depoimentos das vítimas ao longo da exibição. Ao final do programa, foi apresentado
o discurso do Governador do Rio Grande do Sul na época, Tarso Genro, que ressaltou
a necessidade de uma investigação rigorosa para apurar as responsabilidades dos
envolvidos nos equipamentos usados naquela fatídica noite.
A afiliada da Rede Globo no estado do Rio Grande do Sul, a RBS TV, também
cobriu a tragédia em tempo real, apresentando novas informações sobre o caso a
cada momento. Em vez de intervalos comerciais e programas de entretenimento, a
emissora optou por exibir entrevistas com sobreviventes, atualizações sobre o número
de vítimas, informações sobre a possível causa do incidente e conversas com
especialistas. Por cerca de dois meses e meio, a RBS dedicou todos os esforços na
apuração do ocorrido, transmitindo 130 (cento e trinta) reportagens junto com a TV
Globo e entradas ao vivo em telejornais e programas, seguindo a lógica do mercado
de informar constantemente, mesmo que em algumas ocasiões as informações sobre
o caso ainda não estivessem completamente estabilizadas.
Em vista disso, por se tratar de um caso de grande calamidade, os meios de
comunicação preocupavam-se em acobertar o acontecido, mesmo que de forma
54
51
SILVEIRA, Ada Christina Machado da (Org.). Midiatização da tragédia de Santa Maria – volume
1. Santa Maria: FACOS-UFSM, 2018. pp. 215-230. Disponível em:
https://www.researchgate.net/profile/AdaMachado-Da-
Silveira2/publication/360614219_A_midiatizacao_da_tragedia_de_Santa_Maria_A_catastrofe_biop
olitica_vol1/links/62 813cbb973bbb29cc813177/A-midiatizacao-da-tragedia-de-Santa-Maria-A-
catastrofe-biopolitica-vol1.pdf.
52
ROSÁRIO, Tiago. Retórica e Facebook em tempos de histeria midiática: uma análise sobre a tragédia
da Boate Kiss. Razón y palabra, Quito, n. 83, jun-ago, 2013.
55
53
ISTOÉ. Capa. IstoÉ, nº 2.255, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://revista.istoe.com.br/edicao/edicao-2255/. Acesso em: 2 set. 2022.
54
VEJA. Capa. Veja, nº 2.307, São Paulo, 6 fev. 2013. Disponível em:
https://www.skoob.com.br/revista-veja-edicao-2307-06-de-fevereiro-de-2013-
301126ed337406.html. Acesso em: 2 set. 2022.
55
LOPES JÚNIOR, Aury. Direito Processual Penal. 19. ed. São Paulo: SaraivaJur, 2022.
56
Logo, com base na análise das notícias sobre a tragédia de Santa Maria, é
evidente o intenso descontentamento da sociedade com o ocorrido devido a uma
suposta ideia de impunidade, presente antes mesmo da condenação dos acusados
perante o Tribunal do Júri. A mobilização midiática trouxe como única realidade
plausível o fato de que Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Luciano
Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus foram responsáveis pelo incêndio, e que
buscaram esse resultado e, portanto, deveriam ser condenados a penas severas
como forma de dar uma resposta à sociedade.
Assim, não importava quais seriam os jurados ali sorteados para compor o
Conselho de Sentença, tendo em vista que, para grande parte da população,
impactada com as notícias propagadas pelos meios de comunicação, os acusados já
eram considerados culpados, afetando diretamente a imparcialidade dos jurados.
Mesmo que não concordassem com a condenação de algum dos acusados, levariam
em consideração a frustração perante a sociedade e, principalmente, perante os
familiares das vítimas.
Ocorre que, conforme explicado acima, quase um ano após a condenação
dos réus pelo Tribunal do Júri, em agosto de 2022 o julgamento foi anulado, de forma
a colaborar com a tese de que o veredicto foi influenciado por uma estratégia midiática
que criou uma percepção equivocada sobre as provas apresentadas, além de
divulgarem um conceito errado acerca da teoria do dolo eventual, bem como não
permitirem que as defesas apresentassem seus argumentos, não levando em
consideração os direitos daqueles réus que ali estavam sendo julgados.
Portanto, considerando a análise da influência da mídia na formação da
opinião pública e nos julgamentos competentes ao Tribunal do Júri, juntamente com
a análise da cobertura midiática brasileira sobre o caso da Boate Kiss, conclui-se que
as condenações dos réus Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann,
Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus foram influenciadas pela
construção midiática da responsabilidade penal dos acusados, bem como da
necessidade de encarceramento como resposta social.
57
4 CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
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sua evolução histórica e algumas reflexões sobre seu estado atual. In: Revista
Brasileira de Ciências Criminais, ano 4, v. 15, p. 143-144. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1996. Acesso em: 26 abr. 2023.
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democrática instituição jurídica brasileira. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. p.
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