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UNOESC – UNIVERSIDADE DO OESTE DE SANTA CATARINA

CURSO DE DIREITO

CARLOS ALBERTO SANTIN

OS LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO EFEITO INTEGRATIVO DA NORMA À LUZ
DE UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA.

Videira-SC
2010
CARLOS ALBERTO SANTIN

OS LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO EFEITO INTEGRATIVO DA NORMA À LUZ
DE UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA.

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado ao Curso de Direito da
Universidade do Oeste de Santa Catarina
– UNOESC – Campus de Videira, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Luiz Fernando Vescovi

Videira-SC
2010
CARLOS ALBERTO SANTIN

OS LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO EFEITO INTEGRATIVO DA NORMA À LUZ
DE UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA.

Trabalho de Conclusão de Curso,


apresentado ao Curso de Direito da
Universidade do Oeste de Santa Catarina
– UNOESC – Campus de Videira, como
requisito parcial à obtenção do grau de
Bacharel em Direito.

Aprovada em: __________ com a nota _______.

BANCA EXAMINADORA

________________________
Prof.
Universidade ....

________________________
Prof.
Universidade ....

________________________
Prof.
Universidade ....
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Oeste de
Santa Catarina – UNOESC – Campus de Videira, a Coordenação do Curso de
Direito e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.

Videira (SC), 20 de dezembro de 2010.

_____________
Carlos Alberto Santin
Dedico a todos aqueles que amam o
Direito e impunham a espada de Têmis.
Que sempre pensemos o Direito como
algo a mais.
AGRADECIMENTOS

A Deus, por me dar todos os dias um espírito guerreiro, estar presente em todas
minhas conquistas e reerguer-me nas minhas derrotas.

A minha família: meu Pai, minha mãe, e minha irmã, pelo apoio moral e material
despendido. A minha irmã agradeço, também, pelas contribuições teóricas e
ideológicas empregadas.

Ao meu melhor amigo e colega Valtencir Moreira, por ver um jurista nesse humilde
acadêmico, e me ajudar a acreditar em mim. Sem tua ajuda meu amigo fazer Direito
teria sido muito mais difícil.

Ao Doutor Fernando Vieira Luiz, por ser um exemplo para mim de como pensar o
Direito e por ter me presenteado com um material de pesquisa sem o qual este
trabalho não teria acontecido.

Aos meus orientadores de metodologia Gladis Zago e temático o ilustre Luiz


Fernando Vescovi, obrigado pela paciência e por acreditarem que sou capaz.

A todos os meus colegas de turma, caminhamos todos juntos e chegamos todos


juntos.

A todos aqueles que acreditaram em mim e me auxiliaram nessa batalha. Também


àqueles que duvidaram de mim, pois, duvidando me deram a força que faltava para
cada dia lutar com o fim de demonstrar-lhes que sempre estiveram errados.
“Quem dá às Constituições realidade, não
é nem a inteligência que as concebe, nem
o pergaminho, que as estampa: é a
magistratura, que as defende”.
Ruy Barbosa
RESUMO

O presente trabalho de conclusão de curso foi elaborado com o objetivo de estudar


sobre a possibilidade de existência de limites interpretativos das normas, tendo em
vista o pós-positivismo jurídico; corrente do Direito que mudou substancialmente a
forma de abordagem do senso comum teórico que se constrói no ideário do jurista,
de modo que, objetivou-se um estudo sobre a hermenêutica jurídica e a forma com a
qual se interpreta o direito com base nos princípios que criam e configuram toda a
sistemática jurídica. Estudar, ainda, sobre os modos informais de mutação do
sentido aplicável das normas constitucionais com vistas à sua eficácia,
independentemente de processos metódicos de construção de sensos, que já não
mais atendem a ideais comuns. Como conclusão que se teve ao final da pesquisa
após estudar-se sobre os elemetos históricos que auxiliaram na construção e
reformulação das correntes do Direito, foi a de que houve, sem dúvida, uma
retomada da discussão prática dos ideais de Justiça perseguidos pela sociedade, de
modo que, formularam-se críticas ao dogmatismo predominante que torna a norma
um mero objeto a serviço de uma razão metafísica e estruturada em discursos de
fundamentação desnexados do plano prático. Tem-se como objetivo, quando do
desenvolvimento de tais teorias, uma reaproximação, um reencontro do Direito com
o Direito, entendido esse como um algo que é independente da subjetividade de
aplicação interpretativa que se construa no plano teórico, mas um algo que venha a
ser vinculado ao plano da eficácia pelo que pode acontecer através do ser
cognoscente que perquire sobre o objeto com pretensões de reconstrução do
mesmo.

Palavras-chave: Hermenêutica Jurídica. pós-positivismo. Viragem lingüística.


Constituição.
ABSTRACT

This conclusion of course work was developed with the goal of stude about the
possibility of the existence or not of the interpretative limits of the rules in view of the
post-legal positivism; current law that substantially changed the way of common
sense approach to theoretical builds on ideas of a lawyer, so that aimed to study on a
legal interpretation and the way in which it interprets the law based on principles that
create and shape the entire scheme of law. To stude is also on informal means of
changing the meaning of the applicable law provisions, seeking its effectiveness,
whether processes of methodical construction of senses that no longer serve the
common ideals. As a conclusion it had to end no formal the search after perquirir out
about the historical modeled elements that helped in the construction and overhaul of
current law, was that there was indeed a revival of practical discussion of the ideals
of justice pursued by society, so formulated is critical to prevailing dogma that makes
the norm a mere object in the service of a metaphysical reason and structured
speeches desnexados reasons of practical plan. It had as objective, when developing
such theories, a rapprochement, a reunion of law with the Law, understood this as a
something that is independent of the application of interpretative subjectivity is built
on a theoretical level, but one thing that comes to be bound by the plan's
effectiveness can be by knowing that perquirir be on the object with the same claims
of reconstruction.

Keywords: Legal Hermeneutics. post-positivism. Linguistic turn. Law.


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11

2 OS LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO EFEITO INTEGRATIVO DA NORMA À LUZ
DE UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA ....................................................... 14

2.1 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: DEFINIÇÕES APLICADAS,


HISTÓRIA E PRINCÍPIOS RELACIONADOS ........................................................... 14

2.1.1 História da hermenêutica e o legalismo .................................................... 14

2.1.2 Conceito de hermenêutica e hermenêutica filosófica................................ 18

2.1.2.1 A hermenêutica entendida como um método interpretativo e a metódica


estruturante. .............................................................................................................. 21

2.1.2.2 O homem como ser cognoscente: agente da hermenêutica


constitucional..............................................................................................................24

2.1.2.3 Objeto da hermenêutica a representação da norma como condição de


condição de possibilidade hermenêutica ................................................................... 27

2.1.2.3.1 Norma, regra e princípio, os princípios gerais do direito: distinções


estruturais no novo paradigma normativo ................................................................. 29

2.1.2.4 Hipóteses abstratas de necessidade hermenêutica (a dicotomia entre


discurso de fundamentação e de aplicação em Habermas) ...................................... 32

2.1.3 Da hermenêutica clássica à contemporânea; um breve estudo a partir de


Gadamer ...................................................................................................................36

2.2 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS, O PÓS-POSITIVISMO E OS SEUS


EFEITOS DIANTE DA NOVA HERMENÊUTICA ...................................................... 39

2.2.1 Definição de pós-positivismo: o pós-positivismo como resultado ............. 39

2.2.1.1 Do jus-naturalisno ao pós-positivismo: breve apanhado histórico ............ 42

2.2.1.2 O pós-positivismo a elevação dos princípios e seus efeitos na


interpretação das normas .......................................................................................... 45

2.2.2 Os métodos interpretativos e a hermenêutica de como a metódica


interpretativa objetifica o direito ................................................................................. 47

2.2.3 A semiótica e a hermenêutica, uma relação no mínimo necessária ......... 51


12

2.3 A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E A (POSSI)NECESSIDADE DE


LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS. O PROBLEMA DO MÉTODO E DE
COMO PENSAR A CONSTITUIÇÃO COM VISTAS À SUA EFETIVIDADE ............. 54

2.3.1 Mutação constitucional: conceito e limite .................................................. 54

2.3.1.1 De como se dá a mutação e seu resultado: os mecanismos de atuação e


de como a mutação constitucional integra a norma no sistema e o sistema na
realidade prática sem condicionantes metódicas ...................................................... 57

2.3.2 Os limites interpretativos: de como o intérprete entra no círculo


hermenêutico............................................................................................................. 60

2.3.3 Os princípios como condicionantes hermenêuticos e o problema do


método ...................................................................................................................62

2.3.4 Constituição e realidade desconstitucionalizante de ações: A


hermenêutica como adequação de espaços projetados fora da Constituição .......... 64

2.3.5 A retomada de um novo senso. A hermenêutica como pressuposto para


construção de um paradigma de efetivação. Pensando o problema com vistas à sua
solução.......................................................................................................................68

2.3.6 A Constituição como o que “é” e não o que “virá a ser”. A efetividade e a
“Constituição que constitui” ....................................................................................... 70

3 CONCLUSÃO ........................................................................................... 73
11

1 INTRODUÇÃO

Pretende-se, no presente estudo, estabelecer, caso existam, os limites


interpretativos das normas constitucionais, tendo como base essa nova corrente do
Direito comumente denominada pós-positivismo jurídico que tem como produto a
mudança do senso comum teórico sobre o Direito.

As normas, de um modo geral, são sempre alvos de diversas reformas, tanto as


formais, quando se alteram os textos, quanto às informais em que se mudam apenas
o sentido aplicável das mesmas. Cabe ressaltar, o que será mais bem delineado no
trabalho, sobre a importância do Poder Judiciário, pois a ele cabe o papel de
interpretar as normas constitucionais atribuindo-lhes força normativa suficiente ao
atendimento das necessidades sociais, além de julgar as ações constitucionais,
tanto através do controle difuso, quanto do concentrado de constitucionalidade
impedindo a entrada no sistema de normas que desatendam os ideais do povo
transcritos na Carta Maior.

Para melhor desenvolvimento do tema é salutar discorrer um pouco sobre o que vem
a ser, ou deve-se entender por Constituição, tendo em vista a largueza dos
conceitos relacionados.

Constituição deve ser entendida como aquela que constitui, e se constitui, o faz a
algo, ou seja, a Constituição constitui a ação, não num sentido praxiológico, pura e
simplesmente, e sim, no sentido de sua significância sistemática, pois nada dentro
do sistema de leis deve existir ou ser criado senão pela Constituição.

Tendo dito isso, passa-se a explanar sobre o tema em si, que leva em seu ápice a
discussão sobre até onde pode chegar os limites interpretativos da norma
constitucional, pois se sabe que a Constituição não traça os tais limites, nada
dispondo, portanto, sobre a interpretação de suas normas.

Ao intérprete cabe dar vida às normas constitucionais, aplicá-las, dotando-as da real


e necessária eficácia, para tanto, utiliza-se de ferramentas, os chamados métodos
interpretativos.
12

Ocorre, no entanto, que na sistemática atual que leva em conta um pensar filosófico
sobre a busca de eficácia de uma norma, a utilização de ferramentas, pura e
simplesmente, levar-se-á a um senso jurídico dogmático, que não é bem vindo e
eras de pós-positivismo jurídico.

A solução para qualquer impasse relativo à interpretação da Constituição depende


da resposta de algumas questões como: a) o efetivo conteúdo das normas
constitucionais, pois para interpretar uma norma é necessário conhecê-la em sua
essência, b) o alcance das normas, ou melhor, de acordo com o espírito constituinte
originário estabelecer as projeções normativas da Constituição com vistas à sua
efetividade.

A principal questão que se pretende debater é relativa aos limites interpretativos a


que se submete o intérprete da Constituição, e sobre os fatores sociais que o leva a
interpretar de tal maneira.

Esta, dentre outras questões, pretende-se que sejam alvo dos debates no presente
trabalho. À medida que este se justifica de forma mais clara nas questões relativas à
existência ou não de um limite interpretativo aplicável à Constituição, e nesse norte,
onde entra e qual o papel da hermenêutica.

A relevância da presente discussão reside no fato de se estar em uma transição de


um direito Constitucional positivamente ligado ao espírito constituinte originário para
um constitucionalismo predominantemente garantista e não mais vinculado às
questões de ordem prática ou formal, é força dizer que o constitucionalismo do
futuro, o que os doutrinadores Luís Roberto Barroso, Eduardo Ribeiro Moreira,
dentre outros, têm chamado de pós-positivismo, sobreleva a norma com conteúdo
constitucional à categoria de norma verdade ou norma justiça, claro, também que o
desenvolvimento dessa corrente tem acarretado na modificação de diversos
conceitos o que, de fato, modifica a eficácia aplicável das normas.

Para que no futuro a Constituição seja dotada de plena eficácia e sejam os erros do
passado apenas fragmentos da história, pretende-se, antes de contestar as normas
constitucionais ou sua aplicabilidade prática, apenas discutir questões abstratas
relativas à sua força normativa e seu conteúdo, sempre com vistas à sua efetividade.
13

Outro tema que será estudado, e que guarda relação com todo o mais é o relativo à
filosofia da linguagem, e de como se construiu essa sistemática hermenêutica
jurídica através de uma nova percepção do sujeito do conhecimento e do objeto a
ser conhecido, e de como essa sistemática influencia na interpretação das normas.

Por último, serão sustentados com base na doutrina de Streck, os argumentos


relativos à Nova Crítica do Direito, que pretende uma quebra de paradigmas
relativos ao interpretar, de como o jurista vê as normas, especialmente as
constitucionais. Relacionando com a hermenêutica, tem-se que o intérprete busca na
norma o que ela pode ser, pois na verdade ela nunca deixou de ser, porém, sempre
aconteceu no plano prático, de forma velada, isto pela incompletude interpretativa.
Problema a ser debatido.
14

2 OS LIMITES INTERPRETATIVOS DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: A


MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL COMO EFEITO INTEGRATIVO DA NORMA
À LUZ DE UMA HERMENÊUTICA PÓS-POSITIVISTA

O presente trabalho será dividido em três seções, nas quais se espera delinear os
contornos necessários a um entendimento mínimo sobre o tema, que não traz em si
uma problemática de âmbito científico-prático que frustra o quotidiano dos juristas, e
sim um problema relativo às subjetividades constantes das normas, além de um
estudo, crítico sistêmico da justiça das decisões. As seções seguintes se inter-
relacionam, de modo que, partir-se-á de conceitos que convenientemente prefere-se
chamar de conceitos aplicados ou dirigidos, chegando-se a análise das normas
constitucionais e seus efeitos na corrente constitucional dominante, por fim far-se-á a
relação da mutação de sentido como efeito integrativo da norma, relacionando,
ainda, os limites (se existentes) de interpretação possivelmente empregados.

2.1 A HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL: DEFINIÇÕES APLICADAS,


HISTÓRIA E PRINCÍPIOS RELACIONADOS

Nesta primeira seção, serão tratadas as questões históricas relativas ao tema,


abordando os traços fundamentais da nova hermenêutica, de como os sistemas
interpretativos das normas evoluíram para chegar ao que conhecemos hoje como
hermenêutica filosófica. Nesta seção serão ainda estudados os elementos
estruturais dessa nova corrente do Direito que se convencionou chamar de pós-
positivismo, distinções necessárias dos elementos conceituais intrínsecos do Direito,
que, com a nova teoria, mudou substancialmente a forma de pensar e aplicar a
norma. Por último será feito breve estudo da hermenêutica clássica, num
comparativo com a filosófica a partir dos ensinamentos do filósofo Gadamer.

2.1.1 História da Hermenêutica e o legalismo

A palavra hermenêutica, remontando às suas origens gregas, significa tornar algo


compreensível, utilizando a linguagem como instrumento.
15

Extrai-se de Palmer (1969, p. 23) a lição acerca da história da terminologia do


vocábulo “hermenêutica” expondo o seguinte:

A palavra hermenêutica remonta ao verbo grego hermeneuein (interpretar) e


ao substantivo hermenéia (interpretação). Há correntes que apontam a
origem do nome ao deus grego Hermes, filho de Zeus com Maia, sendo,
nesse caso, associado à função de transmutar aquilo que estivesse além do
entendimento humano em uma forma que a inteligência humana pudesse
compreender. Hermes traduzia as mensagens do mundo dos deuses para o
mundo humano. Sua figura era tão marcante que foi atribuída a ele a
descoberta da linguagem e da escrita, e sua função de mensageiro sugere,
na origem da palavra hermenêutica, o processo de trazer para a
compreensão algo que estivesse incompreensível, sendo o responsável por
transmitir, dizer, explicar, traduzir as mensagens dos deuses para os
homens.

Maciel (2004, p. 67-68) relata que comumente se entende a hermenêutica como


uma filosofia que permite buscar instrumentos que facilitam a arte de interpretar. Sua
primeira função, na Grécia Antiga, era a de entregar aos profanos o sentido de um
oráculo, mas, ao longo do tempo, foi assumido um caráter filosófico e penetrando
nas ciências humanas, isso, devido à complexidade que as relações humanas
assumiram ao longo do tempo.

Palmer (1969, p. 64), delineando os passos da hermenêutica na História, esclarece


que:

Por ser a atividade hermenêutica um ofício muito antigo o termo ganhou, no


decorrer da História, significados distintos, com características peculiares
em cada momento concreto. Divide-se o estudo da hermenêutica em várias
fases, como a questão teológica, a época grega, o período romano, a baixa
Idade Média com os glosadores e comentadores, a visão humanista da
Idade Moderna e a dimensão essencialmente filosófica que assumiu a partir
de Scheleiermacher, culminando com a obra Verdade e Método, de
Gadamer. Vale ressaltar que hermenêutica (escrita dessa forma em latim)
foi utilizada como título de um livro, pela primeira vez na História, em 1654,
na obra de J. C. Danhauer denominada Hermenêutica sacre sive methodus
exponendarum sacrarum litterarum. Após essa primeira menção, o termo
passou a ser utilizado cada vez com maior freqüência, principalmente na
Alemanha.

Justifica o autor que na Alemanha, por volta do século XVIII, havia círculos
protestantes que sentiram a necessidade de que fossem criados “manuais de
interpretação” que ajudassem aos sacerdotes na exegese das escrituras sagradas,
visto que estes estavam desligados de qualquer vínculo com a Igreja e sua
autoridade, não podendo, por isso, decidir sobre questões de interpretação
(PALMER, 1969, p. 44).
16

Maciel (2004, p. 83) explicita que desde a Segunda Grande Guerra (1939-1945) o
processo de democratização vem ganhando força, fato este que acarretou na
mudança substantiva na natureza da ordem jurídica. Esta passou,
progressivamente, a ter de lidar com conflitos de interesses e de valores de uma
sociedade pluralista e complexa, em que a norma de direito reflete a vontade
democrática na sua formulação e envolve, portanto, na sua aplicação, o emprego de
critérios metajurídicos. Deixa de interessar à sociedade organizada apenas a melhor
interpretação; é preciso buscar a melhor interpretação para cada caso concreto.
Torna-se necessário, cada vez mais, encontrar soluções específicas para casos
específicos.

Ainda, o referido jurista (p. 89-90), ao falar do papel da hermenêutica na discussão


contemporânea do direito, leciona que:

A hermenêutica assumiu papel de destaque na reflexão jurídica


contemporânea. O processo hermenêutico considera a norma parte
integrante do sistema jurídico, mas a percebe, também, como meio para a
solução de conflitos que não se caracterizam por suas dimensões
estritamente legais, pois comportam aspectos sociais e valorativos,
determinantes para a própria eficácia do direito. Fica evidente a
necessidade de uma hermenêutica que trabalhe o direito de forma concreta,
assumindo alguns pressupostos metodológicos que permitam pensar na
elaboração de uma nova leitura para um novo direito.

Seguindo a esteira do direito napoleônico a Escola Exegética surgiu na França a


partir da Revolução Francesa e da compilação do Código de Napoleão compondo o
Código Civil Francês de 1804. O entendimento era o de que o Codex abrangia todas
as situações da vida cotidiana, assim, a interpretação deveria limitar-se a busca da
vontade do legislador, para que a norma fosse aplicada segundo esta vontade. Para
essa Escola, o direito é um sistema de conceitos articulados e coerentes, revelado
pelas leis, não apresentando lacunas. As leis, por sua vez, são aquelas normas
escritas, emanadas pelo Estado, que constituem o direito, criando para os
administrados, além destes direitos, também certas obrigações. Os adeptos dessa
Escola advogam que o aplicador do direito deve partir sempre do Direito Positivo, ou
seja, buscar nas leis as respostas necessárias, mediante a interpretação de
preceitos, de forma sistemática (MACIEL, 2009, p. 125).

Essa positivação do direito, por sua vez, se apresenta sob dois aspectos importantes
para o seu entendimento, a saber: a) o filosófico e b) o sociológico.
17

O autor Ferraz Jr (2006, p. 74), expressa relevante lição sobre o chamado legalismo,
amplamente discutido, lembrando sobre a chamada “redução” do jurídico ao legal,
afirmando que a:

[...] positivação designa o ato de positivar, isto é, de estabelecer um direito


por força de um ato de vontade. Segue daí a tese segundo a qual todo e
qualquer direito é fruto de atos dessa natureza, ou seja, o direito é um
conjunto de normas que valem por força de serem postas pela autoridade
constituída e só por força de outra posição podem ser revogadas.
A redução do jurídico ao legal foi crescendo durante o século XIX, até
culminar no chamado legalismo. Não foi apenas uma exigência política, mas
também econômica. Afinal, com a Revolução Industrial, a velocidade das
transformações tecnológicas aumenta, reclamando respostas mais prontas
do direito, que o direito costumeiro não podia fornecer.

Maciel (2009, p. 126), ao comentar a lição de Ferraz Jr, recorda que o declínio da
Escola Exegética surgiu pelo fato de que se apercebeu um desequilíbrio entre a lei
codificada e a verdadeira realidade social, e apesar dessa Escola exercer ainda hoje
enorme influência entre os juristas, ela permite a existência de muitas brechas,
tornando as regras insuficientes em sua abstração.

A aplicação do direito, para que seja eficiente e eficaz, necessita de uma nova
vertente, um novo olhar. Tornam-se necessárias, cada vez mais, interpretações
permeadas pela utilização tanto do método teleológico, baseado numa crença
comum, como do axiológico, fulcrado nos valores morais do interprete, em
detrimento da tradicional interpretação positivista, a fim de diminuir a ruptura entre a
lei e o fato social (MACIEL, 2009, p. 127). Admitir um novo olhar, em tempos atuais,
é admitir uma epistemologia da verdade.

No Século XXI ocorreram algumas mudanças substanciais, iniciadas já em meados


do Século passado, que, apesar da convivência com outras Escolas, sobressai-se,
cada vez mais, no meio social. Trata-se da chamada postura “pós-positivista”,
aquela que valoriza sobremaneira os princípios, especialmente os constitucionais,
tanto os explícitos quanto os implícitos, redefinindo todo o foco de aplicação e de
discussão do direito sobre uma matriz que aproxima o direito da moral, e redefine os
métodos interpretativos, buscando a verdade (justiça) da norma através da
hermenêutica de suas disposições (MACIEL, 2009, p. 127-128).

Pode-se, hodiernamente, falar que essa corrente permitiu a construção de um neo-


constitucionalismo, que é, essencialmente fundado numa hermenêutica filosófica de
18

matriz gadameriana cuja principal contribuição foi deixar de lado o normativismo


para adentrar numa transcendência conceitual com a atribuição de normatividade
aos princípios e a busca pela promoção do encontro do direito com o direito, isto é, o
direito como ferramenta de busca, não só como palco, de seu ideal primeiro, a
justiça, é o surgimento de um novo paradigma antidogmático e antiexegético.

2.1.2 Conceito de Hermenêutica e hermenêutica filosófica

Como já se aludiu em parágrafos anteriores, será necessário, para que o


desenvolvimento do tema se revista de integridade teórica e que sejam alcançados
os objetivos propostos, que alguns conceitos sejam determinados de acordo com
estes objetivos, são os “conceitos dirigidos” ou “conceitos aplicados”. Ciente disso
partir-se-á para a conceituação de hermenêutica.

Hermenêutica jurídica pode ser entendida como efeito de interpretar, ou o ato de


conhecer o direito com base em sua essência, se resume em traduzir a vontade
normativa em linguagem suficientemente clara para os jurisdicionados.

Segundo Heidegger (1997, p. 172), hermenêutica, como já visto, deriva do grego


hermeneuein, que remete ao deus Hermes, o mensageiro dos deuses. Hermes era
conhecido como aquele que descobriu o objeto utilizado pela compreensão humana
para alcançar o significado das coisas e para transmiti-lo às outras pessoas. Ocorre,
porém, que ao transmitir a vontade dos deuses, Hermes, punha um pouco de seu
entendimento, do que ele pretendia com a norma. Daí decorre o uso de métodos
que nada mais são do que ferramentas que permitem ao intérprete dirigir, conforme
sua vontade, a eficácia da norma, entenda-se, nesse caso por vontade aquela
voltada para o sistema no qual o interprete está inserido, não é uma volutas
discricionária, mas sim, baseada numa necessidade interpretativa, da busca de
verdades constantes da norma.

Voltando para a História. O deus Hermes estava vinculado a uma função de


transmutação, ou seja, transformava aquilo que a compreensão humana não
alcançava em algo que conseguisse compreender.
19

Para Maximiliano (1999, p. 1), a hermenêutica é o meio para atingir a aplicação, é o


momento da atividade do aplicador. Revela o adaptador da doutrina à prática, da
ciência à realidade: o verdadeiro jurisconsulto. É um trabalho de clarificação de
descoberta da norma e de adequação desta às hipóteses de sua aplicabilidade.

Assim, em linhas gerais, consoante é o entendimento do autor de que cabe a


hermenêutica desmistificar os sentidos interpretacionais da norma, tirar da norma as
impressões incongruentes que não atendam aos anseios sociais. Interpretar é dizer
o que diz a norma. Já a hermenêutica vai mais a fundo, e deve ser usada para dizer
o que é necessário que a norma diga, sob o ponto de vista de uma justiça
necessária buscada pelo direito (MAXIMILIANO, 1999, p. 1).

E prossegue o autor:

A hermenêutica jurídica tem por objetivo o estudo e a sistematização dos


processos aplicáveis para determinar o sentido e o alcance das expressões
do Direito. [...] Para aplicar o Direito se faz mister um trabalho preliminar:
descobrir e fixar o sentido verdadeiro da regra positiva; e, logo depois, o
respectivo alcance, a sua extensão. Em suma, o executor extrai da norma
tudo o que na mesma se contem: é o que se chama interpretar.
(MAXIMILIANO, 1999, p. 1).

Errôneo é entender a norma com um fim em si, isto é, utilizar-se da hermenêutica


para atingir os objetivos implícitos na norma sem ligá-la à sua eficácia. A norma
constitucional por natureza deve ser “viva” esta é uma proposição da corrente pós-
positivista, conforme melhor se vai trabalhar em capítulo pertinente, e que exige da
norma uma finalidade. Assim não há que se falar em norma que, somente ligada ao
plano da existência, atinge o plano da eficácia, ela deve estar atrelada à uma
validade fundamentada no sistema e na consciência racional daquele que interpreta,
e nesse ponto adentra-se na hermenêutica filosófica.

O primeiro item salutar de averiguação ao se estudar a hermenêutica filosófica é


atentar-se que, para ela, a linguagem é a razão de ser da interpretação e não
apenas mecanismo, como para a hermenêutica clássica, que a põe em terceiro
plano entre o sujeito e o objeto.

Pereira (2001, p. 17), demonstrando o entendimento dos conceitos estruturantes da


hermenêutica e da compreensão, leciona que:
20

Em Heidegger, a compreensão deixa de ser uma propriedade para se tornar


um modo de existência [..] Gadamer, fazendo uso de vários ensinamentos
de Heidegger, surge com uma crítica radical ao pensamento cientifico-
espiritual que perdurou por todo o século XIX, fazendo da hermenêutica
uma disciplina filosófica que, para além de seu foco epistemológico –
presentes na obras de Schleiermacher e Dilthey -, passa a investigar o
fenômeno da compreensão em si mesmo, ou seja, passa a ter como
finalidade explicitar o que ocorre nesta operação humana fundamental do
compreender.

Conclui-se que, em Heidegger, houve um salto das questões metodológicas que se


inspiravam inicialmente nas ciências e na espiritualidade para a contribuição e
elevação da compreensão no ato de interpretar:

Afinal, o giro lingüístico é resultado das rupturas provocadas por


Wittgenstein e Heidegger, que mostraram a impossibilidade de fundamentar
a razão. É como se houvesse um novo “fundamento de validade de cunho
paradigmático” que afeta todas as categorias de conhecimento (p. 17-18).

(2004, p. 55), em lição acerca da legitimidade da hermenêutica filosófica ensina que:

Uma filosofia do Direito que não perca de vista seus vínculos com a tradição
ética e política que resultam na constituição de uma racionalidade prático-
moral tem a função de questionar crítica e reflexivamente as intervenções
do sistema jurídico na sociedade. Assim, sendo, deve retomar as questões
relativas aos procedimentos legais do discurso jurídico e de suas
conseqüências como a violência consentida no âmbito de sua legitimidade
societária, estreitamente relacionada aos seus efeitos no que se refere á
justiça social almejada por toda a sociedade democrática.

O autor questiona sobre a legitimidade de um direito desvinculado das questões


práticas do quotidiano jurídico, expondo a necessidade de se fundamentar no axio,
isto é, nos valores que inspiram a formação de um direito legítimo, e isto só seria
alcançado com uma filosofia hermenêutica que estruturasse a atuação do direito na
vida social (direito legitimado), buscando atingir o que ele designou como “justiça
social” (p. 55).

A diferenciação entre a “hermenêutica filosófica” e a “hermenêutica clássica” reside


no fato de que aquela dá maior enfoque à linguagem que esta, pois, para a
hermenêutica filosófica o processo interpretativo parte da análise das pré-
compreensões do intérprete, enquanto que a hermenêutica clássica toma por base a
verdade contida na norma. Em suma, o que importa para o intérprete são as razões
objetivas tomadas pela norma quando subsumidas ao caso concreto.
21

Nas raias da hermenêutica contemporânea a visão do intérprete é ampliada,


possibilitando um maior dinamismo em suas respostas interpretativas, pois o apego
ao legalismo amortece a justiça das decisões.

2.1.2.1 A Hermenêutica entendida como um método interpretativo e a metódica


estruturante.

Equívoco bastante comum, e diga-se, não meramente terminológico, é o que se faz


a respeito da hermenêutica e da interpretação. Não raro, doutrinadores as tratam
como sinônimos. Ocorre, no entanto, que interpretação é gênero do qual
hermenêutica é espécie.

Nesse sentido: “A Interpretação, é a aplicação da Hermenêutica cuja função é


descobrir e fixar os princípios que regem a primeira. ‘Hermenêutica é a teoria
científica da arte de interpretar’” (MAXIMILIANO, 1999 p. 1, grifos do autor).

Veja-se que a interpretação é admitida em qualquer hipótese, enquanto a


hermenêutica só é cabível em casos específicos, onde existe obscuridade da norma
ou qualquer outra circunstância que exija, para sua eficácia, entendê-la em suas
minúcias.

Nader (1995, p. 306) entende que interpretar a lei é fixar o sentido de uma norma e
descobrir a sua finalidade, pondo a descoberto os valores consagrados pelo
legislador. Para ele, todo subjetivismo deve ser evitado durante a interpretação,
devendo, o intérprete, visar sempre os valores magistrais do direito. O autor,
portanto, fala dos valores consagrados pelo direito como sendo objeto da
interpretação.

A lógica remete ao fato de que a inadmissão dos subjetivismos na interpretação da


norma é a admissão da dogmática como meio de entender a voluntas legis.

Conforme assinala Streck (2005, p. 17):

[...] a dogmática interpretativa não consegue atender as especificidades das


demandas originadas de uma sociedade complexa e conflituosa na qual o
crescimento dos direitos transindividuais e a crescente complexidade social
reclamam novas posturas dos operadores jurídicos.
22

A completude no atendimento das necessidades sociais depende estritamente de se


explorar a norma na direção dos acontecimentos. Ela deve, portanto, ser ampla a
ponto de permitir ao intérprete completar os sentidos que propositalmente se fizeram
obscurecidos. A dogmática prende a norma impossibilitando os juristas de
compreender os influxos sociais.

A propósito disso, Streck (2005, p. 87) demonstra a existência de uma crise no


direito, a qual é:

calcada em uma crise de paradigmas de dupla face: de um lado, o velho


modelo de Direito liberal-individualista-normativista teima em obstaculizar as
possibilidades do novo modelo representado pelo paradigma do Estado
Democrático de Direito; de outro, uma crise de cunho hermenêutico, a partir
da qual os juristas continuam submersos num imaginário metafísico-
objetivante, no interior do qual ainda ocorre a separação entre sujeito-
objeto, refratário à viragem lingüística ocorrida no século XX. Essa crise de
dupla face obstaculiza o acontecer da Constituição, perdendo-se dia a dia a
especificidade do Direito, tão cara aos propósitos da idéia de Estado
Democrático de Direito.

A superação desta crise, prossegue o autor, defendendo a criação de uma Nova


Crítica do Direito (NCD), que viria a retomar a crítica do pensamento dogmatizante
que se encontra aprisionado numa prática dedutivista e subsuntiva, rompendo com o
paradigma metafísico-objetivante que impede o direito de impor-se naquilo que ele
deve transformar (p. 275):

[...] A NCD busca, através de uma análise fenomenológica, o des-velamento


(Unverborgenheit) daquilo que, no comportamento quotidiano, ocultamos de
nós mesmos (Heidegger): o exercício da transcendência, onde não apenas
somos, mas percebemos que somos (Dasein) e somos aquilo que nos
tornamos através da tradição (pré-juízos que abarcam a faticidade e
historicidade de nosso ser-no-mundo, no interior do qual não se separa o
Direito da sociedade, isto porque o ser é sempre o ser de um ente e o ente
só é no seu ser, sendo o Direito entendido como a sociedade em
movimento), e onde o sentido vem antecipado (círculo hermenêutico) por
uma posição (Vorhabe), um ver prévio (Vorsicht) e um pré-conceito
(Vorgriff), isso porque, conforme ensina Heidegger, o ente somente pode
ser descoberto pelo caminho da percepção, seja por qualquer outro
caminho de acesso, quando o ser do ente já está revelado (STRECK 2005,
p. 275).

Ainda Streck (2005, p. 276), aludindo da necessidade que se compreenda:

pois, que a interpretação do texto ex-surgirá a partir desse “fundamento sem


fundo”, desse lugar originário, produto da antecipação de sentido (estrutura
prévia de sentido que desde sempre é dada pelo Dasein enquanto ser-no-
mundo), isso porque, como assinala Stein, não há conhecimento de objetos
no mundo sem que tenhamos uma relação significativa com o mundo ou
com o mundo que nos envolve e nos carrega. É por isso que a pré-
compreensão acerca do que é Constituição, da função da justiça
23

constitucional e da revolução copernicana ocorrida no constitucionalismo,


torna-se condição de possibilidade para a configuração do lugar da co-
originariedade onde habita a estrutura prévia do compreender, a partir da
virtuosidade do círculo hermenêutico.
Dizendo de outro modo, o entendimento da Constituição como sendo o
produto de um processo compreensivo, é dizer, de uma applicatio
hermenêutica, pressupõe um rompimento paradigmático, isto é, torna-se
imprescindível saltar do “modo apofântico” para o “modo hermenêutico”,
isso porque o compreender é um existencial, que é uma categoria pela qual
o homem se constitui. É preciso ter claro, assim, que a Constituição é um
ente disponível porque o jurista sempre se compreende (autêntica ou
inautenticamente) na Constituição. Como ente disponível, ela faz parte do
modo da existência, na medida em que o jurista/intérprete opera com ela
sempre. A Constituição sempre foi olhada como “fato maior congelado”.
Ora, não é preciso (nem) falar sobre ela; ela já opera comigo enquanto
existencial.

Assevera o autor que interpretação da pretensão constitucional depende de uma


compreensão do que efetivamente é Constituição (como ela acontece), e do seu
papel, além da quebra de paradigmas dominantes que prescinde de uma função
estrutural de justiça que se constrói ao longo da caminhada interpretativa. Nessa
linha, o entendimento da Constituição depende de um processo compreensivo, e
este surge num lugar originário, de uma pré-compreensão de mundo, que,
reelaborada, leva novamente à esse lugar originário, porém agora com uma carga
interpretativa, um resultado (STRECK, 2005, p. 276).

Nedel (2008, p. 170) leciona que a dogmatização do discurso jurídico baseado em


métodos do discurso jurídico, baseado em métodos do discurso científico através do
positivismo, suprime a autonomia do sentido teleológico do direito, transformando-o
em simples técnica de controle social com fins político-ideológicos:

[...] amparado na neutralidade formal que a condição de “ciência” lhe


atribuiu, o aplicador do direito transformado em técnico desvinculou-se das
conseqüências morais da sua decisão, num contexto metodológico onde
também o direito deixa de ser uma categoria ética e transforma-se lógico-
epistemologicamente, num instrumento que a vontade do poder político,
dogmaticamente, utiliza para o desiderato teleológico dos seus fins (NEDEL,
2008, p 170).

Maciel (2004, p. 83), por seu turno, diferencia hermenêutica, interpretação e


aplicação, trazendo a seguinte lição:

O que distingue a hermenêutica da interpretação e da aplicação é


justamente a diferença que vai da teoria científica à sua prática, isto é, a
primeira é a ciência, as outras duas constituem a técnica. A hermenêutica
tem por objeto, portanto, os princípios científicos que disciplinam a apuração
do conteúdo, do sentido e dos fins das normas jurídicas e a restauração do
conceito orgânico do direito, para o efeito de sua aplicação. A hermenêutica
não se refere somente às leis, mas também ao direito nela instituído. O seu
24

objetivo é descobrir o direito, isto é, o conteúdo normativo contido nas


formas de expressão do direito.

Prossegue dizendo que a compreensão do direito depende de se levar em conta


todo o sistema jurídico, com foco na norma, que é seu principal componente de
aplicação (p. 86).

Streck (2005, p. 188) enseja grande contribuição científica ao diferenciar, sob o


ponto de vista estrutural metodológico, a hermenêutica clássica da filosófica,
expondo que:

De pronto é necessário observar/advertir o leitor para a diferença que existe


entre hermenêutica clássica, vista como pura técnica de interpretação
(Auslegung), e a hermenêutica filosófica, de matriz gadameriana, que
trabalha com um “dar sentido” (Sinngebung)[...].

Concluindo esta linha de raciocínio, pondera-se, sem embargo de futuras e mais


complexas indagações, que a interpretação sistêmica incorpora-se na corrente
hermenêutica filosófica, de modo que o entendimento de um complexo conceitual de
justiça depende da abordagem do direito como um todo unitário, desvinculado, no
entanto, de métodos, haja vista que a racionalidade do discurso depende de uma
análise completa das possibilidades de contradição que possam se insurgir dentro
desse microssistema interpretativo.

Essa ideia de “metódica estruturante” é herança positivista calcada na hermenêutica


clássica que aborda uma linha segundo a qual é possível dividir a atividade
interpretativa em etapas; são métodos que constroem o direito da percepção até a
aplicação da norma.

Isso ocorre por que no âmbito da dogmática, os métodos são definidos como
mecanismos rigorosos e eficientes para o conhecimento e interpretação científica do
direito, que acabam, no entanto, sendo um escudo para o intérprete que pode
justificar falhas e injustiças na lógica interpretativa que um método oferece.

2.1.2.2 O homem como ser cognoscente: agente da hermenêutica constitucional

Questão de relevo que se impõe no presente estudo é a de saber quem são os


agentes da hermenêutica constitucional, variadas são as hipóteses. Num primeiro
momento, se se ligar a aplicabilidade da norma à necessidade hermenêutica, está-
25

se falando do magistrado, aquele que aplica a norma ao caso concreto. O juiz,


dentre todas as possibilidades de sujeito ativo da hermenêutica normativa, é aquele
que mais próximo está de compreender o seu espírito aplicável, pois como se vai
afirmar, a necessidade hermenêutica fundamenta a existência de métodos
interpretativos, bem como a disposição axiológica do intérprete.

Para Ferrara (1996, p. 95) o juiz é:

[...] o intermediário entre a norma e a vida. É a viva vox juris, traduz o


comando abstrato da lei em concreto. Como executor, não criador da lei, no
aplicar o Direito, atua em três estágios: a) verifica o estado de fato objeto da
controvérsia; b) determina a norma jurídica a aplicar; c) pronuncia o
resultado da subsunção da espécie à norma.

Noutro lado, pode-se conceber a hipótese de que num sistema aberto de


possibilidade cognitiva normativa todos podem influenciar na construção do mesmo,
também pelo o prisma da necessidade hermenêutica:

[...] a interpretação constitucional não é um evento exclusivamente estatal,


seja do ponto de vista teórico, seja do ponto de vista prático. A esse
processo tem acesso potencialmente todas as forças da comunidade
política (HÄBERLE, 1998, p. 86)

Fica claro que a interpretação da norma, seja constitucional ou infraconstitucional,


não está relegada aos pensadores do direito, visível, portanto, a participação social
na interpretação da norma, a pressão dos grupos sociais, nas escolas, igrejas, mídia
entre outros grupos que influenciam na mutação de efeitos das normas.

Aprofundando um pouco o tema sem, contudo, ter a pretensão de esgotá-lo, pode-


se dizer, em linhas mestras, que o intérprete, antes de tudo, é o sujeito cognoscente,
aquele que se utiliza de uma ferramenta através de um método (ou não) para
transformar o plano do ser. Este sujeito cognoscente, então, deve ser dotado de
racionalidade ou capacidade de determinar valores e adequar condutas de acordo
com o plano do dever ser, ou seja, o ser cognoscente é o homem.

Nesta linha, Salgado (1996, p. 17-18) afirma:

Como ser racional que é, o homem é o único que pode criar projetos,
representar (fazer presente duas vezes; a coisa está no sinal, na mente, no
significado e fora) algo que não está neste tempo (agora) ou neste espaço
(aqui), e antecipa o que não ocorreu, ou mesmo o que não existe. As
representações de tudo o que está em volta do homem, fá-las este por
idéias, interiorização da coisa no pensamento.
26

Vê-se que a opinião do autor converge no sentido de que somente o homem como
ser racional é dotado da capacidade de percepção subjetiva do mundo e de reação
de acordo com as percepções, pois se utilizando das ideias assimila as
representações de seu ambiente e as transforma em experiência cognoscente.

Traz-se, ainda, a lição de Reale (2002 p. 125), que, tratando dos desafios do
hermenêuta contemporâneo, afirma consistir em saber qual a finalidade social da lei,
no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações
particulares, ou seja, o que se quer atingir é uma correlação coerente entre "o todo
da lei" e as "partes" representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos
visados, devendo-se, nesse diapasão, ser anotada a relação entre a hermenêutica
como exercício de cognição com a análise da norma, com vistas à sua efetividade
que a mais das vezes encontra-se ínsita à própria análise da norma.

Streck (2006, p. 3), bem ressalta os problemas dessa temática aduzindo que o novo
constitucionalismo transformou-se em um campo fértil para o surgimento das mais
variadas teorias que se dizem capazes de resolver as complexidades de problemas
que surgem a partir da interpretação das normas, lembrando que não é mais
possível a lei prever todas as hipóteses de sua interpretação, integração e
subsunção ao caso concreto. Assim o faz com a assertiva que se segue:

Diante dessa revolução copernicana que atravessou o direito a partir do


segundo pós-guerra, as diversas teorias jusfilosóficas tinham (e ainda tem)
como objetivo primordial buscar respostas para a seguinte pergunta: como
construir um discurso capaz de dar conta de tais perplexidades, sem cair em
decisionismos e discricionariedades do intérprete (em especial dos juízes).
A autonomização do direito da moral, da religião e de qualquer outro
fundamento metafísico deslocou o problema dessa fundamentação
(legitimidade) para outro ponto: as condições interpretativas. E nisso residirá
a diferença dos diversos enfoques. A toda evidencia trata-se de opções
paradigmáticas (STRECK, 2006 p. 4).

Nesta passagem o autor quer ressaltar a problemática da possibilidade de


discricionariedades e decisionismos, possíveis quando a resolução do caso concreto
depende, num todo, da subjetividade, que é comum na interpretação, pois alicerçada
em fundamentos metafísicos, a chamada carga moral dos juízes, que a mais das
vezes exerce de acordo com suas “condições interpretativas” essa opção
paradigmática.
27

2.1.2.3 Objeto da Hermenêutica a representação da norma como condição de


condição de possibilidade hermenêutica

Visto que é o sujeito cognoscente quem, através das percepções, extrai conclusões
sobre o que está à sua volta, necessário se faz discorrer acerca do que se entende
por objeto desta cognoscência, ou seja, o objeto cognoscível.

Para Hessen (1987, p. 29):

[...] a correlação entre sujeito-objecto (sic) só é inseparável dentro do


conhecimento, mas não em si mesma. O sujeito e o objeto não se esgotam
no seu ser de um para o outro, pois têm além disso um ser em si. Este
consiste, para o objecto (sic), naquilo que ainda existe de desconhecido
nele. No sujeito encontra-se naquilo que ele é além do sujeito cognoscente.
Pois, além de conhecer, o sujeito sente e quer. Deste modo, o objecto (sic)
deixa de o ser quando sai da correlação, ao passo que o sujeito, agora
isolado, deixa de ser sujeito cognoscente.

Tem-se do citado da indispensabilidade da relação do sujeito com o objeto, pois dela


nasce a consciência do mesmo e a transformação daquele ser cognoscente quanto
a este, pois nem o ser nem o objeto serão mais os mesmos, à medida que a
consciência deste muda seu sentido e a percepção do ser quanto ao objeto.

A hermenêutica, ela como sendo ferramenta de cognição, tem por objeto a norma,
não se discutindo, se ela em sentido estrito ou lato, como comumente se faz, pois na
concepção tradicional norma em sentido estrito é a lei, e lei deve ser entendida como
o veículo que transporta esta, da abstração para a concretude.

A corrente do positivismo normativista, defendida por Kelsen, sustenta a ideia de que


a ciência do direito deveria estudar apenas as normas positivadas, longe de
considerações políticas, sociológicas ou de qualquer outro ramo do conhecimento
humano. O formalismo das premissas do direito toma corpo no discurso do teórico.

Kelsen (1998, p. 12), sobre a objetividade da norma:

Quando uma norma estatui uma determinada conduta como devida (no
sentido de “prescrita”), a conduta real (fática) pode corresponder à norma ou
contrariá-la. Corresponde à norma quando é tal como deve ser de acordo
com a norma; contraria a norma quando não é tal como, de acordo com a
norma, deveria ser, porque é o contrário de uma conduta que corresponde à
norma.

Continua o autor, afirmando que o juízo, segundo o qual uma conduta real é tal
como deve ser, de acordo com uma norma objetivamente válida, é um juízo de valor,
28

e, neste caso, um juízo de valor positivo. Significa que a conduta real é “boa”. O
juízo, segundo o qual uma conduta real não é tal como, de acordo com uma norma
válida, deveria ser, por que é o contrário de uma conduta que corresponde à norma,
pois, é um juízo de valor negativo. Significa que a conduta real é “má”.

Nessa mesma linha o autor justifica a Teoria Pura do Direito definindo interpretação
científica, que para ele é simples determinação cognoscitiva do sentido das normas
jurídicas. Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, ela não é
criação jurídica. Kelsen ainda entende que não é possível, através de uma
interpretação cognoscitiva, obter-se um novo método de aplicação da norma, pois a
Teoria Pura do Direito repudia a sua relativização (1998, p. 250).

Ocorre, no entanto que a discussão do direito, fundamentada no normativismo


positivista, é eivada de uma patente incompletude, pois limita o discurso à hipóteses
normativas fechadas, de modo que, fugir disso seria fugir do legalismo que
fundamentaria o sistema.

Os objetivos da hermenêutica é o estudo e a sistematização de processos formais


aplicáveis na busca de respostas concretas do sentido e alcance do Direito faz-se
necessário, para isso, um trabalho de compreensão de sentidos e de busca de
significantes dentro dos valores insculpidos pelas normas. A norma, portanto não é
eficaz apenas por ser norma, deve ser completada.

Com base no que foi concluído, vê-se a incongruência do sistema positivista


kelsiano, haja vista que nele se presume a absoluta eficácia do sistema, senão, veja-
se o silogismo: só se pode saber se a norma é completa se a submetermos ao crivo
dos valores morais que a sociedade admite; afastando-a desses valores só cabe
impô-la, independentemente da justiça de seus conceitos.

Importante ressaltar que dentro de uma estrutura pós-positivista existem regras


positivistas. Já o oposto não se faz possível, isto porque o sistema positivo é
fechado para hermenêutica das regras positivas, não concebendo a estruturação de
conceitos abertos para suas normas. É nesse diapasão, conforme se verá a frente,
que se justifica o sistema pós-positivista.
29

Mais do que discutir a norma como objeto de atuação hermenêutica, é necessário


que se debata o símbolo (a semiótica a ser trabalhada em posterior seção), que é a
impressão externa que se tem do objeto (a norma), pois deve-se mencionar a
relevância que tem o plano externo do objeto, no que tange a determinação de sua
compreensão.

Este, não é demasiado dizer, é o cerne da questão, pois se trata do significado atual
da linguagem, no contexto de um direito que está em constante transformação
estrutural; e, entender a linguagem, é condição de condição de possibilidade para se
compreender a norma, o que faz exsurgir a dúvida acerca do objeto da
hermenêutica; se a norma ou a simbologia que a representa.

No dizer de Streck (2005, p. 177), todos os avanços ocorridos no direito, nos últimos
tempos, ocorreram graças à hermenêutica filosófica de Gadamer e Ricoeur, com a
superação da tensão entre a dogmática sociológica e a jurídica. Isso ocorreu porque
a linguagem (enunciação) é colocada no centro da discussão como inicial antes de
se conhecer outro objeto; daí dizer ser a linguagem condição de condição de
possibilidade para uma aplicação hermenêutica, na medida em que esse novo
projeto (paradigmático) admite que, primeiramente, se estabeleça o significado da
simbologia representativa da norma. Houve então o chamado rompimento do antigo
dualismo (sujeito – objeto), tendo em vista que o sujeito já vai pronto até o objeto.

2.1.2.3.1 Norma, regra e princípio, os princípios gerais do direito: distinções


estruturais no novo paradigma normativo

Para melhor se entender sobre o objeto da hermenêutica frente ao pós-positivismo é


necessário que se conheça, de plano, o que é norma, para a referida corrente.

Em sua obra “Teoria da Norma Jurídica”, Bobbio (2001, p. 23-24) recorda que:

A nossa vida se desenvolve em um mundo de normas. Acreditamos ser


livres, mas na realidade, estamos envoltos em uma rede muito espessa de
regras de condutas que, desde o nascimento até a morte, dirigem nesta ou
naquela direção nossas ações. A maior parte dessas regras já se tornaram
tão habituais que não nos apercebemos mais de sua presença.
30

Isso porque, ao observar-se, de fora, ver-se-á que durante toda a vida a sociedade
está disposta às regras de conduta, com respeito à permanente sujeição de novas
regras.

Sob o ponto de vista jurídico, norma pode ser entendida como a junção de princípios
com regras, pois no pós-positivismo teve-se uma mudança considerável no conceito
de norma, levando-se em conta a elevação dos princípios a um status de
normatividade, lhe atribuindo força normativa.

Ensina Reale (2002, p. 44) que o que caracteriza uma norma jurídica, de qualquer
espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de
organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.
A norma, portanto tem força coativa.

Prossegue o autor dizendo que a norma jurídica é uma estrutura de ordem


proposicional porque o seu conteúdo pode ser enunciado mediante uma ou mais
proposições, entre si, correlacionadas, sendo certo que o significado pleno de uma
regra jurídica só é dado pela integração lógico-complementar das proposições que
nela se contêm (REALE, 2002, p. 44).

Nedel (2009, p. 173), em seus apontamentos leciona:

[...] o sentido axiológico-normativo da tradição cultural donde advém a


tradição cultural do sistema jurídico como expressão ampla da juridicidade
cultural e da sua profunda axiologia, sempre trascende a objetivação
lingüística da norma positiva, eis que funda sua raízes na hitórica
consciência axiológico-juridica dos princípios fundamentais de uma
determinada cultura.

Neste diapasão, tem-se que o sistema criador das normas está diretamente
vinculado com as tradições culturais do ambiente em que tais são concebidas, de
modo que elas refletem os valores morais das pessoas que estarão submetidas à
sua juridicidade. Essa chamada “transcendência de objetivação linguística” quer
dizer, basicamente, que na norma escrita não se encontram os tais valores culturais,
estes estão no sistema. E são encontrados através de processos interpretativos que
alcançam seu mais amplo sentido. É o que, posteriormente se verá a hermenêutica
construtiva ou hermenêutica estruturante do sistema normativo. É, portanto, o axio
formulando um dogma sobre um prisma genérico.
31

Streck (2006, p. 9) trata dos princípios como transformadores da Teoria da Norma,


aduzindo que:

[...] se a própria Constituição altera (substancialmente) a teoria das fontes


que sustentavam o positivismo e os princípios vêm a propiciar uma nova
teoria da norma (atrás de cada regra há, agora, um princípio que não a
deixa se “desvencilhar” do mundo prático), é porque o modelo de
conhecimento subsuntivo, próprio do esquema sujeito-objeto, tinha de ceder
lugar a um novo paradigma interpretativo.

Vê-se, do citado, que para o estudioso a função do princípio é a de não deixar que a
norma e sua força cogente se direcionem para uma abstração sistêmica, isto é,
fundamentada no próprio sistema. Ao contrário, deve a norma, ligar-se ao mundo
prático, pois o seu conceito depende, sobremaneira, de sua aplicabilidade, ou seja,
está ligada a sua eficácia.

O estudo dos princípios é relevante no sentido de que estes fundamentam a


realidade do sistema em que está inserido. Quanto aos princípios gerais do Direito,
afirma Streck (2005, p. 108), que não tem conceito definido e ainda que:

Alguns doutrinadores dizem que alguns princípios correspondem a normas


de direito natural, verdades jurídicas universais e imutáveis, inspiradas no
sentido de equidade; Maria Helena Diniz diz que os princípios gerais do
direito são decorrentes de normas do ordenamento jurídico, ou seja, dos
subsistemas normativos, e derivados de ideais políticos, sociais e jurídicos;
Paulo de Barros Carvalho acentua que os princípios “ são máximas que se
alojam na Constituição ou que se despregam das regras do ordenamento
positivo, derramando-se por todo ele. Conhecê-las é pressuposto
indeclinável para a compreensão de qualquer subdomínio normativo”.

Afirma, ainda, que os juízes não criam o direito, embora o produzam, porque
interpretam aplicando-o ao caso concreto, e entendendo os princípios como
verdades, podem ser concebidos como o mais próximo que se pode chegar de um
ideal universal de justiça. São ferramentas contra as discricionariedades possíveis
na aplicação da norma (STRECK, p. 108).

Neste novo “paradigma do direito”, o qual chamam de pós-positivismo, a função dos


princípios mudou determinantemente se levarmos em consideração as correntes do
direito que o antecederam.

Para melhor entender isso, traz-se a lição de Streck (2006, p. 170-171), donde se
extrai que:
32

[...] não implicação necessária entre jurisdição constitucional e


discricionariedade judicial, pela simples razão de que uma coisa não implica
a outra. Pelo contrário: a admissão da discricionariedade judicial e de
decisionismos (o que dá no mesmo) é próprio do paradigma positivista que
o constitucionalismo do Estado Democrático de Direito procura superar,
exatamente pela diferença “genérica” entre regras e princípios (além da
nova teoria das fontes e do novo modelo hermenêutico que supera o
modelo exegético-substantivo, refém do esquema sujeito-objeto.

Assevera o autor que os princípios assumem a finalidade de impedir múltiplas


respostas, portanto, os mesmos “fecham” a interpretação e não a “abrem”, como
sustentam os adeptos da Teoria da Argumentação, que entendem existirem graus
de subjetividade do intérprete, tanto ao afastarem quanto ao aproximarem os
conceitos de regras e princípios (p. 171).

Assim sendo, conclui Streck (2006, p. 171):

A partir disso é possível dizer que é equivocada a tese de que os princípios


são mandados de otimização e que as regras traduzem especificidades
(donde, em caso de colisão, uma afastaria a outra, na base do “tudo ou
nada”), pois dá a idéia de que os “princípios” seria “cláusulas abertas”,
espaço reservada à “livre atuação da subjetividade do juiz”, [...]

Nesse ponto, não é demais relembrar o positivismo-normativista de Kelsen, calcado


em teses decisionistas, onde não há lugar para princípios, não há espaço para o
“caso concreto”. E, onde não há lugar para princípios a regra deve resolver de forma
subsuntiva-dedutiva. Eis o problema do positivismo, o que permite as
discricionariedades, ante a incompletude de previsão das regras e a necessidade de
respostas para a sociedade.

2.1.2.4 Hipóteses abstratas de necessidade hermenêutica (a dicotomia entre


discurso de fundamentação e de aplicação em Habermas)

É no sentido da existência de métodos inter-relativos e de busca de verdades


abstratas que se fazem as dicotomias, pois a fragmentação de teorias leva a
mitigação de suas verdades, e assim se tal fosse com o discurso de fundamentação
e de aplicação, que será trabalhado.

Chiovenda (1998, p. 96), lecionando sobre a inter-relação existente entre a norma e


a sua instrumentalidade, remete aos pretores romanos, que tinham um poder quase
que “legislativo”, pois decretavam fórmulas para o caso concreto, que acabavam
fazendo parte das leis. Assim, a função do juiz se assemelhava a do legislador.
33

O principal fundamento para que se discuta a norma buscando, sobremaneira, sua


eficácia é a necessidade hermenêutica. Neste mote, todo discurso hermenêutico
deve ser, por óbvio, fundamentado na necessidade, e esta vem do caso concreto.

Ferraz Jr (p. 22), sobre a Interpretação da Constituição, dispõe:

Uma Constituição se presume obra comum de todos os órgãos e forças


vivas da nação, que nela encerram princípios dominantes, disposições
fundamentais, desprovidas ou quase desprovidas de conteúdo preciso,
deliberadamente vagas, que deixam larga margem de interferência e
complementação, na organização fundamental do Estado, aos órgãos que
devem observá-la, respeitá-la, cumpri-la e aplicá-la.

Daí a afirmação de Lowenstein (apud FERRAZ JÚNIOR, 2006, p. 22) que, "[...] toda
Constituição é, em si, uma obra humana incompleta, além de ser obra de
compromisso entre as forças sociais e grupos pluralistas que participam de sua
formação". Essa incompletude das normas constitucionais, arrisca-se dizer, é o que
faz a Constituição ser Constituição, ou seja, aquela que constitui, que constrói e se
constrói. Entender a Constituição como um conceito fechado é contrariar sua própria
essência.

Sobre o papel da hermenêutica nessa construção pode-se dizer que:

A hermenêutica assumiu papel de destaque na reflexão jurídica


contemporânea. O processo hermenêutico considera a norma parte
integrante do sistema jurídico, mas a percebe, também, como meio para a
solução de conflitos que não se caracterizam por suas dimensões
estritamente legais, pois comportam aspectos sociais e valorativos,
determinantes para a própria eficácia do direito. Fica evidente a
necessidade de uma hermenêutica que trabalhe o direito de forma concreta,
assumindo alguns pressupostos metodológicos que permitam pensar na
elaboração de uma nova leitura para um novo direito (MACIEL, 2004, p. 89-
90).

A necessidade hermenêutica, está, portanto, ligada ao dinamismo social, tendo em


vista a norma não só como parte do sistema, mas como ferramenta que auxilia o
intérprete a conhecer o próprio sistema, traduzindo a concretude do direito e o
reformulando sob um novo prisma, direcionando sua eficácia de acordo com os
sentidos modernos de sua nova estrutura.

Sem ter a intenção de problematizar, apenas tratar das problemáticas teóricas sobre
as verdades práticas que se constróem ao longo desse novo paradigma que busca a
concretização do direito, traz-se a lição de Streck, a quem se deve ter o cuidado de
34

não se cair em idealizações quando se busca discursos de fundamentação. Nesse


sentido:

Penso que uma teoria do direito que se pretende operativa deve apresentar
efetivos indicadores de aplicabilidade. O lugar privilegiado assumido pela
situação ideal de comunicação para a aferição de verdade argumentativa
faz com que as exigencias decorrentes da complexidade da cotidianiedade
das práticas jurídicas não encontrem na teoria do discurso proposta por
Habermas maiores indicativos de viabilidade (STRECK, 2006 p. 93).

Em Habermas os discursos de fundamentação são suporte de validade do direito


que será aplicado ao caso concreto. Nas palavras do autor, citadas por Streck (2006,
p. 94), tem-se que:

quando desejamos convencer-nos mutuamente da validae de algo, nós


confiamos intuitivamente a uma prática, na qual supomos uma aproximação
suficiente das condições ideais de uma situação de fala especialmente
imunizada contra a repressão e a desigualdade – uma situação de fala na
qual proponentes e oponentes, aliviados da pressão da experiencia e da
ação, tematizam uma pretensão de validade que se tornou problemática e
verificam, num enfoque hipotético e apoiados apenas em argumentos, se a
pretensão defendida pelo proponente tem razão de ser.
A intuição básica que ligamos a essa prática de argumentação caracteriza-
se pela intensão de conseguir o assentimento de um auditório universal
para um proferimento controverso, no contexto de uma disputa não-
coercitiva, porem regulada pelos melhores argumentos, na base das
melhores informações.
É fácil desobrir por que o princípio do discurso promove esse tipo de prática
para a fundamentação de normas e decisões valorativas. Para saber se as
normas e valores podem encontrar o assentimento racionalmente motivado
de todos os atingidos, é preciso assumir a perspectiva, interssubjetivamente
ampliada na primeira pessoa do plural, a qual assume em si, de modo não-
coagido e não-reduzido, as perspectivas da compreensão do mundo e da
autocompreensão de todos os participantes.
Para uma tal assunção ideal de papéis, praticada e comum e generalizada,
recomenda-se a prática da argumentação.

Dando prosseguimento a essa discussão e indagando acerca das exigências de


Habermas para validade de discursos de justificação prévios, Streck questiona se
seria possível em uma sala de audiência em um fórum o cumprimento de tais
requisitos, ou se não se estariam apenas no mundo empírico. De que forma aplicar
as questões relacionadas à falta de vagas em escolas ou a falta de medicamentos
ou vagas em hospitais (STRECK, 2006, p. 94-95).

O embate nasce no sentido de que tais questões são típicas de serem solucionadas
em controle difuso de constitucionalidade o que Streck deixa bem claro ser
favorável, tanto controle difuso de constitucionalidade quanto a interpretação
conforme, há nulidade parcial sem redução de texto. A questão que o autor traz não
35

diz respeito a aplicabilidade da teoria habermasiana e a tese sobre a democracia


procedimental no Brasil, e sim de verificar a possibilidae de discutir abstratamente as
teorias do direito brasileiro e até que ponto Habermas pode contribuir. Para tanto
afirma Streck (2006, p. 98-99):

Mas não será, certamente, uma resposta às exigencias concretas de


transformação social, de comportamento coletivo, de inclusão, de críticas às
elites, etc. Tais exigências sociais – ou de trasformações sociais –
dependem, antes de tudo, do comportamento concreto dos sujeitos da
relação social, condição de possibilidade para vivencia dos benefícios da
democracia procedural, ou seja, sem a satisfação dos direitos substantivos
– firmados democráticamente no texto constitucional e interpretados
hermeneuticamente, evitando decisionismos e a “escavação de valores
escondidos debaixo do direito” - , é impossível falar em “ asseguramento
das condições para o exercício dos procedimentos da democracia”.

Disso extrai-se que o discurso habermesiano é elemento formal, teórico,


epistemológico, ou seja não tem o condão de resolver problemas práticos.

Embora Habermas adote a tese da distinção – discursos de fundamentação e de


aplicação e que a dependência do direito a moral (defendida por Klaus Günther1)
fará com que esses discursos de fundamentação prévia apareçam de forma
diferente. Do mesmo modo, nos discursos de aplicação, as situações concretas
abrangíveis pela norma, apesar de já validadas, acarretarão em diferentes
resultados (STRECK 2006, p. 101).

E, para finalizar esta parte da discussão acerca de hipoteses de possível conversão


a concretude de hipóteses abstratas de necessidade hermenêutica, colaciona-se o
ensinamento de Streck (2006, p 102) para quem:

Fica evidente em Habermas – e não há como dele discordar nesse ponto –


que o procedimentalismo, entendido como superação de modelos já
realizados, assume proporções fundamentais nas democracias onde os
principais problemas de exclusão social e dos direitos fundamentais estão
envolvidos [...].

Fica claro, portanto, que a teoria habermasiana pressupõe uma sociedade


emancipada, com indivíduos autônomos, o que gera outra importante indagação, e
aqui se constrói uma crítica ao sistema (ainda em construção), pois como ter
cidadãos autônomos se o problema da exclusão social ainda não foi resolvido?

1
GÜNTER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. São Paulo
Lendy, 2004.
36

Como autonomizá-los se suas relações estão colonizadas pelo mundo que os


conforma? (STRECK, 2006, p. 103).

Enfim, a procura por hipóteses abstratas de necessidade hermenêutica, seguindo


tanto a linha de Habermas, Günther ou Husserl2 tomaria demasiado tempo e espaço,
nem dizer, então, se a busca fosse por hipóteses concretas. O fato é que mesmo
estando no centro de um novo paradigma o intérprete deve atentar-se para tudo a
sua volta: para os conflitos sociais, as conseqüências de guinadas políticas
reflexivas de desestruturação cultural, dentre outros o intérprete está inserido nesse
contexto, dele faz parte e deve admiti-lo no momento de interpretar, no ato do
acontecer hermenêutico.

2.1.3 Da Hermenêutica clássica à contemporânea; um breve estudo a partir


de Gadamer

A hermenêutica - entendida como ferramenta de compreensão do real sentido


contido na norma - evoluiu do que se conhecia por sua vertente clássica para o que
contemporaneamente se entende por hermenêutica sob uma acepção filosófica a
qual teve como principal expoente de pensamento Gadamer, com sua obra
“Verdade e Método”. Com Gadamer inaugura-se um novo capítulo no que tange a
hermenêutica, pois caracteriza um novo “destino” para os entendimentos que já
existiam a partir dos escritos de Heidegger, porém é com Gadamer que a linguagem
no direito inaugura a função a qual hoje se conhece.

Asseverando a importância de Heidegger e Gadamer, Streck inicia diferenciando a


hermenêutica clássica (entendida como técnica interpretativa) e a filosófica
gadameriana (que trabalha com um “dar sentido”), Gadamer leciona que a
hermenêutica como teoria filosófica, diz respeito à totalidade do acesso das pessoas
ao mundo, isto é, leva em conta o todo. É o diálogo, o modelo de linguagem que
suporta o entendimento entre os homens e sobre as coisas de que é feito nosso
mundo (STRECK, 2005, p.188).

2
Edmund Husserl, filósofo alemão fundador da fenomenologia, um método para descrição e análise da
consciência através da qual a filosofia tenta obter um caráter estritamente científico. Para ele a base filosófica
para a lógica e a matemática precisa começar com uma análise da experiência que está antes de todo
pensamento formal. Isto o obrigou a um intenso estudo dos empiristas ingleses John Locke, George Berkeley,
Davi Hume, e John Stuart Mill, e familiarizar-se com a terminologia da lógica e semântica derivada daquela
tradição, especialmente a lógica de Mill.
37

Largo, apud Streck, (2005, p. 189), adepto das teorias hermenêuticas de cunho
gadameriana sacramenta importante lição (incluindo projeções dessa nova
hermenêutica), ao afirmar que:

A nova hermenêutica pretendida por Gadamer surge no horizonte de um


problema totalmente humano, [...]: a experiência de encontrarmos frente a
totalidade de mundo como contexto vital da própria existência. A partir disto,
a pergunta acerca de como é possível o conhecimento e quais são as suas
condições, passa a ser um problema menos dentro da globalidade da
questão referente ao compreender da existência no horizonte de outros
existentes. O que a nova hermenêutica irá questionar é a totalidade do
existente humano e a sua inserção no mundo. Se Schleiermacher havia
liberado a hermenêutica de suas amarras com a leitura bíblica, e Dilthey, da
dependência com as ciências naturais, Gadamer pretende libertar a
hermenêutica de sua alienação estética e histórica, para estudá-la em seu
elemento puro de experiência da existência humana. E Heidegger será o
corifeu dessa postura que se caracterizará por explicar a compreensão
como forma de definir o Dasein (ser-aí).

Em sua tese Gadamer afirma que Heidegger ultrapassa o pensamento metafísico


ressuscitando o ser, denotando uma posição nova, para qual o aspecto da
compreensão não é conceito metódico (Droysen), ou operação inversa ao impulso
da vida sobre a idealidade (Dilthey). Compreender é “o caráter ôntico original da vida
humana mesma”. Com Heidegger a hermenêutica deixa de ser normativa e passa a
ser filosófica, onde a compreensão é entendida como estrutura ontológica do
“Dasein”, que é o ser aí no mundo (SRTECK, 2005, p. 190).

A linguagem, como já exposto, ganhou outro significado com Gadamer, passando a


ser condição de possibilidade, pois inseriu a interpretação num contexto, o que é
diferente de estabelecer uma práxis opaca que não leva o intérprete a lugar nenhum,
e que não o insere em lugar algum.

E, de outro lado, a hermenêutica filosófica nos ensina que o ser não pode
ser compreendido em sua totalidade, não podendo, assim, haver uma
pretensão de totalidade da interpretação. O filósofo produziu realmente uma
virada hermenêutica do texto para autocompreensão do intérprete que
como tal autocompreensão somente se forma na interpretação, não sendo,
portanto, possível descrever o interpretar como produção de um sujeito
soberano (STRECK, 2005, p. 211).

A hermenêutica gadameriana é essencialmente baseada na linguagem, e esse lugar


por ela assumido foi o que deu início ao giro linguístico, afirma Gadamer um
acontecer da verdade com base numa hermenêutica filosófica e não metódica, que
ocorre um renascer da compreensão, a qual depende da faticidade e historicidade
do intérprete (STRECK, 2005, p. 212).
38

A partir disso a hermenêutica deixa de ser metódica e normativa e passa a ser


filosófica. A linguagem deixa de ser veículo, instrumento a serviço do interprete, para
se tornar condição de possibilidade para manifestação do sentido (STRECK, 2005 p.
212).

Com isso pode-se concluir, acerca do exposto, que o sentido se manifesta por si só,
tendo em vista que, o trabalho de compreensão na hermenêutica filosófica se dá no
início, pois o interprete deve conhecer a si próprio, ele é parte do objeto, pois a
manifestação que tem o objeto no mundo fenomênico leva em conta a percepção do
interprete e a sua carga axiológica, assim o fim da dicotomia Sujeito-Objeto (S-O),
acabou por mudar o rumo da linguagem (virada linguística), daí o dizer de Gadamer
“ser que se compreende é a linguagem”.

Ainda sobre a linguagem em Gadamer é a lição de Streck (2005, p. 216):

Com o giro hermenêutico proposto por Gadamer, a hermenêutica jurídica


deverá ser compreendida não mais como um conjunto de métodos ou
critérios aptos ao descobrimento da verdade e das certezas jurídicas. Não
sendo a hermenêutica método, sim, filosofia, o processo interpretativo não
dependerá da linguagem entendida como terceira coisa que se coloca entre
o sujeito e um objeto. A linguagem não é ferramenta. Antes disso, a
linguagem é que é condição de possibilidade e constituidora do mundo. A
linguagem é experiência do mundo. Inserido nesse mundo, isto é, na
lingüisticidade desse mundo, o interprete falará a partir da tradição, de uma
situação hermenêutica. É impossível o interprete situar-se fora da tradição
[...].

É o entendimento de Gadamer, bem reproduzido por Streck, de que no interpretado


está o intérprete, esse, por seu turno, fica, deveras preso na tradição, pois a
linguagem é tradição como sendo experiência de mundo reproduzida
simbolicamente, tomando essa simbologia o intérprete utilizará a experiência de
mundo reproduzida por todos e sua compreensão sobre essa experiência como
sendo sua (2005, p. 216).
39

2.2 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS, O PÓS-POSITIVISMO E OS SEUS


EFEITOS DIANTE DA NOVA HERMENÊUTICA

Na segunda seção partir-se-á para os conceitos de pós-positivismo e sua relação


com a hermenêutica, e de como esse pode ser visto como resultado da evolução
histórica das demais correntes que o antecederam. Ainda, uma de suas principais
característica, que, como resultado, pode-se dizer, da evolução hermenêutica a
ascensão dos princípios à categoria de norma, far-se-á, ainda nesta seção uma
crítica a metódica apresentando os princípios norteadores da hermenêutica clássica,
demonstrando que aplicação dos mesmos objetifica (congela) o Direito, Por fim, será
estudada a semiótica e sua nova função na interpretação e aplicação do direito.

2.2.1 Definição de pós-positivismo: o pós-positivismo como resultado

O pós-positivismo pode ser trabalhado como o resultado de uma quebra de


paradigmas, do normativista para um liberal democrático, fugindo de um modelo
epistemológico metodológico que considerava o Direito justo como fruto da aplicação
de métodos.

No antigo modelo, como bem ressalta Barroso (2003, p. 320), a ciência despontou
como único conhecimento verdadeiro, depurado de indagações teológicas ou
metafísicas. O conhecimento científico é considerado objetivo, porque fundado no
distanciamento entre sujeito e objeto e na neutralidade axiológica do sujeito
cognoscente, assegurada pelo método descritivo, baseado na observação e na
experimentação.

Ainda, o autor menciona a evolução para o constitucionalismo moderno que os


alemães chamaram de “virada kantiana”, com a Constituição sendo encarada como
um sistema aberto de princípios e regras, permeável de valores jurídicos supra-
positivos, na qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais
desempenham papel central. (BARROSO, 2001, p. 225).

Vê-se que, para Barroso o pós-positivismo encara o texto constitucional não como
um emaranhado de normas condicionantes da conduta social, mas sim, como um
símbolo dos ideais de Justiça daquela sociedade.
40

Neste norte, afirma que:

[…] o pós-positivismo identifica um conjunto de idéias difusas que


ultrapassam o legalismo estrito do positivismo normativista, sem recorrer às
categorias da razão subjetiva do jusnaturalismo. Sua marca é a ascensão
dos valores, o reconhecimento da normatividade dos princípios e a
essencialidade dos direitos fundamentais. Com ele a discussão ética volta
ao direito (BARROSO, 2001, p. 225).

Na visão do autor a ética volta para o direito, ou seja, a moral jurídica passa a ser
discutida com o seu simbolismo dentro dos ideais que condicionam a conduta
humana. Sobre a representatividade dos princípios, que assumem força normativa, o
direito passa a ser encarado como um conjunto de proposições normatizadas
abstratamente, não mais como um texto jurídico positivo que dita, objetivamente a
conduta dos jurisdicionados.

[...] Para se chegar a esse status de normatividade, passou-se por trabalho


de longa elaboração metodológica desenvolvida pela Ciência Jurídica, que
remonta as disputas epistemológicas entre duas velhas correntes do
pensamento jurídico, superadas e retrabalhadas, de algum modo, por outra
postura epistêmica. Fala-se dos debates entre o jus naturalismo e o
positivismo jurídico e, agora, mais recentemente, dos novos aportes
advindos de uma corrente que passou a ser nominada de pós-positivismo
[...] (ESPÍNDOLA, 2002, p. 62-63).

O pós-positivismo é o aperfeiçoamento das duas correntes que o antecederam. É o


positivismo, transcendendo um aporte filosófico de vigorosidade sistêmica, que
também evoluiu do jusnaturalismo, que não concebia um sistema lógico e sim um
sistema aberto ao axio, em cuja discussão da justiça se limitava àquele que a ditava.

Buscando uma visão conceitual sistêmica de pós-positivismo, Streck (2006, p. 6)


aduz que:

Para o pós-positivismo, uma teoria da interpretação não prescinde de


valoração moral, o que está vedado para a separação entre direito e moral
que sustenta o positivismo. O pós-positivismo aceita que as fontes do direito
não oferecem resposta a muitos problemas e que se necessita
conhecimento para resolver estes casos. Alguns são céticos sobre a
possibilidade do conhecimento prático, porém, em linhas gerais, é possível
afirmar (Dworkin e Soper são bons exemplos disso).

O autor sustenta, ainda que o pós-positivismo deve ser entendido com o sentido de
superação e não continuidade ou complementariedade, surgido no interior do
paradigma do Estado Democrático de Direito, instituído por um constitucionalismo
compromissório e transformador, o que se convencionou chamar de
“neoconstitucionalismo” (STRECK, p. 6).
41

Prosseguindo na lição Streck (2006, p. 7), citando Ferrajoli, fala do


neoconstitucionalismo e de seu significado:

Neoconstitucionalismo significa ruptura, tanto com o positivismo como com


o modelo de constitucionalismo liberal. Por isso, o direito deixa de ser
regulador para ser transformador. Trata-se, pois, de uma questão
paradigmática.

Tem-se que, embora relevantes as contribuições de Ferrajoli e seu garantismo, não


é certo considerar a tese de que o neoconstitucionalismo é uma continuação natural
do positivismo, um modo de completar o paradigma positivista no novo contexto do
Estado constitucional, ou que este veio a ser reforçado por aquele (STRECK, 2006,
p. 7).

Prossegue afirmando que, em sua opinião, o neoconstitucionalismo baseado num


paradigma democrático de matriz compromissória principiológica e dirigente é
incompatível com o positivismo jurídico, e o que afasta qualquer positivismo do
neoconstitucionalismo é, por exemplo, o afastamento do direito e a moral, o contrário
seria rechaçar todo o desenvolvimento histórico do direito e as implicações teóricas
e fáticas que essa evolução teve (STRECK, 2006, p. 7).

Com isso, afirma o autor que se vive um novo paradigma construído a partir da
superação do sistema positivo-normativista, quando não há espaço para discussão
de conflitos sociais. Isso, para Streck (2006, p. 8), significa dizer que:

Se o modelo de direito sustentado por regras está superado, o discurso


exegético positivista, ainda dominante no plano da dogmática jurídica
praticada cotidianamente, representa um retrocesso, porque, de um lado,
continua a sustentar discursos objetivistas, identificando texto e sentido do
texto (norma), e, de outro busca, nas (diversas) teorias subjetivistas, a partir
de uma axiologia que submete o texto à subjetividade assujeitadora do
interprete, transformando o processo interpretativo numa subsunção
dualística do fato à norma, como se fato e direito fossem coisas cindíveis e
os textos fossem meros enunciados lingüísticos (grifo do original).

Daí falar-se do pós-positivismo como resultado de uma evolução histórica que se


construiu devido à incompletude do jus-positivismo. A sua despreocupação com o
caso concreto, seu afastamento da verdade, aqui entendida como condição de
construção de ideal de justiça, que era exatamente o que se buscava no contexto
histórico no qual se iniciou a construção desse novo paradigma.
42

2.2.1.1 Do jus-naturalisno ao pós-positivismo: breve apanhado histórico

De início, impende ressaltar alguns pontos relevantes sobre as correntes anteriores


a que se trata, ou seja, o jus-naturalismo e o jus-positivismo. Entender o
desenvolvimento dessas correntes é compreender o enfoque teórico que vem
tornando o pós-positivismo, de como vem sendo construída a nova hermenêutica,
possibilitando, também, projeções para o futuro do direito.

O jus-naturalismo, também chamado de direito natural aproximou demasiadamente


o conceito de direito pra com aqueles atinentes à justiça. Nesse ponto são os
ensinamentos de Bobbio (2001, p. 56) que leciona o seguinte:

Em uma só hipótese poderíamos aceitar reconhecer como direito


unicamente o que é justo: se a justiça fosse uma verdade evidente ou pelo
menos demonstrável como uma verdade matemática, de modo que nenhum
homem pudesse ter dúvida sobre o que é justo ou injusto. E essa, na
realidade, foi sempre a pretensão do jus-naturalismo nas suas várias fases
históricas.

Buscando outra base conceitual alude o autor que a teoria do direito natural se
considera capaz de estabelecer o que é justo ou injusto de modo universalmente
válido. O que resta discutir é se essa pretensão tem fundamento, pois a julgar pelas
controvérsias entre os seguidores dessa teoria sobre o que há de ser considerado
justo ou injusto, pois o que é natural para alguns não o é para os outros (BOBBIO,
2001, p. 56).

Prossegue o autor na discussão:

Mas então, se a observação da natureza não oferece base suficiente para


determinar o que é justo e o que é injusto de modo universalmente
reconhecível, a redução da validade a justiça leva a apenas uma e grave
conseqüência: a destruição de um dos valores fundamentais sobre os quais
se apóia o direito positivo (entendido como direito válido), o valor da certeza
(BOBBIO 2001, p. 57).

De fato, resta a questão, uma vez que se esta distinção não é universal, a quem
cabe definir o que é justo ou injusto, dizer que a quem detém o poder é
demasiadamente simplório a levar-se em conta a complexidade da discussão. Outra
resposta possível é a que afirma que a todos os cidadãos cabe, mas, dessa forma,
voltar-se-ia para o início, tendo em vista que cada um tem seu respectivo valor, um
conceito do justo, reconhecer tal resposta como verdadeira é reconhecer a
43

possibilidade de injustiças legalizadas, o que seria sem nexo se atentar para os


objetivos do direito (BOBBIO, 2001, p. 57).

O que se quer demonstrar dessa corrente é que a mesma atribui ao homem a


capacidade de “naturalmente”, utilizando-se de sua percepção, entender o justo e,
por si só sem coação alguma praticá-lo, pois tudo está por natureza no seu interior.

Em oposição ao jusnaturalismo surgiu o positivismo, que reduz a justiça à validade.


Para um jusnaturalista uma norma não é válida senão é justa, para um positivista por
seu turno, uma norma é justa somente se for válida.

Sobre as doutrinas dessa corrente adotou-se a lição de Bobbio (2001, p. 59), que
afirma o seguinte:

Se quisermos encontrar uma doutrina completa e coerente do positivismo


jurídico, devemos remontar à doutrina política de Thomas Hobbes, cuja
característica fundamental, me parece ser, a reviravolta radical do
jusnaturalismo clássico. Segundo Hobbes, efetivamente não existe outro
critério do justo e do injusto fora da lei positiva, que dizer, fora do comando
do soberano. Para Hobbes, é verdade que é justo o que é comandado,
somente pelo fato de ser comandado, é injusto o que é proibido, somente
pelo fato de ser proibido.

Questiona Bobbio sobre como Hobbes chega a esta conclusão tão radical. A
resposta é simples: Hobbes era racionalista, e para os racionalistas as respostas
devem ser tiradas, rigorosamente das premissas, haja vista que, no estado de
natureza todos estão à mercê de seus próprios instintos, e não há leis que
determinem a cada um o que é seu, todos tem direito a tudo, e assim, para Hobbes,
nasce a guerra de todos contra todos (BOBBIO, 2001, p. 59).

A corrente positivista acarretou em maior segurança jurídica, pois o que era dito por
justo ou injusto já estava predeterminado, mas não trouxe o que se buscava; o justo,
entendido como aquilo que daria à sociedade a resposta que ela mesma se daria, e
não aquela dada por maiorias eventuais. Aduz-se, nesse ponto, que o exercício da
busca do que é justo é muito mais complexo do que o de elaborar hipóteses de
incidências para fatos geradores. Daí então se começou a discutir um pós-
positivismo jurídico.

O pós-positivismo como corrente do Direito Constitucional, surgiu após a Segunda


Guerra Mundial, quando se começou a pensar o direito sob o ponto de vista de sua
44

função social, isto é, entender o direito com o fim no bem comum e não mais apenas
nas instituições que o mantém.

Nasce na década de setenta a teoria de John Rawls3, que buscou trazer para o
direito a discussão dos valores como formadores diretos de um ideal de justiça, ou
seja, a justiça através do direito é, em síntese, entender o homem como fim da
Justiça.

Esboçando seu entendimento com base na análise histórica do pós-positivismo


Barroso (2001, p. 06) leciona:

O momento histórico posterior à 2ª guerra mundial serviu para inspirar um


novo movimento para reflexão do direito e da sua função social, sua
interpretação com a definição de valores e, principalmente, a discussão de
princípios e de regras precursores de uma teoria dos direitos fundamentais.
Aí surge o que se pode denominar de pós-positivismo jurídico
fundamentado, de maneira mais evidente, na normatividade dos princípios e
o retorno da discussão dos valores, com a reaproximação da ética do
direito. É o constitucionalismo moderno que os alemães chamaram de
virada kantiana, com a Constituição sendo encarada como um sistema
aberto de princípios e regras, permável de valores jurídicos supra-positivos,
no qual as idéias de justiça e de realização dos direitos fundamentais
desempenham papel central.

Na seqüência, prossegue o autor afirmando que o pós-positivismo, como forma de


superação do legalismo e de reconhecimento de valores comuns da sociedade,
valores, diga-se, praticados por esta sociedade, representou uma volta à teoria
kantiana. O positivismo jurídico decorreu da importação das ideias do positivismo
filosófico para criar uma ciência jurídica com características análogas às ciências
exatas e naturais. Isso, sendo, desenvolveu-se em decorrência da virada histórica
trazida por revoluções e lutas para libertação do autoritarismo monárquico (Barroso,
2001, p. 07).

Ainda afirma Barroso (2001, p.07): “Não obstante se revelou numa ideologia movida
por juízos de valor, cujo fetiche da lei e legalismo acrítico se prestaram às variadas
formas de autoritarismo, como o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha”.

3
A teoria de JOHN RAWLS surge na década de setenta, marcando o renascimento da discussão da justiça
como valor imprescindível à sociedade contemporânea. Busca nas concepções kantianas a noção da
indispensabilidade de tratar o homem como fim da justiça, não meio. Resgata o homem como objetivo maior da
sociedade, enquanto o centro de toda a racionalidade, não obstante acidamente criticado, inclusive por quem o
atacaram por ser extremamente proceduralista ou por defender a idéia de justiça jurisdicionalizada.
45

Em síntese à exposição das características do pós-positivismo, identifica como um


conjunto de ideias difusas que ultrapassam o legalismo estrito do positivismo
normativista. Não tem, por isso, a objetividade deste, e não recorre às categorias da
razão subjetiva do jusnaturalismo. Aduz que sua marca é a ascensão dos valores,
que através do reconhecimento da normatividade dos princípios e a essencialidade
dos direitos fundamentais, promove o chamado reencontro do direito com o direito.
Com ele a discussão ética volta ao Direito. O pluralismo político e jurídico, a nova
hermenêutica e a ponderação de interesses são componentes dessa reelaboração
teórica, filosófica e prática que fez a travessia de um milênio para o outro.

2.2.1.2 O pós-positivismo a elevação dos princípios e seus efeitos na interpretação


das normas

Do até então exposto sobre o pós-positivismo denota-se sua influência no âmago


dos sistemas que ele constrói. Com o sistema constitucional brasileiro não poderia
ser diferente.

Barroso (2001, p. 27-28), lecionando a respeito do pós-positivismo e seus efeitos


integrativos no sistema, lembra que:

O pós-positivismo é a designação provisória e genérica de um ideário


difuso, no qual se incluem a definição das relações entre valores, princípios
e regras, aspectos da chamada nova hermenêutica e a teoria dos direitos
fundamentais. (...) O Direito, a partir da segunda metade do século XX, já
não cabia mais no positivismo jurídico. A aproximação quase absoluta entre
Direito e norma e sua rígida separação da ética não correspondiam ao
estágio do processo civilizatório e às ambições dos que patrocinavam a
causa da humanidade. Por outro lado, o discurso científico impregnara o
Direito. Seus operadores não desejavam o retorno puro e simples ao
jusnaturalismo, aos fundamentos vagos, abstratos ou metafísicos de uma
razão subjetiva. Nesse contexto, o pós-positivismo não surge com o ímpeto
da desconstrução, mas como uma superação do conhecimento
convencional. Ele inicia sua trajetória guardando deferência relativa ao
ordenamento positivo, mas nele reintroduzindo as idéias de justiça e
legitimidade. O constitucionalismo moderno promove, assim, uma volta aos
valores, uma reaproximação entre ética e Direito.

Uma das principais tarefas do pós-positivismo foi a de encerrar com as


discricionariedades constantes de um sistema fechado à interpretação que era o
positivismo jurídico. Para tanto, era necessário um fechamento na possibilidade
desconstrutiva da norma (fragmentação da interpretação), e ao mesmo tempo o
contexto histórico exigia uma abertura na possibilidade interpretativa para abarcar a
46

maioria dos casos concretos, o que o sistema anterior não conseguia fazer. A
solução para essa problemática foi a elevação dos princípios à categoria de norma
(normatividade dos princípios).

Novelino (2007, p. 69), sobre o tema, aduz que:

No pós-positivismo ou neopositivismo, após serem consagradas nos textos


constitucionais, finalmente os princípios atingem o seu auge normativo,
passando a ser tratado como uma espécie de norma jurídica, sendo esta
dividida em duas grandes categorias diversas: regras e princípios.
Ao classificar princípios e regras como norma o autor alemão Robert Alexy
aponta os seguintes caracteres em comum: ambos dizem o que deve ser;
ambos podem ser formulados de expressões deônticas básicas – ordem,
permissão, proibição; e ambos são razões para juízos concretos de dever-
ser – ainda que de tipo diferente(ALEXY, apud NOVELINO, 2006, p. 69).

Como já aludido, uma das principais características impostas pela sistemática pós-
positivista foi a elevação dos princípios à categoria de norma, ou seja, normatizar
princípios, isso com a finalidade de abrir o cerne interpretativo da norma para
garantir uma melhor exploração hermenêutica na busca de uma verdade prática.
Pode-se, então, dizer que a normativização dos princípios objetiva tornar o direito
mais aplicável.

Para se ter uma noção mais aprofundada é necessário que se conheça o conceito
da base principiológica investigada sob uma ótica sistematizante para que não se
incorra no erro de limitar os conceitos subjetivos acarretando numa limitação de
ordem prática ou funcional.

Nesse ponto, é preciosa a lição de Bandeira Mello (1991, p. 230), para quem:

Princípio é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro


alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes
normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata
compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a
racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá
sentido harmônico [...].

O princípio é, pois, o elo, o nexo entre uma norma e o sistema no qual ele está
inserido. A busca de uma verdade através de um princípio tira o intérprete das
condicionantes axiológicas e ontológicas e dá maior liberdade hermenêutica, num
primeiro momento, e limita num segundo, quando do acontecer epistemológico:

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A


desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico
mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais
47

grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do


princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema,
subversão de seus valores fundamentais (MELLO, 1991, p. 130).

Princípio, segundo Barroso (2003, p. 151), é sempre donde deve partir o interprete.
É o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, sendo assim, de
seu povo. Citando Reale que admite, onde quer que haja um fenômeno jurídico há
sempre e necessariamente um fato subjacente, um valor que confere ao fato
determinada significação e uma norma que representa a relação ou medida que
integra um daqueles elementos ao outro.

Prossegue, ainda, Barroso (2003, p. 152), aduzindo que os princípios constitucionais


são a síntese dos valores mais relevantes da ordem jurídica, e a Constituição é um
sistema de normas jurídicas e a ideia de sistema funda-se na harmonia de partes
que convivem sem atritos.

Finaliza sustentando a atual dogmática e a alocação dos princípios no


desenvolvimento de seus conceitos, para isso afirma que:

A moderna dogmática jurídica, freqüentemente referida como pós-positivista


ou principialista, tem dedicado principal atenção ao desenvolvimento de
uma teoria dos princípios. No seu âmbito tem sido aprofundada a discussão
acerca do conteúdo dos princípios, de sua diferenciação em relação às
regras e das diferentes modalidades de eficácia que podem apresentar. A
normatividade dos princípios e suas potencialidades na interpretação
constitucional tem sido, paralelamente à ascensão histórica dos direitos
fundamentais, a marca do Direito nas últimas décadas. (BARROSO, 2003,
p. 160-161).

Nesse sentido, e como já visto, os princípios podem ser entendidos como


condicionantes da interpretação, mais ainda na atual dogmática onde assumem um
caráter normativo. Na estrutura normativa os mesmos acabam sendo percebidos
antes mesmo da regra. O princípio é a primeira impressão que o intérprete tem da
norma, e, nesse sentido, são limitadores, haja vista que, prende o alcance da
interpretação sem tirar-lhe a efetividade, pois o acontecer hermenêutico está ainda
nas suas raias.

2.2.2 Os métodos interpretativos e a hermenêutica de como a metódica


interpretativa objetifica o direito
48

Para uma melhor compreensão dos embates teóricos que o presente trabalho
acadêmico se propõe a fazer, é necessário que se tenha conhecimento dos métodos
interpretativos os quais, atualmente, ainda são utilizados no sistema jurídico
brasileiro. É o que se chama de “não recepção da viragem linguística”:

[...] em nosso sistema jurídico brasileiro – a mudança de paradigma (da


filosofia da consciência para a filosofia da linguagem) não teve a devida
recepção no campo da filosofia jurídica e da hermenêutica no cotidiano das
práticas jurídicas e doutrinárias brasileiras. Os juristas não se deram conta
do fato de que “o Direito é linguagem e terá de ser considerado, em tudo e
por tudo como uma linguagem. O que quer que seja e como quer que seja,
o que quer que ele se proponha e como quer que nos toque, o direito é uma
linguagem, propõe-se sê-lo numa linguagem (nas significações lingüísticas
em que se constitui e exprime) e atinge-nos através dessa linguagem que
é” (STRECK, 2005, p. 65-66).

O que se vivencia, na lição do autor, é uma crise de paradigmas, no interior da qual


a atividade judicial é concebida como mera administração da lei por uma instituição
tida como “neutra” e “imparcial”, convertendo o intérprete em um mero técnico do
direito positivo. Quer-se, no entanto, que a contribuição do intérprete seja maior
(STRECK, 2005, p. 68).

Sabe-se que os métodos interpretativos utilizados tanto no Direito Brasileiro como


português foram inaugurados por Canotilho (1993, p. 212/213), que sobre os
referidos métodos dá importante lição:

No momento actual (sic), poder-se-á dizer que a interpretação das normas


constitucionais é um conjunto de métodos, desenvolvidos pela doutrina e
pela jurisprudência com base em critérios ou premissas (filosóficas,
metodológicas, epistemológicas) diferentes mas, em geral, reciprocamente
complementares.

Assevera, no trecho supracitado, da existência de métodos adotados pelo intérprete


para se alcançar o objetivo implícito na norma. Aduz ainda, que os referidos métodos
estão fundamentados em diversas premissas de cunho filosófico, metodológico e
epistemológico. É de se notar que apesar de atribuir métodos, o que enseja, de certa
forma, um caráter legalista ao processo interpretativo, o jurista fala das premissas
que atribuem à interpretação elementos de discricionariedade, formulados de acordo
com a nova Teoria Hermenêutica.

Passar-se-á, nas próximas subseções, a explanar topicamente sobre os métodos


interpretativos defendidos por Canotilho.
49

O método jurídico - aplicando-se também à Constituição - parte da consideração de


que a mesma é, para todos os efeitos, uma norma. Assim sendo, interpreta-la é
interpretar uma lei, é o que se chama “tese da identidade”, onde a interpretação
constitucional é analógica à interpretação legal, pois identifica o objeto pela
categoria em que se encontra, deixando de lado a hierarquia, ou o nível de
importância da norma em determinado ordenamento. Para tal método a captação do
sentido da norma constitucional deve utilizar-se os cânones ou regras tradicionais da
hermenêutica:

O sentido das normas constitucionais desvenda-se através da utilização


como elementos interpretativos: (i) do elemento filológico (=literal,
gramatical, textual); (ii) do elemento lógico (= elemento sistemático); (iii) do
elemento histórico; (iiii) do elemento teleológico (= elemento racional); (iiiii)
do elemento genético (CANOTILHO, 1993, p. 213).

Tem-se que, na visão do jurista referido, a articulação destes vários fatores


hermenêuticos enumerados conduzir-se-á a uma interpretação jurídica da
Constituição em que o princípio da legalidade é fundamentalmente salvaguardado,
daí sua corrente utilização em sistemas jurídicos positivistas, pela dupla relevância
atribuída ao texto, não permitindo ao intérprete ir além do sentido da norma, muito
menos contra ela (CANOTILHO, 1993, p. 213).

Quanto ao método tópico-problemático, no âmbito do Direito Constitucional, parte-se


de algumas premissas. Primeiro, o caráter prático do acontecer interpretativo, tendo
em vista que toda a interpretação procura resolver os problemas concretos postos
por fatos concretos. A segunda premissa diz respeito ao caráter aberto, fragmentário
ou indeterminado da lei constitucional. Por último, a preferência pela discussão do
problema em virtude da chamada “open texture”, ou “abertura das normas
constitucionais”:

A interpretação da constituição reconduzir-se-ia, assim, a um processo


aberto de argumentação entre os vários participantes (pluralismo de intér-
pretes) através da qual se tenta adaptar ou adequar a norma constitucional
ao problema concreto. Os aplicadores-interpretadores servem-se de vários
tópoi ou pontos de vista, sujeitos à prova das opiniões pró ou contra, a fim
de descortinar, dentro das várias possibilidades derivadas da polissemia de
sentido do texto constitucional, a interpretação mais conveniente para o
problema. A tópica seria, assim, uma arte de invenção (inventio) e, como tal,
técnica do pensar problemático (CANOTILHO, 1993, p. 213).
50

A utilização do método exposto, em suma, dá-se pela necessidade de ordenação, de


encontro de pontos comuns para o início do discurso, teriam como função auxiliar o
intérprete para, segundo Canotilho “constituir um guia de discussão dos problemas”.

O autor português ainda lembra que a concretização do texto constitucional a partir


deste método merece sérias reticências. Além de poder conduzir a um casuísmo
sem limites, acarretando, sobremaneira, em fundamentação para decisionismos, a
interpretação não deve partir do problema para a norma, mas desta para os
problemas, pois, dessa forma, seguindo a ideia de que não se deve sacrificar a
norma em prol do problema (CANOTILHO, 1993, p. 213-214).

Outro dos métodos discutidos alhures, e que é objeto de discussão do presente, não
como metódica, mas como filosofia cientifica que se apresenta para solução de
problemas jurídicos é o chamado método “hermenêutico-concretizador”, que, para
Canotilho (1993, p. 214):

Este método arranca da ideia de que a leitura de um texto normativo se


inicia pela pré-compreensão do seu sentido através do intérprete. A
interpretação da constituição também não foge a este processo: é uma
compreensão de sentido, um preenchimento de sentido juridicamente
criador, em que o intérprete efectua uma actividade prático-normativa,
concretizando a norma para e a partir de uma situação histórica concreta.
No fundo, este método vem realçar e iluminar vários pressupostos da tarefa
interpretativa: os pressupostos subjectivos, dado que o intérprete
desempenha um papel criador (pré-compreensão) na tarefa de obtenção do
sentido do texto constitucional: os pressupostos objectivos, isto é, o
contexto, actuando o intérprete como operador de mediações entre o texto e
a situação em que se aplica: relação entre o texto e o contexto com a
mediação criadora do intérprete, transformando a interpretação em
movimento de ir e vir (círculo hermenêutico) (sic).

Essa passagem, basicamente, converte em método o objeto defendido pela


hermenêutica clássica, condição para a corrente positivista admitir a hermenêutica,
mas, hodiernamente, a metódica não tem feito parte do discurso jurídico do
acontecer da Constituição, é a opinião do estudioso acima avençado. Já para Streck
(2005, p. 307):

Defender, hoje, a existência de uma hermenêutica constitucional (repetindo,


enquanto “método” autônomo), é perceber a Constituição como ferramenta,
cujo conteúdo vem/virá a ser “confirmado” (ou não) pela técnica específica
de interpretação (denominada hermeneutica constitucional). Nesse sentido,
registre-se as bem fundadas críticas de Friederich Müller às
técnicas/regras/métodos de interpretação. Para ele, as regras tradicionais
de interpretação não podem ser isoladas como “métodos” autônomos por si.
51

É possível, seguindo os ensinamentos do autor, aferir-se pela fragilidade da


metódica ou das técnicas de interpretação, pois dizem respeito a um porvir. Lembra
o autor dos ensinamentos de Dallari, que afirma que o intérprete ao utilizar de
métodos interpretativos exonera-se da responsabilidade pelas injustiças de suas
decisões. Completa Streck (2005, p. 306), afirmando a possibilidade de decisões
voluntaristas propiciadas por interpretação “ad-hoc”, pois toda interpretação será
gramatical, tendo em vista que parte de um texto escrito.

Prossegue Streck (2005, p. 307) em sua lição sobre a metódica interpretativa e sua
interferência no real sentido da norma, afirmando que:

Não é desarrazoado afirmar, nesse diapasão, que os assim denominados


métodos ou técnicas de interpretação tendem a objetificar o direito,
impedindo o questionar originário da pergunta pelo sentido do Direito em
nossa sociedade. A própria noção de círculo hermenêutico - no interior do
qual o interprete fala e diz o ser na medida em que o ser se diz a ele, e
onde a compreensão e explicitação do ser já exige uma compreensão
anterior (antecipação de sentido, porque o sentido é antecipado sempre por
um sentido que é trazido pelo Dasein, que é pré-ontológico) – é
incompatível com a dita “autonomia” de métodos ou técnicas de
interpretação e/ou de seu desenvolvimento em partes ou fases.

Para findar, conclui o autor que pensar em métodos estruturantes de um sistema


normativo, é pensar na incompletude deste, como se se admitisse que o sistema
jurídico e tudo que o cerca é algo sem sentido, que irá receber, da compreensão,
determinado significado e este (significado ou justiça da norma), fosse dado pelo
sujeito (interprete).

2.2.3 A semiótica e a hermenêutica, uma relação no mínimo necessária

Com o intuito de melhor entender a hermenêutica filosófica, necessário se faz a


dissertação sobre a semiótica, que, após a virada lingüística, assumiu papel
fundamental na construção da nova sistemática interpretativa.

Semiótica nada mais é do que a ciência da linguagem. Falou-se nas primeiras


seções que à Hermes (deus da Mitologia Grega) foi atribuída a criação da
linguagem. Nesse sentido, parece razoável (e a lógica é que seja) falar que a
hermenêutica, como se entende hoje, depende da linguagem, pois a norma é
expressa em símbolo e direito é essencialmente linguagem.
52

Embasa tal afirmação nas palavras de Gadamer (1999, p. 570-571), citando


Schleiermacher:

Convém recordar que na origem, e primordialmente, a hermenêutica tem


como tarefa a compreensão dos textos. Foi somente Schleiermacher que
minimizou o caráter essencial da fixação por escrito com respeito ao
problema hermenêutico, quando considerou que o problema da
compreensão estava dado também face o discurso oral, e quiçá a sua plena
realização.

Prossegue afirmando que o caráter escrito tornou-se secundário face o lingüístico, e


que a linguagem dos signos tem referência com a verdadeira linguagem do discurso,
porém, pela sua essência, não é de modo algum secundário que seja a linguagem
suscetível de se tornar escrita, ao contrário disso, essa possibilidade está ligada ao
fato de que o próprio discurso participa da idealidade do sentido que se comunica
nele. O caráter escrito pode ser visto, portanto como a idealidade abstrata da
linguagem (GADAMER, p. 5).

Streck (2005, p. 115), ao discorrer sobre a história da linguagem, quando tudo


começou em Crátilo, obra de Platão, que discute essencialmente duas correntes: a)
o naturalismo, tese defendida por Crátilo, e b) o convencionalismo, tese sofística
defendida por Hermógenes, outro personagem da História.

Prossegue o autor referindo-se a representação de Crátilo no contexto da


linguagem:
O Crátilo representa o enfrentamento de Platão à sofística. Com a tese
convencionalista dos sofistas, a verdade deixava de ser prioritária. A
palavra, para os sofistas, era pura convenção e não obedecia a nenhuma lei
da natureza e tão pouco às leis divinas (sobrenatural). Como era uma
invenção humana, podia ser reinventada e, conseqüentemente, as verdades
estabelecidas podiam ser questionadas (STRECK, 2005, p. 117).

Com o citado trecho, o autor lembra que, no contexto em que aconteceu o referido
embate houve uma quebra de paradigma, pois desobedecia a idéia de se atribuir
vínculo ou ligação a leis divinas, como era de costume, atribuindo ao homem a
autoria das palavras, através de um consenso.

Ainda nessa linha, outra discussão relacionada diz respeito ao atribuir nomes, se
estes surgem da convenção sofística ou naturalmente:

Desse modo, no Crátilo, para discutir a questão relacionada a justeza dos


nomes, Sócrates toma como modelo a atividade do artesão, no qual há uma
finalidade própria a cada coisa e a cada ação e que, analogicamente aos
53

instrumentos adequados a cada atividade artesanal, há também um


responsável pelo estabelecimento dos nomes das coisas, o nomoteta
(onomaturgo), o sábio legislador, (espécie de fala autorizada...): “Nem todo
homen é capaz de atribuir nome, mas apenas um artista de nomes; e este é
o legislador, o mais raro dos artistas entre os homens”. Mas o nomoteta não
nomeia as coisas arbitrariamente. Para exercer sua atividade, ele se guia
por um modelo ideal, pois parece haver uma certa exatidão natural de um
nome em relação ao objeto (STRECK, 2005, p.117-118).

Nota-se, portanto, que Sócrates tenta, de certa maneira, unir as duas correntes,
dizendo que se os nomes são criados por um “dador de nomes” eles são uma
convenção, porque participam de um referencial comum (STRECK, 2005, p. 118).

O que é salutar extrair desse embate é que:

Na tese apresentada por Sócrates no diálogo, exurge a concepção platônica


de uma ordem universal à qual o homem tem acesso, de forma incompleta,
através da atividade inteligente, (mundo das idéias) [...], mais do que isso é
importante lembrar que, para Platão, é possível conhecer as coisas sem os
nomes, portanto, como já dito, sem a linguagem. A linguagem é apenas um
instrumento. Seu papel é secundário (STRECK, 2005, p. 118).

Tem-se então, que para Platão a linguagem é apenas um instrumento e que está
atrelada à coisa, de que se fala, em sua idéia central, ou seja, é possível reconhecê-
la sem linguagem, pois a mesma é o que ela expressa ser, existe, então, relação
entre a ideia que se tem da coisa e a coisa propriamente dita.

Importante recordar que foi em Heidegger e Gadamer que, através da linguagem, se


construiu a nova hermenêutica. Streck (2005, p. 189) adverte que:

A (nova) hermenêutica pretendida por Gadamer surge no horizonte de um


problema totalmente humano, diz Fernandez-Largo: a experiência de
encontrarmos frente a totalidade do mundo como contexto vital da própria
existência. A partir disso, a pergunta acerca de como é possível o
conhecimento e quais são as suas condições, passa a ser um problema
menor dentro da globalidade da questão referente ao compreender da
existência no horizonte de outros existentes.

Streck (2005, p. 180), ainda, trata da semiótica jurídica como uma ciência empírica
do direito, que estuda as relações entre os enunciados jurídicos e os serem
humanos que criam, interpretam e aplicam, pois fazem parte do jogo hermenêutico:

O direito é visto como Direito em ação, como fenômeno social. Para tanto,
foi necessário construir um modelo de linguagem que indicasse um conjunto
de enunciados dados que expressassem o Direito positivo de uma certa
comunidade e em um certo momento.

Assim, quer-se expressar, que a validade dos enunciados de qualquer linguagem


jurídica depende também de aspectos pragmáticos, não somente sintáticos e
54

semânticos; ou seja, importa conhecer mais do que a conclusão sobre o que diz
certo enunciado, ou ainda o que quer ele dizer, mas sim o que ele precisa dizer
naquele determinado contexto histórico e fático.

2.3 A MUTAÇÃO CONSTITUCIONAL E A (POSSI)NECESSIDADE DE LIMITES


INTERPRETATIVOS DAS NORMAS. O PROBLEMA DO MÉTODO E DE
COMO PENSAR A CONSTITUIÇÃO COM VISTAS À SUA EFETIVIDADE

Na terceira seção será discutida a mutação constitucional como forma integrativa da


norma, ainda tratando sobre uma perspectiva de desenvolvimento do pós-
positivismo. Analisar-se-á todo o desenvolvimento dos conceitos, discutindo a
possibilidade de mutação constitucional e sua fundamentação teórica e prática com
base no pós-positivismo jurídico. Pretende-se, também, explicitar a questão dos
princípios como limites ou condicionantes hermenêuticos, além da crítica da
metódica objetificante da interpretação, abordando o problema do método. Para
finalizar, será tratado, nas derradeiras seções, o tema pertinente à eficácia das
normas constitucionais e o papel da hermenêutica como elemento construtivo de um
novo pensar do direito.

2.3.1 Mutação constitucional: conceito e limite

A sociedade evolui. Dia após dia, os conflitos sociais, culturais e econômicos


ganham complexidade, reclamando não só a interferência, mas a assunção de
responsabilidade do Estado, através do Poder Judiciário, para a resolução destas
questões, de forma coerente e em busca de uma justiça efetiva.

Nesse diapasão, quando, numa realidade evolutiva, o intérprete se depara com uma
Constituição rígida sob o ponto de vista de sua integração normativa,
inexoravelmente surgem debates sobre outros mecanismos de integração desta
Constituição e materialização de seus dispositivos. Neste sentido, Barroso (2010, p.
427) afirma:

As Constituições têm vocação de permanência. Idealmente, nelas tem


abrigo as matérias que, por sua relevância e transcendência, devem ser
preservadas da política ordinária. A constitucionalização retira determinadas
decisões fundamentais do âmbito de disposições das maiorias eventuais.
Nada obstante isso, as Constituições não são eternas nem podem ter a
55

pretensão de ser imutáveis. Uma geração não pode submeter a outra aos
seus desígnios. Os mortos não podem governar os vivos.

No trecho citado o referido autor aduz que a imutabilidade das Constituições deve
ser verificada no plano teórico ou abstrato, pois no plano concreto não deve existir
mecanismo de estagnação de sentido e alcance das normas.

Ao buscar-se o conceito de mutação constitucional, é comum figurar o nome de


Bulos, que entende por "mutação constitucional o processo informal de mudança da
Constituição, por meio do qual são atribuídos novos sentidos, conteúdos até então
não ressaltados à letra da Lex Legum, quer através da interpretação, em suas
diversas modalidades e métodos, quer por intermédio da construção (construction),
bem como dos usos e costumes constitucionais" (BULOS, 1997, pg. 57)

Assim, a mudança da Constituição in concreto pode ocorrer de duas formas: a)


através da reforma constitucional; ou b) através da mutação constitucional.

Esse primeiro mecanismo é o que identifica o positivismo jurídico; uma mudança


formal, por um processo previsto na própria Constituição, seguindo regras
previamente dispostas, de que resulta a rigidez constitucional.

Já quanto à mutação constitucional, é esta a outra face do “atribuir eficácia” ao que


não está sendo eficaz. É uma forma de mudança do sentido aplicável da norma, sem
a mudança desta em sua estrutura proposicional básica e primária. Ao que parece,
mesmo que mereça maiores discussões a respeito, essa mutação não atribui
flexibilidade nos processos de mudança da Constituição, pois que o enunciado
principiológico dirigente do tempo-espaço normativos continuará imutável e eficaz
conforme foi construído para ser.

A doutrina originária, proveniente do constitucionalismo francês, não admitia a


mudança de uma norma “mater” senão por um processo formal, no entanto:

Coube a teoria alemã, em elaborações sucessivas, e a própria


Jurisprudência do Tribunal Constitucional Federal, o desenvolvimento e
comprovação da tese da ocorrência de alterações na Constituição material
de um Estado, sem qualquer mudança no texto formal (BARROSO, 2010, p.
428).

Tal resultado prático, afirma o autor, deveu-se a uma separação metodológica rígida,
resultado de uma comparação do plano concreto ou material, com o abstrato. De um
56

conflito do plano do “ser” com o do “dever ser” resultou apropriada conclusão de


necessidade de aproximação dos dois planos para se atingir um ideal aplicável de
justiça. Nasce, assim, a mutação constitucional (BARROSO, 2010, p. 428).

Prossegue Barroso (2010, p. 430), admitindo que:

[...] é possível dizer-se que a mutação constitucional consiste em uma


alteração do significado de determinada norma da Constituição, sem
observância do mecanismo constitucionalmente previsto para as emendas
e, além disso, sem que tenha havido qualquer modificação de seu texto.
Este novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode decorrer
de uma mudança na realidade fática de uma nova percepção do Direito,
uma releitura do que deve ser considerado ético e justo.

Deve a mutação constitucional estar baseada num ideal democrático, isto é, sua
legitimidade tem de fundamentar-se na necessidade de sua ocorrência, que é seu
próprio fim de existência: responder a anseios de uma maioria.

O perquirir sobre processos informais de alteração de textos legais exige, de fato,


maiores estudos sobre os limites de tal exercício, pois o Direito está ligado ao fato
social, assim como este necessita daquele para ser legítimo.

O direito não existe abstratamente, fora da realidade sobre a qual incide.


Pelo contrário, em uma relação intensa e recíproca, em fricção que produz
calor mas nem sempre luz, o Direito influencia a realidade e sofre a
influencia desta. A norma tem a pretensão de conformar os fatos ao seu
mandamento, mas não é imune às resistências que eles podem oferecer,
nem aos fatores reais de poder. No caso das mutações constitucionais é o
conteúdo da norma que sofre o efeito da passagem do tempo e das
alterações da realidade de fato. As teorias concretistas da interpretação
constitucional enfrentam o equacional e condicionamento recíproco entre a
norma e a realidade (BARROSO, 2010, p. 430-431).

Conclui o jurista que, além dos poderes constituintes conhecidos, quais sejam,
Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado, existe um terceiro
poder, este baseado num maior dinamismo interpretativo que se exerce em caráter
permanente. É o que Georges Burdeau denominou de Poder Constituinte Difuso,
cuja titularidade remanesce do povo (BARROSO, 2010, p. 431).

Portanto, para Barroso (2010, p. 432), a mutação constitucional tem limites, e, caso
sejam ultrapassados se estará violando o Poder Constituinte e a soberania popular.
É fato, no entanto, que as normas jurídicas, quando se busca uma aplicabilidade
efetiva, libertam-se da “voluntas” subjetiva que as criaram, e passam a ter uma
57

existência própria, objetivamente desatrelada de seu espírito criativo, mas presa a


ele pela vontade maior do poder que a instituiu.

Finaliza aduzindo da possibilidade de existirem mutações que contrariem a


Constituição, sendo, portanto, inconstitucionais, geradoras de problemas
institucionais de diversas ordens, devendo, tais normas, serem rejeitadas pelos
poderes competentes e pela sociedade. Do contrário, estar-se-ia correndo o risco de
haver uma sobreposição do fato ao Direito, dando-se maior valor ao que pode advir,
circunstancialmente, do que se respeitando o legalmente regulado, ou seu espírito
fundamental (BARROSO, 2010, p. 432).

2.3.1.1 De como se dá a mutação e seu resultado: os mecanismos de atuação e de


como a mutação constitucional integra a norma no sistema e o sistema na
realidade prática sem condicionantes metódicas

Entender a mutação constitucional como um processo informal de transformação da


Constituição não é simples como num primeiro momento se possa imaginar, haja
vista que a tal instituto presume uma abertura de sentidos teóricos de texto e
contexto normativo, mesmo que involuntariamente, pois mutação não ocorre da
Constituição para o fato, mas do fato para ela. E nesse sentido é o ensinamento de
Barroso (2010, p. 432):

A adaptação da Constituição a novas realidades pode se dar por ações


estatais ou por comportamentos sociais. A interpretação constitucional,
normalmente levada a efeito por órgão ou agentes públicos – embora não
exclusivamente –, é a via mais comum de atualização das normas
constitucioanais, sintonizando-as com as demandas do seu tempo. Em
segundo lugar vem o constume constitucional, que consiste em prática
observadas por cidadãos e por agentes públicos, de maneira reiterada e
socialmente aceita, criando um padrão de conduta que se passa a ter como
válido e até mesmo obrigatório (sic).

E segue o estudioso afirmando que a interpretação é feita pelos três Poderes do


Estado, mas a interpretação judicial prevalece em caso de conflitos. A todos os
órgãos é dado o poder de interpretar; o que nada mais é que reconstruir a lei para o
caso concreto. Interpretar é determinar o sentido e alcançe da norma com vistas à
sua efetividade.

Para Barroso (2010, p. 433-434), o resultado da mutação constitucional depende


também das características das normas que lhe dão especificidade, como os
58

conceitos jurídicos indeterminados ou as chamadas cláusulas gerais e os princípios.


Daí, o papel do intérprete não consistirá apenas em buscar uma solução com base
no texto normativo, porque a plenitude do sentido somente se alcançará depois do
seu trabalho integrativo. E, sobre essa função integrativa, escreve o autor:

Essa função integrativa do sentido das normas pelo intérprete dá margem


ao desempenho de uma atividade criativa, que se expressa em categorias
como a interpretação construtiva e a interpretação evolutiva. A propósito,
nenhuma delas se confunde com a mutação constitucional. A interpretação
construtiva consiste na ampliação do sentido ou extensão do alcance da
Constituição – seus valores, seus princípios – para o fim de criar uma nova
figura ou uma nova hipótese de incidência não prevista origináriamente, ao
menos não de maneira expressa. Já a interpretação evolutiva se traduz na
aplicação da Constitução a situações que não foram contempladas quando
de sua elaboração e promulgação, por não existirem nem terem sido
antecipadas à época, mas que se enquadram claramente no espírito e nas
possibilidades semânticas do texto constitucioanal.

E prosseguindo, Barroso (2010, p. 434) afirma que a mutação consiste na mudança


do sentido da norma, em contraste com o entendimento preexistente.

No que tange à mutação constitucional, o Poder Judiciário é o primeiro dos três


poderes a se colocar na condição de “responsável” por uma efetiva resposta, devido
à sua proximidade com problemas que uma má interpretação legislativa pode
acarretar.

Nesse ponto, resta uma questão para debate: de como se pode afirmar a
prevalência de um positivismo se, ao mesmo tempo, assume-se a existência de
entendimentos, os quais remetem à ideia de construção subjetiva de sentidos. Com
frequência, para fundamentar decisões, invoca-se entendimento de magistrado,
entendimento de Ministro do Supremo Tribunal Federal; eis aí mais uma prova de
que o Direito pode até ser positivista, para os adeptos desta corrente, mas a justiça
de uma decisão nunca o será; daí a necessidade de se “compreender” o que
determinada norma diz e necessita, efetivamente, dizer.

O que importa neste plano, é demonstrar que entendimento é mais uma forma de
mutação de sentido aplicável da norma e, para fim de situar-se melhor o texto, a
hermenêutica pode, ou deve, ser usada no processo mutacional. Dessume-se que
sendo uma norma analisada sob um plano hermenêutico-filosófico e extraindo-se
dela um resultado, tal, dependendo de onde se encontre em grau de importância no
sistema, pode ser encarado como uma mutação de sentidos ou constitucional. Em
59

suma, não é qualquer mutação que pode ser constitucional; e nem se está falando
das inconstitucionais. O que ocorre é que a hermenêutica acabará dando ao
resultado interpretativo a credibilidade material, o elemento social faltante nas
interpretações.

Seguindo os ensinamentos de Barroso (2010, p. 436):

Uma das funções principais do poder legislativo é editar leis que atendam às
demandas e necessidaes sociais. Deverá fazê-lo sempre levando em conta
os valores da Constituição e a realização dos fins públicos nela previstos.
Normalmente, a aprovação e novas leis envolverá uma faculdade
discricionária do legislador. Em certos casos, contudo, ele atuará em
situações previamente determinadas.

Tanto num como noutro caso o próprio constituinte originário conferiu a faculdade
de, através de um poder-dever, regulamentar determinadas situações. Não há,
portanto, mutação constitucioanal nestes casos pois, por mais que inovem de
maneira substancial na ordem jurídica vigente, têm em vista a possibilidade de
escolha valorativa dentro de limites impostos pela própria Constituição. Haverá
mutação através do legislativo tão somente quando, por ato normativo, procurar-se
dar interpretação diversa da que já tenha sido dada a alguma norma cosntitucional.
A mutação, portanto, terá lugar quando, vigendo determinado entendimento, uma lei
vier a alterá-lo (BARROSO, 2010, p. 436).

Mais importante, quanto a este tema, é perceber os motivos que fundamentam a


mutação constitucional pois, se a ordem vigente, ou supostamente vigente, não está
resolvendo as controvérsias para as quais está disposta, algo, sem dúvida, está
acontecendo; e cabe ao intérprete descobrir o que é. Para Barroso (2010, p. 439):

Encontra-se superada de longa data, a crença de que os dispositivos


normativos contém, no seu relato abstrato, a solução prestabelecida e
unívoca para os problemas que se destinam a resolver. Reconhece-se nos
dias atuais, sem maior controvércia, que tanto a anisão do intérprete como a
realidade subjacente são decisivas no processo interpretativo, tais
circunstancias são potencializadas pela presença, no relato das normas
constitucionais, de cláusulas gerais e enunciados de pricípio cujo conteúdo
precisarás ser integrado no momento da aplicação do dirieto. Conceitos
como ordem pública, dignidade da pessoa humana, ou igualdade poderão
sofrer variações ao longo do tempo e produzir consequencias jurídicas
diversas.

O que se pode extrair, sem delongar a pesquisa, é que a mutação constitucional em


relação à hermenêutica guarda célebres distinções, apesar de convergirem para um
mesmo rumo. Infere-se, a respeito disso, que a ocorrência de mudanças de sentido
60

aplicável de uma norma pode dar-se através de um processo hermenêutico e, ao


mesmo tempo, despertar a necessidade hermenêutica quanto a outras normas,
tendo em vista a alteração do fundamento de eficácia destas.

Conclui-se, nesse diapasão, que a aplicação de uma norma segundo um processo


interpretativo que adote como prática uma filosofia hermenêutica é mais lento,
porém, mais seguro, pois tem em vista um ideal global jurídico, enquanto a mutação
ocorre como resultado de determinado problema posto em discussão.

2.3.2 Os limites interpretativos: de como o intérprete entra no círculo


hermenêutico

A atividade do intérprete é, deveras, baseada num enfoque teórico-prático. Muito se


diz, por isso, contaminada, haja vista que, quando o intérprete conhece, ao menos
superficialmente, o objeto, ele já sabe o ponto de vista que vai adotar. Logo, a
resposta já está predeterminada e, ao longo do acontecer hermenêutico, ter-se-á
uma distorção do aplicar interpretativo, servindo os discursos de fundamentação
unicamente para demonstrar a verdade do ponto de vista adotado.

A partir do exposto, surgem críticas à filosofia hermenêutica afirmando que a mesma


pode prestar-se como uma ferramenta para discricionariedade e relativização de
decisões. Sobre isso, pondera Streck (2007, p. 163-164):

Freqüentemente a hermenêutica - na matriz aqui (re)trabalhada – tem sido


acusada de relativismo, isto é, se não há um fundamento no sentido
propugnado pela(s) metafísica(s), questão que é bem representada pelo
Trilema de Münchausen, e se não há uma metodologia que sustenta a
verdade dos discursos (problemática ínsita às posturas procedimentais),
isso implicaria um “decisionismo claramente irracional”.

Desse modo, surge a questão de como conciliar a verdade que objetivamente se


constrói do consenso que se abstrai de fundamentos metafísicos, postos com
objetivos herméticos, com o que há de relativo em seu processo construtivo, tendo
em vista que, não há dúvida de que verdade é diferente de resposta. Para que se
chegue à verdade são necessárias diversas respostas, mas não programadas ou
previstas; ou seja, não há padrão de resposta para determinada verdade. Com isso,
quer-se dizer que o que há de relativo no ato do intérprete não é a resposta que
61

tenciona verdade, mas sim, o processo que tenciona resposta. Em suma,


hermenêutica não é relativa e, nessa linha, Streck (2007, p. 165) afirma que:

Jamais existiu um relativismo para a hermenêutica. São antes os


adversários que conjuram o fantasma do relativismo, porque suspeitam
existir na hermenêutica uma concepção de verdade, que não corresponde
às suas expectativas fundamentalistas. Dessa forma, na discussão filosófica
contemporânea, o relativismo funciona como um espantalho ou um
fantasma assustador, em favor de posições fundamentalistas, que
gostariam de abstrair da conversação interior da alma. Quem fala em
relativismo pressupõe que poderia existir para os humanos uma verdade
sem o horizonte dessa conversação, isto é, uma verdade absoluta e não
mais discutível? Isso nunca foi mostrado de uma forma satisfatória. No
máximo, “ex-negativo”: essa verdade deveria ser não-finita, não-temporal,
incondicional, insubstituível etc... Nessas caracterizações chama a atenção
a insistente negação da finitude.

Com isso, pode-se concluir que nem tudo que é demonstrável metafísicamente é
verdade, e na mesma linha nem toda verdade exige demonstração senão aquela
que a fundamenta como objeto.

Neste ponto, sem objetivo de delongas nos fundamentos que serão trazidos, extrai-
se de Gadamer a explicação sobre a estrutura circular adotada pela hermenêutica
em Heidegger, partindo ou não de uma pré-compreensão do objeto; e, também, a
função do intérprete nesse processo.

O círculo não deve ser degradado a círculo vicioso, mesmo que este seja
tolerado. Nele vela uma possibilidade positiva do conhecimento mais
originário, que, evidentemente, só será compreendido de modo adequado
quando a interpretação compreendeu que sua tarefa primeira, constante e
última permanece sendo a de não receber de antemão, por meio de uma
“feliz idéia” ou por meio de conceitos populares, nem a posição prévia, nem
a visão prévia, nem a concepção prévia (Vorhabe, Vorsicht, Vorbegriff), mas
em assegurar o tema científico na elaboração desses conceitos a partir da
coisa, ela mesma (GADAMER, 1997, p. 401).

Com isso, Heidegger quis dizer que o intérprete deve desvincular-se de sensos
comuns e se apegar “às coisas elas mesmas”; deve deixar-se determinar pelo
objeto, não fazendo disso uma tarefa heróica, mas uma finalidade. Assim, o
intérprete que busca compreender um texto realiza um “projetar” e, quando identifica
algo com sentido no texto ele o absorve como determinante interpretativo e o vai
renovando sempre que encontra novos sentidos. A ideia de círculo hermenêutico
vem justamente desse “revisar” pois, à medida que o conjunto toma um sentido, vai-
se antecipando o próximo sentido.
62

Pode, então, dizer-se que os limites da atividade hermenêutica não se encontram


em métodos (como melhor será trabalhado), que são características de normas
fechadas, mas sim, na própria atividade hermenêutica, tendo em vista que o
intérprete adota tais limites à medida que compreende o sentido do texto, ou seja, o
limite do sujeito é o objeto, e o sentido do objeto está em si e no atribuir sentido que
dá o sujeito.

2.3.3 Os princípios como condicionantes hermenêuticos e o problema do


método

Algo que deve ficar claro, antes de iniciar-se este item específico, é que, ao contrário
do positivismo jurídico, o pós-positivismo não está vinculado a nenhum método, visto
este como condicionante da investigação, que a leva para um lugar comum, num
mesmo tempo-espaço.

Consoante o exposto, a segurança jurídica foi um dos principais fatores que fizeram
com que o positivismo jurídico fosse considerado a melhor forma de garantir uma
interpretação desvinculada dos ideais que desacordassem daqueles adotados pelo
povo legitimador do poder. Acrescenta-se, ainda, a estabilidade que essa corrente
proporcionou ao sistema. As alterações de sentido de uma norma positivista
resultam da interpretação, extraindo-se do próprio regramento objetivo o seu sentido.
Já os seus limites interpretativos decorrem métodos, também já trabalhados em
seções anteriores.

O que se discute, porém, em eras de pós-positivismo, é o papel dos princípios na


interpretação, tendo em vista que para esta corrente a busca da “justiça da norma”
vem da filosofia de seus ideais. Logo, somente a hermenêutica jurídica poderá
encontrar a tal justiça. Os princípios estão no sistema justamente com o objetivo de
evitar discricionariedades e decisionismos, bem como, deslegitimação dos poderes
que constituíram o espírito normativo aplicável.

Por mais paradoxal que possa parecer, os princípios tem a finalidade de


impedir “múltiplas respostas”. Portanto, os princípios “fecham” a
interpretação e não a “abrem”, como sustentam, em especial os adeptos da
teoria da argumentação, por entenderem que, tanto na distinção fraca como
63

na distinção forte entre regras e princípios, existe um grau maior de


subjetividade do interprete. A partir disso é possível dizer que é equivocada
a tese de que os princípios são mandados de otimização e de que as regras
traduzem especificidades (donde, em caso de colisão, uma afastaria a
outra, na base de tudo “ou nada”), pois dá a ideia de que os “princípios”
seriam “cláusulas abertas”, espaço reservado à “livre atuação da
subjetividade do juiz”, na linha, aliás, da defesa que alguns civilistas fazem
das cláusulas gerais do novo Código Civil, que, nessa parte, seria o “código
do juiz” (STRECK, 2007, p. 171).

Depreende-se, da lição do autor, que os princípios em um Estado Democrático de


Direito resgatam a razão prática da norma; e não parece absolutamente adequado
que ao juiz seja dada a possibilidade de, sem um devido cuidado, preencher as
lacunas do direito a partir de valores que estariam em uma “metajuridicidade”
(STRECK, 2007, p. 172).

Pode concluir-se, assim, que os princípios acabam sendo limites da atividade


hermenêutica, posto que a norma é insculpida em volta dos mesmos e estes
acabam servindo de parâmetro para o intérprete. Deve, no entanto, o intérprete ter
cuidado quanto ao modo de enfrentar a norma, pois a sua desfragmentação em
busca do princípio balizador deve-se dar a partir de uma análise objetiva da regra,
sob pena de violar-se a soberania popular que a determinou (fatores reais de poder).

Para que a fundamentação do até agora explanado se revista de maior completude


teórica, não é demasiado discutir o problema do método no acontecer da
interpretação.

Impende trazer, então, os ensinamentos de Gadamer (1997, p. 39) a esse respeito:

A auto-reflexão lógica das ciências do espírito, que acompanha o seu


efetivo desenvolvimento no século XX, é inteiramente dominada pelas
ciências da natureza. Mostra-o um simples olhar lançado à expressão
“ciência do espírito”, desde que essa expressão receba o significado que
nos é familiar, unicamente através de sua forma plural. As ciências do
espírito se entendem tão clarividentes, graças à sua analogia com as
ciências da natureza, tanto que o eco idealístico, que se situa no conceito
do espírito e da ciência do espírito, retrocede.

Conforme se colhe do trecho acima, a metódica entendida como condicionante das


ciências surgiu a partir da inexistência de diferenciação entre as ciências, isto é, as
ciências da natureza assumem uma forma matemática, previsível e experimental; ao
contrário, aquelas do espírito se demonstram desuniformes, apesar de poderem
adotar em alguns pontos uma metódica construtiva. O que é claro nas ciências
metódicas é que se buscam padrões comuns ou uniformidades. Nas ciências do
64

espírito, por sua vez, há apenas previsões, seguindo-se, para isso, padrões
esperados (GADAMER, 1997, p. 39-40).

Mas o que representa o verdadeiro problema que as ciências filosóficas


colocam ao pensamento é que não se consegue compreender corretamente
a natureza das ciências do espírito, caso a meçamos com o padrão de
conhecimento progressivo da legalidade (Gezetzmäβigkeit). A experiência
do mundo social-histórico não se leva a uma ciência com o processo
indutivo das ciências da natureza (GADAMER, 1997, p. 40).

O problema do método, é que ele não serve para o que sempre foi utilizado, que é a
busca da verdade, pois inexistem padrões corretos de aferição do justo. Quando o
autor no trecho retro expõe que a “[...] experiência do mundo social-histórico não se
leva a uma ciência com o processo indutivo das ciências da natureza”, está
afirmando que somente nas ciências do espírito a tradição poderá ser levada em
conta, posto que esta ciência será construída pelo intérprete, enquanto que as
ciências da natureza já vêm prontas e configuradas, viciando, desta forma, a
atividade do intérprete com uma matematicidade despregada do centro para o qual
convergem os objetivos da ciência do espírito. Neste ponto, cabe questionar se o
homem foi criado para o Direito ou o Direito para o homem.

Conclui-se, assim, esta parte, afirmando categoricamente que a hermenêutica não é


metódica, e sim filosófica; e as verdades buscadas por processos dessa natureza
serão encontradas somente se levado em conta que as soluções para os embates
jurídicos nascem nos próprios embates.

2.3.4 Constituição e realidade desconstitucionalizante de ações: A


hermenêutica como adequação de espaços projetados fora da
Constituição

A promulgação da atual Constituição Federal, em 05 de outubro de 1988, é


considerada uma grande vitória para o povo brasileiro, vez que nela estão
insculpidos princípios balizadores da atividade judicial, além das garantias que
durante toda a história do constitucionalismo nacional e mundial foram negadas; ou
seja, foi dado ao intérprete a “faca e o queijo”, basta fatiá-lo.

Apesar de terem se passado mais de 20 anos desde a Constituinte, época em que


se construiu um Estado Democrático e se formulou um Direito que leva o prefixo
“pós”, tendo em vista que assume características jamais vistas em textos
65

constitucionais de outrora, ainda hoje se discute a formulação de conceitos que mais


parecem fios neutros paralelos ao dogma predominante em alguns lugares do
Direito. Quer-se, com isso, expressar que apesar de toda a evolução não se teve a
cautela de adequar todo o sistema, gerando certa instabilidade, relativista e
desestruturadora dos ideais primeiros.

No processo de produção das Constituições na contemporaneidade há um


fenômeno que tem ganhado consistência em cada vez maior espaço
acadêmico e midiático, impondo aos juristas, em particular, uma tomada de
posição diante do mesmo. Ou seja: vemos vir à tona, com maior força a
cada dia, a questão que diz com as formas de pôr em prática os conteúdos
presentes nas normas constitucionais, em particular diante de um processo
de transição do debate histórica e tradicionalmente político, realizado no
âmbito dos espaços tradicionais da democracia representativa – parlamento
(Legislativo) e governo (Executivo) – para o sistema de justiça –
especificamente a justiça constitucional (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p.
41).

É facilmente perceptível que o Direito acabou se popularizando e, com isso,


ganhando maior importância, pelo que é necessária uma reconfiguração do papel do
jurista moderno, o qual é frequentemente fiscalizado pela sociedade que lhe cobra
respostas concretas e corretas.

Cabe discutir, e essa é a temática trazida pelo professor Bolzan de Morais (2009, p.
42), sobre a jurisdição e a política e de como aquela é um lugar adequado para que
esta seja feita. E nessa linha, afirma:

Há de ficar claro que este fazer política é aqui assumido como uma nova
forma de produção de decisões no âmbito do poder estatal que tem ganho
cada vez maior amplitude e consistência em razão de dois fenômenos até
mesmo contraditórios: de uma lado, o sucesso do Estado democrático em
prover a cidadania de melhores vias e meios de acesso ao sistema de
justiça; de outro, os fracassos e dificuldades de o Estado Social prover
resultados satisfatórios ante suas promessas.

Prossegue afirmando que isto fica mais visível se observado o aumento de


demandas que buscam respostas jurisdicionais para problemas sociais,
demonstrando a insatisfação das pessoas face ao resultado do chamado Estado
Social. Surge agora um novo conflito, relativo não mais à sua inexistência, mas à
sua insuficiência prestacional (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p. 42).

É evidente que o Estado, apesar de seguir um ideário constitucional, enfrenta uma


crise em sua estrutura; é denominado de “bem estar”, mas as experiências nos
66

mostram que essa crise, apesar das garantias contidas na Carta Maior, constrói-se
fundamentada neste ideário, por mais contraditório que possa parecer:

Com isso se solidifica a idéia de que não se pode pretender construir uma
teoria constitucional no contexto contemporâneo sem que se tenha presente
os limites e possibilidades de e para o próprio Estado Constitucional, envolto
que está na transformação de suas fórmulas políticas, bem como sujeito –
muitas vezes incapaz – diante das mudanças radicais dos modelos
econômicos adotados pela economia capitalista, da qual não logrou
desassujeitar-se (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p. 45).

Nesse contexto, prossegue-se, coadunando que existe uma disputa para a


efetivação dos direitos sociais. Percebe-se um embate do Estado com ele mesmo,
no sentido de que o Poder Judiciário se tornou instância de efetivação de direitos, e
o Legislativo de produção de promessas, pautado nos ideais dispostos na
Constituição.

Sobre a visão constitucional do Estado Democrático leciona Bolzan de Morais (2009,


p.47):

[...] não se pode almejar do Estado Democrático de Direito mais do que ele
pode “dar”, nem se supõe que as condições para sua execução e
desenvolvimento histórico permaneçam inalteradas diante das crises da
própria economia capitalista tradicional – produtiva – mas, e, sobretudo, em
face da transformação operada no campo de sua formulação teórica e de
suas práticas. Tal reconhecimento conduz a certos dilemas.
O primeiro se refere à mutação de suas circunstâncias. Ou, dito de outra
maneira, o problema das crises do Estado, diante das transformações
características da sociedade e da economia liberal – capitalismo –
contemporâneas. E aqui se aborda apenas dois aspectos destas crises, [...].

O que se parece razoável, no momento em que se busca uma compreensão do


tema com vistas a uma solução hermenêutica, é que o jurista, de um modo geral,
não tem uma percepção adequada dos problemas.

Quando se fala em uma crise conceitual, de pronto passa pela mente do leitor que o
problema se resume em uma inadequação de dogmas, isto é, adotou-se uma nova
forma de pensar a organização do Estado, mas não foram mudados os dogmas que
espelharam a criação do antigo. Ocorre que não é só isso, apesar de ser uma
verdade, pois os conceitos em sua função mais básica também devem ser alterados,
ainda mais quando se constitucionaliza um Estado Democrático. Nesse diapasão,
entende-se que o avanço de um sistema pressupõe a evolução dos conceitos que
dão aporte para a sua construção teórica, ou se está correndo o risco de sua
ineficácia.
67

Para corroborar com o exposto, traz-se a lição de Bolzan de Morais (2009, p. 48),
para quem:

O grande dilema que parece ser vivido hoje é aquele que contrapõe o
descompasso entre as promessas constitucionais e as possibilidades de
sua realização, pois o Estado Social imprescinde de um poder político forte
de um lado e, de outro, a desconfiança/descompromisso coletivo e
individual com o seu projeto constitucional, naquilo que se identifica como
sentimento constitucional, ou, ainda, uma tentativa de (re)apropriação de
seus conteúdos privadamente, em particular pelos atores individuais de
alguma forma já incluídos, fortalecendo a exclusão social.

Com vistas a uma solução para essa problemática, levando em conta que o choque
estrutural e conceitual de um Estado Democrático inclusivo (pautado pelo respeito às
premissas constitucionais), com uma política econômica – capitalista – exclusiva,
deve-se ter em mente o papel do Estado como garantidor, mas também provedor. O
cuidado que deve ser tomado, e agora em âmbito estrutural, é para que não se
afastem os poderes. Sabe-se que a tripartição é necessária para uma competente
divisão de tarefas, mas ainda assim é necessário um trabalho em conjunto, ou seja,
uma aproximação de funções (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p.49).

O que ocorre, e acredita-se ser a maior das angústias, é um enfraquecimento do


Estado, pois a partir do momento em que o povo que o legitima vê-se diante da
necessidade de resolver por sua própria conta os problemas sociais e econômicos
que estão à sua volta, é criado um fragmento de Estado, como se em cada esquina
se criassem pequenos núcleos de controle tentando submeter o maior número
possível e suficiente de pessoas. Isso tudo gera, sem dúvida, uma instabilidade no
sistema, tendo em vista que enfraquece a Constituição e dá ao Judiciário mais uma
responsabilidade: que é a de devolver ao jurisdicionado a credibilidade de todo o
sistema jurídico e político. A isto se tem chamado de “politização do judiciário”, ou de
“utilizar o judiciário para fazer política”.

Essa discussão nada mais é do que uma análise teórica do problema; e uma
questão teórica refletiva de embates práticos, que requer, para sua solução, a
prática de um novo pensar do Direito que adote, inclusive, outra forma de ver o
próprio problema.
68

2.3.5 A retomada de um novo senso. A hermenêutica como pressuposto para


construção de um paradigma de efetivação. Pensando o problema com
vistas à sua solução

De acordo com o exposto em subseções passadas, a resolução de qualquer


questão estrutural dentro do Direito depende de um despertar para o problema; vê-lo
como parte de um processo de reconstrução, de retomada de controle. Trata-se de
uma abertura; de abrir uma clareira nas mentes. Streck (2005, p. 287) citando
Heidegger, afirma:

Para além do que é, não longe disso mas anterior a isso, existe ainda algo
que acontece. No centro do ser como um todo ocorre um espaço aberto. Há
uma clareira, uma iluminação... este centro, este aberto é... não rodeado
pelo que é...; em vez disso, o próprio centro de iluminação engloba o que
é... apenas esta clareira garante e certifica aos seres humanos uma
passagem para aqueles entes que não somos nãos próprios, e acesso ao
ser que nós próprios somos (sic).

Essa “clareira” a que se refere o autor é condição de possibilidade do pensar, pois


possibilita abrir novos horizontes, e olhar o problema de dentro de um espaço
aberto. Sobre essa metáfora, comenta Streck (2005, p. 288):

Estabelecer uma clareira no Direito; des-ocultar (novos) caminhos; descobrir


as sendas (perdidas) de a muito encobertas pelo sentido comum teórico dos
juristas (modo cotidiano e inautêntico de fazer-interpretar o Direito), que
oculta (vela) a possibilidade de o jurista dizer o novo: é este o objetivo desta
obra, atento ao alerta que o próprio Heidegger já fizera nos “Holzwege”, de
que “na floresta há caminhos que o mais das vezes, invadidos pela
vegetação, terminam subitamente no não-trilhado”. Abrir uma clareira é,
assim, propiciar a alétheia (a não-ocultação, o isto aí que arrancado da
ocultação) no campo jurídico.

Esse des-velamento, na visão de Streck, é a eclosão do ente no seu ser, a sua


descoberta onde o ser, o aparecer, faz sair da ocultação. Assim, deve-se
compreender que só existe a clareira porque existe a floresta que a circunscreve
(2005, p. 288).

Mas, buscando entender estes significados dentro destes paradoxos, caberia


questionar qual o papel da hermenêutica, e de como a autenticidade de um
enunciado é extraída sem condicionantes e dogmas interpretativos:

A hermenêutica, entendida como ontologia fundamental, é esse novo


modelo de conhecimento fundado pela idéia do ser-no-mundo que nos
remete a uma abertura, que é, enquanto ser-em (in Sein), condição de
possibilidade de qualquer conhecimento. Isto, expresso pela metáfora da
69

clareira na floresta, é de fundamental importância para a tarefa a que mo


propus ao desenvolver estas reflexões que se pretendem críticas sobre o
Direito e a dogmática jurídica. Dito de um modo mais simples, assim como a
clareira é condição de possibilidade para tornar visível a floresta (que a
cerca), o sentido comum teórico (habitus dogmaticus que cerca e encobre o
direito) somente pode ser tornado visível a partir de um discurso que o des-
oculte, que o des-cubra e que o denuncie (STRECK, 2005, p. 289).

É salutar que se compreenda a necessidade e a importância de se construir uma


crítica para desvelar, descobrir o sentido comum teórico, tendo em vista que a
construção de uma nova dogmática jurídica só será possível quando se deixar de
lado os antigos dogmas, como de pensar que no fundamento está a resposta.

À evidência, a tarefa hermenêutica de tornar visível o próprio Direito


pressupõe a possibilidade de (re)significá-lo, de dizê-lo. O ente Direito só é /
será possível se existir o ser. É aí que a hermenêutica aqui proposta
pretende construir condições (caminhos) para o-abrir-da-clareira: é por ela
que será possível o ser desse ente a se manifestar como fenômeno, sendo
o Dasein (ser-aí) o ser do ente (homem) que compreende esse ser, e onde
o aí (Da) é o lugar em que o ser (Sein) se mostra, mas ao mesmo tempo
tende (inexoravelmente) a ocultar-se, o que nos deve levar ao (inquietante)
trabalho de des-ocultá-lo (STRECK, 2005, p. 289).

O jurista chama a atenção para o fato de que a abertura dessa “clareira” tem como
condição de possibilidade a suspensão da pré-compreensão dos pensamentos, pois
os “pré-juízos” limitam os sentidos do pensar. Daí a se dizer que a dogmática jurídica
é metafísica porque provoca o esquecimento do ser do Direito (STRECK, 2005, p.
290).

A plena cautela deve existir porque é a partir desses “pré-juízos” que o jurista fala o
Direito, do que sabe de sua percepção, do que lhe foi mostrado, fala do direito
“standardizado”, e o faz de forma pré-concebida e predestinada como se isso fosse
o Direito, o que não passa de uma metáfora do que é, de um véu do ser verdadeiro.

Sobre isso, importa a lição de Streck (2005, p. 290-292):

Esse velamento pode ser (facilmente) detectado, e de vários modos, a


começar pela escandalosa inefetividade da Constituição (afinal, somos
juristas para que?), a recorrente crise da justiça, a crônica morosidade e o
problema do acesso à justiça, e a não implementação dos direitos sociais,
etc., isto para dizer o mínimo. Sinteticamente e sem maior esforço, é
razoável afirmar que esse velamento (também) se expressa pela absoluta
falta de função social do Direito. Ou seja, do cotejamento sobre o texto
constitucional e a “realidade social”, tem-se que houve um acontecer que os
juristas não perceberam: o acontecer constituinte (o acontecer que constitui-
a-ação!), originário da Constituição.
70

Trata-se, de fato, de um processo de transição formal de sentidos exegéticos, tendo


em vista esse acontecer da Constituição pelo qual se hierarquizam as normas
constitucionais, afastando-as da efetividade de seus comandos, como se
Constituição fosse/devesse ser algo distante da realidade, o que na verdade não é,
ou, ao menos, não deveria ser. Nesse sentido é a proposta de transformar a
Constituição num senso comum teórico, cujo poder de transformar a realidade seja
proporcional à hierarquia de suas normas.

Pensar a hermenêutica como ferramenta de interpretação é exigir pouco, inclusive


do intérprete; é subestimar a capacidade do homem de pensar, pois a hermenêutica,
mais do que isso, é um modo de construir o Direito, uma maneira de “re-começar”,
atribuindo sentidos ao que existe, sem prejuízo do já construído. Somente o pensar
filosófico permite destruir sensos obscuros e desconectados da realidade e
reconstruí-los com uma base sólida e suficiente. As soluções devem partir do pensar
e passar pelo enfrentamento com o até então inconteste.

De forma linear ao aduzido, é o entendimento de Streck (2005, p. 294):

Conseqüentemente passa-se a compreender o porquê da inefetividade da


Constituição. Estou convencido de que há uma crise de paradigmas que
obstaculariza a realização (o acontecer) da Constituição (e, portanto, dos
objetivos da justiça social, da igualdade, da função social da propriedade,
etc.): trata-se das crises dos paradigmas objetivista aristotélico-tomista e da
subjetividade (filosofia da consciência), bases da concepção liberal-
individualista-normativista do Direito, que se constitui, em outro nível, na
crise de modelos de Direito, pela qual, muito embora já tenhamos, desde
1988, um novo modelo de Direito, nosso modo-de-fazer-Direito continua
sendo o mesmo de antanho, isto é, olhamos o novo com os olhos do velho,
com a agravante de que o novo (ainda) não foi tornado visível.

Isso acontece porque o jurista moderno ainda trabalha com a hermenêutica como
técnica pura de interpretação, sendo a linguagem algo que está de fora, uma terceira
coisa, o que acaba objetificando-a (STRECK, 2005, p. 294).

2.3.6 A Constituição como o que “é” e não o que “virá a ser”. A efetividade e
a “Constituição que constitui”

É comum, e agora pertinente, para o encerramento deste trabalho, discutir a


efetividade da Constituição com vistas à evolução da sociedade, e, também, dos
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conceitos teóricos que aditam os seus elementos informativos com o que há por
detrás de cada um de seus enunciados.

Nesse ponto pertinente que se afirme: a Constituição é o que é necessário que seja
no momento (tempo) em que se perquire sobre o que ela é. Deve ficar claro nessa
passagem, devendo ser mantido a qualquer custo, que o espírito criativo da norma
traduzido nos princípios que informa o acontecer normativo e, nessa linha, a
principal tarefa do intérprete acaba sendo a de adequar a Constituição e reconstruí-
la a cada análise que faz.

A abrangência das normas constitucionais e a variedade de conteúdos de seu corpo,


bem como a quantidade de direitos que ela garante refletem a sociedade que tal
norma regula, pois:

[...] percebemos Constituição “como” Constituição quando a confrontamos


com a sociedade para a qual é dirigida; percebemos a Constituição “como”
Constituição quando examinamos os dispositivos que determinam o resgate
das promessas da modernidade e quando, através de nossa consciência
histórica, nos damos conta da falta (ausência) de justiça social; percebemos
a Constituição “como” Constituição quando constatamos, por exemplo, que
os direitos sociais só foram integrados no texto da Constituição exatamente
porque a imensa maioria da população não os têm; a Constituição, é,
também, desse modo, a própria ineficácia da expressiva maioria de seus
dispositivos; percebemos, também, que a Constituição não é somente um
documento que estabelece direitos individuais, sociais e coletivos, mas,
mais do que isto, ao estabelecê-los, a Constituição coloca a lume a sua
ausência, desnudando as mazelas da sociedade; enfim, não é a
Constituição uma mera Lei Fundamental que “toma” lugar no mundo
jurídico, estabelecendo um “novo dever ser”, [...] (STRECK, 2005, p. 306).

A Constituição não é senão fruto de sua interpretação, uma vez que alguma coisa só
é (algo) quando interpretada, pois a partir de então, é compreendida (como algo).
Nesse sentido, a Constituição somente será tal se constituir e for compreendida
como o que constitui. Já na dogmática, contrariando o até agora afirmado, a
hermenêutica é entendida como técnica de interpretação que compreende o espírito
da norma como sempre constante da mesma, dando ensejo à discricionariedades
interpretativas, perdendo o que Streck chama de “o núcleo político da Lei
Fundamental” (STRECK, 2005, p. 306-307).

A hermenêutica, entendida como método autônomo, acarreta na percepção da


Constituição como ferramenta cujo conteúdo será confirmado ou não pelas técnicas
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interpretativas. Desse modo, opera-se uma objetificação do Direito, impedindo


questionamentos sobre sentidos originários (STRECK, 2005, p. 309).

Em síntese, pensar na interpretação jurídica como produto de método(s), é


pensar que o conjunto normativo (ou o sistema jurídico e tudo que o cerca)
é, inicialmente, algo “sem sentido”, que irá receber, da nossa compreensão
subjetiva, determinada significação, como se essa significação fosse dada
pelo sujeito (do conhecimento) a um objeto, quando com ele “confrontado”...
Pensar assim é pensar a interpretação como um “mero” instrumento de
conhecimento... Ora, isto é um equívoco, porque [...] o que existe, de início,
é precisamente nossa relação com o mundo (com o Direito, os textos
normativos, Constituição, etc.), no modus de pré-esboços da compreensão.
[...].

Tudo que existe, ou está disposto no mesmo plano que “nós”, tem algum significado
ou uma existência individual, independentemente de “nossa” interferência em sua
individualidade e concretude, pois a importância do trabalho do intérprete surge
quando da necessidade de se relacionar algo e atribuir significações correlativas. A
certeza da resposta encontrada quando da análise interobjetiva e correlativa do
objeto dependerá da capacidade do sujeito cognoscente de pôr-se com relação a
cada objeto de modo a respeitar os seus fenômenos existenciais externados, e
relacioná-lo a outro de maneira a não lhe retirar o significado, mas lhe atribuir o que
de singular há no outro.

De fato, o alcance e a eficácia de uma norma dependerá sempre do que há por trás
dela, do que há guardado em sua individualidade, e do que restará da mesma após
a interferência do intérprete. E, ao falar-se em normas constitucionais, não se pode
distinguir quanto à eficácia, pois sendo constitucionais são eficazes quaisquer
normas, de um modo determinado, e a qualquer tempo.

Sobre o assunto, explana Streck (2005, p. 322):

Em outras palavras, é preciso entender que o objeto da interpretação não é


o texto (em si) da Constituição, pela simples razão de que o texto não “flutua
no ar”. Insisto: ele não existe em si e por si. Ele exsurge sempre já
interpretado (portanto, aplicado, de forma adequada ou não, a uma dada
situação). Enfim, o texto só exsurge na sua norma, que decorre da
normatividade que essa norma constitui. Não se interpreta o texto, mas o
texto em sua historicidade e faticidade que vai constituir a “norma”. Norma é
assim, o texto aplicado/concretizado.

A Constituição somente se concretizará após o intérprete se desvincular da amarras


da hermenêutica clássica, superando o dualismo metafísico texto-norma, pois não
há como interpretar e aplicar em separado. Quando se interpreta se está aplicando;
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e quando se aplica se está interpretando pois, consoante afirmava Gadamer,


interpretar é aplicar, é concretizar, e isto se dá no interior do círculo hermenêutico,
onde já existe um sentido antecipado dependendo de nossa pré-compreensão, de
nossos pré-juízos (STRECK, 2005, p. 322).

Sempre se buscou verdades contidas na norma, de um modo ou de outro; mas é


necessário que fique consignada, com base nos fenômenos sociais que ocorrem
diuturnamente, a evolução dos modos de pensar o Direito, dos modos de pensar a
Justiça. As mudanças de paradigmas começaram na norma por um clamor social.
No entanto, os juristas ainda não se deram conta de que a Constituição deve
constituir, e cabe à ele, como um Hermes (deus mensageiro da mitologia grega) dos
tempos modernos, traduzir as vontades de Têmis (deusa da Justiça), para propiciar
que a sociedade desfrute do que se convencionou chamar de Estado Democrático
de Direito.

3 CONCLUSÃO

Como conclusão da presente pesquisa extrai-se que, desde o começo dos tempos o
homem buscou organizar-se criando papéis e status atinentes a estes papéis, de
forma que, quanto melhor se desempenha o seu papel maior status ele adquire no
meio em que está inserido. Ocorre que, a sociedade evolui tornando-se cada vez
mais complexa, o que torna as relações entre as pessoas cada vez mais
conflituosas, tendo sido necessária a criação de mecanismos para coibir práticas
que certa sociedade rechaça, nesse diapasão somente o Estado organizado, política
e juridicamente tem poder suficiente para exercer referido controle.

Não é demais lembrar que houveram épocas em que a única forma de regrar
condutas era através dos dogmas, que eram traduzidos em entidades espirituais, ou
seja, era o temor nos deuses que fazia com que as pessoas agissem de tal maneira
ou não, e, para isso, haviam representantes desses “deuses” na terra, responsáveis
por traduzir às pessoas as vontades e as intenções divinas.

Ao longo dos tempos, percebeu-se que este “encargo” não era exercido no melhor
interesse daqueles a quem interessavam, e as decisões desses líderes eram
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irracionais e traziam certa dose de insegurança. Chegada a hora de normatizar as


condutas tomando por base elementos imutáveis que pudessem atender aos
anseios de todos, assim o que se conhecia por Direito passou a ser ciência
matemática, lógica, imutável, nasce a argumentação, a experimentação, onde se
vincula a eficácia de um comando a lógica concreta que dele emerge, o Direito era
visto como uma ciência da natureza, positivista e positivado, de onde a justiça era
extraída através de fórmulas matemáticas, de uma metódica (metódica construtiva).

Esse sistema, ou forma de encarar o Direito, tinha como principal expoente o Jurista
Alemão Hans Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito, para quem, no Direito e nos
discursos de fundamentação estava a Justiça, não se devendo discutindo o que está
posto pelo legislador, pois este é quem pode e tem melhores condições, haja vista
que, legitimado pelo povo, para dizer o que é justo ou injusto. É de se reconhecer
que tendo nascido em substituição ao jus-naturalismo, ela alcançou seu intento
imediato, que era o de controlar o poder que controla, mas não o mediato que é o de
atribuir Justiça aos desígnios do Estado.

Assim, ao contrário do que se imaginava, essa corrente, criada para garantir


segurança nas decisões, acabou, no evoluir dos tempos e das teorias, criando
injustiças fundamentadas (injustiças legalizadas), pois com a utilização de métodos
na busca da verdade normativa acabava objetificando a norma não permitindo que
esta evoluísse junto com a sociedade, sendo fundamentada no dualismo “voluntas
legis, et voluntas legislatóris”, ou seja dever-se-ia, no aplicar da norma, respeitar a
vontade do legislador que a elaborou.

Com o passar dos tempos percebeu-se, e isso nasceu em Heidegger (Ser e Tempo)
e Schleiermacher, que o Direito não é ciência matemática, portanto, da natureza e
sim uma ciência do espírito, vindo posteriormente Gadamer (Verdade e Método) a
afirmar que não existem técnicas ou operações para que a verdade da norma venha
à tona e mostre-se nas suas nuances, o que ocorre é um trabalho hermenêutico
onde o intérprete se põe diante do objeto, não como um ser neutro, disposto a
elaborar cálculos, mas como ele efetivamente é com todos os seus preconceitos e
“pré-juízos”, pois ele está no mundo como ser cognoscente (Dasein), o objeto da
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mesma forma como fruto do que é necessário que se diga sobre o mundo, e daí a
necessidade de o intérprete ser sujeito. Nasce, com isso, o pós-positivismo jurídico.

Outro ponto que se pôs de grande importância para o desenvolvimento dessa


corrente do direito foi a (re)descoberta da linguagem com outra função diferente da
que ocupava, sendo que, para a corrente positivista a linguagem era uma terceira
coisa que estava entre o sujeito cognoscente e o objeto a ser conhecido, tinha a
função de mera caracterizadora de sentidos, não fazia parte do processo como “algo
por dentro”. Já na corrente pós-positivista de matriz Gadameriana a linguagem
assume a função de condição de possibilidade para a apreensão do objeto, adotou-
se uma postura ontológica da linguagem, que torna a sua função hermenêutica.

Para finalizar, é de se explanar acerca das atribuições práticas de tal corrente, tendo
em vista que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é
essencialmente de matriz pós-positivista, pois erigiu à categoria de norma os
princípios, que deixaram de ser apenas balizadores interpretativos e adquiriram força
normativa, garantindo direitos e dirigindo o sistema para a efetivação do espírito
constitucional.

Outro ponto salutar, que não pode ser esquecido em sede de conclusão e que foi
trabalhado nesta pesquisa, é o das mutações constitucionais, que nada mais são do
que processos informais de mudança de sentido aplicável das normas
constitucionais sem, contudo, alterar o seu texto, este é, e aqui entra a pertinência
com o tema, um reflexo do pós-positivismo que permite desvincular a vontade do
legislador do aplicar normativo, atribuindo uma nova vontade sob um prisma da
necessidade hermenêutica de resultados concretos e respostas corretas.

Tema que é magistralmente exposto por Streck em (Hermenêutica em Crise), onde o


autor constrói uma Nova Crítica do Direito (NCD), pela qual afirma que existe,
hodiernamente, uma crise paradigmática e epistemológica no Direito, e que é
necessário, para que se supere essa crise, que se deixe para traz a dogmática
metódica objetificante das normas. Tendo, também em vista que o jurista não se deu
conta da real função da Constituição, que deve ser vista como aquela que constitui-
a-ação, não somente como um texto de belos enunciados e compromissos sociais,
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mas como norma que nasce com eficácia, nasce dotada de um algo a mais que a
faz sobrepor-se ao senso comum jurídico, e essa missão cabe ao intérprete, pois
como diz Streck “somos juristas para que?”.
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