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CURSO DE DIREITO
Videira-SC
2010
CARLOS ALBERTO SANTIN
Videira-SC
2010
CARLOS ALBERTO SANTIN
BANCA EXAMINADORA
________________________
Prof.
Universidade ....
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Prof.
Universidade ....
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Prof.
Universidade ....
DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Oeste de
Santa Catarina – UNOESC – Campus de Videira, a Coordenação do Curso de
Direito e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
_____________
Carlos Alberto Santin
Dedico a todos aqueles que amam o
Direito e impunham a espada de Têmis.
Que sempre pensemos o Direito como
algo a mais.
AGRADECIMENTOS
A Deus, por me dar todos os dias um espírito guerreiro, estar presente em todas
minhas conquistas e reerguer-me nas minhas derrotas.
A minha família: meu Pai, minha mãe, e minha irmã, pelo apoio moral e material
despendido. A minha irmã agradeço, também, pelas contribuições teóricas e
ideológicas empregadas.
Ao meu melhor amigo e colega Valtencir Moreira, por ver um jurista nesse humilde
acadêmico, e me ajudar a acreditar em mim. Sem tua ajuda meu amigo fazer Direito
teria sido muito mais difícil.
Ao Doutor Fernando Vieira Luiz, por ser um exemplo para mim de como pensar o
Direito e por ter me presenteado com um material de pesquisa sem o qual este
trabalho não teria acontecido.
This conclusion of course work was developed with the goal of stude about the
possibility of the existence or not of the interpretative limits of the rules in view of the
post-legal positivism; current law that substantially changed the way of common
sense approach to theoretical builds on ideas of a lawyer, so that aimed to study on a
legal interpretation and the way in which it interprets the law based on principles that
create and shape the entire scheme of law. To stude is also on informal means of
changing the meaning of the applicable law provisions, seeking its effectiveness,
whether processes of methodical construction of senses that no longer serve the
common ideals. As a conclusion it had to end no formal the search after perquirir out
about the historical modeled elements that helped in the construction and overhaul of
current law, was that there was indeed a revival of practical discussion of the ideals
of justice pursued by society, so formulated is critical to prevailing dogma that makes
the norm a mere object in the service of a metaphysical reason and structured
speeches desnexados reasons of practical plan. It had as objective, when developing
such theories, a rapprochement, a reunion of law with the Law, understood this as a
something that is independent of the application of interpretative subjectivity is built
on a theoretical level, but one thing that comes to be bound by the plan's
effectiveness can be by knowing that perquirir be on the object with the same claims
of reconstruction.
1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 11
2.3.6 A Constituição como o que “é” e não o que “virá a ser”. A efetividade e a
“Constituição que constitui” ....................................................................................... 70
3 CONCLUSÃO ........................................................................................... 73
11
1 INTRODUÇÃO
Para melhor desenvolvimento do tema é salutar discorrer um pouco sobre o que vem
a ser, ou deve-se entender por Constituição, tendo em vista a largueza dos
conceitos relacionados.
Constituição deve ser entendida como aquela que constitui, e se constitui, o faz a
algo, ou seja, a Constituição constitui a ação, não num sentido praxiológico, pura e
simplesmente, e sim, no sentido de sua significância sistemática, pois nada dentro
do sistema de leis deve existir ou ser criado senão pela Constituição.
Tendo dito isso, passa-se a explanar sobre o tema em si, que leva em seu ápice a
discussão sobre até onde pode chegar os limites interpretativos da norma
constitucional, pois se sabe que a Constituição não traça os tais limites, nada
dispondo, portanto, sobre a interpretação de suas normas.
Ocorre, no entanto, que na sistemática atual que leva em conta um pensar filosófico
sobre a busca de eficácia de uma norma, a utilização de ferramentas, pura e
simplesmente, levar-se-á a um senso jurídico dogmático, que não é bem vindo e
eras de pós-positivismo jurídico.
Esta, dentre outras questões, pretende-se que sejam alvo dos debates no presente
trabalho. À medida que este se justifica de forma mais clara nas questões relativas à
existência ou não de um limite interpretativo aplicável à Constituição, e nesse norte,
onde entra e qual o papel da hermenêutica.
Para que no futuro a Constituição seja dotada de plena eficácia e sejam os erros do
passado apenas fragmentos da história, pretende-se, antes de contestar as normas
constitucionais ou sua aplicabilidade prática, apenas discutir questões abstratas
relativas à sua força normativa e seu conteúdo, sempre com vistas à sua efetividade.
13
Outro tema que será estudado, e que guarda relação com todo o mais é o relativo à
filosofia da linguagem, e de como se construiu essa sistemática hermenêutica
jurídica através de uma nova percepção do sujeito do conhecimento e do objeto a
ser conhecido, e de como essa sistemática influencia na interpretação das normas.
O presente trabalho será dividido em três seções, nas quais se espera delinear os
contornos necessários a um entendimento mínimo sobre o tema, que não traz em si
uma problemática de âmbito científico-prático que frustra o quotidiano dos juristas, e
sim um problema relativo às subjetividades constantes das normas, além de um
estudo, crítico sistêmico da justiça das decisões. As seções seguintes se inter-
relacionam, de modo que, partir-se-á de conceitos que convenientemente prefere-se
chamar de conceitos aplicados ou dirigidos, chegando-se a análise das normas
constitucionais e seus efeitos na corrente constitucional dominante, por fim far-se-á a
relação da mutação de sentido como efeito integrativo da norma, relacionando,
ainda, os limites (se existentes) de interpretação possivelmente empregados.
Justifica o autor que na Alemanha, por volta do século XVIII, havia círculos
protestantes que sentiram a necessidade de que fossem criados “manuais de
interpretação” que ajudassem aos sacerdotes na exegese das escrituras sagradas,
visto que estes estavam desligados de qualquer vínculo com a Igreja e sua
autoridade, não podendo, por isso, decidir sobre questões de interpretação
(PALMER, 1969, p. 44).
16
Maciel (2004, p. 83) explicita que desde a Segunda Grande Guerra (1939-1945) o
processo de democratização vem ganhando força, fato este que acarretou na
mudança substantiva na natureza da ordem jurídica. Esta passou,
progressivamente, a ter de lidar com conflitos de interesses e de valores de uma
sociedade pluralista e complexa, em que a norma de direito reflete a vontade
democrática na sua formulação e envolve, portanto, na sua aplicação, o emprego de
critérios metajurídicos. Deixa de interessar à sociedade organizada apenas a melhor
interpretação; é preciso buscar a melhor interpretação para cada caso concreto.
Torna-se necessário, cada vez mais, encontrar soluções específicas para casos
específicos.
Essa positivação do direito, por sua vez, se apresenta sob dois aspectos importantes
para o seu entendimento, a saber: a) o filosófico e b) o sociológico.
17
O autor Ferraz Jr (2006, p. 74), expressa relevante lição sobre o chamado legalismo,
amplamente discutido, lembrando sobre a chamada “redução” do jurídico ao legal,
afirmando que a:
Maciel (2009, p. 126), ao comentar a lição de Ferraz Jr, recorda que o declínio da
Escola Exegética surgiu pelo fato de que se apercebeu um desequilíbrio entre a lei
codificada e a verdadeira realidade social, e apesar dessa Escola exercer ainda hoje
enorme influência entre os juristas, ela permite a existência de muitas brechas,
tornando as regras insuficientes em sua abstração.
A aplicação do direito, para que seja eficiente e eficaz, necessita de uma nova
vertente, um novo olhar. Tornam-se necessárias, cada vez mais, interpretações
permeadas pela utilização tanto do método teleológico, baseado numa crença
comum, como do axiológico, fulcrado nos valores morais do interprete, em
detrimento da tradicional interpretação positivista, a fim de diminuir a ruptura entre a
lei e o fato social (MACIEL, 2009, p. 127). Admitir um novo olhar, em tempos atuais,
é admitir uma epistemologia da verdade.
E prossegue o autor:
Uma filosofia do Direito que não perca de vista seus vínculos com a tradição
ética e política que resultam na constituição de uma racionalidade prático-
moral tem a função de questionar crítica e reflexivamente as intervenções
do sistema jurídico na sociedade. Assim, sendo, deve retomar as questões
relativas aos procedimentos legais do discurso jurídico e de suas
conseqüências como a violência consentida no âmbito de sua legitimidade
societária, estreitamente relacionada aos seus efeitos no que se refere á
justiça social almejada por toda a sociedade democrática.
Nader (1995, p. 306) entende que interpretar a lei é fixar o sentido de uma norma e
descobrir a sua finalidade, pondo a descoberto os valores consagrados pelo
legislador. Para ele, todo subjetivismo deve ser evitado durante a interpretação,
devendo, o intérprete, visar sempre os valores magistrais do direito. O autor,
portanto, fala dos valores consagrados pelo direito como sendo objeto da
interpretação.
Isso ocorre por que no âmbito da dogmática, os métodos são definidos como
mecanismos rigorosos e eficientes para o conhecimento e interpretação científica do
direito, que acabam, no entanto, sendo um escudo para o intérprete que pode
justificar falhas e injustiças na lógica interpretativa que um método oferece.
Como ser racional que é, o homem é o único que pode criar projetos,
representar (fazer presente duas vezes; a coisa está no sinal, na mente, no
significado e fora) algo que não está neste tempo (agora) ou neste espaço
(aqui), e antecipa o que não ocorreu, ou mesmo o que não existe. As
representações de tudo o que está em volta do homem, fá-las este por
idéias, interiorização da coisa no pensamento.
26
Vê-se que a opinião do autor converge no sentido de que somente o homem como
ser racional é dotado da capacidade de percepção subjetiva do mundo e de reação
de acordo com as percepções, pois se utilizando das ideias assimila as
representações de seu ambiente e as transforma em experiência cognoscente.
Traz-se, ainda, a lição de Reale (2002 p. 125), que, tratando dos desafios do
hermenêuta contemporâneo, afirma consistir em saber qual a finalidade social da lei,
no seu todo, pois é o fim que possibilita penetrar na estrutura de suas significações
particulares, ou seja, o que se quer atingir é uma correlação coerente entre "o todo
da lei" e as "partes" representadas por seus artigos e preceitos, à luz dos objetivos
visados, devendo-se, nesse diapasão, ser anotada a relação entre a hermenêutica
como exercício de cognição com a análise da norma, com vistas à sua efetividade
que a mais das vezes encontra-se ínsita à própria análise da norma.
Streck (2006, p. 3), bem ressalta os problemas dessa temática aduzindo que o novo
constitucionalismo transformou-se em um campo fértil para o surgimento das mais
variadas teorias que se dizem capazes de resolver as complexidades de problemas
que surgem a partir da interpretação das normas, lembrando que não é mais
possível a lei prever todas as hipóteses de sua interpretação, integração e
subsunção ao caso concreto. Assim o faz com a assertiva que se segue:
Visto que é o sujeito cognoscente quem, através das percepções, extrai conclusões
sobre o que está à sua volta, necessário se faz discorrer acerca do que se entende
por objeto desta cognoscência, ou seja, o objeto cognoscível.
A hermenêutica, ela como sendo ferramenta de cognição, tem por objeto a norma,
não se discutindo, se ela em sentido estrito ou lato, como comumente se faz, pois na
concepção tradicional norma em sentido estrito é a lei, e lei deve ser entendida como
o veículo que transporta esta, da abstração para a concretude.
Quando uma norma estatui uma determinada conduta como devida (no
sentido de “prescrita”), a conduta real (fática) pode corresponder à norma ou
contrariá-la. Corresponde à norma quando é tal como deve ser de acordo
com a norma; contraria a norma quando não é tal como, de acordo com a
norma, deveria ser, porque é o contrário de uma conduta que corresponde à
norma.
Continua o autor, afirmando que o juízo, segundo o qual uma conduta real é tal
como deve ser, de acordo com uma norma objetivamente válida, é um juízo de valor,
28
e, neste caso, um juízo de valor positivo. Significa que a conduta real é “boa”. O
juízo, segundo o qual uma conduta real não é tal como, de acordo com uma norma
válida, deveria ser, por que é o contrário de uma conduta que corresponde à norma,
pois, é um juízo de valor negativo. Significa que a conduta real é “má”.
Nessa mesma linha o autor justifica a Teoria Pura do Direito definindo interpretação
científica, que para ele é simples determinação cognoscitiva do sentido das normas
jurídicas. Diferentemente da interpretação feita pelos órgãos jurídicos, ela não é
criação jurídica. Kelsen ainda entende que não é possível, através de uma
interpretação cognoscitiva, obter-se um novo método de aplicação da norma, pois a
Teoria Pura do Direito repudia a sua relativização (1998, p. 250).
Este, não é demasiado dizer, é o cerne da questão, pois se trata do significado atual
da linguagem, no contexto de um direito que está em constante transformação
estrutural; e, entender a linguagem, é condição de condição de possibilidade para se
compreender a norma, o que faz exsurgir a dúvida acerca do objeto da
hermenêutica; se a norma ou a simbologia que a representa.
No dizer de Streck (2005, p. 177), todos os avanços ocorridos no direito, nos últimos
tempos, ocorreram graças à hermenêutica filosófica de Gadamer e Ricoeur, com a
superação da tensão entre a dogmática sociológica e a jurídica. Isso ocorreu porque
a linguagem (enunciação) é colocada no centro da discussão como inicial antes de
se conhecer outro objeto; daí dizer ser a linguagem condição de condição de
possibilidade para uma aplicação hermenêutica, na medida em que esse novo
projeto (paradigmático) admite que, primeiramente, se estabeleça o significado da
simbologia representativa da norma. Houve então o chamado rompimento do antigo
dualismo (sujeito – objeto), tendo em vista que o sujeito já vai pronto até o objeto.
Em sua obra “Teoria da Norma Jurídica”, Bobbio (2001, p. 23-24) recorda que:
Isso porque, ao observar-se, de fora, ver-se-á que durante toda a vida a sociedade
está disposta às regras de conduta, com respeito à permanente sujeição de novas
regras.
Sob o ponto de vista jurídico, norma pode ser entendida como a junção de princípios
com regras, pois no pós-positivismo teve-se uma mudança considerável no conceito
de norma, levando-se em conta a elevação dos princípios a um status de
normatividade, lhe atribuindo força normativa.
Ensina Reale (2002, p. 44) que o que caracteriza uma norma jurídica, de qualquer
espécie, é o fato de ser uma estrutura proposicional enunciativa de uma forma de
organização ou de conduta, que deve ser seguida de maneira objetiva e obrigatória.
A norma, portanto tem força coativa.
Neste diapasão, tem-se que o sistema criador das normas está diretamente
vinculado com as tradições culturais do ambiente em que tais são concebidas, de
modo que elas refletem os valores morais das pessoas que estarão submetidas à
sua juridicidade. Essa chamada “transcendência de objetivação linguística” quer
dizer, basicamente, que na norma escrita não se encontram os tais valores culturais,
estes estão no sistema. E são encontrados através de processos interpretativos que
alcançam seu mais amplo sentido. É o que, posteriormente se verá a hermenêutica
construtiva ou hermenêutica estruturante do sistema normativo. É, portanto, o axio
formulando um dogma sobre um prisma genérico.
31
Vê-se, do citado, que para o estudioso a função do princípio é a de não deixar que a
norma e sua força cogente se direcionem para uma abstração sistêmica, isto é,
fundamentada no próprio sistema. Ao contrário, deve a norma, ligar-se ao mundo
prático, pois o seu conceito depende, sobremaneira, de sua aplicabilidade, ou seja,
está ligada a sua eficácia.
Afirma, ainda, que os juízes não criam o direito, embora o produzam, porque
interpretam aplicando-o ao caso concreto, e entendendo os princípios como
verdades, podem ser concebidos como o mais próximo que se pode chegar de um
ideal universal de justiça. São ferramentas contra as discricionariedades possíveis
na aplicação da norma (STRECK, p. 108).
Para melhor entender isso, traz-se a lição de Streck (2006, p. 170-171), donde se
extrai que:
32
Daí a afirmação de Lowenstein (apud FERRAZ JÚNIOR, 2006, p. 22) que, "[...] toda
Constituição é, em si, uma obra humana incompleta, além de ser obra de
compromisso entre as forças sociais e grupos pluralistas que participam de sua
formação". Essa incompletude das normas constitucionais, arrisca-se dizer, é o que
faz a Constituição ser Constituição, ou seja, aquela que constitui, que constrói e se
constrói. Entender a Constituição como um conceito fechado é contrariar sua própria
essência.
Sem ter a intenção de problematizar, apenas tratar das problemáticas teóricas sobre
as verdades práticas que se constróem ao longo desse novo paradigma que busca a
concretização do direito, traz-se a lição de Streck, a quem se deve ter o cuidado de
34
Penso que uma teoria do direito que se pretende operativa deve apresentar
efetivos indicadores de aplicabilidade. O lugar privilegiado assumido pela
situação ideal de comunicação para a aferição de verdade argumentativa
faz com que as exigencias decorrentes da complexidade da cotidianiedade
das práticas jurídicas não encontrem na teoria do discurso proposta por
Habermas maiores indicativos de viabilidade (STRECK, 2006 p. 93).
O embate nasce no sentido de que tais questões são típicas de serem solucionadas
em controle difuso de constitucionalidade o que Streck deixa bem claro ser
favorável, tanto controle difuso de constitucionalidade quanto a interpretação
conforme, há nulidade parcial sem redução de texto. A questão que o autor traz não
35
1
GÜNTER, Klaus. Teoria da Argumentação no Direito e na Moral: justificação e aplicação. São Paulo
Lendy, 2004.
36
2
Edmund Husserl, filósofo alemão fundador da fenomenologia, um método para descrição e análise da
consciência através da qual a filosofia tenta obter um caráter estritamente científico. Para ele a base filosófica
para a lógica e a matemática precisa começar com uma análise da experiência que está antes de todo
pensamento formal. Isto o obrigou a um intenso estudo dos empiristas ingleses John Locke, George Berkeley,
Davi Hume, e John Stuart Mill, e familiarizar-se com a terminologia da lógica e semântica derivada daquela
tradição, especialmente a lógica de Mill.
37
Largo, apud Streck, (2005, p. 189), adepto das teorias hermenêuticas de cunho
gadameriana sacramenta importante lição (incluindo projeções dessa nova
hermenêutica), ao afirmar que:
E, de outro lado, a hermenêutica filosófica nos ensina que o ser não pode
ser compreendido em sua totalidade, não podendo, assim, haver uma
pretensão de totalidade da interpretação. O filósofo produziu realmente uma
virada hermenêutica do texto para autocompreensão do intérprete que
como tal autocompreensão somente se forma na interpretação, não sendo,
portanto, possível descrever o interpretar como produção de um sujeito
soberano (STRECK, 2005, p. 211).
Com isso pode-se concluir, acerca do exposto, que o sentido se manifesta por si só,
tendo em vista que, o trabalho de compreensão na hermenêutica filosófica se dá no
início, pois o interprete deve conhecer a si próprio, ele é parte do objeto, pois a
manifestação que tem o objeto no mundo fenomênico leva em conta a percepção do
interprete e a sua carga axiológica, assim o fim da dicotomia Sujeito-Objeto (S-O),
acabou por mudar o rumo da linguagem (virada linguística), daí o dizer de Gadamer
“ser que se compreende é a linguagem”.
No antigo modelo, como bem ressalta Barroso (2003, p. 320), a ciência despontou
como único conhecimento verdadeiro, depurado de indagações teológicas ou
metafísicas. O conhecimento científico é considerado objetivo, porque fundado no
distanciamento entre sujeito e objeto e na neutralidade axiológica do sujeito
cognoscente, assegurada pelo método descritivo, baseado na observação e na
experimentação.
Vê-se que, para Barroso o pós-positivismo encara o texto constitucional não como
um emaranhado de normas condicionantes da conduta social, mas sim, como um
símbolo dos ideais de Justiça daquela sociedade.
40
Na visão do autor a ética volta para o direito, ou seja, a moral jurídica passa a ser
discutida com o seu simbolismo dentro dos ideais que condicionam a conduta
humana. Sobre a representatividade dos princípios, que assumem força normativa, o
direito passa a ser encarado como um conjunto de proposições normatizadas
abstratamente, não mais como um texto jurídico positivo que dita, objetivamente a
conduta dos jurisdicionados.
O autor sustenta, ainda que o pós-positivismo deve ser entendido com o sentido de
superação e não continuidade ou complementariedade, surgido no interior do
paradigma do Estado Democrático de Direito, instituído por um constitucionalismo
compromissório e transformador, o que se convencionou chamar de
“neoconstitucionalismo” (STRECK, p. 6).
41
Com isso, afirma o autor que se vive um novo paradigma construído a partir da
superação do sistema positivo-normativista, quando não há espaço para discussão
de conflitos sociais. Isso, para Streck (2006, p. 8), significa dizer que:
Buscando outra base conceitual alude o autor que a teoria do direito natural se
considera capaz de estabelecer o que é justo ou injusto de modo universalmente
válido. O que resta discutir é se essa pretensão tem fundamento, pois a julgar pelas
controvérsias entre os seguidores dessa teoria sobre o que há de ser considerado
justo ou injusto, pois o que é natural para alguns não o é para os outros (BOBBIO,
2001, p. 56).
De fato, resta a questão, uma vez que se esta distinção não é universal, a quem
cabe definir o que é justo ou injusto, dizer que a quem detém o poder é
demasiadamente simplório a levar-se em conta a complexidade da discussão. Outra
resposta possível é a que afirma que a todos os cidadãos cabe, mas, dessa forma,
voltar-se-ia para o início, tendo em vista que cada um tem seu respectivo valor, um
conceito do justo, reconhecer tal resposta como verdadeira é reconhecer a
43
Sobre as doutrinas dessa corrente adotou-se a lição de Bobbio (2001, p. 59), que
afirma o seguinte:
Questiona Bobbio sobre como Hobbes chega a esta conclusão tão radical. A
resposta é simples: Hobbes era racionalista, e para os racionalistas as respostas
devem ser tiradas, rigorosamente das premissas, haja vista que, no estado de
natureza todos estão à mercê de seus próprios instintos, e não há leis que
determinem a cada um o que é seu, todos tem direito a tudo, e assim, para Hobbes,
nasce a guerra de todos contra todos (BOBBIO, 2001, p. 59).
A corrente positivista acarretou em maior segurança jurídica, pois o que era dito por
justo ou injusto já estava predeterminado, mas não trouxe o que se buscava; o justo,
entendido como aquilo que daria à sociedade a resposta que ela mesma se daria, e
não aquela dada por maiorias eventuais. Aduz-se, nesse ponto, que o exercício da
busca do que é justo é muito mais complexo do que o de elaborar hipóteses de
incidências para fatos geradores. Daí então se começou a discutir um pós-
positivismo jurídico.
função social, isto é, entender o direito com o fim no bem comum e não mais apenas
nas instituições que o mantém.
Nasce na década de setenta a teoria de John Rawls3, que buscou trazer para o
direito a discussão dos valores como formadores diretos de um ideal de justiça, ou
seja, a justiça através do direito é, em síntese, entender o homem como fim da
Justiça.
Ainda afirma Barroso (2001, p.07): “Não obstante se revelou numa ideologia movida
por juízos de valor, cujo fetiche da lei e legalismo acrítico se prestaram às variadas
formas de autoritarismo, como o fascismo na Itália e o nazismo na Alemanha”.
3
A teoria de JOHN RAWLS surge na década de setenta, marcando o renascimento da discussão da justiça
como valor imprescindível à sociedade contemporânea. Busca nas concepções kantianas a noção da
indispensabilidade de tratar o homem como fim da justiça, não meio. Resgata o homem como objetivo maior da
sociedade, enquanto o centro de toda a racionalidade, não obstante acidamente criticado, inclusive por quem o
atacaram por ser extremamente proceduralista ou por defender a idéia de justiça jurisdicionalizada.
45
maioria dos casos concretos, o que o sistema anterior não conseguia fazer. A
solução para essa problemática foi a elevação dos princípios à categoria de norma
(normatividade dos princípios).
Como já aludido, uma das principais características impostas pela sistemática pós-
positivista foi a elevação dos princípios à categoria de norma, ou seja, normatizar
princípios, isso com a finalidade de abrir o cerne interpretativo da norma para
garantir uma melhor exploração hermenêutica na busca de uma verdade prática.
Pode-se, então, dizer que a normativização dos princípios objetiva tornar o direito
mais aplicável.
Para se ter uma noção mais aprofundada é necessário que se conheça o conceito
da base principiológica investigada sob uma ótica sistematizante para que não se
incorra no erro de limitar os conceitos subjetivos acarretando numa limitação de
ordem prática ou funcional.
Nesse ponto, é preciosa a lição de Bandeira Mello (1991, p. 230), para quem:
O princípio é, pois, o elo, o nexo entre uma norma e o sistema no qual ele está
inserido. A busca de uma verdade através de um princípio tira o intérprete das
condicionantes axiológicas e ontológicas e dá maior liberdade hermenêutica, num
primeiro momento, e limita num segundo, quando do acontecer epistemológico:
Princípio, segundo Barroso (2003, p. 151), é sempre donde deve partir o interprete.
É o conjunto de normas que espelham a ideologia da Constituição, sendo assim, de
seu povo. Citando Reale que admite, onde quer que haja um fenômeno jurídico há
sempre e necessariamente um fato subjacente, um valor que confere ao fato
determinada significação e uma norma que representa a relação ou medida que
integra um daqueles elementos ao outro.
Para uma melhor compreensão dos embates teóricos que o presente trabalho
acadêmico se propõe a fazer, é necessário que se tenha conhecimento dos métodos
interpretativos os quais, atualmente, ainda são utilizados no sistema jurídico
brasileiro. É o que se chama de “não recepção da viragem linguística”:
Outro dos métodos discutidos alhures, e que é objeto de discussão do presente, não
como metódica, mas como filosofia cientifica que se apresenta para solução de
problemas jurídicos é o chamado método “hermenêutico-concretizador”, que, para
Canotilho (1993, p. 214):
Prossegue Streck (2005, p. 307) em sua lição sobre a metódica interpretativa e sua
interferência no real sentido da norma, afirmando que:
Com o citado trecho, o autor lembra que, no contexto em que aconteceu o referido
embate houve uma quebra de paradigma, pois desobedecia a idéia de se atribuir
vínculo ou ligação a leis divinas, como era de costume, atribuindo ao homem a
autoria das palavras, através de um consenso.
Ainda nessa linha, outra discussão relacionada diz respeito ao atribuir nomes, se
estes surgem da convenção sofística ou naturalmente:
Nota-se, portanto, que Sócrates tenta, de certa maneira, unir as duas correntes,
dizendo que se os nomes são criados por um “dador de nomes” eles são uma
convenção, porque participam de um referencial comum (STRECK, 2005, p. 118).
Tem-se então, que para Platão a linguagem é apenas um instrumento e que está
atrelada à coisa, de que se fala, em sua idéia central, ou seja, é possível reconhecê-
la sem linguagem, pois a mesma é o que ela expressa ser, existe, então, relação
entre a ideia que se tem da coisa e a coisa propriamente dita.
Streck (2005, p. 180), ainda, trata da semiótica jurídica como uma ciência empírica
do direito, que estuda as relações entre os enunciados jurídicos e os serem
humanos que criam, interpretam e aplicam, pois fazem parte do jogo hermenêutico:
O direito é visto como Direito em ação, como fenômeno social. Para tanto,
foi necessário construir um modelo de linguagem que indicasse um conjunto
de enunciados dados que expressassem o Direito positivo de uma certa
comunidade e em um certo momento.
semânticos; ou seja, importa conhecer mais do que a conclusão sobre o que diz
certo enunciado, ou ainda o que quer ele dizer, mas sim o que ele precisa dizer
naquele determinado contexto histórico e fático.
Nesse diapasão, quando, numa realidade evolutiva, o intérprete se depara com uma
Constituição rígida sob o ponto de vista de sua integração normativa,
inexoravelmente surgem debates sobre outros mecanismos de integração desta
Constituição e materialização de seus dispositivos. Neste sentido, Barroso (2010, p.
427) afirma:
pretensão de ser imutáveis. Uma geração não pode submeter a outra aos
seus desígnios. Os mortos não podem governar os vivos.
No trecho citado o referido autor aduz que a imutabilidade das Constituições deve
ser verificada no plano teórico ou abstrato, pois no plano concreto não deve existir
mecanismo de estagnação de sentido e alcance das normas.
Tal resultado prático, afirma o autor, deveu-se a uma separação metodológica rígida,
resultado de uma comparação do plano concreto ou material, com o abstrato. De um
56
Deve a mutação constitucional estar baseada num ideal democrático, isto é, sua
legitimidade tem de fundamentar-se na necessidade de sua ocorrência, que é seu
próprio fim de existência: responder a anseios de uma maioria.
Conclui o jurista que, além dos poderes constituintes conhecidos, quais sejam,
Poder Constituinte Originário e Poder Constituinte Derivado, existe um terceiro
poder, este baseado num maior dinamismo interpretativo que se exerce em caráter
permanente. É o que Georges Burdeau denominou de Poder Constituinte Difuso,
cuja titularidade remanesce do povo (BARROSO, 2010, p. 431).
Portanto, para Barroso (2010, p. 432), a mutação constitucional tem limites, e, caso
sejam ultrapassados se estará violando o Poder Constituinte e a soberania popular.
É fato, no entanto, que as normas jurídicas, quando se busca uma aplicabilidade
efetiva, libertam-se da “voluntas” subjetiva que as criaram, e passam a ter uma
57
Nesse ponto, resta uma questão para debate: de como se pode afirmar a
prevalência de um positivismo se, ao mesmo tempo, assume-se a existência de
entendimentos, os quais remetem à ideia de construção subjetiva de sentidos. Com
frequência, para fundamentar decisões, invoca-se entendimento de magistrado,
entendimento de Ministro do Supremo Tribunal Federal; eis aí mais uma prova de
que o Direito pode até ser positivista, para os adeptos desta corrente, mas a justiça
de uma decisão nunca o será; daí a necessidade de se “compreender” o que
determinada norma diz e necessita, efetivamente, dizer.
O que importa neste plano, é demonstrar que entendimento é mais uma forma de
mutação de sentido aplicável da norma e, para fim de situar-se melhor o texto, a
hermenêutica pode, ou deve, ser usada no processo mutacional. Dessume-se que
sendo uma norma analisada sob um plano hermenêutico-filosófico e extraindo-se
dela um resultado, tal, dependendo de onde se encontre em grau de importância no
sistema, pode ser encarado como uma mutação de sentidos ou constitucional. Em
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suma, não é qualquer mutação que pode ser constitucional; e nem se está falando
das inconstitucionais. O que ocorre é que a hermenêutica acabará dando ao
resultado interpretativo a credibilidade material, o elemento social faltante nas
interpretações.
Uma das funções principais do poder legislativo é editar leis que atendam às
demandas e necessidaes sociais. Deverá fazê-lo sempre levando em conta
os valores da Constituição e a realização dos fins públicos nela previstos.
Normalmente, a aprovação e novas leis envolverá uma faculdade
discricionária do legislador. Em certos casos, contudo, ele atuará em
situações previamente determinadas.
Tanto num como noutro caso o próprio constituinte originário conferiu a faculdade
de, através de um poder-dever, regulamentar determinadas situações. Não há,
portanto, mutação constitucioanal nestes casos pois, por mais que inovem de
maneira substancial na ordem jurídica vigente, têm em vista a possibilidade de
escolha valorativa dentro de limites impostos pela própria Constituição. Haverá
mutação através do legislativo tão somente quando, por ato normativo, procurar-se
dar interpretação diversa da que já tenha sido dada a alguma norma cosntitucional.
A mutação, portanto, terá lugar quando, vigendo determinado entendimento, uma lei
vier a alterá-lo (BARROSO, 2010, p. 436).
Com isso, pode-se concluir que nem tudo que é demonstrável metafísicamente é
verdade, e na mesma linha nem toda verdade exige demonstração senão aquela
que a fundamenta como objeto.
Neste ponto, sem objetivo de delongas nos fundamentos que serão trazidos, extrai-
se de Gadamer a explicação sobre a estrutura circular adotada pela hermenêutica
em Heidegger, partindo ou não de uma pré-compreensão do objeto; e, também, a
função do intérprete nesse processo.
O círculo não deve ser degradado a círculo vicioso, mesmo que este seja
tolerado. Nele vela uma possibilidade positiva do conhecimento mais
originário, que, evidentemente, só será compreendido de modo adequado
quando a interpretação compreendeu que sua tarefa primeira, constante e
última permanece sendo a de não receber de antemão, por meio de uma
“feliz idéia” ou por meio de conceitos populares, nem a posição prévia, nem
a visão prévia, nem a concepção prévia (Vorhabe, Vorsicht, Vorbegriff), mas
em assegurar o tema científico na elaboração desses conceitos a partir da
coisa, ela mesma (GADAMER, 1997, p. 401).
Com isso, Heidegger quis dizer que o intérprete deve desvincular-se de sensos
comuns e se apegar “às coisas elas mesmas”; deve deixar-se determinar pelo
objeto, não fazendo disso uma tarefa heróica, mas uma finalidade. Assim, o
intérprete que busca compreender um texto realiza um “projetar” e, quando identifica
algo com sentido no texto ele o absorve como determinante interpretativo e o vai
renovando sempre que encontra novos sentidos. A ideia de círculo hermenêutico
vem justamente desse “revisar” pois, à medida que o conjunto toma um sentido, vai-
se antecipando o próximo sentido.
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Algo que deve ficar claro, antes de iniciar-se este item específico, é que, ao contrário
do positivismo jurídico, o pós-positivismo não está vinculado a nenhum método, visto
este como condicionante da investigação, que a leva para um lugar comum, num
mesmo tempo-espaço.
Consoante o exposto, a segurança jurídica foi um dos principais fatores que fizeram
com que o positivismo jurídico fosse considerado a melhor forma de garantir uma
interpretação desvinculada dos ideais que desacordassem daqueles adotados pelo
povo legitimador do poder. Acrescenta-se, ainda, a estabilidade que essa corrente
proporcionou ao sistema. As alterações de sentido de uma norma positivista
resultam da interpretação, extraindo-se do próprio regramento objetivo o seu sentido.
Já os seus limites interpretativos decorrem métodos, também já trabalhados em
seções anteriores.
espírito, por sua vez, há apenas previsões, seguindo-se, para isso, padrões
esperados (GADAMER, 1997, p. 39-40).
O problema do método, é que ele não serve para o que sempre foi utilizado, que é a
busca da verdade, pois inexistem padrões corretos de aferição do justo. Quando o
autor no trecho retro expõe que a “[...] experiência do mundo social-histórico não se
leva a uma ciência com o processo indutivo das ciências da natureza”, está
afirmando que somente nas ciências do espírito a tradição poderá ser levada em
conta, posto que esta ciência será construída pelo intérprete, enquanto que as
ciências da natureza já vêm prontas e configuradas, viciando, desta forma, a
atividade do intérprete com uma matematicidade despregada do centro para o qual
convergem os objetivos da ciência do espírito. Neste ponto, cabe questionar se o
homem foi criado para o Direito ou o Direito para o homem.
Cabe discutir, e essa é a temática trazida pelo professor Bolzan de Morais (2009, p.
42), sobre a jurisdição e a política e de como aquela é um lugar adequado para que
esta seja feita. E nessa linha, afirma:
Há de ficar claro que este fazer política é aqui assumido como uma nova
forma de produção de decisões no âmbito do poder estatal que tem ganho
cada vez maior amplitude e consistência em razão de dois fenômenos até
mesmo contraditórios: de uma lado, o sucesso do Estado democrático em
prover a cidadania de melhores vias e meios de acesso ao sistema de
justiça; de outro, os fracassos e dificuldades de o Estado Social prover
resultados satisfatórios ante suas promessas.
mostram que essa crise, apesar das garantias contidas na Carta Maior, constrói-se
fundamentada neste ideário, por mais contraditório que possa parecer:
Com isso se solidifica a idéia de que não se pode pretender construir uma
teoria constitucional no contexto contemporâneo sem que se tenha presente
os limites e possibilidades de e para o próprio Estado Constitucional, envolto
que está na transformação de suas fórmulas políticas, bem como sujeito –
muitas vezes incapaz – diante das mudanças radicais dos modelos
econômicos adotados pela economia capitalista, da qual não logrou
desassujeitar-se (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p. 45).
[...] não se pode almejar do Estado Democrático de Direito mais do que ele
pode “dar”, nem se supõe que as condições para sua execução e
desenvolvimento histórico permaneçam inalteradas diante das crises da
própria economia capitalista tradicional – produtiva – mas, e, sobretudo, em
face da transformação operada no campo de sua formulação teórica e de
suas práticas. Tal reconhecimento conduz a certos dilemas.
O primeiro se refere à mutação de suas circunstâncias. Ou, dito de outra
maneira, o problema das crises do Estado, diante das transformações
características da sociedade e da economia liberal – capitalismo –
contemporâneas. E aqui se aborda apenas dois aspectos destas crises, [...].
Quando se fala em uma crise conceitual, de pronto passa pela mente do leitor que o
problema se resume em uma inadequação de dogmas, isto é, adotou-se uma nova
forma de pensar a organização do Estado, mas não foram mudados os dogmas que
espelharam a criação do antigo. Ocorre que não é só isso, apesar de ser uma
verdade, pois os conceitos em sua função mais básica também devem ser alterados,
ainda mais quando se constitucionaliza um Estado Democrático. Nesse diapasão,
entende-se que o avanço de um sistema pressupõe a evolução dos conceitos que
dão aporte para a sua construção teórica, ou se está correndo o risco de sua
ineficácia.
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Para corroborar com o exposto, traz-se a lição de Bolzan de Morais (2009, p. 48),
para quem:
O grande dilema que parece ser vivido hoje é aquele que contrapõe o
descompasso entre as promessas constitucionais e as possibilidades de
sua realização, pois o Estado Social imprescinde de um poder político forte
de um lado e, de outro, a desconfiança/descompromisso coletivo e
individual com o seu projeto constitucional, naquilo que se identifica como
sentimento constitucional, ou, ainda, uma tentativa de (re)apropriação de
seus conteúdos privadamente, em particular pelos atores individuais de
alguma forma já incluídos, fortalecendo a exclusão social.
Com vistas a uma solução para essa problemática, levando em conta que o choque
estrutural e conceitual de um Estado Democrático inclusivo (pautado pelo respeito às
premissas constitucionais), com uma política econômica – capitalista – exclusiva,
deve-se ter em mente o papel do Estado como garantidor, mas também provedor. O
cuidado que deve ser tomado, e agora em âmbito estrutural, é para que não se
afastem os poderes. Sabe-se que a tripartição é necessária para uma competente
divisão de tarefas, mas ainda assim é necessário um trabalho em conjunto, ou seja,
uma aproximação de funções (BOLZAN DE MORAIS, 2009, p.49).
Essa discussão nada mais é do que uma análise teórica do problema; e uma
questão teórica refletiva de embates práticos, que requer, para sua solução, a
prática de um novo pensar do Direito que adote, inclusive, outra forma de ver o
próprio problema.
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Para além do que é, não longe disso mas anterior a isso, existe ainda algo
que acontece. No centro do ser como um todo ocorre um espaço aberto. Há
uma clareira, uma iluminação... este centro, este aberto é... não rodeado
pelo que é...; em vez disso, o próprio centro de iluminação engloba o que
é... apenas esta clareira garante e certifica aos seres humanos uma
passagem para aqueles entes que não somos nãos próprios, e acesso ao
ser que nós próprios somos (sic).
O jurista chama a atenção para o fato de que a abertura dessa “clareira” tem como
condição de possibilidade a suspensão da pré-compreensão dos pensamentos, pois
os “pré-juízos” limitam os sentidos do pensar. Daí a se dizer que a dogmática jurídica
é metafísica porque provoca o esquecimento do ser do Direito (STRECK, 2005, p.
290).
A plena cautela deve existir porque é a partir desses “pré-juízos” que o jurista fala o
Direito, do que sabe de sua percepção, do que lhe foi mostrado, fala do direito
“standardizado”, e o faz de forma pré-concebida e predestinada como se isso fosse
o Direito, o que não passa de uma metáfora do que é, de um véu do ser verdadeiro.
Isso acontece porque o jurista moderno ainda trabalha com a hermenêutica como
técnica pura de interpretação, sendo a linguagem algo que está de fora, uma terceira
coisa, o que acaba objetificando-a (STRECK, 2005, p. 294).
2.3.6 A Constituição como o que “é” e não o que “virá a ser”. A efetividade e
a “Constituição que constitui”
conceitos teóricos que aditam os seus elementos informativos com o que há por
detrás de cada um de seus enunciados.
Nesse ponto pertinente que se afirme: a Constituição é o que é necessário que seja
no momento (tempo) em que se perquire sobre o que ela é. Deve ficar claro nessa
passagem, devendo ser mantido a qualquer custo, que o espírito criativo da norma
traduzido nos princípios que informa o acontecer normativo e, nessa linha, a
principal tarefa do intérprete acaba sendo a de adequar a Constituição e reconstruí-
la a cada análise que faz.
A Constituição não é senão fruto de sua interpretação, uma vez que alguma coisa só
é (algo) quando interpretada, pois a partir de então, é compreendida (como algo).
Nesse sentido, a Constituição somente será tal se constituir e for compreendida
como o que constitui. Já na dogmática, contrariando o até agora afirmado, a
hermenêutica é entendida como técnica de interpretação que compreende o espírito
da norma como sempre constante da mesma, dando ensejo à discricionariedades
interpretativas, perdendo o que Streck chama de “o núcleo político da Lei
Fundamental” (STRECK, 2005, p. 306-307).
Tudo que existe, ou está disposto no mesmo plano que “nós”, tem algum significado
ou uma existência individual, independentemente de “nossa” interferência em sua
individualidade e concretude, pois a importância do trabalho do intérprete surge
quando da necessidade de se relacionar algo e atribuir significações correlativas. A
certeza da resposta encontrada quando da análise interobjetiva e correlativa do
objeto dependerá da capacidade do sujeito cognoscente de pôr-se com relação a
cada objeto de modo a respeitar os seus fenômenos existenciais externados, e
relacioná-lo a outro de maneira a não lhe retirar o significado, mas lhe atribuir o que
de singular há no outro.
De fato, o alcance e a eficácia de uma norma dependerá sempre do que há por trás
dela, do que há guardado em sua individualidade, e do que restará da mesma após
a interferência do intérprete. E, ao falar-se em normas constitucionais, não se pode
distinguir quanto à eficácia, pois sendo constitucionais são eficazes quaisquer
normas, de um modo determinado, e a qualquer tempo.
3 CONCLUSÃO
Como conclusão da presente pesquisa extrai-se que, desde o começo dos tempos o
homem buscou organizar-se criando papéis e status atinentes a estes papéis, de
forma que, quanto melhor se desempenha o seu papel maior status ele adquire no
meio em que está inserido. Ocorre que, a sociedade evolui tornando-se cada vez
mais complexa, o que torna as relações entre as pessoas cada vez mais
conflituosas, tendo sido necessária a criação de mecanismos para coibir práticas
que certa sociedade rechaça, nesse diapasão somente o Estado organizado, política
e juridicamente tem poder suficiente para exercer referido controle.
Não é demais lembrar que houveram épocas em que a única forma de regrar
condutas era através dos dogmas, que eram traduzidos em entidades espirituais, ou
seja, era o temor nos deuses que fazia com que as pessoas agissem de tal maneira
ou não, e, para isso, haviam representantes desses “deuses” na terra, responsáveis
por traduzir às pessoas as vontades e as intenções divinas.
Ao longo dos tempos, percebeu-se que este “encargo” não era exercido no melhor
interesse daqueles a quem interessavam, e as decisões desses líderes eram
74
Esse sistema, ou forma de encarar o Direito, tinha como principal expoente o Jurista
Alemão Hans Kelsen, criador da Teoria Pura do Direito, para quem, no Direito e nos
discursos de fundamentação estava a Justiça, não se devendo discutindo o que está
posto pelo legislador, pois este é quem pode e tem melhores condições, haja vista
que, legitimado pelo povo, para dizer o que é justo ou injusto. É de se reconhecer
que tendo nascido em substituição ao jus-naturalismo, ela alcançou seu intento
imediato, que era o de controlar o poder que controla, mas não o mediato que é o de
atribuir Justiça aos desígnios do Estado.
Com o passar dos tempos percebeu-se, e isso nasceu em Heidegger (Ser e Tempo)
e Schleiermacher, que o Direito não é ciência matemática, portanto, da natureza e
sim uma ciência do espírito, vindo posteriormente Gadamer (Verdade e Método) a
afirmar que não existem técnicas ou operações para que a verdade da norma venha
à tona e mostre-se nas suas nuances, o que ocorre é um trabalho hermenêutico
onde o intérprete se põe diante do objeto, não como um ser neutro, disposto a
elaborar cálculos, mas como ele efetivamente é com todos os seus preconceitos e
“pré-juízos”, pois ele está no mundo como ser cognoscente (Dasein), o objeto da
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mesma forma como fruto do que é necessário que se diga sobre o mundo, e daí a
necessidade de o intérprete ser sujeito. Nasce, com isso, o pós-positivismo jurídico.
Para finalizar, é de se explanar acerca das atribuições práticas de tal corrente, tendo
em vista que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 é
essencialmente de matriz pós-positivista, pois erigiu à categoria de norma os
princípios, que deixaram de ser apenas balizadores interpretativos e adquiriram força
normativa, garantindo direitos e dirigindo o sistema para a efetivação do espírito
constitucional.
Outro ponto salutar, que não pode ser esquecido em sede de conclusão e que foi
trabalhado nesta pesquisa, é o das mutações constitucionais, que nada mais são do
que processos informais de mudança de sentido aplicável das normas
constitucionais sem, contudo, alterar o seu texto, este é, e aqui entra a pertinência
com o tema, um reflexo do pós-positivismo que permite desvincular a vontade do
legislador do aplicar normativo, atribuindo uma nova vontade sob um prisma da
necessidade hermenêutica de resultados concretos e respostas corretas.
mas como norma que nasce com eficácia, nasce dotada de um algo a mais que a
faz sobrepor-se ao senso comum jurídico, e essa missão cabe ao intérprete, pois
como diz Streck “somos juristas para que?”.
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REFERÊNCIAS
FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. São Paulo: Atlas,
2006.
GADAMER, Hans Georg. Verdade e Método. Trad. Flávio Paulo Maurer. 3 ed.
Petrópolis, RJ: Vozes, 1999.
KELSEN, Hans. Teoria pura do direito. Trad. João Baptista Machado. 6. ed. São
Paulo : Martins Fontes, 1998.
KELSEN, Hans. Teoria geral do Direito e do Estado. 3. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2000.
NADER, Paulo: Introdução ao Estudo do Direito. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1995.
REALE, Miguel: Lições Preliminares de Direito. 27. ed. ajustada ao novo código
civil. – São Paulo Saraiva, 2002. Revista do Curso de Direito da Faculdade de
Humanidades e Direito, v. 6, n. 6, 2009.