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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA

SILVIO BEZ DE OLIVEIRA FILHO

CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA:


AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA MOTIVAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS
CONTRA A VIDA, JULGADOS PELA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI NA
COMARCA DE TUBARÃO/SC, NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS.

Tubarão
2022
1

SILVIO BEZ DE OLIVEIRA FILHO

CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA:


AS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DA MOTIVAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS
CONTRA A VIDA, JULGADOS PELA VARA DO TRIBUNAL DO JÚRI NA
COMARCA DE TUBARÃO/SC, NOS ÚLTIMOS CINCO ANOS

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado


ao Curso de Graduação em Direito, da
Universidade do Sul de Santa Catarina, como
requisito parcial para obtenção do título de
Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Josias Machado Severino, Esp.

Tubarão
2022
4

Este trabalho é dedicado: primeiramente a


Deus, por me proporcionar as condições
financeiras e aporte familiar e psicológico para
enfrentar os desafios ao longo da graduação.
Aos meus pais e familiares que sempre me
apoiaram em minhas escolhas e fizeram o
possível e o impossível até este momento. A
minha mãe in memoria por me abençoar e
zelar por mim onde quer que ela esteja e a
instituição Unisul com grandes profissionais e
professores de alto nível que me ensinaram e
guiaram-me a este momento tão esperado.
5

AGRADECIMENTOS

A Deus, que sem ele nada seria possível, que me deu forças e me manteve com fé em
momentos difíceis em minha vida, que me iluminou e me abençoou até este momento.
A meu pai Silvio, a minha mãe Maria Aparecida, a minha madrasta Viviane, a minha
irmã Renata, pelo amor e incentivo incondicionais.
Ao meu professor orientador Josias, por aceitar meu convite de orientação, de
disponibilizar seu tempo e auxiliar sempre que lhe comunico sobre as dúvidas advindas do
trabalho.
Ao Senhor MM Juiz Guilherme Mattei Borsói da 1ª Vara Criminal da Comarca de
Tubarão/SC, pelo acolhimento do pedido de vista dos processos julgados, permitindo acesso a
todos os setores vinculantes ao objetivo deste trabalho acadêmico.
Aos professores em especial que compõe a banca examinadora para este Trabalho de
Curso em Direito e Orientação Individual.
A todos os professores do curso de Direito da Unisul de Tubarão/SC, que me
lecionaram ao longo da trajetória deste curso, ajudando a me tornar o indivíduo, profissional e
aluno que sou hoje.
6

“Onde não há lei, não há liberdade”. (John Locke).


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RESUMO

OBJETIVO: O objetivo geral do presente trabalho acadêmico consiste em analisar os crimes


dolosos contra a vida nos últimos 5 (cinco) anos cometidos e julgados pela 1ª Vara Criminal
da Comarca de Tubarão/SC mais especificamente aos crimes de homicídios dolosos e
feminicídios, dissertando sobre seus elementos, características e análise dos casos concretos.
MÉTODO: O método utilizado é o exploratório; quanto a sua abordagem, é qualitativa e
quantitativa; em relação ao nível de profundidade do estudo, considera-se exploratória; sobre
os procedimentos de dados, utilizou-se a pesquisa bibliográfica e documental, tendo por base
doutrinas jurídicas, jurisprudências e artigos científicos, bem como análise dos casos
investigados. RESULTADOS: Obteve o presente estudo a conclusão de que dos processos
sentenciados em primeira instância, pode-se ter uma visão quanto a motivação dos indivíduos
dos crimes por eles cometidos verificando se as razões que levaram a consumar tal ato, foram
fator preponderante ou não para sua condenação, absolvição, aumento ou diminuição de pena.
Apresentando suas características inseridas no código penal brasileiro, bem como dissertando
sobre a história da vara do tribunal do júri e seu conselho de sentença sua composição,
analisando a dosimetria da pena e seu sistema trifásico. Além de dissecar os crimes
observados demonstrando suas qualificações, atenuantes e agravantes, bem como suas
estruturas doutrinarias. Resultando que: motivação preponderante aos crimes de homicídio
foram por motivo torpe com 40,70% dos crimes observados, que possuem relação com o
tráfico de drogas, em seguida aqueles com motivação fútil que corresponde a 33,33% dos
crimes dolosos, e por fim aquele relacionados a homicídios privilegiados motivados por
violenta emoção correspondendo a 14,81% dos casos. Já os feminicídios: motivação
resultante da condição do sexo feminino de relacionamentos amorosos que foram rompidos
correspondendo a 100% dos casos analisados. Concluindo-se que a motivação por si só não é
fator para a pena, e sim respeitando os elementos pertencentes a sentença com ênfase nos
artigos 59 e 68 do Código Penal.

Palavras-chave: Crimes. Dolosos. Homicídios. Feminicídios. Motivação.


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ABSTRACT

OBJECTIVE: The general objective of the present academic work is to analyze the intentional
crimes against life in the last 5 (five) years committed and judged by the 1st Criminal Court of
the District of Tubarão/SC, more specifically to the crimes of intentional homicide and
femicides, discussing its elements, characteristics and analysis of concrete cases. METHOD:
The method used is exploratory; as for its approach, it is qualitative and quantitative; in
relation to the depth of the study, it is considered exploratory; on data procedures,
bibliographic and documentary research was used, based on legal doctrines, jurisprudence and
scientific articles, as well as analysis of the investigated cases. RESULTS: The present study
reached the conclusion that from the processes sentenced in the first instance, one can have a
view as to the motivation of the individuals of the crimes committed by them, verifying if the
reasons that led to consummate such an act were a preponderant factor or not for conviction,
acquittal, increase or decrease of sentence. Presenting its characteristics inserted in the
Brazilian penal code, as well as lecturing on the history of the jury court and its sentencing
council, its composition, analyzing the dosimetry of the penalty and its three-phase system. In
addition to dissecting the observed crimes demonstrating their qualifications, mitigating and
aggravating, as well as their doctrinal structures. Resulting in that: the preponderant
motivation for the crimes of homicide were for clumsy reasons with 40.70% of the crimes
observed, which are related to drug trafficking, then those with futile motivation, which
corresponds to 33.33% of the intentional crimes, and for Finally, those related to privileged
homicides motivated by violent emotion, corresponding to 14.81% of the cases. On the other
hand, femicides: motivation resulting from the condition of the female sex in romantic
relationships that were broken, corresponding to 100% of the cases analyzed. Concluding that
motivation alone is not a factor for the penalty, but respecting the elements belonging to the
sentence with emphasis on articles 59 and 68 of the Penal Code.

Keywords: Crimes. deceitful Homicide. Femicides. Motivation.


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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................... 11
1.1 OBJETO ............................................................................................................................. 12
1.1.1 Tema ............................................................................................................................... 12
1.1.2 Descrição da situação problema ................................................................................... 12
1.1.3 Formulação do problema .............................................................................................. 13
1.1.4 Hipótese .......................................................................................................................... 13
1.1.5 Definição dos conceitos operacionais ........................................................................... 14
1.2 JUSTIFICATIVA ............................................................................................................... 14
1.3 OBJETIVOS ....................................................................................................................... 15
1.3.1 Geral ............................................................................................................................... 15
1.3.2 Específicos ...................................................................................................................... 16
2 TRIBUNAL DO JÚRI: SURGIMENTO, ORGANIZAÇÃO E RELAÇÃO COM OS
CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA ............................................................................ 17
2.1 PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI E A POSSIBILIDADE
DE RECURSO.......................................................................................................................... 18
3 DA MOTIVAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA............................... 20
3.1 A MOTIVAÇÃO NAS QUALIFICADORAS E AGRAVANTES DA PENA ................... 23
3.2 MODALIDADE DOLOSA VERSUS MODALIDADE CULPOSA ................................. 25
3.3 DA MOTIVAÇÃO DOS HOMICÍDIOS DOLOSOS E SUA MODALIDADE SIMPLES 26
3.3.1 Da motivação do homicídio privilegiado ..................................................................... 30
3.3.2 Do motivo de relevante valor social versus valor moral ............................................ 32
3.3.3 Do motivo fútil versus motivo torpe............................................................................. 33
3.4 FEMINICÍDIO: ORIGEM HISTÓRICA, RELEVÂNCIA E ALTERAÇÃO PENAL ...... 34
3.4.1 Razões dos crimes de feminicídio ................................................................................. 36
3.4.2 Violência doméstica e familiar contra a mulher ......................................................... 36
3.4.3 Menosprezo à condição de mulher ............................................................................... 37
4 DA ANÁLISE DA MOTIVAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS
CRIMES JULGADOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE TUBARÃO
NO PERÍODO ENTRE JANEIRO/2017 A DEZEMBRO/2021. ....................................... 38
4.1 DOS CRIMES DE HOMICÍDIO DOLOSO E FEMINICÍDIO .......................................... 38
4.1.1 Características predominante da motivação dos homicídios dolosos.............................. 38
4.1.2 Característica predominante da motivação dos feminicídios .......................................... 40
10

4.2 ASPECTOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS CRIMES ANALISADOS ........... 41


5 CONCLUSÃO...................................................................................................................... 44
REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 47
11

1 INTRODUÇÃO

Os crimes dolosos contra a vida possuem características elementos próprios, seja por
sua tipificação penal ou a forma que tais crimes serão julgados perante o Poder Judiciário,
bem como perante a sociedade. Considerando inúmeros critérios que surgem a partir da ação
ilícita cometida pelo homicida na consumação ou tentativa de seu ato delituoso, havendo
neste estudo ênfase na consciência e a vontade do agente e consequentemente sua motivação.
Neste sentido, estudo dos casos observados torna-se crucial para que seja possível traçar um
perfil predominante das motivações que geraram a conduta delituosa, bem como suas
consequências jurídicas. Diante deste cenário, deve-se ainda verificar nas decisões judiciais a
figura da motivação como elemento crucial para a condenação ou absolvição do agente, tendo
em vista, que foi aprofundado casos concretos os quais as circunstâncias em que o sujeito
homicida está inserido foi crucial para a causa-efeito da decisão. Tendo em vista a
importância da motivação como elemento que auxilia na tipificação da conduta considerada
criminosa, não apenas como um elemento a mais a ser analisada em um caso atípico, mas
também demonstra o cenário e o contexto social o qual o indivíduo está inserido. Isto porque,
esta tipificação penal impede ao autor de ter a possibilidade futura de sua reparação, como
será abordado, em suma são crimes dos quais atentam ao valor cultural da sociedade,
valorando o que conhecemos de vida. Pelo fato deste grupo de indivíduos terem violado tais
regras de convívio social e tal fundamento de valor moral, conhecendo seus motivos,
podemos partir do delito que cometeram também o fator determinante que os fizeram
transgredir preceitos morais em algum momento de suas vidas. Ressalta-se ainda, que não
podemos analisar os referidos casos, sem antes inserirmos o atual contexto socioeconômico
do Brasil, destacando-se neste estudo o cenário dos municípios que abrange a Comarca de
Tubarão/SC (Tubarão e Pedras Grandes). Não raro, chegarmos a uma semelhança nos casos
investigados, seja uma relação os quais estes agentes são economicamente desfavorecidos ou
inseridos em um cenário de desemprego e condições desiguais de distribuição de renda. Desta
forma, estudar os crimes dolosos contra a vida julgados na Comarca de Tubarão/SC, durante o
período de janeiro/2017 a dezembro/2021, poderá presente estudo determinar, com
levantamento dos dados, traçar paralelos aos casos e determinar se a motivação trouxe
consequências jurídicas a suas ações.
12

1.1 OBJETO

1.1.1 Tema

Crimes dolosos contra a vida.

1.1.2 Descrição da situação problema

O ordenamento jurídico brasileiro, no que tange as regras impostas de modo coletivo,


o dever de punição é exercício pelo Estado de forma exclusiva, com a pretensão de regularizar
a vida em sociedade, lesiona sobre o tema Gueiros e Japiassú (2018, p. 83):

O direito se caracteriza pela previsão de comportamento e de sanção. Ou seja, o


Direito pretende regular a vida em sociedade. Para tanto, estabelece comportamentos
permitidos e proibidos. Ao proibir uma conduta, o Estado o faz pela ameaça de uma
sanção, o que ocorre em todos os ramos do direito.

Este dever jurisdicional estatal ramifica-se de diversas maneiras, sendo uma delas o
Direito Penal que possui elementos exclusivos dos demais, sendo para Nucci (2016, p. 53):
“O ramo mais rígido do Direito, prevendo-se as mais graves sanções viáveis para o ser
humano, como é o caso da privação da liberdade”.
Neste sentido, dentre os elementos inseridos no ramo penal, destaca-se a figura e
conceituação de crime, presente na Lei de Introdução do Código Penal em seu artigo
inaugural apresentando sua definição como “infração penal que a lei comina pena de reclusão
ou de detenção, quer isoladamente, quer alternativamente ou cumulativamente com pena de
multa” (BRASIL, 1941).
No que se referem aos crimes dolosos contra a vida, estes possuem peculiaridades,
seja por sua gravidade, seja pelo modo em que o ordenamento jurídico lhe introduz, pois
consiste em crimes graves os quais geram repulsa social, devido ao fato de visarem a
destruição do bem jurídico tutelado mais bem protegido, a vida humana.
Interessa notar, desta tipificação penal, o elemento motivador torna-se peça
fundamental para sua análise, tendo em vista constituir em variáveis formas e circunstâncias
que levam o indivíduo a consumação desta conduta criminosa, destaca Capez (2013, p. 490-
491): “São precedentes psicológicos propulsores da conduta. (...). Caso o motivo configure
qualificadora, agravante ou atenuante genérica, causa de aumento ou de diminuição, não
13

poderá ser considerado como circunstância judicial”.


Podemos chegar à conclusão, então, de que a motivação dos crimes dolosos contra a
vida, pode ser conceituada, não apenas como um elemento a mais a ser analisada em um caso
atípico, mas também demonstra o cenário e o contexto social o qual o indivíduo está inserido.
Pelo fato deste grupo de indivíduos terem violado tais regras de convívio social e tal
fundamento de valor moral, conhecendo seus motivos, podemos partir do delito que
cometeram também o fator determinante que os fizeram transgredir preceitos morais em
algum momento de suas vidas.
Assim, lesiona Macedo (1993, p. 83) ao trazer considerações quando compara leis e
regras, partindo da teoria piagetiana. Para o autor, as leis possuem a função de estabelecer
limites do convívio em sociedade, que cerceiam desejos e vontades individuais e promovem
anseios coletivos. Todavia, o conceito de regra está diretamente ligado na constituição de
sociedade, estabelecidas por determinados grupos de forma arbitraria e convencional.
Portanto, entender o contexto dos quais os transgressores estão inseridos, entendemos
também suas motivações, podendo desta maneira auxiliar uma compreensão melhor das
decisões judiciais que culminaram com suas condenações.
Nesta ótica, segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias
(Infopen), referente a dezembro de 2019, a população carcerária brasileira chegou ao patamar
de 748.009 (BRASIL, 2019).
Desta forma, estudar os crimes dolosos contra a vida julgados na Comarca de
Tubarão/SC, durante o período de janeiro/2017 a dezembro/2021, poderá presente estudo
determinar, com levantamento dos dados, traçar paralelos aos casos e determinar se a
motivação trouxe consequências jurídicas a suas ações, bem como avaliar suas motivações
predominantes fundamentadas nos artigos. 121 do Código Penal brasileiro, bem como na Lei
nº 13.104, de 9 de março de 2015 (BRASIL, 2015).

1.1.3 Formulação do problema

Quais as motivações são predominantes e suas consequências jurídicas dos crimes


dolosos contra a vida (homicídio doloso e feminicídio), julgados pela Vara do Tribunal do
Júri na Comarca de Tubarão/SC no período entre janeiro/2017 e dezembro/2021?

1.1.4 Hipótese
14

A motivação é fator subjetivo da condenação, porém ela por si só, não pode ser fator
unilateral para uma decisão condenatória, e sim todos os elementos que compõe a conduta do
homicida para julgamento pelo Tribunal do Juri, sendo elemento qualificador e subjetivo, não
sendo exclusivo para aumento da pena, diminuição ou absolvição do acusado estando
condicionado ao caso concreto.

1.1.5 Definição dos conceitos operacionais

Crimes dolosos contra a vida: aqueles os quais são de competência do Tribunal do Júri
para julgamento, para fins desta pesquisa, serão analisados homicídios dolosos e feminicídios
(art. 5º, inciso XXXVIII, alínea “d” da Constituição Federal (BRASIL, 1988); art. 121, do
Código Penal (BRASIL, 1941) e Lei nº 13.104, de 9 de março de 2015 (BRASIL, 2015)).
Motivação dos crimes dolosos contra a vida: para fins desta pesquisa, considerar-se-á
como análise da motivação dos crimes, as circunstâncias do crime, o perfil dos autores e das
vítimas, bem como se o fato motivador foi “torpe”, “motivo fútil”, “violência emoção” aos
homicídios dolosos, quanto aos feminicídio considera-se motivos “em razão do menosprezo à
condição da mulher” e “violência doméstica e familiar contra a mulher” observando-se tais
condições se houve aumento, diminuição ou absolvição do acusado julgada pelo Tribunal do
Júri.

1.2 JUSTIFICATIVA

O presente estudo visa analisar os crimes dolosos contra a vida nos últimos 5 (cinco)
anos cometidos e julgados na Comarca de Tubarão/SC. Trata-se da investigação qualitativa e
quantitativa dos processos judiciais julgados pela Vara do Tribunal do Júri desta Comarca, no
período entre 2017 e 2021.
A importância do tema se dá pela própria tipificação dos crimes analisados, aqueles os
quais revestem de reprovação social, infringindo o direito constitucional à vida, previsto no
artigo 5º, caput da Constituição Federal (BRASIL, 1988), bem como a direitos humanos
outorgada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em seu artigo 3º, o qual o país é
signatário (Declaração de Direitos Humanos, 1948).
Diante do estudo destes crimes, terá ênfase à motivação do indivíduo para a prática de
tal ato, classificando-as de acordo com a doutrina, bem como analisado se este é fator
motivador é preponderante ou não para a condenação, absolvição, aumento ou diminuição da
15

pena.
Compreende-se que o fator motivacional possui relevância para a condenação “[...]
não há dúvidas de que, de acordo com a motivação que levou o agente a delinquir, sua
conduta poderá ser bem mais ou bem menos reprovável. O motivo constitui a origem
propulsora da vontade criminosa” (SCHMITT, 2013, p. 133).
Desta maneira, traçar um perfil motivacional do indivíduo, possibilitando traçar
paralelo deste agente às condições socioeconômicas e as circunstâncias que o levaram a
prática do crime, também identificando semelhanças e paralelos dos casos julgados pelo
Tribunal do Júri.
Neste sentido, pode-se verificar a contribuição social para os municípios de
Tubarão/SC e Pedras Grandes/SC que abrangem a Comarca de Tubarão/SC, os quais poderão
trazer um panorama geral dos crimes praticados contra a vida em sua municipalidade e ainda
contribuir para práticas públicas de prevenção e até mesmo amparo a determinados grupos
sociais vulneráveis.
Embora estejam inseridos ambos os municípios na unidade federativa de Santa
Catarina, a qual possuiu uma das menores taxas de homicídios do país, com base no índice de
homicídios divulgados pelo IPEA – Atlas da Violência “Em 2018, entre as UFs com menores
taxas de homicídio, tínhamos São Paulo, Santa Catarina e Minas Gerais [...]” (IPEA, 2020),
tais condutas ainda são presentes, mesmo em níveis baixos comparados a média nacional.
Portanto, o tema analisado versa sobre assunto de grande relevância jurídica e social,
de valores da ética e moralidade, bem como analisar os processos judiciais transitados em
julgado, visando inovar no estudo destes casos.

1.3 OBJETIVOS

Como forma de descrever os objetivos que concerne o presente trabalho de pesquisa


jurídica, dividiu os objetivos em geral e específicos, conforme se verifica:

1.3.1 Geral

Analisaras consequências jurídicas da motivação dos crimes dolosos contra a vida,


julgados pela Vara do Tribunal do Júri na Comarca de Tubarão/SC, nos últimos cinco anos,
16

durante o período de janeiro/2017 a dezembro/2021.

1.3.2 Específicos

− Verificar o conceito de crimes dolosos contra a vida, em especial os homicídios


dolosos e feminicídios, bem como suas consequências jurídicas;
− Observar os processos julgados dos crimes dolosos contra a vida pela Vara do
Tribunal do Juri no período de 2017 a 2021 da Comarca de Tubarão/SC;
− Analisar as decisões destes processos e verificar se a motivação para o delito foi
fato preponderante para condenação nos casos de aumento ou diminuição da pena
do acusado;
− Examinar o conjunto de características presentes nos processos julgados e bom base
nisso traçar características em comum ou distintas nos casos analisados, podendo
desta forma concluir se a motivação é fator preponderante.
17

2 TRIBUNAL DO JÚRI: SURGIMENTO, ORGANIZAÇÃO E RELAÇÃO COM OS


CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

É de competência do Tribunal do Júri de julgar os crimes dolosos contra a vida,


aqueles dois quais estão previstos no Código Penal no título “Dos Crimes Contra a Pessoa,
Capítulo I, Dos Crimes contra a Vida” (BRASIL, 1941). Trata-se de um colegiado de pessoas
leigas, se valendo de seus direitos com base na Constituição Federal de 1988 em seu artigo 5º,
alínea “d” do inciso XXXVIII, com um direito e garantia individual.
Para Nucci (2014) o tribunal do júri surge na humanidade com o estabelecimento da
Magna Carta inglesa, bem como é consolidada com o advento da Revolução Francesa no ano
de 1789 expandindo-se aos demais países europeus.
Com o ideal de participação popular na tomada de decisões o júri surge como um
instrumento contraposto a ideia do absolutismo monárquico, com ideais que desvencilham do
poder concentrado e uma filosofia mais democrática aos entes estatais.
Para o promotor de justiça Paulo Sergio Markowicz:

(...) o Tribunal do Júri surge como uma forma de participação popular no Judiciário,
tendo tomado corpo a partir de reações ao absolutismo e à concentração do poder
nas mãos de poucos, como na figura de um monarca ou mesmo das oligarquias, o
que impedia a participação das demais estratos da sociedade na tomada de decisões.
(PARANÁ, 2021)

Em terras brasileiras surge com o advento do decreto outorgado pelo então Príncipe
Regente, Dom Pedro I em 18 de junho de 1822, difere-se dos ideais, antes expostos, uma vez
que a concentração de poder foi fruto da formulação do júri no país, tendo como objetivo em
sua primeira aparição como um instrumento de repressão contra a imprensa da época,
conforme Almeida (1999, p. 23) esclarece: “Príncipe regente, de acordo com o seu Conselho
de Estado, instituiu o Júri no Brasil, mas com competência limitada para conhecer da
criminalidade dos escritos abusivos”.
Mais tarde, em 1824, com o advento da primeira constituição do Brasil, surge como
um ramo do Poder Judiciário tanto para área cível e penal, conforme preceitua seus artigos
151 e 152:

Art. 151 – O Poder Judicial é independente, e será composto de Juizes [sic] e


jurados, os quais terão lugar, assim no cível como no crime, nos casos e pelo modo
que os códigos determinarem.
Art. 152 – Os Jurados se pronunciam sobre o fato, e os Juizes [sic] aplicam a lei.
(BRASIL, 1824)
18

Ao longo dos anos foi sendo aperfeiçoada a figura do júri popular, desvinculando-se
de um elemento estrutural do Poder Judiciário e configurando-se como um direito e garantia
individual. Com o advento da Constituição de 1988 trouxe-se ao júri o status de cláusula
pétrea, não podendo deste modo ser renunciado.
O procedimento de julgamento dos crimes contra a vida se difere dos demais crimes
inseridos na legislação penal brasileira, havendo a relevância e a opinião da sociedade, como
critério primordial para julgamento.
Surge a figura do “juiz leigo” aos crimes contra a vida, que nada mais são do que os
cidadãos escolhidos através de sorteio a fazerem parte de sua composição, havendo critérios,
princípios e procedimentos que devem ser resguardados para o prosseguimento do
julgamento, tanto para a composição do júri, mas também para o decurso do processo que
serão abordados ao longo deste trabalho monográfico.

2.1 PROCEDIMENTOS ADOTADOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI E A POSSIBILIDADE


DE RECURSO

A competência mínima que cabe ao júri popular, trata-se das modalidades tentadas e
consumadas, rechaçando as modalidades culposas e privilegiadas, como será esclarecido
posteriormente, sua composição é formada por um juiz togado e vinte e cinco cidadãos
maiores de 18 anos, que necessitam ter um caráter idôneo ante a sociedade.
Deve-se ressaltar, que há divergências quanto a competência data ao júri,
especificamente quando se trata dos crimes dolosos contra a vida, com ênfase aos que estão
inclusos no rol taxativo inserido nos artigos 121 a 127 do Código Penal, bem como sua
modalidade tentada e relação a outros crimes, ou seja, conexos.
Através da Lei n. 11.698 de 2008 trouxe procedimentos especiais para os crimes
julgados, constituindo duas fases de julgamento que se diferem (NUCCI, 2008, p. 46).
A primeira fase tem como objetivo analisar a existência ou não do ato criminoso pelo
juízo togado responsável por presidir o julgamento, constatando a autoria do acusado ou
havendo elementos que possam identificar sua participação na conduta criminosa,
caracterizando-se sua culpabilidade, pronuncia o caso e remete ao Tribunal do Júri para a
próxima fase do processo.
Em caso de impronúncia, ou seja, não identificado os elementos supramencionados, há
absolvição sumária ou desclassificação do crime praticado conforme artigos 413 a 421 do
Código de Processo Penal.
19

A segunda fase do julgamento é denominada de juízo de causa, submetendo-se assim


ao Tribunal do Júri em audiência única, instruindo-se, debatendo e julgando o feito
(CAMPOS, 2010, p. 21-22).
Interrogadas a vítima (nos casos tentados), as testemunhas de acusação e defesa,
acareações (se for o caso), reconhecimento de indivíduos e esclarecimentos feitos pelos
peritos, iniciam-se os debates entre acusação e defesas com tempo de duração de 1 hora e 30
minutos para que exponham arguições.
Nesta etapa, destaca-se o conselho de sentença que é composto por sete jurados
escolhidos por sorteio, que receberam os quesitos (relatório) pelo juiz constando os principais
atos processuais, iniciando-se posteriormente a instrução em plenário.
Cumpre esclarecer que estes quesitos devem cumprir uma ordem de resposta e
objetivam o entendimento dos jurados de forma simples e clara, sendo necessário a resposta
negativa de quatro jurados ou mais para configurar a afirmação pretendida.
Com a resposta positiva dos três primeiros quesitos, consequentemente o acusado é
considerado culpado perante o júri, porém ainda restam decidir as qualificadoras, causas de
aumento ou diminuição da pena, sendo a sentença lida em plenário pelo juiz togado.
Salienta-se que oriunda da decisão do júri, há possibilidade de recurso, porém esta
interposição ao grau superior, está condicionada as hipóteses previstas nos artigos 593, inciso
III, nos casos de apelação, embargos de declaração nos artigos 382, 619 e 620 do Codigo de
Processo Penal.
A modificação do mérito da decisão, pela violação ao princípio supramencionado,
tornará necessário um segundo julgamento semelhante aos moldes previstos no primeiro,
sendo em muitos casos a revisão criminal o instrumento utilizado para objetivar a
desclassificação do crime, prevista nos artigos 621 a 631 do Código de Processo Penal.
Portanto, por se tratar de crimes considerados graves pela sociedade também há uma
necessidade de se entender suas razões e motivações com fulcro em identificar semelhanças
comportamentais e sociais dos grupos de indivíduos que se inserem a este tipo de crime.
Enfatizar os crimes relacionados aos homicídios dolosos e feminicídios, dar-se-á um
contexto em que a conduta ocorrida é gerada com o intuito de ceifar a vida extrauterina e
entender suas peculiaridades para uma melhor compreensão social e jurídica sobre seus casos.
20

3 DA MOTIVAÇÃO DOS CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA

Diante do cenário da importância dos crimes dolosos contra a vida em âmbito social,
possui elementos e características próprias na condução e processamento de seu julgamento
com visto anteriormente, isto porque visa a lesão contra o bem mais bem resguardado das
garantias e direitos fundamentais: a vida humana extrauterina.
Sobre tais crimes tem-se a ciência do agente em consumir ou tentar a conduta (dolo),
transferindo a tipificação penal uma gravidade em sua punição, há neste caso um agravamento
na pena, se comparada a condutas meramente culposas, não intencionais, pelo fato de sua
ação ou omissão ser um fator determinante como será abordado.
Dentre os elementos caracterizam-se como uma conduta dolosa a instantaneidade, a
qual consiste que seja realizada de momento, não sendo aceita na legislação brasileira o dolo
realizado de forma anterior ou posterior.
Com base no princípio da potencialidade lesiva, há a necessidade de que o delito seja
praticado tendo influência no resultado que se espera. Em contrapartida, caso o ato seja
totalmente incapaz de êxito, ocorrerá um crime impossível, o qual seja isento de punibilidade,
conforme previsão no artigo 17 do Código Penal:

Crime impossível (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)


Art. 17 - Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por
absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.(Redação dada
pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1941)

Há desta maneira um elemento cognitivo sendo a consciência do indivíduo e volitivo


que nada mais é do que uma ação ou omissão, objetivando alcançar o resultado que se espera
qual seja a afronta ao bem-jurídico tutelado.
Para o conceito analítico de crime, dentre as teorias mais adotadas está a tripartida, que
consistindo em subdividir o crime em três elementos, sendo eles todo fato típico, aquele que
resulta da comparação entre a conduta objetiva do crime e sua descrição legal, fato ilícito ou
antijurídico, bem como fato culpável, este consistente no dolo e a culpa. Neste sentido, temos
a lição de Cunha (2015, p. 172)

Como tivemos oportunidade de antecipar, o conceito analítico de crime compreende


as estruturas do delito, isto é, os substratos que, somados, formam a infração penal.
Prevalece, hoje, que, sob o enfoque analítico, crime é composto de três substratos:
(i) fato típico , (ii) ilicitude (ou antijuridicidade) e (iii) culpabilidade. Presentes os
três, o direito de punir do Estado se concretiza, surgindo a punibilidade (não é
substrato do crime, mas sua consequência jurídica) .
21

A partir de tais substratos, cabe destacar que com a adoção da Teoria Finalista do
crime, a “Voluntariedade”, ou seja, a vontade do agente, passou a integra a “Conduta”, que
por sua vez integra o próprio “Fato Típico”.

A voluntariedade no crime apresenta as formas de dolo ou de culpa. Como estudado,


na teoria geral do crime, uma corrente tradicional os incluía na culpabilidade. Hoje,
porém, depois de adotado o finalismo, tanto um quanto outro são elementos
implícitos do tipo, integrando a conduta - e gerando sua atipicidade em caso de
ausência. (CUNHA, 2015, p. 189)

Em nosso código penal a voluntariedade se apresenta no artigo 18, in verbis :

Art. 18 - Diz-se o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)


Crime doloso (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
- doloso, quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo;
(Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Crime culposo (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
- culposo, quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou
imperícia. (Incluído pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
Parágrafo único - Salvo os casos expressos em lei, ninguém pode ser punido por fato
previsto como crime, senão quando o pratica dolosamente. (Incluído pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984). (BRASIL, 1941)

Há ainda, duas importantes modalidades de dolo sendo elas o “Dolo Direto” e o “Dolo
Eventual” descritos no artigo 18, I, supracitado. O primeiro há uma consciência em relação a
ao delito por parte do agente (elemento cognitivo) e uma vontade da ocorrência da prática
criminosa (volitivo), neste caso a necessidade da ocorrência de ambas para sua configuração.
Quanto ao “Dolo Eventual” este necessita que o agente tenha noção do risco de sua
conduta, porém agindo com conformismo tendo consciência do resultado que eventualmente
possa ser praticado.
Descrevendo sobre o assunto temos Cunha (2015, p. 191-192):

Dolo direto ou determinado ou intencional ou imediato ou incondicionado:


configura- se quando o agente prevê um resultado, dirigindo a sua conduta na busca
de realizar esse mesmo resultado.[...] Dolo eventual: o agente também prevê
pluralidade de resultados, dirigindo sua conduta para realizar um determinado
evento, mas assumindo o risco de provocar outro (ex: quero ferir, mas aceito matar) .
O agente não quer o resultado mais grave, mas assume o risco de produzi-lo. O dolo
eventual só é possível em razão da consagração da teoria do consentimento.

Interessa notar, desta tipificação penal, o elemento motivador torna-se peça


fundamental para sua análise, tendo em vista constituir em variáveis formas e circunstâncias
que levam o indivíduo a consumação desta conduta criminosa, destaca Capez (2013, p. 490-
22

491): “São precedentes psicológicos propulsores da conduta. (...). Caso o motivo configure
qualificadora, agravante ou atenuante genérica, causa de aumento ou de diminuição, não
poderá ser considerado como circunstância judicial”.
Para Cunha (2014, p. 383), a motivação só corresponderá ao “porquê” da infração
penal, quando não integrar a própria tipificação do delito, evitando-se assim o bis in idem, da
conduta.
Seu julgamento leva em consideração inúmeros critérios que surgem juntamente com
indivíduo que cometeu o ato delituoso, sendo eles: sua consciência e vontade. Portanto,
identificar e analisar os casos em tela, torna-se crucial para que seja possível traçar um perfil
predominante das motivações que geraram a conduta.
Salienta-se também, que as motivações dos crimes dolosos contra a vida possui um elo
entre Direito Penal e o estudo da Criminologia, ciência esta que visa, identificar a conduta
criminosa e o criminoso, buscando entender suas razões, elaboração de seu perfil e traçar as
características do criminoso.
Tal ciência visa identificar quais métodos preventivos serão mais eficazes buscando
evitar a reincidência do ato criminoso, entendendo a motivação, forma e o agir do indivíduo.

Pode-se conceituar criminologia como a ciência empírica (baseada na observação e


experiência) e interdisciplinar que tem por objeto de análise o crime, a personalidade
do autor do comportamento delitivo, da vítima e o controle social das condutas
criminosas. A criminologia é uma ciência do “ser”, empírica, na medida em que seu
objeto (crime, criminoso, vítima e controle social) é visível no mundo real e não no
mundo dos valores, como ocorre com o direito, que é uma ciência do “deverser”,
portanto normativa e valorativa. (PENTEADO, 2013, p. 21)

É de se salientar que a conduta motivada pode precisar necessariamente de


circunstâncias externas a sua ação, isto porque, conforme artigo 59 do Código Penal, o
legislador preocupou-se com o comportamento da vítima como causa direta na fixação da
dosimetria da pena, influindo até mesmo na decisão a qual cabe ao júri certificar.

Fixação da pena
Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à
personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e conseqüências do crime,
bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e
suficiente para reprovação e prevenção do crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209,
de 11.7.1984) (grifou- se) (BRASIL, 1941)

O elemento comportamental da vítima, apenas será considerado, nos casos em que a


conduta desta, foi fator determinante para a prática do homicídio, não sendo fator negativo ao
23

acusado quando houver a dosimetria de sua pena. Neste sentido a jurisprudência se


manifestou sobre a questão:

O comportamento da vítima apenas deve ser considerado em benefício do agente,


quando a vítima contribui decisivamente para a prática do delito, devendo tal
circunstância ser neutralizada na hipótese contrária, de não interferência do ofendido
no cometimento do crime, não sendo possível, portanto, considerá-la negativamente
na dosimetria da pena. (BRASIL, 2013)

Desta maneira as circunstância judicial são aplicadas nos casos em que em que a pena-
base tenha sido superior ao mínimo legal, ocorrendo este fato, há uma diminuição da pena,
sendo utilizada sempre a favor do acusado e nunca desfavorável como forma de agravamento
no cálculo em caso de condenação.

3.1 A MOTIVAÇÃO NAS QUALIFICADORAS E AGRAVANTES DA PENA

A previsão legal do crime de homicídio possui inúmeras ramificações que serão


abordadas ao longo deste estudo, destacando-se aqui, aqueles atos dos quais trazem elementos
qualificadores, agravantes e atenuantes do caráter punitivo do Estado, por meio da
condenação penal.
Deste modo, o magistrado antes de fixar a pena ao acusado, respeitará os critérios
estabelecidos pela legislação penal para que se tenha sua dosimetria. Conforme artigo 68 do
Código Penal, através de um sistema de três fases.

Cálculo da pena
Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código;
em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último,
as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de
11.7.1984) (BRASIL, 1941).

Como visto anteriormente, a pena-base é fixada adotando os critérios previstos no


artigo 59 de mesmo diploma, observando elementos elencados como circunstâncias anteriores
que neste caso eleva-se a patamares mínimo de doze anos, podendo alcançar pena de trinta
anos de reclusão.
Isto porque o homicídio qualificado se difere do conceito básico do crime de
homicídio o qual ele surge. Por exemplo: homicídio simples traz em seu artigo 121 do Código
Penal a frase “matar alguém”, não havendo distinção ou especificidade da conduta. Entretanto
ao analisar o mesmo artigo em seu parágrafo segundo § 2°, traz elementos especiais de se
24

cometer a mesmo crime tipificado, porém por meios e motivações específicas.


Conforme José Nabuco Filho (2022) “Código deu maior importância ao motivo, ao
meio e modo de execução”. Neste sentido as razões que levaram o indivíduo a alcançar o
homicídio pretendido possuem sua relevância, exemplificadas nos incisos que compõe ao
parágrafo anteriormente mencionado.
Neste sentido difere-se da qualificadora os agravante da pena de homicídio, pois não
estão inseridos na estrutura do tipo penal, voltados a finalidade de se aumentar (agravante) ou
diminuir (atenuante) a pena do indivíduo condenado.
As circunstâncias comuns de agravamento da pena estão previstas nos artigos 61 e 62
do Código Penal. O primeiro artigo trata-se de causas simples para aumento de pena, em
contrapartida o segundo, reserva-se ao concurso de pessoas, havendo assim distinção a
aplicabilidade e uma ênfase ao modo o qual será conduzida a prática do crime.

Circunstâncias agravantes
Art. 61 - São circunstâncias que sempre agravam a pena, quando não constituem ou
qualificam o crime:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
I - a reincidência; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II - ter o agente cometido o crime: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) por motivo fútil ou torpe;
b) para facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de
outro crime;
c) à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação, ou outro recurso que
dificultou ou tornou impossível a defesa do ofendido;
d) com emprego de veneno, fogo, explosivo, tortura ou outro meio insidioso ou
cruel, ou de que podia resultar perigo comum;
e) contra ascendente, descendente, irmão ou cônjuge;
f) com abuso de autoridade ou prevalecendo-se de relações domésticas, de
coabitação ou de hospitalidade, ou com violência contra a mulher na forma da lei
específica; (Redação dada pela Lei nº 11.340, de 2006)
g) com abuso de poder ou violação de dever inerente a cargo, ofício, ministério ou
profissão;
h) contra criança, maior de 60 (sessenta) anos, enfermo ou mulher grávida; (Redação
dada pela Lei nº 10.741, de 2003)
i) quando o ofendido estava sob a imediata proteção da autoridade;
j) em ocasião de incêndio, naufrágio, inundação ou qualquer calamidade pública, ou
de desgraça particular do ofendido;
l) em estado de embriaguez preordenada. (BRASIL, 1941)

Agravantes no caso de concurso de pessoas


Art. 62 - A pena será ainda agravada em relação ao agente que: (Redação dada pela
Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
- promove, ou organiza a cooperação no crime ou dirige a atividade dos demais
agentes; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
- coage ou induz outrem à execução material do crime; (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
- instiga ou determina a cometer o crime alguém sujeito à sua autoridade ou não-
punível em virtude de condição ou qualidade pessoal; (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
- executa o crime, ou nele participa, mediante paga ou promessa de recompensa.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (BRASIL, 1941)
25

Tais hipóteses elevam o cálculo da dosimetria da pena, caso haja sua incidência,
diferem-se das qualificadoras, por estarem previstas no Código Penal aplicando-se nos mais
variados crimes, dos quais a legislação estabelecer. Porém, neste caso, são preponderantes a
utilização das qualificadoras às agravantes, pois está a primeira inserida na tipificação penal
do crime, ou seja, depende do crime para que esta seja aplicada.

3.2 MODALIDADE DOLOSA VERSUS MODALIDADE CULPOSA

Na conduta culposa há previsibilidade do ato criminoso diferente da modalidade


dolosa, sendo que na primeira, bem verdade há um ato negligente, imprudente ou que se agiu
com imperícia, involuntariamente praticado, fator preponderante para caracterizar sua
tipificação, neste sentido leciona Nucci (2016, p. 223-224):

concentração na análise da conduta voluntária do agente, isto é, o mais importante


na culpa é a análise do comportamento e não do resultado (...) previsibilidade, que é
a possibilidade de prever o resultado lesivo, inerente a qualquer ser humano normal.
Ausente a previsibilidade, afastada estará a culpa, pois não se exige da pessoa uma
atenção extraordinária e fora do razoável.

A modalidade culposa, não se enquadra aos crimes a serem julgados pelo Tribunal do
Júri, isto porque é fruto de uma negligência, imprudência ou imperícia, fatores que excluem o
elemento motivador e voluntário da conduta, não havendo uma motivação que seja oriunda de
uma vontade a consumação do ato, esta tipicidade é julgada pelo procedimento comum da
Ação Penal, sendo analisado pelo juízo singular que decidirá sobre o caso concreto.
No que se refere aos crimes dolosos contra a vida, estes possuem peculiaridades, seja
por sua gravida, seja pelo modo em que o ordenamento jurídico lhe introduz, pois consiste em
crimes graves os quais geram repulsa social, devido ao fato de visarem a destruição do bem
jurídico tutelado mais bem protegido.
Neste sentido, a ciência do agente em consumir ou tentar a conduta, transfere a
tipificação penal uma gravidade em sua punição, havendo assim um agravamento na pena, se
comparada a condutas meramente culposas, não intencionais, tal fato se dá também, pela
composição de quem o julgará, cabendo ao júri popular (representante da sociedade), em
decidir pela condenação ou absolvição do acusado, como os demais elementos constituídos
em um julgamento.
Verifica-se, por exemplo, a diferença das penas em casos de homicídio simples doloso
(pena – reclusão, de seis a vinte anos), para a modalidade simples culposa (pena – detenção,
26

de um a três anos).
Não apenas o tempo de condenação se altera, mas também a forma a qual o indivíduo
iniciará seu cumprimento de pena (pena de detenção: poderá ser cumprido em regime
semiaberto ou aberto; pena de reclusão: regime inicial obrigatoriamente fechado).

3.3 DA MOTIVAÇÃO DOS HOMICÍDIOS DOLOSOS E SUA MODALIDADE SIMPLES

Previsto no Código Penal em seu artigo 121, possui esta tipificação penal
peculiaridades e elementos que o fazem ser único e estarem inseridos em um escopo de
crimes dos quais possuem penas e procedimentos especiais. O referido artigo possui a redação
seguinte:

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
I - mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
II - por motivo futil;
III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio
insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum;
IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que
dificulte ou torne impossivel a defesa do ofendido;
V - para assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou vantagem de outro
crime:
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.

Feminicídio (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)


VI - contra a mulher por razões da condição de sexo feminino: (Incluído pela Lei nº
13.104, de 2015)
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição
Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública,
no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro
ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição: (Incluído pela
Lei nº 13.142, de 2015)
VIII - com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido:(Incluído pela Lei
nº 13.964, de 2019) (Vigência)
Pena - reclusão, de doze a trinta anos.
§ 2o-A Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime
envolve: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - violência doméstica e familiar; (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher. (Incluído pela Lei nº
13.104, de 2015)
27

Homicídio culposo
§ 3º Se o homicídio é culposo: (Vide Lei nº 4.611, de 1965)
Pena - detenção, de um a três anos.

Aumento de pena
§ 4o No homicídio culposo, a pena é aumentada de 1/3 (um terço), se o crime resulta
de inobservância de regra técnica de profissão, arte ou ofício, ou se o agente deixa
de prestar imediato socorro à vítima, não procura diminuir as conseqüências do seu
ato, ou foge para evitar prisão em flagrante. Sendo doloso o homicídio, a pena é
aumentada de 1/3 (um terço) se o crime é praticado contra pessoa menor de 14
(quatorze) ou maior de 60 (sessenta) anos. (Redação dada pela Lei nº 10.741, de
2003)
§ 5º - Na hipótese de homicídio culposo, o juiz poderá deixar de aplicar a pena, se as
conseqüências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a
sanção penal se torne desnecessária. (Incluído pela Lei nº 6.416, de 24.5.1977)
§ 6o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime for praticado por
milícia privada, sob o pretexto de prestação de serviço de segurança, ou por grupo
de extermínio. (Incluído pela Lei nº 12.720, de 2012)
§ 7o A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime
for praticado: (Incluído pela Lei nº 13.104, de 2015)
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto; (Incluído pela Lei
nº 13.104, de 2015)
II - contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos, com
deficiência ou portadora de doenças degenerativas que acarretem condição limitante
ou de vulnerabilidade física ou mental; (Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
III - na presença física ou virtual de descendente ou de ascendente da vítima;
(Redação dada pela Lei nº 13.771, de 2018)
IV - em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas nos incisos I,
II e III do caput do art. 22 da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006. (Incluído pela
Lei nº 13.771, de 2018). (BRASIL, 1941)

No sentido etimológico homicídio vem do latim:

Homicídio – do latim homicidium, proveniente da junção das palavras hominis,


“homem”, e excidium, “matar” – consiste no ato de uma pessoa matar outra. Em
outras palavras, é morte, destruição, eliminação ou ocisão da vida de um ser
humano, por parte de outro. De forma mais precisa, cuida-se da injusta eliminação
da vida humana extrauterina. (SOUZA, 2018, p. 569 apud NUCCI, 2018, p. 569)

Sobre esta tipificação trata Nucci (2018, p. 78) “é a supressão da vida de um ser
humano causada por outro. Constituindo a vida o bem mais precioso que o homem possui,
trata- se de um dos mais graves crimes existentes nas legislações penais”.
Visa, portanto, cercear a vida humana extrauterina, podendo ser caracterizado como
um crime simples doutrinariamente, pois o bem jurídico a ser protegido e tutelado desta
tipicidade penal é único. Além do mais, torna-se comum, na medida que é praticado por
qualquer pessoa, ao contrário dos crimes os quais são caracterizados como próprios, como por
exemplo o crime de aborto que exige que o agente seja alguém específico para a conduta
(artigo 126, Código Penal), no caso a genitora.
Há também uma consumação instantânea em seu ato (exclua-se a forma tentada),
28

sendo necessário a confirmação da morte por meio de laudo de exame necroscópico assinado
por legista constatando a ausência de atividade encefálica da vítima (Lei nº 9.434/97, artigo
3º).
Ainda conforme Nucci (2018) a vida do ser humano tornou-se o primeiro bem jurídico
tutelado na história da sociedade, antes dos demais, tratando-se do ponto de vista cronológico,
tendo que ser estudado além da conduta propriamente dita, mas também as motivações que
levam o indivíduo a desestabilizar a vida em coletividade, conhecer profundamente os
defeitos e imperfeições da personalidade.
Na modalidade dolosa torna-se mais evidente este desvio de conduta social,
evidenciado pelo homicida estar em uma condição racional e coesa com suas próprias razões,
mesmo sendo elas contrárias ao que a sociedade visa como ações positivas e cobertas de
moralidade.
A expressa vontade e consciência humana, caracteriza-se como elemento para o
homicídio doloso, mas ressalta Bitencourt (2012, p. 117): “Na verdade, não basta que essa
“consciência” seja potencial, como ocorre na culpabilidade, mas, tratando-se do elemento
intelectual do dolo, deve ser atual, isto é, deve estar presente no momento da ação, quando ela
está sendo realizada”.
Agindo de forma consciente a prática do homicídio doloso, difere-se dos casos os
quais o indivíduo possui uma incapacidade total ou que não haja autodeterminação em suas
ações, apesar de agir de forma dolosa, ainda é uma conduta cometida por uma irregularidade
mental.
De forma majoritária é compreendido pela doutrina que o crime doloso não é baseado
de forma exclusiva na intenção, mas sim principalmente no que se refere a consciência e
vontade de realizar a conduta, fazendo-se necessário saber o que faz e querer realizar o ato
(MARTINELLI; BEM, 2018).
Não basta configurar a vontade e o querer do agente, também deve-se verificar que o
indivíduo não se desvinculou em momento algum para evitar o resultado desejado, seja neste
caso o homicídio pretendido, agindo por uma decisão do homicida: “O conceito de decisão,
como todos os conceitos jurídicos, não deve ser valorado com mero fenômeno psicológico,
mas sim conforme parâmetros 9 normativos; estamos diante, portanto, e como ele mesmo
reconhece, de um normativismo volitivo” (ROXIN, 1964, p. 449 apud VIANA, 2017, p. 139).
Destarte, Roxin (1964 apud VIANA, 2017) disserta que a escolha é fundamental para
o resultado, fruto de uma decisão tomada pelo agente que possui discernimento de seus atos
vindo a praticá-los ou deixa de praticá-los em prol de um resultado aparente, no qual seja
29

ceifar a vida humana.


Leva-se em consideração inúmeros critérios que surgem juntamente com quem
cometeu o ato delituoso, sendo um deles a consciência e a vontade do agente. Portanto, estudo
de caso torna-se crucial para que seja possível traçar um perfil predominante das motivações
que geraram a conduta.
Diante deste cenário, deve-se ainda verificar nas decisões judiciais a figura da
motivação como elemento crucial para a condenação ou absolvição do agente, tendo em vista,
que será aprofundado casos concretos os quais as circunstâncias em que o sujeito ativo está
inserido foi crucial para a causa-efeito da decisão, in verbis:

RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. TRIBUNAL DO JÚRI. HOMICÍDIO


DUPLAMENTE QUALIFICADO (ART. 121, 2º, I E IV, DO CÓDIGO PENAL).
DECISÃO DE PRONÚNCIA. IRRESIGNAÇÃO DA DEFESA. PEDIDO DE
IMPRONÚNCIA. ALEGADA FALTA DE INDÍCIOS SUFICIENTES DA
AUTORIA. DECISÃO QUE NÃO EXIGE PROVA PLENA. SIMPLES JUÍZO DE
ADMISSIBILIDADE DA ACUSAÇÃO. PROVA DA MATERIALIDADE E
INDÍCIOS SUFICIENTES DE AUTORIA PRESENTES. PRETENSÃO
INCABÍVEL. Havendo prova da materialidade e indícios suficientes acerca da
participação do recorrente no crime doloso contra a vida, não há espaço para a
decisão de impronúncia, sob pena de subversão à competência constitucional do
Tribunal do Júri. PLEITO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS.
IMPOSSIBILIDADE. CONJUNTO PROBATÓRIO QUE NÃO PERMITE
REPUTÁ-LAS MANIFESTAMENTE IMPROCEDENTES. DELITO, EM TESE,
MOTIVADO POR RIVALIDADE ENTRE FACÇÕES CRIMINOSAS.
CIRCUNSTÂNCIA CAPAZ DE CONFIGURAR A MOTIVAÇÃO TORPE.
RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. OFENDIDO QUE FOI
ATRAÍDO AO LOCAL DO CRIME E ATINGIDO, DE INOPINO, COM TIROS À
"QUEIMA-ROUPA". DESCARTE DAS QUALIFICADORAS IMPOSSÍVEL
NESTA FASE. PRONÚNCIA INTEGRALMENTE MANTIDA. (...). (SANTA
CATARINA, 2021 – grifou-se.).

Inúmeras podem ser as causas de ceifar a vida humana pelo indivíduo e quando se
trata da circunstância com dolo no homicídio simples, pode-se entender, que há nesta razões e
consequências que levam a cometer tal crime.
Advento disso, por se tratar de crime comum, ou seja, praticado por qualquer pessoa,
não havendo uma qualificação do agente tipicamente prevista na legislação penal,
distanciando daquelas dos quais há previsão de agravamento da pena, como o homicídio
qualificado, por exemplo.
Infinitas podem ser também a figura do sujeito passivo da conduta desde que esteja
vivo, afastando-se novamente daquelas tipificações exclusivas que a legislação estabelece,
como o feminicídio, por exemplo, anteriormente mencionado.
Cumpre esclarecer a inserção de uma conduta dolosa a qual se assume o risco na
produção do resultado morte, podendo ser do dolo direto propriamente dito, mas também de
30

um dolo eventual, assim lesionam Gueiros (2018, p. 236):

No dolo eventual, o agente prevê o resultado como provável ou, ao menos, como
possível, mas, apesar de prevê-lo, age aceitando o risco de produzi-lo, demonstrando
indiferença em relação a ele. A consciência e a vontade, que representam a essência
do dolo, também devem estar presentes no dolo eventual.

A conduta doloso do homicídio, traz consigo sua punição prevista, porém necessitou o
legislador de outras circunstâncias e qualificadoras para preencherem condutas praticadas em
determinados casos e ações específicas, preenchendo lacunas como as agravantes, atenuantes,
qualificadoras e causas de absolvição para uma melhor aplicabilidade nos casos concretos.

3.3.1 Da motivação do homicídio privilegiado

Está diretamente ligado o homicídio privilegiado a condição mental do agente, isto


porque, quando se trata de um homicídio privilegiado o indivíduo está agindo sobre
circunstâncias psicológicas, sejam elas uma emoção violenta (violenta emoção), compaixão,
desespero, relevante valor social, injusta provocação da vítima ou até mesmo uma condição
ética e moral.
Há necessidade de que haja um forte valor moral atribuído e aceito pela sociedade,
para que seja classificado para tal forma, ou uma injusta provocação da vítima que
desestabiliza a conduta do agente levando-o a praticar um ato que em condições normais não
seria a ele atribuído.
Assim, do contrário das penas prevista na modalidade qualificadora, na privilegiada há
uma diminuição da pena (redução de 1/6 a 1/3), em todas as hipóteses previstas, sendo estas
de natureza subjetiva, ou seja, interferem diretamente na motivação do agente em se cometer
o homicídio e depende do seu julgamento, que levará em consideração a votação do júri
respeitando sua decisão.
Será causa de diminuição da pena prevista no artigo 121, § 1º ou atenuante artigo 65,
inciso III alínea “a” do Código Penal, não cabendo a aplicação conjunta em conformidade ao
bis in idem. Na primeira espera-se que o agente tenha uma reação instantânea e imediata a
injusta agressão, por outro lado, nas causas atenuantes a influência por parte da vítima é papel
fundamental para a conduta, que embora possa haver resistência a cometeu.

Homicídio simples
Art. 121. Matar alguem:
31

Pena - reclusão, de seis a vinte anos.

Caso de diminuição de pena


§ 1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou
moral, ou sob o domínio de violenta emoção, logo em seguida a injusta provocação
da vítima, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.

Circunstâncias atenuantes
Art. 65 - São circunstâncias que sempre atenuam a pena: (Redação dada pela Lei nº
7.209, de 11.7.1984)
I - ser o agente menor de 21 (vinte e um), na data do fato, ou maior de 70 (setenta)
anos, na data da sentença; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
II- o desconhecimento da lei; (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
III - ter o agente:(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)
a) cometido o crime por motivo de relevante valor social ou moral;
b) procurado, por sua espontânea vontade e com eficiência, logo após o crime,
evitar-lhe ou minorar-lhe as conseqüências, ou ter, antes do julgamento, reparado o
dano;
c) cometido o crime sob coação a que podia resistir, ou em cumprimento de ordem
de autoridade superior, ou sob a influência de violenta emoção, provocada por ato
injusto da vítima;
d) confessado espontaneamente, perante a autoridade, a autoria do crime;
e) cometido o crime sob a influência de multidão em tumulto, se não o provocou.
(BRASIL, 1941)

Ainda, existem casos em que não se enquadrará a modalidade privilegiada, por


exemplo, homicídio mercenário (homicídio qualificado por motivo torpe consistente na paga
ou na promessa de recompensa art. 121, § 2 o , I, do CP), no caso exemplificado do qual um
pai contrata terceiro para executar individuo acusado de estuprar sua primogênita, sobre o
tema lesiona Gustavo Junqueira e Patricia Vanzolini (2021, p. 624):

Nesses casos, a circunstância prevista no art. 121, § 2 o , I, do CP não será


transmitida, por óbvio, ao mandante, em razão da incompatibilidade da qualificadora
do motivo torpe com o crime privilegiado, de modo que apenas o executor do delito
(que recebeu a paga ou a promessa de recompensa) responde pela qualificadora do
motivo torpe. Entretanto, apesar de a “paga ou promessa de recompensa” (art. 121, §
2 o , I, do CP) não ser elementar, mas sim circunstância de caráter pessoal do delito
de homicídio, sendo, portanto, incomunicável automaticamente a coautores do
homicídio, conforme o art. 30 do CP (REsp 467.810/SP, Quinta Turma, DJ 19-12-
2003), poderá o mandante responder por homicídio qualificado pelo motivo torpe
caso o motivo que o tenha levado a empreitar o óbito alheio seja abjeto, desprezível
ou repugnante.

Analisando o caso em tela exemplificado responderá pelo homicídio privilegiado o


mandante do homicídio, porém o executor responderá por motivo torpe, com conceituação
doutrinária própria conforme será abordado.
Pode-se então concluir neste sentido que dependerá do caso concreto, bem como as
circunstâncias do crime, fatos narrados e o contexto o qual fora consumido para que seja
possível traçar um parâmetro para a hipótese de um homicídio privilegiado propriamente dito,
32

sendo um elemento usual para de defesa do acusado.


Destaca-se também que se difere de uma conduta caracterizada como legitima defesa,
prevista no artigo 25 do Código Penal:

Legítima defesa
Art. 25 - Entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios
necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem.
(Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) (Vide ADPF 779) (BRASIL, 1941)

Sobre o tema, pode-se diferenciar que a legítima defesa é promovida através de uma
ação coberta de licitude, ou seja, responde a injusta agressão dentro da legalidade. Fator este,
não se observa na conduta privilegiada, que agindo com razões próprias, o indivíduo recorre a
ilicitude da conduta, com meios e circunstâncias que eventualmente poderiam ser evitados.
Há também de se mencionar sua modalidade qualificadora, neste sentido, torna-se
indispensável que as qualificadoras da conduta delituosa, sejam de natureza objetiva.
Embora o homicídio privilegiado seja de natureza subjetiva do agente (motivação),
ocorre duas exceções das quais a qualificadora torna-se objetiva, sendo elas: por meio cruel e
meio insidioso.

Homicídio qualificado
§ 2° Se o homicídio é cometido:
- mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe;
- por motivo futil;
- com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso
ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; (grifou-se) (BRASIL, 1941)

Entende-se como meio insidioso uma conduta ardilosa do agente, empregando veneno
e sendo camuflada sua ação. Quanto ao meio cruel, gera um sofrimento a vítima, um
homicídio agônico, podendo ser, emprego de fogo, veneno, tortura e asfixia, resultando em
um sofrimento atroz (NUCCI, 2016, p. 603).

3.3.2 Do motivo de relevante valor social versus valor moral

No que se refere a um homicídio cometido em razão de um interesse coletivo que visa


proteger seus interesses, apresenta-se como uma motivação de relevante valor social, um
interesse de uma coletividade. Junqueira e Vanzolini (2021, p. 806):

Tem motivo de relevante valor social a conduta praticada em face de um interesse


comunitário, ou seja, o fato não é praticado para satisfazer interesse de seu autor,
33

mas, sim, o interesse de uma coletividade. Nesse caso, ao contrário do gozo dos
prazeres da infração, o agente se coloca na posição de sacrifício, eis que sofrerá as
sanções da pena sem desfrutar de eventuais benefícios do ilícito, que restarão para a
comunidade que ele quis beneficiar

Por outro lado, distingue-se da motivação moral, sendo esta defensora da moralidade
de um grupo de indivíduos ou dele propriamente dito, um interesse íntimo do qual o
particular age por suas próprias razões das quais foram lesadas, Nucci (2019, p. 94): “No
caso do relevante valor moral, o interesse em questão leva em conta sentimento de ordem
pessoal. Ex.: agressão (ou morte) desfechada pelo pai contra o estuprador da filha”.
Observa-se que em ambos os casos o agente age no intuito de acreditar estar fazendo
um ato justificável, mesmo o Estado ser o detentor do caráter punitivo, este resguarda a
diminuição da pena nas modalidades supramencionadas, sendo a infringência da lei penal uma
conduta ilícita, porém revestida de relevância, seja social ou moral.
Portanto, traz como consequência jurídica a diminuição da pena, podendo o juiz
reduzir de um 1/6 a um 1/3, conforme preceitua artigo 121, § 1º do Código Penal.

3.3.3 Do motivo fútil versus motivo torpe

De antemão, destaca-se os casos dos quais a motivação se torna fator insignificante


para o agente cometer tal ato ilícito, tendo em vista, que suas razões não estão diretamente
atreladas uma ação proporcional a praticada, tampouco uma reação que lhe configure uma
causa justa.
Não há no caso de um homicídio por motivo fútil, moralidade entrelaçada ao agente,
pois age de forma espontânea inferindo a ele maior culpabilidade pelo seu ato, maior
perversidade, não havendo sua justificativa, Fragoso (1982, p. 345): “Essa desproporção a que
aludimos tem sido salientada por diversos julgados (...). É fútil o motivo incapaz de dar ao
fato explicação razoável”.
Deve-se analisar o caso concreto para determinar a inserção da motivação fútil, pois é
justamente pela falta de motivos que se configura esta hipótese, ou seja, o agente age de
maneira da qual não há motivos que justificassem sua ilicitude.
Entretanto, não se pode confundir a ausência de motivação pela falta de conhecimento
desta, desconhecendo-a não se enquadra em uma verdadeira insignificância do crime
cometido, estando configurada uma injusta imputação delituosa (NUCCI, 2019, p. 114).
Ao motivo torpe sua palavra origina-se – do latim turpis – advém do homicídio do
34

qual a uma repulsa pela coletividade, de um ato desprezível, vexatório, de repulsa moral. Esta
qualificadora prevê como uma de suas hipóteses o homicídio praticado mediante paga ou
promessa de recompensa, sobre o tema tratam Gueiros e Japiassíu (2018, p. 580): “Nesses
termos, matar por dinheiro – o chamado crime mercenário ou assassinato – é homicídio torpe
por excelência. Isso porque, em tais circunstâncias, o agente não tem motivos para querer a
morte da vítima, matando-a apenas em função de vantagem pessoal”.
Há neste caso, uma motivação, diferente do motivo fútil, mesmo que esta seja por
razões pouco louváveis de se ter, exemplificada pela própria legislação penal, no que se
referente ao pagamento ou promessa para execução de uma assassinato mandado.
Por se tratar de duas modalidade de homicídio qualificado, a futilidade e o motivo
torpe do crime estão previstos nos parâmetros fixados no art. 121, § 2º, incisos I e II, do CP,
com um agravamento da pena, podendo esta ser de reclusão de doze a trinta anos.

3.4 FEMINICÍDIO: ORIGEM HISTÓRICA, RELEVÂNCIA E ALTERAÇÃO PENAL

Entrou em vigor em março de 2015 a lei nº 13.104/15, que tipificou e estabeleceu no


crime de feminicídio circunstâncias qualificadoras, incluindo-o inclusive naqueles previstos
na lei de Crimes Hediondos (Lei 8.072/90).
O conceito do crime enquadrar-se em tal tipicidade leva em consideração o assassinato
envolver violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher
da vítima, fato este que antes era analisado pela legislação como fato genérico ao crime de
homicídio propriamente dito.
Em uma análise macro a sociedade brasileira, tem-se a criação da lei como um amparo
estatal ao gênero mulher, que ao longo de sua história sofreu preconceitos, discriminação e
violência em ambiente familiar/social, ganhando força anteriormente com a criação da lei nº
11.340/06, Lei Maria da Penha, que se trata exclusivamente da lesão corporal contra a mulher,
dentro do lar, havendo sua qualificação por tal ato lesivo.
Segundo Russell:

da desigualdade de poder entre homens e mulheres, que confere aos primeiros o


senso de entitlement – a crença de que lhes é assegurado o direito de dominação nas
relações com as mulheres tanto no âmbito da intimidade quanto na vida pública
social – que, por sua vez, autoriza o uso da violência, inclusive a leta, para fazer
valer a sua vontade sobre elas. (MENEGHEL; PORTELLA 2017, p. 02)

Advindo de ser uma espécie de homicídio, não se torna pouco importante sua análise
35

nos casos apresentados, o crime de feminicídio possui sua relevância e merece seu estudo de
caso. A condição de vulnerabilidade da vítima, destacou-se com o advento da legislação penal
vigente, porém deve-se conter e destacar sua motivação, conforme será abordado.
Este trabalho enfatizar esta tipificação penal, faz com que se analise também as razões
e motivações que levam o indivíduo a praticar tal conduta delituosa em um ambiente mais
próximo a realidade regional do estudo acadêmico.
Segundo o Bueno (2021): “Apenas entre março de 2020, mês que marca o início da
pandemia de covid-19 no país, e dezembro de 2021, último mês de dados disponíveis, foram
2.451 feminicídios”.
A inclusão desta nova legislação trouxe ao Brasil, a recepção desta tipificação penal
em concordância aos tratados e convenções internacionais de direitos humanos o qual o país é
signatário, havendo sua inclusão anuência também as garantias e direitos fundamentais
previstos no artigo 5ª na Constituição Federal.
Com o advento de sua tipificação penal explicita na legislação penal, ganhou ênfase o
feminicídio como o ato de assinar alguém por seu gênero “mulher”, anteriormente de sua
vigência, enquadrava-se a uma conduta ao crime genérico de homicídio prevista no artigo 121
do Código Penal na expressão “matar alguém”, sobre o tema Nucci (2016, p. 605):

O termo “alguém” envolve o homem e a mulher, em suma, o ser humano, pouco


importando a sua condição sexual, idade, posição social etc. Viu-se o legislador
conduzido a fundamentar a opção normativa de uma nova qualificadora na esteira
nítida de conferir maior proteção à mulher, por ser do sexo feminino, vale dizer, a
pessoa que, em virtude de sua inferioridade de força física, de sua subjugação
cultural, de sua dependência econômica, de sua redução à condição de serviçal do
homem (seja marido, companheiro, namorado), é a parte fraca do relacionamento
doméstico ou familiar.

Nesta tipificação penal, deixou-se de se focar nas motivações que levaram o conjugue,
companheiro ou homem a utilizar-se do assassinato consumado ou tentado, passando a ótica
na proteção da condição do sexo feminino como um todo, excluindo como homicídio
qualificado por motivo torpe, fútil, ou em razão da dificuldade de defesa da vítima.
Fato este também punível nas relações homoafetivas, decorrendo de ato de uma
mulher assassinar a outra em razão da disparidade de força entre elas, adotando-se também a
condição típica de feminicídio.
Além disso, embora a pena seja a mesma do homicídio qualificado (reclusão de doze a
trinta anos) a criação de tipificação própria trouxe ao feminicídio precisão no rol taxativo de
crimes hediondos puníveis no Brasil, crimes os quais possuem natureza de extrema gravidade
36

na legislação penal vigente e com características próprias tratadas neste trabalho acadêmico.

3.4.1 Razões dos crimes de feminicídio

Inserido de forma taxativa no rol apresentado do artigo 121, § 2º, VI do Código Penal,
o feminicídio decorre da motivação “por razões da condição de sexo feminino”, ganhou-se
destaque e abrangeu todo um gênero o qual a séculos sofreu perseguição e discriminação.
Tal condição está prevista nas hipóteses dos incisos I e II do artigo supramencionado
“violência doméstica e familiar; e menosprezo ou discriminação à condição da mulher.
Diferente das demais modalidades motivadoras, o feminicídio possuí um caráter
simplificativo e subjetivo, havendo de se tratar de uma alteração relativamente recente na
legislação penal, o que se observa é a grande quantidade de casos que ainda ocorrem nos
últimos anos, afirma Biachini (2016, p. 14):

A qualificadora do feminicídio é nitidamente subjetiva.(...) Em motivações


equivalentes a essa há uma ofensa à condição de sexo feminino. O sujeito mata em
razão da condição do sexo feminino, ou do feminino exercendo, a seu gosto, um
modo de ser feminino. Em razão disso, ou seja, em decorrência unicamente disso.

Neste sentido verifica-se que analisando caso concreto pode-se verificar um


diagnóstico das motivações subjetivas levam o indivíduo a praticar e consumir tal ato,
conforme pesquisa realizada pelo Ministério Público de São Paulo em 2018:

Entre os 364 processos analisados pelo Ministério Público do Estado de São Paulo
no estudo Raio-X do Feminicídio, 240 tratavam de feminicídio íntimo, ou seja,
cometido por namorado, marido ou ex. A principal motivação para o crime é o
inconformismo com a separação (45%), seguida de ciúmes/posse/machismo (30%).
(INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO, 2018)

Portanto, no caso em tela a motivação do feminicídio se baseia no gênero feminino,


tendo seu caráter subjetivo, do qual passa o agente, e não os meios empregados ou a forma da
qual se passa a cometer o ato delituoso.

3.4.2 Violência doméstica e familiar contra a mulher

Anteriormente, com o advento da Lei nº 11.340/06 também conhecida como “Lei


Maria da Penha” trouxe o conceito de “violência doméstica e familiar”, conforme dispõe em
seu artigo 5º:
37

Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher
qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento
físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. (BRASIL, 2006)

Tal definição possibilitou surgir no ordenamento jurídico brasileiro a questão da


análise das razões por traz da violência ocorrida contra a mulher, sendo esta, fator primordial
para caracterizar sua qualificadora. Trazendo também os tipos de violência que a englobam de
forma expressa, dentre outras que podem ser caracterizadas pela força da expressão “dentre
outros” prevista em seu artigo 7º.
Muito embora, seu surgimento deu ênfase a violência ocorrida contra o gênero, ainda
estava condicionada a violência ocorrida em âmbito doméstico exclusivamente, não havendo
uma qualificação sobre a condição da mulher do gênero feminino como um todo. Bianchini
(2016, p. 4):

Com essas informações, podemos concluir que se pode ter uma violência ocorrida
no âmbito doméstico que envolva, inclusive, uma relação familiar (violência do
marido contra a mulher dentro do lar do casal, por exemplo), mas que não configure
uma violência doméstica e familiar por razões da condição de sexo feminino (Ex.
marido que mata a mulher por questões vinculadas ao consumo de drogas).

A especificação das normas, trouxe maior possibilidade de amparo as vítimas de


gênero, sobretudo ao gênero feminino, trazendo um caráter de punibilidade somados ao
processo de transformação social com a inclusão da “Lei Maria da Penha” e posteriormente a
de “Lei do Feminicídio”.

3.4.3 Menosprezo à condição de mulher

Desdenhar, completa indiferença em relação a; falta de consideração por; são algumas


das definições de menosprezo, que tratando-se do feminicídio, são voltados a tentativa ou
consumação de um assassinato contra a vítima do sexo feminino.
Esta hipótese de feminicídio disserta sobre o aspecto psicológico do agente quanto a
possibilidade de efetivação do crime, tendo em vista, não haver nenhuma empatia ou questões
que o impeça de praticar os meios necessários para se concretizar seu objetivo que é o
assassinato contra a mulher.
Neste sentido, por haver uma desvalorização da vítima em relação ao agente, este
pode- se imaginar em uma situação de superioridade, trazendo a expressão “menosprezo”
maior enfoque na questão da condição da vítima pela questão de gênero aqui mencionada.
38

4 DA ANÁLISE DA MOTIVAÇÃO E SUAS CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS


CRIMES JULGADOS PELO TRIBUNAL DO JÚRI DA COMARCA DE TUBARÃO
NO PERÍODO ENTRE JANEIRO/2017 A DEZEMBRO/2021.

Compulsando-se o presente estudo, pode-se identificar do período entre janeiro/2017 a


dezembro/2021 cinquenta e dois processos julgados pelo Tribunal do Júri no período de cinco
anos, com acesso e análise dos processos através da visita in loco ao Cartório da 2ª Vara
Criminal da Comarca de Tubarão/SC.
Desta forma, houve a separação dos julgados em tópicos que serão abordados de
forma dissertativa pela ótica aqui apontada por parte deste acadêmico.

4.1 DOS CRIMES DE HOMICÍDIO DOLOSO E FEMINICÍDIO

Em primazia, cumpre esclarecer os elementos que compõe o julgamento do Tribunal


do Júri. Composto pelo juiz de direito o qual preside a sessão conduzindo-a, havendo vinte e
cinco jurados sorteados que constituem a função de analisar o cabimento ou não da existência
do fato criminoso, por meio de quesitos formulados sobre o crime, fato e circunstâncias ditas
como essenciais ao julgamento.
Desta forma, o júri determina sobre a materialidade da conduta, autoria e julga pela
absolvição, condenação, diminuição de pena, atenuantes, agravantes e qualificadoras do
crime, tais jurados nomeia-se e constituem o conselho de sentença.
Quanto aos casos observados verificou-se uma grande parcela de homicídios tentados,
observando que destes, sua grande maioria foi ocasionada por condutas vinculadas a acidentes
de trânsitos, dos quais ao serem julgados pelo júri popular, equiparou-se a condutas culposas,
quando não há intenção (dolo) de ocasionar o evento ocorrido, havendo tanto a condenação
mais branda se comparada a qualificadora dolosa, quanto a absolvições.
Cumpre esclarecer que não há, entretanto, homogeneidade de casos, havendo o fator
motivação um papel de acrescentar na decisão que o conselho fixar sendo necessário analisar
o processo como um todo para a investigação e conclusão deste estudo.

4.1.1 Características predominante da motivação dos homicídios dolosos

É de se observar como um fator crucial o contexto social os quais os indivíduos


acusados dos crimes dolosos estavam inseridos. Tal aspecto despertou a conclusão deste
39

acadêmico que grande parte dos crimes dolosos cometidos foram em bairros periféricos e em
regiões das quais o poder público carece de amparo a qualidade de vida daqueles que lá
residem.
Tal fator, constata-se ao analisar que a maioria dos crimes dolosos foram realizados
em condutas decorrentes do tráfico de drogas, conflito entre organizações criminosas
(facções) ou de indivíduos que já pertencem a determinados grupos e possuem antecedentes
criminais neste contexto o qual está inserido.
A localidade onde ocorreram os crimes, demonstra uma reincidências nos locais
denominados popularmente de “Área Verde” e “Beco da Valdete”, onde a questão do tráfico
de drogas ramificou-se a outras formas de delitos, sendo nestes caso, homicídios, com
destaque aqueles oriundos da utilização de arma de fogo, fator decorrente entre conflitos deste
meio.
Quanto as motivações propriamente ditas pode-se classificá-las como: motivo torpe,
fútil, privilegiado (violenta emoção), das mais variadas formas e meios encontrados, havendo
prevalência e destaque naqueles o qual o júri considerou motivo torpe como razão para
condenação do acusado de homicídio correspondendo a 40,70% dos casos analisados.
As razões decorrentes de motivação fútil corresponderam a 33,33% dos casos, sendo
que foram aquelas com as mais variáveis circunstâncias, seja por circunstâncias decorrentes
de discussão de relacionamento amoroso (não enquadradas como feminicídio), desavenças de
brigas de trânsito, conflito em unidade prisional, que ocasionaram no cerceamento da vida.
Isto porque o destempero do homicida na prática do crime é instantâneo, podendo ocorrer
dada a falta de limite em suas ações.
Fruto das motivações ocasionadas por violenta emoção corresponderam a 14,81% dos
homicídios, constata-se uma predominância aquelas vindas de relacionamentos amorosos.
Neste caso, o fator discussão e rompimento da relação conduz o agente a praticar o ato
decorrente de uma injusta agressão da vítima, ocasionadas em situações os quais os
indivíduos de forma imediata e instantânea praticam o crime, não havendo contextualização
que corroborasse para um contexto mais amplo. Assim, as razões por trás destes assassinatos
foram em sua maioria questões relacionadas a discussões calorosas em suas circunstâncias
diversas, desde briga em festa, desavença de moradores em situação de rua e indivíduos
usuários de drogas.
Neste sentido, no julgamento em plenária houve por parte da defesa uma insistência
em utilizar-se da questão do homicídio privilegiado, como causa da atitude homicida, visto
que, neste caso sua condenação reduz a pena, se comparada aos casos de motivação fútil ou
40

torpe, por exemplo.


Conclua-se que predominantemente o motivo torpe foi a decisão que o tribunal do júri
determinou como as razões que levaram o agente a cometer a conduta moralmente reprovável
pela sociedade, podendo se destacar questões que envolvem o tráfico de drogas e conflito
entre organizações criminosas.

4.1.2 Característica predominante da motivação dos feminicídios

Do contexto apresentado aos crimes de feminicídios pode-se concluir que todos os


crimes analisados foram relacionados a questão do rompimento do relacionamento amoroso,
fator este, predominante para que haja a tentativa ou a consumação do homicídio.
Por se tratar de um critério relacionado ao gênero feminino como vítima exclusiva,
torna-se tua contextualização conflituosa quando se analisa homicídios dolosos decorrentes de
uma relação amorosa, porém com razões relacionadas a motivações fúteis ou praticada por
violência emoção.
Isto porque, tipificar o feminicídio, leva em consideração o critério que a vítima seja
do gênero feminino e sua condição em relação ao homicida seja abusiva e envolvida em uma
ótica a qual esteja em uma condição de inferioridade, bem como vulnerabilidade, tendo em
vista que, neste caso o acusado esteja em um estado psicologico o qual torna-se detentor da
vítima para que ocorra o crime.
Inserido a um histórico de violência que em grande parte dos casos, já havia por parte
do acusado, de uma relação familiar conturbada, machismo estrutural e negação pelo fim da
relação amorosa identificando uma relação de domínio sobre as vítimas.
Destaca-se também casos em que o tempo da relação amorosa independe para a ação,
havendo aquelas que já haviam constituído uma família, como tendo filhos, por exemplo,
como também relações amorosas de poucos anos, ou meses.
Observa-se que houve também a modalidade tentada, identificando uma conduta além
daquela apresentada em relação a violência doméstica no contexto da Lei Maria da Penha.
Apesar do feminicídio estar interligado em muitos casos com histórico de violência
contra a mulher em um contexto domiciliar, a predominância que o júri concluiu dos casos
observados trata-se da condição da mulher em relação ao sexo feminino em 100% dos casos,
ressaltando que embora obtivesse aqui questões de relações amorosas, a consumação do
assassinato é muitas vezes posterior ao relacionamento que de insustentável é rompido.
O histórico de violência doméstica evidencia muitas vezes a tragédia que está prestes a
41

acontecer, em casos os quais o indivíduo já possua um histórico violento e uma ficha criminal
com antecedentes ou reincidência na prática delituosa.

4.2 ASPECTOS E CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DOS CRIMES ANALISADOS

Quando se observa uma decisão relacionada ao Tribunal do Júri é verificado os


elementos que compõe seu julgamento, seja pela condenação do acusado, seja por sua
absolvição.
Após a instrução processual, apresenta-se a composição dos quesitos para a fixação da
pena com base no julgamento proferido pelo Conselho de Sentença. Diante deste fato, são
expostos quesitos feitos pelo juiz ao júri para que seja possível formulara dosimetria da pena,
sejam eles, por exemplo: materialidade do delito; autoria ao acusado; colhimento ou não de
quesitos genéricos; reconhecimento ou não de homicídio privilegiado; qualificadoras;
motivação; atenuantes ou agravantes.
Assim, com base no caso concreto o juiz fixa a pena-base e por meio do sistema
constituido por três fases que configura a dosimetria da pena. Importante destacar que, cada
caso será abordado com base no que foi apresentado ao longo do processo e os quesitos que
foram aceitos pelo júri, não havendo assim um único elemento que seja fator preponderante
para que haja uma condenação por uma pena fixada por si só, mas sim um conjunto de
fatores.
A pena-base conforme dispõe artigo 68 do Código Penal, será fixada respeitando os
critérios estabelecidos no artigo 59 de mesmo diploma. Tais dispositivos compõe um sistema
trifásico sendo a primeira fase a observação das circunstâncias, segunda fase agravantes e
atenuantes, pôr fim a terceira fase as causas de diminuição e aumento da pena.
São analisados o modo que o homicídio ou feminicídio foram consumados ou
tentados, culpabilidade do réu em sua conduta dolosa, conduta social e personalidade do
acusado, as circunstâncias, comportamento da vítima, dentre outros.
Com base nos processos que foram analisados, verifica-se que os crimes de
homicídios relacionados a motivações torpes foram aqueles fixados com as maiores
condenações, sendo aqueles relacionados ao crime organizado compondo os de penas
maiores, muito em decorrência do concuros de crimes, dos quais houve a valoração da pena,
havendo como média aritimética das penas fixadas de dezesseis anos de reclusão.
Sobre a questão, cumpre esclarecer que as penas previstas variaram entre o mínimo de
dezoito a máixma de trinta anos de reclusão, dependendo do caso concreto. Contudo, há
42

condenações pela mesma motivação com penas mais brandas, destacando-se estas, de
individuos inseridos a facções criminosas que em uma relação conflituosa, seja por dívida,
desavenças dentro da organização, ou disputa de ponto de drogas, que acabou corroborando a
causa mortis.
Aqueles relacionados a motivos fúteis possuiram penas que variam entre o mínimo de
quinze e máximo de vinte anos de reclusão, observando que a média aritimética da pena
cuminou também em dezesseis anos de reclusão, apesar de sua menor valoração se
comparadas aos de motivação torpe.
Quanto aos homicídios privilegiados, sendo estes exclusivos de violenta emoção,
possuiram penas mínimas de dois anos e máximas de dezoito anos de reclusão, sendo a média
aritimética das penas nestes casos de oito anos reclusão.
Como parâmetro exemplificativo, também é se destacar aqueles em que na fase
inaugural estavam inseridos a uma motivação condenatória, que ao seu julgamento o júri
absolve o acusado por outros elementos apresentados, configurando em muitos casos o
entendimento pelo júri de homicídios culposos e legítima defesa.
Sobre os crimes de feminicídio, seguem a linha da motivação em razão as condições
do sexo feminino aqueles com pena-base fixada entre doze anos e trinta anos reclusão,
obtendo como média aritimética destes casos a pena de vinte e um anos de reclusão. Contexto
da violência doméstica trazida também é um fator que evidencia a condenação ao seu grau
máximo, porém está condicionada a sua tipificação penal que depende da dosimetria penal.
Muito embora esteja previsto no rol dos crimes de homicídio previstos no artigo 121
do Código Penal, foi possível ao analisar os processos julgados pelo tribunal do júri, a
importância trazida pela Lei 13.104/15 e seus efeitos na condenação do acusado, visto que,
trouxe a questão da violência contra a mulher um rol taxativo dentre aqueles previstos nos
crimes hediondos julgados pelo tribunal do júri e uma maior serenidade aos casos
apresentados.
Pode-se então frisar que o legislador ao trazer a taxatividade do homicídio decorrente
de feminicídio, traz ao júri popular a visão da sociedade possui em relação a este tipo de
crime, havendo de ser uma questão de relevante valor social, refletindo a necessidade que o
legislador obteve na criação da norma, bem como amparado aos tratados e convenções de
direitos humanos o qual o Brasil é signatário.
Quando de seus crimes, em sua maioria, houve a aplicação máxima prevista a norma,
podendo ser observado casos em que houve condenação a pena máxima prevista que é trinta
anos de reclusão.
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Isto porque, como dito anteriormente, não se pode basear a condenação bom base
exclusivamente em um único elemento, seja ele a motivação ou outro parâmetro apresentado.
Dito isso, a motivação tem seu papel crucial e está interligada a culpabilidade do
acusado com seu aspecto subjetivo, mas não se pode haver como um elemento empoderado
aos demais que devem ser observados pelo magistrado ao fixar a pena do acusado.
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5 CONCLUSÃO

A proposta do presente estudou foi de investigar os processos julgados pelo Tribunal


do Júri da Comarca de Tubarão/SC e dissertar se a motivação como elemento para fixação da
pena foi instrumento crucial para aumento, diminuição, absolvição ou condenação dos crimes
de homicídio e feminicídios cometidos ao longo dos cinco anos apresentados.
Diante desta problemática, buscou-se abordar se o elemento motivador do crime foi
fator crucial para a conduta homicida, compreendendo suas razões e a mentalidade do
acusado quanto a consumação do ato praticado ou sua modalidade tentada, coletando
informações advinda da análise dos processos julgados na Comarca de Tubarão/SC no
período entre 2017 e 2021, bem como dissertar sobre a figura do júri popular e as motivações
dos crimes previstas na legislação penal vigente.
Desta forma, obteve-se o uso de objetivos específicos como compreender e dissertar
sobre a evolução histórica do Tribunal do Júri, seus procedimentos adotados e a possibilidade
de recurso de sua decisão terminativa.
Em decorrência desta temática, se fez necessário a ligação do júri com os crimes
considerados dolosos contra a vida, também identificados como hediondos, conceituando suas
motivações e os classificando daqueles inclusos aos crimes de homicídio doloso e
feminicídios.
Entender a questão do crime impossível, fato quando há subjetividade e ausência da
conduta do crime doloso, ou seja exclua-se sua punibilidade por falta de uma ação, bem como
compreender a voluntariedade do agente na prática do crime e sua conduta, além de explicar a
diferença entre dolo direto e dolo eventual, sendo o primeiro decorrente de uma conduta
intencional quando o homicida prevê o resultado ou espera pelo mesmo, bem como o segundo
o agente não prevê um evento em específico, mas sim uma pluralidade destes que advém de
uma ação que se assume o risco.
Para isso, foi necessário entender as qualificadoras e agravantes da pena relacionadas
aos homicídios previstas nos artigos 59, 61, 62 e 68 do Código Penal, conceituando sua
utilização e aplicabilidade.
Também foi necessário entender a diferença entre as modalidades dolosas e culposas
de homicídio, visto que a dolosa se entende que há uma voluntariedade pelo agente na prática
da conduta, sendo a culposa ocasionada por negligência, imperícia ou imprudência, afastando
a competência do tribunal do júri e vinculando-o ao juízo togado.
Ao tratar da homicídio privilegiado explica-se que decorre esta motivação de uma
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violenta emoção ou até mesmo relacionado a um valor moral, resultando em uma ação que em
condições normais o agente não cometeria, neste caso sua condenação poderá ser reduzida de
1/6 a 1/3 dependendo das circunstâncias do crime, bem como a utilização do rol taxativo
previsto no artigo 65 do Código Penal das suas atenuantes.
A compreensão da diferença entre o homicídio privilegiado e a legitima defesa
prevista no artigo 25 do Código Penal, havendo de ser a primeira fruto de uma conduta ilícita
e a segunda uma conduta lícita moderada.
Houve a necessidade de explicar a divisão entre uma conduta de motivo relevante
social e sua diferença em relação a uma de valor moral, sendo a primeira relacionada um
interesse comunitário e coletivo e a segunda decorrente de um interesse próprio do agente.
Por fim, a motivação fútil e a motivação torpe, não confundindo suas conceituações,
sendo a primeira fruto de uma ação sem motivos aparentes que justificassem tal ato e a
segunda surge de uma conduta reprovável e intolerável perante a sociedade, que traz repulsa.
Cumpre salientar sobre o crime de feminicídio, sua origem histórica, relevância e
alteração na legislação penal vigente, previsto no artigo 121, § 2º, VI do Código Penal através
da lei 13.104/15 que normatizou a questão do homicídio decorrente da condição do sexo
feminino e deste pode-se extrair duas razões previstas: violência doméstica e familiar contra a
mulher e menosprezo a condição do sexo feminino.
Como dito, o legislador procurou dissecar a conduta do agente, em vários elementos
que rodeiam o crime e com base neles estabelecer os parâmetros para fixação de decisão, seja
ela condenatória ou de absolvição,
Portanto, a motivação preponderante aos crimes de homicídio foram: motivo torpe,
correspondendo a 40,70% dos casos, com penas que variam entre dezoito a trinta anos de
reclusão, com média aritimética de dezesseis anos e relação com organizações criminosas,
com ênfase no tráfico de drogas; feminicídio: motivação resultante do menozprezo a condição
do sexo feminino, correspondendo a 100% dos casos desta tipificação analisados, com penas
que variam entre doze a trinta anos de reclusão, com média aritimética correspondente a vinte
um anos de reclusão, frutos de desavenças de relacionamento, bem como de seu rompimento.
Entretanto, entender as razões da conduta dos crimes hediondos aqui apresentados foi
além da observação jurisdicional e processual, levando a questão ao patamar social que traz o
Direito como instrumento de análise comportamental dos indivíduos a margem da sociedade.
Haja vista, que em sua grande maioria, os crimes foram cometidos em regiões
periféricas, em bairros popularmente conhecidos pelo histórico de insegurança, dos quais
carecem de atenção do poder público ao acesso aos indivíduos principalmente no que se
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refere ao tráfico de drogas, uma chance de redução e ressocialização.


Destarte, analisou-se a reincidências de tais crimes, em locais de grande incidência da
comercialização de entorpecentes em localidades popularmente conhecidas é de espantar que
durante cinco anos de julgados observados, estes pontos continuam sendo berço de crimes
com maior perversidade, consequentes diretamente do tráfico de drogas.
As questões que envolvem o crime de feminicídio traz consigo a reflexão do amparo
as vítimas que foram sujeitas a relacionamentos e condições degradantes. Por haver alterações
significativas que envolvem a proteção a saúde e bem-estar do gênero mulher na legislação,
ainda há muito a progredir por serem leis, principalmente a do feminicídio, recente, e que
surgem efeitos legislativos, havendo até mesmo os julgadores e legisladores uma readequação
e adaptação aos casos concretos.
Conclua-se que as consequencias júridicas das motivações torpes foram uma pena
mais rigorosa se comparadas as demais modalidades motivacionais, bem como a do
feminicídio que resultou em penas que cuminaram ao máximo condenatório exigido por lei.
Como dito anteriormente, tais fatores motivacionais, não foram causas exclusivas de
aumento e diminuição da pena, e sim elementos que acrescentaram no entendimento do júri
popular e corroboraram para a dosimetria da pena acusatória.
Não apenas a condenação, como a absolvição também foi fruto de um entendimento
motivacional do acusado, que ao início da instrução processual (Denúncia) se trouxe
elementos acusatórios de motivações condenatórias, porém com o juízo de causa e analise do
júri, foram absolvidos das penas que lhe foram imputadas, constatando muitas vezes, uma
modalide culposa ou até mesmo a isenção de culpabilidade.
Tem-se como o presente estudo uma base para futuros estudos pelos órgãos públicos e
de segurança, bem como a futuros trabalhos acadêmicos, visando alcançar as autoridades
competentes para prática sociais mais efetivas, nas áreas que mais carecem de
assistencialismo social.
Neste sentido, cabe ao estudante do Direito, seja acadêmico ou operador das normas,
sendo um agente protetor de direitos sociais e humanos, visando com esta observação
relacionada a psicologia criminosa, compreender as razões levam o indivíduo a tais práticas
reprováveis pela sociedade.
47

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48

da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher;


dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera
o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras
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substituição ao recurso previsto no ordenamento jurídico. 1. Não cabimento. Modificação de
entendimento jurisprudencial. Restrição do remédio constitucional. Exame excepcional que
visa privilegiar a ampla defesa e o devido processo legal. 2. Homicídio na direção de veículo
automotor. Dolo eventual. Decisão de pronúncia. Excesso de linguagem. Desclassificação
realizada pelo tribunal de origem. Restabelecimento pelo STJ. Idoneidade da decisão de
pronúncia não aferida pela corte a quo. Supressão de instância. Análise, ainda que superficial,
já realizada por esta corte. Duplo empecilho ao exame do tema. 3. Dosimetria da pena.
Circunstâncias judiciais valoradas de forma equivocada. Conceito analítico de crime,
elemento subjetivo do tipo e aspectos próprios do tipo penal. Inviabilidade de valoração na
dosimetria, sob pena de bis idem. 4. Comportamento da vítima. Impossibilidade de
consideração em desfavor do paciente. 5. Incidência da agravante do art. 61, ii, "h", do cp.
Condição especial da vítima - idosa. Inviabilidade. Condição que não ingressou na esfera de
conhecimento do paciente. Responsabilidade penal objetiva. Não admissão no ordenamento
jurídico pátrio. 6. Concurso formal de crimes. Fração de aumento. Quantidade de crimes. 7.
Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para redimensionar a pena. Relator:
Ministro Marco Aurélio Bellizze. Impetrante: Bruno Rodrigues. Impetrado: Tribunal de
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Sentido Estrito nº 5012921-02.2020.8.24.0020/SC. Recurso em sentido estrito. Tribunal do
júri. Homicídio duplamente qualificado (Art. 121, 2º, I e IV, do código penal). Decisão de
pronúncia. Irresignação da defesa. Pedido de impronúncia. Alegada falta de indícios
suficientes da autoria. Decisão que não exige prova plena. Simples juízo de admissibilidade
da acusação. Prova da materialidade e indícios suficientes de autoria presentes. Pretensão
incabível. Havendo prova da materialidade e indícios suficientes acerca da participação do
recorrente no crime doloso contra a vida, não há espaço para a decisão de impronúncia, sob
pena de subversão à competência constitucional do Tribunal do Júri. Pleito de afastamento
das qualificadoras. Impossibilidade. Conjunto probatório que não permite reputá-las
manifestamente improcedentes. Delito, em tese, motivado por rivalidade entre facções
criminosas. Circunstância capaz de configurar a motivação torpe. Recurso que dificultou a
defesa da vítima. Ofendido que foi atraído ao local do crime e atingido, de inopino, com tiros
à "queima-roupa". Descarte das qualificadoras impossível nesta fase. Pronúncia integralmente
mantida. Relator: Desembargador Sidney Eloy Dalabrida. Recorrente: Kasuel Dutra.
Recorrido: Ministério Público do Estado de Santa Catarina. Data do Julgamento: 05 de agosto
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