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VIDYA, v. 29, n. 2, p. 97-114, jul./dez., 2009 - Santa Maria, 2010.

ISSN 2176-4603 X

NÍVEIS DE SIGNIFICAÇÃO DE CONCEITOS E CONTEÚDOS ESCOLARES


QUÍMICOS NO ENSINO MÉDIO: COMPREENSÕES SOBRE LIGAÇÕES QUÍMICAS
Levels of chemical-scholastic concepts and contents signification in
high-school: understandings about chemical connections

Laís Basso Costa-Beber*


Otavio Aloisio Maldaner**

RESUMO ABSTRACT

Este ar tigo foi produzido no componente curricular This ar ticle was produced in the curricular com-
Pesquisa em Ensino de Química II, Curso de ponent Research in Teaching of Chemistr y II,
Licenciatura em Química da Unijuí. O componente Degree in Chemistr y of Unijuí. The component
tem como objetivo construir aprendizagens aims to build learning to begin the academics in
para iniciar os acadêmicos na pesquisa em educational research in the Sciences and to po-
educação nas Ciências e para potencializar a tentiate the signification of chemical concepts and
significação de conceitos e conteúdos químicos. contents. It were investigated levels of significa-
Investigaram-se níveis de significação atribuídos tion assigned by students that are finishing the
por estudantes concluintes do Ensino Médio (EM) High-School (HS) to the Chemical Connections
ao conteúdo Ligações Químicas pela identificação content by identifying the basic understandings
de compreensões básicas que possuíam a par tir that had from the analysis of open questions.
da análise de questões aber tas. Uma explicação One explanation considered more appropriate to
considerada mais adequada para a compreensão the understanding of Chemical Connections was
de Ligações Químicas foi formulada, fundamentada formulated, based on journals and tex tbooks of
em periódicos e livros didáticos do EM e Superior. HS and Higher-Education. It was realized that the
Verificou-se que a mediação pedagógica produz pedagogical mediation produces good learning if
boas aprendizagens se aceitarmos explicações we accept simplistic explanations for the process
simplistas para o processo da interação entre of interaction between atoms in the formation of
átomos na formação das ligações químicas. chemical connections. These are far from basic
Estas passam longe da ideia básica que explica idea to explain the connections between atoms,
as ligações entre átomos, pois não houve relação because there wasn’t correlation with the explana-
com o princípio explicativo da energia mínima do tor y principle of minimum energy of the system
sistema que as justifica. justifying them.

Palavras-chave: Aprendizagem; Nível submicros- Key words: Learning; Submicroscopic level;


cópico; Ligação química. Chemical connection.

* Acadêmica do Curso de Licenciatura em Química da Unijuí. Bolsista de Iniciação Científica FAPERGS no Grupo
Interdepar tamental de Pesquisa sobre Educação em Ciências (Gipec-Unijuí).
** Professor Ti tular do Depar tamento de Biologia e Química da Unijuí. Professor permanente do Programa de
Pós-Graduação em Educação nas Ciências. Coordenador do Gipec-Unijuí.

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Introdução dos sujeitos que têm o conhecimento das Ciên-
cias da Natureza e suas Tecnologias como ine-
A significação, pelo menos inicial, de alguns rente a suas profissões. Afinal, compreensões e
conceitos básicos químicos é considerada tomadas de decisão em uma sociedade marca-
essencial para que um sujeito possa se da por inovações tecnológicas e científicas re-
dizer iniciado na Ciência Química. Dentre querem aprendizagens que possibilitem ir além
esses conceitos e conteúdos que podem ser de um discurso moralista vazio de conhecimen-
pensados como necessários para a formação tos. Nesse sentido,
do pensamento químico básico, elegeu-se o
mobilizar e difundir a cultura científica
conteúdo de ligações químicas. Considera-se por meio da aprendizagem de elementos
esse conteúdo central ou estruturante para pensar científicos e tecnológicos que permitam
quimicamente sobre o mundo material, pois a a compreensão e a incorporação de um
mundo cada vez mais ‘cientifizado’ deve
par tir de um pouco mais de noventa elementos ser também a meta da educação científica
formaram-se milhões de compostos diferentes atual (MOURA; VALE, 2001, p. 136).
que constituem todos os materiais conhecidos.
Essa diversidade de combinações entre os Afinal, a humanidade precisou de “noções
átomos é compreendida, por aqueles que científicas para produzir ciência e tecnologia, e
pensam quimicamente, por meio das interações um dos papéis da escola é promover a encultura-
que ocorrem em nível atômico molecular, as ção dos escolares nessas noções” (MACHADO;
quais permitem aos átomos estabelecerem MORTIMER, 2007, p. 25). Desse modo, a apren-
ligações entre si. Compreende-se que dizagem de conhecimentos científicos básicos
é cada vez mais necessária para que os sujeito
o meio material ao nosso redor, com suas tenha condições de se inserir, culturalmente, no
formas, propriedades e valores, reflete a
contexto social, de maneira a participar de forma
enorme variedade de maneiras como os
átomos se ligam para formar compos- consciente das transformações do ambiente em
tos. Por isso, as ligações químicas re- que vive, melhorando a sua qualidade de vida e
presentam um assunto de fundamental daqueles com que convive.
impor tância, e seu conhecimento é es-
Mesmo considerados essenciais para a
sencial para um melhor entendimento das
transformações que ocorrem em nosso compreensão da cultura atual, os conhecimentos
mundo. Algumas substâncias, como as científicos, de maneira geral, não influenciam a
que compõem os alimentos e combustí- tomada de decisões das pessoas, que acabam
veis, fornecem energia mediante a que-
bra e a formação de ligações químicas;
utilizando os conhecimentos do senso comum
outras interagem dando origem a novos para pensar e agir fora do ambiente escolar.
compostos ou facilitam a dissolução de Isso ocorre porque o estudante não sabe o que
resíduos em um meio fluido (solventes, fazer, fora desse ambiente, com aquilo que lhe é
detergentes). Desse modo, a dinâmica
das ligações químicas acaba regendo a ensinado na escola. Assim, aceita e se submete
nossa vida (TOMA, 1997, p. 131). a todas as informações que lhe são servidas
prontas, sem discussão nem comprovação,
Diante disso, acredita-se que o pensamento tornando-se “massa de manobra” e de
científico não pode fazer par te apenas da vida manipulação, nem crítico, nem criador (MARTINS,

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2001). Os estudantes vêm mostrando atitudes Na medida em que essa mudança se mostra
passivas no processo de ensino e aprendizagem, cada vez mais necessária para a melhoria da
marcado por seu conformismo cognitivo, em Educação Básica, compreende-se como é
que não se percebe uma razão para se estudar difícil rever ter a ideia vigente que enfatiza os
a Ciência Química, mas que também não há conteúdos organizados em sequência linear
questionamentos quanto à situação que lhe é segundo uma lógica de quem conhece a
apresentada. Acontece que matéria e não daquele que precisa aprendê-
la (MALDANER, 2006). A dificuldade em
[...] o(a) professor(a) usa os termos e o
pensamento científico e os alunos os termos promover as inovações propostas é agravada
e o pensamento do cotidiano. Em uma aula pela supervalorização do ingresso em cursos
que trata do conhecimento científico este
de nível superior, como se essa fosse a principal
embate é tão inevitável quanto necessário
(ANDRADE, 2004, p. 286). função da Educação Básica, a aprendizagem
do mundo da vida fica em segundo plano. Por
Os pensamentos cotidianos tendem a resistir mais impor tante que seja a preparação dos
diante dos conhecimentos científicos, no entanto, estudantes para um novo grau de ensino ou
a verdadeira racionalidade, aber ta por
para uma atividade profissional específica,
natureza, dialoga com o real que lhe re- ela não pode vir desacompanhada de uma
siste. Opera o ir e vir incessante entre a boa formação básica (MALDANER; ZANON;
instância lógica e a instância empírica;
é o fruto do debate argumentado das
AUTH, 2006). A qualidade das provas de
ideias, e não a propriedade de um siste- seleção para Ensino Superior tem sido pouco
ma de ideias (MORIN, 2001, p. 23). questionada e refletida, as quais passam,
sobretudo, a ter a função de selecionar, não
A interlocução entre conhecimento cotidiano necessariamente aqueles que construíram
e científico requer uma mediação com muita
aprendizagens escolares relevantes, mas, por
sabedoria por par te dos educadores. Os profes-
vezes, seleciona os mais bem preparados ou
sores negociam os significados dos conceitos
treinados para fazer a prova. O significado
com os estudantes, que não superam o conheci-
do processo avaliativo também parece estar
mento cotidiano, mas passam a apresentar no-
deturpado no âmbito escolar, no qual os
vos perfis conceituais (MACHADO; MORTIMER,
professores, muitas vezes, não refletem os
2007). O que se percebe é a necessidade de
resultados das avaliações para reorientar
uma mudança de concepções e papéis, em que
seu trabalho, como se a não aprendizagem
muda a função da escola, agora preocu- pudesse ser atribuída somente ao estudante.
pada em preparar o aluno para a vida, para Moura e Vale, fundamentando-se em Caldeira
atuar na sociedade e se integrar nela. Muda
o papel do professor, que deixa de ser o e Gazzoli, afirmam que
centro do ensino e torna-se o orientador
do estudo e do trabalho do aluno. Muda a avaliação deve avaliar o desenvol-
o trabalho do aluno, que deixa de ser um vimento do educando e sua evolução
ouvinte e repetidor do que lhe informam e conceitual e não gerar atitudes de
passa a ter participação ativa, interessada passividade pela simples memorização
e criativa na construção de seus conheci- de conteúdos, conforme tem ocorrido
mentos (MARTINS, 2001, p. 27). (2001, p. 140).

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A par tir da análise da evolução conceitual dos Tendo em vista a impor tância da com-
estudantes, o professor percebe em quais preensão do conteúdo de ligações químicas
conteúdos pode avançar e em quais é preciso para a formação de um pensamento químico
fazer retomadas. básico, busca-se investigar os níveis de signi-
Na busca de analisar a evolução conceitual ficação atribuídos pelos estudantes do Ensino
dos estudantes para o conteúdo ligações Médio a esse conceito em nível atômico mo-
químicas, primeiramente, realizaram-se estudos lecular. Além disso, objetiva-se identificar as
na tentativa de posicionar-se sobre qual explicação concepções dos estudantes para perguntas
considera-se mais adequada para compreender e como: por que os átomos se unem uns aos
explicar esse conteúdo. Embora se tenha tomado outros? Por que as ligações químicas são
específicas? Para tanto, utilizou-se uma me-
consciência de que os conhecimentos químicos
todologia quali tativa em que o material em-
podem apresentar diferentes respostas para
pírico foi coletado a par tir de um questioná-
uma mesma questão e que conceitos diversos
rio fei to junto a estudantes do Ensino Médio.
podem se inter-relacionar e intercomplementar,
Em um primeiro momento, são apresenta-
acredita-se que as ligações químicas possam
dos os fundamentos teórico-metodológicos pro-
ser bem explicadas pelas propriedades duzidos a par tir de investigações em livros didá-
eletrostáticas dos átomos quando interagem ticos do Ensino Médio e Superior e em ar tigos
entre si, ao menos para os compostos iônicos. sobre esse conteúdo e seu ensino, a fim de ex-
As características apresentadas pelos átomos plicitar o que se compreende por aprendizagem
em interação determinam a ocorrência da ligação de um conceito ou conteúdo científico escolar,
química ou não, bem como a sua natureza. bem como a forma com que os livros didáticos
Corrobora-se com o pensamento de Mor timer trazem o conteúdo de ligações químicas. Além
(1996), fundamentado na teoria Quântica, para disso, os dados selecionados para par ticipar
compreender e explicar as ligações químicas. deste tex to são apresentados e discutidos.
De acordo com esse autor, Os resultados possibilitaram uma reflexão a
par tir da pesquisa realizada, sua impor tância,
o átomo é representado como sendo
além de construções realizadas e suas implica-
constituído por duas regiões de cargas
diferentes. O núcleo, situado numa re- ções para o processo de ensino e aprendizagem
gião infinitamente pequena no centro do em Química na Educação Básica. No final, são
átomo, tem carga positiva, pois é cons- expostas as considerações realizadas durante a
tituído por prótons (de carga positiva) e
nêutrons (de carga neutra). Ao redor des-
pesquisa.
se núcleo situam-se os elétrons (de carga
negativa), numa região cerca de 100.000 Fundamentos teórico-metodológicos
vezes maior que o núcleo, denominada
eletrosfera. A ligação química passa a
representar uma interação de natureza Fernandez e Marcondes (2006),
eletromagnética que ocorre entre os nú- fundamentadas em Bodner e Nakhleh, afirmam
cleos (carregados positivamente) e as que “mesmo após uma educação formal em
eletrosferas (carregadas negativamente) Química, os estudantes apresentam falhas na
de átomos vizinhos (ibidem, p. 20).
compreensão dos conceitos químicos e não

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conseguem fazer relações importantes” (2006, mos ao conhecimento – que passa pela
linguagem e pelo pensamento. Um con-
p. 20). O fato de frequentar o Ensino Médio
ceito sempre será determinado pelo
e ser aprovado no componente curricular de significado que lhe damos, e sua apren-
Química não representa uma garantia de que o dizagem vincula-se, necessariamente,
estudante construiu, ao longo desses anos, uma ao nível da compreensão. Podemos,
formação científica suficiente para ter condições por tanto, afirmar que aprender um con-
ceito é compreender o seu significado,
de pensar e agir de acordo com o pensamento é entender o sentido do que se está
científico. A aprovação nos vestibulares também aprendendo (MÜLLER, 2004, p. 220).
não é sinônimo de aprendizagens relevantes,
é preciso rever o significado da Educação A linguagem assume uma posição de destaque
Química, pois tanto na Educação Básica quanto nas interações intersubjetivas intencionais, tão
nos cursos superiores “a rigor, não se ensina/ desejadas para o ambiente escolar, porque a
aprende o pensamento químico sobre o mundo; aprendizagem é um processo que se encontra
ensina-se ‘coisas’ que, de alguma forma, têm a em constante construção e reconstrução e
ver com a Química” (MALDANER et al., 2007, ocorre por meio das interações entre os sujeitos,
p. 112). Questiona-se, no que diz respeito ao sendo proporcionalmente intensificada conforme
conhecimento científico/químico, que níveis de as assimetrias de conhecimentos. De acordo
significação os sujeitos precisam atingir para com Andrade (2004, p. 25), considera-se
serem considerados iniciados nesses saberes?
[...] pressuposto que a linguagem é
De acordo com Maldaner (2006, p. 163), para o a mediadora na constituição do pen-
estudante ser considerado iniciado em Química, samento que abrange uma área de
conhecimento específico, tal como o
não basta que saiba decifrar a simbolo- conhecimento químico, porém isso só
gia química, é necessário que conheça acontece se a linguagem for significada,
também o tipo de pensamento usado não imediatamente, mas continuamente
e sempre em novos níveis.
nessa matéria e entenda as especifici-
dades metodológicas da produção do
conhecimento químico. O aprender é algo singular a cada indivíduo,
porque os sentidos atribuídos aos conceitos
O conhecimento químico é formado por que explicam os fenômenos dependem dos
um sistema conceitual amplo e dinâmico, contex tos histórico sociocultural vivenciados
com características complementares que pelos sujeitos. Tendo em vista a especificida-
abrangem conceitos de outros componentes de e o elevado nível de abstração próprios do
que fazem par te das Ciências da Natureza e conhecimento químico, em contrapar tida com
suas Tecnologias. Essas relações intra, inter e a complexidade das situações reais, percebe-
multidisciplinares permitem a evolução con- se como é desafiador o ensino e a aprendi-
ceitual, atribuindo sentidos e significados em zagem escolar da Química. A relação com o
níveis de maior complexidade. Nesse sentido, cotidiano, sem perder de vista os conceitos e
a aprendizagem de conceitos passa ne- conteúdos que permitem o pensamento quí-
cessariamente pela significação que da- mico, pode ser pensada pela significação dos

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(2006, p. 20). No entanto, em se tratando do
[...] conceitos de uma ciência em vá- conhecimento químico, pode-se dizer que algum
rios contex tos diferentes para que o
significado possa evoluir, atingir novos conteúdo não possui caráter abstrato? Aprender
níveis e se consolidar. Esta forma de Química requer pensamentos de elevado nível
proceder permite formar o pensamento
sobre uma situação sob o ponto de vis- de abstração, os quais são utilizados para com-
ta de uma ciência, superando a prática preender a realidade, por tanto, explicar o nível
de exigir respostas únicas, diretas e macroscópico através de uma racionalidade em
fora de qualquer contex to (MALDANER,
2006, p. 213). níveis submicroscópicos não é uma tarefa fácil,
pois “se a natureza possui uma ordem, a Quími-
A recontex tualização dos conceitos e con- ca não se faz a par tir dessa ordem: o químico
teúdos potencializa a aprendizagem, de forma constrói uma ordem ar tificial sobre a natureza”
que é possível utilizar esses conhecimentos (LOPES, 2006, p. 43). Essas características da
tanto no âmbito escolar quanto ex traescolar, Ciência Química podem explicar a falta de com-
pois “o conhecimento das informações ou dos preensão e as concepções alternativas daqueles
dados isolados é insuficiente. É preciso situar as que passaram alguns anos na tentativa de serem
informações e os dados em seu contexto para iniciados nesse saber.
que adquiram sentido” (MORIN, 2001, p. 36). Para a realização desta pesquisa sobre o
Não basta citar, nas aulas de Química, infor- conteúdo de ligações químicas, inicialmente,
mações que dizem respeito a esse saber, “o estudou-se ar tigos e livros didáticos do Ensi-
conhecimento não se reduz à informação, mas no Médio e Superior sobre o assunto. A expli-
precisa ser entendido, significado e interiorizado cação considerada mais adequada para com-
pelos sujeitos, caso contrário ele representa mui- preender esse conteúdo foi explicitada a par-
to pouco” (MÜLLER, 2004, p. 223). Formar um tir de ar tigos publicados em revista eletrônica
pensamento químico não é algo fácil, exige mui- de ensino de Química1. Essa concepção pode
to empenho e estudo por par te dos estudantes e evoluir com o estudo de um livro do Ensino
mediação pedagógica de qualidade. Afinal, Superior que trata especificamente das liga-
ções químicas, enquanto os dois livros didáti-
as palavras, os signos, os métodos de
ação e os equipamentos da Química não cos de Ensino Médio apresentam concepções
fazem par te do cotidiano das pessoas. mais distantes e super ficiais se comparados
Isso constitui uma dificuldade adicional
para os iniciantes ao estudo de Química
com os demais materiais pesquisados.
(MALDANER, 2006, p. 163). O livro didático do Ensino Superior expli-
ca as ligações químicas e suas propriedades
Fernandez e Marcondes reafirmam esse por meio de um modelo simplificado, que se
pensamento ao mencionarem que “o tema fundamenta nas interações submicrosópicas
ligação química, por ser abstrato, longe das referentes a atrações e repulsões entre cargas
experiências dos alunos, tem, consequente- dos átomos. Segundo esse modelo, a nature-
mente, grande potencial para gerar concep- za da ligação é justificada pelas características
ções equivocadas por par te dos estudantes” dos átomos quando aproximados uns dos ou-
1
Revista Química Nova na Escola. Disponível em: <ht tp://qnesc.sbq.org.br/>.

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tros: um mesmo átomo pode adquirir caracte- do conceito, sem precisar recontex tualizá-lo.
rísticas distintas ao se aproximar de átomos, Ainda faz pouca referência às propriedades
diferentes. A ligação covalente se estabelece dos compostos metálicos.
quando, ao aproximar os átomos, a atração O livro didático do Ensino Médio 1 aborda
entre os núcleos e elétrons dos átomos en- as ligações químicas em uma unidade sobre
volvidos é maior do que a repulsão elétron- interações atômicas e moleculares, apre-
elétron, núcleo-núcleo. Os elétrons são simul- senta discussões, inclusive, sobre geometria
taneamente atraídos pelos diferentes núcleos. molecular, polaridade e forças moleculares.
Esse tipo de ligação acontece quando se des- A grande variedade de substâncias é justifi-
car ta a possibilidade de ser uma ligação iônica. cada pelas combinações que os átomos po-
A ligação iônica ocorre quando a atração dos dem fazer, o que só não ocorre com os gases
elétrons ex ternos pelos núcleos dos átomos é nobres. A ligação química é condicionada ao
muito diferente, assim os elétrons pouco atraí- contato entre os elétrons dos níveis de valên-
dos passam a sofrer atração somente pelo nú- cia de mais de um átomo. Quanto à pergunta:
cleo dos átomos que têm maior atração sobre por que os átomos ligam-se? O livro esclarece
os elétrons da última camada, que ficam com que é devido à força de atração eletrostática
carga negativa. A outra espécie envolvida fica entre cargas elétricas de sinais opostos e pela
com carga positiva e une-se ao íon negativo pela tendência que os elétrons apresentam de for-
atração eletrostática. Esse tipo de ligação ocorre mar pares. O tipo de ligação dependerá das
entre elementos com baixa energia de ionização características dos átomos envolvidos, o que
e alta afinidade eletrônica, o que explica a forma- é explicado pela Teoria do Octeto e a valência
ção de íons. A ligação metálica pode ser explica- dos átomos. A ligação iônica é explicada pela
da pela fraca atração dos elétrons pelo núcleo. atração eletrostática entre íons, os quais são
Assim, formam-se íons positivos que atraem os formados pela tendência que alguns metais têm
elétrons livres entre os núcleos. de perder elétrons e que alguns ametais têm de
Esse livro atribui maior ênfase aos com- ganhar. Essa tendência se deve à falta de esta-
postos iônicos (trata dos tipos de retículos bilidade pela Teoria do Octeto. Cita exemplos,
cristalinos, energia reticular e propriedades) e além do NaCl. As características dos compostos
covalentes (aborda hibridização, ordem de li- iônicos são citadas, mas não há uma explica-
gação, estruturas de Lewis e geometria). Apre- ção sobre porque isso acontece. Faz-se uma
senta um complemento que trata de exceções relação entre os conhecimentos de química
a Regra do Octeto e ressonância. Propõe um e saúde. Há uma grande variedade e quanti-
experimento que compara compostos iônicos dade de exercícios, incluindo exercícios re-
e covalentes pelos pontos de fusão. Apresenta solvidos, de interpretação, disser tativos e
uma série de exercícios disser tativos, alguns optativos. Chama a atenção que, mesmo com
solicitam explicar o porquê de algumas pro- muitos exercícios, o que cada um solicita é
priedades, outros solicitam explicar situações diferente, não são perguntas que requerem o
entre par tículas e outros possuem nível bas- mesmo pensamento para responder. Sugere
tante abstrato e requerem a simples definição uma experimentação sobre a produção de

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macrocristais. A ligação covalente, segundo elétrica no estado líquido, mas não no estado
a abordagem do livro, ocorre apenas entre sólido; 2º Grupo: substâncias que não condu-
átomos que tendem a receber elétrons, por- zem corrente elétrica no estado sólido, nem no
tanto, eles acabam compar tilhando elétrons líquido; 3º Grupo: substâncias que conduzem
e formando pares eletrônicos. As par tículas corrente elétrica tanto no estado sólido quanto
formadas por este tipo de ligação são denomi- no estado líquido.
nadas moléculas. A Teoria do Octeto justifica Par tindo disso, explicou-se a natureza
os compar tilhamentos. Aborda a alotropia e das ligações químicas pela Regra do Octeto.
discute as propriedades dos compostos cova- Na natureza, existem apenas seis elementos
lentes. Apresenta um complemento que trata considerados estáveis, denominados gases
de exceções a Regra do Octeto e ressonância. nobres, que não se ligam entre si nem com
Propõe um experimento que compara com- outros elementos. Já os átomos não estáveis
postos iônicos e covalentes pelos pontos de se unem uns aos outros a fim de adquirirem
fusão. O tex to sobre a ligação metálica é bem essa configuração de estabilidade. Na busca
mais sucinto que os demais. Começa falando da estabilidade, os átomos tendem a ganhar ou
de algumas características dos metais, cita perder elétrons. Quanto mais próximos na tabela
que, experimentalmente, através dos raios X, periódica dos gases nobres, maior a facilidade de
verificou-se que os metais são constituídos ganhar elétrons e, quanto mais distante na tabela
por cátions fixos e elétrons deslocalizados, o periódica dos gases nobres estiver o átomo,
que explica algumas propriedades dos me- maior sua facilidade de perder elétrons. Nas
tais. Traz as ligas metálicas como solução ligações iônicas (metais e não metais), ocorre a
para agregar características desejáveis aos formação de íons, formados pela perda ou pelo
metais e associa os metais aos períodos his- ganho de elétrons. A ligação covalente é formada
tóricos. Finalmente, apresenta exercícios di- por não metais (traz exceções à Regra do Octeto).
versos. Em cada capítulo, associa-se o grupo A ligação metálica é formada por metais (discute
da tabela periódica dos elementos que par tici- corrente elétrica, ligas metálicas e propriedades
pam os átomos envolvidos nas ligações com dos metais). Ao final da explicação de cada tipo
a natureza da ligação. de ligação, são propostos exercícios sobre os
O livro didático do Ensino Médio 2 apre- conteúdos trabalhados.
senta as ligações químicas de uma forma Em todos os livros analisados, predomina
diferenciada, é feita uma abordagem sobre uma abordagem abstrata, na qual os
a separação dos elementos em três grupos: conteúdos são desenvolvidos de maneira
metais, não metais e gases nobres, obser- descontex tualizada, o que faz parecer que
vando alguns aspectos como ponto de fu- a química não é útil na vida das pessoas,
são, condutividade elétrica no estado sólido afinal, são apresentados exemplos clássicos
e condutividade elétrica no estado líquido. e não uma explicação do mundo com a
Os elementos da tabela periódica e algumas química. Os livros de Ensino Médio abordam
substâncias são divididas em três grupos: os conhecimentos científicos e depois citam
1º Grupo: substâncias que conduzem corrente algumas aplicações desses conhecimentos,

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não introduzem os conhecimentos científicos/ caso sejam aliadas à mediação adequada
químicos para o entendimento de situações do professor, na medida em que é criado um
reais, mas citam exemplos na tentativa de contex to para explicá-lo quimicamente. Não há
demonstrar que o livro contempla aspectos relações significativas entre o conhecimento
do cotidiano. Essas características não estão químico e a história, não é explicitado quando
presentes somente nos livros didáticos, mas passou a se pensar dessa forma ou quais
também nos programas e materiais de ensino, cientistas chegaram a tais conclusões ou,
os quais ainda, se algum dia se pensou de forma
[...] pouco mudaram nesses últimos diferente. Apresenta-se apenas uma forma de
anos. Prevalecem roteiros tradicionais pensar, não trazendo alternativas que foram ou
de ensino que se consolidam em livros que estão sendo pensadas. É impor tante que
didáticos que conservam, em essência,
as mesmas sequências lineares e frag- se diga que o conhecimento foi e está sendo
mentadas de conteúdos, mesmo que construído ao longo do tempo e, por tanto, que
sempre enriquecidos com novas ilus-
trações que lhes dão um cer to status nem sempre se pensou da mesma maneira,
de atualização (MALDANER; ZANON; assim como muitos cientistas não acreditam nas
AUTH, 2006, p. 53).
mesmas concepções. Os aspectos históricos
Os livros investem forte na resolução contribuem muito para que os estudantes não
de exercícios, tendo como característica a percebam a ciência como algo cer to, pronto
grande quantidade e a diversidade. Os níveis de e acabado, que não precisa ser questionado
complexidade dos exercícios variam muito e vão e não evolui. É preciso esclarecer, também,
desde aqueles que requerem a simples cópia do que a ciência evolui, mas que nem sempre se
que foi dito no texto a exercícios que exigem a avança, pois, muitas vezes, retifica-se o que
retomada de conceitos diversos. As questões já foi dito.
não priorizam a resolução de problemas e, assim Quanto aos níveis de compreensão, o li-
como o texto, detêm-se mais ao conhecimento vro do Ensino Superior está mais de acordo
químico abstraído e não a sua recontextualização com a possibilidade de formação do pen-
em situações reais. É preciso ter muito cuidado samento químico, pois explica as ligações
na seleção dos exercícios propostos para químicas e as propriedades dos compostos
os estudantes de Química no Ensino Médio, pelas características das par tículas submi-
com quantidades excessivas e com qualidade croscópicas. Esclarece a razão pela qual o
questionável, pois a aprendizagem pode passar conhecimento químico é aceito, apresenta uma
“[...] a ser vista como capacidade de resolver lógica, tenta negociar com o leitor uma expli-
repetidamente os inúmeros exercícios propostos cação coerente, enquanto os livros do Ensino
para os mesmos itens de conteúdo, concebidos Médio trazem muitas informações, mas não
de forma linear e fragmentada” (MALDANER; explicam os porquês de forma mais lógica.
ZANON; AUTH, 2006, p. 53). Fala-se nas propriedades dos diferentes com-
As propostas de experimentações postos, que as diferentes ligações ocorrem
apresentadas por alguns livros são bem entre átomos de determinados grupos, mas
interessantes para o ensino e a aprendizagem, não se explica o motivo. Quanto às ligações

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químicas, embora as justifiquem pela tendên- se a colaboração de todos na resolução do
cia dos elétrons formarem pares e pela atra- questionário com as possíveis respostas.
ção de cargas opostas, parece essencial dizer Dos alunos que participaram da interação,
que a atração de cargas opostas ocorre entre todos responderam, pelo menos parcialmente,
os prótons do núcleo de um átomo sobre os ao questionário. Para preservar a identidade
elétrons de valência dos outros átomos, isso dos estudantes, eles foram numerados de 1 a
não fica claro. A questão de explicar a liga- 31. Algumas questões propostas solicitavam
ção entre átomos pela tendência de receber explicações de fenômenos vivenciais sob a
ou doar elétrons para atingir a estabilidade ótica da Química, enquanto outras possuíam
poderia ser mais bem explicada pela energia caráter mais tradicional, conforme proposto na
envolvida. Acredita-se que a abordagem dos maioria dos livros didáticos e exigiam a solução
livros de Ensino Médio em questão tende a de problemas químicos essenciais. O teste
incentivar a memorização de informações e foi realizado durante a aula de Química em
não a significação dos conceitos fundamen- escola estadual pública. A professora analisou
tais para o entendimento de situações reais. as questões propostas anteriormente ao
Um exemplo é a afirmação de que a água é desenvolvimento; combinou-se a permissão
o melhor solvente para o cloreto de sódio para utilizar a tabela periódica dos elementos.
sem explicar a razão. Já o livro do Ensino Vale lembrar que o questionário limita a produção
Superior demonstrou ser um bom material de dados por não avaliar os estudantes, conforme
para estudos do professor, mas, em cer tos estão habituados. Desse modo, suas respostas
momentos, apresenta uma linguagem e uma podem variar consideravelmente, o que dificulta a
complexidade incompatível com iniciantes análise e permite grande influência da interpretação
em Química. dos pesquisadores. Questões abertas permitem ao
Para verificar os níveis de significação que aluno exercer o seu raciocínio e expressar o seu
os estudantes atribuem ao conteúdo de ligações pensamento, no entanto, é preciso formular bem
químicas, elaborou-se um questionário esse tipo de questões e, ainda, estar preparado para
com três questões discursivas diferentes, aceitar respostas diversas (MALDANER, 2006).
com quatro itens cada uma e com níveis Grande par te do período dedicado a essa
de dificuldade diversificados. Tais questões pesquisa foi utilizado para a elaboração das
foram aplicadas individualmente com 31 perguntas e para a interação do conteúdo a
estudantes do 3º Ano do Ensino Médio. Após, ser pesquisado. O estudo buscou apontar
o resultado da pesquisa foi compar tilhado as diferenças apresentadas na abordagem
com a professora da escola. Justifica-se a do assunto e como isso influencia no
escolha do conteúdo de ligações químicas desenvolvimento do pensar químico do educando.
por ser impor tante para a compreensão As questões propostas aos estudantes estão
dos fenômenos químicos estudados em em anexo. Foram selecionadas e analisadas
todas as séries da Educação Básica Média. apenas algumas respostas, considerando-se a
Visando a motivar a par ticipação, solicitou- necessidade de síntese deste ar tigo.

106
Apresentação e discussão dos dados De acordo com Fernandez e Marcondes,
“muitos estudantes [...] se mostram confusos em
A seguir, apresentam-se algumas refle- relação à diferença entre forças intermoleculares
xões feitas a par tir de recor tes do material e intramoleculares” (2006, p. 21). Embora as
empírico. De acordo com a Andrade (2004), respostas apresentadas sejam alternativas,
a análise é sempre condicionada pela inter- acredita-se que a compreensão de ligação
pretação singular, individual, pela sua história química como interações atrativas entre átomos
de interações que constituíram seu pensa- já pode ser considerada um avanço. Percebeu-
mento. Foram exigidas doze respostas por se, também, que a distribuição dos elétrons
aluno, sendo que a porcentagem de questões em níveis de energia, de maneira geral, não
respondidas pelo grupo de estudantes foi de, contribuiu para que os estudantes soubessem
aproximadamente, 67%. A análise dos dados indicar a natureza da ligação química, pois
permitiu a construção de duas categorias: muitos faziam a distribuição eletrônica
“natureza da ligação química” e “base teórica correta, mas não sabiam identificar a ligação
das ligações químicas”. química correta, como é o caso do estudante
3, que deu a seguinte resposta:
Natureza da ligação química
NaCl Ligação covalente

Quando solicitados para explicitar a
natureza da ligação química de um composto,
como do cloreto de sódio, 58% dos
estudantes afirmam que se trata de ligação
iônica, enquanto 12% dos estudantes citaram Percebe-se que a distribuição eletrônica
como resposta ligações interpar tículas não explica o tipo de ligação química que se
diversas. Respostas esperadas para essa estabelecerá. São necessárias mais explica-
pergunta seriam os tradicionais modelos ções por par te do professor, pois o que pode
de ligação: iônica, covalente e metálica. Ao parecer simples e evidente para ele não é
responderem, por exemplo, dipolo-dipolo para o aluno. Além disso, alguns estudantes
como o estudante de número 2, podem explicam que o cloreto de sódio conduz ele-
confundir ligação intra com intermolecular tricidade em meio aquoso porque ocorre uma
ou interpar tículas. Parece confundir várias dissociação de seus íons, mas não identificam
coisas, como indica a resposta dada: a ligação química desse composto como sen-
do de natureza iônica, o que demonstra falta
Na 1s2, 2s2, 2p6, 3s1
NaCl Dipolo-dipolo de atenção ao responder as questões. A con-
Cl 1s2, 2s2, 2p6, 3s2, 3p5
dutividade elétrica também foi explicada pela
polaridade da molécula de água e do cloreto
de sódio. 22% dos estudantes responderam
a questão sobre a condução de eletricida-

107
de dos compostos iônicos em meio aquoso, responder e a estudar por uma necessidade,
mas apenas 10% podem ser consideradas que não foi ocasionada durante a realização
respostas coerentes. Para identificar o tipo de da avaliação. Porque não valia nota, que é a
ligação química das substâncias: Al(s); CO2(s) forma geralmente utilizada pelos professo-
e Na2CO3(s), muitos estudantes mencionaram res para causar a necessidade, os estudan-
ligação dativa, uma classificação que tem sido tes não responderam as questões ou não
pouco utilizada atualmente. Ainda, nenhum houve efetivo empenho para respondê-las,
estudante mencionou a ligação metálica, pos- mesmo com a motivação provocada.
sivelmente, pela pouca ênfase que se atribui
a esse tipo de ligação nos livros didáticos Base teórica das ligações químicas
do Ensino Médio analisados. Pode-se inferir,
por tanto, que os livros didáticos influenciam Com o objetivo de identificar respostas
o tipo de ensino e de ênfase que são dados às que contemplem a questão de pesquisa,
aulas de Química. quanto aos níveis de significação dos estu-
Reafirma-se o pensamento de que cursar o dantes para o conteúdo de ligação química
Ensino Médio não significa que aprendizagens e para perguntas como: por que os átomos
básicas em química tenham se consolidado. se ligam e essas ligações são específicas?,
Por isso, cada vez mais decisões impor tantes foram motivados a responder e empreender
que envolvem ciência e tecnologia são tomadas maior esforço na seguinte questão (item 4 da
por pessoas que não possuem conhecimentos questão 3):
científicos básicos para isso. Mudar essa reali-
d) As combinações entre os átomos
dade é um desafio para os atores que fazem a para formar as substâncias são espe-
Educação Química brasileira. Percebe-se a im- cíficas e dependem muito da energia
por tância do professor acompanhar suas aulas envolvida nas interações; um átomo
não se liga com qualquer outro átomo.
pela pesquisa, além de elaborar avaliações que O que determina um átomo fazer liga-
realmente permitam ao estudante expressar ção com outro?
suas aprendizagens sobre determinados con-
teúdos escolares. Essa postura por parte dos Apenas 16% dos estudantes não
professores diante dos “resultados da apren- responderam essa questão. 80% das questões
dizagem, como a reflexão e a pesquisa sobre respondidas podem ser consideradas
coerentes com o ensino proporcionado da
questões de prova, pode levar a mudanças pe-
forma tradicional e que atende a uma regra
dagógicas, bem como à mudança da concepção
e não a um princípio, que, no caso, refere-
epistemológica sobre o melhor programa a ser
se à mínima energia do processo. A maioria
desenvolvido para que a aprendizagem ocorra”
dos estudantes compreende que as ligações
(MALDANER, 2006, p. 265). As concepções químicas ocorrem para completar a camada
al ternativas e a terça par te das questões de valência, formando dueto ou octeto ou,
sem resposta podem ser ex plicadas pelo ainda, para se estabilizar ou neutralizar. Na
fato de que os estudantes são motivados a constatação de Fernandez e Marcondes, “os

108
estudantes usam a Regra do Octeto como pensamento científico/químico. Reafirma-se a
base para explicar as reações e as ligações ideia de que
químicas” (2006, p. 21); ainda de acordo não basta termos dados ou informações
com essas autoras, “as ligações seriam sobre determinado assunto. Isso não nos
formadas apenas para satisfazer a regra garante a sua compreensão. Precisamos
compreender conceitos e, ao mesmo
do octeto” (p. 23). Cabe destacar que um tempo, estabelecer relações significativas
estudante respondeu “Suas características entre eles (MÜLLER, 2004, p. 219).
em comum”, o que não pode ser considerado
A análise dos dados permitiu perceber que a
incoerente, talvez, parcialmente. Muitos
questão em que os estudantes mais expressaram
estudantes afirmaram que a ligação química
seu entendimento sobre ligação química foi a
também é determinada pela temperatura e pela
transcrita anteriormente, sobre o que determina
força de impacto (uma relação desconhecida).
a ocorrência a ligação química. O índice de
Nenhum estudante mencionou a atração
respostas coerentes para essa questão mostrou-
dos prótons presentes no núcleo de um áto-
se elevado, os estudantes demonstraram um
mo sobre os elétrons da eletrosfera de outro.
nível de significação adequado com a proposta
Acredita-se que esse raciocínio seja essencial
de ensino que lhe foi apresentada, segundo a
para entender o pensamento químico, ou seja,
Regra do Octeto. Por tanto, questiona-se não
as características submicroscópicas da ma-
mais a aprendizagem dos estudantes, mas
téria. Compreende-se que o que se faz nas
a base teórica sobre ligação química que é
escolas é uma simplificação dos conhecimen-
desenvolvida no Ensino Médio. Acredita-se que
tos, lembrando que
pelo princípio de energia mínima dos átomos em
o impor tante é que se passe a tratar as interação seria possível significar conceitos mais
situações práticas, o mundo da vida e os
contex tos estruturais como um comple-
direcionados a formar o pensamento químico,
xo global, sem fazer as simplificações e devido ao caráter submicroscópico. Acredita-
reduções próprias do paradigma positi- se, também, que essa base teórica apresenta
vista (MALDANER, 2006, p. 142).
maior potencialidade de compreensão, de
Por tanto, a justificativa para as ligações entendimento dos motivos que levam a
químicas ocorrerem é a mesma contemplada comunidade científica a pensar dessa forma
na maioria dos livros didáticos, sem mencio- atualmente. Os estudantes conseguiriam
nar a atração entre cargas de sinal oposto e compreender, pela razão, como ocorrem as
atrações eletrostáticas, somente a Regra do ligações químicas, o que pode motivá-los a
Octeto. Isso que demonstra a for te influên- buscar aprendizagens no campo da química
cia do livro didático sobre as aulas do Ensino pela satisfação intelectual proporcionada por sua
Médio. A compreensão submicroscópica dos compreensão. Conforme Lopes,
constituintes da matéria é pouco contemplada uma vez superado o irracionalismo, a
nos livros didáticos e parece não predominar ele não se retorna. Essa obstrução de
irracional é marca de uma ruptura níti-
no pensamento dos estudantes, que explicam da e clara na ciência, ruptura essa que
as transformações e propriedades da maté- também pode ser identificada entre
ria por informações memorizadas e não pelo conhecimento comum e conhecimento
científico (2006, p. 39).

109
Julga-se que a seleção de conteúdos e a dos e, de outro, as realidades ou pro-
blemas cada vez mais mul tidisciplina-
organização curricular das escolas em geral
res, transversais, mul tidimensionais,
precisam ir mais ao encontro da formação transnacionais, globais e planetários
desse pensamento, que permite usufruir dos (2001, p. 36).
conhecimentos químicos/científicos além dos
muros da escola. Como os estudantes não veem o
conhecimento como um todo inter-relacionado,
eles não apresentam condições de
Considerações FINAIS
recontex tualizar suas aprendizagens escolares
na vida real. Zuliani e Ângelo (2001, p. 70),
Grande par te dos estudantes não lembrou
fundamentados em Watson et al., explicam
ou não sabia conceitos que fazem par te
que essa postura faz com que os escolares
do conteúdo de ligações químicas, como
“desenvolvam duas estruturas explanatórias
a natureza das ligações, o que pode ser
separadas: a pessoal e a da ciência escolar”.
atribuído ao fato de professores e estudantes O que se ensina na escola não é adequado
não acharem conveniente a realização do à realidade e a educação escolar passa a
questionário sobre ligações químicas no 3º ano ter uma função para si própria. Essa é uma
do Ensino Médio, pois esse é um conteúdo do problemática ampla, muito discutida, pois
1º ano. Essa é uma constatação preocupante,
pois se espera que os conteúdos e conceitos a pedagogia científica atual ainda não des-
cobriu uma forma adequada que permita
centrais que constituem o pensamento aos mais jovens se apropriarem do saber
químico estejam presentes na vida dos elaborado, patrimônio da humanidade.
estudantes para sempre e não somente Não descobriu como estimular seu inte-
lecto, proporcionando-lhes uma série de
durante o Ensino Médio ou em alguns anos
novos objetos e caminhos para que o
dele. Isso demonstra a visão fragmentada seu raciocínio consiga atingir estágios de
do conhecimento químico; o professor desenvolvimento cognitivo mais elevados
precisa esclarecer para os estudantes e (MOURA; VALE, 2001, p. 140).

para si mesmo que o conhecimento é para


Os resultados indicam, mais uma vez, a
a vida inteira e não apenas para passar de
necessidade dos professores terem o máxi-
ano. Não basta saber para o ano escolar mo cuidado com aprendizagens iniciais em
ou para passar no vestibular, os conceitos Química para que novas capacidades men-
fundamentais precisam ser compreendidos. tais constituam brotos de desenvolvimento,
A fragmentação do conhecimento contrapõe- segundo Vigotski. Isso pode significar cor tar
se à realidade complexa multidimensional; muitos conteúdos desnecessários e supér-
segundo Morin, fluos na significação inicial da Química, impe-
dindo boa aprendizagem inicial e ocasionando
esse problema confronta-se a educa-
ção do futuro, pois ex iste inadequa- consequente desmotivação. Reafirma-se a
ção cada vez mais ampla, profunda e impor tância do professor acompanhar sua
grave entre, de um lado, os saberes prática pela pesquisa para perceber os níveis
desunidos, divididos, compar timenta- de significação de seus estudantes e reorien-

110
tar o seu trabalho. Isso pode ser feito a par tir FERNANDEZ, Carmen; MARCONDES, Maria
da reflexão sobre a prática dos professores, Eunice R. Concepção dos Estudantes sobre
Ligação Química. Química Nova na Escola, São
mas esta tem que ser realizada à luz
de teorias mais amplas, como aquelas Paulo, n. 24, p. 20-24, nov., 2006.
capazes de analisar a natureza do co-
nhecimento que está sendo veiculado, LOPES, Alice C. Currículo e epistemologia.
de mostrar as possibilidades de com- Ijuí: Ed. UNIJUÍ, 2007.
preensão e abstração dos alunos, de
estimar a impor tância do pensamento MACHADO, Andréa H.; MORTIMER, Eduardo
químico no aluno, avaliar a impor tância F. Química para o Ensino Médio: Fundamentos,
dos conteúdos na compreensão das
vivências e do meio social dos alunos, Pressupostos e o Fazer Cotidiano. In: ZANON,
etc. (MALDANER, 2003, p. 269). Lenir Basso; MALDANER, Otavio Aloisio
(Orgs.). Fundamentos e propostas de ensino
Consiste em uma possibilidade da educação
de Química para a Educação Básica no
“favorecer a aptidão natural da mente em formu- Brasil. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. p. 21-41.
lar e resolver problemas essenciais e, de forma
correlata, estimular o uso total da inteligência ge- MALDANER, Otavio A. A formação inicial e
ral” (MORIN, 2001, p. 39). Dessa forma, os es- continuada de professores de Química. 3. ed.
tudantes atingirão níveis de significação de con- rev. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.
ceitos químicos básicos suficientes para formar ______ et al. Currículo Contex tualizado
o pensamento químico, que passará a influenciar na Área de Ciências da Natureza e suas
as transformações realizadas no contex to social Tecnologias: a Situação de Estudo. In: ZANON,
em que estão inseridos. Espera-se que a edu- Lenir Basso; MALDANER, Otavio Aloisio
cação química/científica escolar possibilite aos (Orgs.). Fundamentos e propostas de ensino
estudantes a inserção na recriação cultural, para de Química para a Educação Básica no
propiciar melhor qualidade de vida às “comuni- Brasil. Ijuí: Ed. Unijuí, 2007. p. 108-138.
dades locais e à sociedade em geral. Afinal, para ______; ZANON, Lenir B.; AUTH, Milton A.
que serve a educação se não para melhorar a Pesquisa sobre educação nas Ciências e
qualidade de vida das pessoas e de seu entor- formação de professores. In: SANTOS, Flávia
no?” (MALDANER; ZANON; AUTH, 2006, p. 71). Maria Teixeira dos; GRECA, Ileana María (Orgs.).
A pesquisa em Ensino de Ciências no Brasil e
Referências suas metodologias. Ijuí: Ed. Unijuí, 2006.
MARTINS, Jorge S. O trabalho com projetos
ANDRADE, Joana de J. de. Na linguagem de pesquisa: do ensino fundamental ao ensi-
química a produção de conhecimentos e a no médio. Campinas: Papirus, 2001.
construção de subjetividades no espaço escolar. MORIN, Edgar. Os sete saberes necessários
In: SANTIAGO, Anna Rosa Fontella et al. (Orgs.). à educação do futuro. Tradução de Catarina
Educação nas ciências: pesquisas discentes Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya; Revisão
2003. Ijuí: Ed. Unijuí, 2004. p. 277- 293. técnica de Edgard de Assis Carvalho. 3. ed.
São Paulo: Cor tez; Brasília, DF: UNESCO, 2001.

111
MOURA, Graziella R. S.; VALE, José M. F. do.
O ensino de Ciências na 5ª e na 6ª séries da
Escola Fundamental. In: NARDI, Rober to
(Orgs.). Educação em ciências: das pesquisas
à prática docente. São Paulo: Escrituras
Editora, 2001.
MORTIMER, Eduardo F. O significado das
fórmulas químicas. Química Nova na Escola,
São Paulo, n. 3, p. 19-21, mai., 1996.
MÜLLER, Hofélia P. Os conteúdos de ensino e
as aprendizagens escolares. In: SANTIAGO,
Anna Rosa Fontella et al. (Orgs.). Educação
nas ciências: pesquisas discentes 2003. Ijuí:
Ed. Unijuí, 2004. p. 207- 230.
PERUZZO, Francisco M.; CANTO, Eduardo L.
Química na abordagem do cotidiano. São
Paulo: Moderna, 2004. v. l. (Livro didático do
Ensino Médio 2).
SANTOS FILHO, Pedro F. Estrutura atômica;
ligação química. Campinas: UNICAMP, 1999.
(Livro didático do Ensino Superior).
TOMA, Henrique E. Ligação Química:
abordagem Clássica ou Quântica? Química
Nova na Escola, São Paulo, n. 6, p. 131-137,
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USBERCO, João; SALVADOR, Edgard. Química
1: Química Geral. 12. ed. São Paulo: Saraiva,
2006 (Livro didático do Ensino Médio 1).
ZULIANI, Silvia R. Q. A.; ÂNGELO, Antonio C.
D. A utilização de metodologias alternativas:
o método investigativo e a aprendizagem de
Química. In: NARDI, Rober to (Org.). Educação
em ciências: das pesquisas à prática docente.
São Paulo: Escrituras, 2001.

112
Anexo

Questionário sobre Ligações Químicas

1) Em um laboratório, verifica-se experimentalmente a ocorrência de condutividade elétrica do


cloreto de sódio solubilizado em água.

a) Escreva a fórmula química representativa desse composto.


b) Como você classificaria essa substância quanto ao tipo de ligação?
c) Mostre a distribuição eletrônica dos elementos em níveis de energia (K, L,M,...), representada
por desenho, que justifica a ligação para a formação desse composto.
d) Justifique, baseado no tipo de ligação, a ocorrência de condutividade elétrica dessa
substância em meio aquoso. Pode representar através de um desenho.

2) O rótulo de uma água mineral com gás traz como composição química as seguintes
quantidades de espécies químicas, todas em mg/L:

Bicarbonato [(HCO3)-] = 184.74; carbonato [(CO3­)2-] = 13,21; nitrato [(NO3)-] = 4,21; sulfato
[(SO4)2-] = 4,06; cloreto = 148; fluoreto = 0, 52, sódio = 76, 83, cálcio = 3,81; magnésio
= 1,79.

a) A par tir das informações, responda: quais são os elementos metálicos presente nessa água?
b) Represente um composto iônico e outro covalente que tenha o carbonato presente como
formador de sua composição.
c) Sabendo que todas as substâncias estão dissolvidas em água, como se explica a
possibilidade de existir metais em solução?
d) Cada um dos metais presentes na solução pode formar um composto com os 6 (seis)
ânions indicados no rótulo. Faça os possíveis compostos de sódio com cada um dos ânions.

3) Para responder as seguintes questões, considere as fórmulas químicas: Al(s); CO2(s) e


Na2CO3(s), que representam substâncias com ligações de natureza diferente:

a) Qual o tipo de ligação química que mantém unidas as espécies químicas básicas (atômicas)
nas substâncias representadas?
b) Ao colocar uma porção dessas substâncias entre os terminais de um circuito elétrico,
conforme o seguinte sistema:

113
qual ou quais substâncias permitem
passagem de corrente elétrica suficiente
para acender a lâmpada?

c) Segundo modelos de ligação química, nas três substâncias, os átomos interagem entre
si por ação dos núcleos sobre os elétrons ex ternos de átomos vizinhos. Como você explica,
conforme sua resposta em b, que algumas substâncias conduzem eletricidade e outras não?
d) As combinações entre os átomos para formar as substâncias são específicas e dependem
muito da energia envolvida nas interações, um átomo não se liga com qualquer outro átomo. O
que determina um átomo a fazer ligação com outro?

114

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