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Cetoacidose diabética

Introdução Diante do exposto e considerando a gravidade dessas

A
complicações, este texto destaca os aspectos fisiopatológicos
cetoacidose diabética (CAD) é uma complicação gra- da CAD, com ênfase no tratamento.
ve que pode ocorrer durante a evolução do diabetes
mellitus tipos 1 e 2 (DM1 e DM2).1 Está presente em Fatores precipitantes
cerca de 25% dos casos no momento do diagnóstico do DM1
e é a causa mais comum de morte entre crianças e adolescen- Os estados infecciosos são a etiologia mais comum da CAD.
tes com DM1, além de ser responsável por metade das mortes Dentre as infecções, as mais frequentes são as do trato respira-
nesses pacientes com menos de 24 anos (D).1-6 Em um gran- tório superior, as pneumonias e as infecções de vias urinárias.
de estudo nacional, o Brazilian Type 1 Diabetes Study Group Além disso, na prática diária, é necessário valorizar outros fa-
(BrazDiab1SG), que avaliou 3.591 pacientes com DM1 (56% tores importantes, como acidente vascular cerebral (AVC), in-
do sexo feminino) de instituições de atendimento público, o gestão excessiva de álcool, pancreatite aguda, infarto agudo do
diagnóstico de DM1 realizado por meio da CAD foi de 42,3%.7 miocárdio (IAM), traumas e uso de glicocorticoides.14
Um estudo recente demonstrou que os valores elevados Dentre as drogas ilícitas, a cocaína pode ser a causa de epi-
de hemoglobina glicada (HbA1c) são preditores de CAD em sódios recorrentes de CAD em jovens (C). Os distúrbios psi-
crianças e adolescentes com menos de 18 anos, concluindo quiátricos associados a irregularidades na condução da dieta
que o controle glicêmico insatisfatório em longo prazo se re- ou no uso diário de insulina também podem contribuir para
laciona com o seu diagnóstico independentemente de fatores a CAD. A utilização crescente na prática psiquiátrica de com-
demográficos e socioeconômicos.8 Nesse contexto de dados postos denominados antipsicóticos atípicos para o tratamento
do BrazDiab1SG com quase metade (47,5%) dos pacientes do transtorno de humor bipolar e da esquizofrenia (clozapina,
com DM1 apresentando (HbA1c) ≥ 9%,9 a CAD acaba tendo olanzapina, risperidona e quetiapina, por exemplo) é capaz
ainda maior importância no Brasil. de aumentar o risco de distúrbios metabólicos, como ganho
A CAD moderada e grave deve ser tratada em Unidade de peso, dislipidemia, DM, CAD e pancreatite aguda, sendo
de Terapia Intensiva e, fundamentalmente, por profissionais observados riscos maiores com a clozapina e a olanzapina e
habilitados para esse tipo de complicação. É importante sa- menores com a risperidona e a quetiapina (B).15-19
lientar que, durante muitos anos, considerou-se a CAD uma Atualmente, com o uso mais frequente de bombas de infu-
complicação específica do DM1. Entretanto, a literatura tem são contínua subcutânea de insulina ultrarrápida, tem-se ob-
publicado vários relatos de CAD em indivíduos com DM2, servado aumento na incidência de CAD. Tal fato pode ocorrer
inclusive em idosos acima de 70 anos. em razão da obstrução parcial ou total do cateter, provocando
Antes do advento da insulina, a taxa de mortalidade da redução aguda de infusão de insulina(C).20,21
CAD oscilava em torno de 90%. Da década de 1950 em dian- Vale lembrar que a descompensação glicêmica costuma
te, com a evolução de todo o arsenal terapêutico, como anti- ser mais prolongada e mais grave em pacientes com DM1 re-
bioticoterapia, a ênfase no processo de hidratação, o controle cém-diagnosticados e idosos com diabetes associado a pro-
eletrolítico e o uso de insulina regular, essa taxa foi reduzida cessos infecciosos ou com limitações no autocontrole físico
para aproximadamente 10%(B).7,10 Atualmente, em centros ou psíquico.10,22,23
de excelência no tratamento de CAD, a mortalidade geral
é inferior a 1%, mas podendo ser > 5% em indivíduos mais Fisiopatologia
velhos e com doenças graves,1 e, quando evolui com ede-
ma cerebral, pode atingir 30% ou mais. As principais cau- Na CAD, fundamentalmente, o que ocorre é a redução na
sas de morte por CAD são edema cerebral, hipopotassemia, concentração efetiva de insulina circulante associada à libe-
hipofosfatemia, hipoglicemia, complicações intracerebrais, ração excessiva de hormônios contrarreguladores, entre os
trombose venosa periférica, mucormicose, rabdomiólise e quais o glucagon, as catecolaminas, o cortisol e o hormônio
pancreatite aguda.11,12 de crescimento. A deficiência de insulina pode ser absoluta,
O prognóstico depende das condições de base do pacien- em pacientes com DM1, ou relativa, como observado em pa-
te, com piora sensível em idosos, gestantes e aqueles com cientes com DM2 na presença de estresse ou doenças inter-
doenças crônicas.13 correntes. Em resumo, essas alterações hormonais na CAD

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desencadeiam o aumento da produção hepática e renal de dos casos (B). Em alguns casos, são verificadas dilatação, atonia
glicose e a redução de sua captação pelos tecidos periféricos e estase gástrica, o que agrava o quadro de vômitos. O atraso no
sensíveis à insulina, resultando em hiperglicemia e hiperos- início do tratamento da acidose e da desidratação pode evoluir
molalidade no espaço extracelular. Portanto, a hiperglicemia com choque hipovolêmico e morte.1,32
é resultante de três mecanismos: ativação da gliconeogênese e
da glicogenólise e redução da utilização periférica de glicose, Achados laboratoriais
principalmente nos músculos.
A combinação de deficiência de insulina com aumento de A avaliação laboratorial inicial de pacientes com CAD
hormônios contrarreguladores provoca a liberação excessiva deve incluir a determinação de glicose plasmática, fósforo,
de ácidos graxos livres do tecido adiposo (lipólise), os quais, ureia, creatinina, cetonemia, eletrólitos, inclusive com o cál-
no fígado, serão oxidados em corpos cetônicos (ácidos beta- culo de ânion-gap, análise urinária, cetonúria, gasometria,
-hidroxibutírico e acetoacético) em um processo estimulado hemograma e eletrocardiograma. Quando necessário, solici-
sobretudo pelo glucagon e devido ao aumento da relação glu- tam-se raios X de tórax e culturas de sangue e urina (B).
cagon/insulina e diminuição da atividade da malonil coenzi- A última recomendação da American Diabetes Associa-
ma A, responsável por modular o transporte dos ácidos gra- tion (ADA), datada de 2009, adota, como critério diagnóstico
xos livres para dentro da mitocôndria dos hepatócitos para da CAD, glicemia sanguínea ≥ 250 mg/dL,1 porém alguns pa-
oxidação no sistema microssomal. Assim, todo esse processo cientes apresentam aumentos menores nos valores da concen-
culmina em cetonemia e acidose metabólica (C). Finalmente, tração da glicemia sanguínea após a retenção ou diminuição
na CAD, observam-se desidratação e glicosúria de graus va- da dose da insulina na presença de doenças que diminuem
riáveis, diurese osmótica e perda de fluidos e eletrólitos.1,24-26 a ingesta alimentar. Em 1973, Munro e colaboradores relata-
Os inibidores do cotransportador sódio-glicose 2(SGLT2), ram 211 episódios de CAD, 16 (7,6%) com glicemia sanguínea
uma nova classe de antidiabéticos orais, cuja função é dimi- < 200 mg/dL, condição denominada, na época, de CAD euglicê-
nuir a glicemia plasmática ao inibir a reabsorção tubular renal mica. Essa apresentação é mais vista em gestantes com diabetes,
de glicose, podem estar associados a CAD em pacientes com pacientes com diminuição da gliconeogênese durante abuso do
DM1 e DM2.27,28 Uma apresentação atípica de CAD que pode álcool e, mais recentemente, em uso de inibidores de SGLT2.30
atrasar o diagnóstico e o início do seu tratamento, sendo des- Recentemente, Dhatariya e Umpierrez sugeriram a neces-
crita com o uso de inibidores de SGLT2, é a denominada CAD sidade de revisar os posicionamentos de CAD com a mudança
“euglicêmica”, em razão de elevações discretas e moderadas na de critério para hiperglicemia ≥ 200 mg/dL. Em concordân-
glicose sanguínea relatadas em alguns casos. Dados de estudos cia, os critérios bioquímicos atuais revisados para o manejo
randomizados com inibidores do SGLT2 relataram baixa inci- da CAD em crianças e adolescentes da International Diabe-
dência de CAD em pacientes com DM2 (cerca de 0,07%),29-31 tes Federation (IDF) são: glicemia sanguínea > 200 mg/dL,
contudo o risco de CAD em uso inapropriado entre aqueles sendo que, em casos raros, a glicemia pode ser < 200 mg/dL
com DM1 é elevado (acima de 10%); 5% requerem admissão (CAD euglicêmica);30 pH de sangue venoso < 7,3 ou bicarbo-
hospitalar para o seu tratamento. Os potenciais mecanismos nato sérico < 15 mmol/L, além de cetonemia e cetonúria.1,30
de CAD com o uso de inibidores de SGLT2 foram relatados, A CAD é definida como grave quando evolui com pH de san-
incluindo o aumento do glucagon, a redução da dose diária gue venoso < 7, moderada entre 7 e 7,24 e leve entre 7,25 e 7,3.1
de insulina requerida, a diminuição da supressão da lipólise, a A maioria dos pacientes com CAD apresenta-se com leu-
cetogênese e a diminuição da excreção urinária de cetonas.28 cocitose, verificada em até 55% dos casos, e pode traduzir
apenas intensa atividade adrenocortical (B). O sódio sérico
Diagnóstico mostra-se abaixo do normal em 77% dos casos na CAD devi-
do à transferência osmótica de líquidos do espaço intra para
o extracelular, vômitos e, também, pela perda renal associada
História e exame físico aos corpos cetônicos (B). No diagnóstico, o potássio sérico
pode estar elevado em 37% dos casos, secundário à acidose,
O quadro clínico da CAD representa uma evolução lenta e normal em 58% ou baixo em 5% dos casos, dependendo das
progressiva dos sinais e sintomas de DM descompensado. En- reservas prévias nos espaços intra e extracelulares, além de
tre eles, citam-se poliúria, polidipsia, perda de peso, náuseas, exigir bastante cuidado durante o tratamento, pelo risco de
vômitos, sonolência, torpor e, finalmente, coma (B). arritmias ou até de parada cardíaca (B). Os valores de fosfa-
Ao exame físico, na presença de acidose, podem-se obser- to plasmático podem encontrar-se normais (54% dos casos)
var hiperpneia e, em situações mais graves, respiração de Kuss- ou aumentados (38% dos casos) no diagnóstico e tendem a
maul. Desidratação com pele seca e fria, língua seca, hipotonia diminuir com a terapia insulínica (B). A elevação da ureia e
dos globos oculares, extremidades frias, agitação, face hipere- creatinina reflete a depleção de volume intravascular. Outros
miada, hipotonia muscular, pulso rápido e pressão arterial va- achados são hipertrigliceridemia e hiperamilasemia, as quais,
riando do normal até o choque hipovolêmico (D) podem ocor- quando acompanhadas de dor abdominal, podem sugerir o
rer. A intensificação da desidratação dificulta e torna doloroso diagnóstico de pancreatite aguda(D).1,6-10 A seguir, o cálculo
o deslizamento dos folhetos da pleura e do peritônio, sendo bioquímico do ânion-gap:
possível observar defesa muscular abdominal localizada ou ge-
[Na+ - (Cl- + HCO3-)]; normal = 8 a 10 mEq/L3
neralizada, com quadro de dor abdominal presente em até 51%

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Diagnóstico diferencial rapia são a insulina regular ou análogos de insulina ultrarrápida


se a via de administração for subcutânea (SC), intramuscular
A cetose de jejum, a cetoacidose alcoólica, a acidose lácti- (IM) ou por infusão intravenosa contínua. A insulina somente
ca pelo uso inadequado de fármacos como salicilatos e met- deve ser iniciada se o potássio for superior a 3,3mEq/L, devido
formina e outras causas de acidose, com ânion-gap elevado, ao risco de arritmias associado à hipopotassemia.
por exemplo, e insuficiência renal crônica, são facilmente Nos episódios mais graves de CAD, a via de escolha é a infu-
diagnosticadas pela história clínica e avaliação laboratorial.1,33 são intravenosa contínua de insulina regular, e a dose, em média,
de 0,1 U/kg/h (A). Em casos leves ou moderados, pode-se utili-
Tratamento zar insulina regular IM, a cada hora, ou análogos ultrarrápidos
SC, a cada 1 ou 2 horas (A). Apesar de muitos estudos demons-
As metas do tratamento das crises hiperglicêmicas agudas são: trarem a mesma eficácia e segurança das vias SC e IM, estas são
• Manutenção das vias respiratórias pérvias e, em caso de recomendadas apenas em casos moderados ou leves.10,32-40
vômitos, indicação de sonda nasogástrica; Vários estudos prospectivos e aleatorizados após a década
• Correção da desidratação; de 1970 demonstraram que não há vantagens no uso de altas
• Correção dos distúrbios eletrolíticos e acidobásicos; doses de insulinas se comparadas às baixas doses.10,37,41,42 A uti-
• Redução da hiperglicemia e da osmolalidade; lização de baixas doses na terapia insulínica, associada à reposi-
• Identificação e tratamento do fator precipitante. ção de volemia, à correção de eletrólitos e à administração mo-
nitorada de soro glicosado com diminuição da glicemia, com a
Reposição de líquidos e de eletrólitos taxa menor que 50 mg/dL/h, têm apresentado excelentes resul-
tados no tratamento de episódios graves de CAD em adultos.41
Para a correção da desidratação, na ausência de comprome- Em crianças, o uso de baixas doses de insulina (0,1 U/kg/h)
timento das funções cardíaca e renal, deve-se indicar infusão sa- nos protocolos de tratamento da CAD também demonstraram
lina isotônica de cloreto de sódio (NaCl) a 0,9%, em média 15 a eficácia em relação às altas doses, com menor potencial de hi-
20 mL/kg na primeira hora, buscando-se restabelecer a perfusão poglicemia e hipopotassemia.41 A dose de 0,1 U/kg/h vem sen-
periférica (A). A escolha subsequente de fluidos dependerá da do utilizada amplamente em crianças e adolescentes, contudo
evolução dos eletrólitos séricos e da diurese. Se o paciente evolui um recente estudo demostrou que o uso de doses muito baixas
com sódio elevado (≥ 150mEq/L), deve-se prescrever solução sa- (0,03 e 0,05 U/kg/h) no tratamento inicial normaliza adequa-
lina hipotônica de NaCl 0,45%, em média, 10 a 14 mL/kg/h. Caso damente os valores do ácido beta-hidroxibutírico.42
contrário, pode-se administrar solução isotônica de NaCl 0,9%.26 Em estudos prospectivos e aleatorizados, nos quais se
Durante a reposição volêmica inicial, alguns posicio- compararam a eficácia e a segurança dos análogos lispro e
namentos oficiais recomendam o uso de solução coloide a asparte SC a cada hora ou a cada 2 horas e a glulisina IV,
pacientes hipotensos. No entanto, a hipotensão ocorre por não houve diferenças significativas entre os grupos, inclu-
perda de solução de eletrólitos, então a reposição fisiológica sive no que diz respeito a doses totais de análogos utiliza-
ocorreria com solução cristaloide. Uma revisão da Cochrane dos, ao tempo de internação e de episódios de hipoglicemias
não mostrou melhores resultados do uso de fluido coloide em (C).43-45 Uma metanálise avaliou o tratamento de CAD leve e
relação à solução cristaloide.34 moderada com análogo de insulina lispro SC de 1 a 2 horas
Com a função renal normal, ou seja, com débito urinário, em comparação ao grupo controle com infusão intravenosa
inicia-se a infusão de 20 a 30 mEq/L de cloreto de potássio (KCl) de insulina regular em um total de 156 pacientes em quatro
19,1% por hora, com a proposta de manter o potássio sérico entre estudos. A média de duração para a resolução da hiperglice-
4 e 5 mEq/L. É importante comentar que esses pacientes, princi- mia, a dose requerida, o número de dias de hospitalização e
palmente se evoluírem com falência cardíaca ou renal, devem ser a quantidade de episódios de hipoglicemias foram similares,
continuamente monitorados, do ponto de vista hemodinâmico, porém houve redução de 39% nos custos em um estudo que
para prevenir a sobrecarga de líquidos.26 Na prática, a fim de agi- utilizou a lispro.46
lizar a reposição de potássio, um ponto ainda em debate é se a sua Outro aspecto importante e a favor do uso de baixas do-
dosagem na gasometria venosa pode substituir a do plasma.35,36 ses de insulina é que, com a correção gradual da glicemia e,
Em estudo retrospectivo comparando a acurácia da mensuração portanto, da osmolalidade, pode-se prevenir o edema cerebral
da concentração de potássio feita na gasometria venosa (KGV) clínico, sobretudo em jovens. Em um estudo com crianças em
em relação ao potássio plasmático (KP), a diferença entre as média de idade de 11 anos, com DM1, a infusão contínua in-
médias foi de 1,13 mmol/L (p = 0,0005). Não houve associação travenosa de insulina regular na dose padrão de 0,1 UI/kg/h
significativa entre o pH e as glicemias e a diferença das médias foi comparada com a dose de 0,05 UI/kg/h. Não houve dife-
de KGV e KP. Portanto, apesar de a dosagem de potássio na gaso- renças nas correções de glicemia e de pH sanguíneo entre os
metria venosa ser tecnicamente mais rápida e fácil, ela não deve, dois grupos nas 6 primeiras horas de admissão.47,48 De acordo
na prática, substituir a dosagem plasmática (B).35 com a ADA, o uso de bolus intravenoso de insulina regular no
início do tratamento é desnecessário e não recomendado para
Insulinoterapia crianças, em razão do aumento de risco de edema cerebral
(A). Em adultos, há necessidade de mais estudos controlados
Para corrigir a hiperglicemia e a acidose metabólica, inicia-se e aleatorizados para que esse procedimento seja implementa-
a terapia com insulina. Os pontos de debate quanto à insulinote- do de rotina (D).49,50

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Com a evolução do tratamento, quando a concentração de Complicações


glicose na CAD atingir 200 a 250 mg/dL, deve-se iniciar o soro
glicosado a 5% associado à insulina regular intravenosa contí- As complicações mais comuns da CAD são hipoglice-
nua ou SC a cada 4 horas até a resolução da CAD. Na prática, os mia secundária ao uso inapropriado de insulina; hipopo-
critérios utilizados para definir o controle laboratorial da CAD tassemia, devida à administração de doses inadequadas
incluem glicemias ≤ 200 mg/ dL, bicarbonato sérico ≥ 15 mE- de insulina e/ou de bicarbonato de sódio; hiperglicemia
q/L e pH ≥ 7,3.1 Assim que o paciente conseguir alimentar-se e secundária à interrupção de infusão de insulina sem co-
estiver bem controlado dos pontos de vista clínico e laborato- bertura correta de insulina subcutânea; hipoxemia; edema
rial, inicia-se a insulinoterapia basal com insulina humana de agudo de pulmão e hipercloremia por infusão excessiva
ação intermediária ou com análogos de insulina de longa ação, de fluidos. O edema cerebral é uma complicação rara no
associada a múltiplas injeções de insulina regular ou análogos adulto, mas pode evoluir com herniação de tronco cere-
de insulina ultrarrápida antes das refeições. bral e parada cardiorrespiratória; portanto, deve ser tra-
tado prontamente com infusão intravascular de manitol a
Bicarbonato 20% (A). A correção gradual da glicemia e da osmolalida-
de pode prevenir o edema cerebral clínico (B). As doen-
A administração de bicarbonato de sódio intravenoso de ças agudas rinocerebrais, denominadas de mucormicoses,
rotina não demonstrou melhora clínica na resolução da acido- também podem ocorrer, principalmente em imunossupri-
se, duração do plano de tratamento e mortalidade em pacientes midos. Insuficiência renal aguda, rabdomiólise e fenôme-
com CAD1,51 e geralmente não é recomendada, essencialmente nos tromboembólicos são incomuns, e, quando presentes,
em crianças. A recomendação do uso de bicarbonato de sódio são secundários a desidratação grave.1,56-62
se reserva a casos graves de pacientes adultos com acidose com Em crianças, as complicações de CAD são raras, sendo o
pH < 6,9. Caso seja indicado, a dose preconizada em adultos edema cerebral responsável por aproximadamente 0,5 a 1%
é de 50 a 100 mmol, diluídos em solução isotônica de 400 mL nesse grupo. Os fatores de risco para o seu desenvolvimento
para reduzir o potencial risco de hipocontratilidade cardíaca e durante a CAD são: paciente com DM1 recém-diagnosticado,
arritmias.28 Atenta-se para a chance de hipocalemia durante a bicarbonato baixo, baixa pressão parcial de CO2 e valores au-
administração do bicarbonato de sódio.52 mentados de ureia sanguínea. Outras complicações raras em
O uso de bicarbonato de sódio com pH > 6,9 não melhora crianças incluem trombose venosa profunda, trombose veno-
o prognóstico (A). Os riscos de uso inapropriado são alcalo- sa cerebral, acidente vascular encefálico, rabdomiólise, pneu-
se metabólica, acidose liquórica paradoxal, edema cerebral e momediastino, edema pulmonar, pancreatite, sangramento
anóxia tecidual.10,53 digestivo alto e complicações cognitivas.63

Fosfato Conclusão
A hipofosfatemia leve é um achado comum e geralmente O diagnóstico correto e o tratamento rápido e eficaz
assintomático durante a terapia da CAD. Não está indicada a da CAD são essenciais para diminuir a morbidade e a
reposição de sais de fosfato de rotina, em parte devido ao ris- mortalidade. Muitos desses episódios podem ser preve-
co de hipocalcemia, não havendo evidências suficientes que nidos com o bom controle metabólico do DM por meio
demonstrem a melhora do prognóstico quando em compa- de tratamento adequado com insulinas ou análogos de
ração com o não uso. Em raras situações de extrema deple- insulina, automonitoramento, orientação educacional aos
ção de fosfato, que podem evoluir com manifestações clínicas familiares e ao próprio paciente. A facilidade de comuni-
graves, como insuficiência cardíaca congestiva, insuficiência cação com o especialista ou grupo multidisciplinar que
respiratória aguda e outras condições clínicas associadas à hi- acompanha o paciente é fundamental para a orientação
póxia, a reposição adequada de fosfato torna-se imperiosa e precoce e adequada no início de qualquer evento poten-
geralmente evolui com bom prognóstico (A).50,54,55 cialmente precipitante.64

Quadro 1. Recomendações e conclusões.


Grau de
Recomendações e conclusões
recomendação
Grave: o uso de insulina regular intravenosa contínua (bomba de infusão) é o tratamento de escolha A
Leve ou moderada: pode-se usar insulina regular IM, a cada hora, ou análogos ultrarrápidos SC, a cada hora, ou a cada 2 horas A
O uso de bicarbonato de sódio com pH > 6,9 não melhora o prognóstico A
Indica-se o fosfato apenas com hipofosfatemia grave em pacientes com anemia, insuficiência cardíaca congestiva ou em
A
condições clínicas associadas à hipóxia
Deve-se tratar o edema cerebral prontamente, com infusão intravascular de manitol a 20% A
Indica-se solução salina isotônica (NaCl a 0,9%) no tratamento da desidratação A
em crianças, não se recomenda insulina regular intravenosa em bolus no início do tratamento A

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Grau de
Recomendações e conclusões
recomendação
É prudente usar o bicarbonato de sódio em baixas doses com pH < 6,9 A
Em adultos, o uso de insulina regular intravenosa em bolus no início do tratamento pode ser benéfico D
A correção gradual da glicemia e da osmolalidade pode prevenir o edema cerebral clínico B
A: estudos experimentais e observacionais de melhor consistência; B: estudos experimentais e observacionais de menor consistência; C: relatos de casos – estudos não
controlados; D: opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consenso, estudos fisiológicos ou modelos animais.

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