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Resumo: O texto apresenta uma reflexão sobre o uso da técnica da retórica do ódio
como estratégia política para a instrumentalização da Guerra Cultural no Brasil atual, no
âmbito da gestão das políticas culturais. Como proposta analítica, buscamos identificar
características discursivas da retórica do ódio presentes em postagens publicadas na
mídia social Twitter pelo ex Secretário de Cultura do Governo Federal Mário Frias,
referentes a programas, projetos e pessoas relacionadas ao campo cultural brasileiro . O
método de análise utilizado se baseia na etnografia textual proposta por Rocha (2021),
que consiste na observação crítica de textos publicados em redes sociais, buscando
identificar as duas características estruturantes da retórica do ódio: a desqualificação
nulificadora e a hipérbole descaracterizadora. O estudo dos tweets indicam a utilização
da retórica do ódio como estratégia de fragilização de uma concepção democrática de
cultura, técnica amplamente utilizada pela extrema direita brasileira na atualidade.
Nesse sentido, torna-se necessário um aprofundamento analítico do uso das redes
sociais como arena que tem viabilizado a guerra cultural fundamentada na retórica do
ódio, para caracterizar seu funcionamento, desvelar suas técnicas de atuação, denunciar
seu autoritarismo e os impactos reais sobre a cultura brasileira.
Abstract: The text presents a reflection on the use of the hate rhetoric technique as a
political strategy for the instrumentalization of the Cultural War in Brazil today, in the
context of the management of cultural policies. As an analytical proposal, we aim to
identify discursive characteristics of the rhetoric of hatred present in posts published on
the social media Twitter by the previous Secretary of Culture of the Federal
Government, Mário Frias, referring to programs, projects and people related to the
1
O título faz referência ao sistema de indexação utilizado por usuários na rede social Twitter, onde o
símbolo denominado Hashtag (#) tem como objetivo colocar um tema em evidência e ampliar sua
reprodução.
2
Bacharela interdisciplinar em artes pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
dianaosreis@gmail.com
3
Mestranda em Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
isadorafloress@gmail.com
4
Professora Assistente da Universidade do Estado da Bahia (UNEB)-Campus XVIII, Doutoranda em
Cultura e Sociedade pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). tvinhas@uneb.br
brazilian cultural field. The analysis method used is based on the textual ethnography
proposed by Rocha (2021), which consists of the critical observation of texts published
on social networks, seeking to identify the two structuring characteristics of the rhetoric
of hate: nullifying disqualification and de-characterizing hyperbole. The study of the
tweets indicates that Mário Frias uses the rhetoric of hate as a strategy to weaken a
democratic conception of culture, a technique widely used by the Brazilian extreme
right today. In this sense, it is necessary to further analyze the use of social media as an
arena that has made cultural warfare based on the rhetoric of hatred possible, to
characterize its operation, unveil its operating techniques, denounce its authoritarianism
and the real impacts on brazilian culture.
INTRODUÇÃO
É imprescindível atentar para o fato de que parte significativa deste embate vem
ocorrendo em plataformas digitais, que se consolidaram de forma paradoxal enquanto
espaço de posicionamentos políticos e morais tanto de membros do governo, quanto da
população de forma mais ampla. Em especial o Twitter, que mais recentemente vem
sendo acusado de lucrar com a viralização dos discursos de ódio. Neste sentido, há
também um beneficiamento dos movimentos conservadores que utilizam esta
plataforma para difundir ódio, teorias conspiratórias e textos desqualificadores de
agentes culturais e movimentos sociais. Uma análise do discurso que tem sido
construído sobre a cultura no Brasil pelo ex Secretário Mário Frias, recém desligado da
pasta, e que sintetiza as diretrizes práticas adotadas na condução da secretária que ele
foi responsável, torna-se de extrema relevância para compreender as disputas culturais e
o seu impacto nas políticas culturais na atualidade.
Esta disputa pelo controle do Estado é explicada por Bourdieu (2014, p.139)
como “uma espécie de reserva de recursos simbólicos, de capital simbólico que é ao
mesmo tempo instrumento para um certo tipo de agentes e objeto de luta entre esses
agentes". Esta disputa simbólica veio à tona desde as manifestações contra a Dilma,
quando imagens e discursos de alusão a estupro e demais formas de violências foram
utilizadas com naturalidade entre seus opositores. Este período também foi marcado
pelo aumento e o uso estratégico do que se cunhou como “fake news”, ou simplesmente
a divulgação de notícias falsas como o “kit gay” e a “mamadeira erótica”,
reiteradamente usadas como argumentos contra o governo PT desde 2014. Aliado a
estes aspectos, um movimento em prol de intervenção militar também ganha as ruas,
configurando uma característica derradeira ao caráter fascista e autoritário do que vinha
se delineando no país nos últimos anos. O retorno do velho “medo” de uma revolução
comunista é o estopim para que militares sejam convidados a assumirem o poder.
(...) reduz o adversário ideológico num outro tão absoluto que ele
passa a se confundir com um puro nada, um ninguém de lugar
nenhum. O efeito é assustador porque autoriza a completa
desumanização de todo aquele que não seja espelho de minhas
próprias convicções. (ROCHA, 2021, p.60)
Roda bixa, roda hétero ou roda alienígena não tem relação com os aspectos e
manifestações da nossa cultura. Verificarei mais a fundo essa questão, para ver
como será juridicamente possível garantir que os recursos da cultura não sejam
aplicados para outros fins.
O uso comparativo do nome do evento com o adjetivo alienígena é uma
estratégia comum de desumanização das pessoas LGBTQIA+, considerando o outro tão
diferente que pode se enquadrar na categoria de não humano. O jogo das palavras usado
no tweet reforça, através do uso de um trocadilho grosseiro e de fácil compreensão, a
homofobia, pois “A reprodução dos preconceitos exige um discurso fácil e sintético,
uma vez que eles operam por generalizações grosseiras e remete ao senso comum não
refletido.” (MIGUEL, 2018, p.47).
Nessa breve análise sobre a relação entre as guerras culturais e a retórica do ódio
a partir dos tweets do ex Secretário Especial de Cultura, destacamos a função das mídias
na construção das polêmicas frequentemente acendidas no Twitter, uma vez que pela
brevidade dos textos é necessária uma concisão do assunto e uso de recursos que
possam dar destaque às publicações. Em Variações Sobre o Ethos (2020), Dominique
Maingueneau revela que na internet a análise do discurso é confrontada por novas
tecnologias da comunicação, que não se trata apenas de um modo tradicional de análise.
No caso do Twitter, o autor salienta a ênfase dada aos conteúdos, pela necessidade da
criação de conteúdos destacáveis, memoráveis, e que fazem emergir um ethos
ideológico identificável.
Nesse sentido, torna-se necessário um aprofundamento analítico do uso das
redes sociais como arena que tem viabilizado a guerra cultural bolsonarista
fundamentada na retórica do ódio, e seus impactos reais sobre a cultura brasileira. Para
tanto, é essencial empreender “a passagem da caricatura à caracterização” (ROCHA,
2021, p. 17). Isso significa compreender que, por mais absurda que seja a lógica de
atuação do bolsonarismo, não podemos negligenciar o projeto elitista e antidemocrático
que tem sido posto em funcionamento no Brasil. Caracterizar seu funcionamento,
desvelar suas técnicas de atuação, denunciar seu autoritarismo é o caminho possível
para a resistência.
CONCLUSÃO
5
Lei 8.313/1991, que prevê o apoio à cultura através do mecanismo de incentivo fiscal. Os limites e
controvérsias da Lei Rouanet têm sido evidenciadas por diferentes estudos, como os de CALABRE
(2009), RUBIM (2012) . Entretanto, vale evidenciar que os ataques do governo Bolsonaro à lei constitui
um desvirtuamento das críticas analíticas elaboradas por estudiosos da área, e se resume à retórica
superficial de que a lei beneficia artistas, que utilizam os recursos para enriquecimento ilícito.
Nesse sentido, torna-se imprescindível compreender que as práticas discursivas e
ações efetivas do governo Bolsonaro contra a cultura constituem um projeto deliberado,
intencional e articulado que mobiliza a guerra cultural como instrumento que visa “a
destruição de culturas democráticas, emancipatórias, laicas e republicanas, e a criação
em seu lugar de culturas autoritárias, fundamentalistas, terraplanista, elitistas e
moralistas do novo velho Brasil.” (RUBIM, 2021, p.47).
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