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Introdução:

“Carisma sem caráter é uma desgraça” (Pr. Márcio Valadão)

Pelo menos dois anos de experiência na área. Ensino médio completo. Conhecimento básico
de informática. Disponibilidade para cumprir turnos em finais de semana. Ofertas de vagas de
emprego costumam exigir requisitos como esses. Afinal, uma secretária pode precisar de lançar os
agendamentos em uma planilha do excel, um caixa necessitará de saber fazer contas matemáticas
básicas, uma pessoa não vai conseguir atuar como gerente de um setor de vendas se nunca foi
vendedor. Em suma, para se candidatar a qualquer posição que seja, a pessoa precisará preencher
alguns requisitos mínimos.

Será que o mesmo vale para o ministério? Por um lado, parece óbvio afirmar que sim. Até
porque, se nós humanos temos nossos próprios critérios de seleção, é razoável imaginar que o nosso
Deus, cujos padrões são muito mais elevados e excelentes do que os nossos, também os tenha. O
problema é descobrir quais sãos eles. Afinal de contas, Deus é Soberano, Onipotente, Onisciente e
Onipresente. O que significa que Ele sabe quem é o melhor indicado para uma vaga e pode,
simplesmente, ir até aquela pessoa e falar com ela diretamente, sem ter que prestar contas a
ninguém. De fato, isso é o que nós conhecemos pelo nome de chamado. Deus vai até os ministros e
os comissiona para uma determinada tarefa. Como o Senhor faz isso por conta própria e não nos
deve satisfação, diversas vezes ficamos sem entender os motivos que O levaram a escolher certos
indivíduos. Mesmo nas Escrituras, muitos dos relatos de Deus escolhendo e separando alguém para
uma tarefa específica, não vem acompanhados de uma explicação.

Contudo, existe um tipo particular de situação que nos ajudará a compreender os critérios
divinos de seleção. Ao longo das Escrituras, por diversas vezes, Deus coloca pessoas em posição de
autoridade e concede àquelas pessoas a incumbência de selecionar ajudantes, auxiliares, discípulos,
enfim, aqueles com quem elas deverão compartilhar a tarefa de liderar. E, embora Deus esteja
delegando ao líder a tarefa de escolher seus subordinados, Ele não costuma o deixar sem instrução.
Por isso, em diversos lugares das Escrituras, nós vamos encontrar listas de características
necessárias para o exercício do ministério, registradas a fim de fornecer aos líderes israelitas (no
caso do Antigo Testamento) e cristãos (no caso do Novo Testamento) um padrão para orientar a
escolha de futuros líderes e ministros.

A maior parte dessa disciplina será dedicada a examinar cuidadosamente duas dessas listas,
muito semelhantes entre si, que figuram nas epístolas pastorais do apóstolo Paulo (especificamente
1 Timóteo e Tito), uma vez que elas são instruções diretas para o estabelecimento de líderes cristãos
e foram compostas já no período do Novo Testamento, sendo portanto as mais relevantes para nossa
realidade atual.

Contudo, antes de entrar nas cartas paulinas, vamos examinar a primeira de todas as listas a
aparecer nas Escrituras, pois ela nos ajudará a estabelecer algumas definições básicas que serão
relevantes ao longo de toda a disciplina.

1. Definições Básicas

“Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e inimigos
de ganho desonesto. Estabeleça-os como chefes de mil, de cem, de cinqüenta e de dez.” (Ex 18.21)

Jetro era um homem sábio. Depois de observar o trabalho de seu genro por um dia, ele
chegou à seguinte conclusão: “O que você está fazendo não é bom” (Ex 18.17). Moisés era o único
juiz do povo, o que fazia com que ele tivesse que atender o povo “desde a manhã até o cair da
tarde”, criando sempre uma fila imensa. “Você e o seu povo ficarão esgotados, pois esta tarefa lhe é
pesada demais. Você não pode executá-la sozinho.” (Ex 18.18). Para resolver esse problema, Jetro
lhe deu um conselho: “escolha algumas pessoas para dividirem a tarefa contigo”. Só que a tarefa era
importante demais para confiá-la a qualquer um. As pessoas escolhidas deveriam atender a uma
lista de requisitos. Uma lista bem pequena, é verdade, de apenas quatro itens. Contudo, cada um
desses itens aponta para aquelas que são as questões essenciais de se considerar ao julgar a aptidão
de um possível ministro. Colocando de outra forma, os quatro elementos presentes nessa pequena
lista vão ser visíveis de alguma maneira nas demais listas bíblicas de requerimentos. São eles:

1.1 Habilidade

“Mas escolha dentre todo o povo homens capazes” (Ex 18.21a)

Uma das questões essenciais de se considerar ao avaliar um candidato ao ministério é se ele


tem a habilidade necessária para executar as tarefas que lhe serão confiadas. Antes de colocar
alguém a cargo do ministério infantil, veja se ele sabe lidar com crianças. Observe se a pessoa tem
alguma aptidão para o ensino antes de nomeá-la como responsável pela escola dominical. Procure
alguém cauteloso e organizado para colocar na zeladoria. Enfim, verifique se o candidato é apto
para realizar a tarefa.

De forma bem simples, o que estamos chamando de habilidade pode ser definido como:

• A soma dos dons e talentos necessários para executar o que Deus te chamou para fazer.

Aqui está incluso tanto aqueles que são considerados como “dons espirituais/ministeriais”
(listados em 1Co 12, Ef 4, Rm 12, etc.) como as chamadas “aptidões naturais” (facilidade para
cantar, habilidade matemática, atenção a detalhes, etc.), afinal, toda a habilidade procede de Deus
(Tg 1.17). Aliás, uma vez que é o Senhor quem nos capacita, de todos os elementos a se considerar
ao julgar a aptidão de alguém para o exercício do ministério, esse é o que recebe menos atenção.
Afinal, o fato de você não ter nascido com um dom ou talento, não é empecilho para um Deus que
pode simplesmente te conceder um novo dom quando ele for necessário (cf. Ex 4.10-12).

1.2. Caráter

“Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus” (Ex 18.21a)

Esse item já merece mais destaque. Inclusive é parte do título da própria disciplina. Para
explicar porque a expressão “tementes a Deus” aponta para a questão do caráter, antes precisamos
definir o que é caráter. Vamos trabalhar com três definições principais:

• As qualidades peculiares de uma pessoa, impressas nela pela natureza ou pelos hábitos

Essa primeira definição nos aponta para o significado mais simples de caráter: o conjunto
das características que compõem a personalidade de alguém. Em um certo sentido todo mundo tem
caráter, só que algumas pessoas tem um mau caráter. Contudo, geralmente a palavra caráter é usada
em sentido positivo (repare que a definição utiliza a palavra qualidades). Por isso às vezes dizemos
que alguém “não tem caráter”. Ele tem características próprias, claro, mas elas não são qualidades.

A segunda parte da definição acima é ainda mais reveladora. Essas qualidades que compõem
o caráter de alguém podem ser impressas nele pela natureza ou pelos hábitos. Colocando de outra
forma tem questões do seu caráter que nascem com você, ao passo que outras você desenvolve com
o passar do tempo. Isso explica porque algumas questões são fáceis de lidar para uns e difíceis para
outros. Tem gente que nasce com um temperamento mais tranquilo, outros que são naturalmente
mais sensíveis às necessidades alheias. Por outro lado, alguns são mais apegados a coisas materiais
e outros são mais tentados na área da lascívia. Às vezes a pessoa é assim desde sempre, desde que
nasceu praticamente. No entanto, a boa notícia é que você não está restrito apenas às características
com as quais nasceu. Os seus hábitos também moldam você. Por isso a Bíblia pode nos ordenar
“Não se amoldem ao padrão deste mundo, mas transformem-se pela renovação da sua mente, para
que sejam capazes de experimentar e comprovar a boa, agradável e perfeita vontade de Deus” (Rm
12.2). É uma ordem! Você deve se transformar. Você é responsável (ainda que em parte) pela pessoa
que você se tornará. Mas essa transformação não é algo que ocorre da noite para o dia. É aquilo que
fazemos habitualmente que influencia nosso caráter (cf. Js 1.8, Sl 1.1-6, Gl 5.16, 1Co 15.33-34). O
que nos leva diretamente à segunda definição de caráter:

• Constância estabelecida relativa à maneira de agir e reagir

“As nossas ações revelam o nosso caráter” é uma meia verdade. Apenas um ato de
generosidade não é suficiente para classificar alguém como generoso. De fato, nós só consideramos
alguém como generoso se a pessoa constantemente age de maneira generosa. Se você deseja
investigar o seu próprio caráter, observe aquilo que é recorrente. Você pode ter sido áspero com
alguém, em um determinado dia, apenas por ter dormido mal na noite anterior. Contudo, se você
frequentemente tem tratado as pessoas de forma rude e desrespeitosa, isso provavelmente faz parte
do seu caráter. Melhor ainda é você observar as suas reações. Afinal, ações podem ser planejadas
com antecedência, mas a maneira que você reage às situações que te pegam de surpresa revelam
muito do que está no seu coração.

De fato, é para essa questão do que “está no coração” que aponta a próxima definição:

• Índole, soma de hábitos, virtudes e vícios

Índole tem a ver com inclinação ou tendência. Vários textos bíblicos destacam essa questão
da inclinação do coração. “O coração do sábio se inclina para o bem, mas o coração do tolo, para o
mal” (Ec 10.2). De fato, embora a bíblia nos ensine a cuidar das nossas ações, existe também muita
instrução acerca da importância de lidar com nossas inclinações. Porque, afinal de contas, são elas
que motivarão as nossas ações. “Acima de tudo, guarde o seu coração, pois dele depende toda a sua
vida.” (Pv 4.23). Ou seja, o nosso caráter pode ser visto como a fonte, ao passo que nossas atitudes
(e até nossas palavras cf. Mt 12.34) são o fruto da interação entre o nosso caráter e as nossas
circunstâncias.
Pensar dessa forma nos leva a conclusão de que é melhor investir em tratar o caráter do que
apenas em vigiar as atitudes. Em outras palavras, é melhor ir direto à raiz do problema. De fato, é
isso que as Escrituras nos ensinam, especialmente no Novo Testamento. Não me entenda mal, já
havia a preocupação com o caráter no Antigo Testamento, em especial na literatura sapiencial e nos
textos proféticos, mas a Lei muitas vezes se limitava a estabelecer limites externos porque estava
limitada pelo pecado que escravizava a humanidade (Rm 8.3-4). Uma vez que Cristo nos redimiu e
o seu Espírito começou a agir em nosso interior, a nossa vida vem sendo transformada de dentro
para fora. Por isso que Cristo esperava mais de seus discípulos. Por isso que o ensino do sermão do
monte (Mt 5-7) era tão focado em questões internas (pensamentos, sentimentos, motivações, etc.).

A fórmula “Ouviste o que foi dito […] eu porém vos digo” (usada seis vezes em Mt 5.21-48)
não deve ser lida como uma revogação da Lei (Mt 5.17), mas como um aprofundamento a fim de
atingir o pleno cumprimento. Agora que fomos libertos do pecado, que o Espírito Santo habita em
nós e somos participantes da Nova Aliança, estarmos no mesmo patamar de justiça que as pessoas
da Antiga Aliança não é mais aceitável (Mt 5.20). Antigamente, vigiar as atitudes e cortar fora o
fruto pecaminoso era tudo que eles podiam fazer. Agora, Cristo nos ensina a arrancar o mal pela
raiz. Não basta controlar a ira e evitar matar alguém, é preciso eliminar o ódio e buscar a
reconciliação (Mt 5.21-26). Afinal, se eu não alimento o ódio por alguém, dificilmente eu serei
tentado a matar aquela pessoa. De fato, se eu for ainda mais longe, e estiver alimentando o amor por
aqueles que me odeiam (Mt 5.44), aí mesmo é que, ao invés de ser instrumento de morte, eu serei
instrumento de vida, orando pela vida deles (afinal, ódio não muda nada, mas a súplica do justo
pode mudar muita coisa, cf. Tg 5.16). Por isso que caráter é uma questão tão importante.

Por essa razão, ao aconselhar seu genro, Jetro sugeriu que Moisés buscasse “homens
tementes a Deus”. Porque não é possível achar pessoas perfeitas, mas aqueles que tem temor do
Senhor tem a tendência de se aproximar da sabedoria (Pv 1.7) e se afastar do mal (Pv 16.6). Uma
vez que o temor a Deus não é uma atitude em si, antes é algo que motiva ou impulsiona a pessoa a
agir de certa forma, dizemos que isso se trata de uma questão de caráter.

1.3. Reputação

“Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança”
(Ex 18.21a)
Avaliar a aptidão de um candidato ao ministério pelo caráter é algo que faz todo sentido
quando pensamos do ponto de vista divino, pois Deus sabe o que se passa no nosso coração.
Todavia, na prática, isso não é muito fácil de implementar. Afinal, como você vai saber se aquele
seu liderado pode assumir uma posição no ministério? Nós não conhecemos o coração das pessoas.
Por um lado, como já vimos, se observarmos a pessoa por um período de tempo (desde que não seja
demasiadamente curto) podemos perceber padrões de comportamento que nos revelem o seu
caráter. Contudo, isso ainda é limitado. Porque, afinal de contas, a pessoa pode agir de maneira
espetacular diante de você (porque quer te impressionar) ou todas as vezes que participa dos cultos
e das reuniões eclesiásticas (porque são “lugares sagrados”), contudo ser um péssimo exemplo em
casa ou no trabalho. Por isso, além de consultar Àquele que sonda os corações, obviamente (At
13.2-3), é muito importante prestar atenção à reputação de alguém.

De forma bem simples, podemos definir reputação como:

• A opinião das pessoas em relação a alguém, o que pensam acerca dela.

No que diz respeito à reputação, existem duas posturas principais, ambas erradas. A primeira
é a do “não importa o que vão pensar de mim”, a segunda é o que a Joyce Meyer chama de “o vício
de agradar a todos”.

As pessoas do “não importa o que vão pensar de mim” geralmente justificam sua postura
apontando para a ênfase exagerada que nossa sociedade coloca na opinião alheia, para o fato de que
é impossível agradar a todos e para a importante observação de que até Jesus que era perfeito tinha
pessoas que não gostavam dele e não parecia se abalar com isso. De fato, todas essas questões são
verdadeiras. Contudo, dizer que Jesus não se importava com o que pensavam dele é um exagero.

“Chegando Jesus à região de Cesaréia de Filipe, perguntou aos seus discípulos: ‘Quem os homens
dizem que o Filho do homem é?’ Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros,
Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas’. ‘E vocês?’, perguntou ele. ‘Quem vocês dizem
que eu sou?’” (Mt 16.13-15)

Jesus nunca deixou de fazer o que tinha que ser feito ou de dizer o que tinha que ser dito,
independente do que as pessoas pensassem ao seu respeito. Ele não teve medo de ser chamado de
amigo de publicanos e pecadores (Lc 7.34) pelos fariseus, por exemplo. Mas na passagem acima
Ele está procurando saber a opinião dos seus discípulos a seu respeito. Por que? Será que Ele
precisava da aprovação dos seus discípulos? Será que Ele tinha medo de perdê-los? Claro que não!
Jesus nunca deixou de fazer a vontade do Pai por causa da opinião dos seus discípulos (cf. Mt
16.23), nem tinha medo de perdê-los (Jo 6.60-67). Contudo, se Ele buscou saber a opinião dos
discípulos a seu respeito é porque alguma importância havia nisso. Embora o texto não diga
claramente a razão pela qual Jesus perguntou sobre a opinião deles, não é difícil de imaginar. Em
primeiro lugar, eram os seus discípulos que iriam ensinar a seu respeito para a próxima geração de
cristãos (Mt 28.19-20), por isso Jesus poderia estar se certificando de que eles entendiam quem Ele
era (de fato há uma menção à edificação da igreja alguns versos depois). Além disso, era com eles
que Cristo gastava a maior parte do seu tempo durante seu ministério terreno e, se as pessoas para
quem ministramos não acreditam em nós, elas não vão receber o que estamos ministrando (cf. Mc
6.1-6).

Esse último ponto é essencial para nós. Não devemos nos preocupar com a opinião de todas
as pessoas, pois é simplesmente impossível agradar a todos. Contudo, a opinião das pessoas para
quem você foi chamado a ministrar, certamente é importante. Se elas não acreditam no mensageiro,
como receberão a mensagem? Uma excelente frase, atribuída ao escritor cristão Tony Cooke,
resume bem essa ideia: “A credibilidade é a moeda do ministério”.

Por outro lado, devemos tomar muito cuidado para não ir para o outro extremo e nos
tornarmos “viciados em agradar a todos”. Nossa cultura, de fato, põe ênfase demais na opinião
alheia. Estamos a todo tempo projetando nas redes sociais uma imagem perfeita de nós mesmos,
com a intenção de impressionar as pessoas. Curiosamente, esse tipo de comportamento não tem
nada de novo. Jesus acusava os fariseus de serem assim, demasiadamente preocupados em mostrar
virtude a fim de impressionar as pessoas (Mt 6.1-18). Um dos grandes problemas desse tipo de
atitude é que nos leva a focarmos mais na imagem do que na realidade (Mt 23.5-7,23-28). Nos
tornamos superficiais, excelentes na aparência, mas péssimos na essência.

“Caráter é como uma árvore e reputação, a sombra. A sombra é o que nós pensamos sobre isso. A
árvore é a realidade” (Abraham Lincon).

Essa frase nos ensina duas questões importantes. Em primeiro lugar, sempre priorize o seu
caráter. Reputações são fáceis de forjar e inteiramente passíveis de serem injustamente destruídas
(através de difamação, por exemplo). Contudo, a verdade sempre virá a tona (cf. Mt 7.15-23).

Em segundo lugar, essa frase nos leva de volta ao início dessa seção. Por que devemos
considerar a reputação de um candidato ao ministério? Porque, quanto não podemos enxergar a
árvore, observar a sombra pode nos revelar muito sobre ela. Não temos acesso à realidade do
caráter, por estar escondida dentro do coração da pessoa. Mas, ao observar a reputação dela,
podemos aprender acerca do seu caráter. Podemos conhecer a árvore pelos seus frutos (Mt 7.15-20).

Por isso, uma vez que poderia ser difícil para Moisés descobrir quais pessoas de fato temiam
ao Senhor, Jetro o aconselhou a procurar por pessoas dignas de confiança. Confiança é algo que se
constrói com o tempo e se perde com facilidade. O mesmo pode ser dito da reputação. Por isso ela
serve como um indício do caráter, uma vez que ele não se revela em ações pontuais, mas na
constância em agir de uma determinada forma. Por isso também não devemos ter pressa nas
questões ministeriais. Tenha paciência. Cuide do seu caráter e as pessoas verão o seu fruto. Se você
estiver do outro lado da história, dê tempo para que as pessoas possam manifestar o fruto do caráter
delas, antes de colocá-las em uma posição ministerial.

1.4. Integridade

“Mas escolha dentre todo o povo homens capazes, tementes a Deus, dignos de confiança e
inimigos de ganho desonesto.” (Ex 18.21a)

Uma vez que você encontrar alguém habilitado e cuja boa reputação indique um bom
caráter, a única questão que falta é verificar se essa pessoa é íntegra. Integridade pode ser definida
como:

• Inteireza, plenitude, sinceridade.

A ideia de inteireza e plenitude pode ser entendida, por um lado, como o contraponto à
tendência de compartimentar a vida (cf. Mt 23.23-24, Tg 3.9-12). Isso, de fato, é uma questão
extremamente relevante. Infelizmente, muitos cuidam de suas “vidas espirituais” e negligenciam
sua saúde física e emocional. Zelam pelo ministério, mas não dão a devida atenção aos seus
familiares. Suas células se multiplicam na mesma velocidade de suas dívidas.

Pensando assim, a recomendação de Jetro seria entendida apenas como “veja se a vida
financeira deles está em ordem”. De fato, tendo em visto que as demais listas bíblicas costumam
cobrir uma gama de tópicos relacionadas às mais diversas áreas da vida, incluindo finanças, essa é
uma interpretação plausível. Contudo, o conselho de Jetro nos parece ser mais do que apenas o
equivalente a: “veja se o nome deles não consta no SPC nem no Serasa”. Para serem selecionados
por Moisés os candidatos precisavam ser inimigos do ganho desonesto. Ou seja, não basta eles não
terem histórico de ganhos escusos, eles deveriam ser inimigos da prática. Por que? Ora, porque eles
seriam juízes. Ainda que eles nunca tenham recebido propina na vida, se eles forem abertos à ideia,
eles não podem receber autoridade para julgar. Por que eles certamente iriam receber propostas de
suborno no exercício da função.

Portanto, essa questão tem a ver como uma característica que os ajudaria a manter o seu
caráter e a sua reputação. Afinal de contas, como vimos, ambos podem ser perdidos. Maus hábitos
corrompem o caráter e, consequentemente, a reputação. Por isso, é muito importante que o ministro
tenha atitudes que auxiliem na manutenção do caráter (cf. 1Co 9.24-27).

Não é a toa que uma das definições de integridade é sinceridade. Sincero, no latim, trazia a
ideia de algo puro, sem mistura. Alguns afirmam que essa palavra era usada para descrever itens
feitos de um único material. A palavra teria sido associada com “ausência de falsidade” por causa de
uma prática comum de consertar itens quebrados, tais como estátuas de mármore ou vasos de
cerâmica, colando as partes com cera e vendendo-os como se fossem inteiriços. A razão disso é que
a cera, se devidamente esquentada, poderia colar as partes e dificilmente seria percebida. A não ser,
claro, se o item fosse colocado ao sol, por exemplo. Isso resultaria no derretimento da cera e no
descolamento das partes.

Buscar a integridade, portanto, implica em buscar formas de se manter inteiro, mesmo diante
das pressões. A absoluta maior parte das listas de requisitos encontradas nas epístolas paulinas vai
lidar com questões relacionadas à integridade. Afinal, Paulo bem sabia das pressões que
acompanhavam o exercício do ministério.

2. As listas das epístolas pastorais:

Trataremos as três listas (as duas de 1Tm 3 e a de Tt 1) em conjunto, porque elas se


sobrepõem (muito se repete, mas as leves diferenças são significativas. Esse é um caso de
"paralelismo temático", semelhante ao que ocorre em textos sinóticos).

2.1. Introdução

Antes de entrar nas listas propriamente ditas, porém, vamos observar o contexto em que
cada uma das cartas foi escrita. Isso será importante, principalmente para entendermos a motivação
de Paulo em conceder essas listas aos seus companheiros de ministério.

2.1.1. Tito

"A razão de tê-lo deixado em Creta" (Tt 1.5a)

Na época da composição da carta, Tito está em Creta. O verso acima deixa implícito que
Paulo vai a Creta junto com Tito, mas precisa seguir viagem (Provavelmente cerca de 58 d.C., pós
At 28 [afinal, Creta só em mencionada no capítulo 27 do livro de Atos e Paulo estava preso na
época]). Por não haver nenhuma menção anterior a uma viagem de Paulo à ilha de Creta, essa
viagem com Tito parece ser a pioneira (O que é reforçado pelo fato de que, apesar de haver mais
itens na lista de Tito, não temos aqui a instrução de não colocar neófitos na posição de liderança
[porque, bem, todos eram neófitos…]).

Paulo começa o processo de plantação de igrejas nas cidades da ilha, mas deixa Tito para
terminá-las (o que fica claro na próxima frase).

"foi para que você pusesse em ordem o que ainda faltava" (Tt 1.5b)

Tito deveria terminar o que Paulo começou. O que, forçosamente, iria requerer que ele
estabelecesse uma liderança própria no local.

"e constituísse presbíteros em cada cidade" (Tt 1.5c)

"Em cada cidade" porque a ilha era grande, havia várias cidades espalhadas por ela.

"como eu o instruí" (Tt 1.5c)

Essa frase deixa claro que Paulo está apenas reforçando o que ele já havia dito anteriormente
O que leva muitos a crer, inclusive, que as cartas pastorais eram mais cartas de "autorização" (ou
seja, para manifestar o apoio de Paulo a Tito) do que cartas pessoais.

"É preciso que" (Tt 1.6a)


Aqui começa a lista de características que iremos detalhar. Mas, o motivo pelo qual essas
qualificações são requeridas é exposto depois, a partir do verso dez.

"Pois há muitos insubordinados que não passam de faladores e enganadores" (Tt 1.10a)

Duas formas de entender essa afirmação: 1- Esses insubordinados não servem para a
liderança (ou seja, procure com cuidado para não colocar um desses); 2- Esses insubordinados só
vão se submeter a líderes que conquistem o respeito (por isso escolha os líderes com cautela).

"especialmente os do grupo da circuncisão" (Tt 1.10b)

O legalismo continuava sendo um problema para o ministério de Paulo. Em Creta, os


judaizantes estariam fomentando a insubordinação. Alternativamente, esse verso pode apontar para
o fato que os judeus, que em outros lugares talvez seriam bons líderes pela longa exposição aos
princípios da Torá, em Creta eram os piores.

"É necessário que eles sejam silenciados" (Tt 1.11a)

Precisamos de líderes para calar as heresias que se espalham.

"Pois estão arruinando famílias inteiras" (Tt 1.11b)

Falso ensino é destrutivo.

“Ensinando coisas que não devem" (Tt 1.11c)

Uma possível referência a um ensino verdadeiro, porém desassociado da prática (ou só


reforçando a ideia do falso ensino mesmo).

"E tudo por ganância" (Tt 1.11d)

Nem sua doutrina era pura, nem seu coração. (cf. 1Tm 6.3-10). A partir da menção à
ganância dos falsos mestres, Paulo passa a falar dos problemas morais das comunidades cretenses.

"Um dos seus próprios profetas chegou a dizer" (Tt 1.12a)


Além dos problemas com as falsas doutrinas, eles tinham diversos problemas morais
(apontados por eles mesmos!). Esse "autodiagnóstico" é muito importante quando estamos lidando
com pessoas de uma cultura distinta da nossa (por causa do risco de etnocentrismo).

"Mentirosos, feras malignas, glutões preguiçosos" (Tt 1.12b)

Problemas morais dos mais diversos.

"Tal testemunho é verdadeiro" (Tt 1.13a)

E Paulo concordava com o diagnóstico!

"Portanto, repreenda-os severamente, para que sejam sadios na fé" (Tt 1.13b)

A repreensão visava a correção das suas práticas imorais.

"e não deem atenção às lendas judaicas nem a mandamentos de homens que rejeitam a
verdade" (Tt 1.14)

Mas a repreensão também era para que eles não mais se sujeitassem aos falsos ensinos.

"Para os puros, tudo é puro, mas para impuros e descrentes nada é puro" (Tt 1.15a)

Trate os problemas na raiz.

"De fato, tanto a mente quanto a consciência deles está corrompida" (Tt 1.15b)

Ensinos errados e práticas erradas.

"Afirmam que conhecem a Deus, mas por seus atos o negam" (Tt 1.16a)

As práticas revelam o coração.

"São detestáveis, desobedientes e desqualificados para toda a boa obra" (Tt 1.16b)
O que, obviamente, não se aplica a todos porque do contrário Tito nunca acharia
irrepreensíveis entre eles.

"Você, porém, fale o que está de acordo com a sã doutrina" (Tt 2.1)

Já que ele tinha que lidar com as falas doutrinas e com as práticas erradas (que se remediam
com o ensino correto), enquanto ele ia procurando os líderes para estabelecer, ele mesmo devia se
dedicar a ensinar. (O resto da epístola lida com o que Tito deveria ensinar [aplicado especialmente
aos diversos grupos com os quais deveria lidar]).

2.1.2. Timóteo

"Partindo eu para Macedônia, roguei-lhe que permanecesse em Éfeso" (1Tm 1.3a)

Timóteo estava em Éfeso. Mesmo caso de Tito: Viajava com Paulo, mas Paulo tinha que
seguir em frente. Ao contrário de Tito, porém, a data é mais incerta. Afinal, Paulo tinha um
relacionamento maior com a cidade de Éfeso do que com a ilha de Creta. (At 18.18-21 [Ele deixa
Priscila e Aquila lá e promete voltar, se for da vontade de Deus], At 19 [Paulo volta, fica lá 2 anos
ensinando, foge de lá por causa de um tumulto], At 20.16-17 [Paulo decide não passar em Éfeso na
volta e pede para que os presbíteros da igreja de Éfeso o encontrem em Mileto, cidade vizinha],
provavelmente depois, quando estava preso, escreve uma carta para essa igreja…).

Uma questão é certa: essa igreja já havia sido plantada por Paulo (que, provavelmente já
tinha até constituído líderes lá). 1Tm foi escrita possivelmente na época de At 20, possivelmente
pós At 28 (cerca de 60 d.C.).

"Para ordenar a certas pessoas que não mais ensinem doutrinas falsas e deixem de dar
atenção a mitos e genealogias intermináveis" (1Tm 1.3-4).

O propósito da estadia prolongada de Timóteo era corrigir os falsos mestres e os que


estavam se tornando seus discípulos (A preocupação com a saúde doutrinária condiz com o fato de
que Paulo passou boa parte do seu tempo em Éfeso ensinando, cf. At 19.9-10). As instruções acerca
dos bispos e diáconos especificamente, foram dadas a Timóteo para que Ele "saiba como as pessoas
devem se comportar na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo" (1Tm 3.15). (Afinal, Paulo
pretendia encontrar com ele em breve [1Tm 3.14], mas poderia demorar mais do que o planejado
[1Tm 3.15 {Ou nem chegar a ir até lá, que o foi o que ocorreu caso ele esteja escrevendo durante o
período de At 20}]. Em outras palavras, Timóteo precisava conhecer o padrão porque, enquanto ele
estivesse lá, era sua responsabilidade repreender os líderes que não se adequavam a esse padrão (e,
possivelmente, colocar outros em seu lugar, como veremos mais adiante na epístola, no capítulo
cinco).

“Não aceite acusação contra um presbítero, se não for apoiada por duas ou três testemunhas. Os
que pecarem deverão ser repreendidos em público, para que os demais também temam. Eu o exorto
solenemente, diante de Deus, de Cristo Jesus e dos anjos eleitos, a que procure observar essas
instruções sem parcialidade; e não faça nada por favoritismo. Não se precipite em impor as mãos
sobre ninguém e não participe dos pecados dos outros. Conserve-se puro.” (1 Tm 5.19-22)

O texto instrui Timóteo a não receber acusação contra um presbítero, se não for apoiada por
duas ou três testemunhas. Contudo, se, de fato, ficar comprovado que ele pecou, Timóteo deveria
aceitar a denúncia e repreender o presbítero em público, para que os demais temam. Paulo o exorta
a observar essas instruções sem parcialidade e não agir por favoritismo.

Além disso Timóteo não deveria se precipitar em impor as mãos sobre ninguém. Duas
alternativas: Para colocar novos presbíteros (para substituir os anteriores) ou para restaurar os que
caíram. De qualquer forma “não participe dos pecados dos outros” pode ser lido como “cuide de
você, para que tendo repreendido a outros você não precise ser” ou: “não imponha as mãos de modo
precipitado porque senão você se torna cúmplice dos pecados dos que ordenou/restaurou”.
Conserve-se puro.

Uma vez que compreendemos porque Paulo incluiu essas listas na epístola a Timóteo,
podemos voltar ao capítulo três para observar como elas começavam.

"Fiel é esta palavra" (1Tm 3.1a)

Indica que o que vem a seguir é provavelmente uma citação.

"Se alguém deseja ser bispo, deseja uma nobre função" (1Tm 3.1b)

A ênfase de Paulo não parece estar no fato de que devemos DESEJAR as funções de
liderança, mas no fato de que elas são NOBRES FUNÇÕES. Em grego, kalos ergon. Kalos = belo,
excelente, precioso, recomendável, admirável, nobre, honrada. Ergon = trabalho, obra, emprego,
ocupação. Em outras palavras o ministério é belo, mas dá trabalho.

"É necessário, pois" (1Tm 3.2a)

Dada a nobreza da função, ela não pode ser confiada a qualquer um. Ou, uma vez que vimos
o que Paulo vai pedir de Timóteo, dada a nobreza da função ela não pode ser mantida por alguém
que não esteja a altura de certos padrões.

"Os diáconos igualmente" (1Tm 3.8a)

A primeira lista lidava com os presbíteros, a segunda instrui sobre o ministério diaconal. Em
grego, diakonos = Ministro, servo. Aponta para aqueles que servem a igreja (em qualquer função ou
ministério). “Igualmente”, porque o padrão é exigido de todos os ministros, não apenas dos líderes.

2.2. Características

Uma vez que compreendemos o contexto de cada carta, podemos agora entrar nas listas
propriamente ditas. Ambas começam com a mesma característica:

2.2.1. Irrepreensível (1Tm 3.2/Tt 1.6,7)

Em grego, anepileptos, que significa: “Alguém que não se pode prender ou agarrar,
inatingível”.

A ideia não é, obviamente, de perfeição, mas de alguém que não havia cometido crimes e,
portanto, contra quem não havia acusação. Aquela passagem posterior da epístola de Timóteo (1Tm
5.19) dá a ideia, inclusive, que apenas uma acusação não era o suficiente para ser levado em conta,
em especial depois que alguém já se tornou líder (tendo duas ou três testemunhas, contudo: cf. 1Tm
5.20).

A expressão grega é derivada de uma metáfora esportiva. Um lutador "anepileptos" era


alguém que se protegia tão bem que os seus adversários não encontravam abertura para agarrá-lo ou
acertá-lo. Em geral isso implicava em duas questões:
• Mobilidade

Quanto mais rápido o lutador, mais difícil era atingi-lo. Quanto mais rápido você estiver
disposto a se consertar, menos espaço haverá para acusação (1Co 11.31-32). Devemos julgar a nós
mesmos, para que não necessitemos de ser julgados por outros. Se corrija antes que você precise ser
corrigido. Deus nos julga para que não sejamos condenados. (Hb 12.4-11) O Pai corrige os filhos
que ama. Deus permite a exposição, para evitar a queda (o livro Irresistível a Deus, de Steve
Gallagher, possui alguns exemplos muito fortes dessa realidade).

• Vigilância

Caráter/reputação irrepreensível não se mantém "automaticamente" (1Co 9.24-27). Como o


lutador, na carreira ministerial não se alcança o "status" de irrepreensível sem treinamento (e não se
mantém sem treinamento). “Não como batendo no ar, antes subjulgo o meu corpo e o reduzo à
submissão". É necessário "desferir golpes" na carne rotineiramente. As disciplinas espirituais são
para o ministro o que os regimes de treinamento são para os atletas (Recomendação de leitura:
Celebração da Disciplina [e Rios de Água Viva] - Richard Foster)

"Por ser encarregado da obra de Deus, é necessário" (Tt 1.6)

A lógica é a mesma de (1Co 9.25). Se os atletas se disciplinam da maneira que o fazem para
ganhar uma coroa corruptível, quanto mais nós devemos nos esforçar sabendo que os frutos (e as
recompensas) de nosso trabalho são eternos. O apóstolo Pedro fala que “Quando se manifestar o
Supremo Pastor, vocês receberão a imperecível coroa da glória” (1Pe 5.4). Imperecível, em grego,
é amarantinon - feita de amaranthos (uma flor que, segundo a mitologia, nunca murchava). O
mundo nos oferece uma coroa de louros (que logo murcha e seca) ao passo que Cristo nos oferece
uma coroa de amaranthos. Essa a moral do ensino de Jesus no sermão do monte (Mt 6): As
recompensas terrenas passam, secam, enferrujam, são corroídas e roubáveis. As recompensas
eternas, por outro lado, bem como os corações que as buscam, permanecem protegidos (Mt 6.21).
Cuidado ao buscar demais as recompensas terrenas, elas nem sempre vêm e, quando vem,
rapidamente se vão. Cuidado ao buscar resultados terrenos, pois você nem sempre os verá (O que
não significa que eles não existam. Cf. 1Co 15.58).

Em Tito, a palavra "irrepreensível" parece ser usada para resumir todas as outras: Os versos
6-7 explicam o que Paulo quer dizer com irrepreensível. Listando possíveis repreensões que dizem
respeito à família e que o presbítero deve evitar no v.6 e listando possíveis repreensões morais (ou,
para usar o termo da disciplina, falhas de caráter) que o bispo deve evitar no v.7 (Listas essas que,
como todas as listas morais de Paulo, devem ser tidas como ilustrativas e não exaustivas).

Os versículos 8-9 são o contraponto positivo do v.7. Listando características que ele deve
cultivar no lugar daquelas que ele abriu mão. Mais especificamente, o v.8 lista o contraponto de
cada uma das características do v.7, individualmente e conclui com uma que lida com todas as
negativas.

Ao passo que o v.9 adiciona outra característica que não tem relação direta com o v.7,
todavia é essencial para todo o ministro.

Em outras palavras (primariamente ou resumidamente): o v.6 lida com a reputação, os vs.7-8


com caráter e o v.9 com integridade e habilidade. A estrutura de Timóteo é um pouco mais
complicada (um pouco menos linear), mas encontramos nela os mesmos elementos essenciais. No
que diz respeito à palavra "irrepreensível", por exemplo, ela também parece resumir todas as
características dos bispos (ao passo que as dos diáconos sejam resumidas por "digno").

Uma vez que a estrutura de Tito é mais fácil de acompanhar, seguiremos por ela,
comparando-a com as listas de Timóteo.

2.2.2. Instruções acerca da família (Tt 1.6/1Tm 3.2,4-5,11-12)

2.2.2.1. "Marido de uma só mulher" (Tt 1.6/1Tm 3.2,12)

A segunda característica nas listas de bispos (e a penúltima na lista dos diáconos).

Segundo alguns, isso implica na exigência de que o líder/pastor seja casado. O problema é
que isso entraria em direta contradição com o que Paulo disse à igreja de Corinto:

“Quanto aos assuntos sobre os quais vocês escreveram, é bom que o homem não toque em mulher,
mas, por causa da imoralidade, cada um deve ter sua esposa, e cada mulher o seu próprio marido.
O marido deve cumprir os seus deveres conjugais para com a sua mulher, e da mesma forma a
mulher para com o seu marido. A mulher não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim o
marido. Da mesma forma, o marido não tem autoridade sobre o seu próprio corpo, mas sim a
mulher. Não se recusem um ao outro, exceto por mútuo consentimento e durante certo tempo, para
se dedicarem à oração. Depois, unam-se de novo, para que Satanás não os tente por não terem
domínio próprio. Digo isso como concessão, e não como mandamento. Gostaria que todos os
homens fossem como eu; mas cada um tem o seu próprio dom da parte de Deus; um de um modo,
outro de outro. Digo, porém, aos solteiros e às viúvas: é bom que permaneçam como eu. Mas, se
não conseguem controlar-se, devem casar-se, pois é melhor casar-se do que ficar ardendo de
desejo.” (1Co 7.1-9)

Nesse texto nós vemos Paulo afirmando que o celibato é bom (v.1), mas, por causa da
imoralidade, cada um deve ter seu próprio cônjuge (v.2) (Ou seja: Casamento > imoralidade). Os
cônjuges devem cumprir seus "deveres conjugais" (vs.3-5), porque, depois de casado, você não tem
mais autoridade sobre o seu próprio corpo (v.4). Não se recusem, para que Satanás não os tente por
não terem domínio próprio (v.5) (a não ser por mútuo consentimento, por um curto período de
tempo, para dedicarem-se a oração). Isso é concessão e não mandamento (v.6). Essa parte é
importante. Ela pode se referir ao v.5 [até ao v.7], mas provavelmente se refere ao v.2. O que
significa que casamento não é mandamento (aliás, o apóstolo Paulo preferia que todos fôssemos
celibatários cf. v.7). Mas, cada um tem o seu próprio dom da parte de Deus (v.7). O que fica
implícito é que celibato é um dom, bem como casamento (ou seja, há quem tenha dom para ser
marido/esposa, há quem não tenha). Portanto, não faz sentido algum interpretar a expressão “marido
de uma só mulher” como sendo uma referência à obrigatoriedade do casamento para o exercício do
ministério.

Outra interpretação comum é que “marido de uma só mulher” seria uma recomendação
contra todo e qualquer segundo casamento, o que também contraria as orientações de Paulo à igreja
de Corinto (cf. 1Co 7.39), uma vez que ele mesmo menciona momentos onde o segundo casamento
é legítimo (em casos de viuvez, por exemplo). Obviamente, não estou afirmando que todo e
qualquer tipo de segundo casamento é aprovado pelas Escrituras, apenas que esse texto não pode ser
interpretado como uma proibição definitiva ao segundo casamento (assunto esse que será discutido
em outra matéria do Carisma).

Uma vez que a pauta não é celibato nem segundo casamento, do que esse texto trata então?
Provavelmente, ele está lidando com duas situações: poligamia e infidelidade conjugal.

Poligamia não era parte do plano original de Deus (Gn 2.24). Todavia, não há nas Escrituras
nenhuma ordem direta contra tal prática, exceto talvez por Dt 17.17, que é dirigido aos reis de Israel
e parece condenar não a poligamia em si, mas o exagero. A razão é que, comumente, somente
homens muito ricos poderiam ter mais do que uma esposa (cf. 2Sm 12) e, portanto, a única classe
de pessoas que tendia a ter que "vigiar" quanto ao número de esposas adquiridas era a realeza.

O que Paulo parece querer com essa instrução (caso ela seja lida como diretamente anti-
poligâmica) é: 1- Que os líderes se limitem a uma esposa por causa da dedicação ao ministério (1Co
7.32-35). O que faria dessa instrução uma exortação à consagração, à dedicação exclusiva (ou
quase) ao chamado. Ou: 2- Que os líderes sejam monogâmicos a fim de estabelecer o padrão da
congregação. Afinal, desfazer casamentos que já existem gera uma série de problemas (sociais e
morais [afinal, divórcio não é algo exatamente recomendado nas Escrituras]). Porém, criar essa
regra para os líderes faz com que as próximas gerações tendam a abandonar a prática naturalmente,
sem que haja uma onda de divórcios e abandonos.

Entender “marido de uma só mulher” como uma instrução contra a infidelidade conjugal é
ainda mais fácil. Afinal, os deveres familiares ocupam uma posição de destaque nas epístolas
paulinas (1Co 7/Ef 5/Cl 3) e em outras, inclusive (1Pe 3). Além disso, a imoralidade sexual era um
problema sério nas igrejas gentílicas (1Co 6.9-20/Gl 5/Ef 5/Cl 3…) e o casamento é a maneira santa
de suprir os desejos sexuais (1Co 7.2). Por isso, de uma certa forma, "ser marido de uma só mulher"
além de ser uma questão de reputação, para esses líderes gentios também era uma proteção, uma
maneira de manter a integridade (cf. Gn 2.16-17, a provisão sempre vem antes da proibição e é
quando não damos valor àquilo que Deus já nos deu ficamos vulneráveis aos ataques do diabo).

Acima de tudo, porém, Deus considera o casamento algo muito sério (cf. Mt 5.27-37, Ef
5.22-33). Ele chega a afirmar que se recusa a ouvir as orações de quem não honra a aliança do
casamento (Ml 2.13-16, 1Pe 3.1-7). No fim das contas, o quanto da vida cristã (que dirá do
ministério!) depende das nossas orações (e, mais especificamente, da ação divina). Portanto, alguém
que não honra seu casamento não pode assumir nenhum tipo de cargo ministerial.

2.2.2.2. “Tenha filhos crentes” (Tt 1.6)

Uma vez que nem o casamento é requerido, como já vimos, certamente não podemos
colocar gerar filhos como uma obrigação (Gn 1.28 não pode ser lido como mandamento para se ter
filhos. A humanidade já se multiplicou e já encheu a terra).

No caso de Tito, uma vez que um dos propósitos de Paulo era que os presbíteros fossem
estabelecidos a fim de combater as heresias (Tt 1.11), eles precisavam, no mínimo, de serem
capazes de convencer seus próprios filhos.

Além disso, a julgar por casos como o do carcereiro de Filipos (At 16), parece que os pais
eram vistos como os líderes da casa, inclusive em questões espirituais (os filhos não seguirem a
crença dos pais seria, portanto, um caso de insubmissão naquela cultura e não um caso de
incapacidade de convencer). Razão pela qual, as duas afirmações seguintes parecem esclarecer o
que Paulo quer dizer com "filhos crentes":

"Que não sejam acusados de libertinagem ou insubmissão"

Libertinagem, em grego, é asotia, que significa: “libertinagem, devassidão, desordem,


dissolução, excesso”. A mesma palavra aparece em Ef 5.18 e Lc 15.13. Deriva do prefixo a “não”
somado à raiz sozo, que significa “salvo”. Por isso asotia é usado para descrever alguém que está
"perdido", que é "pródigo".

Insubmissão, em grego, é anypotaktos, que significa: “desobediente, insubordinado,


insubmisso”. Esse termo é geralmente usado para desobediência e insubordinação pública.

Como o primeiro aponta para excesso e o segundo para desordem de natureza pública e
exposta, essa recomendação pode ser vista como relacionada à reputação. Porém, uma vez que um
dos problemas da igreja cretense (uma das razões pelas quais eles precisavam de liderança
qualificada) era a insubordinação (Tt 1.11), essa qualificação certamente tem a ver com habilidade.
Afinal, se ele não consegue (habilidade) manter os filhos em sujeição, como vai conseguir (ou ter
autoridade [ethos/reputação] para) manter em sujeição os cristãos insubmissos?

Esse é exatamente o mesmo raciocínio exposto em 1 Timóteo :

“Ele deve governar bem sua própria família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a dignidade.
Pois, se alguém não sabe governar sua própria família, como poderá cuidar da igreja de Deus”
(1Tm 3.4-5)

O ministro deve governar bem a sua família, tendo os filhos sujeitos a ele, com toda a
dignidade. A palavra usada no original para dignidade é semnotes: “a característica de algo ou
alguém que a faz digna de reverência e respeito, dignidade, majestade, santidade, honra, pureza”. A
ideia não é de alguém que sujeita os filhos por violência, mas porque vive de tal maneira a inspirar
respeito. Devemos exercer autoridade, não sermos autoritários (não como dominadores, mas
servindo de exemplo cf. 1Pe 5.3)

Além disso, “se alguém não sabe governar a sua própria família, como poderá cuidar da
igreja de Deus?” Colocando de outra forma, quem você é em casa revela se você está apto ou não
ao ministério. Na hora de escolher de alguém para ser líder, observe antes como ele lida com sua
família. Afinal, se alguém não foi fiel no pouco, como poderá ser no muito? (Lc 16.10-12). Ou seja,
quem não sabe usar a autoridade sobre as poucas pessoas (esposa e filhos) que Deus lhe confiou,
como Deus poderá lhe confiar autoridade sobre mais pessoas?. Precisamos ser fiéis nas coisas
naturais para receber as espirituais (ou seja, quem não sabe usar a autoridade "natural" não saberá
usar a "espiritual", cf. Lc 19.17).

“O diácono deve ser marido de uma só mulher e governar bem seus filhos e sua própria casa.”
(1Tm 3.12)

É imprescindível que o diácono saiba governar bem seus filhos e sua própria casa. Caso os
diáconos exerçam aqui em Éfeso função administrativa como em Jerusalém (cf. At 6), o que é
provável, dada a proximidade temporal, para eles a qualificação não parece tanto ser no sentido de
uso da autoridade, mas de habilidade de organização (além de respeitabilidade).

2.2.3. Instruções acerca do caráter (Tt 1.7-8)

2.2.3.1. Não orgulhoso, mas hospitaleiro

• Não orgulhoso

Em grego, authade (de authos + hedonai): “alguém que busca agradar a si mesmo, satisfazer
as suas próprias vontades, alguém que busca os seus próprios interesses, arrogante”. Só é usada aqui
e em 2Pe 2.10, onde está numa lista das características daqueles que "estão reservados para o dia do
juízo". A atitude descrita por essa palavra é exatamente o oposto do amor, que não busca seus
próprios interesses (1Co 13.5). Consequentemente, isso se opõe à própria natureza divina, pois
Deus é amor (1Jo 4.8). Não é à toa que Tiago vai dizer que “Deus se opõe ao soberbo” (Tg 4.6).
Aliás, o capítulo quatro da epístola de Tiago, nos mostra porque essa é uma questão de caráter (cf.
Tg 4.1-10). Os prazeres que militam (strateuomai = lideram, como um general) nos vossos
membros (conduzem a sua carne) (Tg 4.1), produzem cobiça, inveja, morte, guerra (Tg 4.2), afetam
a nossa vida de oração (Tg 4.3) e até nos tornam inimigos de Deus (Tg 4.4). Em outras palavras, a
inclinação por obedecer aos nossos próprios desejos produzirá uma série de atitudes pecaminosas
(por isso se trata de algo relacionado ao caráter, pois é a raiz, a fonte).

Embora esteja falando basicamente da mesma questão, a epístola de Tiago usa outra palavra
grega para soberba: hyperephanos: derivado de hyper (acima, mais, além) + phaino (aparecer,
mostrar, pensar), resultando na ideia de “aparecer mais do que os outros (desejo de chamar a
atenção para si), se considerar superior aos outros”. Exatamente o contrário da atitude de Cristo:

“Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros
superiores a si mesmos. Cada um cuide, não somente dos seus interesses, mas também dos
interesses dos outros. Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus,
não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si
mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma
humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz! Por isso Deus o
exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo nome” (Fp 2.3-9)

Na expressão “com humildade, considere os outros superiores a você mesmo”, a palavra que
foi traduzida como humildade é tapeinophrosune, no original: deriva de tapeis (não se erguendo
muito do chão) + phaino (aparecer, mostrar, pensar), e significa “ter uma opinião humilde acerca de
si mesmo, perceber suas falhas”. O humilde é aquele que enxerga suas próprias falhas. Uma das
grandes tragédias do orgulho é que ele torna a pessoa cega, incapaz de enxergar suas fraquezas. O
apóstolo Pedro vai falar da miopia (2Pe 1.9) daqueles que não crescem na fé e não se lembram de
onde foram tirados.

Se você não enxerga as suas falhas, consequentemente não se arrepende (Por isso Sl 19.23 a
chama de GRANDE transgressão (soberba é um pecado pior do que outros no mesmo sentido que
AIDS é pior do que as outras doenças, porque enfraquece o que poderia te salvar). Se você não se
arrepende, vai permanecer no mesmo caminho e sofrer as consequências dos seus erros (Pv 16.18 -
O orgulho precede a queda, cf. Jz 16 que conta a história de Sansão).

Falando de orgulho e queda:

“Não-neófito para que não se ensoberbeça e caia na condenação do diabo” (1Tm 3.6)
Neófitos ainda não estão prontos para exercer cargos de liderança. Semelhantemente, os
diáconos deveriam ser “primeiramente experimentados; depois, se não houver nada contra eles, que
atuem como diáconos” (1Tm 3.10). Esse despreparo inclui o fato de que novos convertidos ainda
não aprenderam sobre sua nova identidade em Cristo e saber quem nós somos é essencial para a
sermos humildes. Voltando ao texto de Filipenses que diz que Cristo é o nosso modelo de
humildade (Fp 2.5), Paulo começa dizendo que “embora sendo deus” Ele não foi soberbo. Na
verdade, ser humilde não é pensar menos de si mesmo (é pensar menos em si mesmo). Por isso o
apóstolo Paulo vai exortar os cristãos de Roma da seguinte maneira:

“Pois pela graça que me foi dada digo a todos vocês: ninguém tenha de si mesmo um conceito
mais elevado do que deve ter; mas, pelo contrário, tenha um conceito equilibrado, de acordo com a
medida da fé que Deus lhe concedeu” (Rm 12.3)

A expressão “tenha um conceito equilibrado” traduz a palavra grega sophroneo, derivada


sozo (sadia, salva) + phren (mente), que resulta em: “mente sadia, moderada, equilibrada”. (cf. 2Tm
1.7 – Deus nos deu espírito de poder, amor e sophronismos). “Segundo a medida de fé que Deus
deu” (segundo o espírito que Ele nos deu, segundo 2Tm1.7): em outras palavras, aprenda a pensar
sobre você de acordo com o que Deus pensa a seu respeito. Compare, por exemplo, Gênesis
capítulo três com Mateus capítulo quatro, e você verá que uma das principais diferenças entre Jesus
e Eva é que Cristo sabia quem era e se comportava de acordo.

Aliás, o fato de Cristo saber quem era não o impedia de servir. Ao contrário, o capacitava
(Fp 2.7, Jo 13.3-5). Considerar os outros superiores não é se achar pior, é se portar como servo. O
fato de Cristo saber sua identidade também o capacitava a obedecer ao Pai (Fp 2.8). Ao contrário de
Gideão, que se recusava a aceitar o que Deus dizia a seu respeito, por isso relutava em obedecer (Jz
6.12-27) ou de Moisés que se recusava a tirar os olhos de si mesmo e de suas limitações, por isso
relutava em obedecer (Ex 4.10-13). Obediência requer humildade porque eu preciso reconhecer que
as decisões dEle são melhores, que Ele sabe mais (Rm 12.2 - A vontade dEle é que é boa, agradável
e perfeita).

• Hospitaleiro

O contraponto positivo a orgulhoso é hospitaleiro. Em grego, philoxenos, de philos (amor,


amizade) + xenos (estrangeiro, forasteiro, hóspede). O oposto de xenofobia, que é o medo ou
aversão à estrangeiros. O bispo deveria ter “boa reputação para os que estão de fora” (1Tm 3.7).
Paulo se importava também com "os de fora" (cf. 1Ts 4.12, 1Co 10.32, Cl 4.5, At 17.22-31)

Hospitalidade é a contraparte do orgulho porque requer que o ministro se importe com a


necessidade de outros. Vários textos bíblicos destacam a importância da hospitalidade (cf. Hb 13.2,
Rm 12.13-14, 1Pe 4.8-10, 3Jo 5-8).

Além disso, o desejo de hospedar pode ser um indício de integridade. Afinal, para receber
pessoas na sua casa não se pode viver uma vida dupla.

2.2.3.2. Não briguento, mas amigo do bem

• Não briguento

A palavra traduzida como briguento, significa: “irascível, que se ira com facilidade”. A
bíblia nos exorta explicitamente a sermos tardios para nos irar (Tg 1.19) e afirma que ser paciente e
não se irritar facilmente são caraterísticas do amor (1Co 13.4-7).

Tratamos isso como questão de caráter pois “quem facilmente se ira fará tolices” (Pv 14.17)
e provocará dissenção (Pv 15.18a). Ao passo que o paciente acalma a discussão (Pv 15.18b).

“Quando vocês ficarem irados, não pequem. Apazíguem a sua ira antes que o sol se ponha, e não
deem lugar ao diabo.” (Ef 4.26-27)

Se, por um lado, devemos demorar a nos irritar, por outro devemos lidar com a ira o mais
rápido possível a fim de não darmos lugar ao diabo (Jo 8, que é assassino desde o princípio).

• Amigo do bem

No original a expressão é philagathon, de philos (amor, amizade) + agathos (bondade), que


significa: “amigo de tudo que é bom, promotor de virtude”. A ideia de bondade ou virtude é muito
ampla e inclui, basicamente “tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for
correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de
excelente ou digno de louvor” (Fp 4.8).
Ao olharmos para as listas de 1 Timóteo, podemos encontrar algumas características que
também tem um escopo amplo como essa. Na lista dos bispos, por exemplo, temos a palavra
respeitável (1Tm 3.2), também traduzida como ordeiro. Em grego é kosmios, que significa: “de bom
comportamento, modesto, ‘bem organizado’”. A ideia de organização aqui é usada não no sentido
corriqueiro (de alguém que separa no armário as camisas por cor/tonalidade, que tem todas as
gavetas organizadas ou coisa do gênero). Organizado nesse texto tem mais o sentido de alguém que,
na sua vida, tem as coisas estão nos seus devidos lugares. O que comumente chamamos de uma
pessoa equilibrada (o que é sinônimo de maturidade).

Na lista dos diáconos, temos a palavra dignos (1Tm 3.8). No original é semnos: “que
desperta respeito, admiração, reverência”. Embora dignidade também seja uma característica de
largo escopo, a expressão seguinte parece explicar um pouco o que Paulo tinha em mente (ou, ao
menos, exemplificar uma das manifestações desse tipo de dignidade), que é “homens de palavra”.
Em algumas traduções tem a expressão “não de língua dobre” que tem basicamente o mesmo
sentido, mas é uma tradução um pouco mais literal do origal dilogos (“duas falas” ou “dois
discursos”). Em geral, isso é tido como uma crítica à hipocrisia (cf. Gl 2.11-14), à parcialidade (cf.
Tg 2.1-13) ou à mentira (cf. Ef 4.25). Afinal, devemos obedecer à ordem de Cristo:

“Seja o seu ‘sim’, ‘sim’, e o seu ‘não’, ‘não’; o que passar disso vem do Maligno”. (Mt 5.37)

Aqui há duas ideias básicas: 1- Eu não preciso jurar, pois sou alguém que cumpre a palavra,
por isso o que eu digo basta (cf. Tg 5.12); 2- Se eu disse sim é sim, ou seja, não digo sim pensando
que talvez não (cf. 2Co 1.17). Em ambos os casos, a ênfase é em cumprir a palavra. O que pode ser
custoso, às vezes (Sl 15.4). Obviamente, existem circunstâncias nas quais a mudança de planos
pode ser legítima, tais como quando há circunstâncias que fogem ao nosso controle, ou quando a
mudança é para o benefício do outro (cf. 2Co 1.15-2.4). Mas o ensino básico permanece de que
devemos nos esforçar para cumprir a nossa palavra.

Ainda dentro da lista de 1 Timóteo direcionada aos diáconos, há um versículo (1Tm 3.11),
que trata especificamente das mulheres (o que pode ser entendido como orientações para as esposas
dos diáconos ou para as diaconisas) e segue a mesma linha de raciocínio do que foi dito sobre os
diáconos. Começa da mesma forma “as mulheres devem ser dignas (semnos)” e complementa o
conceito de dignidade também com algo relacionado a palavra, só que dessa vez o complemento é
“não caluniadoras”. Em grego a palavra para caluniadoras é diabolos, que deriva do verbo que
significa “caluniar, maldizer, acusar”. Calúnia é uma forma de mentira, contra a qual já falamos
(embora seja uma mentira que tem por objetivo afetar a maneira que outros pensam do objeto da
calúnia). Maledicência e acusação, contudo, são questões que merecem ser mais exploradas.

“Irmãos, não falem mal uns dos outros. Quem fala contra o seu irmão ou julga o seu irmão, fala
contra a Lei e a julga. Quando você julga a Lei, não a está cumprindo, mas está se colocando
como juiz. Há apenas um Legislador e Juiz, aquele que pode salvar e destruir. Mas quem é você
para julgar o seu próximo?” (Tg 4.11-12)

O texto diz: não falem MAL. Ou seja, ainda que você esteja falando “a verdade”, se o que
você está falando a respeito de alguém é negativo isso pode ser considerado maledicência. Em
outras palavras, o fato de não ser uma calúnia não significa que deixou de ser maledicência

Por que a maledicência é ruim? Pois, segundo o apóstolo Tiago, maledicência é se colocar
no lugar de Deus (Tg 4.12). Percebe? Quando você está falando mal você está deixando de se
submeter à Lei para assentar na cadeira de juiz. Esse tipo de juízo é, por si só, um problema.

“Não julguem, para que vocês não sejam julgados. Pois da mesma forma que julgarem, vocês
serão julgados; e a medida que usarem, também será usada para medir vocês. Por que você repara
no cisco que está no olho do seu irmão, e não se dá conta da viga que está em seu próprio olho?
Como você pode dizer ao seu irmão: ‘Deixe-me tirar o cisco do seu olho’, quando há uma viga no
seu? Hipócrita, tire primeiro a viga do seu olho, e então você verá claramente para tirar o cisco do
olho do seu irmão.” (Mt 7.1-5)

Julgar o próximo é um problema porque o que eu planto eu vou colher (vs. 1-2) e porque
quando tenho a tendência de julgar outros (especialmente por coisas menores) deixo de me julgar
(vs.3-5). É o mesmo raciocínio de Tiago. Portanto, evite TODA a forma de maledicência. Se o que
você está prestes a dizer é ruim, não diga.

“Espera aí”, talvez você esteja pensando “então eu devo me calar diante da maldade e do
pecado?”. Não, de forma alguma. Mas existe diferença entre maledicência e repreensão (cf. Mt
18.15). Quando você fala mal de alguém é maledicência. Quando você vai até a pessoa e a
confronta, é repreensão. Falar mal de alguém não ajuda em nada, mas a repreensão pode ajudar a
pessoa a se arrepender. Você só deve contar a outros, caso você tenha repreendido e a pessoa não
tenha te ouvido (cf. Mt 18.16-17). Nesse caso, se você está pedindo ajuda para corrigir o irmão,
não é maledicência, está mais próximo da denúncia.
A denúncia é necessária sempre que você não consegue ou não pode repreender a pessoa
diretamente. Um caso clássico disso é quando a pessoa que precisa de repreensão é um líder seu.
Você pode imaginar que ele não vai te ouvir (talvez até que sofrerá retaliação se tentar). Por isso é
sempre bom que haja uma hierarquia, assim você tem alguém a quem pedir ajuda (cf. 1Tm 5.19-
20). Levar uma denúncia (em 1Tm 5.19, a palavra é kategoria, que é diferente de diabolos, é uma
acusação cujo propósito é gerar a repreensão) a um líder ou alguém mais maduro espiritualmente
não é maledicência. A principal diferença é o propósito. Por fim, vale ressaltar que repreensão
também é diferente de acusação (cf. 2Co 7.8-10) pelo mesmo motivo. A acusação visa produzir
culpa, a repreensão visa produzir arrependimento. O objetivo é "ganhar o teu irmão" (Mt 18.17)

2.2.3.3. Não apegado ao vinho, mas sensato

• Não apegado ao vinho

A mesma expressão é encontrada na lista dos bispos em 1 Timóteo (1Tm 3.3). Outras
traduções trazem “que se senta próximo ao vinho” ou “que se torna violento sob influência do
vinho”. Em outras palavras, o texto está descrevendo alguém que se embriaga com o vinho e age
mal debaixo da sua influência (cf. Ef 5.18).

Na lista dos diáconos de 1 Timóteo a expressão é um pouco diferente: “não amigo de (ou
não dado a) muito vinho” (1Tm 3.8). A expressão "amigo de" ou "dado a" pode ser traduzida como
"viciado em". Basicamente, um alcoólatra.

As posturas quanto ao consumo moderado de bebida alcoólica variam de denominação para


denominação e de cultura para cultura. A abordagem mais comum aqui no Brasil é abstinência
completa. Embora não haja uma proibição direta do consumo moderado (apenas da embriaguez e
do alcoolismo) a defesa da abstinência faz muito sentido dentro do nosso contexto, uma vez que o
consumo moderado não é a prática comum e o alcoolismo é um mal que assola a nação e que
poucas vezes é tratado como tal. Pense por um momento: quantos alcoólatras você conhece?
Quantos se admitem como tal? Em geral, conseguimos identificar várias pessoas que tem problemas
com o consumo de álcool, mas poucos admitem que precisam de ajuda.

Por isso, sem me alongar mais, basta ressaltar que o propósito dessa consideração não é te
encorajar a beber ou a mudar a postura da sua igreja. Abstinência é, no nosso contexto, uma ótima
prática. Saiba apenas que se você lida com irmãos de denominações não-abstêmicas ou se um dia
for trabalhar com outra cultura não se escandalize. De fato, não há proibição bíblica ao consumo
moderado.

• Sensato

A palavra utilizada em Tito, em algumas traduções aparece como sóbrio. Sobriedade é um


excelente contraponto a embriaguez e alcoolismo. A palavra grega empregada aqui é sophron: “de
mente sã, moderado, equilibrado”. A ideia de mente sã evoca a importância de cuidarmos da nossa
saúde mental e de renovarmos a nossa mente com a Palavra de Deus. A ideia de moderação e
equilíbrio aponta para a importância da prudência. O ministro deve saber agir de acordo com a
situação e não assumir riscos desnecessários.

Muito semelhantes são as expressões usadas nas listas de 1 Timóteo: moderado ou sóbrio
(v.3) e vigilante ou temperante (v.11). A palavra traduzida como sóbrio, aqui, pode ser usada
literalmente, no sentido de alguém que não está embriagado com vinho, ou metaforicamente, no
sentido de alguém que não é controlado por impulsos, por emoções. Isso é importante porque o
álcool não é o único fator/substância capaz de alterar (controlar, influenciar, etc.) o comportamento
humano. Já a palavra temperante, também poderia ser traduzida como “calmo, racional, sábio (no
sentido de alguém que pensa antes de agir, que tem controle sobre suas próprias ações)”.

Resumindo: o ministro deve mostrar equilíbrio, moderação e prudência (pensar antes de


agir).

2.2.3.4. Não violento, mas justo

• Não violento

A palavra traduzida como violento (plektes) também pode ser mais literalmente traduzida
como espancador (1Tm 3.3 utiliza a mesma palavra). Se briguento focava na facilidade de começar
brigas, espancador foca nas consequências. A versão siríaca traz “alguém cujas mãos não são
rápidas para atingir” ao passo que a versão arábica traz “alguém que não usa sua língua para ferir”.
É sempre bom ressaltar que palavras podem ser um tipo de violência. Dependendo do caso, até o
silêncio pode ser utilizado com a intenção de ferir.
Como veremos, em Tito o contraponto de violento é justo. Em 1 Timóteo, contudo, logo
depois de “não violento” vem a expressão “mas amável” (1Tm 3.3). Amável, em grego, é epieikes,
que significa: “manso, paciente, amável, gentil, que age de maneira apropriada”. A ideia básica da
palavra é de alguém que não responde vingativamente, que não piora a situação (cf. Pv 15.1)

Algumas versões trazem inimigo de contendas ou pacífico, que no original seria a palavra
grega amachos, que significa: “não lutador, não contencioso, não desejoso de lutar”. Enquanto
cristãos nós devemos ser pacificadores (Mt 5.9). “No que depender de vós, tendes paz com todos”
(Rm 12.18). Nem sempre depende de nós, mas devemos fazer tudo que estiver ao nosso alcance
para manter a paz com todos: o que inclui não devolver o mal com mal (Rm 12.17), não se vingar
(Rm 12.19, cf. Mt 5.5, Nm 12.1-16) e pagar o mal com bem (Rm 12.20-21). Esse é exatamente o
mesmo ensino de Cristo no sermão do monte:

“Vocês ouviram o que foi dito: ‘Olho por olho e dente por dente’. Mas eu lhes digo: Não resistam
ao perverso. Se alguém o ferir na face direita, ofereça-lhe também a outra. E se alguém quiser
processá-lo e tirar-lhe a túnica, deixe que leve também a capa. Se alguém o forçar a caminhar com
ele uma milha, vá com ele duas. Dê a quem lhe pede, e não volte as costas àquele que deseja pedir-
lhe algo emprestado. Vocês ouviram o que foi dito: ‘Ame o seu próximo e odeie o seu inimigo’. Mas
eu lhes digo: Amem os seus inimigos e orem por aqueles que os perseguem, para que vocês venham
a ser filhos de seu Pai que está nos céus. Porque ele faz raiar o seu sol sobre maus e bons e
derrama chuva sobre justos e injustos. Se vocês amarem aqueles que os amam, que recompensa
receberão? Até os publicanos fazem isso! E se vocês saudarem apenas os seus irmãos, o que
estarão fazendo de mais? Até os pagãos fazem isso! Portanto, sejam perfeitos como perfeito é o Pai
celestial de vocês.” (Mt 5.38-48)

Se te ferirem, não dê o punho, dê a outra face (v.39). Ou seja, não se vingue, não devolva na
mesma moeda. Se te pedirem a capa, deixe que levem a túnica também (v.40). Não brigue por
questões triviais. Ande a segunda milha (v.41). Isso é uma referência ao direito que o soldado
romano em viagem tinha de exigir que qualquer pessoa dentro do império carregasse seu
equipamento por uma milha. O que Jesus está ensinando é que devemos servir (com excelência!)
até quem não merece ser servido (no caso, os opressores dos judeus). Amem quem vos odeia e orem
pelos que vos perseguem (v.44). Ele ainda nos dá os motivos para isso. Em primeiro lugar é assim
que Deus age (v.45). Além disso, o contrário todo mundo faz, até os gentios e publicanos (vs.46-
47). Ou seja, imitem o seu Pai celeste (v.48) não o resto do mundo. Ministros devem ser agentes do
céu.
• Justo

Contudo, como mencionamos, em Tito o contraponto de violento não amável, nem pacífico,
é justo. A palavra traduzida como justo (dikaios) significa “num sentido mais restrito, dar a cada um
o que merece e isto em um sentido judicial; emitir um juízo justo em relação aos outros, seja
expresso em palavras ou mostrado pelo modo de tratar com eles”. Ou seja, não ser violento não
implica em ser permissivo. O manso Moisés agiu de maneira enérgica quando necessário (cf. Ex
32-33, onde ele faz o povo de Israel, literalmente, engolir o bezerro de ouro que eles fizeram).
Colocando de outra forma, o uso de força com a intenção de ferir é condenado nas Escituras, mas o
uso de força para promover justiça não é (cf. Rm 13.1-5).

2.2.3.5. Não ávido por lucro desonesto, mas consagrado

• Não ávido por lucro desonesto

A mesma expressão usada na lista dos diáconos de 1 Timóteo (1Tm 3.8). A palavra grega é
um adjetivo derivado da junção de “imundície” e “lucro”, ou seja o significado é de “alguém que
busca o lucro de formas impuras”. Na lista dos bispos de 1 Timóteo, tem uma expressão relacionada
a essa que é não apegado ao dinheiro (1Tm 3.3). Em grego, philarguros, de philos (amor) +
arguros (prata), que resulta em “alguém que ama o dinheiro”.

“Não se pode servir a dois senhores, pois odiará um e amará o outro, se dedicará a um e
desprezará o outro”(Mt 6.24)

O que Jesus está afirmando no verso acima é que quem ama ao dinheiro, vai odiar a Deus e
quem se dedica ao dinheiro, vai desprezar a Deus. No contexto Jesus destaca três maneiras de servir
ao dinheiro: 1- Ajuntando tesouros na terra (Mt 6.19-21); 2- Sendo mesquinho (Mt 6.22-23); 3-
Andando ansioso com relação ao dinheiro (Mt 6.25-34).

Na própria epístola a Timóteo, Paulo vai tratar desse tema mais a fundo em um capítulo
posterior:

“os quais pensam que a piedade é fonte de lucro. De fato, a piedade com contentamento é grande
fonte de lucro, pois nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar; por isso, tendo o
que comer e com que vestir-nos, estejamos com isso satisfeitos. Os que querem ficar ricos caem em
tentação, em armadilhas e em muitos desejos descontrolados e nocivos, que levam os homens a
mergulharem na ruína e na destruição, pois o amor ao dinheiro é raiz de todos os males. Algumas
pessoas, por cobiçarem o dinheiro, desviaram-se da fé e se atormentaram a si mesmas com muitos
sofrimentos.” (1Tm 6.5b-10)

Falando dos falsos mestres, Paulo termina a descrição deles afirmando que eles “pensam que
a piedade é fonte de lucro”. Verdadeiros ministros devem ser motivados pelo desejo de servir, não
por ganância (1Pe 5.2). A expressão usada por Pedro é prothumos (desejo, zelo, prontidão) (cf. Rm
1.15, 2Co 8.12). Se formos motivados pelo dinheiro acaberemos abandonando o ministério quando
as dificuldades surgirem (cf. Jo 10.12-13).

O apóstolo Paulo adiciona que, sim, a piedade é fonte de lucro, desde que haja
contentamento (1Tm 6.6). De fato, o autor da epístola aos Hebreus vai afirmar que para nos
conservarmos livres do amor ao dinheiro, precisamos aprender a nos contentar com o que temos
(Hb 13.5). Afinal, acrescenta Paulo, “nada trouxemos para este mundo e dele nada podemos levar”
(1Tm 6.7). Ou seja, as riquezas da terra, vão ficar na terra. “Por isso, tendo o que comer e com que
nos vestir, estejamos com isso satisfeitos” (1Tm 6.8). Estas são, inclusive, as coisas que seriam
acrescentadas e com as quais Jesus garantiu que não temos de nos preocupar (Mt 6.25-34).

O oposto do contentamento, obviamente, é o “desejo de ficar rico” (1Tm 6.9a). Aqueles que
alimentam esse desejo “caem em tentação” (v.9b), ou seja, o desejo de ter mais te faz cair em
tentações que você não cairia; “Caem em armadilhas” (v.9c), o que implica que o desejo de ficar
rico te cega para armadilhas óbvias; “Caem em muitos desejos descontrolados e nocivos” (v.9d),
porque o desejo por riqueza atrai desejos descontrolados (você quer sempre mais, não há limite) e
nocivos (cf. Tg 4.1-3). Esses desejos descontrolados e nocivos, por sua vez, levam os homens a
mergulharem na ruína e destruição (v.9d). Se onde está o nosso tesouro está o nosso coração (Mt
6.19-21), do mesmo jeito que os tesouros da terra enferrujam, são corroídos e roubado, assim
acontece com o coração dos gananciosos.

Para concluir, Paulo alerta Timóteo que “O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males”
(v.10a) e que alguns, por cobiçarem o dinheiro, desviaram da fé e se atormentaram com muitos
sofrimentos (v.10b). Portanto, “você, porém, fuja disso e busque a justiça, a piedade, a fé, o amor, a
perseverança e a mansidão” (v.11). O que nos leva de volta ao contraponto da lista de Tito que é
consagrado.
• Consagrado

A palavra grega é hosios, que significa: “Pureza, santidade, consagração, piedade”. “Se
afaste do que é mal e se apegue ao que é bom” (1Ts 5.21-22), é uma orientação extremamente geral,
mas no contexto da carta de Tito é extremamente significativa é o equivalente de “guarda o teu
coração” (Pv 4.23) ou “cuide das suas motivações” (1Pe 5.2, 1Co 13.1-3). É muito importante
retornar a essa questão, para terminar enfatizando que caráter não tem a ver com uma lista de certos
e errados, mas com o que se passa no nosso coração.

2.2.3.6. Tenha domínio próprio

O apóstolo Paulo conclui a lista de características positivas da carta de Tito com uma que se
aplica a todas as demais. Essencialmente o que ele está dizendo é: não se entregue ao amor ao
dinheiro, à ira, ao vinho ou ao orgulho, ainda que a sua carne o deseje. A tentação ainda vai
continuar a existir. Cuidar das motivações não significa erradicar os desejos ruins, singifica nunca
se deixar dominar por eles

2.3. Conclusão

2.3.1. Apegue-se à mensagem fiel (Tt 1.9)

Paulo conclui com uma questão relacionada à integridade. Diga não aos desejos
pecaminosos e se apegue ao que pode transformar você. Apegue-se à mensagem fiel, “da maneira
como foi ensinada”. Não abra mão da sã doutrina, porque é só a pura palavra de Deus que nos
mantém puros (cf. 2Tm 2.15). Além disso, só assim seremos capazes “de encorajar outros pela sã
doutrina e de refutar os que se opõem a ela”. Ou, na expressão da lista dos bispos de 1 Timóteo, só
assim seremos “aptos para ensinar” (1Tm 3.2).

Na lista dos diáconos há uma expressão muito semelhante à da lista de Tito: “Se apegue ao
ministério da fé com a consciência limpa” (1Tm 3.9). A melhor forma de concluir essa disciplina é
te exortando a se agarrar ao que Deus te deu, não abrir mão e seguir até o fim (2Tm 4.7).

“Portanto, também nós, uma vez que estamos rodeados por tão grande nuvem de testemunhas,
livremo-nos de tudo o que nos atrapalha e do pecado que nos envolve, e corramos com
perseverança a corrida que nos é proposta” (Hb 12.1)

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