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DEPARTAMENTO OU MINISTÉRIO?
Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o
mesmo. E há diversidade de realizações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Mas a
manifestação do Espírito é dada a cada um para beneficio comum (1 Co 12:4-7 – AS21, grifo nosso).
Qual é a missão da igreja? Por que ela existe? Cremos que a igreja existe para
adorar a Deus, anunciar o Salvador, aparelhar os santos, amparar os necessitados e
alimentar a esperança. Alguns teólogos preferem falar da tríplice-missão da igreja,
dizendo que com relação a Deus, ela deve adorar; com relação ao mundo, ela deve
evangelizar e servir; e com relação a si mesma, ela deve edificar. O fato é que a igreja
tem uma missão e, para cumpri-la o Espírito Santo concede os dons espirituais.
A fim de realizar a sua missão, atualmente, a Igreja Adventista da Promessa se
vale de seus departamentos que estão em nível geral, regional e local; e ainda são
variados, pois servem a diversas áreas: crianças, mulheres, jovens, missões e
evangelismo, música e assim por diante. Isso pode ser visto em seus estatutos e
regimentos. Mas será que esta é a maneira mais acertada de atuação eclesiástica?
Será que esta é a melhor forma de utilizar os dons de seus membros? Não seria
melhor a igreja trabalhar por meio de ministérios ao invés de departamentos?
Quando olhamos para o texto de 1 Coríntios 12:5, que diz: “existem
diversidades de ministérios”, logo percebemos que esta designação faz parte da
linguagem bíblica. Não seria o caso de usá-la na definição de nossas ações como
igreja? Pois bem, cremos que sim e é o que tentaremos demonstrar neste estudo.
Além do termo “departamento” não fazer parte do vocabulário bíblico, ele parece
não coincidir integralmente com o conceito de organismo vivo e dinâmico do corpo
de Cristo presente no Novo Testamento. Pensemos um pouco sobre estas questões.
de novo, com pessoas diferentes e sem ao menos se examinar o que se passou. Cada
líder quer apenas fazer um bom trabalho (que significa realizar boas programações) e
deixar o seu legado. Quando está fora, está fora e não quer se envolver. O problema
agora é do outro. Se não tem o cargo, também não tem nenhuma responsabilidade
com o trabalho.
2. O departamento tem como prioridade realização de eventos. Organiza tudo
para que as pessoas venham, participem e se sintam bem. Assim se mantem o status
daquele seguimento e rende elogios à equipe organizadora. É um evento atrás do
outro, às vezes sem objetivo nenhum, ou sem objetivos relevantes. O foco principal
deveria ser as pessoas e não os eventos. A prioridade deveria estar em gerar vidas e
salvar pessoas. O mais importante não é fazer coisas para Deus, e sim gerar filhos
para Ele.
3. Por conta disto, os departamentos podem, até mesmo, esquecer dos
objetivos primários pelos quais foram criados. Por exemplo, o Departamento Infantil
passa a existir apenas para que as crianças não atrapalhem o culto. O Departamento
dos Adolescentes para que eles não namorem tão cedo e nem pensem muito em
sexo. O Departamento dos jovens para fazer cultos no sábado à noite para que os
jovens tenham alguma coisa para fazer e assim não irem para o mundo. O
Departamento de Casais para fazer DR (discussão de relação) coletiva e jantares
caros. E assim por diante.
4. O departamento pode fazer com que a liderança gaste toda a força e
energia naquilo que não é tanto essencial. Por vezes, envolvendo todos num ativismo
infrutífero que gera a falsa sensação de que estão cumprindo a missão.
5. Departamentos não se preocupam tanto com treinamento, capacitação,
formação de pessoas. Quando o pastorado necessita escolher novos líderes, sente
dificuldades; entre outras coisas, porque os líderes anteriores não se preocuparam
em discipular pessoas para substituí-los.
6. Departamentos, às vezes, competem entre si. Agem de forma
independente. Cada seguimento constrói o seu próprio projeto (plano de ação), e
lutam para que este seja o melhor, quando comparado com outros.
7. Há, em algumas igrejas, uma agenda preestabelecida para os
departamentos. Isto é, já existem certos eventos que são tradicionais, que acontecem
em todos os anos, alguns sem clareza de propósito. Assim, os líderes escolhidos para
a gestão, só precisam cumprir tal agenda.
8. Numa igreja regida pela mentalidade de departamento, pessoas talentosas,
chamadas por Deus e capacitadas para áreas específicas, podem ficar ociosas,
simplesmente, por não terem um cargo. Por outro lado, as funções podem estar
sendo ocupadas por pessoas cujos dons pouco têm a ver com aquelas áreas.
9. Esta mentalidade restringe a atuação da igreja aos departamentos oficiais,
inibindo a criatividade vinda da multiforme sabedoria de Deus e impedindo que
novos dons sejam descobertos e utilizados.
10. O departamento pode gerar disputas por cargos ou pode causar
frustações em alguém por ter sido preterido para alguma função. Por outro lado, faz
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 3
com que as pessoas que não têm cargos fiquem com a “consciência tranquila”, ao
não utilizarem os dons que Deus lhes deu.
11. O conceito de departamento exalta em demasia o aspecto institucional
de igreja (organização ou aspecto estático), em detrimento do aspecto orgânico
(organismo vivo ou aspecto dinâmico). Além disso, pesquisas históricas nos dão
informações de que nós aprendemos a atuar através destes órgãos com os
missionários protestantes que vieram evangelizar o Brasil, principalmente, com os
missionários americanos. Suas igrejas de origem haviam adotado uma forma
administrativa muito semelhante a do governo de seu país.
12. Departamento pressupõe a necessidade de diretorias, regimentos
internos e reuniões oficiais. Isso pode trazer tanta burocracia que acaba emperrando
o trabalho do Senhor, fazendo com a igreja local deixe de ter uma estrutura simples,
ágil e funcional.
Você entendeu o quanto essa mentalidade pode ser prejudicial? Tende-se a
perder, sobretudo, o senso de propósito e de pertencimento. Precisamos readquirir
(ou adquirir) a mentalidade de ministério, de acordo com as Escrituras Sagradas. E o
que é a mentalidade de ministério? É aquela orientada pelo serviço a Deus por meio
dos dons e da vocação que recebemos Dele. Esta questão carece ser mais bem
trabalhada e é o que tentaremos fazer a seguir. Antes, porém é importante falarmos
um pouco sobre os dons espirituais.
1
Boice (2011:528).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 4
distintos. Porém, fica implícito que essas listas não são completas e nem exaustivas, 2
pois, em outras passagens, vemos outros dons distintos sendo citados (1 Co 7:7-8; 1
Pd 4:10-11). Certamente, há muitos outros dons, pois a multiforme sabedoria de
Deus se manifesta também por meio deles.
2.3. Todo cristão possui dons? A Bíblia diz: A cada um, porém, é dada a
manifestação do Espírito (1 Co 12:7). Depois de oferecer uma lista de dons, o texto
conclui: Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as
distribui individualmente, a cada um, conforme quer (1 Co 12:11 – grifo nosso).
Segundo esse texto, todo crente em Jesus tem, pelo menos, um dom espiritual. 3 O
apóstolo Paulo explica esse fato usando a metáfora do corpo humano, para dizer que
a igreja é o corpo de Cristo (Rm 12:4-8 e 1 Co 12:12-31). Cada cristão, sendo membro
desse corpo, tem uma função específica, definida pelo dom ou pelos dons que
recebeu (cf. 1 Co 12:1-31).
Aos Romanos, Paulo explica que o fato de cada um de nós ter um corpo com
muitos membros e esses membros não exercerem a mesma função, serve como
metáfora para o que ocorre na igreja. Como já vimos, a função de cada um é
determinada pela capacitação recebida. Já aos Coríntios, o apóstolo acrescenta a
informação de que, no novo nascimento, o Espírito Santo passa a habitar em nós e
nos inclui no corpo de Cristo e de que ele é quem define o nosso papel, através das
habilidades que nos concede. Por isso, a saúde espiritual de uma igreja local depende
muito de que cada congregado conheça e exerça os seus dons.
2.4. Alguém pode ter todos os dons? Certamente, não! Está escrito: ... se
todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo? (1 Co 12:19). Uma pessoa
pode ter mais de um dom, mas nenhuma pessoa tem todos os dons. É assim para
que todos tenham utilidade e para que dependamos uns dos outros. A verdade é que
Deus tem uma missão para cada um de nós, no exercício do ministério cristão.
Ninguém pode alegar que não possui nenhum dom.
Logo, é fundamental que cada um de nós descubra qual é o seu dom. Três
dicas básicas podem nos ajudar: 1) Quais atividades que desempenhamos na igreja
nos trazem alegria ao coração? Elas podem estar relacionadas ao dom que
recebemos. 2) Outros cristãos podem nos ajudar a perceber nosso dom. 3) Orar a
Deus e ficar atentos às oportunidades que têm surgido diante de nós pode nos
ajudar a identificar nosso dom.
2.5. Para que servem os dons? Existem, pelo menos, três propósitos para
recebermos tais habilidades. Em primeiro lugar, os dons são dados para a edificação
da igreja. Em Efésios 4:12-13, está escrito: ... para que o corpo de Cristo seja edificado,
até que todos alcancemos a unidade (...) e cheguemos à maturidade. Os carismas
precisam ser praticados para o crescimento espiritual e a maturidade do povo de
Deus (1 Co 14:26).
Em segundo lugar, os dons são dados para o benefício de todos. De acordo
com 1 Coríntios 12:7, devem ser exercidos para bem comum. Sendo assim, não é
2
Wiersbe (2006:796).
3
Kistemaker (2004:591).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 5
certo usá-los apenas em proveito próprio. Nisso, o apóstolo Pedro é categórico: Cada
um exerça o dom que recebeu para servir aos outros, administrando fielmente a graça
de Deus em suas múltiplas formas (1 Pd 4:10 - NVI).
Em terceiro lugar, os dons são dados para a glória de Deus. As Escrituras nos
dizem: Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar,
administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado (1 Pd
4:11). Não devemos exercer nossos dons esperando elogios e aplausos. Aquele que
nos capacitou é quem deve ser exaltado. No corpo de Cristo, todo cristão deve
buscar o seu espaço, sem querer a primazia. Deus nos deu os dons, mas continua
sendo o Senhor (1 Co 12:4-7). Assim, os dons devem ser usados como ele quer e para
glória dele. Sendo assim, resumidamente, os dons nos são dados para edificar a
igreja, servir os outros e glorificar a Deus.
2.6. Como devemos utilizá-los? Obviamente, devemos exercitar os dons
espirituais levando em conta os três propósitos já citados anteriormente. Ainda assim,
a palavra de Deus nos oferece dois critérios fundamentais para o uso dos dons na
igreja. Em primeiro lugar, devemos utilizá-los com interdependência. Os textos de
Romanos 12:4-8 e 1 Coríntios 12:12-31 mostram que, por sermos membros uns dos
outros, dependemos uns dos outros.
No corpo de Cristo, todos têm utilidade, e, na mútua cooperação, nós nos
completamos. O texto sagrado informa: O olho não pode dizer à mão: "Não preciso de
você!". Nem a cabeça pode dizer aos pés: "Não preciso de vocês!". Pelo contrário, os
membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis (1 Co 12:21-22). No
exercício das habilidades que o Espírito Santo nos deu, não devemos nos sentir
melhores, nem piores que os outros. Na igreja, não há lugar para o complexo de
inferioridade, muito menos para o complexo de superioridade, porque todos são
indispensáveis e, ao mesmo tempo, todos precisam dos outros. O nome disso é
interdependência!
Em segundo lugar, devemos utilizar os dons com amor fraternal. Repare que, na
parte da primeira carta aos Coríntios em que a instrução é sobre os dons (capítulos
12, 13 e 14), Paulo usa 13 versículos para tratar também sobre o amor. Sua intenção é
mostrar que todos os dons devem ser regidos e mediados pelo amor e que, sem o
amor, eles se tornam nulos ou mesmo perigosos. Esta é a regra suprema para utilizar
os dons: exercê-los com amor. A ausência de amor é a maior causa dos abusos, na
prática dos dons. A igreja nunca pode perder de vista esses dois critérios citados,
bem como toda a instrução que os apóstolos trouxeram sobre este assunto no Novo
Testamento.
Diante do exposto, passemos agora a refletir sobre os ministérios.
Vamos abordar este assunto tomando por base, a priori, o texto de 1 Coríntios
12:4-6. Recordemos esta importante passagem, agora na Nova Versão Internacional:
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 6
4
Harper (2006:334).
5
Morris (1983:135).
6
Kistemaker (2004:578-579).
7
Harper (2006:334).
8
Louw & Nida (2013:410).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 7
9
Prior (2001:209).
10
Kistemaker (2004:579).
11
Kistemaker (2004:580).
12
Harper (2006:335).
13
Kistemaker (2004:580).
14
Lopes (2008:229).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 8
para servir em algum ministério, de modo prático. Todo crente em Jesus tem de estar
envolvido, de alguma maneira, pois todos possuem habilidades para servir.
Falando ainda a respeito do “propósito”, é necessário ressaltar o que foi dito
no primeiro parágrafo da introdução sobre a missão da igreja. Ali foi discorrido sobre
uma tríplice-missão dela: com relação a Deus, com relação a ela mesma e com
relação ao mundo. Precisamos exercer os dons, atuar em algum ministério e
desenvolver atividades sem perder de vista essa missão. Todos os ministérios devem
ser exercidos para a glória de Deus, para edificação dos membros da igreja, contudo,
sem esquecer de que é fundamental está voltando para os de fora. Com essa visão,
podemos ter também os ministérios específicos de evangelização e de ação social,
que são ainda mais voltados para a sociedade e regastes de pessoas para Deus. Estes
são intimamente ligados à missão urbana.
Outro texto que merece uma atenção especial neste estudo sobre ministério é
o de Atos dos Apóstolos, capítulo 6, versículos 1 a 4:
1
Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega
entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas
estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento. 2 Por isso os
Doze reuniram todos os discípulos e disseram: "Não é certo negligenciarmos o
ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. 3 Irmãos, escolham
entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de
sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa 4 e nos dedicaremos à oração e ao
ministério da palavra".
John Stott em seu livro “A Igreja Autêntica” comenta esse episódio dizendo
que a igreja primitiva teve que lidar com os ataques de Satanás que intentavam
impedir que a ela cumprisse sua missão. Este autor explica que o inimigo usou uma
estratégia tríplice para deter o povo de Deus, a saber: a perseguição (Atos 4), a
corrupção (Atos 5) e a distração (Atos 6).20 Sua primeira tática e mais grosseira foi por
meio da violência física. Ele tentou esmagar os primeiros cristãos, mas estes
resistiram firmemente e se multiplicaram ainda mais.
Sua segunda tática, um pouco mais sutil, foi na tentativa de um
comprometimento moral. Já que não conseguiu destruir a igreja de fora para dentro,
tentou corrompê-la com o esquema de Ananias e Safira. Contudo, com a intervenção
divina, a igreja se fortaleceu mais e gerou mais temor no coração dos crentes.
A terceira tática, a mais perspicaz e danosa de todas, foi a distração social. Ou
seja, o inimigo tentou desviar os apóstolos de suas atividades prioritárias: a pregação
e a oração. Isto é visto claramente na história contada em Atos 6:1-7. Parece que esta
artimanha surtiu efeito. É importante pensarmos um pouco sobre ela. Pois o reino
20
Stott (2013:68).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 10
das trevas pode usar a mesma tática com a igreja do século 21 para desviá-la de sua
missão. Fiquemos atentos!
Vamos aos fatos. Com o crescimento do número de discípulos, cresceram
também os problemas e as demandas administrativas. Estava acontecendo uma
forma de injustiça na distribuição diária de alimentos, isto é, as viúvas dos judeus
gregos estavam sendo negligenciadas nesta distribuição, o que gerou muitas
murmurações e protestos contra os apóstolos. Diante deste fato, parece que, de
início, estes tentaram resolver o problema sozinhos, mas não tiveram muito sucesso.
Contudo, conseguiram tomar uma decisão muito sabia: delegar outros que fossem
mais habilitados do que eles para tratar daquela questão específica.
Os apóstolos convocaram uma reunião com a igreja e propuseram a
organização daquele serviço (ministério). Disseram: Não é certo negligenciarmos o
ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas (At 6:2b). Assim foram
escolhidos e comissionados sete homens capacitados “cheios do Espírito e de
sabedoria” para cuidar daquele trabalho. Os doze delegaram aquela importante
tarefa aos sete, e o resultado agradou a todos.
Stott chamou este serviço prestado pelos sete de “ministério social”.21 Isso faz
sentido, porque no versículo 2 a expressão “servir às mesas” significa, literalmente,
“ministério das mesas”. Já no versículo 3, os apóstolos dizem: escolhei dentre vós sete
homens (...) aos quais encarregaremos deste serviço. A palavra “serviço” (gr. diaconia)
pode ser traduzida como “ministério”. É bom que se diga que em nenhum momento
os apóstolos deixaram a entender que o ministério dos sete, fosse de algum modo
inferior ao ministério pastoral ou que fosse aquém da dignidade apostólica dos doze.
Em resumo, este texto de Atos nos ensina que há, de fato, mais que um
ministério na igreja e que todos são importantes para o bom andamento dela.
21
Stott (2013:70).
22
Stott (2013:71).
23
Stott (2013:72).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 11
De acordo com Stott, prestamos grande desserviço à igreja sempre que nos
referimos ao pastorado como “o” ministério, com se este fosse o único ministério que
existe. De igual modo, os pastores também prestam um desserviço ao corpo de
Cristo, quando negligenciam a palavra e oração por estarem sobrecarregados na
administração e em outras funções e tarefas na igreja. É, certamente, um grande erro
os pastores quererem manter todas as áreas da liderança centralizadas neles,
recusando-se a delegar a outros, certas tarefas.24
Por fim, com todo direito alguém pode alegar que o texto de Atos 6:1-7 trata-
se, da forma embrionária, do ministério que os diáconos e as diaconisas exercem
atualmente nas igrejas. É isso mesmo. Contudo, entendemos que este texto é
também substrato para todos os demais ministérios que diferem do ministério da
palavra (pastoral). Esta é primeira vez no Novo Testamento que é mencionado a ideia
de ministério específico. Além disso, este texto bíblico está em total harmonia com a
instrução paulina de 1 Coríntios 12:4-7, que trata das variedades dos
ministérios/serviços cristãos.
Diante de todas as informações que tivemos até aqui, outra dúvida que pode
surgir é: Como saber em que ministério atuar? Ou como escolher as pessoas certas
para os ministérios certos? Uma pessoa pode ter dons que a possibilite atuar em
várias áreas. Porém, parece-nos que aquilo que define a área apropriada de atuação
da uma pessoa é, exatamente, a vocação que ela tem. Todo cristão é vocacionado
por Deus para alguma coisa e para expressar seus dons de acordo com esta vocação.
E se isso é mesmo verdade, precisamos entender bem este assunto. Vamos entender
isso um pouco melhor?
Talvez você já ouviu ou até disse a seguinte frase: “Eu quero ter mais tempo
para servir a Deus, mas o meu trabalho não deixa”. Pois bem, até que ponto este
desejo expresso pela frase pode ser considerado correto? Se não é a Deus que
estamos servindo enquanto trabalhamos, então a quem é? Uma pessoa precisa
abandonar seu emprego para servir a Deus? Pessoas especiais para o Senhor são
apenas aquelas que abandonam seus empregos para serem pastores ou missionários
em outro país? O serviço que presto na igreja aos sábados é mais agradável a Deus
do que o do dia-a-dia, de domingo a sexta-feira?
É possível que a frase citada acima, na maioria das vezes em que é dita,
evidencie um entendimento equivocado sobre o significado da vocação e do
sacerdócio do crente. Somos seres integrais, e conforme pretendemos mostrar, até
mesmo em nossas atividades cotidianas, estamos servindo a Deus - ou pelo menos
deveríamos. Para entendermos bem esta verdade precisamos de algumas respostas,
24
Stott (2013:72).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 12
tais como: O que é vocação? Para quê existimos? Só pastores são pessoas
vocacionadas ou existe mais de um tipo de vocação? São estas as perguntas que
tentaremos responder na sequência.
A Bíblia é clara em dizer que existimos para a glória de Deus (Is 43:7). Todas as
coisas - e isto inclui o ser humano - foram criadas por Deus e para Deus (Cl 1:16). Em
sua carta aos Romanos, diz Paulo: Porque dele e por ele, e para ele, são todas as
coisas; glória pois a ele eternamente (11:36). Exatamente por isso, ele se alegra nas
suas obras, pois as criou para sua alegria e prazer (Sl 104:31). Portanto, cientes desse
objetivo, devemos nos esforçar ao máximo para fazer tudo para a glória de Deus (1
Co 10:31). O interessante deste texto é que ele fala de “comida e bebida”, duas
práticas bem corriqueiras e básicas da vida humana. E o texto diz que podemos
glorificar a Deus nelas!
É bom entendermos isso para não acharmos que só glorificamos a Deus
quando praticamos atividades chamadas de “espirituais”, aliás, quando entendemos o
ser humano como ser integral nem podemos fazer esta distinção. Planejar o futuro,
criar filhos, ir à igreja, praticar esportes, namorar, estudar, trabalhar, tudo deve e pode
25
Cesár (1997:21).
26
Cesár (1997:21).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 13
ser com o objetivo de agradar a Deus e dar glórias a ele! Tudo que Adão e Eva
fizessem seria parte de sua adoração a Deus. Não nos esqueçamos! Esta é a nossa
maior vocação. É a vocação das vocações. É universal, para todos!
A meta da nossa vida deveria ser cumprir este propósito maior, pois assim
estaremos vivendo para aquilo pelo qual fomos criados. Quem entende isso e
começa a viver para este fim, experimenta uma alegria não conhecida antes! Nenhum
ser humano consegue ser plenamente feliz enquanto não entende isso; enquanto
não começa a viver para aquele que o criou, e deixa de viver para si mesmo e para
sua própria glória. Até isso acontecer, sempre lhe faltará algo, que ele tentará
preencher com outras coisas. Foi Agostinho quem disse: “nos fizeste para ti, e nosso
coração estará inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”.
Este ser humano criado para a glória de Deus foi colocado no mundo para ser
representante do criador e mordomo da sua criação (Gn 1:26). O ser humano, como
representante, recebeu a incumbência de reger o mundo criado por Deus e foi
capacitado para isso. Ele deveria refletir a imagem de Deus diante de toda criação.
Essa responsabilidade de cuidar da criação é chamada pelos teólogos de “mandato
cultural”, que tem implicações sociais, econômicas, culturais e ecológicas, pois é a
partir dele que a política, o trabalho, a educação, as artes, o lazer, a ciência, a
tecnologia, e todas as outras áreas se desenvolveriam.27 Este mandato é a base para
nos envolvermos com estas questões. Deus quer ser servido e adorado em todas as
esferas da vida! A vida chamada “comum”, na verdade, não tem nada de comum.
Enquanto vivemos o dia-a-dia deveríamos estar cumprindo a nossa missão de
regentes do mundo.
Todo ser humano tem responsabilidades diante do mundo criado por Deus. É
exatamente por isso que todos nascem com algum talento natural, que são
capacidades “existentes na própria natureza do indivíduo como um conjunto de
habilidades concedidas no ato criador, independente da fé”.28 Reconhecer estas
habilidades é importante até para a pessoa escolher sua carreira profissional! Para
cumprir seu papel no mundo, a sua vocação ou chamado para ser mordomo, Deus
dotou os seres humanos com habilidades em diferentes áreas. Observe que Adão foi
colocado no jardim para lavrar a terra, uma espécie de agricultor (Gn 2:15). Seu filho
Abel, entretanto, tornou-se pastor de ovelhas (Gn 4:2). As pessoas têm aptidões para
atuarem em diferentes áreas e devem servir a Deus através destas habilidades,
cuidando do mundo criado por ele. Advogados, policiais, médicos, donas de casa,
governantes, garis, pedreiros, vendedores, professores, engenheiros, agricultores,
etc.: todos colaboram no cuidado do mundo! Ninguém precisa abandonar sua
profissão quando recebe a Cristo, antes deve colocá-la a serviço do reino (Lc 3:12-14;
1 Co 7:20).
27
Ferreira; Myatt (2007:406).
28
César (1997:22).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 14
Além da vocação cristã comum a todo salvo, a Bíblia também fala de vocações
específicas no reino de Deus. Paulo diz ter sido chamado para ser apóstolo (Rm 1:1).
É um chamado específico. Ele tinha tanta certeza que estava disposto a morrer pelo
mesmo (At 20:24), o que aconteceu, de fato (2 Tm 4:7). Uns são chamados para serem
pastores, outros mestres, evangelistas. Deus se expressa de maneiras diferentes
através das pessoas, por isso, chama-nos para atividades diferentes em seu reino.
Nosso desafio é descobrirmos que tipo de missão ele nos confiou! O que faz o nosso
coração vibrar? Sua vocação específica no reino está relacionada aos talentos naturais
e aos dons espirituais que ele lhe deu.
Sua vocação está relacionada àquilo que ganhou seu coração e que você se
dedica. Ele pode chamá-lo para sinalizar o reino dele através de uma causa (um
projeto de sustentabilidade, por exemplo); pode usar você no seu reino através de
uma instituição (uma casa de apoio a drogados, alcóolatras, prostitutas, etc.); um
público (você pode ter sido chamado para trabalhar com jovem, casais, crianças,
29
Atkinson in Ferguson (2009:1195).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 15
homens, mulheres, empresários, etc.); uma tarefa (capelania); e até através de sua
carreira profissional na perspectiva do reino (um médico, professor, artista, youtuber
e etc., que colocam usam sua profissão para servir os outros e sinalizam o reino).30
Não precisa esperar um anjo aparecer para lhe dizer. Acredite: todos somos
vocacionados em algum sentido. Nossa primeira e grande vocação está relacionada a
razão pela qual existimos: viver para glória de Deus. Além disso, como seres
humanos, fomos chamados por Deus para cuidar do mundo criado por ele, e isso
envolve atuar nas mais diferentes áreas. Somos também vocacionados para servir a
Deus em todas as situações, como cristãos, salvos! Somos sacerdotes do altíssimo!
Por fim, é possível que ele tenha um chamado específico para cada um de nós em
seu reino. Por isso mesmo nos capacitou com dons e aptidões diferentes. Se você
ainda não sabe o seu, ore a Deus e reflita naquilo pelo qual seu coração vibra. Teste
sua reflexão com a prática. Saber que somos vocacionados é tanto um privilégio
como um desafio.
Por outro lado, se você é um pastor com o desafio de levar as pessoas a
entenderem a vocação delas no reino, ou se você precisa organizar os ministérios de
uma igreja local, escolhendo as pessoas certas para os lugares certos, então, você
está diante de uma preciosíssima tarefa, que faz parte do episcopado. Encare isso
como benção e honra. Saiba que esta é uma das mais importantes ações ligada ao
seu ministério pastoral. Este trabalho que faz parte de seu chamado. Veja o que a
Bíblia diz a este respeito: E ele (Deus) designou alguns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de
preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja
edificado (Ef 4:11,12 – grifo nosso).
Mas como fazer isso? Uma maneira simples de escolher as pessoas certas para
os lugares certos para a organização da uma igreja local é combinando os dons
espirituais, os talentos naturais e as aptidões pessoais, em cada indivíduo. Muitas
vezes a profissão que a pessoa exerce na sociedade pode ser um bom indicativo para
mostrar em que ministério esta possa atuar na igreja local. Sendo assim, a forma
prática de fazer isso é ajudando a pessoa a identificar seu dom espiritual e
conversando com ela a respeito de sua disposição, suas habilidades e desejo de
servir. Obviamente, não se deve desconsiderar a vida e caráter desta pessoa.
Uma boa sugestão é que, não havendo pessoas com os dons espirituais e
talentos naturais que atendam certas áreas da igreja, o melhor é não implantar os
ministérios relacionados a estas áreas. O Espírito Santo é também soberano nesta
questão. Permita que ele lhe conduza neste processo. Deixe que ele lhe mostre as
qualidades das pessoas e os ministérios que precisam ser estabelecidos.
30
Ideias baseadas nos argumentos de Ed Rene Kivitz, em seu sermão sobre vocação. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=sv23hEdum0o > Acesso em 25/11/2014.
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 16
31
Schwarz (2010:7).
32
Schwarz (2010:26).
33
Warren (1998:93-103).
34
Warren (1998:401).
35
Warren (1998:444-455).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 18
supervisão pastoral.36 Algo semelhante é dito Glenn Wagner, no livro Igreja S/A:
Dando adeus à igreja-empresa recuperando o sentido da igreja-rebanho, que afirma:
Já o autor brasileiro e pastor Carlito Paes em seu livro Igrejas que prevalecem,
apresenta 24 princípios para um crescimento saudável e equilibrado da igreja. Entre
os princípios apresentados, Paes defende que as igrejas locais que prevalecem são
aquelas que atuam com ministérios, e com não departamentos, cargos e comissões.
Ele explica que a igreja não de ser dirigida pelo sistema politico da sociedade, e sim
pelos princípios bíblicos, que ensinam, incentivam e valorizam a prática do ministério
dos crentes. 38
Este autor explica também que para uma comunidade cristã se manter viva e
funcional, é fundamental que esta tenha uma estrutura simples e ágil. Isso, segundo
ele, não significa falta de planejamento, pois todo ministério precisa se pautar num
planejamento, mas este precisa ser bíblico. O que é importante é evitar a burocracia,
que emperra o funcionamento natural do corpo de Cristo. Pois “o planejamento, os
projetos e os sonhos nos apontam o futuro e nos motivam a prosseguir no
ministério. Já a burocracia e as leis de letra morta de regimentos e estatutos muitas
vezes tiram o vigor e desmotivam as pessoas que de fato desejam sonhar e
trabalhar”.39
Paes afirma categoricamente que as igrejas mais saudáveis e mais fortes são
igrejas nas quais os líderes assumem ministérios por meio de seus dons e de suas
habilidades naturais. Diz também que os membros devem trabalhar por paixão e
convicção, e não simplesmente por que foram eleitos para um cargo que nada tem a
haver com sua vocação. Explica, ainda, como funciona a comunidade que ele
pastoreia, com as seguintes palavras:
36
Stott (2013:70-73).
37
Wagner (2003:123).
38
Paes (2003:167).
39
Paes (2003:168).
40
Paes (2003:168).
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O pastor Carlito Paes conclui sua exposição sobre o tema, explicando que
quando cada crente se vê como ministro de Cristo na terra e não somente o pastor;
isso é algo bastante saudável e frutífero para igreja. 44
41
Paes (2003:169).
42
Paes (2003:170).
43
Paes (2003:172).
44
Paes (2003:174).
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
mais simples e ágil. Também por sabermos que isso traz mais satisfação aos que
estão servindo por terem um maior senso de propósito e pertencimento. Ainda por
crermos que este é o modo mais eficaz de envolvermos os cristãos no cumprimento
da missão. Também por compreendermos que esta maneira de servir traz benefícios
significativos para a saúde da igreja: Propormos que a igreja Adventista da
Promessa passe atuar nas igrejas locais por meios de ministérios.
Recomendamos que sejam mudados os títulos, mas não apenas isso; é, também,
fundamental que se promova uma mudança de mentalidade.
Sabemos que o papel dos pastores locais é fundamental nessa mudança de
mentalidade. Eles precisam compreender esses conceitos bíblicos para então poder
aplicá-los aos membros e a igrejas que pastoreiam. São os pastores que precisam,
com orientação do Espírito Santo, conscientizar o povo, enxergar o potencial de cada
membro e serem capazes de organizar os ministérios, colocando as pessoas certas
nos lugares certos. Contudo, essa mentalidade além de direcionar a atuação da igreja
local, precisa também redirecionar a nossa ação nos âmbitos das Convenções
Regionais e da Convenção Geral. Precisamos começar a pensar e atuar na esfera
eclesiástica por meios dos dons e das vocações específicas recebidas de Deus.
Que os departamentos regionais e gerais sem realinhados nesta proposta. Que
as pessoas nas igrejas locais sejam encaminhadas para se juntarem aos ministérios
que já existentes e que as igrejas locais tenham liberdade de iniciar novos ministérios,
quando forem necessários. Que o Espírito Santo possa manifestar, assim, a
multiforme sabedoria de Deus por meios dons na igreja de Cristo, e mostrar novos
caminhos para atuação do povo de Deus no cumprimento de sua missão no mundo.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova,
2007.
LIMA, Leandro Antonio de. Razão da Esperança: Teologia para hoje. São Paulo:
Cultura Cristã, 2006.
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PRIOR, David, A mensagem do 1 Corintios: a vida na igreja local. 2ª ed. São Paulo:
ABU Editora, 2001.
STOTT, John. A Igreja Autêntica. Viçosa, MG: Editora Ultimato; São Paulo: ABU
Editora, 2013.
WARREN, Rick. Uma Igreja com Propósitos. São Paulo: Editora Vida, 1998.