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Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 1

DEPARTAMENTO OU MINISTÉRIO?
Há diversidade de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diversidade de ministérios, mas o Senhor é o
mesmo. E há diversidade de realizações, mas é o mesmo Deus que realiza tudo em todos. Mas a
manifestação do Espírito é dada a cada um para beneficio comum (1 Co 12:4-7 – AS21, grifo nosso).

Qual é a missão da igreja? Por que ela existe? Cremos que a igreja existe para
adorar a Deus, anunciar o Salvador, aparelhar os santos, amparar os necessitados e
alimentar a esperança. Alguns teólogos preferem falar da tríplice-missão da igreja,
dizendo que com relação a Deus, ela deve adorar; com relação ao mundo, ela deve
evangelizar e servir; e com relação a si mesma, ela deve edificar. O fato é que a igreja
tem uma missão e, para cumpri-la o Espírito Santo concede os dons espirituais.
A fim de realizar a sua missão, atualmente, a Igreja Adventista da Promessa se
vale de seus departamentos que estão em nível geral, regional e local; e ainda são
variados, pois servem a diversas áreas: crianças, mulheres, jovens, missões e
evangelismo, música e assim por diante. Isso pode ser visto em seus estatutos e
regimentos. Mas será que esta é a maneira mais acertada de atuação eclesiástica?
Será que esta é a melhor forma de utilizar os dons de seus membros? Não seria
melhor a igreja trabalhar por meio de ministérios ao invés de departamentos?
Quando olhamos para o texto de 1 Coríntios 12:5, que diz: “existem
diversidades de ministérios”, logo percebemos que esta designação faz parte da
linguagem bíblica. Não seria o caso de usá-la na definição de nossas ações como
igreja? Pois bem, cremos que sim e é o que tentaremos demonstrar neste estudo.
Além do termo “departamento” não fazer parte do vocabulário bíblico, ele parece
não coincidir integralmente com o conceito de organismo vivo e dinâmico do corpo
de Cristo presente no Novo Testamento. Pensemos um pouco sobre estas questões.

1. A MENTALIDADE POR TRÁS DA DESIGNAÇÃO

A grande questão aqui não é apenas de uma nomenclatura ou terminologia. É


bem mais profunda. Por trás de cada designação pode haver uma demanda de
mentalidade ou uma forma diferente de servir, que influencia diretamente a atitude
de quem está servindo na igreja. Se as pessoas agissem por meios dos
departamentos com a mentalidade de ministérios, o problema seria bem menor. O
caso é que muitos agem com a mentalidade de departamento. Isso, sim, é prejudicial
ao bom funcionamento e à saúde do corpo de Cristo. E o que estamos chamando de
mentalidade de departamento? É aquela orientada por cargos, gestão, uma agenda
anual, eventos, estatutos e assim por diante. Esta faz com que, em muitos casos,
pessoas sejam escolhidas para desempenharem tarefas ou assumir cargos na igreja
local sem levar em conta os seus dons espirituais. Vamos a algumas situações
resultantes desta mentalidade:
1. Em linhas gerais, os departamentos trabalham por gestão, e cada gestão é
uma gestão. Por vezes, não se pensa na continuação. A cada novo ciclo, começa tudo
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de novo, com pessoas diferentes e sem ao menos se examinar o que se passou. Cada
líder quer apenas fazer um bom trabalho (que significa realizar boas programações) e
deixar o seu legado. Quando está fora, está fora e não quer se envolver. O problema
agora é do outro. Se não tem o cargo, também não tem nenhuma responsabilidade
com o trabalho.
2. O departamento tem como prioridade realização de eventos. Organiza tudo
para que as pessoas venham, participem e se sintam bem. Assim se mantem o status
daquele seguimento e rende elogios à equipe organizadora. É um evento atrás do
outro, às vezes sem objetivo nenhum, ou sem objetivos relevantes. O foco principal
deveria ser as pessoas e não os eventos. A prioridade deveria estar em gerar vidas e
salvar pessoas. O mais importante não é fazer coisas para Deus, e sim gerar filhos
para Ele.
3. Por conta disto, os departamentos podem, até mesmo, esquecer dos
objetivos primários pelos quais foram criados. Por exemplo, o Departamento Infantil
passa a existir apenas para que as crianças não atrapalhem o culto. O Departamento
dos Adolescentes para que eles não namorem tão cedo e nem pensem muito em
sexo. O Departamento dos jovens para fazer cultos no sábado à noite para que os
jovens tenham alguma coisa para fazer e assim não irem para o mundo. O
Departamento de Casais para fazer DR (discussão de relação) coletiva e jantares
caros. E assim por diante.
4. O departamento pode fazer com que a liderança gaste toda a força e
energia naquilo que não é tanto essencial. Por vezes, envolvendo todos num ativismo
infrutífero que gera a falsa sensação de que estão cumprindo a missão.
5. Departamentos não se preocupam tanto com treinamento, capacitação,
formação de pessoas. Quando o pastorado necessita escolher novos líderes, sente
dificuldades; entre outras coisas, porque os líderes anteriores não se preocuparam
em discipular pessoas para substituí-los.
6. Departamentos, às vezes, competem entre si. Agem de forma
independente. Cada seguimento constrói o seu próprio projeto (plano de ação), e
lutam para que este seja o melhor, quando comparado com outros.
7. Há, em algumas igrejas, uma agenda preestabelecida para os
departamentos. Isto é, já existem certos eventos que são tradicionais, que acontecem
em todos os anos, alguns sem clareza de propósito. Assim, os líderes escolhidos para
a gestão, só precisam cumprir tal agenda.
8. Numa igreja regida pela mentalidade de departamento, pessoas talentosas,
chamadas por Deus e capacitadas para áreas específicas, podem ficar ociosas,
simplesmente, por não terem um cargo. Por outro lado, as funções podem estar
sendo ocupadas por pessoas cujos dons pouco têm a ver com aquelas áreas.
9. Esta mentalidade restringe a atuação da igreja aos departamentos oficiais,
inibindo a criatividade vinda da multiforme sabedoria de Deus e impedindo que
novos dons sejam descobertos e utilizados.
10. O departamento pode gerar disputas por cargos ou pode causar
frustações em alguém por ter sido preterido para alguma função. Por outro lado, faz
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com que as pessoas que não têm cargos fiquem com a “consciência tranquila”, ao
não utilizarem os dons que Deus lhes deu.
11. O conceito de departamento exalta em demasia o aspecto institucional
de igreja (organização ou aspecto estático), em detrimento do aspecto orgânico
(organismo vivo ou aspecto dinâmico). Além disso, pesquisas históricas nos dão
informações de que nós aprendemos a atuar através destes órgãos com os
missionários protestantes que vieram evangelizar o Brasil, principalmente, com os
missionários americanos. Suas igrejas de origem haviam adotado uma forma
administrativa muito semelhante a do governo de seu país.
12. Departamento pressupõe a necessidade de diretorias, regimentos
internos e reuniões oficiais. Isso pode trazer tanta burocracia que acaba emperrando
o trabalho do Senhor, fazendo com a igreja local deixe de ter uma estrutura simples,
ágil e funcional.
Você entendeu o quanto essa mentalidade pode ser prejudicial? Tende-se a
perder, sobretudo, o senso de propósito e de pertencimento. Precisamos readquirir
(ou adquirir) a mentalidade de ministério, de acordo com as Escrituras Sagradas. E o
que é a mentalidade de ministério? É aquela orientada pelo serviço a Deus por meio
dos dons e da vocação que recebemos Dele. Esta questão carece ser mais bem
trabalhada e é o que tentaremos fazer a seguir. Antes, porém é importante falarmos
um pouco sobre os dons espirituais.

2. O ENSINO BÍBLICO SOBRE OS DONS ESPIRITUAIS?

Antes de falarmos sobre os ministérios, propriamente ditos, é fundamental que


tenhamos uma compreensão clara a respeito dos dons espirituais. Há uma estreita
relação entre os dois temas. Por isso, desejamos, através do método de perguntas e
respostas, relembrar o que a Bíblia tem a nos ensinar sobre os carismas do Espírito.
2.1. O que é um dom espiritual? De acordo com a Bíblia, é uma habilidade
especial ou uma capacitação que o Espírito Santo, soberanamente, concede a cada
membro do corpo de Cristo, para ser usada em benefício de todos (1 Co 12:4,7-11).
Contudo, é importante saber que a palavra grega charisma é derivada do substantivo
charis, que significa “graça”. Assim, os dons devem ser encarados como presentes
recebidos de Deus, sem que os mereçamos.
Em 1 Coríntios 12:7, os dons espirituais são entendidos como manifestações do
Espírito na vida dos cristãos. São ações divinas e sobrenaturais. Por isso, não podem
ser confundidos com talentos ou dons naturais, que são comuns a todos os homens.
Os dons espirituais são dados exclusivamente aos salvos em Cristo a ser usados para
fins espirituais.1
2.2. Quantos dons existem? São quatro os textos em que temos listas de
dons: Romanos 12:6-8; 1 Coríntios 12:8-10; 1 Coríntios 12:28, e Efésios 4:11. Vale a
pena conferir esses textos, pois, neles, temos, aproximadamente, 20 dons espirituais

1
Boice (2011:528).
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distintos. Porém, fica implícito que essas listas não são completas e nem exaustivas, 2
pois, em outras passagens, vemos outros dons distintos sendo citados (1 Co 7:7-8; 1
Pd 4:10-11). Certamente, há muitos outros dons, pois a multiforme sabedoria de
Deus se manifesta também por meio deles.
2.3. Todo cristão possui dons? A Bíblia diz: A cada um, porém, é dada a
manifestação do Espírito (1 Co 12:7). Depois de oferecer uma lista de dons, o texto
conclui: Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as
distribui individualmente, a cada um, conforme quer (1 Co 12:11 – grifo nosso).
Segundo esse texto, todo crente em Jesus tem, pelo menos, um dom espiritual. 3 O
apóstolo Paulo explica esse fato usando a metáfora do corpo humano, para dizer que
a igreja é o corpo de Cristo (Rm 12:4-8 e 1 Co 12:12-31). Cada cristão, sendo membro
desse corpo, tem uma função específica, definida pelo dom ou pelos dons que
recebeu (cf. 1 Co 12:1-31).
Aos Romanos, Paulo explica que o fato de cada um de nós ter um corpo com
muitos membros e esses membros não exercerem a mesma função, serve como
metáfora para o que ocorre na igreja. Como já vimos, a função de cada um é
determinada pela capacitação recebida. Já aos Coríntios, o apóstolo acrescenta a
informação de que, no novo nascimento, o Espírito Santo passa a habitar em nós e
nos inclui no corpo de Cristo e de que ele é quem define o nosso papel, através das
habilidades que nos concede. Por isso, a saúde espiritual de uma igreja local depende
muito de que cada congregado conheça e exerça os seus dons.
2.4. Alguém pode ter todos os dons? Certamente, não! Está escrito: ... se
todos, porém, fossem um só membro, onde estaria o corpo? (1 Co 12:19). Uma pessoa
pode ter mais de um dom, mas nenhuma pessoa tem todos os dons. É assim para
que todos tenham utilidade e para que dependamos uns dos outros. A verdade é que
Deus tem uma missão para cada um de nós, no exercício do ministério cristão.
Ninguém pode alegar que não possui nenhum dom.
Logo, é fundamental que cada um de nós descubra qual é o seu dom. Três
dicas básicas podem nos ajudar: 1) Quais atividades que desempenhamos na igreja
nos trazem alegria ao coração? Elas podem estar relacionadas ao dom que
recebemos. 2) Outros cristãos podem nos ajudar a perceber nosso dom. 3) Orar a
Deus e ficar atentos às oportunidades que têm surgido diante de nós pode nos
ajudar a identificar nosso dom.
2.5. Para que servem os dons? Existem, pelo menos, três propósitos para
recebermos tais habilidades. Em primeiro lugar, os dons são dados para a edificação
da igreja. Em Efésios 4:12-13, está escrito: ... para que o corpo de Cristo seja edificado,
até que todos alcancemos a unidade (...) e cheguemos à maturidade. Os carismas
precisam ser praticados para o crescimento espiritual e a maturidade do povo de
Deus (1 Co 14:26).
Em segundo lugar, os dons são dados para o benefício de todos. De acordo
com 1 Coríntios 12:7, devem ser exercidos para bem comum. Sendo assim, não é

2
Wiersbe (2006:796).
3
Kistemaker (2004:591).
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certo usá-los apenas em proveito próprio. Nisso, o apóstolo Pedro é categórico: Cada
um exerça o dom que recebeu para servir aos outros, administrando fielmente a graça
de Deus em suas múltiplas formas (1 Pd 4:10 - NVI).
Em terceiro lugar, os dons são dados para a glória de Deus. As Escrituras nos
dizem: Se alguém falar, fale segundo as palavras de Deus; se alguém administrar,
administre segundo o poder que Deus dá; para que em tudo Deus seja glorificado (1 Pd
4:11). Não devemos exercer nossos dons esperando elogios e aplausos. Aquele que
nos capacitou é quem deve ser exaltado. No corpo de Cristo, todo cristão deve
buscar o seu espaço, sem querer a primazia. Deus nos deu os dons, mas continua
sendo o Senhor (1 Co 12:4-7). Assim, os dons devem ser usados como ele quer e para
glória dele. Sendo assim, resumidamente, os dons nos são dados para edificar a
igreja, servir os outros e glorificar a Deus.
2.6. Como devemos utilizá-los? Obviamente, devemos exercitar os dons
espirituais levando em conta os três propósitos já citados anteriormente. Ainda assim,
a palavra de Deus nos oferece dois critérios fundamentais para o uso dos dons na
igreja. Em primeiro lugar, devemos utilizá-los com interdependência. Os textos de
Romanos 12:4-8 e 1 Coríntios 12:12-31 mostram que, por sermos membros uns dos
outros, dependemos uns dos outros.
No corpo de Cristo, todos têm utilidade, e, na mútua cooperação, nós nos
completamos. O texto sagrado informa: O olho não pode dizer à mão: "Não preciso de
você!". Nem a cabeça pode dizer aos pés: "Não preciso de vocês!". Pelo contrário, os
membros do corpo que parecem mais fracos são indispensáveis (1 Co 12:21-22). No
exercício das habilidades que o Espírito Santo nos deu, não devemos nos sentir
melhores, nem piores que os outros. Na igreja, não há lugar para o complexo de
inferioridade, muito menos para o complexo de superioridade, porque todos são
indispensáveis e, ao mesmo tempo, todos precisam dos outros. O nome disso é
interdependência!
Em segundo lugar, devemos utilizar os dons com amor fraternal. Repare que, na
parte da primeira carta aos Coríntios em que a instrução é sobre os dons (capítulos
12, 13 e 14), Paulo usa 13 versículos para tratar também sobre o amor. Sua intenção é
mostrar que todos os dons devem ser regidos e mediados pelo amor e que, sem o
amor, eles se tornam nulos ou mesmo perigosos. Esta é a regra suprema para utilizar
os dons: exercê-los com amor. A ausência de amor é a maior causa dos abusos, na
prática dos dons. A igreja nunca pode perder de vista esses dois critérios citados,
bem como toda a instrução que os apóstolos trouxeram sobre este assunto no Novo
Testamento.
Diante do exposto, passemos agora a refletir sobre os ministérios.

3. O QUE A BÍBLIA ENSINA SOBRE OS MINISTÉRIOS?

Vamos abordar este assunto tomando por base, a priori, o texto de 1 Coríntios
12:4-6. Recordemos esta importante passagem, agora na Nova Versão Internacional:
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Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo. Há diferentes tipos


de ministérios, mas o Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de
atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos. A cada um,
porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum.

Aqui, Paulo nos ensina, em primeiro lugar, que há variedades de dons. O


comentário Beacon esclarece que a palavra diversidade ou variedade transmite a
ideia de uma distribuição, divisão ou repartição.4 Como já falamos, anteriormente, o
pensamento é que o Espírito Santo distribui ou reparte dons entre todos os cristãos
para serem usados a serviço do reino e para o bom funcionamento do corpo de
Cristo. São “qualidades extraordinárias que o Espírito confere aos homens”.5
O comentarista Kistemaker chama a atenção para o fato de a palavra
“variedades” estar no plural, revelando a abrangência inclusiva da graça de Deus a
todo o seu povo. Esta palavra nos parece sugerir uma quantidade imensa de dons.
Apesar de diversificadas, estas capacitações são dadas pelo mesmo Espírito. Elas não
são diferentes para que nos dividamos, mas para que nos ajudemos. Precisamos uns
dos outros. A igreja de Cristo revela unidade na diversidade. Ninguém é capacitado
para fazer tudo. Cada um atua numa área. 6 O Espírito escolheu agir assim, e ele não
luta contra si mesmo. Aquele que nos capacita não se contradiz. Por isso, “qualquer
dom que Ele concede a uma pessoa não está em oposição ao dom que foi dado à
outra, nem seria superior ou inferior a qualquer outro. Todos os dons procedem de
Deus e são usados na obra redentora entre os homens”. 7
Obviamente estes pontos já ficaram demonstrados no tópico anterior. Todavia,
como estamos seguindo a exposição destes três versículos, é importante ratificarmos
algumas questões e destacarmos o conceito apresentado neste trecho de que existe
um trabalho em equipe feito pela igreja, onde os muitos/diferentes se completam na
relação comunitária. Além disso, é necessário destacar que há uma mente divina por
trás de todo esse processo, que estrategicamente distribui os dons para fins úteis e
que sabe onde e como cada um deles deve ser usado. Isso nos faz olhar para a
sequência do texto.
Em segundo lugar, Paulo nos ensina que há variedades de ministérios. O que
isso significa? A palavra grega traduzida por “ministérios” que aparece aqui é
diakonion, e significa, de acordo com léxico,

prestar assistência ou ajuda, realizando determinadas tarefas, muitas vezes de


caráter simples ou humilde – “servir, prestar serviços a, ajudar, serviços, ajuda”
(...) derivação de διακονέω (diaconeó) [indicando] a função ou a posição de
serviço – “ministério, trabalho”.8

4
Harper (2006:334).
5
Morris (1983:135).
6
Kistemaker (2004:578-579).
7
Harper (2006:334).
8
Louw & Nida (2013:410).
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O substantivo e o verbo citados acima são usados em outras partes das


Escrituras para designar, especialmente, o trabalho e a função de um diácono ou uma
diaconisa. Contudo, neste texto específico, eles são aplicados a todos os membros da
igreja e falam do ministério cristão. O autor Prior comenta que Paulo está nos
apontando formas práticas e concretas de todos nós sermos diáconos, de servirmos
uns aos outros, de sermos servos de nossos próximos e de Deus. 9 Kistemaker afirma
que nesta frase “a palavra grega diakonion realmente significa serviços que são
desempenhados no contexto da igreja”.10 Diz ainda que é o Senhor Jesus o
responsável pela diversidade dos ministérios espirituais na comunidade cristã e que
estes ministérios são sem limite.11
Em suma, o apóstolo Paulo está apontando as esferas de atuações dos dons.
Com o termo “ministérios” ele mostra que existem maneiras, funções e áreas
diferentes dentro da igreja onde os crentes podem servir a Cristo com os seus dons,
as suas habilidades e suas aptidões. Que serviços, ministérios ou áreas são estes?
Ensino, juventude, crianças, música, recepção, comunicação, assistência social e assim
por diante. São várias as possibilidades de servirmos a Deus e ao próximo.
O que podemos concluir é que “ministério”, à luz deste texto, é uma área
específica ou função peculiar dentro corpo de Cristo, em que realizamos um serviço
de acordo com o dom que recebemos. Obviamente, isto não está restrito a uma
gestão, ou a um cargo que recebemos na igreja, mas está relacionado aos dons
recebidos e a vocação que temos. Não é algo para ser exercido por um período, mas
pela vida toda. Nisto consiste a principal diferença entre mentalidade de ministérios,
para a de departamentos na prática eclesiástica.
Em terceiro lugar, Paulo nos mostra que há variedades de atividades. O texto
que estamos estudando afirma que existe “variedade de operações” (v.6). No original
temos a palavra energématon, significando energia, obras ou atividades. De acordo
com Harper, esta palavra “sugere uma ‘coisa trabalhada’ ou um ‘efeito produzido’”.12
Aponta para as ações que fazemos como resultado do poder de Deus, que nos enche
de força e energia.13 Os dons, dentro dos ministérios, são sempre desdobrados em
trabalho, ação, e realizações concretas em benefício a outras pessoas.14 As atividades
são múltiplas, mas é o mesmo Deus quem está nos capacitando pelo seu poder,
através dos dons.
Podemos resumir a ideia de 1 Coríntios 12:4-6 da seguinte forma: os dons são
as habilidades especiais recebidas do Espírito Santo, os ministérios são as áreas
peculiares em que podemos atuar ou servir dentro da igreja e as atividades são as
várias ações específicas que alguém pode realizar dentro de um ministério específico,
utilizando os seus dons. Um caso simples para ilustrar seria o de uma pessoa que
tenha o dom de ensinar, que passa a integrar o ministério de ensino ao fazer parte da
equipe da Escola Bíblica, e que entre as atividades que desempenha na igreja está a

9
Prior (2001:209).
10
Kistemaker (2004:579).
11
Kistemaker (2004:580).
12
Harper (2006:335).
13
Kistemaker (2004:580).
14
Lopes (2008:229).
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de ministrar as lições bíblicas todos os sábados, numa das classes de adultos.


Contudo, esta lógica bíblica pode ainda gerar uma infinidade de combinações
interessantes. Existem dons que podem ser aplicados a mais de um ministério. Por
exemplo, quem tem o dom de administrar pode ser auxiliar em diversas áreas. Além
disso, quem tem mais de um dom pode combiná-los e aplicá-los a um ministério
específico. De maneira que há uma infinidade de possibilidade nesta ação do povo
de Deus.
Por fim, em quarto lugar, Paulo ensina que há um único propósito. O
versículo 7 nos traz a seguinte verdade: Mas a manifestação do Espírito é dada a cada
um para um benefício comum. Preste atenção à expressão “é dada a cada um”. Ela
nos mostra que os dons são dados, como presente. Não é algo que conquistamos
por imposição, por merecimento; recebemos do Espírito como presente. Ele distribui
como lhe apraz, a cada um, individualmente (1 Co 12:11). Dons “não é questão de
escolha pessoal, pois o Espírito Santo distribui a cada um como é o seu desejo. Isso
certamente tem a ver com a necessidade da igreja”.15 Então, eu não posso pedir
determinado dom? Até posso, a Bíblia autoriza-nos a pedir os melhores dons (1 Co
12:31). Mas isso não significa que invariavelmente iremos receber os mesmos. O
Espírito Santo é soberano nisto, e age de forma estratégica e intencional. Ele tem um
objetivo claro e sabe como alcançá-lo.
Este versículo conclui o raciocínio do texto mostrando que “os dons,
ministérios e resultados produzidos por toda a obra têm um único propósito –
beneficiar a igreja toda, e glorificar a Deus”.16 Assim, os dons recebidos não são para
alimentar a rivalidade ou gerar inveja. Na verdade, são concedidos para “o que for
útil”, ou seja, para servir e beneficiar os outros. São destinados para o bem comum.17
Esta é a lógica do texto que estamos estudando: os dons que individualmente temos,
foram nos dados para serem usados em ministérios específicos, produzindo
atividades e ações práticas, tendo como objetivo final levar a igreja a cumprir a
missão: edificando a todos os membros, servindo ao próximo e exaltando ao Senhor.
Portanto, quem deve atuar nos ministérios? Com frequência, os pastores,
missionários, obreiros e consagrados são considerados como sendo os únicos que
receberam dons especiais. Com a mesma frequência, é feita uma distinção entre
ocupações sacras e seculares. O serviço do reino é também frequentemente
encarado como sendo aquele a ser feito por essas poucas pessoas que foram
vocacionadas e ordenadas para servir ao Senhor em ministérios especiais. 18 Mas não
devia ser assim.
Vimos neste estudo que todos os cristãos possuem algum dom espiritual (o
Espírito distribui a “cada um”). Eles não são dados a uma casta religiosa especial. Não
é para apenas um grupo de homens e mulheres proeminentes. Todo membro do
corpo tem uma função. É impossível fazer parte do corpo de Cristo sem ser membro,
e é impossível ser cristão sem ter ao menos um dom.19 De modo que todos têm dons
15
Lima (2006:456).
16
Harper (2006:335).
17
Harper (2006:335).
18
Kistemaker (2004:582).
19
Lima (2006:456).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 9

para servir em algum ministério, de modo prático. Todo crente em Jesus tem de estar
envolvido, de alguma maneira, pois todos possuem habilidades para servir.
Falando ainda a respeito do “propósito”, é necessário ressaltar o que foi dito
no primeiro parágrafo da introdução sobre a missão da igreja. Ali foi discorrido sobre
uma tríplice-missão dela: com relação a Deus, com relação a ela mesma e com
relação ao mundo. Precisamos exercer os dons, atuar em algum ministério e
desenvolver atividades sem perder de vista essa missão. Todos os ministérios devem
ser exercidos para a glória de Deus, para edificação dos membros da igreja, contudo,
sem esquecer de que é fundamental está voltando para os de fora. Com essa visão,
podemos ter também os ministérios específicos de evangelização e de ação social,
que são ainda mais voltados para a sociedade e regastes de pessoas para Deus. Estes
são intimamente ligados à missão urbana.

4. MINISTÉRIO DA PALAVRA E MINISTÉRIO DAS MESAS

Outro texto que merece uma atenção especial neste estudo sobre ministério é
o de Atos dos Apóstolos, capítulo 6, versículos 1 a 4:

1
Naqueles dias, crescendo o número de discípulos, os judeus de fala grega
entre eles queixaram-se dos judeus de fala hebraica, porque suas viúvas
estavam sendo esquecidas na distribuição diária de alimento. 2 Por isso os
Doze reuniram todos os discípulos e disseram: "Não é certo negligenciarmos o
ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas. 3 Irmãos, escolham
entre vocês sete homens de bom testemunho, cheios do Espírito e de
sabedoria. Passaremos a eles essa tarefa 4 e nos dedicaremos à oração e ao
ministério da palavra".

John Stott em seu livro “A Igreja Autêntica” comenta esse episódio dizendo
que a igreja primitiva teve que lidar com os ataques de Satanás que intentavam
impedir que a ela cumprisse sua missão. Este autor explica que o inimigo usou uma
estratégia tríplice para deter o povo de Deus, a saber: a perseguição (Atos 4), a
corrupção (Atos 5) e a distração (Atos 6).20 Sua primeira tática e mais grosseira foi por
meio da violência física. Ele tentou esmagar os primeiros cristãos, mas estes
resistiram firmemente e se multiplicaram ainda mais.
Sua segunda tática, um pouco mais sutil, foi na tentativa de um
comprometimento moral. Já que não conseguiu destruir a igreja de fora para dentro,
tentou corrompê-la com o esquema de Ananias e Safira. Contudo, com a intervenção
divina, a igreja se fortaleceu mais e gerou mais temor no coração dos crentes.
A terceira tática, a mais perspicaz e danosa de todas, foi a distração social. Ou
seja, o inimigo tentou desviar os apóstolos de suas atividades prioritárias: a pregação
e a oração. Isto é visto claramente na história contada em Atos 6:1-7. Parece que esta
artimanha surtiu efeito. É importante pensarmos um pouco sobre ela. Pois o reino

20
Stott (2013:68).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 10

das trevas pode usar a mesma tática com a igreja do século 21 para desviá-la de sua
missão. Fiquemos atentos!
Vamos aos fatos. Com o crescimento do número de discípulos, cresceram
também os problemas e as demandas administrativas. Estava acontecendo uma
forma de injustiça na distribuição diária de alimentos, isto é, as viúvas dos judeus
gregos estavam sendo negligenciadas nesta distribuição, o que gerou muitas
murmurações e protestos contra os apóstolos. Diante deste fato, parece que, de
início, estes tentaram resolver o problema sozinhos, mas não tiveram muito sucesso.
Contudo, conseguiram tomar uma decisão muito sabia: delegar outros que fossem
mais habilitados do que eles para tratar daquela questão específica.
Os apóstolos convocaram uma reunião com a igreja e propuseram a
organização daquele serviço (ministério). Disseram: Não é certo negligenciarmos o
ministério da palavra de Deus, a fim de servir às mesas (At 6:2b). Assim foram
escolhidos e comissionados sete homens capacitados “cheios do Espírito e de
sabedoria” para cuidar daquele trabalho. Os doze delegaram aquela importante
tarefa aos sete, e o resultado agradou a todos.
Stott chamou este serviço prestado pelos sete de “ministério social”.21 Isso faz
sentido, porque no versículo 2 a expressão “servir às mesas” significa, literalmente,
“ministério das mesas”. Já no versículo 3, os apóstolos dizem: escolhei dentre vós sete
homens (...) aos quais encarregaremos deste serviço. A palavra “serviço” (gr. diaconia)
pode ser traduzida como “ministério”. É bom que se diga que em nenhum momento
os apóstolos deixaram a entender que o ministério dos sete, fosse de algum modo
inferior ao ministério pastoral ou que fosse aquém da dignidade apostólica dos doze.
Em resumo, este texto de Atos nos ensina que há, de fato, mais que um
ministério na igreja e que todos são importantes para o bom andamento dela.

Um ministério não é inferior ao outro. Pelo contrário, ambos são ministérios


cristãos (maneiras de servir a Deus). Ambos requerem pessoas cheias do Espírito
para exercê-los. A única diferença entre eles é que são diferentes! O ministério
das mesas é ministério social. Enquanto o ministério da palavra é ministério
22
pastoral.

É um equívoco pensar que alguém possa exercer todas as funções no corpo de


Cristo. Nem mesmo é certo imaginar que todos podem fazerem tudo. Os apóstolos
entenderam este princípio e concluíram que outras pessoas poderiam realizar aquele
serviço melhor que eles. É possível fazermos três afirmações com base neste princípio
e no texto de Atos 6. Em primeiro lugar, Deus chama todo o seu povo para o
ministério (diakonia). Em segundo lugar, Deus chama diferentes pessoas para
diferentes ministérios. Em terceiro lugar, Deus espera que os chamados para o
ministério da palavra (os pastores) se concentrem em seu chamado e que sob
nenhuma alegação se permitam ser desviados dele.23

21
Stott (2013:70).
22
Stott (2013:71).
23
Stott (2013:72).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 11

De acordo com Stott, prestamos grande desserviço à igreja sempre que nos
referimos ao pastorado como “o” ministério, com se este fosse o único ministério que
existe. De igual modo, os pastores também prestam um desserviço ao corpo de
Cristo, quando negligenciam a palavra e oração por estarem sobrecarregados na
administração e em outras funções e tarefas na igreja. É, certamente, um grande erro
os pastores quererem manter todas as áreas da liderança centralizadas neles,
recusando-se a delegar a outros, certas tarefas.24
Por fim, com todo direito alguém pode alegar que o texto de Atos 6:1-7 trata-
se, da forma embrionária, do ministério que os diáconos e as diaconisas exercem
atualmente nas igrejas. É isso mesmo. Contudo, entendemos que este texto é
também substrato para todos os demais ministérios que diferem do ministério da
palavra (pastoral). Esta é primeira vez no Novo Testamento que é mencionado a ideia
de ministério específico. Além disso, este texto bíblico está em total harmonia com a
instrução paulina de 1 Coríntios 12:4-7, que trata das variedades dos
ministérios/serviços cristãos.

5. PESSOAS CERTAS NOS MINISTÉRIOS CERTOS

Diante de todas as informações que tivemos até aqui, outra dúvida que pode
surgir é: Como saber em que ministério atuar? Ou como escolher as pessoas certas
para os ministérios certos? Uma pessoa pode ter dons que a possibilite atuar em
várias áreas. Porém, parece-nos que aquilo que define a área apropriada de atuação
da uma pessoa é, exatamente, a vocação que ela tem. Todo cristão é vocacionado
por Deus para alguma coisa e para expressar seus dons de acordo com esta vocação.
E se isso é mesmo verdade, precisamos entender bem este assunto. Vamos entender
isso um pouco melhor?

5.1. Mas, eu sou um vocacionado?

Talvez você já ouviu ou até disse a seguinte frase: “Eu quero ter mais tempo
para servir a Deus, mas o meu trabalho não deixa”. Pois bem, até que ponto este
desejo expresso pela frase pode ser considerado correto? Se não é a Deus que
estamos servindo enquanto trabalhamos, então a quem é? Uma pessoa precisa
abandonar seu emprego para servir a Deus? Pessoas especiais para o Senhor são
apenas aquelas que abandonam seus empregos para serem pastores ou missionários
em outro país? O serviço que presto na igreja aos sábados é mais agradável a Deus
do que o do dia-a-dia, de domingo a sexta-feira?
É possível que a frase citada acima, na maioria das vezes em que é dita,
evidencie um entendimento equivocado sobre o significado da vocação e do
sacerdócio do crente. Somos seres integrais, e conforme pretendemos mostrar, até
mesmo em nossas atividades cotidianas, estamos servindo a Deus - ou pelo menos
deveríamos. Para entendermos bem esta verdade precisamos de algumas respostas,

24
Stott (2013:72).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 12

tais como: O que é vocação? Para quê existimos? Só pastores são pessoas
vocacionadas ou existe mais de um tipo de vocação? São estas as perguntas que
tentaremos responder na sequência.

5.2. O significado de vocação

Kléos M. Lenz César, em seu livro: Vocação: Perspectivas Bíblicas e Teológicas,25


afirma que vocação é entendida popularmente no meio cristão, como um chamado
especial que algumas pessoas recebem para o exercício de uma missão pastoral
numa determinada igreja, ou para uma tarefa missionária em um país distante. À luz
desta visão, só pastores e missionários seriam pessoas vocacionadas. Segundo a
autora citada,26 esta visão pode ser um reflexo do conceito monástico do século XV,
que ensinava que os cristãos estavam divididos em dois grupos: os religiosos (freiras
e sacerdotes) e os leigos (cristãos comuns). Nesta época a palavra vocação só era
aplicada aos religiosos. Este conceito é bem limitador. Não concordamos com o
mesmo por entender vocação como algo mais abrangente.
A palavra “vocação” é derivada do latim vocatione, e diz respeito ao “ato de
chamar”. Na Bíblia, especificamente no Novo Testamento, as palavras gregas às vezes
traduzidas por “vocação” no português, também com este sentido de “chamar”, estão
ligadas ao verbo grego kaléo (Ef 4:1, 2 Ts 1:11, etc.). Biblicamente falando, vocação é
o chamado divino dirigido aos seres humanos. Em algum sentido (para surpresa de
alguns!): todo ser humano é vocacionado! Todos nós fomos chamados por Deus para
fazer alguma coisa no mundo criado por ele. Não existimos por existir. Deus trouxe
os seres humanos à existência com propósitos. Aliás, tudo o que o criador faz tem
alvos claros (Pv 16:4a). Vamos entender as razões desta afirmação? Comecemos com
algumas questões mais abrangentes até as mais específicas.

5.3. A Vocação das vocações

A Bíblia é clara em dizer que existimos para a glória de Deus (Is 43:7). Todas as
coisas - e isto inclui o ser humano - foram criadas por Deus e para Deus (Cl 1:16). Em
sua carta aos Romanos, diz Paulo: Porque dele e por ele, e para ele, são todas as
coisas; glória pois a ele eternamente (11:36). Exatamente por isso, ele se alegra nas
suas obras, pois as criou para sua alegria e prazer (Sl 104:31). Portanto, cientes desse
objetivo, devemos nos esforçar ao máximo para fazer tudo para a glória de Deus (1
Co 10:31). O interessante deste texto é que ele fala de “comida e bebida”, duas
práticas bem corriqueiras e básicas da vida humana. E o texto diz que podemos
glorificar a Deus nelas!
É bom entendermos isso para não acharmos que só glorificamos a Deus
quando praticamos atividades chamadas de “espirituais”, aliás, quando entendemos o
ser humano como ser integral nem podemos fazer esta distinção. Planejar o futuro,
criar filhos, ir à igreja, praticar esportes, namorar, estudar, trabalhar, tudo deve e pode

25
Cesár (1997:21).
26
Cesár (1997:21).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 13

ser com o objetivo de agradar a Deus e dar glórias a ele! Tudo que Adão e Eva
fizessem seria parte de sua adoração a Deus. Não nos esqueçamos! Esta é a nossa
maior vocação. É a vocação das vocações. É universal, para todos!
A meta da nossa vida deveria ser cumprir este propósito maior, pois assim
estaremos vivendo para aquilo pelo qual fomos criados. Quem entende isso e
começa a viver para este fim, experimenta uma alegria não conhecida antes! Nenhum
ser humano consegue ser plenamente feliz enquanto não entende isso; enquanto
não começa a viver para aquele que o criou, e deixa de viver para si mesmo e para
sua própria glória. Até isso acontecer, sempre lhe faltará algo, que ele tentará
preencher com outras coisas. Foi Agostinho quem disse: “nos fizeste para ti, e nosso
coração estará inquieto enquanto não encontrar em ti descanso”.

5.4. A vocação humana geral

Este ser humano criado para a glória de Deus foi colocado no mundo para ser
representante do criador e mordomo da sua criação (Gn 1:26). O ser humano, como
representante, recebeu a incumbência de reger o mundo criado por Deus e foi
capacitado para isso. Ele deveria refletir a imagem de Deus diante de toda criação.
Essa responsabilidade de cuidar da criação é chamada pelos teólogos de “mandato
cultural”, que tem implicações sociais, econômicas, culturais e ecológicas, pois é a
partir dele que a política, o trabalho, a educação, as artes, o lazer, a ciência, a
tecnologia, e todas as outras áreas se desenvolveriam.27 Este mandato é a base para
nos envolvermos com estas questões. Deus quer ser servido e adorado em todas as
esferas da vida! A vida chamada “comum”, na verdade, não tem nada de comum.
Enquanto vivemos o dia-a-dia deveríamos estar cumprindo a nossa missão de
regentes do mundo.
Todo ser humano tem responsabilidades diante do mundo criado por Deus. É
exatamente por isso que todos nascem com algum talento natural, que são
capacidades “existentes na própria natureza do indivíduo como um conjunto de
habilidades concedidas no ato criador, independente da fé”.28 Reconhecer estas
habilidades é importante até para a pessoa escolher sua carreira profissional! Para
cumprir seu papel no mundo, a sua vocação ou chamado para ser mordomo, Deus
dotou os seres humanos com habilidades em diferentes áreas. Observe que Adão foi
colocado no jardim para lavrar a terra, uma espécie de agricultor (Gn 2:15). Seu filho
Abel, entretanto, tornou-se pastor de ovelhas (Gn 4:2). As pessoas têm aptidões para
atuarem em diferentes áreas e devem servir a Deus através destas habilidades,
cuidando do mundo criado por ele. Advogados, policiais, médicos, donas de casa,
governantes, garis, pedreiros, vendedores, professores, engenheiros, agricultores,
etc.: todos colaboram no cuidado do mundo! Ninguém precisa abandonar sua
profissão quando recebe a Cristo, antes deve colocá-la a serviço do reino (Lc 3:12-14;
1 Co 7:20).

27
Ferreira; Myatt (2007:406).
28
César (1997:22).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 14

5.5. A vocação dos salvos em Cristo

Além dos chamados abrangentes apresentados até aqui, em todo o Novo


Testamento, temos chamados específicos para todo salvo em Cristo Jesus. Por
exemplo, os salvos são avisados que foram chamados para um relacionamento
pessoal com Jesus Cristo (Rm 1:6). Além disso, são desafiados: ... vivam de maneira
digna da vocação que receberam (Ef 4:1 - NVI) - um chamado à santidade (cf. também
2 Pd 1:10). Todos os crentes também foram chamados para proclamar as virtudes
daquele que nos chamou das trevas para sua maravilhosa luz (1 Pd 2:9-10). Esta
vocação celestial, segundo Paulo é recompensadora (Fp 3:14). Os dons espirituais,
isto é, as capacidades sobrenaturais dadas pelo Espírito Santo aos crentes em Jesus,
foram dadas também para o desempenho desta vocação como salvos. Como já
temos dito, eles nos capacitam a atuar em áreas específicas, para a glória de Deus.
E onde os salvos cumprem esta sua vocação? No mundo! Lutero disse que os
indivíduos são chamados por Deus na condição de pai, mãe, lavrador, professor,
soldado, juiz, governante, etc., e nelas podem cumprir sua vocação cristã e exercitar
seu amor ao próximo.29 De acordo com Pedro (1 Pd 2:5,9), todo crente é um
sacerdote em atividade do mundo, e deve oferecer sacrifícios agradáveis a Deus
através de sua vida. Foram chamados também para isso. Sendo assim, paremos de
fazer diferenciação entre atividades santas e outras menos santas. Devemos fazer
tudo em nome de Cristo (Cl 3:17), para que ele seja glorificado em nossa vocação
cristã (2 Ts 1:11). Enquanto trabalhamos, estamos servindo a Deus. Aliás, devemos
trabalhar como se estivéssemos trabalhando para ele (Cl 3:23). Se uma irmã trabalha
fazendo “cachorro quente” durante a semana, e se prontifica a fazê-lo na “festa do
cachorro-quente” da igreja, não está numa atividade mais santa do que a que ela
desempenha na semana, pois ela deve fazer ambas para Cristo.

5.6. A vocação específica no reino de Deus

Além da vocação cristã comum a todo salvo, a Bíblia também fala de vocações
específicas no reino de Deus. Paulo diz ter sido chamado para ser apóstolo (Rm 1:1).
É um chamado específico. Ele tinha tanta certeza que estava disposto a morrer pelo
mesmo (At 20:24), o que aconteceu, de fato (2 Tm 4:7). Uns são chamados para serem
pastores, outros mestres, evangelistas. Deus se expressa de maneiras diferentes
através das pessoas, por isso, chama-nos para atividades diferentes em seu reino.
Nosso desafio é descobrirmos que tipo de missão ele nos confiou! O que faz o nosso
coração vibrar? Sua vocação específica no reino está relacionada aos talentos naturais
e aos dons espirituais que ele lhe deu.
Sua vocação está relacionada àquilo que ganhou seu coração e que você se
dedica. Ele pode chamá-lo para sinalizar o reino dele através de uma causa (um
projeto de sustentabilidade, por exemplo); pode usar você no seu reino através de
uma instituição (uma casa de apoio a drogados, alcóolatras, prostitutas, etc.); um
público (você pode ter sido chamado para trabalhar com jovem, casais, crianças,

29
Atkinson in Ferguson (2009:1195).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 15

homens, mulheres, empresários, etc.); uma tarefa (capelania); e até através de sua
carreira profissional na perspectiva do reino (um médico, professor, artista, youtuber
e etc., que colocam usam sua profissão para servir os outros e sinalizam o reino).30

5.7. Todo cristão é um vocacionado!

Não precisa esperar um anjo aparecer para lhe dizer. Acredite: todos somos
vocacionados em algum sentido. Nossa primeira e grande vocação está relacionada a
razão pela qual existimos: viver para glória de Deus. Além disso, como seres
humanos, fomos chamados por Deus para cuidar do mundo criado por ele, e isso
envolve atuar nas mais diferentes áreas. Somos também vocacionados para servir a
Deus em todas as situações, como cristãos, salvos! Somos sacerdotes do altíssimo!
Por fim, é possível que ele tenha um chamado específico para cada um de nós em
seu reino. Por isso mesmo nos capacitou com dons e aptidões diferentes. Se você
ainda não sabe o seu, ore a Deus e reflita naquilo pelo qual seu coração vibra. Teste
sua reflexão com a prática. Saber que somos vocacionados é tanto um privilégio
como um desafio.
Por outro lado, se você é um pastor com o desafio de levar as pessoas a
entenderem a vocação delas no reino, ou se você precisa organizar os ministérios de
uma igreja local, escolhendo as pessoas certas para os lugares certos, então, você
está diante de uma preciosíssima tarefa, que faz parte do episcopado. Encare isso
como benção e honra. Saiba que esta é uma das mais importantes ações ligada ao
seu ministério pastoral. Este trabalho que faz parte de seu chamado. Veja o que a
Bíblia diz a este respeito: E ele (Deus) designou alguns para apóstolos, outros para
profetas, outros para evangelistas, e outros para pastores e mestres, com o fim de
preparar os santos para a obra do ministério, para que o corpo de Cristo seja
edificado (Ef 4:11,12 – grifo nosso).
Mas como fazer isso? Uma maneira simples de escolher as pessoas certas para
os lugares certos para a organização da uma igreja local é combinando os dons
espirituais, os talentos naturais e as aptidões pessoais, em cada indivíduo. Muitas
vezes a profissão que a pessoa exerce na sociedade pode ser um bom indicativo para
mostrar em que ministério esta possa atuar na igreja local. Sendo assim, a forma
prática de fazer isso é ajudando a pessoa a identificar seu dom espiritual e
conversando com ela a respeito de sua disposição, suas habilidades e desejo de
servir. Obviamente, não se deve desconsiderar a vida e caráter desta pessoa.
Uma boa sugestão é que, não havendo pessoas com os dons espirituais e
talentos naturais que atendam certas áreas da igreja, o melhor é não implantar os
ministérios relacionados a estas áreas. O Espírito Santo é também soberano nesta
questão. Permita que ele lhe conduza neste processo. Deixe que ele lhe mostre as
qualidades das pessoas e os ministérios que precisam ser estabelecidos.

5.8. Os vocacionados para os ministérios

30
Ideias baseadas nos argumentos de Ed Rene Kivitz, em seu sermão sobre vocação. Disponível em: <
https://www.youtube.com/watch?v=sv23hEdum0o > Acesso em 25/11/2014.
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 16

Se uma pessoa é vocacionada para um ministério específico na igreja, isso não


será o trabalho de uma gestão apenas, mas o trabalho de uma vida toda. Não é
necessário que esta tenha um cargo, ou que seja o “diretor” e nem mesmo estar na
diretoria. O chamado especial de Deus para trabalhar numa área, quando ligado a
nossa vocação, não termina quando deixamos estar em posições ou funções de
liderança! Quando é sua vocação e você tem compreensão disto, você simplesmente
faz, empenha-se, dedica-se. Isso por que tem a ver com a sua missão e propósito de
vida, e, ainda, traz a agradável sensação de pertencimento. A pessoa tem mais alegria
em servir quando encontra sua função no reino de Deus e seu lugar na igreja de
Cristo.
Portanto, quando temos as pessoas certas nos ministérios certos, não faz
sentido algum ficarmos trocando a equipe toda, em todos os anos, como sugere a
mentalidade departamental. Mesmo que troquemos um líder ou outro, as pessoas
que se identificam com aquele trabalho não podem ficar sendo deslocadas para
outras áreas ou serviços em que tenham pouco ou nenhuma identificação, apenas
para ocupar o cargo. A equipe ministerial precisa deve ser mantida. Se descobrirmos
na igreja um excelente professor, alguém que tenha o dom de ensino, por que tirá-lo
desta função para colocá-lo na administração ou para liderar os músicos? Por que
tirar o bom líder de jovens deste trabalho, para passar a liderar a assistência social?
Quando as pessoas estão nos lugares para o qual foram chamadas por Deus, o certo
permanecer a ali para o bem da igreja e para o bem delas mesmas.
O que fazer quando não temos a pessoa certa para certa função na igreja?
Precisamos pedir que o Espírito Santo nos oriente a identificar alguém que ele queira
usar naquele serviço. Porém, em alguns casos, talvez, o mais certo a fazer é extinguir
aquele cargo. É melhor do que colocar a pessoa errada, privando-a de exercer sua
verdadeira função no corpo de Cristo.
Mas, e se for o contrário, se tivermos pessoas capacitadas, com dons e talentos
peculiares, e não tivermos um ministério em que estas se identifiquem? Não seria o
caso de implantarmos um novo ministério? Cremos que sim! Por exemplo, se
tivermos pessoas na igreja que são exímios comunicadores, que são formadas em
jornalismos e marketing ou pessoas que se interessem em divulgar a igreja nas redes
socais e que tenham habilidade para isso; por que não criarmos um ministério de
comunicação na igreja local? Não poderíamos fazer isso com outras áreas de atuação
e serviço da igreja?
Imagine se identificássemos dentro da igreja local pessoas vocacionadas para
evangelizar grupos específicos da sociedade ou tribos urbanas? Por exemplo,
poderíamos ter um ministério para evangelizar dependentes químicos, e outros para:
moradores de rua, universitários, deficientes físicos, grupos específicos de
profissionais, etc. Como nos diz texto bíblico: Há diferentes tipos de ministérios, mas o
Senhor é o mesmo. Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem
efetua tudo em todos (1 Co 12:5-6).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 17

6. A MENTALIDADE DE MINISTÉRIO E A SAÚDE DA IGREJA

Queremos, neste último tópico, demonstrar que a mentalidade de ministério –


aquela que é orientada pelo serviço a Deus por meio dos dons e da vocação que
recebemos Dele – além de ser um conceito mais bíblico que a mentalidade de
departamentos, também traz benefícios significativos para a saúde espiritual do
corpo de Cristo. Pois a igreja com esta mentalidade tende a ser mais orgânica,
funcional e simples. Prova disto é que as principais obras que tratam sobre o
crescimento natural e a saúde espiritual da igreja caminham nesta mesma direção.
Por exemplo, no livro O Desenvolvimento Natural da Igreja, o autor Christian A.
Schwarz apresenta o resultado de uma pesquisa científica em que se estudou 1000
igrejas grandes e consideradas saudáveis. A equipe de Schwarz constatou que nestas
igrejas existiam 8 características em comum, que foram denominadas de “as oito
marcas de qualidade essenciais das igrejas saudáveis”.31 Pois bem, uma das oito
marcas é esta: Ministérios orientados pelos dons. 32
No livro Uma Igreja com Propósitos, o autor Rick Warren defende que uma
igreja bíblica e saudável não pode ser movida e motivada pela tradição, por
personalidades, pelas finanças, por programas, por construções, por eventos ou por
sem-igrejas, mas sim pelo modelo bíblico, que, nas palavras deste autor, é uma igreja
dirigida por propósitos.33 Warren defende que um dos propósitos da igreja, de
acordo com as Escrituras, é exatamente equipar os discípulos para os ministérios da
igreja. Diz que um dos principais objetivos da liderança pastoral com a membresia
deve ser o de atuar para “transformar membros em ministros”.34
De acordo com Warren, todos os membros de uma igreja precisam aprender
alguns princípios bíblicos sobre os ministérios: 1. Cada crente é um ministro; 2. Cada
ministério é importante; 3. Nós dependemos uns dos outros; e 4. O ministério é uma
expressão de minha boa forma espiritual. Por fim explica que os ministérios devem
ser guiados pelos dons espirituais e explica que a Bíblia claramente ensina que Deus
dá a cada crente dons espirituais para serem usados no ministério (cf. 1 Co 12; Rm 8;
Ef 4). Porém, segundo este autor, isso não tudo, pois os dons precisam ser aliados às
aptidões do coração, às habilidades naturais, à personalidade e às experiências
pessoais. Conclui dizendo que “o resultado de um trabalho na área correta são bons
frutos”, que geram vida e saúde na igreja e com que ela tenha uma estrutura
organizacional simplificada e funcional. 35
Jonh Stott, no livro A Igreja Autêntica, defende a mesma ideia de que todos os
cristãos são chamados para a obra do ministério e que Deus chama diferentes
pessoas para diferentes ministérios e que isso está diretamente ligado à saúde e a
vida da igreja. Explica também que o ministério de cada membro precisa passar pela

31
Schwarz (2010:7).
32
Schwarz (2010:26).
33
Warren (1998:93-103).
34
Warren (1998:401).
35
Warren (1998:444-455).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 18

supervisão pastoral.36 Algo semelhante é dito Glenn Wagner, no livro Igreja S/A:
Dando adeus à igreja-empresa recuperando o sentido da igreja-rebanho, que afirma:

A verdade é que fomos chamados como bispos para apascentar o rebanho de


Deus, treinando as pessoas desse rebanho a usar seus dons para suprir as
necessidades do corpo. Um pastor não pode nem deve “fazer tudo”. Isso é tão
verdade para o pastor de uma igreja com apenas um obreiro, como o é para
uma igreja com muitos obreiros de tempo integral. Ambos precisam formar
equipes que permitam às pessoas liberar seus dons (...). Posso trabalhar com
eles, treiná-los, delegar-lhes áreas de responsabilidade e deixa-los fazer a obra
do ministério.37

Já o autor brasileiro e pastor Carlito Paes em seu livro Igrejas que prevalecem,
apresenta 24 princípios para um crescimento saudável e equilibrado da igreja. Entre
os princípios apresentados, Paes defende que as igrejas locais que prevalecem são
aquelas que atuam com ministérios, e com não departamentos, cargos e comissões.
Ele explica que a igreja não de ser dirigida pelo sistema politico da sociedade, e sim
pelos princípios bíblicos, que ensinam, incentivam e valorizam a prática do ministério
dos crentes. 38
Este autor explica também que para uma comunidade cristã se manter viva e
funcional, é fundamental que esta tenha uma estrutura simples e ágil. Isso, segundo
ele, não significa falta de planejamento, pois todo ministério precisa se pautar num
planejamento, mas este precisa ser bíblico. O que é importante é evitar a burocracia,
que emperra o funcionamento natural do corpo de Cristo. Pois “o planejamento, os
projetos e os sonhos nos apontam o futuro e nos motivam a prosseguir no
ministério. Já a burocracia e as leis de letra morta de regimentos e estatutos muitas
vezes tiram o vigor e desmotivam as pessoas que de fato desejam sonhar e
trabalhar”.39
Paes afirma categoricamente que as igrejas mais saudáveis e mais fortes são
igrejas nas quais os líderes assumem ministérios por meio de seus dons e de suas
habilidades naturais. Diz também que os membros devem trabalhar por paixão e
convicção, e não simplesmente por que foram eleitos para um cargo que nada tem a
haver com sua vocação. Explica, ainda, como funciona a comunidade que ele
pastoreia, com as seguintes palavras:

Em nossa comunidade, com exceção dos cargos legais de diretoria e de


conselho fiscal, não temos nenhum cargo eleito pela igreja. Não temos cargos
para distribuir como em uma empresa, mas ministérios a serem desenvolvidos
com amor, paixão e competência por todos os que se sentem chamados por
Deus para tal desafio. Apesar de não haver eleição nem indicações, os
ministérios se mantêm organizados, planejam, agem e dão frutos.40

36
Stott (2013:70-73).
37
Wagner (2003:123).
38
Paes (2003:167).
39
Paes (2003:168).
40
Paes (2003:168).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 19

O pensamento deste autor é que Deus chama as pessoas para assumirem ou


atuarem em ministérios de acordo com maneira como cada uma fora criada por ele.
Deus tem um propósito para cada pessoa. Ele explica que as pessoas se desenvolvem
muito mais quando estão atuando numa área da igreja, em que se sentem colocadas
ali por um chamado divino. Aí, se sentem felizes e confortáveis para darem o seu
melhor, usando seus dons espirituais e suas habilidades naturais. 41
Numa parte interessante do livro, Paes relata que já havia feito parte de uma
igreja regida por departamentos, em que tinha que sair a procura de pessoas para
preencherem os cargos. Disse que pegava uma relação de lacunas e saia a “caça” de
indivíduos para servirem naquelas áreas. Este autor confessa que era sempre uma
luta, pois muitos não aceitavam o convite, sendo bastante defensivos. Disse que em
alguns momentos, até apelava ao sentimento de culpa, a fim de convencer a pessoa
a assumir determinada função.42 Isso lhe faz lembrar alguma coisa? Algo semelhante
já lhe aconteceu? Talvez tenhamos que ouvir o que este autor está nos dizendo.
Este autor enfatiza e ensina o conceito de que cada crente é um ministro. Pois
defende que todos os cristãos são chamados para servir e para cumprir a Grande
Comissão e que todos são capacitados por meio dos dons e talentos que o Espírito
de Deus concede. Para tanto, baseia-se em dois princípios bíblicos:

 Sacerdócio do crente: Cada homem pode ir diretamente a Deus em busca de


perdão, por meio do arrependimento e da fé. Para isso, ele não precisa de
nenhum outro individuo, nem mesmo da igreja. Há um só mediador entre
Deus e os homens, Jesus. Uma vez convertida, a pessoa tem acesso direto a
Deus, através de Jesus Cristo. Ela passa a integrar o sacerdócio real, que lhe
outorga o privilégio de servir à humanidade em nome de Cristo. Deverá
partilhar com os homens a fé que acalenta e servi-los em nome e no espírito
de Cristo. O sacerdócio universal dos crentes, portanto, significa que todos os
cristãos são iguais perante Deus e a fraternidade da igreja local.
 Ministério cristão: A igreja e todos os seus membros estão no mundo para
servir. Embora todo filho de Deus seja chamado cristão, muitos negam o valor
disso por causa da natureza singular da chamada, que é a vocação ao serviço
de Cristo. (...) Os que são chamados pelo Senhor para o ministério cristão
devem reconhecer que o fim da chamada é servir. São, no sentido especial,
escravos de Cristo e seus ministros nas igrejas e junto ao povo. Devem exaltar
suas responsabilidades, em vez de privilégios especiais. Suas funções distintas
não visam à vanglória; antes são meios de servir a Deus, à igreja e ao
próximo.43

O pastor Carlito Paes conclui sua exposição sobre o tema, explicando que
quando cada crente se vê como ministro de Cristo na terra e não somente o pastor;
isso é algo bastante saudável e frutífero para igreja. 44
41
Paes (2003:169).
42
Paes (2003:170).
43
Paes (2003:172).
44
Paes (2003:174).
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 20

7. COMO SE ORGANIZA UM MINISTÉRIO ESPECÍFICO?

Quando uma pessoa se sentir chamada para servir em algum ministério


específico deve procurar a ajuda do pastor, e este deve encaminha-la para se juntar a
um ministério que já existir. Ou, se for o caso, o pastor deve iniciar um novo
ministério. Assim esta pessoa deve receber do pastorado o treinamento e
encorajamento necessários para exercer esse serviço cristão.
Quem leu esse material até aqui, pode ter as seguintes dúvidas: Como deve
ser a liderança ou a organização de um ministério específico? Esta questão precisa
ser revista se abandonarmos a mentalidade de departamentos? Hoje, nas igrejas
locais temos a UMAP, SOFAP, DIJAP, SOMAP, etc., como suas diretorias, cargos e
regimentos. O que mudaria se passássemos a atuar através dos ministérios?
Obviamente, se o estudo for aprovado, estes pontos mais administrativos
precisam ser melhor estudados pelas casas competentes para só então depois serem
aplicados a prática das IAPs locais. Contudo, podemos desde já afirmar que na
atuação por ministérios algumas peculiaridades na administração precisam ser
observadas:
1. O critério para a escolha dos componentes é sempre os dons espirituais e a
vocações que receberam de Deus;
2. O número dos que compõem um ministério não pode ser limitado por nós.
O Espírito Santo é quem determina quem participa. Assim todos os que são
chamados e capacitados para aquela área de atuação podem participar e colaborar
nesta;
3. Sempre que for necessário e possível, um novo ministério pode ser criado
ou pode deixar de existir. É preciso ser conduzido pela dinâmica do Espírito;
4. O ministério tem a ver com chamado e vocação, e por isso, as pessoas que o
compõem devem exercê-lo independentemente de cargos;
5. Este é um trabalho que não se limita a uma gestão de um ou dois anos, mas
é algo para vida toda, ou enquanto o Espírito Santo desejar;
6. Num ministério não é necessário ter mesma burocracia existente nos
departamentos, porém, é fundamental que se tenha planejamento e organização.
Para isso, é indispensável que se tenha uma liderança para cada ministério para que
possa gerir os trabalhos. Sugerimos que a pessoa escolhida para estar à frente de um
ministério seja chamada de “diretor”;
7. Todo o trabalho realizado pelos ministérios específicos precisa estar sob a
orientação do ministério pastoral. O pastor e os demais membros do conselho local
são os responsáveis para organização os ministérios e mudar seus diretores sempre
que necessário;
8. Embora a participação e o trabalho das pessoas nos ministérios não seja
algo vinculado a uma gestão, ainda assim a liderança destes não é vitalícia. Todo
bom líder prepara novos líderes. Entendemos que é salutar para igreja que
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 21

periodicamente a liderança dos ministérios sejam avaliadas e trocadas, quando


necessário.
9. Os ministérios específicos não precisam ter um “regimento” ou “estatuto”
para seguirem; todavia, é importantíssimo que cada um deles tenha clareza de
significado, propósito, público e alvos. Deste modo, os líderes podem facilmente
pensar as ações e organizar as atividades.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procuramos demonstrar através deste estudo, que é bíblico e mais correto as


igrejas locais atuarem por meio de ministérios, do que por meio de
departamentos/cargos. Contudo, argumentamos desde o início que o grande
problema não é tanto a nomenclatura, mas, sobretudo, a mentalidade que está por
detrás de cada designação. De nada adianta mudarmos o nome dos serviços
prestados pelas lideranças locais, ou título das esferas de atuações, ou seguimentos
das igrejas locais, se continuarmos agindo com o conceito e a forma departamental
de servir. Por mentalidade de departamento definimos como aquela que é orientada
por cargos, gestão, agenda anual, eventos, estatutos e assim por diante. Já a
mentalidade de ministério foi exposta por nós como aquela que é orientada pelo
serviço a Deus por meio dos dons e da vocação que recebemos dele.
Concluímos, com base no texto de 1 Coríntios 12:4-6, que “ministério” é uma
área específica ou função peculiar dentro corpo de Cristo, em que realizamos um
serviço de acordo com o dom que recebemos. Isto não está restrito a uma gestão,
ou a um cargo que recebemos na igreja, mas está relacionado aos dons recebidos e a
vocação que temos. Não é algo para ser exercido por um período, mas pela vida
toda. Com base neste texto, vimos ainda a diferença entre dons, ministérios e
atividades: os dons são as habilidades especiais recebidas do Espírito Santo, os
ministérios são as áreas peculiares em que podemos atuar ou servir dentro da igreja
ou através dela e as atividades são as várias ações específicas que alguém pode
realizar dentro de um ministério específico, utilizando os seus dons.
Neste estudo, procuramos provar que o trabalho com os ministérios além de
ser um conceito mais bíblico que a mentalidade de departamentos, também traz
benefícios significativos para a saúde espiritual do corpo de Cristo. Pois a igreja com
esta mentalidade tende a ser mais orgânica, funcional e simples. Isso aponta para o
entendimento de que cada cristão é um “ministro”, isto é, um servo de Deus que foi
inserido no Corpo com a missão de atuar num ministério através dos dons para
glorificar a Deus, edificar os irmãos e evangelizar os não-salvos. Este conceito nos faz
entender que embora o dom seja individual, ele só faz sentido quando usado na
coletividade e com os objetivos idealizados pelo Espírito Santo para bem comum.
Assim sendo, por entendermos que os ministérios (diakonia), além de ser um
conceito bíblico, tem tudo a ver com o aspecto organismo-vivo do corpo de Cristo,
pois permite que este se mantenha vivo, dinâmico e funcional. Por acreditarmos que
esta forma de atuação da igreja local a faz ter uma estrutura menos burocrática e
Comissão Teológica da Igreja Adventista da Promessa 22

mais simples e ágil. Também por sabermos que isso traz mais satisfação aos que
estão servindo por terem um maior senso de propósito e pertencimento. Ainda por
crermos que este é o modo mais eficaz de envolvermos os cristãos no cumprimento
da missão. Também por compreendermos que esta maneira de servir traz benefícios
significativos para a saúde da igreja: Propormos que a igreja Adventista da
Promessa passe atuar nas igrejas locais por meios de ministérios.
Recomendamos que sejam mudados os títulos, mas não apenas isso; é, também,
fundamental que se promova uma mudança de mentalidade.
Sabemos que o papel dos pastores locais é fundamental nessa mudança de
mentalidade. Eles precisam compreender esses conceitos bíblicos para então poder
aplicá-los aos membros e a igrejas que pastoreiam. São os pastores que precisam,
com orientação do Espírito Santo, conscientizar o povo, enxergar o potencial de cada
membro e serem capazes de organizar os ministérios, colocando as pessoas certas
nos lugares certos. Contudo, essa mentalidade além de direcionar a atuação da igreja
local, precisa também redirecionar a nossa ação nos âmbitos das Convenções
Regionais e da Convenção Geral. Precisamos começar a pensar e atuar na esfera
eclesiástica por meios dos dons e das vocações específicas recebidas de Deus.
Que os departamentos regionais e gerais sem realinhados nesta proposta. Que
as pessoas nas igrejas locais sejam encaminhadas para se juntarem aos ministérios
que já existentes e que as igrejas locais tenham liberdade de iniciar novos ministérios,
quando forem necessários. Que o Espírito Santo possa manifestar, assim, a
multiforme sabedoria de Deus por meios dons na igreja de Cristo, e mostrar novos
caminhos para atuação do povo de Deus no cumprimento de sua missão no mundo.

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