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DESMONTE DO IPHAN É EVIDÊNCIA DE RISCO NA CULTURA

O Instituto que resguarda e preserva os bens históricos do país sofre investidas do governo,
principalmente em Goiás, e demonstra possível crise administrativa dentro do órgão federal

Por Ricardo Rodrigues, Thais Monteiro e Willian Vinicius

O instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) consiste numa


autarquia federal vinculada atualmente ao Ministério da Cidadania desde a extinção do
Ministério da Cultura. O órgão é incubido de garantir a preservação do Patrimônio Cultural
Brasileiro. O instituto possui ao todo 27 Superintendências, sendo uma em cada unidade
federativa, os 26 estados brasileiros e Brasília a capital federal. As Superintendências
espalhadas pelo território nacional estão responsáveis por garantir que as atribuições do Iphan
sejam cumpridas. Segundo o próprio instituto sua função é de proteger, preservar e promover
os bens culturais do País, assegurando a sua permanência e usufruto pelas próximas gerações.
Integram o Iphan 37 Escritórios Técnicos onde a maioria deles estão localizados em
cidades tombadas pelo patrimônio cultural, conhecidas popularmente como Cidades
Históricas. O Instituto foi criado em 13 de janeiro de 1937, durante o governo de Getúlio
Vargas. A Lei n° 378 assinada por Vargas autorizou a criação do órgão. A Constituição
Brasileira em seus artigos 215 e 216 assegura a preservação do patrimônio elencando três
formas desse processo: o registro, o inventário e o tombamento.
Contudo o Instituto aos poucos vai perdendo sua credibilidade e o seu real intuito.
Uma nomeação para Diretoria Nacional de profissionais sem critério técnico desencadeou o
mesmo processo nas Superintendências Regionais. Tal fato tem prejudicado as ações e
desempenho do órgão. Ademais um contingenciamento no orçamento da verba destinada
para o Iphan corroborou para que sua atuação fosse afetada.
Uma nota emitida no site da Câmara dos Deputados, com base nos dados fornecidos
pela ex-diretora nacional do Iphan, Kátia Bogéa, confirma que a redução do orçamento já
vem sendo prevista desde outros governos. O orçamento do PAC Cidades Históricas em
2017, era de 250 milhões. No entanto,no final houve um contingenciamento de 61% e o que
foi repassado para o Instituto foi de apenas 17,6 milhões para uma demanda básica de 100
milhões.
Segundo o Portal da Transparência nenhum dos orçamentos previstos de 2015 a 2019
foram obtidos de forma integral. Em 2015 o previsto era de 445,30 milhões e o executado foi
de 276,22 milhões. Durante a instabilidade e da transição do governo Dilma para o Governo
Temer em 2016, o previsto foi de 349,91 milhões e o executado de 331,67 milhões. No
primeiro ano do governo Temer em 2017 o previsto foi de 565,69 milhões e o executado
347,78 milhões. Em 2018, no ano de eleição presidencial o intuito era de 486,03 milhões e o
obtido foi de 362,83 milhões. Já o orçamento no governo atual foi de 516,9 milhões e o
executado de 262,95 milhões.
Os valores gastos com o Instituto no período de 2015 a 2019 equivalem a 0,01 dos
gastos públicos.
Trabalhando com números percentuais o gráfico dos orçamento executado do
previsto fica da seguinte forma:

Iphan Goiás

Analisando na perspectiva estadual os dados sobre a Superintendência do Iphan


Goiás não se diferem muito do cenário nacional. Onde o orçamento previsto não é obtido
durante anos. Além do baixo orçamento o órgão está tendo nas direções de suas Superintendências
pessoas sem nenhuma experiência técnica que terão de lidar com a gestão e escolha de projetos que
fazem parte da história goiana. O patrimônio nacional material e imaterial está cada vez mais
ameaçado por conta do descaso governamental.
As atividades do Iphan em Goiás se iniciaram em 1960, com a 14° Coordenação localizada
em Brasília. Há dez anos a Coordenação foi transformada em 14° Superintendência Regional e
atualmente atua na preservação de cinco cidades históricas e 43 bens tombados individualmente.
Goiás é um dos estados brasileiros com maior patrimônio histórico preservado pelo instituto.
A última gestão do Iphan Goiás estava sobre o mandato de Salma Saddi e sua saída gerou
polêmicas em torno da escolha. Salma estava a frente da superintendência desde 2000, quando ainda
era responsável também pelos estados do Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e o Tocantins. A
historiadora foi exonerada pelo ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, Osmar Terra e foi
substituída pelo advogado, Allyson Cabral, que foi indicado pelo deputado federal, Alcides
Ribeiro(PP).
A troca na gestão provocou uma série de críticas, principalmente pelo fato de Allyson não
possuir um perfil técnico para assumir o cargo. Uma das ressalvas à indicação foi feita pelo então
secretário de estado da cultura, Edival Lourenço. Em entrevista ao Jornal Opção em setembro, Edival
afirmou que, caso a troca abra um “vazio” nas ações que envolvem o Iphan, Goiás poderá ter
prejuízos. As polêmicas se intensificaram pela falta de critério na escolha do deputado Alcides que
estaria apenas beneficiando pessoas próximas.
Apesar das críticas o Deputado Alcides frisou que por se tratar de um cargo comissionado não
haveria nenhum problema em indicar Allyson Cabral, uma vez que ele se trata de uma pessoa de
confiança do deputado. Allyson Cabral é Professor na Faculdade Alfredo Nasser (UNIFAN) em que o
proprietário é Alcides Ribeiro. Em uma entrevista para o Jornal O Popular Alcides afirmou que houve
um sorteio para cargos federais e o que sobrou para ele foi o Iphan. Ainda complementou que como o
cargo era dele ele daria a quem confiasse.
A nomeação de alguém sem critério técnico coloca em risco a realização de obras em
andamento, como por exemplo a restauração do Coreto e a conservação da torre do relógio na avenida
Goiás, e obras previstas como a restauração do teatro Sebastião Pompeu de Pina, em Pirenópolis. Mas
além disso o desmonte ameaça também o turismo relacionado a Cidade de Goiás, que é uma cidade
que atrai milhares de turistas em grande parte por suas construções históricas. Dos anos de 2001 á
2018 a Cidade de Goiás recebeu mais investimentos do Iphan do que à própria Capital. Enquanto
Goiânia recebeu 34,3% nesses anos, Goiás Velho recebeu 43,26% , segundo dados do Iphan. Agora
existe um clima de incerteza em relação ao compromisso do atual governo com esses lugares.
Não foi apenas no Estado de Goiás que os cargos foram sorteados até o momento a troca
também ocorreu nos estados de Minas Gerais, Paraná e Brasília. As trocas contrariam a história do
instituto onde tradicionalmente os técnicos do Iphan eram escolhidos para os cargos de
superintendência. A escolha era feita levando em consideração a experiência e conhecimento técnico
na área. Os gestores que foram exonerados nos estados citados anteriormente eram funcionários de
carreira do instituto.
Em entrevista ao Jornal Nexo a arquiteta Maria Regina Weissheimer, arquiteta e servidora do
Iphan desde 2006, declarou que pressões políticas sobre o Iphan acontecem desde governos
anteriores, mas que até então as trocas de superintendentes eram pontuais. A arquiteta ainda
complementou que apesar das pressões políticas sempre existiu um critério de escolha baseado na
capacidade técnica para gestão. Tal critério era sobretudo analisado nas superintendências dos estados
com maior e significativo acervo protegido, entre eles está: Goiás, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco,
Rio Grande do Sul e Maranhão.
A falta de critério para a escolha de gestores pode influenciar diretamente a viabilidade das
ações do órgão. Deixando de lado seu real intuito. Outro ponto já discutido, mas que atrelado a essa
questão é um ponto alarmante é o corte previsto no orçamento para o próximo ano. Segundo o Jornal
Folha de São Paulo o orçamento governamental destinado à proteção do patrimônio histórico deve
sofrer drástica diminuição em 2020. De acordo com o jornal a perspectiva é de que a verba seja
reduzida em 72% saindo de R$ 230.816.976 para R$ 66.509.432. A redução está prevista no Projeto
de Lei Orçamentária.
Após todas os cortes e nomeações sem critérios técnicos, o Conselho de Arquitetura e
Urbanismo do Brasil (CAU), juntamente com outros órgãos como o, Instituto de Arquitetos do brasil
(IAB), Associação Brasileira de Ensino de Arquitetura (ABEA), entre outros, por meio de uma carta
de repúdio, demonstraram sua preocupação com o descaso do atual governo com o Iphan. “A atual
administração do país, por meio da nomeação de pessoas sem formação ou experiência, busca
desmontar o IPHAN, extinguindo as políticas de preservação construídas ao longo de 82 anos. O
apagamento da memória e degradação do ambiente urbano prejudicarão toda a população do Brasil,
de modo irreversível.”

Desmonte do Iphan e a Cultura em Perigo


Desde o ínicio do seu mandato o presidente Jair Bolsonaro vem substituindo gestores
de instituições por aliados ao seu governo. Tal atitude não foi diferente no que diz respeito ao
Iphan, desde o começo de setembro de 2019, os superintendentes Estaduais do instituto foram
substituídos por integrantes da sua base aliada. O órgão parece estar a deriva nas mãos do
governo que demonstra desconhecimento ao lidar com as escolhas da direção.
Nos últimos dias Kátia Bogéa, que estava na direção do órgão desde 2016 foi
exonerada do cargo. A historiadora ficou sabendo da demissão pelo portal do Diário Oficial
da União. O ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, anunciou na mesma ocasião que a nova
diretora seria a arquiteta e urbanista Luciana Rocha Feres. No entanto, antes de completadas
24 horas da nomeação, a mineira também foi exonerada.
A suspensão da nomeação de Luciana tem demonstrado uma queda de braço entre o
Ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, que indicou a arquiteta, com o então
secretário da Cultura, Roberto Alvin. Segundo notícia publicada pela Folha de São Paulo no
último dia 18, Alvin queria no cargo o relações públicas, Olav Schrader, que também é
membro da Associação de Moradores de São Cristóvão, na cidade do Rio de Janeiro.
Essa crise na direção da instituição vem se agravando desde a saída de Kátia, o
desconforto dentro do órgão é evidente e o risco de ações do governo contra o patrimônio
histórico brasileiro torna-se cada vez mais evidente. O presidente não tem feito nem mesmo
questão de esconder o seu descaso com toda a situação. Na mesma matéria veiculada pela
Folha, ele demonstrou desdém ao ser questionado sobre o Iphan.
O presidente Jair Bolsonaro, que participava de um evento da bancada evangélica, se
referiu ao instituto como um “tal de Iphan” para os jornalistas presentes. O chefe de estado
declarou insatisfação com a instituição ao acusá-la de embargar obras e demolições de
prédios protegidos. O presidente demonstra querer uma instituição que se difere dos
caminhos da última direção, que ele alega ser ideologicamente de esquerda.
Toda essa situação que o Iphan enfrenta, não é exclusividade apenas do órgão. O
instituto é apenas mais um dos departamentos de cultura a ser atacado. A crise que se
instaurou em todo meio cultural do país é um retrato grave do descaso, que não é fruto só do
atual do governo, mas desde a gestão anterior, no mandato de Michel Temer, quando se
aprovou a Emenda Constitucional 95, cortando verbas e estabelecendo o teto dos gastos e
afetando todas as esferas atendidas pelo Estado.
O descaso para com os patrimônios históricos nacionais refletiu em tragédias como o
incêndio do Museu Nacional em setembro do ano passado. O museu localizado na Zona
Norte do Rio, era o maior museu de história natural do Brasil. O seu acervo contava com 20
milhões de itens, como fósseis, peças indígenas, múmias e livros raros. Além do mais o
museu foi criado por D. Jõao VI em 1818, tinha acabado de completar 200 anos no ano do
incêndio. Representava a instituição científica mais antiga do país. No ano da tragédia o
centro histórico tinha recebido 77% do orçamento em relação ao ano de 2012, em função da
Emenda Constitucional 95 (Teto de Gastos). O descaso com o local, a falta de verba e uma
má gestão culminou no ocorrido.
Órgãos como a Agência Nacional do Cinema (Ancine) ou a Fundação Cultural
Palmares, também estamparam os noticiários no decorrer deste ano. Ações desta gestão
foram um claro ataque contra a cultura do país. Constantemente alguém do governo, como o
ministro da Educação, Abraham Weintraub, procura através do revisionismo histórico,
recontar os fatos, para justificar suas ações. Essa desconstrução do passado de forma
desonesta só evidencia uma realidade que não é atual, o apagamento das origens culturais e
históricas brasileira. “Um povo sem conhecimento da sua história, origem e cultura é como
uma árvore sem raízes”, já dizia o ativista jamaicano Marcus Garvey.

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