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A realização do Humor por Pedro Lourenço em “Entrevistas Ofensivas Nos Globos De

Ouro”

O presente ensaio visa explicitar teoricamente e analisar de forma sistemática os meios


pelo quais o humor ganha forma no vídeo” Entrevistas Ofensivas Nos Globos De Ouro”
do youtuber Pedro Lourenço. Possuindo o autor do vídeo conhecimento teórico ou não
destas técnicas e moldes humorísticos, o seu não conhecimento e possível aleatoriedade
dos seus atos não excluem a possibilidade de uma análise formal das mesmas. A sua
ação mesmo que ignorante da teoria neste ensaio descrita, não é nunca desprovida de
um fim humorístico e de técnicas que visam atingir e tornar possível a realização desse
humor. Sendo assim, o conteúdo do vídeo manifesta-se através de intervenções a partir
do humor de linguagem ou de situação.
Cabe a este ensaio, como referido acima, explorar as técnicas e métodos humorísticos
subjacentes às ações de Pedro Lourenço no vídeo escolhido a partir de fórmulas teóricas
do universo do humor.

Antes de debruçar-me sobre a análise dos segmentos visuais, é relevante contextualizar


e explanar o conteúdo geral do vídeo a ser analisado. O vídeo é filmado nos Globos de
Ouro do ano de 2022, de forma mais concreta, na entrada do Coliseu dos Recreios, onde
Pedro Lourenço adota uma atitude de repórter, apresentando-se com um microfone na
mão dotado de uma persistência em entrevistar, ou pelo menos, tentar, as personalidades
do espetro televisivo, musical e cultural português - os tão famosos, “famosos”. O
humor trabalhado no vídeo é sempre realizado através de interações entre o criador de
conteúdo e um "famoso" ou através de comentários tecidos sobre tais interações - o
humor não se realiza de forma autónoma, mas sempre através de interações, diálogos
ou comentários dirigidos a alguém presente, inscritos numa situação e num contexto de
gala e de elevado nível social o que, em regra, contrasta drasticamente com o teor dos
comentários produzidos por Pedro Lourenço.

Thomas Hobbes identifica o humor como uma tipologia do escárnio, do modo em que
rimos daquilo que é ridículo, enfermo ou ignorante nos outros ou no nosso “Eu” do
passado, mas aquando da consciência absoluta da superação dessas falhas (Jerónimo,
2015, p.55). Estes ideais vão servir de bases à Teoria da Superioridade, que sintetiza
grande parte do humor produzido através do conteúdo de Pedro. No vídeo em análise,
Pedro apresenta-se nas imediações do Coliseu dos Recreios de calções e casaco
desportivo (indumentária especifica e presente em todos os vídeos do seu canal de
Youtube) aliado ao uso de óculos de sol. A própria Teoria da Superioridade é
despoletada já a partir da apresentação visual do youtuber - este apresenta-se num
evento de gala e da elite mediática com uma indumentária totalmente contrária à
etiqueta da situação, aliada ao uso de óculos de sol durante a noite. Após esta
constatação, ocorre no expectador um sentimento de superioridade face ao ridículo e à
desconveniência do modo de apresentação de Pedro e à naturalidade com que o faz. O
expectador é, imediatamente, elevado a um patamar social e individual em que se
considera superior por não se encontrar numa situação formal vestido com roupa
desportiva e por crer ser reduzida a probabilidade de ser ver inscrito numa posição
semelhante. Keith Spiegel refere que o humor e o consequente riso são provocados a
partir de esquemas de associação de elementos novos e contrastantes ou inconsistentes
com os esquemas prévios definidos (Spiegel como citado em Ferreira, 2018, p. 407).
Tais pressupostos definem a Teoria da Inconguência.
Victor Raskin (citado por Barreto, s.d., p. 7) vai afirmar que:
Um texto pode ser caracterizado como um texto contendo uma piada se ambas as
seguintes condições forem satisfeitas:(i) o texto é compatível, totalmente ou em parte,
com dois scripts diferentes;(ii) os dois scripts com os quais o texto é compatível são
opostos.

Em que, “Raskin utiliza o termo script em um sentido amplo, como representando um


conjunto de informações sobre algo.” (Barreto, s.d., p. 6)
Não se tratando, neste caso, de um suporte escrito, mas sim visual, o establecimento
de quadros de informação contraditória dá-se de igual modo, no sentido em que a
indumentaria desportiva não se identifica com o caracter formal do evento. O humor
neste contexto funciona assim como uma quebra das nossas expectativas sobre a
indumentária esperada numa gala dos Globos de Ouro e pela quebra das normas
sociais preestablecidas que cada expectador possui no seu interior e que são
totalmente rompidas pela situação descrita, provocando o riso. A mesma Teoria pode
ser aplicada no modo em como Pedro Lourenço aborda as figuras mediáticas que
pretende entrevistar, são exemplo expressões dirigidas diretamente a interlocutores
como “como é que é? tá tudo bem? como é que é?"; “como é que é patrão?”; “meu
puto”; “então patroa" (Pedro Lourenço, 2022) - tais expressões não se adequam ao
contexto de entrevista que o jovem pretende simular e muito menos ao publico alvo
das suas intervenções. Esperamos que um entrevistador trate uma figura publica com
uma linguagem cuidada e formal, o que não acontece no conteúdo linguístico
informal, repleto de calão e com uma intimidade que beira os limites da
inconveniência.
A ironia é também um recurso recorrente ao longo do vídeo, libertando-se das
definições que a reduzem a um procedimento verbal e que se vai definir, em Pedro
Lourenço, como uma atitude perante o meio situacional do vídeo, esta ideia é
sustentada por René Bourgeois: “Ela [a ironia] é nada menos que uma atitude do
espírito diante do problema da existência’, que uma tomada de posição filosófica na
questão fundamental das relações do eu e do mundo” (Bourgeois, 1974, como citado
em Loureiro, 2007, p. 16 ) . Deste modo, Pedro Lourenço, serve-se da ironiza para
satirizar a posição social elevada das figuras mediáticas e, ao mesmo tempo, a sua
banal condição enquanto individuo “não-famoso”. Esta abordagem teórica é
sustentada pelos seguintes segmentos de interação do vídeo:
1) Após a tentativa de entrevista à atriz Dânia Neto e com o comentário negativo da
atriz “não tou a curtir falar contigo”, Pedro Lourenço afirma “Ela não curtiu de
falar comigo porque ela pensou “este gajo é do povo, eu não falo com gente do
povo” (Pedro Lourenço, 2022))
2) Na abordagem a Iva Lamarão e à recusa da atriz em dirigir palavra ao locutor, este
comenta “Nem cumprimenta o vulgar, é só famosos” (Pedro Lourenço, 2022)
3) Na sua fala: “A minha única questão é: Como é que deixam um vândalo como eu
interagir com pessoas como vocês” (Pedro Lourenço, 2022)
Com base em conceitos descritos por Sigmund Freud, o locutor desenvolve o humor a
partir do absurdo das falas e do tom irónico com que as enuncia, camuflando uma
critica de uma realidade social discrepante e da prepotência de alguns interlocutores -
“Numa brincadeira pode-se até dizer a verdade” (Freud citado em Morais, 2008, p.
115)

O conteúdo das falas de Pedro Lourenço se inscritas num contexto formal, não
constituiriam uma formulação humorística, mas sim “um saber triste ou sério”.
(Morais, 2008, p. 115)

Em suma, o ensaio elaborado associa o vídeo analisado a elementos pertencentes às


teorias gerais do humor que são canalizados e trabalhados, de forma consciente ou
não, por Pedro Lourenço. Assim, é notória a amplitude e a generalização destas
teorias na realização do humor. Através da ironia, do ridículo e do contraste de
figuras, Pedro Lourença despoleta no expectador um humor capaz de beirar os limites
do inconfortável e do constrangedor, mas que, em facto, funciona e cumpre o seu
propósito - fazer rir.

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