Você está na página 1de 347

Universidade Nova de Lisboa

Faculdade de Ciências Sociais e Humanas

0 MILAGRE DE OURIQUE

E A

HISTÔRIA DE PORTUGAL DE ALEXAHDRE HERCULANO

UMA POLESICA 0IT0CENTI3TA

/""W'j'i ^K.\::f:~

V'. A?

Ana Isabel Buescu

Lisboa

1985
Trabalho apresentado å Fa-

culdade de Ciencias Sociais e

Humanas da Universidade Nova

de Lisboa nos termos dos arti-

tzos 5*- e 58 do E.C.D.U.


A -neus Pais

i
"Quando ananos a vida, temos de amar o

passado, porque ele é o presente, tal coh*.o so-

breviveu na nen.oria dos honens".

ĩarguerite Yourcenar
5

Págs.

INTR0DU5Â0
6
1. Palavras prévias
2. 1846-1857: o terapo de uma polémica 18

ALEXANDRE HERGULANO E A POLÉMICA DE OURIQUE :

VISÃO E VIVÊNCIA

0. Nota prelirninar 38

1. A "Advertência" da Historia de Portugal ou a

consciência de uma atitude assumida 42

2. A intervencão de Alexandre Herculano na polé


mica.Os opúsculos —
conteúdos e estratégias . . 48

3. A polénica como denúncia io ultramontanismo.

0 exercício da liberdade 157

4. Os tempos, a crenca e a historia: anti-cleri

calismo em Alexandre Herculano 177

II

OS DEFEN30RES DE OURIQUE: MEMÔRIA E TRADIQÍO

0. Introdugão .. 199

1. A aparicão de Cristo de
nos canpos Ourique:

verdade, verosimilhanca e funcionalidade ... . 205

2. A busca das origens e o sentido da historia . . 232

CONCLUSÃO 260

NOTAS 270

BIBLIOGRAFIA 331
INTRODUQÍO

1. Palavras prévias

A chamada polémica de Ourique, que se desenrolou entre

os anos de 1846, data da publicagão do prineiro volume da

Historia de Portugal de Alexandre Herculano, e 1857, quando

surge o último opúsculo integrado nesta controvérsia, consti^


tui-se como um ciclo de textos a que a diversidade deton, de

intencao e até de ideologia, conferem uma complexidade å pri

meira vista despercebida.

Assim, o que em torno dela se escreveu, como interpre-

tagao ou comentário resultou, a nosso ver e de um modo geral,

de uma leitura simultaneamente globalizante e


fragnentária ,

nao isenta por vezes ate de um certo impressionismo : ao não

se efectuar um estudo sistemático e específico dos textosque


a compoem como debate bi-lateral ( diríamos até que nultila-

teral ), a dimensão e ate' a forga do discurso herculaniano,


talvez até a desproporgao em termos públicos e de prestígio
cultural dos seus vários actores, levou a que se identificas

se a polémica com Herculano, figura central e de certo modo

solitaria nas suas posigoes.

Com efeito, a questão de Ourique, ainda que largamente


invocada como uma das polémicas que, sob certa perspectiva,

maior ressonância alcangaram no se'culo XIX, manteve-se, a nos

so ver, objecto de uma visão acentuadanente unilateral querao

permite uma leitura multímoda dos seus registos essenciais. Na


reneralidade, a sua intertretacão resune-se å integraeao do

seu sifrnif icado anti-clerical no contexto da obra de Hercula

no, e å indicacão ouase sumária dos textos do hi storiador que

dela fazen parte e oue surgen, pela sua nao, consa?*rados nos

Orúsculos . E destes a arreciacão decorre essencialmente da

sua avaliacão rlobal, nao de una análise detalhada dos seus

conteúdos.

Quanto aos seus antagonistas, o silêncio que os rodeia

•=
sirx:ificativo e (nuase) absoluto. Quando nuito, breves re-

ferencias; e nesno estas têr, muito nais a ver con a exrlica-

cao do ton ■oreioninantenente anti-clerical que define air.ter

v-r.cao de Herculano do oue com una análise e^ectiva e auto.no

na dos seus textos. Assin, a especif lcidade da questão como

rolenica, ou se.ia, cono coní*ronto de opinioes esbate-se de

nodo sifĩni'icativo, una vez


que das várias "vozes" arenasuna

a de Herculano —
assune adequada obtiectivacao da r-arte da

•:ueles que narginalnente se tên debrucado sobre a questãc.


Em deterninado sentido, pode ncsno afirnar-se oue oa-

radoxalnente, ?. polénica como tal nunca foi ob::ecto de un es

tulc como debate de ideias, en tanto


nue a especif icidade idec

lofica e fornal de cada um dos textos surgidos, como a rro-

pria sucessão e interderendência dos opúsculos, são factores

deterninantes para a sua cabal conpreensao.

Tal facto ten, no


entanto, una explicagão cue se nos

afirura ciara, relacionada, acima de tudo, con a projeccaoda


"sonbra" de Herculano na construgão da inagen da pole'nica. Co

r.o já observou 3crges de í'.acedo, ainda que nuna oersrectiva


8

diversa da que agora tomanos (l), a ouestão de Ourique reve-

la un facto incontestável : em ternos de ouestão pública, esta

controvérsia não polarizou a atengão nen o empenhamento da

"intelligentsia" portu~uesa.. Con efeito, e ressalvando a in-

tervencao de Rebellc da Silva, en 1850, oue sustenta a posi

cão do historiador, con as Cartas ao Sr. Ministro da Justiga,

sobre o uso oue faz do rulrito e da ĩnorensa una fracpão do

Clero portu/ruez, tudo se joga entre Herculano e alguns elemen

tos civis e do clero, cur'.o perfil intelectual e


público épu
co nais do que obscuro (2).
Por outro lado, a especificidade dos problenas do nila

gre de Ourique e da indissociável dinensao ideolorica e


polí
tica oue entretanto a ouestao veio tanblm a assunir, pernitiu

e f acilitou, até , una leitura de certo nodo nariqueísta da po

lénica, nun ciclo de "conenoragão" rapidanente esgotado mas

cuja inagen se perpetuou: Herculano do lado da razao contra

quen se encontrava, â partida, face a una inevitável derrota.

Desxe nodo, em virtude do "peso" do perfil do historiador,por


um lado, e da razão que objectivanente lhe assistia na aues-

tão, por outro, a inagen da polénica consti tui-se essencial-

raente como refraccao ca posi^ao de Herculano.

Não que pretendamos de algum modo diminuir a importân-


cia que assume a intervengao de Herculano nesta controvérsia.

Pelo contrário, consideramos que ela constitui um eixo funda

mental para a sua inteligibilidade, para além de representar

um elenento preponderante no contexto da sua obra e da suaac

gão de homem público. De resto, a importância aue Ihe atribuí


mos está bem patente no lugar de relevo que ocupa no âmbito

do presente trabalho. Com efeito, é obvio que a posicao de

Herculano, os passos da sua intervengão, a leitura que f az da

polénica, tên necessariamente de ocupar um lugar de relevo

num estuco sobre esta questão. Não so porque intervém maior

núnero de vezes do que cada um dos seus antagonistas (3),mas


porque, ef ecivamente , ele é o centro de una polé'-ica que se

orientou en funcão de posicoes historiográficas e


atitudespú
blicas oue assuniu. Este facto reflecte-se, aliás, napropria
estrutura que inprininos a este trabalho, em que se tornoure

cessário enf atizar a especificidade de cada um dos textos de

Hercula.no, su^eitando-os a uma análise autonoma, enquanto a

producão dos seus adversários de certo modo "exigiu" uma lei

tura enrlobante.

Torna-se, no
entanto, necessário superar a
tendênciapa
ra identi4,icar a polénica de Ourique com a intervencão deĩfer

culanc, e realizar una leitura efectiva do discurso dos seus

adversários nesta ccntrovérsia.

A intencão Hũ nosso estudo inscreve-se, portanto, no

âmbito da questão de Curique enquanto polé-nica oitocentista.

É evidente que, pelo proprio peso que assune a reeorrênciada

respectiva tradicão na argunentacão dos seus defensores, a

"historiografia" de Ourique nao pode deixar de ser referente

do nosso discurso interpretativo, surgindo com frequência na

análise da polénica. Sublinhemos no entanto que o nossointui

to não foi o de estabelecer a genealogia e as variaqoes do

mito, na lir.ha, por exemplo, de Luís Filipe Lindley Cintraqi^


em trabalho publicado em 1957, dá conta do aparecimento da

narrativa do nilarre na Cronica de 1419 (4), fazendo recuar

substancialmente a suposta data do primeiro relato pormenori

zado da aparicão. Não foi tao pouco o de estudar a incidência

na historia e literatura portuguesas, de un nito oue atinge,

com a Restauragão de 1640, a sua configuraqão definitiva co-

no explicacão das crigens e fundamento de un discirso depoder,

justif icativc da independência.


Pretendenos, sin, estudar a de certo nodo insolita res

surg^ncia de una leitura da nacionalidade num momento que as

siste å eff.ctiva fundanenta^ao de un pensanento historico au

tonono de oue, no nosso país, a Historia de Portural de Her-

culano é un inequívocc testenunho.

0 estudo de una pclénica cono a que arora anaĩisanos s

rresenta alrunas dif iculdades. Discurso "oraco" por netureza,

en virtude da sobrecarga de significacoes, o discurso polén.i


co caracteriza-se , rorventura nais do oue oualnuer outro,por

una veenência que enfatiza a neta a alcangar: a defesa da"ver

dade oue cada canpo reivindica. 0 polo gerador e


inpulsiona-

ior do discurso pclenico é a necessidade da defesa de umaver

dade oue nuitas vezes nais ĩiro é do que una representacão que

se erige cono realidade. No caso ccncreto da pole'nica de Ou-

rique, é obvio oue nao é o rroblema da "verdade" ou da "ra-

zão" que se nos imroe como questão a resolver ou como objec-

to de estudo. Este problena estava, por natureza, resolvido.

0 oue 'nos surre, acina de tudo, cono signif icativo nes

ta controversia é a inequívoca existência, en pleno æculo XTX,


de duas "verdades" possíveis face ao nilarre de Ourique, ou

seja, a tossibilidade conceptual de una efectiva polénica so

bre a auestão da historicidade da aparicãc de Cristo a Afon-

so Henrioues no alvor ca nacionalidade.

A posicão de Herculano perante a ouestão de Ourique re

vela-se particularnente interessante e significativa, sobre-

tudo se tivrrnos en conta a especificidade do problema que de

sencadeia as reaceoes contra a sua obra. Con efeito, a histo

ricidade do nilarre, por sua rrotria natureza, nao r-rnitia

supor una intervencão de Herculano, una vez que o tratananto

de que fora obiecto na "istoria de Portugal encerrava, de no

do definitivo, o problena â luz da historia. E nuna prineira

fase, essa i: tervericao carecia definitivanente arredada das

suas intengces. 3ublinhe-se, a este proposito, o significado


do silencio oue observa desde 1846, data da publicacão daKLs-

tcria de lortugal e do aparecinento das pri^.eiras reaccoes å


nuestão do nilarre, noneadanente com o opdsculo de î:aggessi
Tavares, Demonstracao Historica de Docunertada da Arr-aricâo

de Christo nos Camoos de Ourioue contra a orinião do Snr.Ale-

xandre Herculano, até 1P50, en oue publica o famoso Su e o

Clero. Carta ao Snm" Cardeal- Patriarcha.

Mesmo aros ter entrado na polénica, Hercuĩano nacdeixa

de patentear, en diversos non^ntos da sua


intervenqão, uma

clara relutância en retomar o problena de Ourioue. Por outro

lado, tanto nos textos oue a constituen como, mais tarde, em

1876, nas palavras con oue fas anteceder a sua publicacao ros

Q-púsculos (5), o histcriador deixa transparecer a mágoa pela


dinensão atingida por uma ouestão nenor, que inpedira e se

sobrepusera a un possível debate sobre os problenas efectiva

mente importantes oue a sua obra levantara.

E, no entanto, a sua participa^ão nesta polénica atin-

r^'ria um enpenhamento pessoal claro e indiscutível, nasdecor

rente de parânetros que na sua origen, pouco tên a ver con o

problena prinitivo do nilagre. Con efeito ela polariza-se es

sencialnente naquilo que considera ser a denúncia do avanco

reaccionario en Portugal, que se traduz, circunstancialnente,


na cuestac do nilagre. Este dignostico, de que nunca abdica-

rá, será a razão operatoria que o leva a intervir, e constLtuirá

o fio condutor do conjunto das suas intervenqoes.

Com efeito, encuarto o proble-na do nilagre se erigiuoo

no elemento preponderante nas críticas que se


levantaram, rfer

culano não se manifestou; mas quando ele passou a ser


acompa

nhado por una cada vez nais consistente camnanha elerical, ex

travasardo de uma incidência caractcrizadanente "historIca"os

ra un ataque a partir do púlpito, Herculano decidiu-se a in-

tervir, publicando Eu e o Clero. texto en oue eouaciona aque

las oue irão ser as linhas nestras da sua intervencao e da

leitura oue, em definitivo, fará da polémica no seu conjunto.


A questão de Ourique será pois, para Herculano, acina

de tudo a questão do clero. Nesta tanbém


medida, a sua inter

venqao sers. essencialmente i do ^n-io-n público e de cidadao

monento paradigmático da sua capacidade de intervencao cívic.\


A denúncia, por vezes violenta e
incisiva, de uma situacão yc$
ultrarassando decisivanente a esfera da historia, se inscre-
ve no movimento da recuperagão reaccionária que pontifica na

Suropa situa-se, em Herculano, ao nível da prâscricâo noral e

cívica, como de resto sucede na generalidade dos seus escri-

tos polemicos e de circunstância. Visão nas sinultaneamente

vivência, a polénica de Ourique configura-se , enquanto facto

público, enquanto modo de estar tipicanente hereular.iano e

até, cono modelacão e evidência de um carac~er, como un dos

momentos mais significativos da sua vida e cbra.

A reaccao suscitada pela apreciacão historica oue Her-

culano fizera do milagre de Ourique e indissociável da reac-

cão, en 1850, perante o seu opúsculo Su e o Clero, nonentc a

rartir co qual a polénica sofre una clara anpliacao ideologi,

ca. Pode discutir-se, taivez um pcuco gratuitanente, en ter-

nos de uma análise a posteriori, quem foi o prinitivo agres-

sor, que conduziu a polénica a un radicalismo talvez insustei

tadc. Trata-se, no entanto, de un rroblena a oue todos os in

tervenientes concederan rrande inportância. Con efeifo, tcdos

eles, sen excepgão de Herculano, tentarao alijar de si tal

responsabilidade, fundanentando as atitudes resrectivas na

necessidade de responder convenientenente ås agressoes sofri

das: Herculano ås críticas que do rúlpito Ihe eran dirigidas


o clero ao violento e soberbo ataque con oue o hi storiador coi

denara a classe sacerdotal no seu conjunto.

Seja conc for, é en 1850, con a publicacão dc fanoso

opúsculo herculaniano que a polénica se alarrará de nodo de-

cisivo. Não perderá, contudo, por parte dos adversários de

Herculano, a caracterí stica que ^rineiro a suscitara e ciie


corresrondia aonúcĩeo dû cfebaiB: adefesa do T.ilarre de Ou-
priniit^
rioue cono facto incontroversanente historico. E nesno por

parte de Hercularo, para quen a polémica se definia essential

nente cela vertente da auestão reliriosa, o problena especí-

fico de Ourioue cono ouestac historica irá ser ob;jecto, para

doxalnente do texto porventura nais marcante, en ternos dou-

trinários, da sua intervengão: os Solennia Verba, dirigidos

a Maggessi Tavares.

Aliada de nodo r.ais ou nenos evidente, conforme os ca-

sos, ao rroblena religioso e clerical, a defesa do nilagrede

Ourioue assune, pois, una inportância fundanentaĩ no conjun-

to da rroducão anti-herculaniana. Se Hercularo efectua uma

leitura pertinente das razoes oue a seus olhos rresidem a

instauracao da poĩénica, e oue ten a ver fundanentalnente oom

o aprcf undanento da reaccao clerical e ultranontana na Suro-

pa e en Portugal, essa leitura nao esrota, a nosso ver, a to

talidade das inrlicacoes oue a rolénica de Ourioue envolve .

Com efeito, a naior perplexidade que resulta da reflexao so-

bre esta polenica reside justanente na inpossibilidade em cir

cunscrevê-la na sua totalidade å "hipocrisia" e â feiqãoieac

cionária com que Herculano julgava caracterizá-la em bloco.

É um facto oue para algurs dos seus adversários a oues

tao de Ourique foi de certo nodo pretexto para un ataque em

forga, oue se objectivou en Herculano, de una intolerânciaei

vada de espírito sectario e clerical, no ãnbito da recupera-

Qao reaccionária relancada nos finais da década de cuarenta 6

início dos anos cinquenta. Mas resulta tanbém evidente cue a


defesa do nilagre de Ourique cono sucesso eminentemente his-

torico assume una inportância e una veenência oue é difícil

negar, atingindo con Ponseca Pereira e Hagressi Tavares a

sua expressão náxina. Folarizada entre estes dois vectores, e

en fungão de anbos que a leitura da interver.glo dos antagonis

tas de Herculanc ten de ser perspectivada.


Ressurrencia citocentista, como dissenos, de una inter

rretacao secular da nacionalida.de, o nilagre de Ourique nan-

tén, acs olhos dos seus defensores, todas as virtualidadesra

ra a exrlicacão de Portugal cono nacao independente . Odiscur

so dos antagonistas de Herculanc reveia, aliás, de ncdo ben

claro, esse facto: discurso r.ao criador, nas arenas "receptcz"

de una heranca ideclcgica secularnente consfruída, a argunen

tacão en favcr de Ourioue constitui, acina de tudo, un recur

sc contínuo å tradicão —

portarto å autoridade —
oue legi-
tina a crerga. Sace å posicão de Herculano, que recria asori

rer.s da nacionalidade a rarfir de parânefros totalnente a-

Iheios å inteligibiiidade por eles aceite e


reconhecida, a

atitude dos seus adversários é clara: torna-se necessário de

fender a f uncionalidade social da crenca, a sua conservacaoe

operacionalidade, para alén da sua denonstracao positiva e

docunental .

Ê evidente aue as estratérias adoptadas pelos váriosde

fensores de Ourique diferem substancialnente, de caso a caso:

cá afirnagão honesta e sincera de una crenga profundanente ar

reigada, como é o caso de :!aggessi Tavares, ao discurso pro-

lixo e verrinoso do Pe Francisco Recreio, existe uma diver-


gencia iniludível na propria concepgão da polenica, dos seus

enfooues e dos linites en que ela se encerra. ĩías mesmoentre

estes dois exenplos, oue escoIhe~ios justanente por represen-

taren casos-linite en extrenos opostos, o elenento aglutina-

dor subsiste: a atarigão ce Cristo a Afonso Henriques consti

tui a redra anrular da nonarouia portuguesa. Tas, nais do que

isso, rerresenta .a explici tagoc nodelar da intf:rvencão divi-

na no destino dos honens, o reccnhecinento de un vínculo ine

xorável entre Deus e a historia.

Discurso neranente ideolorico ou crenea efectiva? Diga

nos oue é possível detectar anbas as atifudes cue, facilnen-

te desfrincáveis ou profundanente inbricadas, dão ccnta da

sobreviv-^ncia de una inagen esrecífica ta nacao e da rrojec-

cão de un destino colectivo, na


ccnvergência er.tr- c sagra-

to e o profano.

A role'nica de Ourioue de senrola-se , cono afirnános, en

tre os ar.os de lc46 e 185^, perícdo en oue sao publicados vin

te e cinco otúsculos no ânbitc desta controvérsia (6).

Cono facto eninentenente rúblico que foi, a rolénicaen


controu tanbe'n larga projeccãc na inprensa da e'poca, particu-
larnente no ano de 1850. Desde o jornal leritinista Alacãoa
A Revolucao de Setenbro. a 0 Patriota. nuitos foran os perio
iicos oue nas suas colunas deran conta dos ecos da questao .

Verificou-se nesno o caso da pubĩicagão de textos da poléni


ca en alguns periodicos antes da sua saída em folheto. S o ca

so das Cartas de Luís A. Rcbello da Silva, publicadas n'ARe-


1"

volucao de Setenbro e do texto de Herculano A Batalha de Cu-

rioue e a Sciencia Arabico-Acadenica, publicado no jornal A

Senana.

0 conjunto dos vinte e cinco opúsculos a oue acina fi-

zenos referencia, constituen una unidade autcnona, tanto no

oue diz resreito a conteúdos cono, ate, a una clara inter-e-

rendência entre eles, una vez oue, na sua generalidade , sao

funcao dos anteriornente publicados. Por outro iado, os ecos

ce oue a inrrensa dá conta relativanente å polcnica sao empe

ral ressonancia do sucessivo aparecinenfo daqueles textos,não

introduzindo novos dados na ouestão. Deste nodo optanos, cono

criterio de deĩinitacao do corrus, elerer os opúsculos cono

eixo da nossa análise.

Ressalvando os textos de Hercularo oue, ponteriornente

a sua prineira publicagão, foran pelo rroprio incluídos, en

1876, no Tono III dos Orúsculos (7), todos os oufros eristen

arenas na sua versão original. Colocava-se-nos, pois, un rro

blena no oue respeita ao critério a seruir ouanto ås edicoes

a consultar. En relaeão aos textos não herculanianos, o pro-

blema estava resolvido å partida, visto nao terem sido reedi

tados. Quanto aos textos de Herculano, optános por eorsultar

a sua rrineira publicacão, a lue tivenos acesso. ĩsto roroue,

ouase trinta anos depois, ao reuni-ĩos nos Orúsculos. Hercu-

lano "lina", de certo modo, os seus textos, enbora n~o Ihes

introduza alteragoes de vulto, con excepgao da segunda Carta

dos Solemnia Verba en que, de facto, acrescerta alguns rará-

grafos inexistentes na prinitiva versão (8). Assin, pareceu-


18

-nos oue, tratando-se de textos polénicos, seria preferível


ter en conta as versoes que efectivamente circularam e eram,

portanto, objecto de refutagão ou aplauso.

As edigoes das restantes obras de Herculano a oue


recqr

renos vêm indicadas na bibliografia. No oue diz respeito ås

citacoes, respeitamos integralnente a ortografia e a pontua-

gão originais das edicces consultadas.

2. 1846-1857: o tempo de uma polénica

A análise e problenatizagão dos conteúdos e sir.rifica-


_•

dos fundanentais da polenica de Ourioue, nue constitui a ir-

tencão explícita e esrecífica deste trabalho, suroe prévia i_


dentificagão do que poderenos considerar o seu percurso, is-

to é, o itinerário e até a netanorfose dos seus sucessivos tes

sos.

Não pretendemos, certanente, estabelecer esse percurso

em termos de uma descrigão, menos ainda de un resuno dos tex

tos aue, entre 1846 e 1857 se inseren na esfera do debatejul

gamos, porém, que o prorrio facto de se tratar de uma poléni


ca, de que decorrc una canga inecuívoca de sucessividades, de

pendências cronologicas, notivacoes e


contra-notivacoes, de-

ternina a inportância da sua explicitagao.


Assim, não pretendendo desenvolver aoui a análise dos

diferentes posicionamentos nem desmontar as bases das diver-

sas linhas de argunentagao, pareceu-nos todavia conveniente

estabelecer essas relagoes cronologicas que assunen por ve-

zes tuase a configuragao de causa / efeito.

En 1846, efectivanente, pouco depois da publicacão do

rrineiro volune da Hlstorla de Portugal, surge en Lisboa a

Denonstracão Historica e Docunentaaa da Apoaricão de Christo

nos Canros de Ourique. contra a opiniao do Snr . Alexandre Her-

culano, da autoria de Antonio Lúcio f'agressi Tavares. "este

prin-lro opúsculo pretende o seu autor defender a tradiqãodo


milarre de Ourique como pedra fur.danental da instauracão po-

lítica da nacionalidade. Num ton cordato mas firne, Maggessi

Tavares exprime una incompreensao essencial rela posigao de

Herculano perante c nilagre de Curique, oue considera ser "a

arca Santa do Paiz" (l), de cuja historicidade rão duvida, es

triban io-se para tal na tradigão constante e multissecular qus

atesta o sucesso. Estava, deste modo, aberta una polémicaque,


tendo como ponto de partida a questao da veracicade do mila

gre ,
iria alargar-se en ternos ideologicos, inserindo-se no

problema da questão religiosa de neados do seculo XIX.

Tanbe'n en Lisboa surge, em 1847, um novo opúsculo inti

tulado 0 Prineiro Tomo da Historia de Portural ror Alexandre

Herculano Considerado era relagão ao Juranento d' Affonsolfen-

riaue s, de José Diogo da Ponseca Pereira. A tonica é sensi^el

nente a mesma do texto anterior: a f undanentacâo e a exrlica

gão da nacionalidade so encontram a sua inteligibilidade na


aceitagao —
como factos eminentenente historicos —
do nila

gre de Ourique e do Juranento de D. Afonso Henriques. É con

essa finalidade que Fonseca Pereira elabcra o seu opúsculo,ar


ticulado en onze argunentos que, desde a existencia das Cha-

gas de Cristo nas armas portuguesas, até a confirnacao do tí

tulo de Rei pelo Papa, passando pela cor.se rvaqão do Reino de

Portugal, pretenden dar como provada a leritinidade e rerti-

nencia da tradicao de Ourique.

Ambor osopúscubs são publicados con c claro rropositode

contestar a atitude de Herculano pcrante o nilagre de Ouricue,

Mas, tanto no plano do discurso ccno no dos conteúdos, a in-

tengão dos seus autores parece-nos nuito nai s iiririda no æn

tido de defender uma crenga profundanente arre; gada, fundanen


tando-a con arrunentos que consideram decisivos, do que de

atacar, com ressonâncias ideolcgicas, una rosicãc radicainen

te contrária, oue destruía todo un edifício secular-.ente ex-

rlicativo da nacionalida.de. f, neste senfido, aliás, oue nos

parece possível interpretar o ton conedido e moderado ouerre

side a estes dcis prineiros opúsculos. Arresentanao as t?.-

zoes que os levan a considerar essatradicão cono iratacável,


o que ambos poen en causa é a ne.ragao que, en ternos histori

cos, Herculano faz da aparigao de Cristc a Afonso Hcr.r'ques,


com a implícita desfundanentagão de una exrlicacao rarticuiar

da nacionalidade . S apesar de nao entenderen o alcance cor:-

ceptual que a rosigao do historiador inplica, ner. por isso

deixan de considerar o rrobler.a cono una cuestão enirentenen

te historica, se-^ quaisquer outras inplicacoes.


21

ITão existe pois, a nosso ver, nas prineiras reaccoes å

Historia de Portugal de Herculano, qualquer indício de uma

confrontacao ideologica de incidêrcia clerical. 0 que coioca

?.'ag~essi Tavares e Fonseca Pereira num canpo oposto a Hercu-

lano é una nocac de histcria, e nuito particularnente una ex

clicacão da nacionalidade oue não se coadur.an; concerooes ir

rP^.utíveis a unidade, nas oue r.e tor isso conduzen a una ra-

dicalizaeao ou a una violencia no discurso, ou ainda a un aprc

v~itanento da posioao de Hercula.no para una condenacao de ca

rácter relirioso o que, cono vere-tos, virá a suceier de nodo

nuito claro na polenica agcra iniciada. 0 rropric T'Terculano,

aresar de concertual e ideologicanente nuitc afastado de Ha£

gessi Tavares, e iá depois de a polénica ter enveredado por

un caninho de rrande dureza, no stra o respeito devido a quen,

cono este seu antaronista, ainda oue errado, defende con lu-

cidez e ponieracao os seus pontos de vista nos terrencs da

inrrensa ( 2) .

Sn 1850, pcrén, ouatro anos arés a rublicacao do primei

ro volune da Historia de Portural. os problenas en aberto aj?

sunen nova dimensao, ao ser pubĩicado o fanosíssino opúsculo

de Herculano, 5u e o Clero. Carta ao EnH12 Cardeal-Patrlarcha.

oue surge como resposta aos ataques nais ou nenos virulentos

e sistemáticos de que tanto o autor como a obra vinhan sendo

alvo ror parte do púlpito e de certa inprensa (3). Nesteopús


culo Herculano equaciona o alcance que entende terem os ata-

ques aue Ihe eran dirigidos. É precisanente este escrito, em

que, numa linguagem sinultaneamente rrave e


incisiva, osseus
dotes como polemista raais evidentemente se mostrara, que terá

enorrae repercussao junto do público e se converterá no alvo

e no raotivo preferenciais dos ataques que Ihe sucederão.

É, pois, a partir deste momento que a polémica se con-

cretiza decisivamente como facto público. Desde logo o pro-

prio título do opúsculo foi geralmente considerado, além de

insultuoso para todo o clero, de uma soberba inaudita por

parte do seu autor. Mesmo aqueles que se situam nuraa posigao

de claro apoio a Herculano, corao é o caso do Pe Rodrigo de

Almeida, que participará de modo activo a seu lado no decor-

rer da polémica, lamentam e reprovam cora insistência o títu-

lo que o historiador escolheu para o seu opúsculo (4). 0 es-

cândalo atingido por esta publicagao suscitou uma geral con

denagão e contribui para dar å questao uraa feigio de radica-

lismo e afrontanento ideologicos que ela não tivera até en-

tao .

Eu e o Clero inaugura pois, de modo inequívoco, uma no

va faceta da polémica ou, se quisermos, a polémica numa inci

dência de natureza essencialmente religiosa e clerical. Até

aí, corao vimos, os problemas em aberto eram de carácter dis-

tinto. É portanto Herculano, ainda que como resposta a ata-

ques que se vinham multiplicando, quera explicitaraente levanta


a questão religiosa numa polemica que, na sua primeira formu

lagão, nio apontava nesse sentido. Mas é ura facto que ela vi

rá a evidenciar-se e a estruturar-se, no seu conjunto, e para

Herculano em particular, corao um afrontamento religioso e an

ti-clerical.
Para Herculano, sob o ponto de vista científico e con-

ceptual, a posigão assuraida na Historia de Portugal perante

o milagre de Ourique nio tera discussão. 0 problema de Ouri-

que é* cientif icamente e de raodo definitivo um ponto assente,

e a sua transparência não permite uma discussio que seria es

sencialmente anacronica. 0 debate científico, nostalgicamen-


te desejado por Herculano em torno de uma obra que se erigia

como um dado novo no ârabito da historiografia nacional era,â


partida, impossível em fungio da questão que se levantara em

torno de Ourique. Assim, na sua perspectiva, estreitado o le

que das possibilidades, a polémica so pode assumir-se porpar

te dos seus adversários, e uma vez que o problema do milagre


surge a Herculano como pretexto, corao parte integrante de um

processo mais geral inscrito no movimento de recuperagio das

forgas raais conservadoras e reaccionárias da sociedade portu

guesa, no acentuar da intolerância e do fanatismo clericais.

A questao de Ourique surge-lhe, pois, como um falso problema.


0 que ele tem valor
para explicativo e assurae capital impor-
tância é a significagio mais profunda que atribui aosataques
de vem sendo vítima,
que e que pretenderá desraascarar, tal co

rao Eu e o Clero já o anuncia, na sua intervengio: o problema


da reacgio ultraraontana, momento de fundaraental importância
na viragem política, ideologica social e
religiosa era toda a

Europa, que Herculano detecta tambéra em


Portugal, e de que a

polémica agora iniciada Ihe surge corao um sintoma claro.

Daí que, se nuraa primeira fase Herculano se sinta pes-

soalmente atacado, nuraa fase posterior afirraará estar convic


to de que nele, acima de tudo, se atacam as novas ideias, o

araor da liberdade e da tolerância que o ideário liberalencer

ra: "manda-se attacar em mim o progresso das novas ideas, a

independencia das opinioes, nio porque eu seja o mais forte,

mas porque circunstancias que nio preparei, nera provoquei, me

collocaram na primeira linha do combate" (5). E se, no campo

da historia, a discussio iria apagar-se por si propria, Her-

culano, para quem "antes de tudo somos cidadios" (6), assu-

miu corao obrigacão cívica o desmascarar da reacgio religiosa

que, perfilando-se na sociedade portuguesa, pretendia um re-

gresso a um passado ainda recente. A coberto da defesa incon

sistente de algo que nao podia ser historicamente sustentado,

o que se agitava era um movimento insidioso incluído no qua-

dro raais geral da reacgio ultramontana europeia. É este o

principal sentido do seu opúsculo Consideragoes pacif icas so-

bre o opuscuio "Eu e o Clero". Carta ao redactor do periodi-

co -

"A Nacio", ainda de 1850, em que analisa o problema da

reacgio europeia e especificaraente catolica.

Antes deste, surgira 0 Clero e o Sr. Alexandre Hercu -

lano, pequeno opúsculo que sai anonimo, raas que é sabido ser

da autoria de Camilo Castelo Branco (7). Este escrito apresen

ta-se ferido por uraa certa ambiguidade, o que levou a ter já


sido considerado corao um discurso favorável a Herculano (8).
Contudo uma leitura reflectida dessas páginas mostrara, rela-

tivamente ao conjunto da polemica, uma posigao de certo raodo

original. Parece evidente que, para Camilo, Ourique e o seu

prodígio taumatúrgico nio passavam de uma pia tradigio peran


entanto, a sua posigio entra em conflito com a
te a qual, no

estritamente científica de Herculano. Assim, aexpres


posigio
sio retirada do opúsculo Eu e o Clero, "railagre absurdo e inú

til do apparecimento de Christo" desdobra-se, para ele, em

duas vertentes: absurdo, talvez, porque historicamente infun

nio inútil, funcional, "querido do povo,gen


dado, mas porque

raaravilhoso" (9)f fazendo parte da sua "te


pre apaixonado pelo

ranga de crengas" e, em suma, entrando no paradigma dos gran

des mitos das nagôes como o da "passagem do mar vermelho" ou

"a voz do Eterno no alto do Sinay" (10). Para ele, a crenga

em Ourique consubstanciava o conhecimento que o povo, na ge-

neralidade, tinha da historia pátria, e por isso, niodeveria

tocar-se numa crenga amada, e que era, afinal, inofensiva: "Af

fonso Henriques, prostrado era face de Christo, recebendo alen

to do ceo para o desbarate de cinco reis mouros —


é tudo o

que o povo contava da historia de outo seculos" (11). No cis-

curso de Carailo é também visível, por outro lado, a crítica

a arrogância e ao orgulho patenteados por Herculano na sua

primeira intervengiq que Ihe surgera desmesurados.

Tambéra de 1850 sio dois novos opúsculos: Ao Sr.AIexan-

dre Herculano em referencia a sua Carta dirigida ao Em^ Car-

deal Patriarcha de Lisboa com a data de 30 de Junbo de 1850

e Reflexoes sobra as "conslderagoe s pacificas" do sr.AIexan-

dre Herculano. Carta diriglda ao mesmo sr. Neles o seu autor,

o P£ Caetano Francisco de Faria, empreende a defesa do clero,

que considera ter sido severa e injustamente atacado por Her

culano, particularmente no seu primeiro opúsculo. Mas é a pu


blicagio, ainda no mesmo ano, de um longo texto do Pe Francis

co Recreio, Justa Desaffronta em Defeza do Clero. ou refuta-

qjo analytica do impresso Eu e o Clero, Carta ao Em^ Cardeal-

-Patraiarcha por A. Herculano, que vai levar o problema ao

rubro, conduzindo a questio a proporgoes até aí de certo mo-

do insuspeitadas. A intengio de Recreio é essencialmente de-

safrontar o clero dos juízos expendidos por Herculano; aques

tio de Ourique surge agora como subsidiária; a linguagem e

os termos que utiliza atingem neste opúsculo o tom mais vio-

lento de toda a polemica, chegando por vezes quase ao paro-

xismo formal e de conteúdos. A defesa do clero passa, para

o P- Francisco Recreio, por um ataque cerrado a Hlstoria de

Portugal e ao seu autor, ao qual nio sio poupadas as acusa -

goes de anti-patriota e
insinuacoes, aliás frequentemente re

novadas, do críptico protestantismo de Herculano. Todo oopús


culo é, em suma, ura ataque ao português e ao catolico.

A reacgão de Herculano a violenta intervengio do Pe Re

creio surge cora um pequeno folheto intitulado Cartas ao raui-

to reverendo em Christo Padre Francisco Recreio. Socioeffec-

tivo da Acadenia Real das Sciencias de Lisboa. Auctor doElo-

gio Necrologico. da Justa Desaffronta. e de varias Obrasĩne-

ditas. Por ura Moribundo. Nele Herculano adopta, tal como o

proprio título indica, um tom de profunda ironia que, melhor

do que qualquer resposta ponto por ponto ao discurso do seu

adversário, torna bera patente o profundo desprezo que aJusta

Desaffronta lhe suscitou. Nio é umaiesposta a um adversário

consequente e leal, mas sira uma reacgio de indiferenga e re-


27

provagio —

pelo riso —

de ura texto cuja violência tornava

irapossível e inútil uraaresposta séria.

Era defesa de Herculano surge entio o folheto intitula-

do A questio do Clero. Cartas de ura Aldeao. Ao Sr. padreFran-

cisco Recreio (Priraeira Carta), de Toraás de Carvalho (12).Sn


tora de ironica bonoraia, c autor empreende a defesa do "Luthe

ro da Ajuda", face aos ataques sofridos, muito particularmen

te por parte do p£ Francisco Recreio.

Ainda em 1850 Maggessi Tavares publica novo opúsculo^Es


ta sua nova intervengio é a prova de que vários problemascon

tinuavam em aberto no âmbito da polémica. De facto, a Kova

ĩnslstencia pela conservacio e utilidade da tradicio d'Ouri-

gue em Resposta ao Eu e o Clero do Sr. Alexandre Herculanona

parte gue tem relagio com este objecto vem demonstrar plena-

mente o interesse revelado pelo seu autor em defender a espe

cificidade do debate sobre o problema "historico" do milagre

de Ourique, ao mesmo tempo que mostra a nítida preocupagio pe


lo resvalar da polemica para o campo político e
religioso, o

que manifestamente reprova. Como titulagio


sugere a do opds-
culo, Maggessi Tavares sustenta a necessidade da manutengio
da tradigio de Ourique, reeiterando o pensamento que presidi
ra å sua primeira intervengio.

t justamente a este seu opositor que Herculano dirige,

com as datas de 20 de Outubro e 6 de Novembro de 1850, um con

junto de duas cartas intituladas Solemnia Verba. Cartas ao

Senhor A. L. Magessi Tavares sobre a Questio actual entre a

verdade e uma parte do Clero. Pode dizer-se que os Solemnia


Verba constituera, no âmbito da questao que analisamos, o tex

to em que com maior clareza transparece o ideário de Hercula

no. Demonstrando, ao contrário do que sucedeu em relagio ao

Pe Recreio, um profundo respeito pela civilidade de Maggessi

priraeira destas cartas, dei-


Tavares, Herculano pretende, na

xar bem clara a inviabilidade de uma crenga como a de Ouri-

historico
que, pelo dramático desajuste conceptual e com uma

Europa em que a historiograf ia caminha a passos largos para

uma definitiva autonomizagio; raas, acima de tudo, e recorren

do a uma plêiade de autores catolicos que se debrugaram so-

bre o problema da crítica das fontes, pretende deraonstrar que,

mesmo sob o prisma catolico, a tradigio de Ourique nio corres

ponde minimamente ao rigor exigido por aqueles autores para

o estabelecimento da veracidade dos factos historicos.

Na segunda destas cartas, e mantendo o tom correcto da

sua intervengio, Herculano analisa de modo sistemático ostss

temunhos carreados por Maggessi Tavares em defesa da tradigao

de Ourique, demonstrando a inviabilidade em sustertá-los a

luz da crítica historica.

Em resposta a primeira carta que Herculano Ihe dirige,


Maggessi Tavares publica, a 25 de Outubro, o seu últimoopús
culo, intitulado Carta em resposta a uma outra do Sr.AIexan-

dre Herculano que tem por titulo Solemnia Verba. Ja no seu

opúsculo anterior, como vimos, Maggessi Tavares manifestava

profunda preocupacio pela dimensio política e


religiosa que

a poleraica entretanto assumira. Com efeito, para ele oproble


ma originário e fundamental em debate era —
e deveria conti
nuar a ser —
o milagre de Ourique. Mas visto que este come-

gava a ser ultrapassado na polémica, uma vez que "a questio

primitiva está apenas sendo tractada como um accessorio da

outra, a ella serve de pretexto" (13), Maggessi Tavares reti

ra-se voluntariamente do canpo da discussio, apos a publica-

gao deste texto.

Em defesa da posigio de Herculano, enbora de incidência

completanente diversa, por exemplo, do texto de Tomás de Car

valho, é o opúsculo de Joio Pedro da Costa Basto (14) , Obser-

vagoes diplomaticas sobre o falso documento da apparigio de

Ourique por um paleographo. Omitindo expressanente outrasres

sonâncias da polémica, a analise de Costa Basto irá incidir-


e tio so —
sobre o probleraa diplomático constituído pelo

célebre "juramento" de D. Afonso Henriques. A sua posigio é

clara: o documento da aparigio, um dos argumentos mais sole-

nemente invocados pelos defensores da veracidade da aparicao


de Cristo, nio resiste a análise baseada nos instrunentosfor

necidos pela diplomatica. Costa Basto sublinha, aliás, que ape

nas assume como sua uma posigio anteriormente estebelecida e

firmada, a proposito de um docunento que "[...] já ha muito

foi declarado pelos homens raais eminentes da sciencia como fal

so e tio grosseiraraente fabricado, que até se torna indigno


da atengio do diplomatico" (15).
De cariz marcadamente ideologico é o texto de Luís Au-

gusto Rebello da Silva, Cartas ao Sr. Ministro da Justiga.so-

bre o uso que faz do pulpito e da imrrensa uma f raccio do cle-

ro portuguez. também de 1850. Para Rebello da Silva, a polé-


raica suscitada pelo probleraa do railagre de Ourique nio cons-

titui surpresa. Coraefeito, ao inviabilizar na sua Historiade

Portugal uraa das tradigoes mais arreigadas da historia nacio

nal, Herculano teria fatalmente de confrontar-se com profun-

das resistências. 0 que é grave e sintomático, para Rebello

da Silva, é que elas se tenham essencialmente feito sentirno

seio do clero, ou de uma fraccio dele, assumindo uma dimensao

a partida de certo modo inesperada. Também a seus olhos, tal

como para Herculano, a questio tem aciraa de tudo a ver com o

problema da reacgio religiosa, uma vez que considera ter Her

culano colocado ponto final no problema historiográfico de

Ourique. Preocupante, no âmbito da questio é que, a pretexto

de Ourique, "[...] alguém, derois de apagadas as fogueirasda

inquisigio, ainda sonha com ellas, e ten saudades do brago se

"
cular para incutir as crengas a ferro e fogo ... (16).
A sua posigão é clara: o que está em jogo é a possibili

dade da procura da verdaie, para lá de conveniências de qual

quer ordem: é, em última análise, um problema que tem a ver

cora o uso efectivo da liberdade. 0 problema reside justamen-

te no facto de o clero nio ter compreendido —


ou nio querer

compreender —

que os canpos de intervengio da historia e da

Igreja sio distintos, sendo necessaria umaefectiva disjungio


entre ambos.

Este problema fundanental virá a ser retomado, aindaque


de modo e com intuitos diferentes, pelo Pe Rodrigo de Almei

da, no seu opúsculo Conselhos Amigaveis, Tentativa de conci-

llacio e raz, publicado em Lisboa ainda no mesmo ano. Toman-


do a defesa de Herculano, no carapo específico da historia, o

P£ Almeida pretende charaar a atengio para o perigo que repre

senta, para o proprio clero, o novo enfoque da poleraica, ago

"
ra situada [. .]. num campo a que ella nunca devia ser trazi-

da"(l7). Para o P- Almeida o agravamento da polémica teve na

sua base um erro conceptual de fundo, por parte de certo cle

ro, que ele condena com clareza: "errou-se em se querer in-

culcar uma questio de Religiio, o que nio era por sua nature

za senão uma questio essencialmente litteraria. Errou-se em

se pertender [sicj chanar para o campo da Theclogia e daĩgre

ja um objecto, que todo elle so era da competencia da criti-

ca, da jurisdiogio da Historia" (18).


A intervengio do Pe Alneida e a sua tentativa de conci

liagio mostra ate que ponto ele tem a consciência do progres

sivo resvalar da polémica para o canpo rolítico-religioso, o

que poderia ter sido evitado se o clerc ( ou parte cele ) nio


tivesse confundido sagrado
"[...] o com o profano no Templo
do Eterno" (19). A sua defesa da historiograf ia de Herculano

é evidente; e a censura ao clero ccincide em certa medidacon

a de Rebello da Silva, afastando-se contudo dela na medidaem

que enfatiza acima de tudo a possibilidade real de um agrava

mento da situagio do proprio clero. Atacando Recreio e a vio

lência do seu discurso o P£ Almeida acusa-o de ter


desencade_a
do uma onda anti-clerical de consequências imprevi síveis, ao

fazer convergir duas questoes que nada tinhan de isto


comum,

e, transformando uma questio que por natureza pertencia ao

da discussão historica
campo numa questio política eieligiosa.
Ainda em 1850 surgem as Cartas sobre o Estado actualda

Religiio Catholica em Inglaterra por C. I. Aubert. Traduzidas

do Francez e seguidas de algumas observagoes contra A. Her-

culano e o Pe Rodrigo V. de Almeida, e de outra especial em

que se mostra a necessidade do proxirao restabeleclmento de

algumas ordens Religiosas em Portugal. 0 autor da tradugio e

das observagoes que se lhe seguem é José de Souza Amado. Es-

te texto inscreve-se, de modo inequívoco, no espírito militsri

te que preside ao movimentc ultramontano na Europa. Congra-

tulando-se pelos progressos do catolicismo em Inglaterra, Sdu

za Amado defende a ortodoxia da religiio catolica e preconi-

za o rápido restabelecimento das ordens religiosas em Fortu-

gal .
Paralelamente, ataca Herculano, cuja posigão perante o

clero so pode, a seus olhos, explicar-se por um repúdio dare

ligiio catolica e por uma velada sirapatia pela "heresia" pro

testante .

0 Pe Francisco Recreio publica entretanto um texto in-

titulado Slncera defeza da verdade era desaffronta do Cleropu

Antidoto analytico contra as intituladas consideraqoes paci-

ficas sobre o opusculo Eu e o Clero . Carta ao Redactor dore-

rlodico —
A NacÍo. ror A. Herculano . Nele renova, compoucas

alteragoes de estilo e de conteúdo, os anteriores ataquesque


fizera a Herculano na Justa Desaffronta.

0 ano de 1850 representa, pois, o auge da polémica na

sua vertente político-religiosa, tanto em termos da irreduti

bilidade de posigoes e do radicalismo do discurso de ambas as

partes, como até pelo número de opúsculos publicados. Comefei


33

to, dos vinte e cinco opúsculos que constituem o núcleo da

polémica, dezasseis sio publicados em 1850.

Ja era 1851, o P- Rodrigo de Alraeida publica novo opús-

culo, intitulado Sera Exeraplo. Primeira e ultima resposta a

todos os detractores dos conselhos amigaveis e nomeadaraente

aos srs. Padres Amado e Recrelo, em que mais uma vez exprime

o dese^o de que a questio rapidamente termine. Bastante ata-

cado pela sua intervengio anterior, nomeadamente pelo PeFran

cisco Recreio e por Souza Amado, o P£ Rodrigo de Almeida rea

firma as posigoes anteriormente assumidas perante a intoleran

cia e o fanatismo de certo clero, manifestando profunda preo

cupagao pelas dimensoes que a polémica entretanto assumira, e

renova os seus elogios å historiografia de Herculano.

Mas a discussio que se pretendia historiográf ica volta

a surgir, atenuando-se, pelo menos explicitamente, a componen

te político-religiosa que a vinha caracterizando . É neste sen

tido que surge o Exame historico era que se refuta a opiniio

do sr. A. Herculano sobre a batalha do Campo de Ourique a que

elle chama iornada ou correria e affirma que de um tal facto

nio existe vestirio algum nos historiadores árabes. offereci-

do a todos os Portuguezes amantes da Gloria nacional. de An-

tonio Caetano Pereira, que pretende confinar-se ao problema

específico da batalha de Ourique.

Na pequena "advertencia" que antecede este escrito, Cae

tano Pereira delimita o problema que pretende tratar, isolan

do-o de
"[...] tio desagradavel debate litterario" (20);afir
ma que vai debrugar-se apenas sobre o problema da batalha de
Ourique, igualmente posto em causa por Herculano, que reduziu

a sua efectiva importância militar, apoiando-se na tese da

inexistência de fontes árabes comprovativas do facto. A in-

tengio de Caetano Pereira neste seu primeiro opúsculo é,pois,

o de se distanciar da vertente político-religiosa da polemi-

ca, para se centrar num ponto específico e provar, contraHer

culano, a magnitude da batalha, através de testemunhos dehis

toriadores árabes. A inflexio é nítida, e a estratégia assu-

mida por Caetano Pereira vai no sentido de se posicionar num

ângulo historiográfico de cariz científico, alicergando a sua

posigao com base em documentos que reputa de insofismáveis —

utilizando, em suma, as "armas" do adversário.

A sua intervengio vem de certo modo na sequência do pri

meiro núcleo do debate, ao delimitar o campo da discussio a

Ourique, nio se centrando no entanto na questio do milagre ,

mas no da batalha como confrontagão militar. 0 tom geral é de

um certo comedimento e moderagio do discurso, pelo que Hercu

lano se decide a responder-lhe, o que nio estava já nas suas

intengoes, publicando A Batalha de Ourique e a Sciencia Ara-

bico -

Academica. Carta ao Redactor da Seraana. Neste texto^m

que desmonta ponto por ponto a argumentagio de Caetano Perei

ra sobre os testemunhos árabes acerca da batalha de Ourique,


Herculano retoma o problema da reacgio religiosa, para ele

o elemento explicativo primordial da polemica, insistindo nu

raa violenta diatribe contra o clero; e afirma que, se nio re s

ponde pontualmente aos ataoues de que tem vindo a ser


alvo^s
so não significa que, a seu terapo, nio venha a dar uraa respos
ta global adequada: tinha já em mente a Historia da Origem e

Estabelecimento da ĩnquisigio era Portugal, publicado era 1853,

e
que é claramente um texto que, em ternos conceptuais e ideo

logicos, prolonga a polemica com o clero.

Naiesposta, constituída pelo texto A Confirraaqâo doExa-

rae Historico sobre a batalha de Ourique ou a Refutagio a to-

dos os artigos do sr. A. Herculano transcriptos no jornal —

A Semana —
desde n^ 9 a 1% Caetano Pereira lamenta o
"[...]
excessivo orgulho do sr. Alexandre Herculano" (21), e susten

ta as posigoes que assumira na sua anterior intervengio, em-

preendendo a defesa da Academia Real das Ciências, de que era

merabro, e que Herculano atacara cora acerba ironia.

Afirmara Herculano no seu opúsculo anterior (22) estar

muito mais empenhado na proxima publicagão do quarto volurae

da Historia de Portugal do que todas


em
"^...i as criticas a

cademicas, presentes e futuras" (23). E é assim que em 1853

sal ef ectivamente a público o quarto volume da sua obra, que


incluía uma carta do arabista espanhol Pasqual de Gayangos,

que refutava as posigoes de Caetano Pereira. Este facto leva

Caetano Pereira a publicar o Comraentario crítico sobre a ad-

vertencia do 4? volume da Historia de Portugal de A. Hercula-

no e Carta annexa de Pasqual de Gayangos. Aqui Caetano Perei

ra abandona o priraitivo projecto de se confinar ao problema

militar da batalha de Ourique, e, numa


linguagem muito mais

contundente, defende a utilidade da raanutengio da tradigiode


Ourique na sua globalidade, e ataca, de modo sistemático, a

historiograf ia de Herculano (24).


36

Em 1854 vem a lume a mais volumosa publicacio no âmbi-


_9

to da polemica. Trata-se de A Batalha de Ourique e a Historia

de Portugal de A. Herculano. Contraposigio critico-historica.

(Obra devidida em seis partes), do Pe Francisco Recreio, cuja

publicagão se prolongará até 1856. Sem deixar deutilizar uma

linguagem e um estilo muito particulares, o Pe Recreio recor

re a uma estrategia bastante diversa da que demonstrara ante

riormente. Acusado de fanatisrao clerical, de falta de serie-

dade e de rigor pelas suas intervengoes anteriores, o Pe Re-

creio deixa agora para segundo plano a "desafronta" do clero

para se centrar essencialraente sobre a questão de Ourique.Cb

locando-se agora deliberadamente no campo da "sciencia" ,


o Pe

Recreio pretende, neste longo opúsculo, erigir todo um edifí

cio tendente a demonstrar, em terraos que reputa de historicos,


a realidade e o significado único que o milagre e a vitoria

de Ourique assumem no contexto da historia nacional. 0 re -

curso a uma tradigio multissecular que "coraprova" o duplo fac


to da grandeza da batalha da veracidade da
e
aparicio deCris
to nos campos de Ourique, atinge neste último opúsculo do

Pe Recreio a sua expressio máxima.


Pode dizer-se que com este opúsculo do p£ Recreio a po

lémica estava praticamente encerrada. Contudo, am 1857, é ain

da publicada por Caetano Pereira A Resposta ou analyse criti-

ca ao communicado de Alexandre Herculano inserto no


periodi-
co —

0 Portuguez —
N° 193. Anno de 1853 (25). Sem trazerra

da de novo em relacio aos problemas que haviam estado era de-

bate, este texto de Caetano Pereira, tal como acontece bastas


vezes com o Pe Recreio, perde-se em irrisorias analises logi

co-forraais do discurso de Herculano, reafirmando a opiniio o

riginária sobre a batalha de Ourique que o havia levado apar

ticipar na polémica contra o autor da Historia de Portugal.

Durante onze anos, portanto, a questão de Ourique de-

senrolou-se nos terrenos da imprensa, assumindo uma feigiode


verdadeira controvérsia pública. Se o problema originário que

esteve na sua base, ou seja, o milagre de Ourique ( e também

a grandeza da batalha, que no entanto se encontra fora donos

so objecto específico de analise ), percorre a generalidade

das intervengoes neste debate, a questio clerical assumirá tam

bém papel de relevo na configuracio global da polénica.


Ourique e as origens, o clero e a reacgio reiigiosa sio,
com efeito, cs dois polos em redor dos quais se estrutura es

ta polémica oitocentista, numa pluralidade de discursos cujos

registos e decifracoes constituem um desafio e, de certo mo-

do, uma aventura hernenêutica.


I

ALEXANDRE HERCULANO E A POLÉMICA DE OURIQUE;

VISÃO E VIVÊNCIA

0. Nota prelirainar

Consiste essencialnente esta parte do nosso trabalhona

análise dos textos que constituem a participagio específica


de Alexandre Herculano no desenrolar da polémica de que nos

ocupanos tentando, ao raesmo tempo, uma explicagio globalizan-


te da sua intervengao e da sua visio da mesna. A intengio é

pois a de efectuar uma leitura detalhada e críticadesses tex

tos, tomando-os simultaneamente corao unidades autônomas e co

mo um todo signif icativo do sentido de conjunto da sua parti

cipagio nesta controvérsia.

Orienta-se esta análise segundo dois vectores denature

za diversa mas convergente: por umlado, a necessidade de enun

ciagao e análise dos seus conteúdos, e ror outro lado atenta

tiva de, através dela, nuncalhes retirar aquilo que deespecífi


co possuem conotextos polémicos, Con efeito, odiscurso polérai

co é senpre,por natureza, particularnente dinâmico . E se qual


ouertexto escrito,por definigao, é funcao de un público, esse

facto acentua-se duplane.rte nuna polénica: por umlado, face

ao público não directanente envolvido nem participante —


mas

espectador, ou nelhor, expectante —

, que se pretende aliciar

ou recuperar para cada un dos canpos, e por outro, e mais in

portante ainda, face aos outros participa.ntes no debate.


0 discurso polénico nio pode, rois, ser encarado como

um ciscurso a "una so voz", nem podenos ignorar que se objec

tiva en textos oue sio rrinordialnente i'uncão de outros, e

não, en reral, textos "plácidos" de enunciacao de posigoes,

S neste sentido que nos parecou necessárlo, senpre oue pos-

sível, sublinhar, alén dos ccnteúdos, as diferentes estrate-

gias ~:ue Herculano utiliza para, nais do oue explanar o seu

rensanento, faze-lo en fungio ou ccr.tra os seus opositoresra

ra resronder, en ultina analise, as estrategias de oue se ser

te alvo.

A sua intervencao decorre de parânefros oue nosparecen

sair evidenciados da anáĩisp ~ue efectuanos dos seus textos.

3e o elen-nto despoletador da polénica é a ouestio domilagre

de Curioue, cu^.a abordarem no prin-iro volune da Historla de

Portugal suscitou desde logo vivas reaocoes, a visio oue

Hcrculano ten da contenda, e consequert-nente o sentido da

sua intervenoao afastan-se, r.o essencial, da ouesfão tomada

na sua verterte historica. Com efeito, ele encara ab initio

a sua rarticipacao no d^bate nun senfido que aliás constitui

rá, en ternos de "fixagio" da inagem rública da polenica, a

visao e o problena para ele donirantes: a polénica conodenún


cia de razoes de natureza diversa oue, na sua persprctiv.a,sub

nergen en inportância operatoria a questio primitiva do nila

gre.

A questio política e religiosa oue arita o neado do sé

culo XIX, de oue Herculano detecta as ressonâncias em Portu-

ral, é o ouadro geral de inteligibilidade en que interra a


grande linha explicativa para o problena levantado en torno

de Ourioue. A notivacio profunda oue o leva a intervir é ori

ginada pela necessidade de denunciar o ultranontanisno na sua

dupla face da reacgão clerical e do arroveitanerto político:


esse facto contribuirá para nodelar decisivanente a tonica

esseucial dos seus textos, com esrecial relevo rara Su e o

Clero, as Consideracoes pacíficas e o preânbulo de A Satalha

de Ourioue e a Sciencia Arabico-Acaden.ica.

É obvio que tanbén a questao de Ouriaue como rroblena

historiográf ico tem o seu lugar na intervencio de Herculano,

ror".eadamente nos Solennia Verba, oue dirige a un dos seus an

tagonistas, Antonio Lúcio I'.aggessi Tavares. î.'.as digancs oue

a inrortância destas duas cartas, cu nelhor, c proprio facto

ce Herculano conceder umaresposta específica sobre o proble-


na dc nilagre ten muitc nais a ver com una atitude de respe_i
to pessoai por aquele seu opositor do que con a necessidade

de fundanentar e
explicitar um prcblema historico passívelde

discussao .

A segunda linha de análise que intentanos incide,pois,

sobre o quadro de inteligibilidade en que integra a genuína


causa geral da polénica —
o problena da reaccio e do uĩtra-

nontanisno catolico, nuna Europa nao refeita dos fantasmasde

1848, e as respectivas "ondas de chooue" no nosso país. ĩnci

de tanbe'n, por outro lado, nun aspecto que nos indis-


parece

sociável da personalicade pública de Herculano, e que nosair

ge com muita evidência na pole'nica de Ourique: a componente


cívica que norteia a sua vida e
obra, e nue torna rarticular
nente explícita no facto público oue una controvérsia deste

":ipo senpre ccr.stitui. A polémica de Curique corporiza, de

relevârcia a participacio pública assune em Her


facto, a que

culano: a inrortância do debate de ideias, c respeito pela

inprensa, o sentido cívico do exercício da liberdade, aurgên

cia en denur.ciar a intolerância e o fanatismo de parte signi

ficativa do clero porturuês, aue er.ouadra na rrar.de questio


da reaccÍo religiosa a oue o século XIX assiste.

Ssta polénica representa, assin, talvez a primeira ex-

rlicitagão "em forma" de uma faceta que se vai revelar essen

cial na modelacão do pensamento e da acgio herculanianos: a

faceta anti-clerical que se acentuará, aliás, ao longo cos

anos cinquenta e
aconpanhará Herculano, aprofundando-se en

significado, até ao fim da sua vida. Has essa vertente prepon

derante do seu perfil de historiador e de cidadio encerrapor

ventura especificidades que é importarte evidenciar. Conefei

to, o anti-clericalisno herculanianc decorre primacialmente,


a nosso ver, da sua propria concepgão do catolicisno, e é fru

to de uma tensio, talvez não resolvida, entre una certa con-

cepgio da religiio catolica, conciliar e


episcopalista, hos-

til ao centralisno ronano e fiel a tradigio dognática, e as

perversoes a esses princípios de que cs honens sio os princi

pais obreiros, e a historia o principal testenunho.


1. A "Advertência" da Historia de Portugal ou a consciência

de uma atitude assumida.

"Nio ignoro o risco da situagio

em que me coloquei" ,
"Advertência"

Historia de Fortugal.

Ao publicar, en 1846, o prineiro voiune da Historia de

Portural, Herculano nostra-se consciente das inplicacoes e

dos problenas oue ela poderá suscitar. A breve "Advertência"

de que faz anteceder a obra é muito clara a tal resteito. rfer

culano abdica expressanente da sua apresentacio (l) e de um

mais ou nenos desenvolvido resumo de intengoes, para se si-

tuar num plano de enunciagio de princípios, em que exrlana o

que entende ser o exercício da historia, manifesto ou "rro-

fissio de fé" do que pretendeu ensaiar na sua obra, cujasvlr


tudes e defeitos a posteridade se encarregará de apontar.
A historia, como acentua na "Advertência" surge-lhe, en

quanto processo de inteligência do passado, como um esragoem

que a única projecgio possível 4 a procura da verdade, para

la de condicionalismos e interesses vários individuais,


so

ciaio ou nesno nacionais. 0 único desejo (a verdade), geraior


da única estrate'gia (o rigor) é o de "averiguar qual foi a

existência das geragoes que passaram" (2), num processo em

que devem aliar-se o rigor da pesquisa documental e a anula-

gão de interesses capazes de obscurecer e distorcer aprocura

da verdade —

concedendo assim a historia o estatuto que de


direito Ihe pertence: o de ciência. Austero e rigoroso "pro-

grama de intengoes" que será por vezes ultrapassado pelo pro

prio Herculano, ouando a historia Ihe surge também como "arraa"

e "bandeira", o que justamente se verifica no ânbito da pole

nica que estudanos.

Tratando-se de histéria nacional, e nais, de historia

das origens, todas as tensoes latentes no acto da sua cons-

trucao se agudizan. É exactanente aqui oue é visível a cons-

ciencia de Herculano face aos possíveis —

para ele prová-


veis —
frutos da sua posigao. Se, cono ele diz, nas "natánas

de facto", ao contrário das de opiniio, sio impossíveis as

concessoes ås consideragoes humanas porque "a verdade histori.

ca é una" (3), o que é certo e que esta assercio se tornadra

mática e propiciadora de tensio na construgio de uma histcria

nacional —
na qual tradicionalmente um dos fios condutores

ou, se ouisermos, a finalidade última é a exaltagio nacional

e o patriotisno, factores que, quando operatorios, conduzem

â opacidade e distorgio da historia, pela instauragio de uma

dimensio utilitária oue nela nio deve ter cabinento.

Na construgio da historia pátria este é o naior perigo

de subversio do rigor e da isengio que é necessário observar.

É esse, aliás, o sentido de un dos passos nais conhecidos da

"Advertência" : "0 patriotisno rode inspirar a


poesia, pode avi

ventar o estilo; mas e o péssimo conselheiro do historiador.

Quantas vezes, levado de tio mau guia, ele vê os factos atra

ves do prisma das preocupacoes nacionais, e nem sequer suspei


ta que o mundo se rirá, nio so dele, o que pouco importara ,
mas também da credulidade e ignorância do seu país, o qual

"
desonrou, crendo exaltá-lo! (4).

nio significa reieigão do patriotisno por


Tal posicio a

Herculano —
cono aliás no decorrer da polénica os seusadver

sários nuitas vezes pretenden fazer crer, ao verberarem nele

a destruigio de un dos máxiraos objectos desse culto patrioti

co. Ben pelo contrário, o patriotisno é un conceito e un sen

timento ber\ patentes nio so na polémica de Ourique cono em

nuitos passos da sua obra, nas que Herculano concebe, no en-

tanto, de modo essencialraente diferente. 0 que ele recusa é

a construcio pervertida de um sentinento nacional que se ^un

danenta e traduz na adulteragão da propria historia enprove_i


to da rloria nacional, ou do que se pensa ser a gloria nacio

nal, espelho de una inagen construída ao lonro de séculos, a

partir do momento em que a historia e a erudicio foran pensa

das en fungio uma da outra (5). Para ele o anor da pátriaaM


cergado na invencio e na mentira, cono é o caso do nilagre de

Ourique, ou no desconhecinento das suas genuínas tradigoes,co


mo é o caso da sua objectivagio nas rlorias de Quinhentos é

um falso patriotismo oue, em vez de rlorificar, desonra o

pais: "Caluniadores involuntários do seu país sio aquelesque

imaginan estar vinculada a reputacio dos antepassados a su-

cessos ou vios, ou engrandecidos con particularidades nio pro

vadas r.er. prováveis" (6).


0 patriotismo do historiador objectiva-se, en Hercula-

nc, na propria escrita da historia, que aspira ao reencontro

das suas genuínas tradigoes —


e sabemos o oue essa procura
E por isso pergunta: "Acaso Portu-
significa para Herculano.

gal nao achará nas nenorias verídicas da sua longa existêntia

recordacoes fomosas e puras para nos repreender, com a ener

ria e rloria ce out^cs tempos, da degeneragao e decadenciapre

se-ntes° Quen assim o crê insulta a nenoria de geragoes que va

lian rais oue nos, e


que r^cusarian, se pudessen faze-lo, fa

canhas que nio praticaran, virtudes oue nio tiveram; porque

de
possuían outras que eran suas, e que nu.nca os progressos

da historia hio-de esbulhá-las" (7). Deste nodo para ele o pa

triotisno e, em cer+o ser.tidc, un acto e una construqio, r.io


una heranca perpetuanente glosada. Até roroue, cono acentua,

"para o honen sacrificar a lonras e áridas investiragoes[...J


todas as faculdades do espírito, quase todas as horas da vi-

c'
da, oon o intuito de dar ao seu país una historia [...] ne

cessáric, creio eu, algun anor da pátria." (8).


Tal nao significa, no ertanto, que Hercuiano nao se ape:

ceba da inportância funcional oue certas lendas ou nitos ti-

veran ao lonro da historia nacional, objectivando-se mesnopar

vezes como impulsionadores e geradores da propria historia.É

o caso, por exemplo, da apreciagão que faz do sigrificado sijn

bolico oue a padeira de Aljubarrota assumiu no inaginário por

tuguês —
caso de eficácia historica e simbolica, para lá da

realidade do facto (9). Mas nun discurso de carácter hist6r_i


co o problema poe-se de nodo diverso. Con efeito, a procura

da verdade historica inpoe a desf undanentagio dessas crengas,

o aue é difícil, porque representa a ruptura com uma


imagem
secularmente transmitida e
interiorizada, necessária:
mas
"É,
desf azerem-se funo crencas arrei-
sem dúvida, custoso ver en

gadas por séculos, a cuja inspiraîão nossos avos oeveram, em

parte, o esforgo e a confianga na Providência en neio dosgrsri

des riscos da pátria; crencas inventadas, talvez, para esper

tar os aninos abatidos en circunstâncias dif icultosas. Sei is

to; nas tanbén sei que a ciência da historia caninha na Euro

pa com passos ao nesno tenro firnes e rápidos, e oue, se não

tivermos o generoso ânino de dizernos a nos proprios a verda

de, os estranhos no-la virio dizer con naic cruel ^ran^ueza"

(10).
Ê poroue o encontro da verdade historica pressupoe are

jeigio da fábula, da invercic, das crenqas in^undadas, das

"tradigoes enbusteiras" oue 'ierculano ten consciencia das re

sistencias oue a sua obra irá encontrar: "Conto con as refu-

tacoes —

conto, ate, con as injúrias" (11).


Sinplesnente —
e tendo en conta as vicissltudes ulte-

riores que a rublicacio iria suscitar —


iludia-se de certo

nodo na maneira como encarava anbas: as re^uta^oes e as injú


rias. Como se observará relo decorrer da polénica sobre o ni

lagre de Ourique, Herculano nio será a^ir.al tio pouco sensí-

vel as injúrias oue a rartir de determinado noner.to Ihe sio

~irigidas; e, por outro lado, as refuta^oes de aue a suaobra

iria ser alvo nio o deixarian tao indiferente pelo seu nível

menos cientifico, auanto ele rarece aprioristicaner.te supor

na "Advertência" de 1846. Poroue, se pela ciência (o nue na

sua optica infelizmente nio se verificou), aceitaria o desa-

fio da discussio e do debate d^ ideias, foi no ertanto por


no^ivos ben diferentes —
a necessidade de denúncia do apro-

do ressurginento das forgas clericais


veitanento político e

de cariz reaccionário —
oue o seu agudo sentido de cidadio

e o dever da intervencão cívica o forcariam, de certo nodo,

a ir.tervir na polénica que se acendeu e oue se ob;ectivoum;i

to rarticularmente em torno de Ourioue.


2. A intervengão de Alexandre Herculano na polénica. Os opús

culos —
conteúdos e estratégias.

Cono vimos anteriornerte, era conviccio de Alexandrefe

culano oue a obra entio publicada poderia provocar reaccoes

de facto, a curto rrazo se verificou.


nenos positivas, o oue,

De 1846, data da publicacão do rrineirc volune da sua obra e

do ararecinento do primeiro opúsculo a ela respeitante, até

1857, ano en oue surriu a últina rega da polénica, desenrobu

-se nos terrenos da inrrensa un intenso debate en torno da

ouestao do nilagre e da batalha de Ourique, tal cono foraapre

sentada por Herculano.

Ao longo de cerca de onze ar.os a Historia de Portugal,

no oue diz resreito a este aspecto particular, foi notivo e

rrefexto para um debate nue se exrlicitou a varios níveis,de_s


de a defesa da historicidade do nilagre de Ourique, a neces-

sid.ade da nanutencao da resrectiva tradigio independentenen-


te da veracidade do facto, a ênfase particular no problenada

batalha, até, ultrapassando a prinitiva fornulacao, ao deba-

te claranente ideologico e por vezes violento na sua


exrlic_i
tacão.

:'as foi tanbem un debate oue se desenrolou a váriosten

pos, una vez oue a densidade dos opúsculos foi bastante irre

rular ao longo desse perioso. Sfectivanente, e como já tive-

nos ocasiao de referir, dos vinte e cinco opúsculos aue inte

gran o corpus da rolénica, dezasseis foram publicados apenas

nun ano, en 1850, ano que narca, efectivanente, o auge da po

1 -": n i ca .
A intervengão de Alexandre Herculano, de nue nos ocupa

renos de seguida, é conposta por um conjunto de cinco textos

sob forma de opúsculos, entre Junho de lpr-0 e


publicados a

Hareo de 1851, justanente no período en que o debate atingiu

naior inter. siuade . Sio eles: Su e o Clero . Carta ao Ex"" Car-

■deal-Patriaroha, de 70 de Junho de 1850; Ccnsi d era" oe s raci-

ficas sobre o orusculo "Su e o


CIero"._ Carta ao redactor do

reriodico A Nacao, de 25 de Julho; Cartas ao muito reverendo

em Christo Padre Franciscc Recreio. Sociceff ectivo da Acade-

nia Real das Seiencias de lisboa, Bibliothecario da nesmaAca-

d^nia, Auctor do Elogio Hecrclogico, da Justa Desaffronta era

^e^esa. e de varias obras inedltas. Por un noribundo. de 8de

Cutubro; Solennia Verba^ Cartas ao Senhor A. L. Hargessi Ta-

vares sobre a ouestão actual er.tre a verdade e una rarte do

Clero, de 20 de Outubro e de 6 de Novenbro; A Batalha de Ou-

r.ioue e a Sciencia Arabico-Acadenica. Carta ao Redactor da

Senana, de 5 de :-'argo de 1851.

Con excepgio das Cartas ao nultc reverendo en Christo

Padre Franciscc Recreio


[...] Por un Moribundo. incluídonas

Cartas de Alexandre Herculano, Tomo I, todos os restantestex

tos seriam incluídos em 1876 pelo proprio autor nos


seusOpús-
culos ( Tomo III, I de "Controvérsias e Estudos Historicos" ).
Será pois sobre estes textos que irá incidir a nossaaná

lise, encarada cono un ensaio interpretativo de cada um de-

les, dentro de una perspectiva globalizante do seu sentido ge

ral .
2.1. Eu e o Clero

Eu Clero, priraeiro nonento da inter


0 opúsculo e o sua

surge en 1850, cerca de ouatro anos passados sobre a


vengao,

publicacão do prineiro volune da Historia de Portugal. Contu

do, já en 1846 e 1847 havian sido rublicados dois textos que

esbogavan o debate centradc num dos seus parâretros nais con

troversos, e em oue se langava um repto a una tomada de posi

CÍo (l). Herculanc, poren, observara un silêncio que finalme_n

te resolve ouebrar com este opúsculo, oue coneca por ser una

justif icagão da recusa ate entio nantida de publicanente con

frontar posigoes. 0 ponto fulcral dos ataques de oue fora al

vo era a questio de Ourioue, tonada cono tena nuclear de de-

bate por todos quantos durante esse tenpo tinham interpelado

na imprensa (e no púlpito) a "iconoclastia" de Ouriaue.

Ora, o que se verifica é oue esse silêncio nio signifi


cara passividade, hesitacio ou indiferenga, mas pelo contrá-
rio una atifude activa e
voluntária, fruto, assin
se
pode di
z^r-se, da certeza da razio. Con efeito, Herculano preferira

guardar silêncio porque os ataques que se havian multiplica-


do visando a Historia de Portugal eran, a seu alén de le
ver,

gitinos (porque exercidos no canpo devido e


propric, aimpren

sa), esperados pelo proprio autor (2), e, por fin, naturalnen

te decorrentes do espírito da obra. Nela o anor da pátriasur


gia, como já vimos, indissoluvelnente ligado ao anor da ver-

dade, o que trazia un choque inevitável com tradigoes nenos

exactas mas arreigadas aue faziam parte da historia nacional.

Herculano contava, pois, com essas críticas, mas o de-


entre elas e o espírito da sua obra ti-
sajuste qualitativo

rhan-no levado a nao resronder. De facto, ele nostra-se quase

nagcado por-;ue o seu "livro, oue con bons ou naus fundanentos,

nudava completanente o aspecto atê* aqui attribuido ao conple

xo dos successos do nosso paiz, na infancia da sociedade por

tugueza (. .].
"
(3) s° suscltava, con raríssimas excepgoes, a

atengao para a "ninharia" de Ourique, e nao un debate cientí-

fico e serio. Não entraria, rois, en pole'nica: "Era unacousa

natural. As nanifestagoes da colera, as injurias vertidascon

tra nin na inrrensa, nao podian causar-me estranhesa nen aba

lo. Diante dellas eu estava r^solvido a guardar silencio e a

rroseruir na senda oue abríra, sen me distrahir en luctas es

tereis. A verdade fica e as preoccupacoes rassan. Ao nesnoten

ro a ninha r< solugio inabalável era, e é, despresar todos os

r-sreitos hunanos oue se contraronhan a voz da rrorria cons-

ci-ncia." (&)
Ao suscitar a esnagadora naioria das criticas, o caso

concreto da batalha e do nilagre de Ourique, de una transpa-

rencia ouase confrangedora, levava a que, na opfica de Hercu

lano, una discussio sobre o assunto nio pudesse ultrapassar

a categoria de discussio estéril. Na sua perspectiva, para a

evitar, nada nais eficaz do que abster-se de participar . Oorao

ele prop-rio afirna, ser-lhe-ia extrenaraente fácil rebater e

desnontar os frágeis argunentos oue servian de obiecgao ao

seu trabalho : "a refutagio seria na verdade facil, decisiva,

fulninante" (5). Mas sinultaneanente, e una vez oue, na len-

ta construcio do mito naior da historia nacional, haviam par


ticipado figuras de grande prestígio da Igreja, "[...] ella

langaria una torre nancha sobre nones illustres e caros aigre

■ja portugueza" (6), o oue Herculano diz ter pretendido evi-

t.ar a todo o custo.

É neste sentido oue aponta dois casos oue concretanen

te o haviam ievado a optar pelo silêncio, justanente poraue

-videnciarian essa inagen negativa de oue, nesno


assin, osde

seiava rreservar. Trata-se dos argunentos utilizados nun dos

dois opúsculos saídos a lune en defesa da veracidade do mila

rre (7), arruncntos oue eran de natureza bastante distintaA

rrineiro ĩurar o seu autor, Maggessi Tavares, invoca o con-

senso entre vários escritores prestigiados, todos eles poste

riores ao se'culo XV, que identif icavan a tradicao con a ver-

dade historica. A consonância entr-" autores de várias épocas


e a lenta constru-ao de u.na "tradigac constante" serão os ar

runentos-chave dos defersores do nilarre de Ourique contra

Herculano (8). A fraqueza deste arrunento é sem dúvida fla-

rrante e, cono a^ima Herculano, "Os classicos sao respeita-


veis cono nestres de lingua; mas como testenunhas de un fac-

"o, oue se diz acontecido pelo r.encs trezentos annos antes

delles, de na'a serwr" (9).


Para estabelacer i cnstância da tradigic, quc refcrga
va substancialnente a ctiniao dos oue a consiceravan corres-

ponder a un facto historico, era nec-ssária a existência de

testenunhos coevcs do proprio acortecinento (10). Sra aqui


oue o problena se tornava nais delicado una vez oue, cono se

gundo argumento, ^'aggessi Tavares pretendia como provada a


existência desses testenunhos, sendo un deles o de S. Bernar

do de Claraval, e o outro o constituído por una cop-ia coeva

do celebrado juranento de i). Afonso Henrioues, A ser assin,a

fragilidaie dc arrunento do consenso seria ultrarassada, ror

que a fundanentaqar da tradieao recuaria, on ternos crcnolo-

ricos, até a contenroraneidade c.o rrccrlo acontecinento . No-


* •
___ T'

te —
s^ , nc entar.to, oue a este rrorosito r.erouiano se arressa

en sublinhar oue o ^actc de se prcvar a antiguida.de e nesno

a ccntenporaneidade da tradicio nao irrlica necessarianente a

veracldade dc tilaf~re, runa éroca en oue "o niraculoso é ore

rular, e o natural a excepoio" (11). 0 arru^ento baseado ro

iuranento de I. Afonso Honr: oues f undanentava-se na existen-

cia, en Rona, de una coria coeva desse docuner.to, trarscrita


no volune 51 da Synmicta Lusitana (12), nor.uscrlto da Biblio

teca Real, a oual, nc entanto, não passava de u.n traslado do

iura'-.ento constante da III rarte da Honarouia lusltana de An

tonio Brandao. Apesar de, no dccunento de Rona constar a ir-

dicacao ce aue se trafava de una coria do texto existente na

obra de Brar.dao, a sua autenticidaie cono copia coeva de un

docunento verídico era abonada por F. Manuel do Cenáculo,pres


tigiosa e resreitada figura da Irreja rorfuruesa, nos seueCui-

dados Ilterários. A onissao (para Hercularo voluntária) dain

dicacao da fonte do traslado ror rarte de Cenáculo ( un fer-

voroso crente do nilagre de Ourique ), alterando decisivanen

te o valor e o alcance do docunerto, surgia a Herculano cono

un facto desprestigiante algue'n


rara
oue, "corr.o elle [Cenácu
lo] , era un honen de ĩetras, un rrelado virtu.oso, e a todos
54

os respeitos un varão singular" (13).

0 testenunho atribuído a S. Bernardo acerca do nilagre

era un problema nais grave e conplexo. Consistia este argunen

to no facto de nos seus Sernoes respeitantes a raixiode Cris

to existir una referêrcia exrlícita ao nilarre deOurique (14).

Testenunho considerado contenporaneo ^z- acontecinento, funcio

nava cono elenento-chave en favor dos que defendiam a veraci

dade do nilagre. So que, como sublinha Herculano, essa refe-

rência explícita falsanente atribuída a S. Bernardo, datava

do seculo XVIII e era fruto de un processo en que se achava

envolvida a Igreja porturuesa. Por isso, o desnascarar desta

fraude era-lhe noralnente oificil, nais difícil ainda do oue

no caso anterior, una vez que nao se tratava da firura indi-

vidual de um prelado, airda cue de grande rrestírio, nas da

"honra e [ d] a dignidade noral e litteraria do alto clero por

tuguez no neado do seculo passado" (15), e da prorria cúria

ronana.

A historia da atribuigio da referência ao nilagre deCXa

rioue a S. 3ernardo 6 descrita com algum porraenor no opúscu-


lo Su e o Clero (16). En virtude da grande devocio existente

en Portugal pelas cinco Chagas de Cristo, o patriarca D. To-

raás de Alneida requereu ao papa Bento XIV a ccncessio ao cle

ro portugues do ofício e nissa das cinco Chagas, existentedes

de 1733. Requeria-se igualmente que na sequência da sexta li

gio (que consistia numa passagen de S, Bernardo) se acrescen

sse un texto referente ao aparecinento de Cristo a D. Afonso

Henriques, pelo qual as cinco Chagas teriam sido inscritasrr)


brasio nacional (17). Tratava-se, em suna, de um aditamento a

efectuar ao ofício, na versio especialmente dirigida a Portu

ral. Feita a concessio do ofício em 175"7', nio ficou porém ex

plícito, aquando da sua inpressio, tratar-se de um aditamen-

to pelo que texto


o surgia como a sequência natural do texto

de S. Bernardo, e era-lhe atribuído. E, cono acentua Hercula

no, não houve na Igreja portuguesa nunguéra que denunciasse a

fraude, a nio ser —

cono aponta con alguna ircnia —

os je-

suítas. Ora é juetanente o texto desse aditanento (l8)expres


sanente requerido ao para en meados do século XVIII squele que

î.'aggessi Tavares indicara como sendo da autoria de 3. Bernar

do.

Para Herculano pois, fácil


era, a reí"utagio; nas por

ser também dolorosa, uma vez que "langaria uma torpe mancha

sobre nomes illustres e caros a


igreja rortugueza" (19), es-

colhera o silêncio: "Agora está V. Em§ habilitado para ava-

liar se eu rrccedi com circumspeccio guardando silencio ante

as refutacoes que se me dirigiam pela imprensa; se nao houve

no meu proceder uma dessas abnegaqoes, oue nio sio vulgares,

em despresar un triunpho tão facil como decisivo, rreferindo


ficar como vencido e hunilhado aos oĩhos dos menos instruidos

a salvar o neu nome de una nodoa litteraria e ate' certo pon-

to moral" (20) .

Outro factor, porén, inalienável e fundanental para a

efectivagio da sociedade liberal, o levara a nio interviraté


entio: a liberdade de imprensa, um dos valores que Herculano
nio so neste moraento mas noutros da sua vida pública nais in
sistentenente defendeu (21). Ao criticarem a sua obra noster

renos da imprensa, os seus adversários mais nio faziam, a

seus olhos, para lá da justeza ou nio das opinioes expressas,

do que exercer um direito legítimo. Nessa base, tanbén Hercu

lano fazia uso da sua liberdace, ac exercer o direito de nio

resronder porque assin o entendia.

Temos, portanto, como prineiro núcleo temático, a jusii

ficagio de un silêncio a que a razio, logica e opgio o condu

ziran, e a que agora roe firru A estratégia é audaciosa: subli

nhando a sua relutância en refutar os ataques a oue se via su

jeito, e dando conta das suas razoes, Herculano pretende aci

na de tudo demonstrar que finalmente quebra o silêncio nio

rorque o tenha desejado, mas porque se vê, en última análise,

sen alternativa por circunstâncias a que se sente alheio, nas

das ouais é vítima. E essas circunstâncias sio, afirura-se -

-Ihe, nuito claras.

Afirmara Herculano, em deterninado passo, a sua inequí


voca "fé" na imprensa, como veículo por excelência da propa-

gagio e debate de ideias e opinioes (22). Deste modo, comovi

mos, não o afli.riu o aparecimento de textos oontra as suas

posicoes, uma vez oue tal facto derivava iustamente do exer-

cício dessa liberdade que ihe era tao cara(23).A sua divulga

gao era feita através de un neio a que tanbén tinha acesso —


a imprensa —
o oue Ihe dava potenciainente a possibilida
de de resposta e de qual entendeu, na altura, nio usufruir.

Entretanto, poren, a situagio nodif icara-se radicalnen

te, na sua perspectiva. Já nio se trata, por parte daqueles


que o atacam, do exercício da liberdade de oriniio, no campo

adequado —
a inrrensa —

,
oue ele aceitara até aí . Se inter

vem —
e Herculano di-lo nuito claranente —
é roroue as in-

júrias passaram da inprensa para o púlpito, o que significa,

para ele, uma posicio de desvantagen ( una vez oue nao tenaces

so ao púlpito), ronrendo-se assin a posigão de igualdade po

tencial na defesa de pontos de vista. 0 que ele verbera é o

facto de eienentos oo clero, nao cono homens ou cidadaos, mas

como agentes da palavra de Deus, terem deslocado voluntaria-

mente o lugar de um possível debate (a inpr-nsa) tara un lu-

gar de necessária condenagio (o púlri+c). Porque, se cs "cor

sarios da palavra de Seus" (24) u"iliza-s^r. a ir:prrnsa elepo

deria responder: "Reptaio ahi [ na inprensa] ,


eu pcdia er-

guer a iuva, ou deixar, ouando assi^: o ertendesse, oue o li-

vro incrininado servisse por si nesno de resrosta aos iinpur-


nadores. Sn um e oufrc caso procederia livrenente e r.ac fi-

caria, cor.o no canro en que sou agrrcdido, coliccacc de.baixo


de uno coacgio moral" (25).
Por outro lado, Herculano afirna ter-se decidido a ii -

tervi- tanb-'n porque o seu silêncio fora interpretado, aouan

do do aparecinento de un dos dois folhetos avulso,- em defesa

da veracicade do nilarre de Ourique, cono sir.al de fraoueza,

quando, pf-lc contrário o nantivera por rieda-de oelas cis de

um velho "que tinha c direito de ^.orrer en pas abragado con

as tradigoes da sua infancia" (26),

Mas, aciraa de tudo, a sua reacgio verifica-se roraue o

ataque sistemático de oue é objecto é sobretudo fruto de uma


inperdoável confusãc de canpos entre a historla e a religiao;

qualidade de historiadcr, sen


vê-se atacado ro púlpito na sua

do-lhe ilerítino, a qualidade de "busca -

nerada, nun esrago

dor" da verdade historica. Herculano nio abdica da sua inde-

ho-
pendência de historiador, rela qual necessita "julrar os

nens e os factos da erocha sobre oue escrevia" e, acentua,"p<r

mais erradas fossen as ninhas opinioes, ellas nao t.odian


que

ser aualificadas rublicanente de hereticas [...]" (27). 0

oue para ele está en causa é, pois, nuito nais profundo doque

a rerfir.ência das opinioes explanadas na sua obra. Apesar de

tcr a cerfeza de oue se encontra do lado da razio, rretende

ir nais f undo : ainda oue fossen erradas, as suas orinioes se

rian erradas no seu canpo proprio, a historia; e cono fal, run

ca poderian ser chanadas ao canpo da religiao e


jastigadas —


elas e o seu autor —
cono herejes e ínpias: "Un sernionio

é o neio de refutar erros litterarios, e nuito nenos o é qua-

lificar taes erros cono offensas da fé rara os transf ornar en

crines religiosos" (28).

Toda esta situagio ten, a seus olhos, causa e au+or. É

o púlpito fanático e ignorante que nao entende os "deveresdo

sacerdocio", confundindo irremediavelnente a religiio con os

negoeios nundanos, desprezando soberananente , neste caso, a

suprena dignidade do histcriador e o exercício da liberdade .

E esta situacic 6 fruto, na leitura que faz do rroblpna, por

un lado, do estado presente do clero en lortugal, cuja (his-

torica) deficiente instrugio e conpreensão das verdadeiras fi

nalidades tanto da religiio como do prorrio ofício que preen


59

che o inreden de ser fac*or de eivilizacao, fonertando, pelo

contrário, a ignorância, o fanatisno e a supers^igio. S, por

outro laĩo, inscreve-se no ânbito da reae^ao euroreia e da

crescente afirnagao do ultranontanisno. A denúncia desta du-

rla situacao, oue será um io?_ fios condutores e nn dos fact£


res de escandalo da intervercao de Herculano nesta role'nica,
anuncia-se já rlenanente en Su e o Clero.

Por isso, finaincnte, Herculano cu°bra un eilencio por

vezes duranente surortado; rao por una reac°io natural de de

fesa a una arressao intiustif icada (sendo assin, teria reagi-

do nai s
cedc), nera poroue a questao nuclear —
Ourioue —
ti

vesse inoortância. su^iciente, oue já vinos nao assunir para

Hereulano; nas poroue ela ~ci deslocada para un canpo oue aprc

funda a rravidade do seu sirr.ifica.do: o debate rossível trans

fornou-se en ataque, o arressor sistenático é o ^lero, oue

agora do rulrito ianca o anátena da h^resia e da inriedadesc

bre ouen rretendeu arenas fazer histc'ria. Se Herculano faz

ouvir a sua voz ,


6 cono resposta, nio cono iniciativa ce ata

oue ^29). Jj esse o sentido das suas palavras que, apesar da

relativa extensao, reproduzinos ror constituir una sínteseda


sua posicio: "Se hoje a necessidade de repellir a insoler.eia

covarde, cono a insolencia o ? senrre, n? obrira a exror


[sicj
actos verronhosos e
inquali^icaveis, a culpa não n'a larcem.

Dous annos de raeiencia prcvan oue o faco conscrargido ror

aggressoes denasiado graves, rao por si nem por seus auctores,

cousas profur.danente insigni-f"icantes, nas pelo lo.rar onde se

conmetten, por seren feitas con a intencao de excitar contra


mim animadversoes immerecidas, por se tentar, enfim, conver-

ter atraigoadamente uma questão, que nem chega a ser histori

ca, en religiosa" (30).

0 clero transformara, pois, o problema de Ourique em

questio religiosa. Tendo em conta a perseguigio sistemática e

agressiva de que agora e alvo —

pois so assim pode conside-

rar a questio que se desencadeara —


Herculano tenta encontrar

para ela a explicagio possível dentro da logica dos seus ad-

versários. A posigão do clero será, en suma, uma posigio de

repúdio e rejeigão face a alguém que sempre se apresentou co

rao seu inimigo tenaz e consequente? "Tem o clero a combater

en mim ura inveterado e perigoso Iniraigo? É o seu tio insoli-

to proceder um impeto de vinganga, que o excita a repellirun

parseguidor implacavel?" (31). So assim, em caso afirmativo,


se poderia talvez explicar, afinal, a pertinaz atitude docle

ro.

Air.da aqui, é de notar a inteligência da sua estratégia:


utilizando a logica de quem o ataca, Herculano pretende "re-

toricamente" descortinar motivos conduziram


os que a questão
por parte do clero. Uma vez que ele, clero, a transformou nu

ma questio religiosa, chamando-a ao púlpito, a explicagio raaLs

plausível ( e sob certo ponto de vista, aceitável ) seria a

de que a posigio de Kerculano, que agora atacava, era a se-

quência coerente de uma hostilidade constante a Igreja; e es

ta, usando do direito legítimo de defesa, considerava-o como

inimigo a abater.

Mas mesmo nesse campo Herculano quer demonstrar que o


clero nio pode atacá-lo, senio injustaraente . Por isso ( e rêo

por uma necessidade aparente de justificagio, que aliás, não

sente, e estaria até, segundo nos parece, em flagrante desa-

cordo com o espírito que imprirae ao opúsculo ) Herculano re-

fere com bastante enfâse a sua anterior posigão face a Igre-

ja e ao clero. Assim, recorda o conturbado período dos anos

trinta, em que a Igreja se encontrava numa posigio extremane_n

te difícil face ao radicalismo liberal. Identificada com a

antiga sociedade e os seus valores, a Igreia e o clero eram

agora alvo de uraa hostilidade exarcebada e radical por parte

de certos sectores liberais: "As idéas do seculo, recaĩcadas

por uma compressão violenta, a que, forga é confessa-lo, a

maioria do sacerdocio se havia associado, tinham reagido vio

lentaraente, e assentavam-se triumphantes sobre as ruinas do

passado £. ."}
. . De roda de mim jaziam os fragmentos da socie-

dade que fôra, e no meio delles o clero, disperso, empobrec^i

do, coberto ne affrontas, experimentava as consequencias do

predominio de um partido adverso e irritado. A situagio da i

greja portugaeza nessa epocha, e sobretudo a situagão dos re

gulares, sabemos todos qual era" (32).


Neste cenário, em que o liberalismo era primordialmen-

te anti-religioso, Herculano orgulha-se de ter sido a única

voz que se levantou en favor da Igreja e do clero, em casos

de flagrante injustiga que a nascente sociedade liberal ha-

via perraitido e por vezes f omentado : "Na imprensa liberal,re

volucionaria, impia, corao quizerem chamar-lhe, eu, so eu, ti

ve por rauito terapo palavras de affeigio e consolo para a des


6"

graga; so eu tive animo para accusar os homens do meu parti-

do d 'espoliadores e d 'insensatos; para tentar revoca-los a

poesia do christianismo, do eterno alliado da liberdade" (33).


Nio calara, de facto, a sua voz era defesa de situagoes que em

consciência nio podia aceitar, e que estavam, em ultima aná-

lise, em dilacerante contradigio com a alianga, para ele ir-

recusável, entre a religião e a liberdade. Por isso denuncia

ra os excessos do liberalismo, em cuja base estaria, afinal,

a incapacidade de compreender essa alianga eterna. Desde A

Voz do Profeta, de 1837, Clero Portuguez (34), de


ao 1841,até
a dramática denúncia do problerna dos egressos e das freiras

do Lorvão (35), mostra-se particularmente sensível as distor

goes resultantes da política que o liberalismo adoptou em re

lagio ao complexo e fundanental problema da nacionalizagão dos

bens da Igreja e da extingio das ordens religiosas.


Para lá da injustiga concreta e raaterial de certas si-

tuagoes, Herculano via raais longe. Antes de nova inflexio ær

dada no campo liberal, antes de comegar a ganhar forga no

seio dos liberais a ideia de "o


que teraplo e o sacerdote eram

importantes eleraentos de paz, e que podiam ser instrumentos

da liberdade" (36), já Herculano defendia essaideia. Era an-

tiga, com
efeito, e bebida na fonte da inspiragio romântica,
a
convicgio —

que irá manter ao longo da sua vida —


de que

o
cristianismo, longe de se opor â liberdade, era antes o seu

"eterno alliado". Já em 1837 manifestava convictamente aiífeia

de que "do evangelho deriva a


liberdade, corao
condigão impre
terivel do horaem
[. .] . . A liberdade pode rasgar-se do evan-
gelho; nio separar-se d'elle" (37). Esta seria, aliás, uma

das chaves orientadoras da sua concepgio do liberalismo; por

que, corao amiúde afirma, civilizagio, liberdade e progresso

sio filhos do cristianismo, e nio contrários a ele. E o libe

ralismo, tal como o entendia, so poderia frutificar plenamen

te å sua sombra (38).


Herculano pretende, pois, sublinhar que, longe de ser

um "inveterado e perigoso inimigo" (39) do clero, foi nele que

a Igreja portuguesa, no período porventura mais difícil que

atravessou apos a revolugao liberal, encontrou o defensoriiii

co mas consequente no campo liberal. Afastada, assim, a últi-

ma "razão" que poderia explicar o ataque cerrado que, em lu-

gar da gratidio, sofria por parte do clero, Herculano sinte-

tiza as verdadeiras razoes que, na sua perspectiva, fundamen

tam a posigio do clero.

Em primeiro lugar, e como já anteriornente sustentara,


é atacado porque usára do
"[...] direito de historiador" (40),
trazendo
"[•••] para o campo da historia o mesmo amor da ver

dade singela, que tinha nostrado n'uraa das mais graves ques-

toes sociaes" (41). Mas esta razão insere-se num quadro mais

englobante, de que tem nítida consciência: o acentuar progres

sivo das forgas conservadoras e mesmo reaccionárias dalgreja

e do clero que, a partir de Roma, se verifica tambéra em Por-

tugal e que ameaga os valores da liberdade e da tolerância qus

a sociedade liberal pretende ver instituídos. Herculano sen-

te o direito, mas acima de tudo o dever de denunciá-lo no

campo da imprensa. Se o amor da verdade era mola


a impulsio-
nadora da historia, se o fora também da sua defesa solitaria

da Igreja nos tempos difíceis de trinta e quarenta, foi tam-

bém esse mesmo amor da verdade queo levou a assumir os ris-

cos de escrever este texto, consciente das suas possíveis con

sequências. Por isso Eu e o Clero é* para Herculano, e como

transparece das suas palavras, um texto de missio, um dosraui

tos que fez na sua vida —

obrigagio, em últiraa analise, do

horaem público que é.

Nesta perspectiva, Eu e o Clero nio e nem pode ser, co

mo desde logo é acentuado pelo seu autor, um texto dedesagra

vo ruro e siraples, raas antes uma advertência; nio se tratade

pedir a intercessio do patriarca em sua defesa, porque defen

der-se das ofensas recebidas, conforme dizia, "sei e possoeu

faze-lo" (42). 0 que ele pretende é tio so chanar a atengão

para a atitude elenentos do clero "que, desconhecendo os de-

veres do sacerdocio, e incapazes de sentimentos de moderagão,


tentam excitar as paixoes odientas de um fanatismo que já nem

talvez o povo comprehende, contra um homem que nunca lhesfez

mal [...]" (43); o que Herculano pretende é, afinal, contri-

buir para, atraves da palavra, ajudar a inverter ura proces-

so que, levando a desagregagio do sentido do sacerdocio, é

sintoraa de algo raais grave e mais profundo. 0 que ele deseja


e que a Igreja nio continue a afastar-se da sua verdadeira rais

sao e da verdadeira essência do cristianismo. Já no fim do

opúsculo, afirraa, com uma palavra de admoestagio e de esperan

ga: "Oxalá venha em breve o dia em que o clero deste paiz pos

sa receber uma educagio digna do seu elevado destino, e co-


66

nhecer por estudos severos e bem dirigidos, que o ser chris-

tio nio é ser nem hypocrita nem fanatico" (44).

Este primeiro opúsculo de Herculano apresenta elementos

que permitera considerá-lo como uma síntese daquilo que virá a

ser a sua posigão face a polémica. Nele se encontram potencia

das as grandes questoes que estariam na base do ulterior de-

senvolvimento da polemica, e da propria avaliagio que Hercu-

lano dela f az . Com efeito, ê clara a nogio de que a questio


suscitada pela eliminagio de una das tradigoes mais "sagrada^1

da historia pátria da sua Historia de Portugal, o milagre de

Ourique, suscitaria uma dupla reacgio. Por um lado, como é o

caso, por exemplo, de Diogo da Fonseca Pereira, e, acima de

todos, de Kaggessi Tavares (45), ela provocaria um sinceromo

vimento de repúdio pela negagio da tradigio de Ourique corao

pedra essencial da identidade e da historia nacionais; para

estes, a questio era eminenteraente historica. Por outro lado,

e numa perspectiva muito diversa, Ourique seria o


pretextopa
ra um ataque cerrado e para a manifestagio duplamente inquie
tante da ignorância e fanatismo do clero do
e ultramontanis-

mo ,

Herculano tem desde logo a percepgio desta dupla reac-

gio; simplesraente, para ele, a priraeira não tem, por nature-

za, qualquer relevância, e nio e' em fungão dela, como acabá-

mos de ver, que entrara na polémica. A exclusao do railagrede

Ourique de uma obra historica era nio so natural como neces-

sária —

por isso ele se refere aos sinceros defensores das

"tradigoes piedosas" cora


comiseragão, mas tarabém com a mode-
ragio e o respeito devidos a quem lealmente defende uma cren

ga sincera utilizando a imprensa.

É contra o aproveitamento de uma questio que "nem che-

ga a ser historica" (46), contra a sua lamentável chamada ao

campo religioso, contra o tom acusatorio de tribunal, que

Herculano reage, e é aí que detecta os sintomas da recupera-

gio reaccionária de meados do século, que urge debelar sobpe

na de irremediável perversio do ideario —


e do ideal —
de

uraa sociedade baseada na liberdade.

Eu e o Clero é talvez o seu opúsculo mais famoso, a vá

rios títulos, nio so no âmbito desta polémica cono no conjun

to da sua obra de polemista, porque ele vem significar, simuL

taneamente, o verdadeiro desencadear de uma polémica anti-de

rical, por parte de Herculano; "emprestar" trunfos de conde-

nagio quase unânirae a adversários e raesmo a defensores da

sua posigio, pela sua extrema violencia e radicalismo; a^udar

a construir ou cimentar uma faceta de Herculano que proporcio

naria leituras mais apressadas do seu pensanento (47) e que

bastante mais tarde teria ainda os seus frutos ideologicos(4$;

e, finalmente, dar uma dimensio política a polémica origina-


da cora o singelo facto de Ourique.

Este opúsculo pode, por outro lado, ser considerado co

mo o paradigma mais perfeito de Herculano corao polenista. Se,

corao afirma Oliveira Martins (49), é como polemista que o æu

estilo raais se distingue, pela simultânea concisio, clareza e

tensio da sua linguagem, Eu e o Clero é o perfeito exemplo des

se estilo. É também como polenista —


e neste opúsculo erapar
68

ticular —

que, de certo modo, Herculano mais se nos revela

em várias das suas facetas de homera público e de cidadio: a

rectidio de princípios e a apaixonada entrega â defesa das

crengas consideradas justas, como exercício da liberdade hu-

mana, a transparência e frontalidade de um carácter, o uso

público da liberdade, o assumir da por vezes inevitável soli

dão do homem público consciente de que está do lado da razão,

o sentido do indivíduo e da sua forga.

Por isso, talvez este opúsculo tenha permanecido ecris

talizado como "antononásia" de um certo Kerculano.

2.2. Consideragoes racificas

0 segundo opúsculo de Alexandre Herculano, intitulado

Consideraqoes pacificas sobre o opusculo Eu e o Clero, Carta

ao Redactor do Periodico —
A Nacio. surge a 25 de Julho de

1850, cerca de um mês apos o aparecimento de Eu e o Clero.

Esta sua nova intervencao aparece na sequência imedia-

ta das reaccôes ao seu primeiro opúsculo, sob a forma de car

ta dirigida ao redactor do jornal legitimista A Nagao, que

fora um dos nuitos que, como sublinha, lhe haviam manifesta-

do a sua solidariedade aquando da publicacio de Eu e o Clero.

No seu número de 6 de Julho, o redactor daquele periodico de


69

fendera Herculano e justificara mesmo o aparecimento dacarta

ao Cardeal-patriarca (50). Alguns dias raais tarde, a 11 deJu

lho, o respectivo editorial (51), ainda sobre o mesno assun-

to, continha alguns reparos ao conteúdo e significado de Eu

e o Clero, que suscitava agora a resposta de Hercula.no atra-

vés das Consideragoes pacificas.

Refere o redactor de A Nagio neste seu editorial (52)

que a causa desta nova intervengio acerca do opúsculo de Her

culano é a sequência natural da posigio que anteriormente as

suraira (53); a sua finalidade é "[...] justif icarmos o haver

mos chamado, no primeiro artigo, a todos estes factos ura es-

candalo, e darmos razio, por que logo ahi dissemos que,achan

do iustissima a causa do desforgo do sr. Kerculano, tambem

achavamos que as suas censuras eram talvez deraasiado severas"

(54). Reafirmando a pertinencia do desagravo de Herculano, o

redactor de A Nagjo sublinha paralelamente que tal facto nio

anula a excessiva severidade demonstrada em determinados pon

tos, que julga ser seu dever apontar.

Em priraeiro lugar, o redactor de A Nagio discorda em

absoluto do título dado ao opúsculo rorque esse título pres-

supoe um antagonismo que, a seu ver, nio existe, situando a

questão entre Herculano e o clero no seu conjunto, quandoela

existe, sem dúvida, mas entre o historiador e


"[...] ura ou ou

tro clerigo iraprudente, arrastado por falso zelo, ou mesmopar

incorapleta instrucgio" (55). A questão era, em seu entender,


claramente pontual, e portanto de âmbito limitado o nio
que,

lhe diminuindo a gravidade, lhe restringia o alcance. Ao es-


colher seraelhante título para o seu opúsculo, Herculano fora

de mais generalizagio que alterava, em terraos


longe cora uma

significado da propria questio, considerando


qualitativos, o

o agressor a nível institucional, o que era grave e injusto

opiniio, historiador ata


para a propria Igreja (56). Na sua o

cara tanbén injustaraente figuras consagradas da Igreja, ao

classificar alguns papas de "intelligencias corruptas, violen

tas e cubigosas" (57); uraa coisa era a legítiraa defesa face

a uma agressio injustificada, outra era ultrapassar o contex

to preciso desse ataque e da respectiva defesa para entrarno

campo da historia e do ataque a figuras intocáveis da Igreja.

A seu ver, "0 sr. Herculano, levado pelo ardor da sua justa

defesa, foi severo, diremos mais foi injusto, quando nio pa-

rou deante da linha que separava os seus aggressores, do que

pertence a historia, e do que pertence a instituicio" (58).

Uraa últiraa questão suscitava a censura de A NagÍo, ques

tio essa contida numa das frases ^inais de Eu e o Clero. Re-

ferindo-se a. crescente distanciagio e hostilidade da Igreja

catolica face aos ideais da liberdade e progresso do libera-

lismo, a que o meado do século assistia, Herculano afirmara,

em frase que ficaria celebre: "Quando Roma, que parece ter

jurado nas aras de Jupitor Sator o exterminio do catholicis-

rao, crucifica no seu Index nomes como os de Chateaubriand e

Lamartine; nomes como os de Gioberti, e Ventura, terei eu,

verme que passo a sombra do meu nada, direito de offender-me

[...]? Quando a igreja, involvendo a fronte no veu da sua ira

mensa tristeza [...] contempla aterrada o futuro, ha dor de


71

individuos a que seja licito um brado?" (59) Depois de defen

der o princípio de que a condenacio de horaens, ainda que ilus

tres, que se afastavam da ortodoxia, fazia parte da obrigagib

de vigilância que por inerência calna a Igreja (60) ,


A Nagâo repu

dia firmemente a dupla ideia explanada por Herculano : a con-

vicgio de aue a propria Roma contribuía para o declmio do

catolicismo, e de que era possível e até pertinente, em fun-

cão do seu estado presente, duvidar do futuro da religiio ca

tolica. Para A Nagio estas duas questoes não podian sequerco

locar-se. Como pode Roma ( entendida corao antonomásia do pa-

pa ) jurar o extermínio da sua propria razao de ser, o cato-

licismo? Como ura verdadeiro catolico duvidar acerca do seu

futuro, se a religiio catolica é, por essência, constante,

perpétua e eterna?

Sio estas, em síntese, as reservas feitas por A Nag io a

carta de Alexandre Herculano ao patriarca de Lisboa. Apesar

de distintos em termos de conteúdos, esses reparos convergem

para uraa linha coraum. Todos eles são fungio de uma preocupa-

gio manifestada pelo redactor daquele periodico em delimitar

e reduzir a proporgoes consideradas justas a questio que Her

culano perigosamente alargara: o seu injusto agressor nio é

o clero tomado no seu todo, como deixa entender o título es-

colhido, a agressio sofrida nio consente uma generalizagio de

juízos de valor negativos sobre figuras historicas da Igreja,

nem deve ser toraada corao sintoraa de uma decadência da reli -

giio que permita conceber dúvidas sobre o seu f uturo . É pois

a esta tripla censura, feita em tom moderado e nio


que poe
em causa o princípio que está nabase do aparecimento de Eu e

oClero, que Herculano também de modo comedido irá responder

na sua carta ao redactor de A Nagio.

No que resreita â legitimidade do título, que pressupu

nha um antagonisno en relagão ao clero, um dos topicos que

maior escândalo rrovocara, Herculano afirma que a esserespei

to é necessário ter dois pontos em consideragio . Em primeiro

lugar, e en coerência com o espírito de Eu e o Clero, consi-

dera nio ter sido ele a procurar nem a fomentar esse antago-

nismo: "[...] o antagonisno nio o creei eu: resultou de fac-

tos practicados pelo clero, que eu tolerei com paciencia du-

rante annos,e que toleraria talvez sempre em silencio, senio

[sic] receasse que no progresso da aggressio chegassem a le-

vantar-ne um pulpito diante da porta, para d'ahi me fazerenun

sermio sobre a sanctidade dos papas da idade média, ou sobre

os milagres referidos por S. Bernardo" (61). Em segundo lugar,


"
[. ,.J é pelo opusculo, e nio pelo seu titulo, que se ha de

avaliar até onde esse antagonisrao vae ,


e se elle é legitimo"

(62). Sustentando nio existir uma única frase no opdsculo em

que a sua crítica atinja todo o clero português, Herculanoman

tem a convicgio de que em Portugal o clero ben formado e ilus

trado existe, mas e infelizmente minoritário, nio sendo ele,

como é obvio, o alvo das suas críticas; continua, assim, fir

meraente "[...] persuadido de que a raaioria do nosso clero é

tal cono eu a qualifiquei, e se nio fosse repugnancia a des-

pedagar um cadaver, daria aqui as razoes da minha persuasio"


(63). Havia, pois, em sua opinião, razoes que justificavam 0
título.

Se Eu e o Clero constitui, como vimos, um dos momentos

mais fulgurantes de Herculano como polemista, as Considera-

qoes pacificas, embora num tom bastante diverso, não deixam

de confirmar essa faceta; a logica dos argunentos utilizados,

a finura e vivacidade do raciocínio são, com efeito, brilhan

te^ o que é evidenciado pela argumentagão usada ainda acerca

da legitimidade e justeza da sua crítica ao clero.

Na logica dessa argumentagio e em defesa da suaposicio,


Herculano invoca o exemplo de figuras da propria Igreja, como

S. Bernardo e Frei Caetano Brandio, cuja censura ao clero do

seu tempo ultrapassara em forga as suas proprias palavras (64).

Ora, segundo aqueles que condenaran a severidade da sua crí-

tica ao clero, e por isso mesmo o atacavam, Herculano prati-

cava quase uma heresia, resultante de uma injusta avaliagao do

do valor dos de Deus. E


papel e
pastores se tais críticassig
nificavam o anátema em vida e a condenagio eterna de um sim-

ples crente que dizer, entio, dentro dessa linha de análise,


das ainda mais severas palavras daqueles dois membros dalgre

ja sobre o clero? Assim, usando de uma logica iraplacável, Her

culano desarticulava a arguraentagio dos que condenavam a sua

atitude para com o clero, servindo-se, como modelo, de repre

sentantes ilustres desse mesmo clero. Porque, dentro dessa

mesma logica, teriam os seus acusadores de condenar, com

maior razão ainda, nomes como os de S. Bernardo e Frei Caeta

no
Brandio, que, sendo horaens da Igreja, nio haviam coibido a

sua consciência de verberar aquilo que consideravam erradoro


74

procediraento do clero. Por isso afirraa, cora clara ironia:"[...]


suas reverencias hio de tolerar-me a crenga de que nio estio

no inferno, nem a alraa de D. Frei Caetano Brandio, nen a de

S. Bernardo" (65).

Finalmente, o últirao argumento com que destroi a acusa

gÍo de antagonisrao era relacio ao clero é, uma vez mais, um

portento de logica. Afirmara o redactor de A NagÍo a sua to-

tal discordância em relagio ao título da carta ao patriaicade

Lisboa, já que, como vimos, remetia para um enf rentamento en

tre Herculano e o clero no seu conjunto. Herculano reconhece

que "foram apenas alguns que me provocaram do pulpito, e eu

chamo å autoria o grande numero" (66), Simplesmente ,


na sua

perspectiva, como pensar de outro modo? Os casos concretos

era que fora atacado —


em Braga e em Lisboa —

haviam chega-
do ao seu conhecimento por mera casualidade. Como garantiroue

não se haviam repetido? "Não ne será licito inferir que, nio

tendo eu uma policia as minhas ordens, ignoro muitos succes-

sos analogos?" (67). Mas outra circunstância o levara a pen-

sar que a agressio poderia ter um carácter mais generalizado.


Herculano manifesta, de facto, a sua estranheza pelo facto de

a hierarquia responsável pelo clero diocesano nio se ter pro

nunciado sobre o que se passava e não ter tentado evitar a

proliferagio daqueles ataques que ccnsidera improprios do

pulpito; assim sendo, é levado a concluir que também os res-

ponsaveis hierárquicos, ao não interviren, de algun modo a-

poiavam pela aquiescência o conteúdo das censuras aue Ihe e-

rara dirigidas e consideravam legítimo o local de onde eram


proferidas. Ao raanterem o silêncio, deixavam entender que tam

bém acreditavam que "[...] a sanctidade dos papas da idaderæ

dia ou o appareciraento de Ourique sio partes ir.tegrantes da

crenga catholica, e que se trepassem ao pulpito, e Ihes vies

se a talho, rae charaariam do mesmo modo impio ou hereje" (68).

Como pensar cue a hierarcuia nio está de acordo cora os prega

dores que do púlpito o atacam, se nio intervém num caso em

que a Igreja expressamente ordena a discrigão e a prudência,


como seja a divulgagio de factos nio muito certos e milagres

nao provados (69) o que é, justamente, o caso do nilagre de

Ouriaue? Herculano julga, pois, ter fortes razoes para crer

que o seu agressor é, de facto, una grande parte do clero, e

r.Ío um ou "outro clerigo imprudente" como sustenta A Nagio .

No que se refere ao segundc reparo fornulado, e apos

desfazer un equívoco en que o redactor daquele periodico ha-

via caído (70), Herculano desfundamenta os crite'rios que ha-

viam levado A Nagio a condenar a polémica frase "intelligen-


cias corruptas e
cubigosas", com que qualificara alguns pa-

pas da Idade Media. Numa relagão imediata de causa/ef eito, o

redactor daquele periodico condenara referida


a
frase, que

interpretara como sendo dirigida especificamente a Gregorio


VII e Inocêncio III (71), uma vez que a Igreja canonizaraCire
gorio VII e
porque, embora sem especificar as razoes, consi-

derava Inocêncio III como um dos papas que maior respeito de

vis suscitar entre os homens de letras. Mas os criterios de

avaliagio das figuras historicas não eram os mesmos para Her

culano e
para o redactor de A Nagio. Ja que a
canonizagio r£o
era dogma de fé, nem a ciência e a literatura sinonimos devlr

tude (72), Herculano tinha como historiador o direito de "[.„]


avaliar como entender os caracteres historicos" (73). Em res

posta ainda a um outro argunento chamado em defesa de Grego-

rio VII —
o elogio dos historiadores protestantes aos dois

pontífices —
Herculano deixa bem claro que para ele uraa coi

sa é o plano da apreciagio raoral dos indivíduos e outra o da

sua actuacio no quadro das instituigoes a que pertencem. De

ambas e feita a historia, apesar de nio poderera confundir-se,

uma vez que podem até, como no caso presente, ser claramente

divergentes. A contribuigio daqueles dois papas para o progræ

so e afirmacio do papado como instituigio, no quadro mais ge

ral do progresso humano, enfatizada pelos historiadores pro-

testantes fora positiva, mas não abarcava a


"appreciagio no-

ral dos seus actos como individuos" (74). E era justamente


neste plaro que Herculano utilizara aquela expressio : apesar

de "vastas e
energicas", eram "intelligencias corruptas, vio

lentas e
cubigosas", tomando-se aqui como critério o plano
moral, regido por normas absolutas. Porque para Herculano —


e como elemento-chave na sua concepgão da historia —

histo'ria é tarabém e
juízo moral
sempre um sobre e'pocas e in-

divíduos, juízo aferido por princípios absolutos.


A última questio levantada pelo redactor de A Nagio-nro

porcionar-lhe-ia uma importante reflexão sobre uma das ques-

toes mais candentes dos anos cinquenta —


a reaccio religio-

sa e especificamente catolica. Condenara-se em A Nacão a cé-

lebre frase "Roraa, que parece ter jurado (. .]. o exterminio


do catholicismo" ,
com que o historiador praticamente encerra

va a sua carta ao cardeal-patriarca, deixando no ar uma nota

de profunda preocupagio (75). Referindo que não pretenderadar

a frase o sentido de uma acgão voluntária, Herculano defende

que é através da sua propria acgão que Roma pode contribuir

para a desvirtuagio do catolicisrao; e isto nio como uma pos-

sibilidade meranente retorica, mas como possibilidade real^u

to do estado da Igreja catolica e do avango da reaccão reli-

giosa, que ela mesma proporciona. Por isso, paralelamente, e

e como decorrência natural desta analise, Herculano mostra-

-se preocupado, hesitante ( como ele proprio diz ) em rela-

gio ao futuro do catolicismo: para ele, face a situagão ac-

tual, é iusto, ao contrário do que pensa A Nagjo, a dúvida a

cerca do seu futuro. Nio se trata aqui do problema da liber-

dade do historiador que pretende, avaliando o curso da histo

ria, tragar linhas de evolugio possíveis. É como catolicoque


Herculano pensa ter o direito de julgar e condenar os erros

da Igreja sem por isso se excluir do seu grémio: se tal nio

fosse lícito, muitos nomes ilustres da Igreja que haviam ver

berado as suas fraquezas, como S. Tomás de Aquino e (novamen

te) S. Bernardo, teriam igualmente de ser condenados por de-

nunciarem os "podres" da Igreja: "Para serdes logicos despo-

voae a igreja de sanctos, de doutores, de homens illustres,se


credes que dentro della eu, que nio sou nenhuma dessas cousas,

nio tenho direito de aferir pelos principios eternos da mo-

ral, da justiga, e da caridade eva-gelica as acgoes dos papas

sem renegar da igreja" (76).


0 catolicisrao é eterno, e é justamente em fungão do ca

rácter eterno da religião, pelos seus valores absolutos, que

homens dentro dela longo dos tempos;


se avalia a acgio dos ao

e o presente anuncia tempos difíceis, que sio um claro resul

tado da acqio da propria Igreja. 0 problema vem, pois, do in

terior do catolicismo, e o dever do verdadeiro catolico é de

nunciá-lo e defender os seus valores eternos. Esta a lúcida

posigio de Herculano.

Com o aparecimento das Consideragoes pacificas, doisfap

tos se impoem como signif icativos. Em primeiro lugar, o pro-

facto de Herculano responder, era segundo lugar o tora mo


prio

derado que imprime ao seu discurso. Podemos, de facto, inter

rogar-nos sobre as causas que terio levado Herculano, como

seria até certo ponto logico na sequência de 5u e o Clero. a

nio ignorar estes reparos e a responder cordatamente, embora

mantendo as suas posigoes, ao jornal A Nagio em particular ,

quando outros periodicos poderiam tambéra ter suscitado a sua

reacgio e a sua resposta. Ao optar por uraa resposta as objec

goes forrauladas, elegendo A Nagio, jornal legitiraista, corao

destinatário e deixando cair todos os outros cujas críticaso

seu priraeiro texto havia suscitado, Herculano deixava bera

clara a adrairagio que lhe causara a independência, a isengio


e o espírito de justiga patenteados por um jornal que, pela

logica das opgoes políticas, o devia ter atacado (77). 0 res

peito que essa atitude lhe merecera levou-o, igualmente sen-

sibilizado pelo tom correcto, sereno e sincero das objecgoes,


a responder, retomando uma questão que, como vimos, o desgos

tou desde o seu início, o que vinha de novo confirraar o seu

respeito pela iraprensa, como veículo privilegiado para o de-

bate de ideias (78) .

Como o proprio título indica, existe uma estreita rela

gio entre as Consideracoes pacificas e Eu e o Clero. Em pri-

meiro lugar, porque se trata de uma resposta a três objecgæs

suscitadas por Eu e o Clero, o que implica constantes rerais-

soes para este primeiro opúsculo. For outro lado, o conteúdo

das Consideragoes pacificas está na continuidade daquilo que

se anunciara no texto anterior: isto é, a reafirnagio ( des-

ta vez, pela quase total onissio ) de aue o problema do mila

gre de Ouricue lhe surge irrelevante como questio historica,


e que para ele a grande questio que se erige por detrás da

polémica é, sen dúvida, a questio da reacgio religiosa, que

se acentua nos anos cinquenta. Esta e a "placa giratoria" da

sua intervenc.ao na polemica, que ele preterde agora dar por

encerrada, e é, afinal, a grande questio levantada neste seu

opúsculo.
Recreio
2.3. Carta_s [. .] . ao Padre Francisco

Apesar do desejo expresso nas Consideracoes pacificas,

em que dava por terminada a sua intervengio na polemica (79),

Herculano publica, em Outubro do mesmo ano, um novc texto in

titulado Cartas ao muito reverenco em Christo Padre Prancisco

Recreio [. .] . por um raoribundo. Este opúsculo, cujo apareci-


mento é um tanto inesperado, surge como resposta a publicacao

de um longo texto do P£ Recreio (80), intitulado Justadesaf-

fronta em cefeza do clero, ou refutagio analytica do impres-

so Eu e o Clero, Carta ao Em^ Cardeal-Patriarcha por A. Her-

culano, Seu auctor Prancisco Recreio, em que nuraa linguagem

veemente e ror vezes violenta se pretende demonstrar: "que a

Carta
[Eu e o Clero ) abominavel, e indigna de circular em um

paiz catholico é: 1? Irreverente pela sua forma. 2? Illusoria

e ridicula pelo seu intuito . 3Q Paralogistica em varias das

suas argumentaeoes. 4^ Ultrajadora e


parcialmente injusta em

sua critica. 5- Indisputavelmente anti-patriotica, e em algu


mas de suas expressoes anti-catholica" (81).
0 facto raais notável do opúsculo com que Herculano res

ponde a condenagão liminar do P£ Recreio é sem dúvida o ines

perado que resulta do tom que imprime ao seu texto. A suagran

de arraa face a violência do texto de Recreio vai ser a iro-

nia, que traduzirá, não de maneira grave, mas através do ri-

so, o desprezo pelo seu adversário.

Em fungio das suas características peculiares, a nossa

referência a este opúsculo consistirá numa análise diferente


da efectuada em relagão aos seus outros textos, uma vez que

este se define mais pelo estilo adoptado do que pelo conteú-

do. A sensagio que fica apos a leitura deste opúsculo é de

que Herculano terá considerado desadequado e talvez impossí-

vel, face ao perfil do texto de Recreio, manter o debate ao

nível de uraa gravidade arguraentativa. E assira, não deixando

de querer dar uraa ligio a Recreio, recorre estrategicamente a

ironia, através da sua variante mais temível, o sarcasmo.

Se a ironia pode definir-se como "figura de estilo em

que se exprime o contrário do que as palavras naturalmente sig

nificam" (82), este opúsculo é, aciraa de tudo, um exercício de

estilo. Mas nio se pense que por isso ele seja raenos eficaz,

pelo facto de Herculano nio ir direito ao assunto. Pelo con-

trário: de um modo totalmente diferente —

inverso, podemos

mesmo dizer —
este texto resulta tão afirnativo das suas po

sigoes como se ele as expusesse directamente . Isto porque, o

que podemos chamar de "efeito de espelho" da ironia permite


"dizer" o contrário daquilo que afirma, sem mostrar um inves

timento pessoal nem conceder ao proprio texto a importância


formal e o estatuto de uma verdadeira resposta ao longo escri

to do P- Recreio.

Todo o texto consiste na utilizagio desse "efeito dees

pelho. Se em termos de aparência discursiva, é um Herculanc ca

bisbaixo, contrito, arrependido, ferido de morte nas suas con

vicgoes, desmascarado na sua ignorância, que reconhece, agra

decido ao bom sacerdote, a áspera censura que o faz voltarsc

rebanho de que se afastara, o verdadeiro significado do seu


discurso é precisamente o contrário: o "moribundo" que recla

ma o perdio de quem lhe deu a morte é alguém para quem a

Justa Desaffronta e na sua essência "in-significante" ; o ar-

rependinento contrito representa afinal a reafirnagio total

das posigoes anteriornente assumidas no texto atacado por Re

creio, de que nio retira uraa so palavra; o regresso arrepen-

dido da ovelha desgarrada ao rebanho é a denúncia da absurda

chamada ao púlpito de uma questio que nada tem de religiosa;

a caridade, a tolerância e a bondade cristis, qualidades que

atribui a Recreio, são o contraponto do que considera ser o

seu verdadeiro perfil, feito de intolerância clerical e de

uma latente nostalgia pela ortodoxia inquisitorial . A sua es

tratégia torna-se, deste modo, totalmente eficaz.

Mas Herculano utiliza um outro "requinte" de composigão


retorica, que podemos designar como "dupla ironia" . Nio se tra

ta já so de querer significar o contrário daquilo que diz,


através da antífrase e da anticatastase mas de fazer duas a-

firmagoes antagonicas invertendo-lhes o sentido, o que acen-

tua mais o efeito pretendido.

De resto, se a maior parte dos estudos que fazera uma

abordagem estilística da obra de Herculano apontam como toni

cas desse estilo a majestade e a grave redundância de re


que

sulta, por vezes, o faraoso tora bíblico dos seus escritos, pa

rece-nos esta faceta do


que seu discurso, a
ironia, não tem

sido considerada corao uma caracterí stica tipicamente hercula

niana. Com efeito esta pega, realmente singularizada no con-

junto dos seus opúsculos, revela-nos um Herculano diferente,


capaz de oscilar entre o quase "sacerdotal" hieratisrao delin

guagera e a violência sarcástica e satírica, quase verrinosa,

utilizando todos os recursos da ironia.

Neste texto, desde a inversio verbal (antífrase) até a

inversio da situagio real (anticatastase) e a inversio da si

tuagio raoral (prospoiese) ,


ele utiliza todas as variantes e

desvios que constituem a ironia. Mas nio so as modalidades ou

tipologias da ironia estio presentes, como tambéra o objecto-



ou seja a direcgio —

dessa mesma ironia: a crítica moral

e ontologica tomada como meio de repor "a direito" um mundo

"as avessas".

Ora, todos estes artifícios sio bem visíveis já no fi

nal do opúsculo, em que Herculano resume a visio que tem do

de
texto Recreio: "Mas ha acaso ahi
[justa Desaffronta] o rae

nor vestígio de desesperagio de ura pedante ferido na sua to-

la vaidade; d'essa desesperagio que accrescentando o estontea

mento da colera å natural curteza, o faz desatinar en phra-


ses inqualif icaveis, com que parece querer transpor a raetado

absurdo, e com que apenas obtem afogar-se no charco do ridi-

culo? Nada d'isso. A Desaffronta é exactamente o contrarioJto

vez de ser triste exemplo da fraqueza humana, é" um modelo de

sabedoria christan e ethnica


[sicj : em vez de ser um longo

rugido de odio impotente, e, pelo unctuoso, una novalmitagio


de Christo, e V, R. um novo Kempig. 0 que V, R. foi sal
quiz
var esta alminha: foi o amor, nio o odio, quem lhe guiou a

penna. Castigou para curar: pagou, repeti-lo-hei mil vezes, o

mal com o bem. Ê assim que se manifesta nas suas obras o sa-
cerdote christão. No genero, é V. R. um verdadeiro typo" (83).

0 opúsculo a que Hercuĩano respondia deste modo surgia

-lhe como raodelo exemplar do que para ele estava em jogo na

polémica, e portanto da propria visio que dela constroi : o

ataque clerical. Mais virulento na forma, mais longo na exien

sio, o opúsculo de Recreio inseria-se claranente na componen

te clerical da polemica, da qual seria, aliás, um dos exem -

plos máxiraos. Mas para Herculano ele encerrava também uma æm

ponente pessoal, a que nio se escusa de fazer referencia. îfer

culano intitulara este opúsculo Cartas ao muito reverendo en

Christo Padre Franclsco Recreio., seguidas da indicaqio deífe-

creio como Socio Effectivo da Acadenia Real das Sciencias de

Lisboat Bibliothecario da mesraa Acadenia, Auctor do EIogioNe-

crologico, da Justa Desaffronta, e de Varlas Obras ĩneditas.

Torna-se evidente a sua intengão, nesta pequena peca de anto

logia que é o proprio título: a enunciagio circunstanciadadæ

opera orania de Recreio pretende atingir o efeito contrário ,

desraascarando a sua insignificância. Processo impiedoso, sem

dúvida, raas extreraanente eficaz para a finalidade e intengio


do seu texto. 0 Elogio Necrologico a que Herculano faz refe-

rência no título do opúsculo como uma das "coroas de gloria"


do P£ Recreio tinha uma historia, a que o historiador se re-

fere com pormenor (84), o que reflecte desde logo uma inten

gio bem definida que, a nio existir, tornaria insolita a ni-

núcia da sua referência.

Aquando do falecimento de um antigo socio da Academia

Real das Ciências de Lisboa, r.^ateus Valente do Couto, cavalei


ro da Casa Real e distinto matemático (85), o P- FranciscoRe

creio pronunciara a 9 de Maio de 1849, em sessio na Academia,

o seu elogio fúnebre (86), que pretendeu ver inserido nas

Meraorias da citada instituigio, o que foi recusado, publican

do-o entio o seu autor a expensas suas (87).

É atraves de Herculano que sabemos ter sido ele o pro-

prio encarregado pela Academia de examinar a obra em questio,


a qual deu parecer negativo, "vetando" assim a sua publicagao

nas Meraorias (88). Herculano pretende rauito claramente filiar

a excessiva e inaudita violência do escrito do P£ Recreio no

ressentimento nascido daquele episodio ainda recente: na sua

perspectiva, o ]£ Recreio considerara o seu parecer negativo

como uma humilhagio e uma afronta, que nio havia perdoado e

manifestava-o agora duramente através da Justa Desaffronta que

se torna, de certo modo, o instrumento de sentimentos humana

mente condenáveis. Herculano queria, pois, mostrar que nio

se tratava apenas de um desagravo sincero e totalmente trans

parente do clero; a seus olhos existia um motivo oculto, oue

deslustrava ainda raais o seu autor do que o proprio estilo e

o anacronismo de uraa arguraentagio insustentável, ao assumir

foros pouco dignif icantes de uma vinganga e de um desforgoces

soais. Simplesmente, raanejando com inegavel mestria atemivel

arma da ironia, como temos vindo a ver, a acusagio de Hercu-

lano torna-se ainda mais certeira porque o discurso explíci-


to exprime rigorosamente o contrário: a "verdadeira" razio do

seu veto a publicagao do Elogio Necrologico do P£ Recreionas

Meraorias da Academia nio fora a sua raanifesta falta de quali


dade; raas antes, esmagado pela erudigio espantosa e roído de

ciúraes pelo esplendor da sua prosa, Kerculano usara maquiave

licaraente do poder que Ihe fora delegado, negando a consagra

gio de tio admirável escrito. Vale a_ pena escutarmos Hercula

no: "Vamos å historia: Falleceu um antigo socio da Acaderaia,


um velho venerando, o Sr. Matheus Valente do Couto. Usandodo

seu direito, deitou V. R. ao cadaver o gancho necrologico .

Cheirou-o, virou-o, revirou-o e estendeu-o sobre a banca da

dissecgio oratoria. Talho d'aqui, talho d'ali: Zás. Saiu- se

V. R. com o mais estupendo papel, que estes olhos peccadores

tem visto e hao de ver antes que os coma a terra, Coube-ne a

mim a negregada sorte de ser escolhido para censor de tiodou

ta lucubragio ( eu censor de V. R.! A que tempos somos chega

dos! ). Comecei a ler e a abrir a boca . . . de admiracio. Mas

de um lado o deraonio do orgulho e do outro o da inveja come-

garara tarabem logo a atigar-me no anirao a feroz, temeraria e

audaz furia da maledicencia torpe e suja [...] .


Sim, eu, ho

je indigno neophyto de V. R., nio trerai entio corao varas ver

des aocoraraetter o mais inaudito attentado, ao pôr mios sacri-

legas, suadente diabolo, n'aquella erudita capituladaæcrolo

gica! Fiz um parecer horrendo, bestial! Batendo nos peitos,

debulhado era lagryraas, o confesso e publíco" (89).


E o P£ Recreio, nio desistindo de dar a estarapa a sua

obra-prima, acaba por publicá-la a sua custa, desencadeando a

admiragio e o espanto generalizados por tio fundamental obra,

entusiasticamente recebida pela intelectualidade , procurada

nos quatro cantos do raundo : "Passam seis mezes, e


palavras
nio eram dictas, fervera os carteiros nas lojas dos negocian-

tes de livros: "Senhor fulano, esta carta da Russia; dê cá

seiscentos e vinte e cinco." —


"Senhor sicrano, esta cartada

Mingrelia: rail setecentos e trinta e cinco." —


"Senhor bel-

trano, esta carta do Thibet: quatro pintos e cinco reis" —

Eram escriptores, nio digo os mais celebres, porque nio cg£

ro exaggerar, mas os mais solidos e macissos do mundo, que

ardiam, que se damnavara por traduzir nas setenta e duas lin

guas da Torre de Babel o Elogio Necrologico. Os livreiros bu

favan. Alguns descontaran letras para pagar os portes d»

cartaria infernal. E placidez do seu triumpho, V.


aquella na

R. olhava com um sorriso angelico para a Academia com a fron

te no po, vencida, convencida e humilhada" (90).

E pois deste modo que Herculano retoma a polemica, modo

totalmente aiferente do anterior. Se Eu e o Clero, prineirare

ga da sua intervengio, representava a denúncia de uma situa-

gio geral e, a seu ver, de carácter institucional, feita num

estilo contundente e simultaneamente grave; se as Considera-

goes paclflcas constituem umaiesposta séria e sistemática a

algumas questoes levantadas com civilidade por um periodico

legitimista a proposito de Eu e o Clero, a sua resposta ao a

taque de Recreio é o exercício do seu terrível e


implacável es

tilo de polemista, nio atraves de uraa resposta séria e grave,

nera de uraa resposta violenta que sustentasse combativanente as

suas posigoes —

que seria, em terraos de verosimilhanga, a

resposta adequada —
mas antes através do sarcasmo, índice ,

afinal, de um desprezo que por vezes atinge a sobranceria.


Aparentemente nio existe, pois, uma adequagio entre o ataque

sofrido e a resposta dada, faceta habitual em Herculano. Am-

bas as suas intervengoes anteriores tinham em comura a serie-

dade e sinceridade do seu investimento numa questio que con-

siderava grave e que, embora a contra-gosto, Ihe raerecia uma

resposta. Agora, realraente, ele nio leva a sério o opúscubde

Recreio; em vez da resposta virulenta mas grave, Herculanoqj)

ta por uma estratégia diferente baseada no assentimento arti

ficial e malicioso, na humildade e no arrependimento fictí -

cios, que funcionam afinal como um artifício que acentua o

profundo desprezo que o texto de Recreio lhe suscitou e subli

nha o ridículo em que este a seus olhos caiu.

E porquê a estratégia do riso° Para Herculano, respon-

der com gravidade ao seu adversário era já considerá-lo de

igual para igual, embora em campos diametralraente opostos,co

rao aconteceu com particular incidência no caso das Considera-

goes pacificas e como será o caso raáxirao dos Solennia Verba;

era ainda reconhecer pertinência e honestidade na coloca-

gio de questoes passíveis de discussio e considerar aexistên

cia de ura oponente a respeitar. Ora uma das intengoes mais

"humilhantes" deste texto I que Herculano, ao optar por uraa

estrategia baseada nuraa ironia acerba, pretende colocar era

primeiro plano a insignif icância do opúsculo e do seu autor,

conseguindo atingir Recreio de forma tio implacável e contun

dente como se de uma refutagio directa se tratasse.

As Cartas
[. . .1 por um raorlbundo (91) sio o único texto
de Herculano que faz parte desta poleraica a nio figurar nos

Opúsculos. Este facto poderia nio assumir relevância, se nio

fosse a circunstância de o Tomo III dos Opúsculos de Hercula

no, I de "Controvérsias e Estudos Historicos", que reune as

suas intervengoes desta poleraica (92), ser ainda da sua

responsabilidade. Sendo assira, a sua deliberada ex-

clusio suscita possíveis explicacoes. A raais plausível é que

o proprio autor o tenha considerado como um texto menor, nio

so em termos da "posteridade" do proprio texto em si —


e Her

culano é um horaem particularmente sensível ao futuro dosæus

escritos —

,
raas tarabem como pega da sua participacio na po-

lémica (93). Fica, de facto, a nogio de que Herculano o con-

sidera como uma produgão de certo modo marginal, que assim é

mantida fora da "historia da polémica" nosOpús-


que consagra

culos. Aliás, este texto foi em geral mal aceite, mesno por

aqueles que se situavam bastante proximos de Herculano.

A este respeito, parece-nos que se a


comparagio a esta

belecer cada dos


com um seus outros opúsculos fôr feita em

fungio do conjunto de probleraas levantados, ecte e' efectiva -

mente o de menor importância: como


"retaliagao pelo riso" e,
de facto, o único momento en que Herculano é gratuito, no

sentido em oue, de forraa impiecosa, tem como fin último a hu

milhagio do adversário. Mas se, pelo contrário, o enfooue se

centrar em primeiro lugar na visio Herculano


que tem desta

polémica em
particular, no que ela contéra de sintomático, e

no que revela de pobreza intelectual cri


e stalizacio mentaĩ;
se o enfase fôr posto ra sua percepgio dc que e' uma
polenica,
90

no que ela tem por vezes de irapiedoso para o adversário, no

talento e virtuosisrao no manejo de determinado instruraento —

neste caso um instrumento estilístico, a ironia —


então

parece-nos que, apesar de tradicionalmente na sonbra, em vir

tude também da opgio de Herculano, este seu escrito pode om-

brear con os outros textos com os quais forma, afinal, um

todo .

2.4. Solennia Verba ( Prineira Carta )

A 20 de Outubro de 1850 Herculano dá å estanpa aprimei

ra de duas cartas que intitula Solennia Verba. Oartas ao Se-

nhor A. L. Magessi Tavares sobre a questio actual entre a

verdade e uma parte do clero.

Estes textos respondem aos dois opúsculos que, å data,

havian sido publicados por Maggessi Tavares (94), no ambito

desta polemica: Demonstragao historica e docunertada daarpa-

rigio de Christo nos campos de Ourique, contra a opiniio do

snr. Alexandre Herculano —

que surgira logo apos a publica-

gio do primeiro volume da Historia de Portugal. ainda en!846

e Nova insistencia pela conservagio e utilidade da tradiccio

d'Ourique em resposta ao Eu e o Ciero do Sr. Alexandre Her-


Este último texto surge apos o endurecimento da polémica, que

assumira uraa feigio claramente ideologica, era particular com

o aparecimento de Eu e o Clero, de Herculano, e da Justa De-

saffronta do P£ Recreio. Embora distanciados entre si por um

período de cerca de quatro anos, os opúsculos de Maggessi Ta

vares apresentara uraa notável unidade de conteúdos, que nem a

evolugio da polémica para campos estritamente ideologicos faz

desaparecer.

Para Maggessi Tavares o grande problema em debate e, a

final, aquele que deu origera a polémica, isto é, o milagrede

Ourique, que para ele representa o elemento-chave para a ex-

plicagio de Portugal corao nagio independente e a sangio sagra

da ao início político da nacionalidade. Mais do que nadefesa

do milagre como facto realmente acontecido, Maggessi Tavares

centra o seu discurso na fungão social que para ele assume a

tradigio de Ourique corao sustentáculo ideologico da nagio e

como factor de identidade nacional (95). NÍo existe qualquer


aproveitamento clerical da sua parte, mas tio so a reafirma-

gio de uma crenga antiga e para ele eminentemente historica e

nacional.

Mas se a sua defesa de Ourique é pertinaz e


consequen-

te, fruto de uma crenga sincera e prof undamente arreigada, e

la é* tambem sempre feita com grande moderagão. Maggessi Tava

res pertence, de facto, ao estreito núcleo daqueles paraquem

o reiterar dos seus pontos de vista nio é factor de radicali

zagio nem de ataque pessoal.

Nuraa visão global da primeira carta dos Solemnia Verba.


um dos elementos que de imediato se impoem como significati-

vos é o vivo contraste que este texto apresenta em relagio å

intervengio imediatamente anterior de Herculano, as Cartasao

p£ Recreio. Este novo texto é uma clara prova da sua sensibi

lidade aos diferentes tons dos adversários na polémica e, em

última analise, ås diversas questoes que ela desencadearajfen

tro da coerência do seu pensamento, que em termos de visioex

terior se confunde por vezes com uma rígida defesa de prin-

cípios, existe em Herculano a capacidade de discernir nio so

o que está em jogo mas o modo como está em jogo. Por isso, gr

que se apercebe de que a perspectiva de Maggessi Tavares em

relagio a esta questio é distinta da do P£ Recreio, a


suaie^

posta é ta.nbém de carácter distinto: nela Herculano fundamen

ta, através dos instrumentos fornecidos pela crítica histori

ca elaborados por autores da Igreja, a inexequibilidade e o

absurdo da manutengio da crenga no nilagre de Ourique.

Assim, dentro da questio que se levantou, como ele diz

no título, "[•••] entre a verdade e uma parte do clero", Ma£

gessi Tavares surge-lhe como um adversário leal e


correcto,e
como tal Herculano retoma a questio que, quinze dias antes ,

provocara o terrível sarcasmo das Cartas ao p£ Recreio (96).


Ao fazê-lo —

e do modo como o faz —

, Herculano deixa claro

(e aqui mais do que nunca, embora essa logica estivesse na

propria base do seu opúsculo dirigido ao redactor de A Nagio)

que nio é a diferenga dos pontos de vista o factor deterrai -

nante de ruptura, mas o modo como esses pontos de vista sio

utilizados e como é encarada a propria diferenga de opinioes.


93

í assim que um raesno problena suscita reacgoes tio diferentes

da sua parte : no caso vertente, a defesa do railagre de Ouri-

que nio 6, para ele, qualitativaraente a raesma era Maggessi Ta

vares e Recreio. Herculano pode deplorar o erro em ambos,

mas não julgá-lo do mesrao modo; porque se para Maggessi Tava


res essa defesa se baseia na explicitagio convicta de uma

crenga sincera, em Recreio ela transforma-se em pretexto pa-

ra um ataque violento e por vezes pessoal, marcado pela into

lerância e pelo espírito sectário. Por isso nos parece que ,

sob este ponto de vista, Herculano se mostra muito mais ma3eá

vel do que pode sugerir uma análise superficial: se a defesa

dos seus pontos de vista é inflexível, porque é fruto de uma

convicgio profunda, ele mostra-se sensível nio so â civilida

de do adversário, como a sinceridade da defesa de uma crenga.

E a materializagio desse respeito e' justamente a resposta e.m

que fundamenta a sua posigio.


A pole'mica nio resulta, assim, paradoxalraente, para e

le, da siraples irredutibilidade de posigoes, mas da transmu-

tagio do debate e da discussão em ataque, intolerância e con

denagio. For isso mesrao, como contraste, Herculano sublinha o

respeito que lhe merece Maggessi Tavares pela defesa sincera


das suas convicgoes, pela dignidade do uso da imprensa, pela
consideragão que deraonstra por Herculano corao seu opositor .

Disto sio prova evidente as primeiras páginas da primei ra car

ta em que situa Maggessi Tavares no ârabito dos seus adversá-

rios na poléraica: "No meio dos que me tera combatido, V. se

representa a meus olhos a parte san, os homens sinceros do


gremio, da eschola, do partido ( corao quizerera chamar-lhe^por

que os nomes importam pouco ) a que V. S& pertence. [...] I-

gual testemunho devo deixar aqui, se os meus


escriptos temde

viver mais algum dia que eu, acerca dos Redactores do jornal

A Nacio. Meus adversarios tanbera, nio recebi delles na


impug
nagio das minhas doutrinas, senio provas de consideragio e

de urbanidade" (97). As reflexoes que se propoe expor nos Sb-

lennia Verba, individualraente dirigidas a Maggessi Tavaressi}

afinal, dirigidas a todos aqueles que nio vêem nesta polérai-


ca um espago de radicalisrao e condenagio, raas de debate de

ideias, ainda que totalraente antagonicas: "Consinta, pois,V.


S* que [. .] . eu fale, dirigindo-me a V.S^, cora esses homens

probos e leaes que estimo e


respeito, embora julgue erroneas,

deploraveis ate, as suas opinioes n'uma contenda, que, nio

por minha culpa, vae tomando na imprensa portugueza uma di-

recgio fatal" (98) .

Mas se, como temos vindo a verificar, Herculano reconhe

ce a urbanidade de parte dos seus opositores, que corporiza


em Maggessi Tavares, tambem sio bem visíveis a
relutânciaque
sente em retomar o problema de Ourique, o desgosto e a araar-

gura pela via seguida e pelas proporgoes alcangadas por uraa

questio raenor, que "o procediraento de alguns individuos da

ordera sacerdotal converteu n'uma contenda, nio sei até


que

onde chegará [. ..]"(99). Reconhece, pois, a possibilidade do


debate com os "animos honestos", mas sublinha a irapossibili-
dade de o fazer com horaens intolerantes fanáticos: "
e
[. .].

como replicar seriamente a homens, nio so ignorantes e


inep-
tos, do que elles nio tera culpa, raas que falsificara, truncam,

omittem as palavras do adversario, que Ihe alteram as ideias,

que, mettidos no charco mais fetido dos becos da Alfaraa oudo

Bairro Alto, atiram as faces do inpio que passa quanto lodo

lhes cabe nas mãos, contrahidas e convulsas pela colera?"(l00)


Talvez nio se;ja, pois, por acaso que os Solemnia Verba

surjam como o opúsculo porventura raai s importante de Hercula

no nesta polemica. Trata-se, com efeito, do seu texto mais

marcante no âmbito desta controvérsia, pela enunciagão de

problemas que o estilo pernite e


sublinha, pela reflexio que

já encerra sobre a propria polenica e o seu evoluir. Apos a

violenta diatribe contra o P£ Recreio, Herculano retona agra

vidade da discussio, em moldes que nos permiten afirmar ser

este o seu único texto verdadeiramente doutrinário nesta


po-

lémica.

Nesta carta, Herculano acentua que na base da Historia

de Portugai esteve tentativa de


a
insergio no grande raoviraen
to europeu do desenvolvimento da historia como
ciência, movi

mento que em particular a partir dos finais do se'culo XVII,


comegou a abrir novos caninhos ao rigor no conhecimento do

passado. A grande "explosio" da historia se verifica


que na

Europa do se'culo XIX, na qual incui nomes como


Ranke, Guizot

e Savigny, filia-a Herculano num signif icativo esforgo depro

gresso da crítica historica, nomeadaraente da crítica das fon

tes que nos finais do século XVII se verificou particularmen


te nos mosteiros beneditinos, com especial relevância para a

congregagão de S. Maur, onde, com Mabiilon, forara langadasas


bases da diplomática. É do esforgo e do labor paciente destes

homens que os historiadores modernos sio os herdeiros direc-

tos, ê neles que Herculano pensa encontrar as raízes do ine-

quívoco progresso a que o século de oitocentos assiste no

campo da historia. Manifestando a preocupagio de acompanhar


os novos caminhos da historia, ele julga que os modernoshis-

toriadores que cita, "[...] e tantos outros que a Europa ho-

je forgosamente conhece e admira" sio os modelos de que "ho-

je forgosamente ha-de tentar aproximar-se quera escrever his-

toria" (101). Porque de facto —


e Herculano tem a clara per

cepgio do problema —
eles representam um irreversível pro-

gresso qualitativo no estudo do passado, que nio pode ignarar

-se, "se nio se quizer deshonrar-se e deshonrar a litteratu-

ra do seu paiz" (102) .

Foi isso, afinal, que ele quis levar cabo


a na Historia

de Portural. isto e', uma tentativa se'ria de acompanhar as

grandes linhas da evolugio da historiografia oitocentista.Mas


assim não o corapreenderam. Aquilo que, para sua grande mágoa,
iria suscitar debate â volta da sua obra, era afinal umaques
tio historicamente menor e
insignificante . Por isso afirma

que, no que respeita ao problena específico que nobilizou o

confronto entre adversários e defensores o


milagre de
--

Ou-

rique --
nio era preciso invocar as modernas regras da críti

ca histo'rica, de tal modo frágil e inconsistente se apresen-

ta a sua defesa å luz da hist6ria; diz


raas, ele, "bastam- me

as regras acceitas pelos historiadores ecclesiasticos mais

respeitaveis, inculcadas por theologos, estabelecidas por


merabros illustres do clero, a quera nem uma unica voz ousará

accusar de raenos crentes, ou sequer de menos piedosos"(l03) .

E será este, justanente, o seu "programa" para este o-

púsculo, e a placa giratoria do seu discurso: a invocagiodas

regras da crítica estabelecidas para a historia da Igreja pe

los proprios homens da Igreja, como fundanento da refutagio

liminar do milagre de Ourique. Repare-se na inteligência de

Herculano: para fundamentar a sua posigio e defender-se das

acusagoes que lhe sio feitas, nio vai recorrer aos modernos

instrumentos fornecidos pela historia uma vez que sabe que,

para os adversários que ten e a estrategia que utilizam, a

sua eficácia em termos de resultados é nula; pelo contrário,


é en autoridades do foro eclesiástico que procura e encontra

a argunentagio de que necessita. Desta forma, consegue um du

plo resultado: por un lado, restringindo-se expressamente a

regras de há muito adquiridas e


indisputáveis para o estabe-

lecimento rigoroso dos factos, deraonstra o erro que e' a defe

sa do milagre de Ourique como facfo historico, sem se


sequer

tornar necessário recorrer a autoridades raais raodernas. Por

outro lado —
e é este o seu objectivo essencial —

coloca

os seus adversários clericais perante um difícil e intrinca-

do problema: uma vez que essas regras foram estabelecidas por

homens da Igreja, aqueles que viam na sua posigio face ao mi

lagre de Ourique um reflexo de impiedade religiosa e nio o

resultado evidente da analise historica ficavam sem saída:pa


ra o atacar e condenar tinham igualmente de atacar e conderar

elementos respeitáveis da Igreja, teologos e eruditos insus-


peitos de heresia; mas, pelo contrário se reconhecessem como

válidas as regras por eles propostas, dentro dos estreitosli

raites irapostos pela propria Igreja, tornar-se-ia grosseira ,

por uraa analogia exuberante, a defesa do railagre de Ourique.


_•

Através desta logica iraplacavel, frequente no seu discursode



,

polemista e que ja encontranos utilizada de modo muito seme-

lhante nas Consideraooes pacificas (104), Herculano colo-

os seus adversários, e em particular os menbros do clero que

arvoram contra si a bandeira da heresia e da impiedade, em

posigio rauito difícil.

Mas a sua argúcia nio fLcapor aqii. Apcr atjiciar oual vai ser

a base da defesa da sua posigão, Herculano sublinha que essa

escolha —

porque de una escolha se frata e nio de uma "ine-

vitabilidade" —
ê ainda raais signif icativa uma vez que o co-

loca en nítida situacio de desvantagen. Ao confinar-se as re

gras elaboradas dentro dos linites que a Igreja estabelece ,

abdica voluntarianente do elenentar princípio de liberdade qæ

lhe assiste na análise dos factos profanos, por natureza nio

suieitos as caugoes dogmáticas que existem no canpo religio-

so. Se a Igreja exige do facto religioso, para o estabeleci-

mento da sua veracidade, a necessária verosimilhanga e a obe

diência ao crite'rio de S. Vicente de Lerins, já citado por

Herculano (105) —
auod ab omnibus, quod ubioue, auod æmper-,

nio é por certo ultrapassar os liraites por ela estabelecidos

seguir pari passu os seus estreitos criterios aplicando-os a

realidade profana (106).

Ficara, pois, amplamente estabelecidos dois pontosfbnda


mentais que orientam o seu discurso: por um lado a inconsis-

tência da crenga no milagre de Ourique como facto verídico ,

que lhe pernitia prescindir de certas armas que a propriahis

toria lhe facultava; por outro lado, a posicão incomoda a

que remetia os seus adversários do clero, através do recurso

ao parecer insuspeito de membros da Igreja.

Mas subjacente a isto está afinal a grande questio que

Herculano supoe definir a verdadeira natureza da rolemica, e

que funciona, a nosso ver, como a grande justificaqio de Eu

e o Clero. A defesa do milagre de Ourique por parte de mem-

bros do clero, atraves de um ataque cerrado e violento a quem

o relegou de facto nacional e quase sagrado para o vastíssi-

mo canpo das lendas infundadas, traduz e


justifica, a seus

olhos, a opiniio que tio grande escândalo provocara: a pardo

aproveitanento político inscrito no moviraento de recuperacio


reaccionária da Europa pos-48, nura momento de aparente esgo-
tamento das virtualidades do liberalismo, toda a ouestio re-

vela de modo agudo o estado de "decadencia intellectual da

maioria do nosso clero" (107). É essa, para ele, aexplicagio


do ataque que do púlpito lhe fora continuadamente dirigido ,

quando afinal aquilo aue fizera en relacão a Ourioue f ora iio

so seguir "as doutrinas estabelecidas, para se estudar e es-

crever a historia da igre.ja, por homens que sio a gloria e a

honra da classe sacerdotal" (108). Ssta, de facto, a suprema

argúcia de Herculano.

Neste seu opúsculo privilegia, pois, para refutar as

razoes dos defensores de Ourique, a arguraentacao doutrinária


aduzida por esses homens "que sio a gloria e a honra da clas

se sacerdotal" (109). No topo de todos eles, refere Jean Ma-

billon, raonge beneditino da Congregagão de S. Maur ouelangou,

com o seu tratado De re dirlonatica libri sex, publicado em

1681, as regras da moderna diplomatica (110). É a ele aue re

ccrre cono prineira autoridade, dentro da estrate'gia de una

estrita observância das regras instituídas por autores cato-

licoc para o estabelecimento crítico dos factos e


tradicoes,
enunciando os seus critérios. Sstes têm como denoninador co-

nun a exigência do rigor e da crítica, que deve nortear o

trabalho do historiador, isto é, daquele que se


debrugasobre
os tenpos antigos, de contornos por vezes fuidos e
imprecisDs,
feito de cristalizacoes de inagens, construídas e herdadasJls

regras elaboradas por Mabillon (lll) pretendem justamente ser

um instrunento de inteligibilidade e de ordenagio na leitura

desse passado, através da crítica rigorosa dos testemunhos qæ

ele deixou.

No complexo percurso constitui,


que em
historia, a pro

cura do verdadeiro e do falso, Mabillon poe em prineiro lugar


a tonica no problema da opacidade nio so da historia como do

historiador. Porque, de facfo, nio e' so a historia que e' opa

ca, mas tanbém os homens que a fazem: o que Ihes faz correr a

pena1? Assim, como primeiro passo, existe a necessidade de ave

riguar e estabelecer as "affeigoes" e intengio do autor, pris


ma que pode refractar a propria escrita da historia. Conhecen

do-os e
delimitando-os, dá-se ura primeiro e fundamental pas-

so para o estabelecimento da correcgio ou


incorrecgio dos
factos por ele relatados. Torna-se necessário, pois, segundo

Mabillon, "[•••] nâonos deixarmos dominar pelas affeigoespar

ticulares dos historiadores. É necessario, primeiro que tudo,

pesar attentamente os dotes do auctor, se é idoneo e sincero;

o que o moveu a escrever; se pertence a algum bando ou sei-

ta..." (112)
Uma outra questao, que ten a ver com a relagio cronolo

gica entre o facto historico e o testemunho que dele é dado,

sublinhada por Wabillon é citada por Herculano : "Devemos ave

riguar se o auctor que lenos é synchrono ( contenporaneo) ; se

escreveu elle proprio, ou se copiou outro; se é prudente nas

suas af firraativas, ou se apenas se estriba em con jecturasjpor

quanto, dada a paridade no deraais, deve-se preferir aopiniio

do auctor coevo å do raais moderno" (113). Mas —


o oue é fun

damental —
o facto de o testemunho ser coevo nio implica ne

cessariamente a sua veracidade, uma vez aue muitos outrosfac

tores podera estar em jogo: "Digo dada de-


paridade

a no

mais —

porque pode acontecer, e acontece as vezes, escrever

a historia com inteira madureza o auctor não synchrono, estri

bado em raonunentos serios e boas razoes, e o


contemporaneo raui

to ao
contrario, ou seja por negligencia, ou seja por igno -

rancia dos factos, ou seja por alguma prevengão, ou finalmen

te sub.juga forga do prorrio


porque o a interesse" (114).

Se, como acabámos de ver, o testeraunho coevo, entendi-

do dentro de certos parâraetros de rigor, merece a Mabillon

maior confianga do que o testemunho posterior ao aconteciraen

to, o silêncio que rodeia um facto (mais tarde reclamado co-


mo autêntico ) na sua propria "contemporaneidade" suscita

-lhe uma reaccio semelhante. Na sua opiniio, deve ser tidaco

mo muito discutível a veracidade historica de um acontecimen

to, estribada em testemunhos que Ihe sio muito posteriores,de

que o seu proprio tempo não tenha deixado testemunho, apesar

de ter sempre de encarar-se a hipotese da perda desse teste-

munho e do seu (re) encontro tardio. Salvaguardada esta pos-

sibilidade de certo modo remota, entre o silêncio do proprio

tempo e a tardia defesa da veracidade do facto, Mabillon pa-

ter dúvidas. Ougano-lo "


nio
rece nac novanente :
[. J . . se de-

ve conflar demasiado naquelles factos sobre aue os escripto-

res rigorosamente contemporaneos, guardarara silencio; [. .]


. .

Se
[. .]. esses escriptores. ou os aue lhe succederan, no in-

tervallo de un até dois seculos, nada dizen a tal resreito. e

nio obstante isso un historiador nais noderno. sem se estri-

bar en testeraunho ou auctoridade alg-una. se atreve a asseve-

ra-los temerarianente, bera pequena conta se deve fazer delle

alias abririamos ampla estrada para errarmos, e para enganar

mos os outros" (115).


Sucede tambéra existirem várias narrativas, divergentes

entre si, sobre um mesrao facto, o que propicia uma situagio


dúbia e de interrogagio . Neste caso, torna-se necessário fu-

gir a "tentacão do número", que privilegia aquela que apresen

ta maior número de adeptos, para eleger um critério civexsoæ

apreciagio, baseado na probidade e na garantia intelectual do

autor: "Quando narrativas


as
variam, não nos devemos deixar

attrair pela consideragio do sim


nunero, mas pelo merito e
gravidade dos auctores; visto que rauitas vezes acontece que a

auctoridade de um auctor grave e sincero merece preferir- se

ao testemunho de cem de menos fé, porque estes se forara re-

petindo uns aos outros sera madura discussio e diligente exa-

me das cousas. . ." (116) 0 que está aqui em causa e, pois, mui

to claranente o problema da tradigio infundada, oue, conti -

nuamente alimentada e transnitida, recebe a chancela da ver-

dade, problena que assume particular acuidade con a prolife-

ragio de nilagres de santos, que, como acentua Mabillon, é

necessário submeter a uma crítica rigorosa.

Sio estes, en síntese, os pontos principais em que in-

cide a preocupagio de verdade e rigor do fundador da diplomá


tica francesa, que Herculano cita de modo circunstanciado nes

ta sua primeira carta. Esta insistência na citagao directa ,

anplanente utilizada neste seu opúsculo, en relagao não so

a Mabillon como aos outros autores, surge, a nosso ver, como

uraa "aposta" deliberada de Herculano. Este podia ter-se limi

tado a dar conta das grandes linhas orientadoras do pensamen

to de Mabillon, e assin defender a sua posigio, mas certamen

te a forga dos argumentos perder-se-ia, ao colocar-se Hercu-

lano como "voz interposta". Ao optar pela citagio ( afinal,


tamben uma das armas comumraente utilizadas pelos seus oponen

tes —
o recurso directo å autoridade ), Herculano como que

se retira enquanto objecto de condenagio e refutacio dosæus

adversários, cuja crítica recai assim directamente sobre os

homens da Igreja. Ao fazer do seu texto como que una longaci

tagio, torna evidente que a questio, em última análise, nio


lhe diz respeito, Como afirmara já no fira deste texto, "Em

these, a contenda dos que blasphemam contra a verdade, que

fazem a apologia (e que apologia, meu Deus! ) das tradigoesfa

bulosas, nio é comigo; é con os apostolos, con os sanctos,com

os historiadores do cathoiicisno, com os theologos, comtodos

aquelles, e com tudo aquillo a que nais importava å hypocri-

sia mentir acatamento nesta comedia beata" (117).

Mas opta tambem pela citacio porque os seus conteúdos

se adaptan de forma por demais evidente a "construgio" secu-

lar do milagre de Ourique e ao modo de f undanentagio que os

seus defensores utilizan; isto é, para Herculano as conside-

ragoes dos autores catolicos sobre o rigor que deve assistir

a historia mostrara, no seu conjunto, sen ser necessário ir

mais longe, que nem o milagre de Ourique tem consistencia co

rao acontecimento historico, nen a sua nanutengio cono tradi-

gio nacional apresenta qualquer pertinência. S a defesa en-

carnigada que dele é feita ten na sua base, alén de razoesde

natureza bem diversa, a total ignorância de regras oue -já no

século XVII eram tidas pela propria ortodoxia catolica como

essenciais para un trabalho historico rigoroso(l!8) .

Além de recorrer ao pioneiro da diplomática, Herculano

apela, entre outros, Fleury, padre escritor


para e
francê^au
tor da monumental Histoire ecclésiastique. cujos 20 volumes

foram publicados entre 1691 e 1^20 (119). Também ele se de-

brugou com lucidez sobre os problemas da crítica historica ,

com particular incidência no que respeita aos factos da Igre

ja. Consciente de que no domínio do sagrado a fronteiraentre


a crenga verdadeira e a credulidade é rauitas vezes imprecisa,

e ingénua ou deliberadamente ultrapassada, Fleury estabelece

a necessidade de uma clara delimitacio entre ambas, nio so

no interesse do rigor, mas do proprio catolicismo. Assin, nio

é por crer en todos os milagres indistintanente que o cris-

tio é raais piedoso; pelo contrário, seguindo neste ponto a

propria Sagrada Escritura, oue expressanente o recomenda, a-

"
firraa que [. .]. toda a ressoa dotada de bora juízo e
religio

sidade deve ser cautelosissiraa en acreditar factos sobrenatu

raes" (120). Fleury é taxativo: "A critica é, portanto, neces

saria. Sen deixar de respeitar as tradigoes, deve-se averiguar

quaes sao dignas de credito; deveno-lc fazer, ate ,


se nio que

remos desacatar as verdadeiras, conf undindo-as até com as

falsas. Sem que duvidenos da omnipotência de Deus, podenos e

devenos examinar se os nilagrec estão ber. provados, para lhe

nio levantarmos falso testenunho, attrlbuindo-lhe os oueelle

nio fez"(!2l).
Face ao eloquente testemunho de Fleury, Herculano colo

ca de novo, tal como fizera nos opúsculos anteriores, o pro-

blema da ignorância do clero, mas sob una perspectiva de al-

gum nodo diferente: o enfoque nio é agora o da ignorância que

gera efabulagoes historicas cor.o a de Ourique, nas que pres-

supoe o desconhecimento e propicia a adulteragao da propria

crenga catolica. É neste sentido que Herculano se


interroga
sobre quen é o verdadeirc ímpio e incredulo: aquele que tem

em conta os ensinanetos dos proprios sábios da Igreja, que

incitam a prudência na aceitagio de tradigoes e milaí?res mal


-fundados, ou aqueles que, aproveitando e explorando a cren-

iice, inculcan no povo a credulidade e a superstigio, afastai

do-se assim dos preceitos da verdadeira religião. Se no seu

opúsculo Eu e o Clerc Herculano justificava prioritarianente

a sua intervengao pela chanada a religiio de una questio es-

sencialmente historica, num inadraissíveĩ atentado a liberda-

de do historiador, na primeira carta dos Solennia Verba coio

ca o ne sno prcblena perspectivando-o num outro sentido .A acei

tagio e defesa do milagre de Ourique não é apenas errada e

condenável sob o pontc de vista historico; ao partir do sacer

docio, ela assune a seus olhos una feigão qualitativanerte


nais grave : porque, se essa crenga nio faz parte do dogna ca

tolico, se está en ccnpleta dissonância con critérios reconhe

cidar.ente válidos fornulados pelos honens doutos da Igreja,


entio deveria ser proscrita e nao fomentada pelo sacerdocio.

0 prcblema é, pois, colocado com clareza: se, apesar

de tudo, o clero persiste en defender algo está errado


que a

luz nio so do rigor historico nas, acima de tuco, do prescri

to pela coutrina da então mal é


Igreia, o mais profundo e

mais dramático, porque ten a ver com a ignorância e o afasta

mento da índole da religião, por parte dos seus raini stros.Daí


que nura texto que no seu
conjunto se apresenta com umatonica

grave e pausada, ainda que nio nenos contundente, Herculano

solte este vibrante arelo, oue recorda de raodo irresistível al

guns passos de A Voz do Profeta e a parte final de 0 Clero

Portuguez: "Mancebos, cujos coragoes generosos a


indignagio

pode desvairar! No meio destas saturnaes hediondas, quevedes


passar; no meio dos gritos descompostos da hypocrisia, que

emlriagada de colera deixa tombar dos hombros seu velho e



tio roto manto, e nua e vinolenta pragueja a verdade, atira

com a fé aos pés da politica, rasga as sacras paginas, maHiz

as cinzas dos sanctos, dos martyres, e dos sabios, nio vol-

teis, cheios de horror e de tedio, as costas ao Calvario.NÍo!

A philosophia, a honesta liberda.de do pensamento, bem vedes

que estio sanctif icadas no livro dos livros. 0 Christo foi o

o Deus da verdade . Se ao entrardes no tenplo ouvirdes dizer

que a nentira é sancta, oue c rovo so pode ser virtuoso se

crer em falsos nilagres, sahi, porque o tenplo está polluido

pela blasphenia e
pela calunia; nas nio renegueis da cruz. A

cruz está pura; a cruz será eterna. 3e esta gangrena aue cor

roe o sacerdocio chegasse, o que rão creio, a corronre-io in

teiranente; se não achassemos una ara, juncto da qua 1 orasse

mos em espiri to e verdade. a cruz lá está hasteada nos ceni-

terios, sobre os ossos de nossos paes, nos irmos


para abragar
com ella" (122) .

Como afirmános anteriorner.te é talvez neste texto que,

no conjunto da polémica sobre a Historia de Fortugal. mais æ

nos revela o ideário de Herculano. Em termos gene'ricos, pode


dizer-se que o discurso polémico favorece nuitas
e
enpola ve

zes o circunstancial e o inediato da discussic e traz para

prineiro plano a capacidade logica e o virtuosisno no aduzir

de argumentos. Por vezes, paradoxalmerte o essencial


, passa

para segundo plano, e a eficácia de resultados reside maisno

estilo do que proprianente na ideia defendida, como vimos su


ceder nas Cartas ao p£ Recreio. Ora, na primeira carta dos

Solennia Verba existe a nosso ver una feliz conjugagio entre

circunstância e "estrutura", entre a especificidade do texto

como pega da polénica e a sua importância como reflexo de

posigoes de princípio do seu autor.

A atitude que Herculano exrressa face ao que está en

jogo, ou seja, o problena do nilagre de Ourique na


duplapers

pectiva da crenga sincera e do aproveitanento clerical, reve

la alguns pontos fundanentais do seu pensanento. Sm prineiro

lugar, a priraeira carta dos Solennia Verba ten grande impor-

tância para conpreender a sua posigão perante o clerc en Por

tugal, que considera encontrar-se num moraento de profunda de

cadência, da qual a atitude toraada en relagio å ouestio do

milagre de Ourique e
paradigma. A seu ver, a atitude do cle-

ro releva de dois pontos essenciais un lado, intole


por a

rancia na acusacio de heresia e inpiedade que lancou do púl-


pito, e, por outro, a ignorância traduzida no desconhecimen-

to dos preceitos que a propria Igreja estabelece se che


para

gar å verdaae dos factos. Neste ponto, os Solennia Verba sao

a continuacão logica do anti-clericalisno manifestado


por

Herculano nesta polénica, desde o seu prineiro op.úsculo, e a

reafirraagio da convicgio da justeza da dura crítica a classe

sacerdotal no seu
conjunto.
Mas pode dizer-se que este opúsculo traduz, acina de tu

do, a sua perplexidade e anargura perante a sinceridade daque


les que crêen em
Ourique. Ê que, a par da sua utilizacão co-

mo "bandeira" ideologica, a de
crenga no milagre Ouricue man
tém vitalidade, de que e prova evidente a posigio de Magges-

si Tavares, a quen esta carta é dirigida. A perplexidade e a

resultam justamente do representaa


amargura de Herculano que

manutengio, em meados de ura século cue assiste a un decisivo

avango da ciência historica, de una crenga cuja inviabilida-

de está amplamente demonstrada. Ê clara en Herculano a cons-

ciência do desajuste entre o avango que a ciência historica

regista na Europa e o seu estado em Porfugal, que permiteain

da a existência de un debate como o de Ourique.

Para aqueles que viam no milagre de Ourique o símbolo

por excelência do amor da pátria e do seu passado, da inter-

vengio divina na sua constituigio política, Herculano surgia

como o "iconoclasta", o destruidor das origens da historia

nacional. A exclusio do milagre de Ourique da Historia deBcr-

tugal, natural num estudo historico, assume para os adversá-

rios de Herculano foros de "heresia" historica, patriotica e

até religiosa porque, como facto priraeiro da histôria pátria,

representava a mão de Deus na criagio política da nagio. Her

culano pretende mostrar que a sua concepgão de historia é a-

nimada, afinal, de valores idênticos, do amor do passado e

das tradigoes da pátria, mas entendidos e formulados de modo

radicalmente distinto. A verdadeira historia, tal como trans

parece deste opúsculo, passa, para Herculano, pela deraarca -

gio da fronteira essencial entre crenga e credulidade. Por

isso ele raostra o seu patriotisrao e o seu araor pelo passado,

mas distingue as tradicoes verdadeiras das tradigoes absuidas

e infundadas, nas quais inclui a tradicio de Ourique.


Torna-se aqui necessario sublinhar que Herculano aoloca

a sua atitude era relagao a Ourique a par de, corao ele diz,

"outras lendas analogas" (123), que povoavara a historia na-

cional. Esta deliberada generalizaeio, com a consequente "ba

nalizagio" de Ourique, pretende mostrar que a sua posigionio

é una questio pontual que diga respeito apenas a re^eicio do

mito naior da nacionalidade . A sua rejeigio insere-se, pelo

contrário, na reflexão do que é a historia como leitura do

passado, com base no rigor da pesquisa docunental, nos ins -

trumentos que perniten a elucidagio de nonentos e zonas de

sombra, na procura da cientif icidade rossível no estudo dos

factos humanos do passado.

0 verdadeiro significado dessa exclusic r*-side nainpos

sibilidade da sua marutengao no ânbito da índole da pesouisa

historica entendida como processo de rigor, na procura das

verdadeiras tradigôes e verdadeiras origens da pátria. Por

isso, significativanente, no seu discurso ele nivela Ourique


as outras "lendas analogas", "nilagres absurdos" e "narrati-

vas inf undadas" : todos eles fazem de


porque parte uraa deter-

ninada leitura e abordagera do passado nio cabera


que nuna nar

rativa historica, tal como Herculano a entende E


e a pratica.
_*

a sua grande magca, no que respeita particularnente a estapo

lémica, talvez nai s funda do que a in justif icada —


mas deær

to modo previsivel sanha clerical, reside constatacio


na

da incapacidade de avaliagio daquilo que de verdadeiramente

importante trouxe a ::istoria de lortugal.


Solennia Verba (Carta segunda)

Corao tiveraos ocasiio de verificar, o factor que desen-

cadeia a intervengão de Herculano na polénica a proposito do

nilagre de Ourioue, en fungão do nodo cono o colocara no pri

neiro volune da Historia de Portugal, nio e o problena espe-

cífico dc nilagre nas o aproveitanento clerical que dele é

feito. Deste facto sio prova os seus dois prineiros textos ,

Eu e o Clero e as Consideraqoes pacificas, dirigidas cono vi

raos, ao redactor de A Napio, e tarabén, a seu modo, a cartaao

p£ Recreio. Através da analise que efectuános destes textos,

torna-se evidente que o rroblena nuclear para Herculano pas-

sa essencialmente pela questio da reacgão religiosa, peio en

durecinento dos círculos políticos e sociais nais conservado

res e reaccionários, pela secuiar incultura da classe sacer-

dotal no seu conjunto. Deste raodo, os dois prineiros opúscu-


los funcionan cono a denúncia enérgica de una situagao de cri

se que atingia o ânago da sociedade liberal, o prineiro, de

carácter nais panfletario e ene'rgico, o segundo de tora raai s

calrao nas de reafirnagão do raesno pensamento.

Nao é difícil explicar a pouca iraportância que a aues-

tio de Ourique —
afinal o problema concreto que desencadea-

ra a polenica —

assune para Herculano: por un lado, como

questio de incidência historica, o milagre de Ourique era al

go que para ele estava def initivanente encerrado; por outro

lado, e corao decorrência logica deste facto, o retomar da sua

discussio, nos termos em que fora efectuada, so podia justi-

ficar-se como pretexto para um ataque cujo alcance ultrapas-


sava claranente a esfera da historia, para se situar no âmbi

to da questao clerical que agitava o meado do século XIX. Fo

ra cono denúncia desse facto que primordialraente Herculano æ

decidira a entrar na pole'nica, e fora tarabén en fungão dela

que orientara os parâmetros da sua intervengio.

Paradoxalnente —

ou talvez não —
é sobre o problema

do nilagre de Ourioue na sua vertente historica que Hercula-

no elabora aquela cue é talvez, a par de Eu e o Clero, enbo-

ra por notivos diferentes, a sua intervengão mais importante

na polémica: o conjunto das duas cartas que dirige aMaggessi

Tavares. Se en Su e o Clero Herculano referira como una das

razoes do silêncio que observara até entio a inevitável est£

rilidade de un debate sobre o nilagre de Ourique cono ques-

tao historica, nos Solennia ^erba, pelo contrario, ele vai

fornar-se o núcieo ^undanental da sua reflexão.

Hio pornue entretanto a sua leitura do problena se ti-

vesse alterado, cu tivesse surgido a seus olhos cora outraper

tinência. A nosso ver, c que se passa e que 'Hercularo ferá

relativizado o ^ulganento que a princípio fizera das verdadei

ras razoes da polenica, que atribuíra de nodo exclusivo a un

aprovt itaneuto polí tico-clerical .


Espírito sensível å since-

ridade da crenga, Hercularo apercebe-ce de que existe clara-

mente uraa dualidade de espagos ideologieos r.a polenica sobre

Ourique. E se en relagio ao problena tonado cono bandeira do

ataque clerical ele se revela o polenista terrível e implaca

vel, en relagio åqueles que defenden o milagre de Ourique co

mo raanifê:,tagão de una crenga profunda, a sua atitude é com-


ir<

pletanente distinta. Porque, se a crenga é profunda e séria,


fazendo parte de un aparelho vivencial e actuante, é forgoso

oue o seja tambem a argumentagio en contrarlo. Desta sua ati

tude é justaneute paradigma a troca de correspondência con

Maggessi Tavares, cu~a prineira carta anteriornente analisá-

nos .

Nela, segundo julgamos ter evidenciado, Kerculano colo

ca, a proposito de Ourique, ccrao grande questio a impossibi-

lidade da sua aceitagão como facto historico, tendo em conta

a fronteira de riror na deterninacio crítica dos factos his-

toricos que autores catolicos de renone estabeleceram. Trata

-se, em suma, da enunciacic de criterios anplanente aceites

que Herculano sublinha com insistencia não ser necessário ul

trapassar para ficar comprovada a inviabilidade da defesa da

aparigão.
A "Carta Segunda" dos Sclennia Verba, datada de 6 deîfc

vembro de 1850, dá sequência ao projecto apresentado na car-

ta anterior, prolongando a questio centrada nc problema de

Ourique. Nesta, Kerculano reafirma que, na sua dupla verten-


te da bataiha e do milagre, o modo como esse prcblema foraco

locado na Historia de Portugal releva da procura da verdade

que a investigacio historica implica e a que o perf il pessoal

obriga. Sublinha ainda que esse era o único nodo en que lhe

parecera possível colocá-ĩo. Ao debrugar-se sobre o reinado

do primeiro rei, deparava-se con a evidência historica da

batalha de Ouricue; corao tal, era forgoso inseri-la no corpo

da sua narrativa, reduzindo-a enbora as proporcoes a os


que
docunentos sobre ela existentes conduziam, Esta atitude era

a única possível, una vez que decorria do rigor da interpre-

tagão dos dados disroníveis sobre a batalha (124).

Quanto å aparigio, problema que de antenio sabia sermeis

delicado, Herculano afirma ter dito


"[...] apenas o restric-

tamente necessario para o lei tor vulgar conhecer oue eu nao

a adnittia" (125). Com isto, pretende o historiador reafir-

nar que, ao contrário do que Ibe era geralmente assacado pe-

ios adversários nais radicais, nao existiara nessa atitude qu£

quer intuito religioso, pois o plano en que se movimentava e

ra outro. Hcrculano acentua que, bera pelo contrário, eapesar

de lhe ser extrenanente facil transfornar o problema num "es

candalo historico" (116) ( retomando aqui un dos argumentos


oue ;já utilizara no opusculo Eu e o Clero ), o evitara deli-

beradanente, renetendc todo o problema para a discrigio das

notys.

É o caso flagrante do pretenso instrumento da ararigio,


c "juramento" de D. Afonso Herriques existente no cartoriode

Alcobaga, cuja fragilidade podia ter explorado, raas a que se

referira apenas en nota: "Se eu fosse o


inpio, o
atheu, e

não sei que mais, que por ahi me chaman os padres ignorantes
e nal procedidos, nio tiraria vantagem dessa falsificagio in

signe, para mostrar como a hypocrisia costuma fazer joguete


das cousas do para fins
ceu terrenos?" (127) Tentara, pois,
encontrar um ponfo de equilíbrio entre a explanacio da verda

de e a contengão voĩuntária em virtude de se tratar de uma

questao melindrosa. Mas uma ccisa era a


discrigio, e oevitar
115

tanto quanto possível, de uma polémica estéril, outra, como

historicos Ihe surgiam


ele diz, e perante testemunhos que co

mo irrefutáveis, "[•••] ^entir a ninha consciencia, levantar

um testemunho a Deus, pospor as doutrinas dos honens nais

pios e eruditos do orbe catholico, que falaram de criticahis

torica [...]" (128).

É este o priraeiro núcleo tenático da "Carta Segunda"

dos Soiennia Verba: o sublinhar de que a questio de Ourique

fora colocada con a naturalidaie que a sua propria transparen

cia cono facto historico implicava, mas com uma simultânea

discrigio, para nio ferir almas nais sensíveis ou proporcio-

nar una polénica queo prorric assuntc nio merecia. 0 que Her

culano não podia era deixar de corresponder âs exigencias que

a historia Ihe impunha e que, no caso de Ourique, eram muito

claras: a redugio ca lendária nagnitude da batalha a unrecon

tro de reduzidas dimensoes e o deslocar da "verídica" apari-

gao de Cristc a Afonso Henriques, com a explícita sangao di-

vina ao coraego político da nagac, para o campo das lendas in

f undadas.

Nesta segunda carta a Maggessi Tavares, Herculano nio

se detera nas grandes questoes de princípios para fundaraentar

a inviabilidade do milagre, conc fora o caso da sua carta an

terior; descendo ao concreto, discute cora o seu opositor al-

gumas das objecgoes que este lhe fizera, e rebate a perfinên


cia dos testemunhos que Maggessi Tavares mantivera corao auto

ridades en favor da veracidade da aparigio.


Na celebre nota XVI que no fira do priraeiro volume da
1

Historia de Portugal dedica â batalha de Ourique, ao referir

a lenda da aparigio, Herculano renete, entre outros, para o

estudo aue o erudito Frei Joaquim de Santo Agostinho tinhade

dicado, em 1793, ao "juramento" de D. Afonso Henriques, en

que provava a falsidade deste documento (129). No m-smo estu

do, incluído na Menoria sobre os codices nanuscritos, e car-

torio do real raosteiro de Alcobaqa, ao mesno tempo que demons

trava a apocrifia do documento, Frei Joaquin de Santo Agosti

nho asseverava a sua crenga pessoal na veracidade da apari^io

(130). Socorrendo-se desta "profissio de fé" do erudito agos

tinho, a que se refere com bastante relevo no primeiro dos

seus opúsculos (n), Maggessi Tavares considerava ser "con-

traproducente", nas suas proprias palavras, p facto de Kercu

lano chamar a autoridade daquele clérigo para comprovar aûai

de. Para ele, con efeito, 0 facto de 0 juramento ser apocri-

fo en nada invalidava que a tradigio do railagre existisse e

correspondesse a um facto historicamente comprovado, tal co-

mo 0 agostinho concedia.

Na sua perspectiva, da falsidade do documento niodevia

(nem podia) deduzir-se a falsidade do facto de que aquele pre


_f

tendia ser a legitimagio; pelo contrario, a sua existência —

ainda que forjada —

confirmava a existencia da tradigio,

E, como já tivemos ocasiio de referir, para Maggessi Tavares

a relagio entre o mila^re e a tradigio de Ourique é de certo

modo "circular": 0 facto é verídico e a atestá-lo existe uraa

tradigio que nele teve origera; esta, por sua vez, funcionaco

mo legitimagio da veracidade do acontecimento a aue corres -


ponde. Aliás, o peso da tradigio para sublinhar a veracidade

do facto é uma constante naqueles que defendem a historicida

de da aparigio, como transparece também das palavras de Frei

Joaquim de Santo Agostinho: "Julgo [•••"] que temos todas as

provas para affirnar com muita probabilidade, que existio Do

cumento; e para affirnar com certeza, que existio Tradigio,e


em consequencia o Facto" (132).

Por seu turno, Herculano afirma que não era para a es-

fera da crenca íntina de Frei Joaquin de Santo Agostinho que

remetia os leitores, nas sim para a analise crítica que ele

fizera do docunento en questio ( apresentado corao a prcva má

xima da autenticidaie da aparicao ), e essa era a ini-


prova

ludível da falsidade do docunento. Hercuiano adianta, inclu-

sivé, una hipotese de exrlicagao para a dúplice atitude do a

gostinho, que tinha a ver con a atno sf era nental do tenpo e

com o proprio vínculo ideologico que Ourique sinbolizava: "0

que se vê de tudo aquillo é que robre


o
frade, conhecendo o

risco de nostrar o -iue era e o oue valia ridiculo


o thesouro

dos nonges d 'Alcobaga, ouiz ao menos salvar-se protestando pe


la pureza da sua milagre de
crenga no
Ourique. Talvez se eu

vivesse entio fizesse o


mesmo, em attengio å circumstancia qu?

nos recorda Gmeiner: "onde vigorou o terrivel tribunal dain-

ouislcao, a ^o^ueira estava rronrta rara a verdade" (134).


Por outro lado, V.aggessi Tavares considerava ainda que

a posigio de Herculano pecava por incoerência: se para negar

Ourique o historiador se baseava na inexistência de documen-

tos coevos e de confianga que atestassem o


sucesso, parecia-
-lhe necessário encontrar as provas palpáveis do estabeleci-

mento da fraude (134). A isto contrapoe Herculano a enuncia-

síntese, dos argunentos validos para a leitura críti


cão, en

Maggessi TavaresJ negando tradi


"
ca do facto: [para eu que a

cão de Ourioue remonte aos tenpos a que se refere, devodizer

quanio, cono e
para que a for^aram. Onde existe similhante ca

non de critica historica4? 0 que eu sei I que ella conegou a

apparecer no ultimo quartel do seculo XV, nais de trezentosan

nos depois da épccha en que se diz succedido o nilagre; o

aue eu sei é cue nenhuns escriptos, nen en nenhun documento

legitino, coevo ou ouasi coevo, ha o nenor vestigio de sini-

Ihar.te tradicio: o que eu sei ê que os escriptores nodernos

que a publicaran nio se referen a testenunho algum contenpo-

raneo ou proxino; o que eu sei, portanto, e que as regras de

critica adoptadas por honens nio nenos pios que sabios me o-

brigan a rejeital-a" . S acrescenta, con una ina.ren cheia de

sabor: "Diga-ne V. S^: se un devedor seu Ihe pretendesse pa-

gar una certa ouantia en noeda falsa, V. S^, depois de exami

nar e convencer-se da sua faisidade, o oue fazia? Pelos prin

cipios por que pr^tende julgar-me, devia reconhecel-a porboa


e acceital-a, en quanto nao podesse nostrar quando, cono, por

quen e para que fora forjada. NÍo vê V. S^ oue una tal regra

de critica nos obrigaria a adoptar como verdadeiras até as

lendas indicas de Vishnu e de Brama?" (135)


Outro argumento de Maggessi Tavares era o da necessála

veracidade de una tradigao nacional multissecular; ele


para

não era crível que una tradigio como a de Ourique, tradigio


nacional secularmerte transmitida e aceite, não correspondes

se a un facto verídico, até porque tal sigr.if icava, en últi-

anáiise, subestinar da "bca fé


na o
[", .]
.
critica, intelligen

cia, honra, e atl anor proprio" (136) dos nossos naiores, que

a veicularan e tiveran por verdadeira. Fassando novanente so

bre a obvia fragilidade de tal argunento, Herculano chama a

atergi: para a inpossibilidade da sua nanutencio i'ace ac ri-

gor nece ssário ao conhecinento do passadc, para a urgencia—



afe pelo ridículo —

en nio deixar que o sentinento patrio

tico í ou a ir.terpre tagio nuito particular de que é portador

Haggessi Tavares ) obnubile a exigencia da verdade, para afrm

teira entre a realidade e a lenda no conhecinentc da histána

pátria. Porque ( ao contrario daquilo oue pensa o seu orosi-

tor e, de un nodo nai s geral, os defersores da veracidade do

nilagre ), o facto de una crenga estar nais profundanente ar

rei.rada, ser largamente aceite e tê-lo sido por longo tenpo,


fazendo rarte integrante do imaginário (polífico, neste ca-

so) nacional, como é o caso de Ourique, nio é critério váli-


do para aferir da sua pertinência facto
como
historico; tal

cono não é a passagen do tenpo que a "santifica" ou leritina,


como está claranente inplícito no pensanento de -laggessi Ta-

vares. Por isso, de modo lapidar, Kerculano afirna: "Deus nos

livre de pensar que una fabula oue se gereralisa, se conver-

te por isso en verdaoe" (137).


Sendo î.'aggessi Tavares ferveroso crente
un na aparigio
de Cristo a D. Afonso Henriques, vai, no
entanto, ultrapa^r
a questio da veracidade do nilagre para se centrar particiilar
da ^uncionalidade 3e
mente no problema da tradigio e sua . no

seu primeiro opúsculo ela estava naturalnente implíclta na a

firnacão da crenga en Ourique, e na leitura oue dela ê feita,

na sua segunda intervengio a defesa da tradieio como corpori

zagão da nencria colectiva sobrepoe-se ao prorrio nilagre cc

mo facto historico. A questio essencial passa a ser, a seus

olhos, para ia da historicidade do nilarre, a necessidade da

conservagio de una tradigio que se nostrou, ao longo dos sé-

culos, historicanente actuante, ideologicanente justif icati-

va, quotidianamente presente.

A Nova ĩnsistencia pela conservacao e utilida.de datra-

diccjo d'Quri^ue c o texto e~ -;ue 'îaggessi Tavares defer.de a

tradicão de Ourioue e a sua funcionalidade social e


política
secular, cono naterializacio de una crenga cuja ausencia so

pode gerar o cepticisno e a dissoĩvência noraĩ e poiítica. A

questao desloca-se da verdade para a utilidade de uma cren-

ga oue representa a coesao e identidade nacionais, a prorria

verosimiihanga política do país ( legitinidade da separacao

de Leio, argunento en que "aggessi Tavares se nostra en con-

sonância con José Diogo da Fonseca Pereira, autor do segundo

opúsculo da polenica surgido em 1847 (138))^ a especial rrotecgao


divina å pátria. Ainda que nio corre spondesse a un facto ve-

rídico, a tradigão era actuante porque tinha a legitiná-la u

ma crenga secular, chave da explica^ao da prcpria nacionali-


dade .

É justanente o problema da f uncionalidade do nilagre,


"[...] a conveniencia
[para Haggessi Tavares] de nio desillu
1

dir o povo acerca das suas tradigoes nentirosas" (l79), nas

palavras de Herculano, que proporciona algunas das páginas


nais penetranfes da sua intervencio na polénica. A questãodo

milagre de Ourique leva-o, na sequência aliás da primeira car

ta dos Solerania Verba, a explanar a sua posigio relativamen-

te as incidências de carácter religioso que esta mistificagao

comporta: o problema do falso testemunho a Deus, numacirecta


e explícita filiagio no pensamento de S. Paulo, a que várias

vezes se ref ere : "Anenos e respeitenos a tradigio divina, e

tenhanos esforco bastante para repellir mentiras, sobre tudo

quando, segundo as palavras do apostolo, ellas involvem um

falso testemunho contra Deus" (140). Novanente é clara a im-

portância que para ele assume a fronteira entre crenga e cre

dulidade, entre a dignidade suprema do cristianisno e a lei-

tura deturpada que e feita da religiio de Cristo. Has unauez

que se trata de un "nilagre político", a questão alarga-se e

torna-se nais conplexa, visto que implica un aproveitanento

polítco do sentimento religioso, por natureza receptivo a

intervengio do sobrenatural; consfitui, portanto, a


nanipula
gão da crenga pelo interesse político e pelo aproveitanento
do sentimento patriotico. Tentar fazer da religiio un instru

mento político e da política un ralco de possibilidades ope-


ratorias da religiio r-pugna prof urdan, nte a
Kercularo, cono

cristio e cono cidadio enrenhado.

Este facto supoe nao so na sua perspectiva,


, una prof un
da ignorância caouilo oue e a r-ligião, por un
lado, e daoui

lo aue e a política e a historia por outro. Nun ponfo —


e num
ponto apenas

religiio e política se cruzan ( ou deven cru

zar-se ) : na consagraqao da liberdade. É conhecido o estrei

to elo oue en Herculano une cristianismo e liberdade: o ho-

men sc é verdadeiranente livre na sua crenga se segue a es-

sencia da sua nensagen, porque a religiio é liberdade, e es-

ta deriva do Evargelho (141). Por isso afirna: "Para o povo

ser livre, é necessaric que seja religioso e honesto;nio que

seia credulo" (142), Na esfera da polifica e da historia o

problena coloca-se de nodc senelhante: nio é a cr dulidade (re

ligiosa ou "civil" ), fonentada con fins utilitarios mas o

conhecinento do verdadeiro passado e das suas legítimas tra-

digoee que fazen do cidadão un honen livre (143).


A insistência de Maggessi Tavares na conservaqio datra

dicac de Ourique pela sua utilidate social e política e


pois
considerada absurda e
irexequível por Herculano. Alén de re-

presentar un falso testenunho a Deus, inserindo-se nuna pers

pecti"a utilitária da religiio crista, ela en nada contribui

paraa tloria nacional, ao contrário do que pensa Maggessi Ta

vares, no ânbito de una leitura muito específica da historia

patria. Para este, corao de modo exuberante se revela na Nova

ĩnsistencia. a crenga no railagre a na tradigio de Ourique é

o fac^or prineiro de idertidade nacional oue


imprime fulgor
ao sentimento patriotico e funcionou ao longo de séculoscono

impulsionador da gloria pátria e dos feitos heroicos dos por

tugueses. Sn suraa, corporiza o patriotisno e o sentinento na

cional. Para ele, a aceitacio da tradigao continua a ser ú-

til porque é operatoria; e cono tal, nun seculo en oue o cep


ticisno se perfila cono elenento maior de corrosio dos valo-

res, e necessário nantê-la: ainda que não correspondesse a un

facto verídico, a tradigao e verdadeira —


una vez oue se

"historicizou" atraves de una virencia secular.

i'ada mais antagonico com o rensanento de Herculano, pa

ra quen os valores fundanentais do cristianismo, c.o amor da

pátria e da historia nio poden fundanentar-se en tradicoes

e nilagres inventados. Utilizando a logica ce Maggessi Tava-

res, no que se refere a utilidade da nanutengão de tradicoes

in^undadas, pelc seu valor anínico e pelo efeito notivadorde

aue se revesten rara os feitos heroicos de una na^Ío, Herou-

lano pergunta qual foi o resuĩtado dessa nanutencio para os

árabes, una vez oue foi o islamisno a crenga oue nais profun

danente se estribou en falsas lendas e nilagres "conducentes

a instirar o ator da guerra, o enthusiasno das nultidoes cre

dulas" (144). Feitas as conquistas, as nagoes nuculnanas de-

caíran e pulverizaran-se . "As tradicoes das victorias, as ma

ravilhas celestes dos tenpos heroicos do Islan, lá estio gra

vadas na memoria de todos. Porque rio salvan, nio regeneran

ellas essas sociedades atrophiadas e noribundas?" (1-5)


Buscando o exenrlo nacional, Herculano refere os dcis

momentos caritais de lT87-85 e de 1580, oue sio vi


o
exenplo
vo ( para quem ^ele precisa ) do absurdo de una crerga se-ie-

lhante. l78T-85 representa a decisiva afirnaqão da raciorali

dade faoe ao donínio estrangeiro, 1580 a perda da iniep.ndên-

cia face ao poderio espanhol. Entre anbos os eventos, o nila

gre de Ourique erige-se lentanente cono o facto naior da h~" ^


toria nacional. E, todavia, sen o estínulo do nilagre, a inde

pendência nacionaĩ nanteve-se en Trezentos, ao contrario de

1580 en que, existindo já a tradicae ~.o nilagre, a indepen -

dencia pereceu. Onde estará, entao, a funcac social e


polítp^
ca de tradicoes inventadas? Para T-:erouIaro, "Estes dois rhe-

nonenos, oue deterninan duas épochas principaes da nossa


hi_s
toria
[. .] . oac a neracio nais solenne da utlidade dos embus

tes rcligiosos, cu para nelhor dizer, anti-religiosos [...]"


(146)

^as o patriotisno entendido are.nas cono antononásia da

glorificagao da patria pela procura dos exenpla, nio se ali-

nenta arenas de tradicoes ir=f undadas. Herculanc sublinha oue

a propria realidade historica é tornada fabula quando relafal

sanente se ccrporiza a gloria nacional. Tonando a historiara

sua faceta de ^uízo noral —

perspectlva que nele está sen-

pre preserte (14^) —

. é acui oue nuifo claranente Kerculano

nostra o seu decanor pela pclítica o pansionista e guerrei-

ra, nate'ria de eleiqao do inagir.aríc ratrioti co, e


que, para

ele, con tcdo o ~eu cortejo de horreres de nisérias e de "es

quecinento" da pr.c'pria pátria, r.ao pode ser


exenplo de nori-

geragac para c povo. ::ercu!ano retona neste rcnto un cos vec

tores essenciais da leitura fau da


que historia, err. oue a e-

poca noderna narca o início irreversível da decadência, face


1 r * - •

a Idad e i'edia: "De historias d'aggressoes e de bri


conquistas
lhantes nio se deduz a necessidade de norrer obscuranente pe

la defeza da terra patria; nao se dedus a moderagao rcvesti-

da de firmeza, oue faz respeitar pelas grandes as nacôes pe-


quenas; nio se deduzen nem o anor do trabalho, nen o anor da

virtude. E en vez de contaren ao povo as faganhas da Africa

e do Oriente, conten-lhe qual era, en tenpo de Fernando I, o

connercio de lisboa, e o novinento agricola do paiz no secu-

lo XIV. Esteian certos de que a noticia desses e de outrcsfac

tos analogos Ihe é nais proveitosa, material e noralnente ,


do

que recordar-lhe a gĩoria de batalhas e de conquistas" (148).

A historia étanbén ar.cr da pátria; nao pelo enbuste, nas pe-

la procura das suas verdadeiras tradieoes, tal cono o patrio

tisno nao é o anor vio da gloria ou do feito efénero, da di_s


solugao da identidade e dos valores prinitivos da nagao, mas

a busca incessante dessas genuínas tradicoes oue rara Hercu-

lano são pervertidas e se esgotan con o c stabelecinento do

absolutisno e o início da Expansio. E assin, o desfazer de

fábulas nio e cair no


certicisno, ccno tene V.agressi Tavares,
nas un passo necessário para o conhecinento das raízes dana

gac e das suas veras tradigoes, ao oual so pode che~ar-se a-

través da
"[_•.«) ncrigeragio, trabalho, sciencia" (149).
A historia cono prccesso de intelirencia do passaco de

ve, pois, partir do estabelecinento rigoroso das "reseestae"

e nio pcde constituir una glorificacio insersata da pátria å


qual a propria verdade historica é sacrificada. Ê absurdo,por

tanto, pensar a histcria cono discurso utilitário, surorte de

tradigoes infundadas. Alen de que, ccno tanbén sublinha Her-

culano, cs "nilagres nilitares", corao é o caso de Ourioue,

repugnam particularnente a sua consciência de cristio.

Para la destas consideracôes de carácter nais Her


ooutrirai,
culano analisa, naquela que podemos considerar a segunda par

te do seu opúsculo, a origem da tradicio do miiagre de Ouri-

oue. Não nega a constância da tradicão que, cono já vinos, é

un dos argunentos-chave dos defensores do nilagre; o que ele

nega 6 aue ela seja coeva do acontecinento, o que torna mais

de veicular un facto historico


flagrante a irapossibilidade ,

sendo portanto relevante estabelecer o nomento em que essa

crenga tomou corpo.

Para Herculano apenas um facto surge como indiscutível:

1485 e a data conhecida mais recuada de um testenunho explí-


cito sobre o nilagre de Ourique: "Partanos de un facto. Opri

neiro testenunho sobre a existência da tradigão de Ourique,

preciso, incontroverso, e o de Vasco Fernandes de Lucena en

1485: tudo o nais sio chronicas que se perderam, vestigios qie

se atagaran, obras que ninguen conhece" (150). Trata-se da

oracio de obediencia de Vasco Fernandes de Lucena, enviado ie

D. JoÍo II, ao Fapa Inocêncio VIII (151). Veremos adiante co

mo, segundo dados relativanente recentes, pode hoje fazer-se

recuar esta data de finais do seculo XV para o início dc nec

mo século. De quaiquer modo, a questio levantada por Hercula

no nantém total pertinencia: historicanente tem de partir-se

do facto de que o prineiro testenunho dista de seculos do

"acontecinento" em que se diz ter origem.

A questao do silêncio multissecular que rodeia o


suce^s

so é aliás nesta "Carta Segunda" um dos pontos em que Hercu-

lano nais insiste, ao contrário da primeira carta, oue vimos

incidir particularnc;nte no rroblema do rigor r.o estabelecinen


to dos factos historicos en geral. Trata-se, a nossc ver, de

uma tentativa de adequagao, por parte de Kerculano, å leitu-

ra que Maggessi Tavares faz do milagre de Ourique, para mos-

trar a sua inconsistência. Se o nilagre e a tradiqic oue de-

le resulta assunen a imrortância que Maggessi Tavares Ihes

dá, é no nínimo estranho que so en 1485 ele surja expiicita-

nente; porque, a existir antes, teria sido quase obrigatoria

nente invocado en circunstâncias ben dranáticas da histcria

nacional, como é o caso da crise de 1383-85. Nem neste momen

to único da historia portuguesa, em que tudo se conjugaria

para a sua invocagão —


acaso existisse a tradieão —
ele foi

utilizado. E porquê? Sinplesmente porque nic fora ainda in -

ventado.

0 silêncio que antes de 1185 rodeia o facto, é assim,

para Herculano, prova evidente, talvez a mais gritante, da

inexistência mais ou menos coeva da tradigio; ben pelo con-

trário, mostra que se trata de uma tradigio construída a par

tir de meados do século XV, oue virá a encontrar a definiti-

va consagragio e fixagio com a historiografia alcobacense. A

tradicio do milagre de Ourique so se torna constante apartir


dos finais do século XV; o descontínuo —

nunca assunido pe-

los seus defensores —


entre o "facto" e a primeira referên-

cia em forma que Ihe é feita é aue se torna signif icativo pa

ra Herculanc.

0 primeiro testemunho inequívoco ele


que considera é,
como dissemos, o de Vasco Fernandes de Lucena, em 1485. Ê ho

je possívei fazer recuar esta data até ao início úo séculoX^


1957, Lindley Cir.tra rublica
mais precisamente até 1416. Em

trabalho (152) en que sublinha a inrortânciada


um iraportante

descoberta da Cronica dos Sete primeiros Reis de Portugal, ou

Cronica de 1419 (15"0 ( tanbén assin chanada por ter sido re

digida a partir desta data ), una vez que pernitia fazer re-

cuar de 1505, data da Cronica d' SI Rel D. Afonso Henrioues

de Duarte Galvão, para l^l?, a data da nais antiga narracio

en forma do milagre.

Como se verifica, estranhaner.t^, Liniley Cintra consi-

dera que antes da descoberta e


publicaeao da Cror.ica de 1419,

o relato nais antigc do nilagre era o oue surgia na Cronica

d'El Rei D. Afonso Her.riques, de Duarte Galvio, de 1505; ig-

nora pois a sua existencia no texto da oragio de obediercia

de Vasco Fernandes de Lucena ( que aliás confunde com o Vas-

co de Lucena da Corte de Borgcnha ): "[...] ate ter sido da-

do a conhecer este inportantí ssino texto, o relato de data

nais recuada en que se encontrava o "nilagre" rarrado por ex

tenso era o de Duarte Galvão [...]" (154). Cono explicar o

facto, se o proprio Cintra conhece a oragio de lucera, e a

ela se refere? En nota de rodaré do nesno trabalho, Cintra a

firna que "0 proprio Vasoo de Lucera se referiu a Ourique no

discurso que en 1485 pronunciou en Rona perante o papa Ino-

cêncio VIII; nio aludiu no entanto a lenda da ararigao. Pode

ver-se o trecho que intnressa da sua oracao en Ar.tonio de

Vasconcelos, 0 escudo nacionai rorturuês, na revista lusi tâ-

nia, I, 1924, p. 175 ou en A. 3. da Costa Veiga, Sstudos de

Historia "ilitar, I, parte 2?, pgs. 240-241" (155).


129

A explicacio plausível para o desconhecinerto de que na

referencia de Lucena a Ourique existia a narragão do milagre

resicirá ro facto de ele prorrio ter consultado a citagão da

oragio que e feita tor Costa Veiga ou ror Antonio de Vascon-

celos nos textos por ele indicados. Ora tanto a citagão de

Costa Veiga cono a de Antonio de Vasccncelos nio sio inte-

grais, ir.terronpendo-se justanente no nomento en oue vai ser

referido o milagre, talvez porque o interesse de ambos pelo

problena de Ourique incidisse explicitanente na batalha e nas

arnas portuguesas, e sô narginalnente no nilagre (156).


Já nos anos setenta, Aires Augusto do Nascinento dá

conta da existência de un manuscrito latino-nedieval intitula

do De ministerio Arnprun (157), datado de 1116, que irclui u

na referência exrlíeita ao nilagre de Ourioue. 0 apareciraen-


+
o deste texto faz portanto recuar em tres anos a prineirare
ferencia aararigão, en relagio a estabelecida anteriorn^nte

na Cronica de 111'--.

Sublinhe-se que o ponto actual da situacac, en nada

invalida a re^tinlncia da argunentagic de Herculano: o hiato

entre "facto" e tradicio nante'n-se signif icativo, o silêncio

pesado de séculos, para poder aceitar-se a "inul trapassável"


tese da constância da tradigao escrita e oral sus:entada pe-

los defensores da veracidade do nilagre.

Cono ik dissenos, Herculano vai responder nesta "Carta

Segunda" a algunas das ob^ecgoes e a alguns testenunhos que

Maggessi Tavares nantem como autoridades en favor de Ourique.


0 historiador denonstrara em Su e o Clero a falsidade do"tes
tenunho" de S. Bernardo e da copia "coeva" do juranento na

Synmicta (158), ar^umentos reputados de verídicos e fundamen

tais por Kaggessi Tavares. Sste, na sua segunda intervencao

acede a reconhecê-lo como un erro pontual, corsiderando no

entanto que não poe en causa a pertinência de toda a pleiade

de testenunhos ouinhentistas e posteriores, por si igualnen-

te apontados. Referindo-se a S. Bernardo, afirna: "0 erro que

eu comnetti é en verdade sobre un cbjecto de inportancia; por

de Bernardo é de granie pezo;


cue a opinião S. [. ..] nas as

outras citacoes oue alli fago, e corren entre nôs, e existen

na nossa historia pelo credito dos seus authores; e sen refe

renoia ao facto attribuido a S. Perr.ardo, ou cerendencia sua;

sãc factos que se corroboram uns aos outros; e que ao seu

conrlexo resultaria un maior gráo de crenga; se a eile podes


se^oo juntar a opinião de S. Berne.rdo; nas pela falta deste

Sanfo, alli ir:troduzido por engano, nio se vê a prova da ine

xactidio de todos os outros, erabora, cono elle não sejan coe

vos da nonarchia" (159).


5 clara a atitude de Maggecsi Tavares, que assin conce

de igual peso tcdos testemunhos


a os
que aduz, inderendente-
nente do monento en que foram produzidos; o facto de seren

manif e stamente falsos os testemunhos "coevos" nue rfferiranæ

perece a seus olhos retirar valicade aos testenunhos pcsterio

res, anulando, deste r.odo, c significado do silêncio de três

séculos oue entre eles se interpoe. 0 problema, tal cono ele

o
coloca, inplica una "logica de quantidade"; isto é, tor-

neando o obice inultrapassável da inexistência coeva cu ^~r6-


xima de testemunhos do nilagre, H.aggessi Tavares considera a

tradigio de Ourique tanto nais firna e ccnprovadaquantoraaior

for o núraero de testemunhos em seu favor. A existência de

uma ccnstelagio de autores que a rartir de Quinhentos veicu-

lan a tradigio constitui factcr de "prova" fundanental, cono

se cada un dele. s constituísse prova por si so, oue se rcbus-

tece com outros testenunhos idênticos nas distintos enterncs

de fonte, convergindo todos para a denonstraeao conun.

Ora, tcdos esses testenunhos correrporden a un facto sc:

a efectiva exisfência da tradicãc ro seculo XVI, nas r.Iomais

do que isso. Una vez que nio existen testenunhos coevos, e

datando o relato mais antigo de finais do século XV (l60),os


testerur.hos quinhenfistas so poden ser considerados cono o

reflexo de uma socializagio e da incorporagão, a n'veĩ codis

curso de rocer, de una tradigio datada, oue encontrará a sua

fixagao definitiva con a historiograf ia de Alcobaga, noneada

nente a partir da "descoberta" do instrunentc da araricio en

1596, de que dá conta Frei Bernardo de Brito na Cronica de

Cister, en 1602 (161). En ternos de rrova, é igual a existên


cia de dez ou de vinte autores do secuio XVI e pcsteriores a

defender a veracidade da tradigio: a histcricidaôe de un fac

to nio ê fruto de un.a realidade cunulativa, nuito neros auan

do o facto que se pretende provado se verificcu a una disfân

cia secular dos "elenentos de silêncio contenro-


prcva", e o

râneo e' iniludível. Ê neíĩte sentido que Herculano afirna, ci

tando Gneiner, teologc catolico austríaco dos finais do sécu


lo XVIII, a cue aliás já recorrera na prineira carta dos So-
nio provén raaior certeza a ura
lennia Verba (162), "[...] que

facto historico de ser relatado en livros de nuitos autores

nais nodernos. cada un dos ouaes foi copiando o oue outro tL-

nha dicto. Todos elles junctos nao valen nals do cue o pri -

mptro oue o referiu". E conclui : "Assim, tendo nos escripto-

res dos fins do seculo XV oue relatan o nilagre, todas asauc

toridades que V. S^ cita do seculo XVI annulan-se conpleta -

mente" (16;) .
Anulan-se, na perspectiva de Hercuiar.o, nio

cono prova da existência da tradigão, nas cono factor de pro

va da veracidade histôrica do facto de que sao porfadores.

Mas, comc dissenos, se prescinde do "testenunhd' de S.

Bernardo, Tavares reafirna a sua crenga nos testenunhos adu-

zidos por dois grar.de s vultos da Igreja portuguesa de Sete -

centos, a que recorrera tanbcn na Denonstra^io Kistorica e

Docunentaca. Tr.ata.-se do célebre bisro de Beja, Frei I.ĩanuel

do Cenáculo Vilas-Boas e do p£ Antonio Pereira de Figueiredo,

da Congregacio de Oratorio, anbos crentes convictos na ara-

riqic de Cristo nos canpos de Ourioue. Ê sobre os testemunhDe

que cada un deles carreou en favor da ararigio que Herculano

se debruga no resto do seu opúsculo, con particular inciden-


cia nos do li Pereira de Figueiredo, constantes do fanosotex

to datado de 17 86, Hovos Testemunhos da nilagrosa Apra.ricao

de Chrlsto Senhor Hosso a SI-Rei D. Affonso Henrioues artes

da fanosa bataiha do Campo C 'Ourjgue: e Exenplos Paraĩleĩos.

oue rcs induzao a oia crenga de tlc rortentoso caso. de que

aliás ^rei "anuel do Cenáculo se socorre nos Culdados lite-

rários (164) .
15T

Os testemunhos produzidos por Cenáculo, alen da copia

"coeva" do juranento na Symmicta sio um outro índice, escri-

to em Roma, de docunentos respeitantes a Portugal, a celebre

doagio de D. Afonso Kenriques ao Mosteiro de Claraval, uma

obra que se diz ser tradugio, do tempo de D. Afonso IV, de

uns Connentarios de Afonso X de Castela, una passagen de uma

cronica inédita dos reis de Portugal que Cenáculo diz ser

do tenpo de D. Afonso IV, existente na Cânara de Évora (165).

Kerculano faz una apreciacio rápida destes testenunhos, des-

ie a inpossibilidade de discutir a pertinência histcriea de

un índice nio datado ate â inexistencia dos pretensos Com-

nentarios de Afonso X o Sábio, passando pela fraude en rue,

desde o estudo que Jolo ledro Ribeiro Ihe dedica nas Disser-

tagoes Cronologlcas. se sabe consistir a Carta de feudo ao

Mosteiro de Claraval (166). Quanto aos outros Ce


testenunhos,
naculo linita-se retonar
a cs carreados pelo p£ Figueiredo ros

Novos Testemunhos.

Para Kerculano, a posigao do prineiro bispo de Beja en

contra-se en flagrante contradiglo con a posigao deprestígio


que detém no seio da Iírreja e da intelectualidade portu^uesa.
Frei Manueĩ do Cenáculo ( 1^24-1814 ) de
ocupa, factc, un lu

gar de destaque no nundo cultural do século XVIII en Portu-

gal. Participa nas refornas ponbalinas do ensino, nas ouais

teve parte activa da


como presidente Junta da Providência Li

terária, em 1^70 e da Junta do Subsídio Literário, en 1772.

Espírito esclarecido, atento aos problemas culfurais do seu

tempo, defendeu Verney e o Verdadeiro Metodo de Estudar (1746)


1

aquando da ampla polénica oue esta obra suscitou. Ja retira-

do no seu bispado, apos a morte de D. José* e a oueda de Pom-

bal, continuou a ocupar-se dcs problenas da pedagogia e do

ensino público, prcnovendo a criagao de escclas e a fonraglo


de mestres. Teve igualmente papel fundanental no enriqueci
-

mento dos fundos de diversas bibliotecas ( Pública de Lisbca,

Évora, Varatojo, Convento de Jesus, etc. ), assim como no de

senvolvimento dos estudos da diplomática no nosso país, ao

promover a publicaglo, em 1777, da 8^ parte do Nouveau Trai-

té de Diplonatiaue dos beneditinos D. Tassin e D. Toustain e

conseguindo, en 1^75, a cria^Io de una cadeira de Ortcrrafia

Diplonática no Arouivo da Torre do Tonbo (167).


É en face deste perfil que Herculano, retonando uma

ideia já explanada no Eu e o Clero, reafirna a rcsicao difí-

cil en que se encontrava para desnascarar a lenda de Ourique,


e
que de certo nodo o levara ao silnencio durante dois anos:

a refutagao de uma "pia fraude" sínbolo


que se erigira cono

raáxirao da nacionalidade significava, para lá da ambiguidade


das ressonâncias de carácter religioso que ele já previra, a

inevitável referência a figuras prestigiadas que haviam par-

ticipado na sua construglo e


ampliaolo, como é, justamente, o

caso de Cenáculo (168).

0 caso do P£ Pereira de Figueiredo, cujos Novos Teste-

munhos constituem um topos de referência obrigatoria na lite

ratura a favor do milagre, ê tratado por Herculano de modobæ

tante especial. 0 _?! Pereira de Figueiredo (1725-17^7), da

Congregagão do Oratorio, foi considerado un homem de grande


cultura e erudigão e um dos maiores latinistas europeus do

seu tempo, tendo sido autor de importante traducio da Bíblia

cora base na Vulgata. 0 seu Novo Metodo de Granática Latina,

de 1752, representou, no canpo do ensino desta língua, uma

revolugio que levou ao fim o longo "reinado" da Graraática do

P£ Manuel Álvares. Mas, sob uma outra perspectiva, a sua pu-

blicagao constituiu mais uma pega do problema mais vasto da

tensio entre Jesuítas e


Oratorianos, muito viva em Portugal

no século XVIII, e da qual o _?- Figueiredo participou activa

mente, ao erigir-se como fundamentador doutrinal das posi-

goes de conflito de Pombal con a Santa 3e . Silva Dias, no

seu trabalho Portugal e a Cultura Europeia. Sécs. XVI aXVIĨI.

ao ocupar-se da accao da Congregagio do Oratorio no ânbitoda

problemática cultural e religiosa de Setecentos, sublinha es

se rapei do P^ Pigueiredo (169).

A posiglo de Hercularo perante o P£ Figueiredo e os æus

Novos lestenunhos e, cono dissenos, bastante peculiar. Já no

seu prineiro orúsculo afirnara sobre aquele texto: "


[. .1. os

Novos Testenunhos, do celebre e


inplacavel ininigo dos jesui

tas, o padre Pereira, livro que se o nio tomarnos como una

longa ircnia, dechonra a menoria de una das mais fortesintel

iigencias que lortagal ten gerado" (170). Na "Carta Segunda"


dos Sole nn ia Verba Hercula.ro, antigo aluno do Oratcrio (l7l),
desenvolve ideia semelhante, pretendendo "salvar de
a face",
modo ar^ificioso, a una figura a oue dedica visível adnira -

gao: para nio dar crédito a una anedota que circulava a pro-

pôsito do aparecinento dos Novos Testenunhos (172), esta obra,


a seus olhos, so podia ser fruto de uma ironia do seu autor;

de outra forna seria "Í...1 indigna de um homen cue pulveri-

sou as rretengoes Illegitinas e insolentes da curia romana,

e oue fez tremer boa neia duzia de hypocritas e pedantes do

seu tenpo" (l7"7). Faz, pois, una clara alusio a atitude toma

da relo p£ Figueiredo que se colocou ao lado do Sstado aquan-

do do conflito com a Santa Sé, en 1760, posigão que fundanen

tou alguns anos nais tarde na Tentativa Teologica e na De-

nonstra'io Teologica textos de cariz acentuadanente hostilso

centralisno ronano, ideia, a que, cono se sabe, Kerculano e-

ra particularmente sensível. Estes textos do P- Pereira, es-

pecialnente o prineiro, alcangaran aliás anpla projecgio nlo

so en Portugal cono na Europa, tendo sido obc"ecto de varias

traducoes e reinpressoes (174).

Kerculano irá pois analisar os Novos Testenunhos do P£

Figueiredo. Ka sua "Introduglo", este justifica o aparecimen

to do seu trabalho como resposta å necessidade de uma funda-

mentacao cronologicamente mais recuada do nilagre de Ourique.


Para defender a sua veracicade, consubstanciada no juramento
do prineiro rei, contra a opinilo manifestada por alguns es-

critores castelhanos, Antonio de Sousa de Macedo e Antonio

Caetano de Sousa, respectivamente autores da Lusitania libe-

rata (16-15) e do Tomo IV do Agiologico lusitano (1744) ,havian


elaborado longas listas de testeraunhos de autores portugue -

ses e estrangeiros (l75), nos quais se dava conta da existên

cia da tradigio antes da "cescoberta" por Bernardo de Brito

do auto do guranento, en 1596. Ficava assin, a seus olhos, e


137

aos do P£ Pereira de Figueiredo, provado nlo ter sido forja-

do por Brito o juramento de Alcobaga, mas estribar-se numa

tradiglo anterior. Quanto a aparigao, o P£ Figueiredo conce-

dia ser problenático ajuizar da sua autenticidade tendo por

base testenunhos que nio ultrapassavan, en antiguidade, o

reinado de D, Hanuel (176). 0 seu proposito era, pois, aduzir

testemunhos nai s antigos a favor da veracidade do milagreÆbm

esta finalidade, arresenta quatro testemunhos, dos quais se

ocura individualnente .

0 prineiro (177) é o de Olivier de la Marche (1426-1502),


nobre borgonhes das cortes de Filip-e o Bom, Carlos o Tenerá-

rio e do Inperador Kaxir.ilia.no, oue, na introduglo as suas

Kenorias, iniciadas en 1492, ao falar sobre as origens das

arnas portuguesas, faz referência ao nilagre de Ourirue (178).


Esta refe^ência de La Varche, pela sua inprecislo, é nuitopcs
sivelnente fruto de informaclo oral, de historias oue circu-

lavan ao nível da flite da Corte de Borgor.ha, onde era clara

a influência portuguesa. Recorde-se oue a nae de Carlos o Te

nerário era D. Isabel, filha de D. Joao I. 0 carácfer oral

do conhecinen+o de La Karche sobre a historia portuguesa é

patente na confusao oue estabelece entre o rei da batalha de

Ourique, o da aparigão de Cristo, e ainda o do fanoso episo-


dio do Bisro "egrc, facto que Lindley Cintra sublinha no seu

trabalho (179). A fragilidade deste testenunho nao escapa, a

liás, a Hercularo (180).

Entre os portugueses que poderian ter infornado La Mar

che sobre a historia de Portugal é de referir a destacada


presenga do humanista português Vasco de Lucena na Corte de

Carlos o Tenerário, cv.e Olivier de La Marche conheceu de per

to, e ao qual se refere no início das suas Meraorias. A este

proposito e n^cessario nao confundir Vasco de Lucena con Yas

co Fernar.de s de Lucena, confuslo en que caen varios autores,

entre os quais o prorrio Kercuĩano, cono se verifica no tex-

to c >e agora analisanos (181).

Era este, pois, c carácter do prlneiro testenunho do

p£ Figueiredo: un testenunho tardio, confuso, eivaio de con-

traliqoes devidas a un conhecin~r.4:o oraĩ, longínquc e


pouco

seguro do irohlena.

0 segundo "ncvo testenunho" é o de Vasco Fernandes de

Luccna na já referida oraglo de obediência ao papa Inocêncio

VIII, integrado na enbaixada enviada por D. Joao II en 1485

e aue, cono vimos, ccnstitui para Hercuĩano a mais ar-tiga re

ferência en forraa ao nilagre. Alem de denunciar a insuficiên


cia probatoria de ura docunentc de finais do século XV tres

séculos depois do acontecimento, a análise deste testemunho

apresenta tambem o interesse de ser perspectivado ro ouadro

das conturbadas reiagoes de Ponugal com a Santa £é no reina

do de D. Jolo II. Aliás, como noutrcs lugares, Hercuiano dei

xa transparecer a profunda antipatia que nutre por este rei,


a seus olhos responsável peĩc "goipe nortal nas velhas liber

dades desta nossa terra" (182), e pela época que inaugura —

posiglo constante da sua reflexlo sobre as origens da de-

cadência nacional.

0 terceiro testenunho consiste na pretensa referência


resposta oue dois letrados —
Frei Joao Xira a
ao milagre na

Vasco Pereira, confessores do Rei —


dio å consulta feitapor

D. Joio I, sobre o projecto da expediglo a Ceuta, en 1115. A

descriglo da resposta dos letrados, favorável as intengoesdo

Rei, é feita por Zurara na Cronica da Tona.da de Ceuta ror El

Rei D. Joio 1 (183). Segundo o FÉ Figueiredo, o texto refere

-se claramente a apariglo de Cristo a D. Afonso Kenriques.Na


seouência da indicaglo dos exemplos de vários outros reisque

lutaram contra os infiéis, surge a referência a D. Afonsoîfen

riques, como modelo nas tarefas de dilataclo da fé .


Vejancs

o excerto en questlo: "[...] tenos ante nossos clhos a neno-

ria do nui notavel, fiel e catholico christão elrei D. Affon

so Kenriques, cujas reliouias tractanos entre nossas n.aos. Ve

de, Senhor, os signaes que trazeis en vossas bardeiras ,


e

perguntai e sabei cono e por que guiza foram gar.hatos; os

quaes certanente de todas as rartes nostran a paixlo de Kos

so Senhor Jesu Christo, por cu.ia reverencia e an.cr c bena-

venturado rei offereceu o seu en o ie


corpo canpo Ourique,ven
cendo *
aquelles cinco reis nercê sabe"
corao vossa (184).
É este o texto en que o P- Pereira vê a clara referen-

cia ao railagre de Ourique. Nele eor.tudo neda apcnta para a

evidência que o Pe Figueiredo quer fazer crer, a ponto de o

instaurar corao ura dos quatro novos e decisivos te stenunhos en

favor do milagre. 0 raciocínio é especioso.


seu
?, segundo

ele, a aluslo å presenga das quinas nas armas de D. Joao I

que constitui a prova explícita do nilagre de Ourique: "


[Es
ta
passagemj nostra clarissinanente ao nosso
intento, como
elles, e
por bcca delles toda a Corte, e Nagão Portugueza na

quelle tenpo tinhlo por hum facto certo, e notorio, que as

Quinas das nossas Bandeiras erlo na mente do prineiro Insti-

tuidor huns nysteriosos synbolos da Paixlo de Christo; e


que

a origen das mesnas Quinas se deduzia, e devia deduzir do mi

iagroso Apparecinento de Christo ao primeiro Rei deste Reino

no Campo d'Ourique, e das palavras com que o nesno Senhor o

consolou, pronettendo-lhe victoria, e estabelecendo nelle

para si hun novo Inperio" (185).

oignificativanente , o P£ Figueiredo elininou da sua ci

taglo da Cronica a frase subsequente, oue Kercularo franscre

ve ,
e oue elucida, ser. deixar dúvida, o verdadeiro sentidoda

referência a D. Afonso Henriques: "Considerae isso raesno (do


mesno nodo), Senhor, se elle duvidára se c seguinte trabalhc

era servico de Deus, nao tivereis vos hc.je en dla esta nui

r.obre cidade ( Lisboa ) nen a villa de Sanfaren, con outros

"
logares £ J
. .
(186). Fundamentando-se nuna passagen obscura

( en termos do que se quer dar corao provado ) ,


o Pl Figueire

do pretende que já em 1415 nilagre de


o
Ourique constava de

una tradigio perfeitamente assente e oficial. Cra, na verda-

de, o texto nlc contém, em definitivo, oualquer referência

ao nilagre: so que, corao acentua Herculano, o problema ê in-

dependente da presenca ou nao dessa referência en Zurara. Ela

nio existe; mas ainda oue existisse (e sabemos hoje, cono vi

nos, que ela consta de dois textos datados de 1416 e 1419 )


seria sempre una referencia quatrocentista rara rrovar a au-

tenticidade de un facto que se diz ocorrido no século XII. Es


m

ta a questao de fundo, questlo inultrapassavel : "Mas suppo


-

nhamos tudo quanto quizeren. Adoptemos como exacto o texto im

presso de Azurara: vejanos ahi a appariglo, encora nlo haja


lá una unica palavra a sinilhante respeito. 0 testPnunho iso

lado de Sr. Jolo Xira en 1-15 nlo seria un pouco tardio para

provar un successo de 117°, profundanente esquecido nos chro

nicons e nonunentos coevos? Kio o rejeitan as regras da crí-

tica sincera; estabelecidas accordenente


regras por tantos e

tão respeitaveis escriptores ecclesiasticos; enfim


regras,

cu-'a solidez e
experiencia denonstra de continuo aos oue se

votan a serios estudos historicos?" (187)

A existir na Cronica de Zurara, essa referencia so po-

deria ser tonada como elenento capaz de fazer recuar a data

do estabelecinento da tradiglc e nunca ccno testemunho da

historicidade do facto. Ê nest° sentido que a descoberta do

texto De ministerio Arnorun e da Cronica de 1419 assume irmxr

tância, porque traz a lume elenentos inportantes rara a ge-

nealogia da tradiglo; e seria nesse ânbito oue Kerculano os

situaria se deles, a data, tivesse conhecinento.

0 quarto testenunho invocado r°lo PÍ Figueiredo diz res

peito ao celebrado auto da apariglo, o juranento de D. Afon-

so Henriques, nonunento máxino dos crentes na aparigao. Con-


siste este "novo testemunho" na convicgao de que antes do

apareciraento desse instrunento en Alcobaga, era 1596, existia

já en Santa Cruz de Coimbra o juramento do prineiro rei.O pe

Figueiredo diz, no
entanto, nlo saber se e o nesno
documento,
que terá eventualnente transitado para Alcobaga, ou se se tra
14 2

ta de dois documentos diferentes (188). Ficava assim provado,

a seus olhos, aue Brito nlo inventara o documento.

Os docunentos en oue o p£ Figueiredo se baseava paraprp

var a exist^ncia anterior do juranento en Coinbra slo ambos

retirados da Chronica da Orden dos Conegos Regrantes do Pa -

trlarcha Sancto Aro sti nho (1668), da autoria de D. Nicolaude

Santa "aria. Em 1556 pretendeu o Kosteiro de Sar.ta Cruz ins-

truir un processo que levasse â canonizaclo, por Rona, do

fundador da nacionalidade (189). Para tal, foran ouvidas tes

tenunhas sob juranento, entre as quais o idoso I. Kanuel Gal

vão, Cônego Cartorário do Kosteiro de Santa Cruz. Do seu de-

poinento dá conta D, Nicolau de Santa Maria, depoimento oue

diz incluir referência ao auto do juranento cono fazendo par

te das "íienorias antigas" de Santa Cruz . 0 segundo docunento,

tambén retirado da Chronica dos Conegos Regrante.-. é una des

crigio do Kosteiro de Sanfa Cruz de Coinbra, da autoria do

P- D. Srancisco de Mendanha, publicada en 1540, en oue se diz

existir tambem referencia ao juranento.

Não nos foi possíveĩ encontrar o texto de D. Francisco

de "endanha, obra raríssima, Barbosa Machado


a oue nera ( pre

sunivelnente ), nen Inocencio F. da Silva ( con certeza ) ti

veran acesso, So se conhece esta obra pela referência oue

D. Nicolau de Santa Karia lhe faz na Chronica dos Conegos^e-

£rant£s, Parte II, Livro VII, cap. XXII. D. Nicolau refere e

reproduz a
respectiva tradugão do original italia.no, ordena-

da por D. Jolo III, pelo Conego D. Verisoino ( do oual <.~>. i>.

dica o apelido ), ir.titulada Descripcao e debuxo do nosteiro


11 3

de Sancta Cruz de Coinbra, 0 extracto a que o Pl Pereira de

Figueiredo se refere cono constituindo prova do conhecinento

do juranento bastante tempo antes de 1596 e o passo en que,

apos a entrada na Igreja, se descreve a capela: "A primeira

sepultura he do invictissimo, & nuito alto, & muy pcderoso

Senhor El-Rey Dom Affor.so Kenriques de gloriosa menoria, pri

meiro Rey deste Reyno de Portugal, Principe dotado de gran-

des virtudes, & de tanta fé, esperanga, & charidade, cononos

trou en todas as acgoes de sua vida. A fc' nostrou bê ouando

apparecendo-Ihe Christo Nosso Redentor posto na Cruz, cerca-

do de Anjos no Canpo de Ourique, rompeo nestas palavras: vos

a mim Senhor, se o fazeis por ne acrecer.tar a fe, nao


parece

ser necessario, rois vos conhego, & confesso por Decs verda-

deiro, filho da Virgen Sagrada, segundo a humanicade, & do

Padre Eterno por geragao divina. Aos infieis Senhor, peraque


vendo a grandeza desta naravilha creio e~ vcs. Ao oue o Se-

nhor respondeo con suave tom de voz : Nao te arareci destemo-

do pera acrescentar tua fe'" &c" (190). As úĩtimas linhas do

texto sugerem, de facto, una


analogia con o texto do juranen
to. 0 resto faz parte da tradiglo que data
a estava já cons-

tituída ( nuito proxina da narraglo de Duarte Galvlo, del505),


e portanto nlo constitui problena. 0 facto ê oue nos e
inpos
sível verificar tanto a sua sequência, onitida da
a partir

indicagio de "etc", como a propria fidelidade ao original da


Descrlpglo. dado que a nossa única fonte disponível é a sua

reproduglo na Chronica. Tanto Inocencio corao Herculano naChr

ta Segunda dos Solennla Verba. se mostran nuitc rigorosos na


144

apreciaclo que fazen acerca da probidade intelectual de D.Ni

colau de Santa Karia. Tratar-se-á de un acrescerfo que, na

altura en que escreve (1668), fazia parte integranfe e ouase

"obrigatcria" do discurso políticc e ideologico nacional? t

talvez o nai s
provável, Ko entanto, a existir no texto de

Kendauha, seria inportante para un nais rigoroso esfabeleci-

nento da evolugac e fixaclo da tradiglo de Ourique, no que

respeita ao juranento, e nio, evidentenente, cono rara o P£

Figueiredo, cono "prova" da veracida.de da tradiglo.


A atitude de Kerculano perante este testenunlo é nuito

clara. Denonstrada, ser nargen para dúvidas, a apocrifia do

iuranento d.e Alcobaga (191), este testenunho invocado pelo


P!_ Figueiredo renete, tanbén ele, para un processo de nisti-

ficaoao historica, difícil de deslindar nos seus


neandros^s
claranente fruto de "una serie de vergonhas e niserias ruru£

nantec
j^icj ,
e sobre tudo de falta de juizo" (192), a oue

dedica duas rápidas páglnas, nas quais destaca algunas das

fraquezas nais evidentes de senelhante testemunho (193).


Eie proprio faz una apreoiacao global dos testenunhos

trazidos pelo !__! Figueiredo: "Eis aqui os tectenunhos que Fe

reira colligiu. Os prineiro e segurdo slo dos fins do seculo

VI e ainda assin, ao oue reduzen-se


parece, a un so
(l94),Ier
suaden-no o affirnar Olivier de La Karche sobre
que aquestlo
das arnas portuguezas ouvíra notaveis de
pessoas Portugal oon

que tractara ter.do-se esrraiado pouco antes en encarecidos e

logios â sciencia e talento de Vasco de Lucena. 0 terceiro

é una passagen, aliás viciada, de C-oraes Eannes, a qual, ouer


viciada, ouer correcta, nao contén una unica palavra acerca

da artariclo. Finalnente o ouarto e o juramento de Affonso

consta existia en Sancta Cruz muito antec de


Henriques, oue

Fr . Bernardo de Brito encontrar o de Alcobaga, o oual nio sa

be se é c nesno oue estava en Sancta Cruz, nas que nos sabe-

nos rerf ei tanente que e falso. Eis aqui os testenunhos do mi

lagre de Ourique, oue tanto peso e auctoridade, oue nao há pa-

ra oue se dese.iem outros nais graves", citando o p£ Figueire

do (195).

Podenos, por conseruinte, dizer oue, depois do temível

sarcasno das Cartas ao P£ Recreio encontranos nos Solemnia

Verba, o ^on da racificaclc, Ambos os textos representan, afi

nal, duas faces de Kerculano perante una questao cujo prcble

na nuclear e o nesno; ambos convergem para una nesna cor.clu-

são oue se encontra ^,á, aliás, na optica de Kerculano, incliu

da nas prenissas do rroblena —

isto 6, a inexcquibilidade e

o absurdo da crenga no milagre de Ourique,


Kas prineiro reacclo é
no casc, a sua una das possíveis
reacgoes do agredido —

pela negaglo, rela recusa e un diálo

go que se arresenta aliás neste caso, impcssível, pelo esna-

gar do oposi*or, No segundo é a idêntica afirnaolo face a

questao de Ourique, nas agora enquadrada nun discurso se


que

preter.de explicativo, en que se nota una proxinidade face ao

proprio adversário, a rreocupa^Io en explicar a sua posiglo:


en suma, o diálogo.
Como tivenos já ocasião de afirnar a proposito da pri-
raeira carta, os Solennia Verba sao un texto fundanental ce

Herculano nesta polenica. Naquela, Kerculano orientara a sua

argunentaclo no ser.cido de mostrar como, ao ocupar-se do mi-

lagre de Curique, nunca fugira a estrita observância dos cri

térios de rigor fornulados ror autores catolicos de reconhe-

cida autoridade. Klo -: ainda a Kaggessi Tavares oue se diri-

ge, nas, através dele, a quen colocara a questio en funglode

critérios da ortodoxia, por quen lhe confundia o prôprio es-

"
paco de actua^ao. A Carta Serunda" é de carácter diverso,

esta sin, essencialnerte dirigida a nuen, cono h'aggessi Tava

res, cria no nilarre de Curicue sen que tal significasse um

juízo condenatcrio de caracterí sticas clericais. Herculano

traz , finalnente, o prcblena para o canpo esrecíficc da his-

fcria, iesnontando con base r.o rigor de análise que ela impli

ca, os testenunhos que Kaggessi Tavares, nuna lcccica cunula-

tiva, sucessivan-nte carreara nos seus opúsculos.


^s Sclennia Verba conpoen-se de duas cartas, a rrinei-

ra de 20 de Outubrc, a serunda de 6 de Novenbro de 1950, De

acordo con a intencao extressa no final da prineira carta, os

Sole la Vcrba trirlo


nn ercerravan un projecto (l°6), nue no

entanto r.Io vai avar.te, interronpendo-se aoui a se'ri^ de car

tas que Hercularo terciorava dirigir a Kaggessi Tavares. A

^usfificaclo para tal dá-c c proprio Heroularo no fin da se-

gunda carta. Srtre o ararecinento das duas, Kaggessi Tavares

publica, a 25 de Outubrc, ur. pequeno opúsculo intltulado Ckr-

ta en reopc.-.ta a outra do sr. Alexandre Herculano oue tenror

titulo Solennia Verba en que, com a sua costunadu urbanidade


147

se T-. tira da polénica, dando-a por encerrada, pela parte que

Ihe tcca. A seu ver, o redicalisno e a paixao por oue envere

dara o debate já nada tinham a vor com a prinitiva ouestao so

bre a apariglo de Cristo nos canpos de Ourioue e que fora, a

final, a queotao que o levara a nela parficirar.

Esta opgao de Kaggessi Tavares leva Kerculano a dar i-

gualnentc por ternir ada ?. corre spondência a ele dirigida, in

terro:-.pendo assin o prejecto de prolongar a ciscusslc: "Ter-

ninarei por dizer, nue sintc haver V. 3* declarado peĩa in -

prensa que se retirava da arena da discussao. Por mais oppos

tas oue sejan en tantac cousas ac nossas doutrinas, a ccnten

da pacif,ica con un honen honesto, cortez e


inctruido, era-ne

summanente agradavel. Kas d'hoie avante, dirigindo-ne a V.S^,


ciz-ne a consciencia oue nlo faria una acclo bca. Atc' certc

ponto seria ferir rcIas costas un adversario leal. Cesscupor


issc a nossa correspondencia" (l07).

Os Solennia Verba, penúl:i~a intervencao ~e Kerculano

ercerran o nocleo específico ^_c debate centrado sobre o rr.il a

gre de Curique. Contudo, a questlo clerical oue o envolveu —

e oue igualnente interesscu por elucidar


nos en grande ne

dida a rosiglo de Kerculano, os tempos e as caroc terísticas


d.a sua intervengão —

assune aiuda certa relevância no seu

últino texto.

Con efeito, ainda que a sua tônica essencial resida no

problena da batalha enquanto confronto nilitar —

problenacon

tíguo, nas narginal em relacio ao nosso estudo —


c probie.na
clerical estará ainda ben presente neste derradeiro texto de

Kerculano .
14 o

2.5 . A Batalha de Ouriaue e a Sciercia Arabico-Acadenica

A polénica tona nova infiexlo quando, en 1851, e pubĩi

Caetano Pereira, Exane historico


cado o opúsculo de Antonio

en gue se refuta a opinilo i-o Sr. Alexandre Kerculano sobre

a Batalha do Canro de Ourinue (198).

Con efeito, o acadenico Caetano Pereira afasta-se dos

problenas oue até aí havian constituído o núcleo do debate—


o milagre de Ourique e a ouestao do clero —
e faz incidir

a sua intervenclo sobre o p^oblena nilitar. Pretende ele, con

trarianente a opir.iao de Kerculano , lar cono provada a grande_


za da batalha, con base na existencia de tectenunhos arabes.

0 proposito de Caetano Pereira é, pois, recuperar a versao tra

dicional da batalha, restituindc-lhe a inro^tância de grande

feitc militar de consequências fundanentais —

a afirna^ão da

nacionalidade portuguesa e o golpe decisivo nc poceric nugul


raano —

, que Herculano pusera en causa na Kistoria de Portu-

gal . A estrategia de Caetano Fereira assenta nlo nun discur-

so retcrico e
apaixonado, nas nuna tentativa serera de fazer

valer os seus pontos de vista, estribado no ccnhecin-n^o da

língua e das fontes árabes, oue Ihe acvinha da sua oualidade

de professor dessa língua no Liceu Kaoional de Lisboa. Ao lon

go dos vinte breve parágrafos en oue articula o seu discurso

Caetanc Pereira pretende provar a insuficiência dos conheci-

mentos de Kerculano no que respeita as fontes árabes as


para

sim inviabilizar a leitura que o historiador havia efectuado

do famoso sucesso.
S este texto que suscita o último opúsculo de Alexarúre

Herculano na polémica (199), intitulado A Batalha de Ourigue

e a Sciencia Arabicc-Academica. Carta ao Redactcr da Senara

(200). Este opúsculo é fruto, pode dizer-se, nao do interes-

se espontâneo de Herculano, nas da solicitaglo oueo redaecor

do periodico A Semana expressanente lhe fizera no sentido de

rcsponder âs críticas caquele acadenico. Invcstido a fundona

preparaglo do quarto volune da Klstcria de ĩortugal, oue vi-

ria a sair en 1854, e frabalhaudo da uo seu estudo sccre a

Inouisiclo, Kercularo nlo se nostra nuifo disposto a fazê-lo

(201). Kas, ao oortrário do que eĩe proprio esperava, o opús


culo de Caetano lereira usava de um certo conedinentc, deli-

nifando cuidadosanente a questao que desejara tratar, o oue

era un pouco insolito no cor+eio dos ataoues violertos oue

na inpreusa Ihe eran dirigidos. Por isso, enbora claranente

irritado com as proporgoes que a poiémica ha^ia -onado, vai

resronder. Ultrapassando, de certo nodo, a conpouente estoi-


ca do seu temperamento, tantas vezes sublinhada por Oliveira

Martins, vai dar vazlo, antes, a e


amargura ao
ressentinento,
sen prejuízo do rigor que imprimirá å sua resposta. Assim, a

sua crítica ao opúsculo de Pereira e a Acadenia a oue este

pertencia, assumen un ton desagradavel provocando, por seu

ttrno, da parte de Pereira, textos marcados tanbém por outra

linguagem e por outra intengao (202).


Nlo e' nosso
proposito, porque sai da esfera desta aná-

lise, deterno-nos sobre o problema historico-militar da bata


lha de Ourique, tal como e' eouacionado por Caetar.o ĩereira e
por Herculano, na resrosta que elabora e em que contesta qua

se ponto por ponto as objecgoes do prineiro. Linitamo-nos a

sublinhar que no essencial a posiglo de Kerculano foi confir

mada pelos estudos cue homens como David Lopes dedicaram ao

assunto (207). Neste seu último texto iuteressa-nos sobretu-

do o significado do "preânbulo" de que o historiador faz an-

teceder a sua resposta sobre a questlo nilitar de Ourique,por


f

constituir a súmula da sua leitura global da polenica.

Estas primeiras páginas constituen, de facto, una nova

e violenta diatribe anti-clerical, posiglo que resume a sua

severidade e a denúncia daquelas cue considera serem as ver-

dadeiras razoes que conduziram a polémica. Estamos longe da

urbanidade dos Solemnia Verba, en que o respeito pela digni-

dade de uraa crenga convicta, ainda que errada, o levara a um

conedinento de atitudes, a una certa gravidade de discurso e

de argumentacao e ao respeito pelo adversário. Este facto ex

plica-se porque, a seu ver, as verdaceiras razoes da polémi-


ca nlo residian na sinples defesa do nilagre de Ouriaue.Aque
les que, como Fonseca Pereira ou Kaggessi Tavares acrcdita -

van na pertinencia de un debate sobre a historicidade do ni-

lagre e da defesa dessa crer.ga "nacional", nio se encontrara

no centro do litígio como pensam, mas sim nas suas raargens .

Por isso, se acede a dialogar com esses, pelo contrario, é

terrível na denúncia daqueles para questlo de


quera a
Ourique
é apenas pretexto que corporiza uma questlo mais grave que in

sidiosamente se acolhe a sorabra de um problema falsaraente his

torico. 5 esta a posiglo que motiva e condiciona a sua parti


cipacão na polemica, e é justamente desta leitura que as pri

meiras paginas de A Batalha de Ouriaue e a Sciencia Arabico-

-Acadenica slo reflexo.

Nelas retoma-se, pois, a virulência do ataque ao clero,

em cuja inpreparagio e fanatisrao o autor julga encontrar, em

parte, a explicaclo para o probiema que se levantou, e que

mais nlo vem do que confirmar a sua "crenga na atrophia mo


-

ral e intellectual da maioria do nosso clero" (204). Mas o

problena ultrapassa larganente as fronteiras de una questlo

nacional, para se erigir cono sintona de una ouestlo naisgra

ve . Kerculano insere-o, de facto, no quadro da reacclo ultra

norfana na Suropa, de que a afitude do clero perante a Hi s-

téria de } ortugal e o seu autor e reflexo, e cuja vaga de fuu

co e inperioso travar. 5 por isso nesno ^ulra oue "as nise-

rias -ue ahi vãopela inprensa contra nln são un veu oue enco

bre , ou anfes descobre por denasiado raro, negocio mais gra-

ve" (205). Para ele o grar.de desafio oue a sociedace liberal

e o catolicisno enfrentan na epoca é, sen qualquer dúvida, a

reacclo religiosa. Esse desafio é claro: "Trata-se hoje de

saber se a Europa catholica se ha de infeudar de novo as cor

rupcoes da curia roraana com o seu


cortejo de jesuítas de to-

dos os fornatos, de todas as idades e de todas as nascaras ;

com os seus titeres inquisitoriaes, con os seus Torqueraadas


em miniatura" (206).
A questlo de Ourique so pode ser integralmente compre-

endida se entendida como a materializaglo en Portugal do es-

pírito de intoleráncia, do atentado a liberdade de rensa^ento


oue essa reacclo conporta. 0 que se ataca nele é, afinal, e

para lá dos aspectos concretos en debate, "o prcgresso das

novas ideias, a independencia das opinioes, nlo porque eu se

ja o nais forte, raas porque circunstancias que nlo rreparei,

nera provoquei, rae collocaran na primeira linha do combate"

(207). S se o conbate se anuncia duro, é dever de cada indi-

víduo, de cada cidadlo, lutar con as arnas ao seu alcance pa

ra ajudar a inverter aqueĩe processo.


afirna ter a consciencia de
No que Ihe diz respeito,

luta contra a reacqlo, "escrevendo a histo


dever cumprido na

privilegiada de que
ria" (208). Ela é, para Herculano, a arna

dispoe no canpo da intervenglo política e social. Kac jorque

ele a coloque ao servigo de paixces ou interesses, nas por-

oue ser.do para ele una mera arqueologia do passado, a histo-

ria é elemento aferidor de épocas e indivíduos, exenrlo no-

ral, instrunento de elucidaglo do passado e de prevenclo do

futuro. A historia cono liglo, conoprocura da analogia de

situagoes preteritas com o presente, cono elenento oue perni

te iluminar e exrlicar fenomenos do presente é, de facto, -una

das caracterí sticas do nodo cono Kerculano pensa a historia,

Assim pode entender-se a ressonancia quase biblica das suas

palavras, ao referir-se a conponeute civica quase "sagrada"

da nisslo do historiador: "Alluniado ror essa luz noral, oue

nunca devemos percer de vista, espero levar ao cabc o ~:-^pe


-

nho que tonei, até poroue a historia de ĩortugal 6 una das

mais ricas en licgoes paro nos prevenirnos contra as astu-

cias de hypocritas, e essas licqoes sio hoje altanente profi


1-.Z

cuas 0 '^uando a justiga de Deus poe a penna na dextra do


l* •

hisf criador, ac passo oue Ihe roe na esquerda os documen+os

incontestavei s de crinas que parecian escondidos pora sempre

dLbaixo das loucas, elle deve seguir avante sen hesitar, en-

bora a hypocrisia ruja en redor, rorque a nisslc do historia

dor ten nesse caso c oue quer que é ce divina" (209).

I.'.as apesar de se tratar de ralavras que espelhan una

atitude giobal de Kerculano perante a historia, elas reflec-

ten também a intergao concreta que ihes rreside. t para nos

muito claro que o historiador ten en mente con estas palavras

o estudo que prcparava sobre o estabelecinento da Inouisigio


en Fortugal, libelo terrível nuito ^ustamente considerado co-

no rrolonganento da polenica que nantivera con o


clero, e

que viria a lune três ancs nais tarde. Aliás, ele proprio a-

nuncia esse seu proiecto neste opúsculo, ao afirnar cue, se

nao resp.onde pontualneute aos ataques que Ihe sao


dirigidos,
tal nio siguifica que, a seu tenpo, nac lhes venha a daruna

re.cposfa global que considere adequada: "Quando digo oue uac

posso refutar nentecaptos indecentes, nao ouero signif icar qæ


essa atroz
guerra que se ne faz, na intenglo, riiicuĩa nos

ef^ei+os, ha de ficar sen punigac. Kao sou honen disso; nas

tambem não ^ou honen eue gaste polvora con guerrilhas. Keidc

ir buscar a seu tenro as colunnas de infanteria e os nacis -

sos de cavallaria oue estao atraz dellas" (210).


S de facto Hercularo retirar-se-á da polénica, r'-*oman

do-a depois, naquilc que a seus olhos ela tera de constituti-

vo e essencial, na Historia da Origen e Sstabeleclnento da


1>-

Inouisic-ao em Portugal, obra cuja infenglo deferninada está

b^n patente, nao sô no espírlto e na modelacic do proprlo "tex

to, oonc na apreciaglo, já de certo nodo distanciada, que

dela efectua, en 186"7, no "Frefácio" da tcrceira edigac da

HistSria de Jortugal. Vale a per.a, parece-nos, recordar as

fHistoria ruído
suas ralavras: "A obra de
Portugalj fizera e

suscitara a aninadverslo daqueles oue queren aconodar a his-

tôria ås crendices do vulgo, âs preocupa^oes nacionais, aos

interesses oue nela se estriban, e nlo corrigir e alunia.r o

presente pelas ligoes da historia. As repetidas e variadas a

rressoes contra o livro e ainda mais coufra o autor denuncia

van, en gerai, a existência e os intuitos de una parcialida-

de irritada
[. J . . Frovocado injustanente, repeli essas agree

sces, porventura con denasiada dureza, e, descobrindo nelas

um pensar-.ento anti-liberal, fui mais longe. Ao livro sem in-

tenglo política fiz seguir um que a tinha. Vendo no partido

que engrossara a ocultas, e que, antigo, se


recompusera com

elementos novos, um perigo para a


sociedade, trouxe å luz

uma das mais páginas da


negras sua genealogia [. .."]. Os três

volunes da Hlstoria do Estabelecimento da ĩnquislcão prova-

ram, sem réplica possível, una veroe.ie inportante para a so-

lucio da luta que agita a Europa; provaran que o fanatisnoar

dente e ainda a siraples exageragio do sentiraento religioso á:


nais raros do se cuida
que e
que o vulgar e a
hipocrisia, de

todos os frutos da perverslo hunana o que raais severaneute fcd

condenado pelo divino fundador do cristianismo" (211).


Neste contexto, parece-nos que o proprio Herculano atri
"bui å Htstéria da Orlgen a Sstabelecinento da Inguisiglo en

Portugal una dinensao nuito concreta, deliberada e intencio-

nal . Iríanos ate, correndo o risco de abuso de interpretaglo,

ao ronto de incluir essa cbr^ entre as pegas verdado-iranente

doutrinárias que integraran a polenica de Ourioue. Con e^ei-

to, fornalmente desligada dessa pole~ica, distauciada, na sua

funglc inediata, dos opúsculos que a constituen, essa cbra é

no fundo o retirar "debaixo das lousas" os esquecidos arfu


-

nentos que ajudan a expiicar, afinal, a falsa questao de Ou-

rioue. É atravé s de una ccustcuqao historica de carácter pan

flefário nas tanbén ciertífico ^ue Kerculenc respcnde ac rar

tido oue "engrossara a ocultas" e que no fundo e tanben a

ccultas, se servira da ouestao de Ourique cono nero pretexto

para nauipular opinioes.

Ultrapassando, pois, essa oueetao, recpoude aoueles que

cousidera os seus verdadeiroc motivcs e ccnstrci un° cbra!'ccr.

int^nglo política". Snocntranos, a.ssin, coufir'tada a acser -

gao de Oliveira Karfins relativa^ente a assangao do paseado^


da historia como mestre e instruner.tc para a irteligitllida-
de do presente, ao afirmar que Kerculano "levava para o estu

do do passado as preocupaooes do rr-sente, pcrque essas preo

cupagoes eran a essência da sua vida roral" (212). Como his-

toriador, ele nlo se denite da sua condiglo de oidadao, e é

nessa dupla qualidade que intervén no presenfe utiliaando as

ligoes e as anaĩogĩas que a historia oferece. Assin, a hl 3

toria da Origen e Sstabeleclnento da Inouisiglo en Fc r t u gal

nao dá arenas conta do hist^riador: dá conta tanbén do cida-


i

duas facetas afinal, ele nao desligou


dlo e do político, que,

da cca uisslo de historiador.

Kac nos pcis, deslocado, renetendo para o "Fre


parece,

fácio" de 186"2, cublinhar tanbén ouanto un distancianento cro

nolcrieo de c-rca de dez anos pernite igualnente un distancia

nr'nto enotivo e ate, diríanos, una certa autocrítica. i ar-

dente enotividade da polenica no scu auge sucede una vislo

crítica e desrotada na sua conponente afectiva e enccional ,

mantendo todavia todos os seus fundamentos de carácter cien-

tíficc e historicc, Parece-nos tanben oue esta atitude rele-

va da rrandeza noral, da irr-cusável honestidade intelectual

cue uoc par-.ce ser, rara alem da inpetuosidade e nesno vio-

lencia nanifestadas en alguns dos seus opúsculos, una das

coustautes do perfil de Kerculano.

Sendo o seu ul^imo opúsculo na polénica, A Batalha de

Ouricue e
a Sclc-ncia Arabicc-Acadenica e tanbén o seu fecho

fornal por parte de Hereula.no, e nuna análise, ainda oue re-

dutiva, deste texto, podenos encoutrar nele os priucirais to

picos que nun discurso algunas vezes copioso e coutuudente æ

encontran disseninados ao longo de todos os outros opúsculos


e
constitue-, en última análise, a visao, a leitura e atá a

vivereia de Kerculano rela~Io å


en polénica de Ourioue.
3. A polémica como denúncia do ultramontanisrao. 0 exercício

da liberdade.

Em 1876, na breve introduglo que rrecede o primeiro To

no das "Contrcversias e Sstudos Historicos" ( Volume III dos

Opúsculos ), en oue reune os seus textos sobre a questlo de

Ourique, Hcrculano refere-se-lhes en ternos que resunen a a-

valiaglo que faz daquela já distante controvérsia: "Contemes

te volume diversos escrirtos sobre duas questoes historicas.

A prineira, oue se refere as tradigoes fabulosas acerca da

batalha de Ourique, quasi que nlo ten valor algum a luz da

sciencia. Kxrôr senelhantes tradicoes era, por assim dizer,

refutá-las, e perarte a historia tal refutaglo seria de so-

bra" (1).

De facto, e como tivenos ocasiio de veri^icar rela a-

nalise detalhada oue efectuános dos seus textos rolénicos, o

sentinento aue Kerculano exprime maior


com
insistência, a

par da sua crítica ao clero, é o desencanto p.ela fraquezacon

ceptual da polémica, ou melhor, a perplexidade que advém da

propria possibilidade de ura debate sobre de


o railagre Ourique,
numa epoca de efectivo avango e fundaraentaglo da ciência his
torica na Eurora, e
tanbe'm, de certo modo, em Portugal (2). 1
esse o sentir, como dissemos, que subjaz a todos os seus tex

tos, cora particular evidência para as duas cartas que dirige


a F.aggessi Tavares.

A questlo que se levantara en torno de Ouricue era uma

falsa questao, que a luz da historia nio che gava ( nem podia
constituir-se tena au-
chegar ) a ter pertinência nem a como

tonomo de debate. Assim sendo, e como atitude logica —

capa

cidade de que Kerculano particularmente se orgulhava —

as

razoes da auestlo so podiam encontrar-se num registo necessa

riaraente diferente, inserido no ouadro social e político que

agitava a Europa de entao e


que se prolongara, era
desenvolv_i
mentos concretos, até å época em que escreve. A sua explica-

gao para a questao é tlo transparente em 1876 como o fora no

momento do debate: "Se a religilo era extranha ao assumpto ,

ou antes ganhava na suppresslo de una pia fraude, perdia com

isso a naioria dc sacerdocio, atarefada, hoje mai s


que nunca,

em tecer a rede de suprostos milagres em que parece querer a

mortalhar o catholicismo" (3).


Mais de vinte anos passados sobre a celebre contenda, Hercu-

lano manten o prinifivo diagnostico que fizera sobre as ra-

zoes oue a eĩa presidiran, arora


confirnadas, a seus olhos ,

relo prorrio caninho que o catolicisno parecia sefruir apos a

instituiglo do dogna da Inaculada Conceicio (1854), a Enci-

clica Quanta Cura e o Syllabus, e as resolugoes do Vaticano

I, en que pontificava a infalibilidade papal.

A sua publicaclo nos Opúscuios. mais de vinte anos de-

pois, traduz igualnente a coerência de uma atitude antiga, a

titude que o levara a responder åqueles o haviam atacado:


que

nio uma necessidade de justificar uma posigao de carácterhis

torico, antes o sentido cívico de uma intervengão política e

socialmente premente. t pois, nao pelo seu (inexistente) in-

teresse científico, mas como reflexo de intervenglo cívicaaue


it1-1

Herculano considera a questao de Ourique e vem a consagraros

seus textos nos Opúsculos.


Esse sentido da intervencão cívica, caraeterí sticacons
tante do seu perfil, é particularnente sensível nos anos em

que se desenrola a polénica. 0 ano de 1846, en que sai o pri

neiro volume da Historia de Portugal, era igualmente o anoda

complexa revolta da Karia da Fonte, cuja repressao vai possi.


bilitar o regresso de Costa Cabral ao poder. Apesar de se ate

r.uarem as caracteristicas ditatoriais que caracterizaram o

seu prineiro período de vigência, o cabralisno continua a e-

xercer un poder de certo nodo rerressivo, oue se nanterá até

ao novimento da Regeneragio, em 1851. Em 1850 e publicada a

famosa "Lei das Rolhas", que limitava de nodo signif icativo

a liberdade de exrressao, contra a qual Herculano interveio

prontanente, apesar da acusaclo de silencio sob o consulado

de Costa Cabral, oue, no ânbito da sua polemica con a Re~e-

neraglo, en 1857 Ihe dirige Rodrigues Sanpaio (4).


Os tenpos eran, de facto, difíceis. Ainda oue
signifi-
casse o fim do cabralismo, a Regeneraglo nascia, como rene-

transtemente observa A. José Saraiva, já sob o sisr.no da con-

tra-revoluglo que se acentuava na Europa, apos o "teror ver-

nelho" que ĨR4P representara (5). Este rerara, con efeito, u

na reacclo generalizada con repercussoes tanbén en Portugal

(6), oue Herculano desde cedo denonstra ter detectado. 0 Va-

nifesto da Associacao Popular Pronotora da Sducaclo do Sexo

Feminino ao Partido Liberal Português (7), de


1858, é um dos

textos em aue ele nais claranente reflecte sobre o vasto e


da reacclo europeia e suas ressonâncias em
complexo problema
necessidade de alerta constan
Portugal. Aí adverte para a um

te contra tais progressos, que uma análise ateuta da historia

europeia mais recente torna de certo modo obvias (8).

No caso concreto da introduglo em Portutal das irnisde

caridade francesas, sobre a aual polemiza neste texto, Kercu

lano demonstra mais uma vez a importância que nele assune a

historia cono factor preponderante para a elucidagio do pre

sente, ao oferecer å reflexao momentos cuja analogia con o

rresente nio podem nem devem ser desrrezados. Naquela tenta-

tiva aparentenente benigna Herculano vê o espectro da também

aparentemente benigna introduglo da Companhia de Jesus no

país, em século já longínquo: "Ha tres seculos que tambémdcus

frades de um instituto novo, chamado a Companhia de Jesus, en

travam sozinhos en Fortugal . Um delles abandonava logo este

pais para atravessar o oceano e ir embrenhar-se entre as gen

tilidades da Asia. Ficou o outro. Foi o que bastou para nu-

cleo de uma associaglo, que em breve dominou tudo f...l. Es-

te exemplo meraoravel e de triste recordaglo domestica deve

ser inutil para nos? As aprehensoes actuaes s^rlo nenos ius-

tificadas do que as dos horaens instruidos, sisudos e experien


tes do raeado do seculo XVI? Ka quem diga que sin, ha quenren

se que a historia serve so para pasto de una curiosidade van;

quem supponha que as leis da humanidade nlo slo sempre as

mesraas; que onde se derara causas identicas nlo se hlo de re-

petir os mesmos effeitos. Deploramos a intelligencia dos que

assim pensam" (9) .


161

Arresentando .^actos que considera como provas concreias

do avango da reacclo ultramontana em Portugal, Herculano vê

na tentativa da introduglo das irnls de caridade no nossoraís

nlo um facto avulso e sem sirni^icado, mas, pelo contrário ,

recuperaclo reacoionários: Ê
"
rega fundanental do avango e

d' estes rrecedentes oue princiralmente deriva a gravidade da

introduclo das irn.Is de caridade francesas en Portugal, in-

troducio que, serundo já nostrános e continuarenos a nostrar,

nlo se pode reputar alheia å ecrsriraclo organisada nesteraiz

contra a liberdade; que nlo é, oue nlo rode ser senlo una

nova rhase della" (10).


A ouestlo reliriosa ê talvez aouela en oue, rara Kercu

ĩano, mais claranente se consubstanciavan os perinos e ossin

tonas da reacclo ros-1818, nun crescendo de desencanto oue

atiure rorv^ntura na sua carta a José Fontana o ponto náxino

de exrlicita^Io. Se n' A Voz co Irofeta, e pensando particu-

larnente no caso por-tuf<uês, a linha de *"orca é a defesa da

religilo "tradicional" contra o radicalisno da esquerda libe

ral, muito mais tarde, em 18^1, e como corolário de un pro-

cesso de que, como temos vindo cedo Her-


a ver, se
apercebe,
culano empreenderá a defesa do catolicismo contra a reacclo

religiosa que mina, por dentro do proprio catolicisno, a Igre

ja e os fundaraentos da religilo. 0 perigo nlo vera do exterior,

proveniente de acontecimentos como as conferencias do Casino:

o grande perigo ven do interior Co catolicisno. Essa a gran-

de questlo, e é nesse sentido que lucidamente afirma, referin

do-se ao absurdo da proibiqlo das conf erências : "Nlo setoma


fortaleza divlna; nas rod e ser ninada e allulda por uraa
a

d.esleal. t esse actuairaente o


grande rerigo que a
guarnicao
aneaca; nlo slo os discursos do Casino. A situaclo da egreja

assirailha-se hoje aquella en oue se achava no IV seculo, quan

dizer de S. Jerorymo, triumphava por toda


do o aryanismo, no

a parte, e até o papa Liberio adheria å fornula ariana do

conciliabulo de Sirmio e acceitava con.o orthodoxia a heresia.

Esta situagio tristissima d.a ep-reja é cousa um pouco naicgra

ve para a reli^iio do Estado do que todas as hostilidades i-

marinaveis dos seus adversarios ieaes" (11).

Kas o rroblema do avango reaccionário en Fortugal nlo

e arenas equacionado cono fazer.do parte de un novinento de

carácter mais geral e a escala europeia. Sxisten especifici-

dades no caso português, que Kerculano não deixa de acentuar.

A sua crítica a.c clero rortu/tuês, que se torna porventura pa


_•

radiffnática cono facto público con a polemica de Ourioue, ra

qual, como vinos, algum clero tomou parte activa, 4 en Hercu

lano ronto de reflexlo de toda una vida, en oue frequentemen

te chama a atencio para a necessidade de refornas da educaclo

e da instruclo do clero (12).

A sua atitude perante o clero é, de nodo reral, enoua-

drada dentro dos parânetros de crítica a un.a vivência aduĩte

rada da reli.Fiio catolica, ao esquecinento do vocaclo pasto-

ral, ao fomento da credulidade, å hipocrisia corao arna de na

tureza política, a una deficiente instrucao e preraraglo pa-

ra as tarefas que lhe estio conetidas. E, enquadrada dentro

destes parânetros essa atitude crítica é, cono dissenos, uraa


constante da sua reflexlo de homen público, un dos elenentos

oue nais rrofundamente noldan a vertente anti-clerical do æu

nas oue reflecte paralelanente a inportância oue


pensanento,
assuniran sua vida e obra.
os problenas religiosos na

Parece-r.os ser na celebre e fundamental carta a Jose

Fonfana o lugar en que de nodo nais laridar Herculanc resume

a visao que ten do problena da religilo en Portugal, polari-

zada entre acrendice e a supersticlo, reflexo de una "proredåi


xica" relifiosa secularneute deficiente e
lacunar, e o certi

cisno, aue ^radual ner. te se instala en deterninados niveis da

escala social; en cualquer dos casos, o desconhecinento dos

verdadeiros fundamentos da reliriio catolica. Portugal surge


"
-Ihe, de facto, em 1P71, como um
[..."] raís, onde, por igno

rancia do clero inferior e nz-îé ou desleixo dos prelados, as

naiorias incultas creen nas bruxas, nos feitigos, nas muĩhe-

res de virtude, ne.s alnas renadas, na permutaglo de milarres

ror ex-votos de cera, e onde, falando geraĩnente, asminorias

intelligentes e instruidas buscam estor.teiar-se, surprirair u

ma voz interior que fala de Deus, com a in.dif ^erenca ou con

"
o scertici sn.o
[. ."] . (l7).
Referino-nos nai s atrás ao problema da reacclo r^ncra-

lizada a aue a Eurcpa assiste apos os tunultos de 1848, e

cue a nível religioso se nanifestan nun aprofundamento do ul


, _•

tramontanisrao catoiico. Vimos tanben como para Kerculano tal

situaclo reclana una urgente inverslo do processo. Sste pro-

blena nlo pode, no entanto, parece-nos, ser perspectivado nun

unico sentido. Se a reacclo reiigiosa e esrecif icanente ultra


nontana 4 um facto que ultrapassa em amplitude as fronteiras

da prorria religilo, a grande importância que assume nlo r.o-

de ser explicada arenas atraves de uma leifura política e "i

deolotizada" do sertinento religioso.

Con efeito, essa anplitude explica-se tambén pelo fac-

to de coincidir rrosso nodo con un iniludível renascimento da

crenga religiosa oue nlo ten pouco a ver con una certa cons-

truclo ronântica do homen e do trarscendente , Sxiste, rois ,

no ultranontani sno catolico un claro aproveitanento dun facto

irrecusável: o renascinento do sentinento relirioso no nundo

ros-iluninista. Tanben Herculano se apercebe nuito claramen-

te desta realidade, da qual ele prcprio participa, 0 seu tex-

to Do Chrlstianisno 4 justanente orientado, alén da condena-

cão do catolicisno "nilitante", segundo estes dois vectores:

ror u^ lado, a violenta crí tica ao encicloredisno arti-reli-

sioso, responsável, a seu ver, pelos progressos do cepticis-

no e da descrenca; por outro lado, e ra.ralelanente, a ccnsta-

taclo da ultrapassagen dos fundanentos dessa atitude, relo

ressur~lr inequívoco da crenga. Comefeito, verifica-se uma

superaclo do princípio de inteligibilida.de aue estava na ba-

se do iluminismo —
a noglo de que o progresso e a civiliza-

gao eran incompatíveis com o Evangelhc, confundindo con a ]ei

tura oue dele fcra secularnente feita, a nível insti tucional.

Hercula.no defende, pelo contrário, a possibilidade de

una conciliaglo entre a civilizaclo, o progresso e a religiao,


contra o
iluninismo, afirmando "a guerra entre
que o Svange-

Iho e o progresso era absurda; era guerra entre luz e


luz^rêo
entre luz e trevas. Concordes a fé e o saber, a sua acclo so

bre os destinos das nacoes brevemente será innensa e irresis

*ivel" (14), 2 assin aue tanto Lanennais ( ainda oue con re-

servas ) (15), como esrecialmente Rousseau Ihe surgem conopa

radigna de una atitude nova que se anuncia contra os princí-


rios do slculo da "irrelirilo" : o ressurginento co sentinen-

to religioso. S def'erde nesno, firme na sua convicglo: "E se

o christianisno nac triunphou ainda completamente das preoc-

cupacôes ver^orhosas do seculo passado, nlo se carece degran


de perspicacia para antever oue nlo tarda o dia en que a Su-

ropa seia outra vez verdadeiranente christan" (16).


Herculano dá pois conta de una e^p.eranga que no entan-

to se viria a r~veĩar de csrto nodo ilucida pelo arroveita -

nento oue o ultranontanisno catolico e a reacoao de un nodo

geral fazen desse renascinento religioso. :o Manifesto da

Associaclo Popular Pronotora da Sducacac do Sexo Feminlno ex

rrime claramente esse pen^anento, citando ^n apoio da sua te

se ralavras d- Guitot en relaclo a una situacao sinilar en

Franca: "tGuizotj descreveu con raridos tragos n'un livro re

centissino
[T5énoires. T. IJ, o caraoter da reac-Io olerical e

absolutista a iue
inpianente e0i sacrificado o sentimento re

liícioso que renascia en Franca."0 nal :iue ainda dura —


diz

Mr. Guizot —

[. J
. . é a guerra declarada por una porgio con-

sideravel da irreia catholica de Franga a sociedade francesa

actualj^. ..J . 0 novinento oue reconduzia a Franga para ochris

tianisno era sincero e nais do


grave que parecia. Entregue a

si, e sustentado rela in^luencia de un clero que so se preoc


fe vida christa, aquelle novinento
cupasse de renovar a e a

de se e de restituir
tcria grandes probabilidades propagar

imperio. Mas, vez de se conser-


a religilo o seu leritino era

varem nesta alta esphera, muitos merabros do clero catholico

e seus cegos partidarios desceram a questoes mundanas, e mos

traram-se nais ardentes en repor no antigo molde a sociedade

francesa, con o intuito de restituir a igreia a anterior si-

tuacio, do refornar e dirigir noralmente os espiri -

que en

fos" (I7).

Kas esse arroveitanente explica-se tanben en parte pe-

lo radicalismo que certos sectores liberais manifestaram pe-

rante a religilo. Herculano nlo deixa, de facto, de assacar

0 parel negativo que a seus olhos 0 liberalisno teve, en cer

ta nedida, na efectivaclo desse aproveitamento reaccionário do

ressurgir do sentimento religioso. A leitura que faz do pro-

blema articula-se, de facto, tambér. por essa verterte: ao a-

tacar a religilo, 0 liberalisno proporcionou una aoeleraolo

ou un aprofundanento, conforne os casos, de una tenoência "pas

sadista" da relirilo, proriciando a sua alianga con os prin-

cípios e os valores da antiga sociedade, e portanto, uma po-

lítica ultranontana a médio prazo.

Diganos que a nova. sociedade nlo conseguiu, rassadosos

traumatismos inerentes a instauraclo de una nova orden, recu

perar para 0 seu campo uma alianca con a religilo —

sonho

tlo caro a Herculano e a certo pensanento ronântico liberal.

Tal sentimento ( que corao viraos, Herculano recorda no ânbito

da poléraica de Ourique, particularmente em Eu e 0 Clero ) ê


y'!-
:,ĸ^ĸ. :,

r

,
'

O* '
■■■ x- **
z

;

1 •
10

bem patente, a esraeos, na sua obra —

lembremos o
episôdioda

entrada do soldado liberal e o encontro com o sacristlo, na

volta do exílio, nas Cenas de ura ano da rainha vida, episodio

evidenciado por A.J. Saraiva (18), Os Egressos, As Freirasde

Lorvlo, e A Voz do Profeta, tal corao 0 Clero Portuguez, opús


culo bastante raro, de 1841, retirado da circulagão pelo pro

prio autor (19). Neste último exprine com veemência a sua

perplexidade pelos excessos cometidos pelo primeiro liberalis

mo, terninando ccn o seu verbo grave e autêntico: "Ai dos

que aboninan a cruz , porque a cruz é eterna! Quen passa como

sombra van slo os honens e as suas paixoes, as geracoes e os

seus crires, os povos e as suas leis insensatas" (20).

Hercula.no ersaia, pois, una análise múltipla da reac -

glo europeia e suas ressonâncias em Portugal . Retomando a

ouestlo levartada sobre Ourique, f0rna-se obvio aue o factor

prinordial da sua intervenqlo se encontra iustamente na neces

sidade da denúncia de una situaclo política e socialmente ln

quietante. A questlo histcrica invocada nlo pode, tanto por

sua natureza cono en funglo da logica ca análise que efectua,


assunir-se senio cono un pretexto prenunclador de outros ir-

tuitos, Este é, de facto, a sua leitura do problema, que con

sequentenente molda o esrírito oue preside a sua intervengio.

A polenica é para ele o espago em que se evidencia a

materialtza de modo nais cĩaro sentido cívico que preside a

actuaglo e vivência do cidadlo empenhado. Ela é, de facto, un

"modo de estar" que Ihe 4 muito peculiar, correlato da sua


1

imagen de cidadio. Varias vezes se tem dito que ,


de certo mo

do, Herculano se "perdeu" nessas "guerrilhas", como ele pro-

prio Ihes chama, desviando-se de outros trabalhos mais impor

tantes. Kas elas podem ser vistas, sob outra perspectiva, nlo

como factor de disperslo, raas ccr.o nonentos indissociáveisda

sua imagen e dc nodo de encarar a sociedade, o facto público


e a prôpria coucerclo de cidadaria (21).

En carta ao Duque de Palnela, de Dezembro de 1868, de-

fine de nodo slngular essa capacidade de ir.tervenqlo, deriva-

da nlo de una acribia cultivada, nas de una necessidade cons

titutiva e vital d.e intervir na sociedade: "Quanto ao país,


e as ninhas rrofecias, acredite que o contrário do citado nin-

ruén e profeta na sua terra é que 4 verdade, Na nossa terra,

ondc tenos obrigaglo de conhecer os homens e as coisas, e


que

possuínos elenentos para rrever o futuro" (22).


t atraves da polénica —
e en várias e de vários tipos

se viu envolvido ao ĩongo da sua vida —


oue en Herculano

nais claranente se evidencia a atenglo ao tenpo e a imrortân

cia que para ele assume, por assim dizer, a "circunstância"

das grandes questoes do seu te-rpo. t esse aliás o ser.tido da

"Advertência previa" ao primeiro volune dos Opúsculos, rubli

cado en 187?, en que denonstra ben a consciência do "inrerio

da circunstância" en parte sigrif icativa da sua obra, assurain

do-a como vivêr.cia inevitável. Diz ele: "Os escriptos aqui

reunidos, os quaes, na sua maior parte, foram insrirados por

impressoes monentaneas, perderan o interesse que Ihes provi-

nha das circunstarcias aue os rrovocaran; mas, ainda assir^po


1 J. 0

dem ficar cono narcos niliiarios que ajudem aassignalar as

luctas e o progresso das idéas em Portugal no decurso demais

denasiada vivacidade, falvez


de trinta annos
[. .]. . A a exage

rada energia con que frequentenente ahi sao exrostas e defen

didas taes e taes idéas e conbatidas outras, revelan a indo-

le impetuosa mas sincera de ouen escreveu essas paginas" (23).

Una vez aue "o honen inprine necessarianeute en todos

os actos da vida as condicces do seu ser" (24), porque acren

ga 4 factor estruturante do homem cono ser e


cidadio, existe

nele uma particular veenencia e una entrera total na defesa

dos seus rontos de vista, una capacidade de rrcxinidade das

questoes, o aue Ihe pernite exercer a crífica, nas una simul

tânea disfa.rciaclo no julganer.to. Se no início da sua rrinei

ra carta a Kaggessi Tavares afirma nlo ser "dos menos sujei-


tos a ceder âs vezes aos inrulsos da vivacidade" (25), é por

oue iustanente ele ten da intervenglo pública cono nateriali

zaglo do dever cívico una nocão quase sagrada, em oue o exer

cício da liberdade se entrelaga com a exterior: zaelo de uma

atifude moral. 0 seu conceito de cidadania é totalizante ror

que de certo nodo tende para a exclusividade Como


. afirma en

1858, "3c ha una cousa nas obras hunanas oue tenha en. si nes

no a sua causa final; é a arte. Tudo o mais ten ror obiecto

a sociedade ou o individuo" (26).


Herculano senpre defendeu necessidade do debate
a
pú-
blico das ideias, cono factor de dignificacio da cidadania e

simultaneanente corao a explicitacio porventura raais adeouada

e clara do exercício da liberdade do cidadlo. A inrrer.sa assu


ne nele particular relevância como espago privilegiado naver

tente tública do debate ideologico lato sensu. Ê a componen-

te rúclica que legitima e dá significado social ao debate e.

å trcca de ideias, ainda oue antagonicas. Por isso existe ne

le un visível respeito rela inprensa, irstituiclo ouepernite

a propagaclo do facto público, a infornaclo, o fonento dopro

gresso. Já en 1F78, no artigo "A Imprensa", corsidera-a cono

"o maior factor da sociedade moderna, c oue marcou a maior e

pocha da historia universal, fazendo surgir a r-volucic mae,

a revoluglo das revolucoes, a revolucão por excelência, Se a

civilizaglo progride com tanta raridez a este seu invento o

deve
j\««3'(27). Sla é, pois, un factor rrioritário de progres

so e de civilizaclo de que a sociedade noderna dispoe, e a

sua nisslo última 4 contribuir "para que a sociedade se ne-

Ihore e civilize
[...]" (28).
Kas sinultaneanente nanifesta una certa "vertigen" re-

lo inenso e incontrolável poder oue nela pressente rela du-

plicidade que ela carrega en si ror natureza, pelas possibi-


lidades infinitas de un nau uso desse instrunento social,
dentro dos parâ-etros de observância da liberdade da sua uti

lizaglc: "Quantos nilhoes de cabecas na hora en oue isto es-

crevenos se estlo en toda a superficie do globo repassando


da palavra inprensa! [". -3
. Quantos centenares e nilhares de

pennas estlo neste nomento langando para dentro deste vaso,

sempre era fervura, os mistos raais extranhos; a verdade, o so

phisma, a nentira; a inpiedade ou a fé, o fel da calumnia ou

incenso da lisonja, a caridade ou o cdio, a innocencia ou


1

corrupgio, a honra ou o desaforo, a animacao ou o desalento,

as sementes da paz ou as da guerra!


"
(29).

Tal con.o noutros lugares da sua obra, tanben a polemi-

ca de Ourique nostra a inrortância que a irarrensa reveste pa

ra Herculano. Tanto en Eu e o Clero, cono nas Conslderagoes

pacif icas ou nos Solennia Verba é muito clara a reverênciape

lo "sacerdocio da inrrensa" (30), o hábito en "patentear li-

vre e sinrelaneute as I •••! opinioes acerca dos homens e das

cousas" (^l). S deste facto que nos parece derivar, en parte,

a rropria dualidade de registos discucivos, nele tlo frequen

te : o resreito relo ^usto e adecuado uso da imprensa suscita

-Ihe o respeito pelo adversário e um 'on análogo —


ê o caso

particular das Considera^oes raciflcas e dos Solennia Verba.

na rolénica que estudanos, "as quando a utilizaglo da inpren


sa escapa ao sentico do "sacercccio cívico" para enveredarre

lo ataoue gratuito, a violência na argumentacao ou até nesno

relo ataque pessoal, Kerculano é terrível na sua ufilizaclo-


iá r.ao cono
instrunento, nas cono arna, en que os seus do

tes de tenível polenista nais evidentenente se nostran —


co

no é o caso das Cartas ao pi Recreio.

Mas apesar de última


tudo, e en análise, tanbén essacon

ronente de radicali zacio no seu uso faz talvez parte da sua

prorria natureza; por isso nanten que "a inprensa livre e a

nais bella das instituigoes; é-o até muitas vezes suando a

transformara as raixoes; rorque dos eeus desvarios das luctas

que suscita resulta nao raro brilhar luz


a ca verdade" (32).
A defesa da liberdade da inprensa é, con
efeito, corre
173

poderes civis instituídos perante una questlo oue ultrapassa

a sua esfera de acclc, e cue reside na nanifestaclo —


isto

é, na exteriorizaclo —
da liberda.de de pensanento. Com uma

"
limridez absoluta, eouaciona a questlo de nodo notavel: 0

que e nrave en si, ? como tendencia, e cono symptoma, 4 a in

tervengão da rolioia rreventiva nessa questão: 4 a policiaviû

lando um direito auterior a lei positiva, o direito da livre

0
manifestagio das iceias [...]. gcverno parece igr.orar que

o bon ou nau uso dos direitos absolutos está acina e alendas

prevencoes da tolicia, Dizer-se que se resreita a liberdade

de pensanerit o, scb a condiqac de r.ao se nanifestar, é tueril.


Na nanifestaqlo 4 ~ue reside a liberdade, r.orcue so cs aetcs

externos sor ob""ecto ^o direito, e a liberdade de en


pensar

voz alta £ un direi*o origîr.ar io [. .


.]" (35).
Kas al-n de de =af io ao priucírio absoluto da nanifesta

cao da liberdade de p-nsa-:ento, e una vez oue esta 4 gerado-

ra de civili.taclc e trogresso, a censura 4 tanbe'n para ele,


no ouacro geral do progresso huuano, contínuo e
invercível, u

ma ineouívoca negacac dessa tendência, "uma insolencia 'io

passado contra a ciguidade social da geraclo rresente" (36).


A sua atitude perante o duplo problena da liberdade de

inrrensa e a censura revela-se porveutura c.r\ toda a sua ex-

ter.sao en 1851, aquando do aoeso debate nantén


que con o ;"or

nai legitinista A Nao.ao (37). No anbito desta contenda, ANa-


£lo atacara a nenoria de D. Pedro IV en raoldes oue suscitaran

o veenente protesto de Herculano, en artigos publicados no

jornal 0 Paiz. A questio chegou nesno a enveredar por um ton


de violencia verbal e por un debate encarnigadanente ideolo-

tico. I.ĩas no nonento en que as autoridades intervem, proces-

sando A Naclo ror difamaglo da nenoria do rei, Kerculano, en

atitude de rrande dignidade cívica e sublinhando o vaior, oue

ihe era tac caro, da liberdade de expresslo e debate, dá a

discusslo tor er.cerrada —

porque para ele os assunfos r-úbli

cos deven ser discufiaos no canpo da imprensa e nlo ser ob-

iecto de sancao por parte dos poderes constituícos. Nesse sen

tico afirna, dirigindo-se aos redactores de A Naclo, no últi

no artigo oue publica sobre o assunto: "Se o tivessenos sabi

do a tenro [do processo] o nosso artigo teria sido surrinido.

Desde o ")o-_ento en que a auctoridade interveiu ísicj no com-

bate , a questlo acabou para nos. D. Pedro e a sua vida per

tencen ho^e a historia: na nossa opinilo defende-lo ou ag


-

gredi-lo nao rertence ao ninisterio publico [•••!• -^e -°3e á


va.nte ate que se conclua o processo da Naclo, o orglo do par

fido io sr. D. Kiguel nlo nos ha de encontrar nais no canro

da imrrensa, ainda mesmo quando nos aggredisse. A persegui-

glo sanctificou e tornou para nos inviolaveis os nossos ad-

versarlos roliticos " ( ^


8 ) .

Nura ultimo sentido a coraponente púbiica de aue toda a

polémica se reveste, assune particuiar importância en Hercu-

lano. Do homem público, tal ele é


cono o entende, insepará-
vel o
juízo da historia. Tal corao pela historia o passado
e aferido e julgado, tambén o
presente, oue un dia será his-

toria, será por sua vez alvo de iulgaraento. Ê na consciência

serapre presente deste facto que Herculano equaciona as suas


atitudes de honen rúblico e de cidadão: a preocuraglo pelo

do porvir a'inal a concerclo da hi storia também


julgameuto

como úitiraa sanclo, poroue "lenbra, caraoteriza -


:ulga" (^9),

de
facto particularnente visível nas suas interven^oes pole-

nista.

Tentános neste capítulo acentuar dois asp^ctos oue nos

da vislo da vivencia de
parecen rarticularterte relevar.tes
e

Kerculano sobre a polérca de Curiaue, Por un lado, a exrlici

tacao da^ueles iue sao, a seus olhos, cs verda'eiros notivos

aue rresidiran å polénica, rara lá dacuela aue ele senrre con

siderou como "oortina de fumo" e nancbra de diverslo: o pro-

blena da hi storicidade do milagre. É nuifo clare o juízo e a

avaliaclo oue faz dos genuínos intuitcs da rolenica, oue pa-

ra ele nlo se esgotan no notivo invocado, nas sao, pelo con-

trário, de natureza essencial^ente diversa: isto é, un dos

vários sintomas da naterializaoao da reaccio europeia en Por

tugal, da inpreparaclc e fanatismo de parte sigr.if icativa do

clero. Herculano concebe pois a polenica de Ouriaue cono fa-

zendo parte de un pla.no organizado e vasto, en. si proprio un

peaueno elo que, desligado do contexto cue lhe atribui 4

insignif icante ,
nas que nele irserido assune as suas verdadei

ras prcporgoes.

Kao oue ele nlo veja que tanbém u-la interven indiví -

duos sinceranente crentes no nilarre cono facto historico e

que por esta vertente articulan a sua participaclo na polemii

ca —
e o caso partioular de '.'.ar.r.essi Tavares. Kerculano sa-
17 £

be-o, e taraben para esses a sua atitude é, cono vinos, orien

tada de forna diferente. Sinplesnente, e cono tentános tanbém


_/

honens ao contrario dc
perspectiva esses —

acen.tuar, na sua

r.ae estlo no verdadeiro centro do c.ebete, nas


que supoen

fora dele; porque o rroblena que pensan ser a ouestao funda-

mental, 4 por ess^ncia anacronico,

S na intolerância clerical, no ata-oue oue julga concer

tado oue ror razoes corjunturais se corporizou nuu ínfino as

pecfo da sua obra que uercula.no cetecta a gravidade dos ten-

pos oue se anuncian. E 4 iustanente segundo essa avaliaclc qie

se decide a intervir e en funclo cela oue naiori tarianpnte o

rienta a sua intervenclo, cuja vertente esseucial A.e ir.teli-

ribilidade 4 exactanente o sentidc do dever cívico da denún-

cia de sintonas que consid-ra inquietantes.

A polenica de Ourioue nlo pode, pois, ser desligada da

sua conponeute publica, pelo facto de ser a denúncia de una

situacio grave . Ela é, cono tantas outras suas intervencoes,


orientada por una aguda percepglo do sentido cívico, do exer

cício da cidadania e da liberdade, do papel fundamental co

uso da inrrensa: questoes, afinal, inseparáveis da extlicita

clo do do seu rensanento e irdissociáveis da sua concerciode

hon.e^ de letras e de cidadao.


1

u, Os tenpos, a crenga e a historia: anti-clericali sno en

Alexandre Herculano

Una das facetas nais noneadas da vida rública de Ale-

xandre Kerculano, e oue naior inportância assune no delinear

do seu perfil e da inaren aup dele se constroi e, sen duvida,

a do anti-clericalismo, conronente essencial nlo so do seu

rensanento, nas tanbén da sua ac:ao rública. 3e nos 4 lícito

tentar estabelecer, nun donínio en que por vezes os factores

de delinitaglo cronologica slo difíceis e


fluidos, o non.ento

en oue decisivanente essa faceta se acentua, aroutarenos pa-

ra a polénica originada rela rublicaglo co rrineiro volume

da sua Hlstoria de ĩortugal.

Se outros rroblenas se enccntravan virtualizados como

rosoíveis núcleos de debate, 4 u~ facto oue a polénica da

Historia de Portunal veio a erigir-se en ^er^os rúblicos nao

como um cebate de carácter historico —

cono a obra, afinal,

oue a provocara

nas essencial nente de caracter ideologico

e religioso. A participaglo de Herculano nesta rolémica, ini

ciada con o enblenático Eu e o Clero, contribui, aĩiás, de

nodo decisivo para fixar a inagen publica de un


Heroulanopro
fundanente anti-olerical .

A violenta denúncia do clericalisno e do ultranontanis

no, pela oual, cono vinos, ele naioritarianente orienta aaia

intervencao, oripinou oue a inagen do Herculano anti-clerical

fosse relativanente facil de


associar a honen "ínpic" e anti

-religioso ou, pelo nenos, desdenhoso das coisas da religilo.


17 p

Dentro desta logica peculiar, fonentada por aqueles oue o at a

cavan, Kerculano 4 apontado e anatenatizado cono un dos ex-

roentes da inpiedade e da hostilidaîe å religilo. 5 noneada-

ner.te o caso de un dos seus nais ferrenhos e agrestes adver-

sários nesta pole'nica, o Pe Prancisco Recreio, oue faz destas

acusagoes un dos núeleos fundanentais do ataque a Kereulauo

(l). Por outro lado, a constância e a firmeza da sua "canra-

nha" anti-clerical, faceta pública que se acentua a rartir

dos anos cinquenta (2), levaran a aue de algun nodo se nar.fi.

vesse essa identif icaclo comoda e inediata —


nas Pn grande

nedida inexacta, porque rarcelar —

alinentada ouer por ad-

versários, ouer ror una leitura nais apressada dosseus tex-

tos e intervencoes rúblicas.

Impoe-se, pois, una reflexlo sobre a natureza do anti-

-clericaiisno de Alexandre Herculano cono "peqa" fundanental

do seu pensanento. K.as, paralelanente, sublinhando oue ele é

tambem, em temos religiosos, un crente sincero e couvicto ,

como aliás transparece do conjunto da sua obra, rretendenos

fazer ressaltar a íntina relaglo e a coerência oue nele assu

mera ambas as posigoes.

Em Hercula.no crenga religiosa e anti-clericali sno, lon

ge de se excluíren ou confrontaren, coexisten. î^ais: slo, a

nosso ver, irter^ ependentes en ternos da inteliribilidade dos

dois conceitos. Sste facto torna-se claro, cono -xplicitare-


nos nais adiante, na sua leitura do iluninisno setecenti sta e,

ia no fira da vida, na intervenclo


sua aquanlo da troibicao^s
Conferências do Casino : a presenga, en anbos os de
casos, un
179

anfi-clericalisrao violento, ror vezes, nas a afirnaclo para-

lela de una convicolo religiosa profunda. No ânbito da rolé-

o cpúsculo Su e o Clero e paradig-


nica de oue nos ocuranos,

na desta anbival-?ncia do r-nsanento herculania.no, ao repre-

se.ntar sinultaneaneute a nanifestaglo de un anti-olericalis-

no convicto e do arego aos princírios da religiao catolica .

Crenca e anti-clerioalisno sao, de facto, dois rolos indisso

ciáveis no pensame-nto de Kerculano.

q anti-clertcalisnc e' nele nao una atitude an*i-religlo

sa e de af astane ntc e coudenaoao da religilo nas, , pelo con-

trário, a deuúncia —
através da historia, rassada e presen-

te —
da subversao daouilo ciue considera ser a verdadeira croi

ca catolica. Por i sso consideranos tanben necessárias algu-

nas ralavras, ainda oue breves, sobre a concerglo herculania

na do catolicisno. Con efeifo, so equacionando o seu pensa-

ner.to en *"ur.cãc desta dualidade nos parece possível entend.er

a natureza do seu o.nti-clericalisnc —

afinal, un vecfor-cha

ve do seu perfil de honem, historiador e cidadao.

0 rroblena da crenca como atifude 4 algo oue rercorre

de nodo constante a sua obra. Sob certa rerspectiva, Kercula

no é, acina de +udo, un honen oue cre . S a cr-nga e nele nao

una atitude rassiva, nas de participaclo fotal do rrorrio ær;

nao a credulidade, "doenca moral" ("^), nas a particira^Io do

afecto e da intelirência, nascida da escolha livre e conscien

te. Daí oue r.ele seja senpre ratente a entrega en defesa da-

ouilo oue
acredita, de que resulta, em parte, a noglo do de-

ver da intervengao ccvica e a sua estatura de polenista. Fa-


180

homen é ( ou deve ser ) a rrojec-Io das suas


ra Herculano, o

crengas ,

S a este resreito signi f icativa a Introducão oue faz a

A Voz do Frofeta trlnta anos dercis da sua rrimeira rublica

gao, A prorcsito de un texto extrenauente datado en que, nu-

condenara radicalis
na linguaíren de ressouâncias bíblicas, o

no e a taixlo da Revclucao de 1876, Kerculano pretende, en

IPo^7, iustificar a antiga violêr.cia do seu texto, ininteĩigí

tenro present--, doninado rela indiferen


vel, segundo ele, no

cer.ticisno e naf erialisno : "Os honens oue en 183"7 se ag-


ca,

gr^-dian violentanente na inrrcnsa c


no cauro tinham, de fei-

*o, hahitos e ser.tir diversos dos actuaes, As fecres politi-

cas eran er.tlo ardent.es, irdo~aveis, porque derivavan de cren

violentas exclusivas ha
gas. ["•••] Ser raixoes e nao as ener

rias oue assonbran" (4). Sste resr-ito pela veenencia dacren

ca cono rrincírio orientador do hcmem e


alias, un dos elenen

tos-chave oue per~ite ccnrreender certas atitudes de Kercula

no na pol^^.ica de Curique. Cono vinos, ele ajuda a exrlicar,

en grande rarte, a afitude noderada de Herculano perarte "a£

gessi Tavares, un dos nais consequentes defensores da veraci

dade do milagre.

A crer.ga 4 pois, en Kerculano, una necessidade nlo so

psicologica, cono noral e cívica. Sla I, no fundo, o referen

te prinacial do honen face a si nesno, aos outros honens, å

sociedade, as insti tuicoes. Cono ele prop^io afirna, o horaen

"nlo nasceu rara o scerticisno, rara un estado violento, por

aue ele rrecisa de crêr, ouardo [?icJ mais nlo fosse ao ne-
1

nos na voz esperangosa ou aneagadora da consciencia" (5). Sn

1813, no fragor do debate sobre a Escoĩa Politécnica e o no-

nunento a D. Pedro IV, Hercula.no demonstra mais una vez un

horror quase "aristotelico" ao vazio representado pelo certi

cisno e
pela incredulidade :
"£...] cada dia da vida nos des-

troe una crenca e ^era en nossa alna una dúvida. 0 scerticis

no conpleto será acaso o terno final do cogitar hunano? Esta

idéa ê repugnante: esse abysno de incertezas aberto nas fron

teiras da morte e horrendo. Aterra-ne pelo n.enos a nin, e

por isso combato. É guerrear por nedo" (6). A ausencia de aen

gas representa a dissolucao do protrio siguificado do honen

como ser individual e social, a inrossibilidade åa constru -

cao de qualquer projecto, a


incapacidade, no
funco, do exer-

cício da liberdade .

Sm 1835, em importante artigo no Reposltorio littera-

rio, ao pretender situar-se no seio do movinento ronantico

Herculano refere o sentico en que se reconhece naquele novi-

nento e afirna en seguida, por contraposigio, aquele en aue

o rejeita: "[...] pcren naquelle sentido oue a esta palavra


se ten dado impropriamente, com o fito de encobrir a falta
de genio e de fazer anar a
irreligiao, a innoralicade e quan

to ha de negro e
abjecto no coragao hunano, nos declara-.os cue

o nio sê-lo
somos, nerr>. esperamos nur.ca. [. ..] Falanos de

Byron. Qual é, com


effeito, a idéa donirante nos seus roenas?

Nenhuna ou, o que e o nesno, un scepticismo absoluto, a nega

gao de todas as idéas positivas. Com um sorriso esrantoso el

le escarneceu de tudo. Religiio, noral , affectos hunanos, mes


no a liberdade e a esperanga foram seu ludibrio. A leitura

dos seus poenas so rrcdu.z, en geral, descorogoanento e deses

peraglo" (7). Signi4,icativamente, Kerculano uac sc considera

rouantico naouilo oue, a seus olhos, este movinento tem de

sonbric, d.e obscuro, ror assim dizer, de "dissolvente" . Para

ele a ausencia de creuea, no caso concre+o que aponta, de

Byron, e a vertigen do vazio, a derrccada de va.lores, c norá.

mente irterdito; por isso rara ele a obra de Syron sc' pode

rrcduzir "descorogoauento e desesreragao" .


Diganos oue acren

ga e, cono atitude, o vector estruturante da faceta "apolí -

nea" de Kerculano. Daí, talvez, a sua transparência: porcue

nao acdica da crenga.

Ja en Vale de Lobos, nos seus últinos anos ce certo no

do narcodos por un calno e cansado cesencanto, reafirna a

sua inconrreensao —

ror feitio mas tambem por fornaclc —


te

las ideias cue Ihe surgem sen transparencia. Neste caso con-

creto, resrondendo a Cliveira Kartins, e reflectindo sobre

a nova dialéctica hegeliana, afirna: "Ja agora os velhos li-

beraes norren sen chegar a comprehender oue c


incompleto, o

imperfeito, o vicioso, das instituicoes civis e do viver ci-

vil hlo de achar renedio na


contradiccão, na formula These -

-
Sin Antithese -
Nlo Slnthese -
Sin e Nlo" (8).
No canpo reĩigioso c rroblena pode colocar-se de nodo

icêntico, atingindo aqui, aliás, a sua naior acuidade e


impcr
tância, una vez que as suas posigoes anti-clericais suscita-

ram bastar.tes vezes, cono sublinhános anteriornente, o lan-

gar do anátema do sentimento anti-religioso e anti-catolico


283

sobre Kerculano.

Fxiste nele ( para lá do seu pessoal ) a cons -

e caso

ciêucia da necessidade do sentinento religioso; nac no senti

do nístlco do terno, cono acertua Oliveira --artins (9), nas

cono una "necessidade psychologica ce crer" (10). A crengare

ligiosa representa para ele, e antes de nais, una necessida-

de hunana a preercher, necessidade í.rtima, e certo, nas tam-

bem necessidade social, de oue aliás ensaia, a espacos, uma

interessante leitura d«= carácter sooiologico, ao estabelecer

uma relaclo evidente entre a ircreculidade e o estatuto so-

cial, considerando-a mais intensa nas classes sureriores, e

rensando existir pelc ccntrário, una maior persisteucia das

crengas religiosas tradicionais nas classes mais b.aixas (11).


Sen o suporte d> crenga, o homen encontra-se desrc~*ado de re

ferentes in^.isper.sávels; sen ela, sv.rf.em o abisno da ineredu

ĩidade, a vertigen do cepticismo e, numa últina iustância, a

indiferenga reliriosa que e, afinal, a ncrte da crenca. Ker-

culano distingue, comefeito, a incredulidade e o


certicisno,
por un lado, da verdadára norte da crenga, contida na indife

renga, por outro. A crenga que ainda suscita senfinento, nes

no o terror ou o ôdio —
no funco, a paixlc —

, não estáain

da norta: "A escuna da colera, o lodo da irjuria oue titans

da inriedade arrenessavam contra o estlo ainda attestan


ceu,

do nos escrirtos daquella epocha lo século XVI


Ilj aue todos,
ou quasi todos elles, tremian das penas infernaes, e
que, pra

guejando de Deus, os cabellos se Ihes eriqavan de terror. A

verdadeira incredulidade nao se irrita, porque desrreza, e o


desrrezo repurna a colera. A indifferenga silenciosa, grave,

■miasi b-nevola, 4 a nanif estagio legitima da norte de toda a

"
creno a v 12) .

Sst' rt'oblena 4 aliás muito cĩaramente eouacionado na

sua lt-itura do iiuninisno. Sxiste nele, sen dúvida, una pro-

xinidade oorcertual do iluninisno. Tanto en ternos de eonteu

dos cono de estrategia ou ncsno de vccabu.lário, o ataqueque

f.az ao catolicisno oficial e tridendino apreserta una filia-

cac clara nc "tribunal dos rhilosorhos" (13); ele é, nesta

rcrspectiva, tambe'n um "filho" da Suciclope'dia (li). I.'as ror

outro lado ata.cn, ror vezes con nuita virulencia, a erccados

"f ilosc-f os" . Esta aparente contradiclo explica-se rorone, pa

ra ele, o iluninisno nlo se linita a denunciar, no canpo re-

lirioso, o catolicisnc absolutista e a surerstiglc secularmas

fere, ou rretende ferir, a religiio no sua esr~encia. t isto

o-;e Kerouĩano nlo aceita, e nais, nac rensa ser pcssível, po^

nue o sentinento reiirioso 4 para. ele una tendência natural

do honen (15 ) .

2 nesta rersrectiva oue nos parece rossível —


e ate

necessária —
una concilia.c!o entre Antonio Jose Saraiva, oue

enfatiza primordialmente o ataque ao vector anti-religioso do

iluninisno (lo), e Oliveira Kartins, que sublinha especial -

nente a "dívida" conoertual de Herculano rara ccn o iluninis

n.o setecentista (l7).

Aliás neste aspecto particular, Herculano participacla

ranente de una das linhas de forga do raovimer.to ronântico.

Nun mundo novo —


o nundo liberal —

que nascera sob o signo


da hostilidade a religilo, assiste-se ao renascer do senti -

nento reĩigioso e a apologia do cristianisno, contra a incre

dulidade e a secura iluninistas, renascinento de oue o arau-

to porventura nais p.aradignático 4 Chateuabriand , con o


_-

nie du Christiar.isne, ce 1802. De facto, en vários escritos

Kerculano dá conta da sua esperanga e nesno fé no reuascinen

to cfectivo ^o cristianisno. apos o "vendaval" iluminista. So

oue, participando desse renascinento, nlo irá rartilhar da

sua componente ultranontana e "jesuítica", que a dado mom-n-

to e en certos círculos ele irá assunir.

A defesa oue -nrrcende da crenga reliriosa contra a sii)

verslo iluni.nista, contra "es°es rélidos filhos do século

XVIII" (18) ê aliás prof undanente tocante poroue vivencial.

Se a necessidade da crenca é una


cvisencia, se a reli riac Pne

surge cono o ^io de pruno consfante da vida do honen, 4 ror-

■oue ele já sentiu a sua ausencia, já viveu o abisno da iucre

dulidade, a ilusoria scberba dos oue se consioeran "rossuido

res da chave do uuiv-rso" (l"). Tendo con eles partilhado a

ausência da crenga, dias do oprcbio de miseria


"[...] nos e

4 que experimen tei ouanto 4 vlo o filoscfar do incrédulo. A

iucredulidade 4. un conrlexo de ideias oue apoucan o esrírito,


e aue o tornan vazio do oonsolo, oue, en neio da desventura,

so se encontra no seio da religilo" (20). Porque, ao contra-

rio da filosofia, na aual a construqao -\e sistenas e ontolo-

gias perpetuanente se sucede, a religião é constante e inuta

vel nos seus rreceitos: "A historia da filosofia é a histoaa


de un edificio comecado ha nilhares d'annos, en cue ura secu-
lo revolve os fundanentos que outro langou, para lancar os

seus, os ouaes igual-ente slo revolvidos pelo seculo seguin-

te, cujos trabalhos condemnará o que vier apos elle. (_•••]


Constancia, perpetuidade, so a ten os preceitos inmutaveisdas

crengas religiosas" (21). E por isso, "(_...] a incredulidade

como crenga, a negacio como systena 4 inpossivel en relacio a

totalidade, ou ainda, ao naior numero dos individuos" (22).

Será* tanbem o rroblena da crenca religiosa un dos pon-

fos p^los ouais Kerculano se afasta da chanada Gera^ao de70.

Segundo Antonio Jose Saraiva (2T) esbogan-se en Portural (ra

ra alén da obediência ao catolicismo tradicional ), duas ro-

sieoes peraute o cafclicis.no: c catclicisno liberal cos ro-

na.oticos, anti-clerical, e una atitude diversa de una gera-

glo nova, ateia, para a qual o catolicisno 4 una realidade so

ciolorica que deve ser estudada cono tal, neragao essa aue,

alén de anti-clerical, 4 anfi-rellgiosa, en nome da razlo cien

tífica. Para lá de alguns pontos en conun, algo de profundo

separa estas duas geragoes, o oue virá claranente ao de cina

en 18'71, a proposito da proibicao das Conferências do Casino.

0 apelo dos organizadores das Con^erências a interven-

clo de Kerculano, cono inagera tutelar de cidadio, noneadanen

te en relaglo a confcrência de Antero de Quer.tal, recebe re s

rosta de Herculano na carta que este dirige a Jose Fontana, A

supressao das Conferencias do Casino, o textc porvent uramais

paradigmático e esclarecedor dc catolicisrao e do anti-cleri-

calismo de Herculano. E e
justanente nessa nedida nuito cla-

ro acerca do que o une ao grupo do Casino e io que irrenedia


■>.
p^

velnente o separa dele.

Kerculano aproxina-se da nova geraglo pela nanifesta -

cao de una atitude anti-clerical constitutiva; nas desde lo-

go as razoes sao fundanentalnente diferentes ou, se ouiser -

nos, esfanos rerante "anti-olericalisnos" distintos, poroue

dii'erentenente fundanentados. Assin, a sua rosiclo vai no sen

tido da udlizaclo da historia nao rara una denúncia do cato-

licisno nas, rclo contrario, para melhor evidenciar a ineouí

voca crenga no catolicisno autêntico, adulterado pelos hcmens.

É assim oue o ataoue tenaz oue faz ao "neo-catholicisno" reac

cionário oue, na esteira de una evolucao secular, nina a pro

pria Igreja, so rode entender-se en funglo da defesa que pa-

ralelaneute enpreende caquilo que corsidera ser o verdadeiro

catolicisno, Podenos conpreender assin o (quase) paternal oon

selho ao fogoso Antero oue, en última análise, 4 iniusto no

iuízo condenatorio tctalizante que faz da relirilo catolica,

rorque na verdade nlo Ihe conhece a verdadeira essencia: "Qui^


sera eu que o sr, Anthero do Quental oonhecesse melhor a dou

trlna e a tradicao verdadeiranente catholicas, porque havia

de ser nenos injusto con o catholicisno, enbora nlo ^osse ne

nos severo, ou talvez o fosse ainda ^ais, con os padres" (24).

E esse será, afinal, o fundanenfo da distância que exis

te entre Herculano e o grupo do Casino: a nocao de oue acren

ga 4 una tendencia natural do honen que não pode suprirair-se,


e de que a resposta ao desvirtuanento da Igreja pelos honens

é, nlo a incredulidaae e a indiferenga, nas o joeirar do ver

dadeiro catolicisno: "Para combater essa influencia, do clerol


18-

quando nociva, a incredulidade superciliosa nlo 4 a neĩhordas

armas, rorque a incredulidade 4 a negaglo de una tendenciana

tural do homen, a religiosidade; é o esririto violando-se a

si proprio" (25). Daí tanbém que o texto seja, allm da dia-

tribe anti-clerical, um "breviário" do catolicisno de Hercu-

lano: roroue, nele, anbos existem indissoluvelmente ligodos.

De facto, como já afirmámos, o anti-clericalisnc de Kercula-

no 4 essencialnente o r-sultado da afericio dos tenpos en

funglo daquilo que ele rensa ser o verdadeiro catolicisno. É

este, julgamos, o denoninador das posicoes anti-cleri cai s que

ele, oon r.otável constáncia, mantem ate ao ^im da vida.

Kerculano ten do cristianismo e do catolicisno un.a con

cepqao talvez surpreendentenente despoc'ada. A reliriao é pa-

ra ele essencialnente sinrles, baseada na fe ,


na p.alavra de

Deus, na tradicao constante, na imutobilida.de do dogna, na

hostilidade ao centralisno ronano. Ssta concergao de una re-

ligilo despida de una ritualizaglo insensata e hirocrita, re

duzida a essencia da sua nensagen evanrélica, poderia tornar

de certo raodo anbíguo o catolicisno de Herculano, aprcxinan-

do-o de una sensibilidade protestante (26) .


. E se pontualnen-
te podera existir algumas coincidências na abordagem do feno-

raeno religioso, nlo nos rarece cor.tudo que tal pressuponha u

ma opgao ( ou mesno uma tentaclo ) de Kerculano para lá das

fronteiras da catolicidade . Talvez tenha sido J. A. da Silva

Cordeiro, era 1896, numa curta mas vigorosa refĩexao sobre o

seu perfil quem nais lapidarnente expriniu os parâmetros da

religilo de Herculano, ao afirnar ser ele "christao por ind£


le e catholico por systena" (27).

Herculano reconhece a importância fundamental co momen

to da Reforma, do protestantismo como denúncia e recusa da

perverslo da nensagera de Deus pela ĩgreja. Era 1876, en carta

a Barros Gones, susteuta nesno que a inportância e o fufuro

dcs novinentos refornadores slo o espelho da decadência e cor

rurcao de Rona que, a nlo existirem, terian inviabilizado a-

aueles novimentos: "Sem os abusos da côrte de Rona, podiarnter

arrarecido Luthero e Calvino . 0 lutheranisno e a reforna cal

vinista 4 que nio terlam arrarecido, cu, se o tivessen, irian

decainoo e esmorecendo até se extinguirem no isolamento e na

obscuridade" (28). 0 protestantismo representou a possibili-

dade historica da recureraqio das virtudes prinitivas dalgre

-'a, possibili dades que no entanto nlo conseguiu realizar. Fa

ra Herculano, a virtude essencial do prote stanti sno coi sen

dúvida a denúncia e a reacglo contra a corrupclo de Roma. Mas

surgindo cono reacgao violenta e


radical, levou lcnge demais

a sua acglo, repetindo os erros oue verberara, langando-se tam

bem na senda da intolerância, do fanatismo e da heresia, ac

atacar o dogna, ponto en que, cono se sabe, Herculano sempre

se mostrou inflexível, cono exuberantener.te cenonstra a car-

ta a Jose Fontana.

En 1853, no auge da questlo con o clero e no ânbito da

polénica fundanental oue nanteve com a Regeneraglo, Kercula-

no explana, de nodo laridar, a sua vislo do protestantisno :

"0 Protestantisno ten un lado bon e um lado nau. Na sua ori-

gem era protesto cor.tra os abusos da Corte de Roma, resulta-


190

do ouase necessário do poder excessivo que o pap-ado se arro-

Enquanto reclamavam a antiga disciplira da Igreja e in


gava.

vectivavam cor.tra os abusos e corrurcoes da centrallzaclo pa-

protestantes tinhan razlo; quando feriran o dogmadei


pal, os

xaram de a ter e deran a vantagen aos seus adversários. ?,?as

o oue era revocar a sociedade religicsa a disciplira primiti

va? Sra descentralizá-la; era por o concílio acina do rapa,

c legislativo acina do executivo; era restaurar anplanente o

princípio electivo da jerarquia eclesiásti ca; era r- stifuir

aos n.etropolitas as suas fungoes, aos bispos a sua inderendên

cia. Ficando aí os rrotestantes, terian salvo a scciedade ctís

ta; langando-se aos desvarics da heresia, perderan-na e rer-

deran-se" (29).

A sua posi^Io, no seio do catolicisno e rortanto clara.

Pode, no entanto, ser perspectivada a dois níveis diversos/fo

veno o-se no canpo dos princírios absolutos, e anti-clerical ,

condenando o catolicisno ritualizado, e rrccurando a crenga

original, ou o que ele a surunha ser, no ân.bito de uma certa

vislo romântica do catolicisno. Catolicismo idealizado? É

essa, comefeito, a leitura de Oliveira Kartins, que diziater

Herculano abragado "a tradiglo reĩigiosa, ou antes, aouela

pseudotra.digIo de ura catclicisno ĩiberal inventada relo ro-

nanti sno f. .
.]
"
(30). Tan.bén Silva Cordeiro faz una leituraæ

raelhante, afirnando que "[...] até 1870 Kerculano ficára en-

tretanto catholico-liberal —
d'esse catholicisrao romanesco

que depois de Chateaubriand até Dupanloup e Laraennais ( na

priraeira phase ) embalou toda uma geraglo de poetas e de cren


1

tes entre o liberalisno kantista do seculo XVIII e ?. sugges-

tao poetica da cathedral gothica..." (7l) Kas, paralelanente

a essa rrocura de una crenca rrinitiva, Kerculano nãc deixa

de considerar a necessidade do catolicisno, por assin dizer,

"tradicional" . S porventura quando conscieucializa a inpor-

tancia îo catolicisno con o factos de identidade e uridade sc

cial oue nais clarameute se mostra a sua cpglo relc catoliqs


no .

A crenca catoliea, tal como a entende é, para lá da fé

intrior e da adesio íntina do crente, un facto social e ci-

vilizacional iniludível. Sla 4 un referente indi speusável a

idertidade dos povos, oonstituindo una "rede de afectos" oue

está na base da coesac social. S por isso que, por exenplo ,

reage de nodo ":u:to vicrante en ^efesa da "religil- de nosso

paes" , coutra a intolerância e a iconoclastia da es^uerda li

beral, en IP"77 (32) .

Numa aparente divergência en relacao ao rlanc ios prin

cipios absolutos, Herculano advoga a necessidade ccuoreta da

perenida.de do catolicisno popular, feito de tradiglc, de ri-

to e de afecto, único neio pelo oual, segundo ele, e' tossível

objectivar e tornar actuantes as virtudes norais e civiliza-

cionadoras 00 catolicisno iunto da sensibilidade rotular(33).


t neste sentido que reflecte sobre e benéfica insti tuigio das

festividades reĩigiosas, únicos nomentos en que, na sua opi-


niio, o honen 00 rovo encontra a religlao e dignifica a exis

tencia. Affrna, por exemplo, a propôsito da Mlssa do Galo : "A

Missa do Galo 4 corao as outras festividades catolicas umaboa


instituiglo religiosa, porque 4 rica de sensacoes e afectos

para o homem do povo. Slo estas festas populares as balizas

que os hunildes e
pequeuos deixam em cada ano de vida rara

a sua historia íntima: e langando os olhos para esses mar-

cos, aue eles medem por gratas recordacoes o caminho oue an-

daram na viagen do existir —


fuco o nais 4 a estrada, rĩana

sin, nas coberta de urzes, de un trabalho contínuo, uniforme,


material [. .
.] ; existir oue fora nais prôxino da vida animal

oue da hunana, a nao seren essas horas das festas religiosas,


en que a grosseira sensualidade se nistura e
enlaga oon as

ideias do Ce'u; en que, rara assin o exprimir, estas se nate-

rializan, e aouela se espiritualiza" (34).

A anbivalência, ou porventura a tensao entre a fá deru

rada e a religiao "popular" (35) 4 portanfo clara: un la-


por

do, a sensibilidace e a rercergac da componente social do ca

tolicisno levan-no defesa


a una nostálgica e
por vezes ouase

idealizada de um catolicismo cono "rede de afectos", proxino


do tradicional, indispensável a coesio social e a sensibili-

dade popular; outro


por lado, a exigência racional e cívica e

a inteligibilidade pela historia levan-no a rrocurar e a de-

nunciar as distorcoes oue considera exlstiren na interrreta-

gao e na rrática secular do catolicisno, particularnente a

nível hierárouico e insti tucional Para


.
Herculano, a historia

ensina que os honens deturpam a verdadei ra faz


crenga, o que

con que, sendo catolico indiscutivelnente, nantenha una posi

gao crítica perante a sua prática e a interrretaclc cue dela

4 feita.
193

Na perspectiva herculaniana, a ruptura e a rerverslodo

catolicismo passam pelo século XIII e relo Concílio de Tren-

to . É con Trento que a Igreja catolica, procurandc dar res-

posta ao grande moviraento de contestaglo da Reforraa, adopta

como eleraento estruturante de organizacao o centralisno abso

lutista. Esta analogia entre organizaglo da sociedade civil

e a da ĩgreja 4 un dos pontos fundanentais na análise que Her

culano faz do desvirtuar do catolicis.no e do papel da ĩrreja:


"A resistencia å revoluglo gerou, rcren, a assenbléa de Iren

to , Irer. to exprine un facto notavel. A egre^'a servira, secu-

los antes, como de tyro â sociedade tenrcral: a sociedade tem

poral, onde as liberdades da idade media tinhan cedido iá o

canro ao absolutismo victorioso, refiectiu na reorranizaclo

da egreja" (36). É o estabelecimento do absolutisno oue cer-

ceia a liberdade e fonenta a intclerância e a defesa da crto

doxia dentro da Igreja catolica.


De facto, integradas leitura nais vasta
na cp.s
épocas
historicas —
neste ronto, o caso rara ele fundanental da I-

dade Kedia e do Renascimento —

, a análise e a conrreensao da

nova evoluglo da Igreja catolica slo inserarávei s da análise


da sociedade civil: 0 Renascinento representa o paranisno (tar;
to en terraos éticos cono
esteticos), vindo, no seic da Irrc-

ja, "substituir as fendencias cristans pelas tendencias ra-

gans" (37), significando o estabelecinentc da certralizaclo,


do absolutisno, o esbater das início
liberdades; en
suma, o

da decadência. 0 catolicisno torna-se militante, afastadodos


preceitos do cristianisno, as norraas de una vida voltada ra-
ra a salvaglo das alnas e a caridade prática tornan-se pro-

gressivanente alheias a un clero cada vez mais corrupto e


ig

norante; a intolerância e a alianga con o poder tenporal tor

nan-se os instrumentos da ortodoxia.

Doravante, a tradigao oficial da Igreja passará a ser

una alianga contra-natura, una "sancta allianga" (78) entre

o Trono e o Alfar. "Contra-natura" poroue, para Kerculano, o

centralisno e o absolutisno da Igreja representan a subver-

slo de um dos lagos nais rrofundos da religilo: a alianga in

dissolúvel er.tre o crisf ianismo, a liberdade e a civilizaclo.

Para Keroulanc, a liberdade é filha do Svangelho, e o absolu

tisno na Igreia ven rerder a tradiglo de liberdade e tolerân

cia. En 1876, nuna época en oue, aros a encíclica Quanta Cu-

ra a Tgreja formulara uma orientaclo hostil aos princcpios


liberais e aros as resolueoes conciliares do Vaticano I es-

sa questlo se nostrava particularnente anuda, Hercula.no resu

me de modo lapidar o seu rensanento: "As instituicoes libe-

raes estlo declaradas incomrativeis oon o christianisno pela

igrec-a official. Q .] . Continuanos a crer que a liberdade se

concilia con o
catholicisno, enbora o sacerdocio hierarohico,
arvorado por notu-rroprio en juizo das instituiqoes sociaes,

raalciga da porta do tenplo o lib^ralisno. 0 tenplo profanado


pela nentira e pela heresia h.o de cair; os phariseus da lei

hlo de desarparecer.
nova
f, .]. Sntao o christianisno e a II-

berdade, o rai e a filha, roderão abragar-se en


rerpetuo an-

rlexo no terreno purificado e sancto das conviccoes sinceras"

(79).
Un dos anseios de Herculano será justaneute reencontrar

essa alianga perdida, isto é, a harnonizaglo necessáriaentre


o ideário liberal e o cristianisno, simultaneamente contra a

iradicional alianga espúria, contra o liberalisno racical,oon

tra, ncis tarde, os ideários da escuerda pos-liberal.

Kercuĩano participa neste pontc de un tena fundaneutal

de reflexao de ura sector impcrtante do século XIX rcmantico

e liberal, oue teve o seu auge en Franga: a procura da funda

nentacao de una alianga entre a religilo e a liberdade. Se

num prineiro mou-nto a afirnaglo do liberalisrjc se faz —

tan

bem —

coutra a religilo, e
por seu turno o ronantisno é ori

ginariar- ente anti-liberal (40), nun segundo monento a procu-

ra irá no sentido da furdanentagãc da religilo oono princípio


de liberdade, una ves oue nlo há inccnpatibilidade entre am-

bas, ben pelo ccntrário. En carta a Barros Gones resune a

sua posigae: "Kundo religioso ĩiberal 4 a conciliaglo da so-

ciedaie religiosa con e. sociedade ter.porai noderna, con o li

beralisno; conciliagao oue foi o sonho dourado de tantcs ca-

tholicos nais ou nenos il]ustres, nais ou nenos obscuros; -cue

foi o siucero enpenhc dos Gioberti, dos Ventura de Raulier ,

dos i'ontalenbert, dos Lanartine, e, se e lícito citar um no-

ne iusignif icante no neio de tantas celebr: dades, oue foi o

neu sincero enpenho neste cantinho do nundc..." (^-l).


0 catolicisnc librral conntitui f
ur.a procuro difícil,
certc, nac isenta de anbiguidades, pela prec<ária si tuacac fa-

ce a una Igreja irredutivelnente hostil aos novos tenpos fa

ce ainda ao sector liberal "filosofo", procura que seria fi-


196

nalmente condenada en termos oficiais pela hierarouia catoLi

ca em 1864, através da encíclica Quarta Cura e do famoso 3yl-

ls.hu -

(42). Con esta situaglo e a sua sequencia naturaĩ, o

concílio do Vaticano I, a posiglo crítica A.e Kerculano aceu-

tua-se, acentuandc-se igualnente a sua distância en relagao a

una ir. sti tuigio en cujos novos princípios nlo se revê. Sm

1876, nas vesperas da morte, 4 um Kerculano desiludido e de-

sencantado, nas senpre firrae nas suas corviceoes cue, oon -

fessando-se "cathclicc da velha eschola" (4l) a Barros Gones,

se refere en termos nuito duros as alteragoes dognáticas in_s

tituídas por aruele concílio, c que nen o de Tr-nto —


e sa-

benos o oue ele significa para Herculano



^izera (--*). 0

Vaticano I viera pcr en causa, a seus olhos, un dos princí-

pics-chave do catolicisnc —
a inutabilidade dc dcrna —

,
en

veredando por inovagoes escandalosas con.o o narianisno -

infalibilismo, a que Kerculano feroznente se opoe. Diz ele a

este proposito: "Pede-ne V. Ex^ ne recercilie


que oon o
ult_i
no concilio. [. .]. Para. nin aquella assenblea nlo passou de

un conciliabulo, de una espécie de latrocinio d'Srheso, aue

poderia ser fatal ao catholicisno, se o catholicisno nao fos

se in".orredouro, cono é" (45). E nanifesta a esperanga que a

vaga "neo-catholica" se veuha a nostrar eff'nera: "0 chris+ia

nisno, e esp.ecialnente o catholicisno, não teraera a ras!o:rre

cisani cella. Ora, 4 o catholici sno, estribado na


razão, que

ne afasta invencivelnente da nova. religiio do narianisno e

do infallibilisno, heresias recertes, heresias de esreculacãb,

e que hio de passar cono ten passado cfntenares d e outras;


1

como ha ce o protestantismo, consequencia fatal das


passar

corrupgces de Roma. 0 arianismo foi muito nais inportante,nui

to nais persistente, nenos afastado da verdade e, sobretudo

convicglo e nlo negocio. E, todavia, passou. 0 catholicisno

é eterno, e nlo pode haver dous catholicisnos" (46).

Nao é portanto o sentinento religlosc ou o catolicisno

en particular o alvo do Herculano anti-cleri cal, nas a "lei-

tura" oue dele 4 feita, a aduiteraclo e o desvirtuanento da

crenga oue Herculano pensa ser r.-cessario —


e possivel —

re

encontrar na sua pureza original. É assin oue os seus gran-

des textos art i-clericais representan sinultaneanente un re-

curso a historia, cono ^actor de inteliglbllidade e exrlica-

gao, no ánbito ũas grandes questoes religicsas do se u tenro,

e siraultaneanente a enunciaclo da sua fé ,

Tentános nostrar oue, sendo Herculanc ir.equivocanente

cr^nte, as raízes c\o seu ar;ti-clericali sno, ~Io claraneute ra

ter.te na rolé^.ica de que nos ocupanos, e o factcr rrineiroda

sua intervengao, se eucontran no seio da rrorria c-oncergao que

ten da crenga. Por isso se tornou necessáric estabelecer un

percurso, ainda oue rápido, sobre a religião de Kerculanc;por

que se torra extrenanente difícil, se nlo inpossível, erter

der a vertente anti-clerical do seu pensa.nen.to dissociando-a

da sua concepgao do catolicismo. £ que o anti-ciericali smo e,

para ele, rao o fruto da irremediável subverslo da crenga,~ias

o correlato do nodelo para ele ruro e irautável do cristianis


1

una decorrência ouase necessária face a cistancia efecti


no,

entre evangélica e a prática institucional nul


va a nensagem

tissecular.

Tanbén aqui, c inpério da histcria —

a historia cono

factor por excelência de inteligibilidade : para Kerculano, o

necessarianenfe a ouen, ss.ruro oa


anti-clericalisno surge

crenca iímpida e quase "prinordial", nergulha, pela historia,


acqlo dos honens, e encontra os
espessura dos tenpos
na e na

nomentos e as causas en que a crenga fundanental se adulterou.

Ê este, un dos problenas en cue contaior


segundo nos rarece, ,

das constautes da naneira de"estar" e do


nitidez, surge una

rensamento de Kerculano: a inequívoca tenslo entre a circuns

tincia e o valor absoluto, se ouisermos, entre a rrérria his

toria, cono fluir por vezes contrad itorio e cilacerante, e o

valor eterno, moralraente eouacionado.


II

OS DEFEN30RES DE OURIQUE: MEMÔRIA E TRADIQÃO

0. Introdugio

Quando Alexandre Herculano encontrava, corao vimos, o

fio de Inteligibilidade da polémica de Ourique no vasto e com

da reacgio religiosa, ia de facto ao encontro


plexo problema
de uma das linhas que orientaram a intervengão dos seus ad-

versários nesta controvérsia.

Os seus dois primeiros opúsculos, Eu e o Clero e asCbn-

slderagoes pacificas potenciavam, aliás, as grandes ques


-

toes que para ele se erigiam corao fundaraentais para a expli-

citaglo da polémica: a reacgao ultraraontana na Europa, com o

perfilar de uraa ortodoxia recuperadora de valores que se pre

tendiam para sempre inviabilizados e, era Portugal, aléra das

repercussoes deste raoviraento, uraa inadequagao de parte signi

ficativa do clero para as fungoes que lhe estavam, por ine -

rência, cometidas. Uma vez que, na sua perspectiva, o proble

ma levantado era torno de Ourique era um falso probleraa histo

rico, a sua explicagao efectiva tinha de residir numa outra

instância que era, justamente, a da reacgao religioea.

Herculano equacionara, pois, a questao de um modo inci

sivo e contundente, dentro de parâmetros que a seus olhos es

gotavam a explicagão da polémica. Nestes termos, o ataque ao

clero e o enquadraraento da questao no ârabito de uraa situagao


mais vasta, que ultrapaseava ,inclusivé, as fronteiras do país,
suscitariam ura clamor de protestos que alargaram decisivaraen

te a polémica que, na sua primibiva formulaglo, se pretendera

de natureza historica. t o caso muito particular das inter -

vengoes de Antonio Lúcio Maggessi Tavares e de José Diogo da

Fonseca Pereira.

A defesa do clero por parte daqueles que crêem ter ele

sido injusta e violentaraente atacado por Herculano vai cons-

tituir, cora efeito, um vector da maior importância para a mo

delagao do perfil da propria controvérsia. A reacgão mais

eloquente vai, como e natural, partir de elementos do clero.

Ê o caso dos padres Caetano Francisco de ^aria, Francisco Re

creio e José de Souza Amado que, erabora variando substancial

mente de estilo e até de intengao, participara de ura denoraina

dor coraura que é, justamente, defender uma classe que fora, no

seu conjunto, atacada por Herculano.

0 P£ Caetano Francisco de Paria restringe a eua inter-

vengao å publicagao de dois pequenos folhetoa (l) en que, nu-

ma linguagem de certo raodo comedida mas sinceraraente raagoada

vê nas palavras de ^erculano, na verdade por vezes violentas,


um ataque injustificado a todo o clero como classe. Nao pon-

do era causa o elemento despoletador da irritagão de Hercula-

no —
o ataoue a que foi sujeito no púlpito —

, P^Caetano

de Faria pretende sublinhar a injustiga que representa o aná

tema langado pelo historiador a todo o clero, o "infeliz Cle

ro portuguez" (2), num terapo em que as cicatrizes de 1834 mo

haviam ainda sarado.


De tom e intengão completamente distintos é o conjunto

dos longos opúsculos publicados pelo P- Francisco Recreio no

âmbito da polémica (3). Nuraa perspectiva global, a sua inter

vengao constitui, de longe, a raais violenta e radical de to-

da a controvérsia de que nos ocuparaos. Partindo de ura mesmo

intulto de desagrado do clero perante as opinioes expendidas

por Herculano a seu respeito, os textos do P£ Francisco Re-

creio vêra, sob certa perspectiva, dar pertinência å leitura

que Herculano fizera sobre as verdadeiras razoes subjacentes

å polémica: a intolerância, o fanatismo clerical, o espírito


ultramontano, a defesa explícita do Index. o ressentimento e

mesmo o odio aos valores mais caros do liberalismo, a espe-

rangosa expectativa por ura ressurgimento "vingador" de ura ca

tolicismo "â antiga" sao tôpicos que incessantemente percor-

rem as páginas por vezes verrinosas deste antagonista de Her

culano.

E, apesar de demonstrar nos seus textos a firrae cren-

ga na "tradigão theocratica" de Ourique, que tenta fundamen-

tar de modo inatacavel, situa a questao levantada no âmbito


da defeea da ortodoxia e dos valores catolicoe. Na Sincera

Defeza da Verdade afirraa de modo muito claro "que a questao


do Clero, nao é o milagre da Apparigao de São
Ourique [...].
todas as doutrinas, dizera respeito
que ao
dograa, â moral, å

disciplina vigente do Catholicisrao; que ao clero sim curapre

defender contra os erros e ataques da irreligião, ou do pro-

testantisrao, raanifesto ou
solapado" (4). 0 penaamento do P£
Recreio insere-se pois, sem qualquer dúvida, na atmosfera ul
202

tramontana que, no ano de 1850, era uma realidade efectiva.

0 P£ José de Souza Amado faz da questio religiosaotôpi


co fundamental da sua participagio na polémica. Se, com o P£

Recreio, a par da defesa do clero, como vimos, existe uma

efectiva preocupagio em fundamentar a tradigao de Ourique,no

meadamente no seu último opúsculo (5), com Souza Amado encon

tramo-nos longe do problema originário da polemica, ao qual

não faz, inclusive, a raenor referência: a questlo fundamentaL

para ele é, sem dúvida, a questao religiosa que agita o mea-

do do século. As Cartas sobre o Estado actual da ReligiioCá-

tholica era Inglaterra, opúeculo com que participa na polémi-


ca sao da autoria de C. I. Aubert; a respectiva traduqio, e-

fectuada por Souza Amado, 4 acompanhada de consideragoes con

tra Herculano e o Pî Rodrigo de Almeida, um dos mais conse -

quentes defensores de Herculano. Esta obra analisa a suposta-



e ansiada —
decadência do protestantismo e re jubila-se can

o avango do catolicismo em Inglaterra, cuja "conversao", no-

raeadaraente apôs o Bill de 1829, se pretende Aminente.

A leitura que Souza Amado efectua da posigio de Hercu-

lano 4 equacionada segundo parâmetros semelhantes aos do P£

Recreio, enbora sem cair na violência discursiva deste. Aati

tude crítica do historiador perante o clero revela, a seus

olhos, uma inequívoca proximidade da "heresia" protestante ,

que de raodo sistemático pretende desraascarar. Seguro da sua

convicgão de que Herculano é daqueles que gostariam de "vêr o

protestantisrao livre, poderoso, activo nas raargens do Taraisa

para vir ensaiar-se, estabelecer-se nas margens do Téjo" (6),


203

Souza Amado adverte o historiador para que, tendo a Religião

Catolica consigo o Trono, os Bispos, a Faculdade de Teologia

e os Povoe (7), 4 impossível o cumprimento dos "desígnios" de

dissolugao da fé catolica que animam Herculano. Para Souza A

mado, a questao que o P£ Rodrigo de Almeida (8) pretende ver

terminada 4 siraples: ela resurae-se, a seus olhos, ao ataque

do historiador ao Clero e a Igreja, o que nao é novo na his-

tária, e para o qual nlo deve haver conteraporizagio por par-

te do poder, no qual confia para calar as calúnias de Hercu-

lano (9).

A sua intenglo iraediata, no que respeita a Portugal , ja

ra aléra das críticas a Herculano, é, signif icativamente , ad-

vogar a necessidade do rápido restabelecimento das ordensre

ligioeas, a exeraplo, de resto, do que sucede noutros países.


0 exeraplo inglês 4 aliás invocado: mesmo nos tempos mais di-

fíceis de represslo do catolicismo, mantiverara-se era Inglater

ra os Beneditinos e os Jesuítas; tal corao, na "bárbara Tur-

quiaf, "Os Frades


[. . .1 nlo so sao perraittidos, mas florescem

å sombra da mais bem entendida, e respeitada liberdade" (10).

Este opúsculo insere-se, pois, claramente, no vasto rao

viraento ultramontano que se verifica na Europa, dentro de ura

espírito bera determinado na recuperagao de ura catolicisrao mi

litante, cujos alicerces o liberalisrao abalara, recuperaglo

que, na perspectiva de Souza Amado, firraeraente se anuncia.

Para a pertinência que Herculano faz da poléraica chama

a atengao Luís Augu3to Rebello da Silva, nas suas Cartas ao

Sr. Ministro da Justiga. sobre o uso que faz do pulpito e da


ĩmprensa uraa fracgao do clero portuguez. A sua leitura é, oom

efeito, bastante proxiraa da de Herculano, ao situar a ques-

tlo no ârabito da"reacgão religiosa", que "procura vingar- se

do susto, com que tremeu os dias tempestuosos do annodel848"

(n).

Se, no entanto, esta vertente explicativa para o senti

do global da poléraica nao pode ser iludlda, por dar conta, em

grande parte, do significado e do intuito de muitas das in-

tervenqoes, é um facto que o problema do railagre continua no

centro de um debate a que os seus defensores concedem total

validade, e que nlo se esgota, portanto, na "hipocrisia" as-

sacada por Herculano. É obvio que nlo deve substimar-se a

componente fortemente ideologica e circunstancial que anima

os defensores do milagre numa "cruzada" que surge, por natu-

reza, anacronica; mas é um facto que o railagre de Ourique en

contra eco ainda no século XIX, corao parte integrante e ina-

lienável de uraa explicagão da nacionalidade erigida por ver-

dadeira e transmitida durante séculos como suporte, em gran-

de medida, de um discurso de poder.

Disso 4 justamente índice a raaioria das intervengoes sus

citadas no ârabito desta polémica oitocentista, era que, como

vereraos, o milagre de Ourique surge como parte integrante da

historia nacional, como narrativa das origens, da


espago me-

raoria colectiva e
decifragão de um destino coraum.
1. A aparigão de Cristo nos carapos de Ourique —

verdade, ve

rosimilhanga e funcionalidade

A veracidade da aparigao de Cristo a D. Afonso Henri -

dos pontos fundaraentals,


ques antes da batalha de Ourique
e ura

de ser da intervenglo de parte signi-


pode dizer-se, a razao

ficativa dos adversários de Herculano nesta polémica. Para

lá das diferentes estratégias e até intuitos que presidera as

várlas intervengoes, a reivindicaglo da veracidade do raila-

gre corao facto historico 4 um elemento preponderante na quase

totalidade dos opúsculos suscitados pela Hlstorla de Portugal

de Alexandre Herculano.

Existe, com efeito, uma crenga efectiva na historicida

de do milagre de Ourique; uns, como Maggessi Tavares e Fonse

ca Pereira, pelo facto em si, como marco inicial da naciona-

lidade, cuja explicaclo 4 indissolúvel da sanglo sagrada que

lhe presidiu; outros, corao o P£ Francisco Recreio, tarabémpor


essa razão, mas inserida por sua vez num ataque sistemático e

violento ås posigoes assumidas por Herculano e å Historia de

Portugai no seu conjunto, nura claro alargamento ideologicoda

questao de Ourique aos problemae derivados do acentuado ca-

riz anti-clerical que pauta a atitude de Herculano, particu-


larmente apos a publicagao de Eu e o Clero.

Mêamo Antonio CastâHô Pêrtîira, quc ap6s ô éndurecimen-


_•

to ideologico e formal da poleraica pretende, numa primeirafe

se, confinar-se ao problema militar da batalha de Ourique e

das suas consequências políticas, no claro proposito de in-


troduzir uma coraponente "científica" no conjunto dos textos

que se opoera a Herculano, deixa claramente transparecer o la

go indissolúvel que a seus olhos existe entre a batalha como

comego politico e o milagre corao sanglo sagrada da nacionali

dade (l). A unanimidade da crenca na hietoricidade do milggre

é, pois, um facto indesraentível no conjunto dos textos que a

posigio de Herculano suscita.

Para este, e utilizando um discurso de natureza histo-

rica ( para nao falar nos probleraas de carácter religiosoque

implicava ) a inviabilidade em aceitar tal facto estriba- se

na obvia modernidade do aparecimento da tradiglo relativa ao

sucesso, e portanto na inexistência de documentos coevos que

o transraitara. Com efeito, e corao sublinha na "Carta Segunda"

dos Solerania Verba. o primeiro testemunho explícito conheci-

do sobre o railagre de Ourique data de finais do séculoXV (2)

o que, permitindo fixar o início da tradigao, nao pode fun-

cionar como prova da veracidade de um facto que se diz ocor-

rido em 1139. Tal crenga apresenta-se-lhe corao uma explicagib


marcada por uma deficiente inforraagao, resíduo de uraa menta-

lidade arcaica ou ainda —


o que é mais grave —
instrumento

conscientemente ideologico. E, acima de tudo, representa a

incapacidade em superar uma imagera cristalizada e


"hiperboli
ca" da nacionalidade, que nao corresponde aos quesitos que a

hiitoriogrãfíã cientffiea irapoe.


Para os defensores da apariglo, pelo contrário, a sua

prova raais exuberante reside no que eonsideram ser a tradi -

glo constante que atesta e suporta a historicidade do facto.


Deste raodo, um dos vectores que raais insistentemente orienta

a estratégia dos que pretendem dar como provada a aparigSode


Cristo ao primeiro rei, 4 a procura de uma tradigSo constan-

te, que numa linha contínua, une a memoria å contemporaneida

de do facto. Daí a necessidade de um recuo cronologico cada

vez mais acentuado na procura de teBtemunhos da tradigSo, co

rao e o caso do "testeraunho" de S. Bernardo, referido por Ma£

ges8i Tavares no seu primeiro opúsculo, a que Herculano, co-

mo vimos, dedica particular atengSo em Eu e o Clero (3). A

importância concedida pelos crentes no miĩagre a este "teste

munho" demonstra, justamente, a necessidade em procurar a

prova da contemporaneidade do facto e do início da tradigSo.

£ essa procura de um continuum cronologico, de uma cro

nologia sem "interstícios" nem hiatos que define em primeiro

lugar a estratégia dos crentes no milagre de Ourique. Como

consequência, a logica que preside ao seu discurso 4 uma 16-

gica de autoridade, que se apresenta como eleraento estrutura

dor dessa tradigSo constante, e que se traduz na invocagSo


do testeraunho dos mais variados autores de várias epocas que

veiculam a tradigao. Subllnhe-se o duplo significado de que

se reveste este recurso å autoridade: eignifica ele, por ura

lado, a necessidade em recorrer a um critério de qualidade ,

através do apelo a autores de grande erudigSo ou prestígioli


terário, que deste modo concedem maior "peso" a defesa datra

digao; mas, por outro lado, significa uma inequívoca tentati

va de cimentar a tradigSo através de uma logica de quantida-


de: a veracidade da tradigSo afirmar-se-á tanto mais indes
raentível, quanto maior for o núraero daqueles que a têm ppr

verdadeira. Assim, para os seus defensores, a tradigSo de

Ourique é fortalecida siraultaneamente pelo recurso aos aucto-

res. nuraa logica de "prestígio", e pela quantidade dos teste

munhos invocados, numa perspectiva claramente cumulativa.

t essa a posicSo de Maggessi Tavares que, na sua pri -

meira intervengSo, em 1846, afirma a raodéstia dos seus propo-

sitos no quadro da defesa do milagre. NSo pretende, comefei-

to, carrear testemunhos por si descobertos, mas confinar- se

a transmitir o testemunho de toda uma plêiade de autores que

ao longo dos séculos veicularam a tradigSo. A sua posiglodei


xa claramente transparecer a importância fundamental que a

tradigSo secularraente transmitida assurae como prova da vera-

cidade do facto: "Sem que pois nada confieraos era nossos re-

cursos intellectuaes para aduzir novos argumentos; muito con

fiaraos com tudo daquelles Auctores


nas provas já citados e

tantos, e de tal pezo sSo elles por sua


erudigao, e auctori-

dade que so por desleixo nosso, e


pouco aptos para servir-næ

dos recursos que a historia por elles e outros escripta nos

fornece, he que poderemos talvez nSo demonstrar com evidemia

a tradicgao nSo interrompida do facto milagroso de Ourique"


(4). 0 seu
proposito é, pois, o de deraonstrar a constânciade
uraa "tradicgSo nSo interrompida", que se
erige corao
prova da
veracidade do mllagre.

Tarabéra José Diogo da Fonseca Pereira (5) faz da cons-

tância da tradigao o "terceiro arguraento" dos onze cora que


intenta responder å posigao de Herculano
perante a batalha a
o railagre de Ourique.

É contudo o p£ Francisco Recreio que leva até âs suas

últimas consequências a procura dessa cronologia contínua, ^a

ra ele prova iniludível da historicidade do milagre. 0 últi-

mo dos opúsculos deste violento adversário de Herculano e

grande adrairador de Agostinho de Macedo (6), 4 o exemplo aca

bado da procura desse continuum cronologico. A "Primeira Par

te" de A Batalha de Ourique e a Historia de Portugal de A.

Herculano. Contraposiglo critico-hlstorica ( Obra divididaera

seis partes ) apresenta-se, aciraa de tudo, como uraa "biogra-

fia" ou uraa "genealogia" da crenga, que se pretende sera des-

continuidades cronologicas —
simultaneamente uma das obses-

soes e um dos fundamentos dos defensores do milagre. Neste

opúsculo, pretende o P£ Recreio estabelecer uma panorâmicaglo


bal da tradiglo, deede as pretensas fontes coevas até aos

autores consagrados que a veiculam, assegurando deste raodo u

ma correspondéncia entre a "universalidade" da crenga e a sua

veracidade.

A sua estrategia vai justamente no sentido de enunciar

a "cerrada coluna" (7) dos eruditos que, ao longo dos sécubs

sustentaram a grandeza da batalha e a aparigSo milagrosa de

Cristo em Ourique, contra a opiniSo "pirrônica" de quem pre-

tende "deitar por terra uma das principais coluranas do edifi

cio imraortal da historia nacional" (8). Esta "cerrada colirøP

prolonga-a 0 P£ Recreio ate å sua conteraporaneidade. Comefei

to, Recreio preocupa-se em sublinhar que tambéra o século XIX

conservou e transraitiu ilesa a tradigSo de Ourique, dandopar


ticular relevo â atitude do clero português, que nunca dei-

xou de referenciá-la. Colocando a questao de modo muito pecu

liar, o P£ Recreio sustenta que tal crenga nSo é apanágio de

clérigos que Herculano acusa de ignorantes e fanáticos, raas

de eleraentos prestigiosos e ate daqueles que "affincadamente

se desposaram com a causa da proclaraada liberdade" (9).

Parece, pois, obvio que para o P£ Recreio e para osque

com ele combatera a favor da conservagSo da crenga no milagre

como acto de fundagSo, a sua finalidade 4 fornecer um raodelo

logico para resolver a questSo da naclonalidade; 4 manterflr

rae a estrutura do mito corao realidade historica e política.


Para isso, erigem-se como opositores do qu^ a seus olhos, é

uma bárbara profanizagSo da sacralidade intocável das origens.

Para os crentes no railagre, a verdade historica apre -

senta-se como uraa realidade era que o facto de deterrainado a-

contecimento ser "universalraente" aceite lhe confere um ca-

rácter de verdade que lhes surge corao indisputável . Para Her

culano, e no âmbito de uraa concepgSo radicalraente distinta/ai

quadrada nuraa corapreensSo radicalmente diversa da explicagSo


dos factos historicos, estes contêm em si uma verdade que

existe em termos absolutos, para lá da maior ou menor socia-

lizagSo da respectiva crenga: concepgSo singular para quem,

como os crentes no railagre, justamente invoca como argumento

primacial aexistência de uraa tradigao raultissecular que le-

gitiraa a verdade do facto,

Mas para os defensores do milagre a tradigSo de Ouri-

que nSo 4 apenas contínua; ela 4 igualmente uniforme, idênti


ca, serapre igual a si propria, De resto, nSo podia deixar de

assim ser: se o facto a que corresponde 4 verídico, a tradi-

gSo a que deu origem velcula-o "tal como aconteceu". Por is-

so nSo podem aceitar que tenha sido a passagem do tempo que

a engrandeceu e amplificou, conferindo-lhe uraa dimensSo que

nao tivera de início, como pretende Herculano. t neste senti

do que o P£ Recreio ataca o historiador e sustenta taxativa-

mente a identidade entre facto e tradigao. Assira, afirma que

"nSo foi pouco a


pouco oue foi engrandecendo o successo da

Batalha de Ourique £. J'.


»
mas "o successo mesmo que, logo em

sua origem [•••J foi havido por grande, sem precisar da tra-

digao para pouco a pouco se engrandecer" (10). Para o P£ Re-

creio, corporizando neste ponto o sentir de todos aqueles pa

ra quera o milagre e a grandeza da batalha eram indisputáveis,


o facto e idêntico desde a sua origem; a tradigio erige-se ,

pois, apenas como veículo da meraoria e nSo corao factor de

transf orraagSo do sucesso.

A busca incessante e serapre patente da tradigSo contí-

nua e idêntica como factor primordial de prova "externa" da

veracidade do milagre consiste muito claramente numa procura

de legitimagSo pelo tempo e pelos séculos. Legitima$So que

se consubstancia pela procura de uraa cada vez maior aproxima

glo cronologica entre o facto e a tradiglo, através do"peso"


e da erudigio dos defensores de Ourique ao longo dos séculoe.

t a tradicao era si propria que legitima o facto e retira, aos

olhos dos seus defensores, a pertinência dos arguraentos da-

queles que negam o facto.


Ê curiosa também, a este respeito, além da invocagSodos

testemunhos dos mais diversos autores, a insistencia na pos-

sibilidade da transmissio oral da tradiglo. Slo vários, com

efeito, os crentes no railagre que pretendem colmatar o silên

cio que, no que respeita as fontes escritas, rodeia o suces-

so na sua contemporaneidade ou quase, pelo recurso a transmis

slo oral. Maggessi Tavares, na Nova Insistencia pela Conser-

vaglo eutilidade da Tradiccio de Ourique e o p£ Francisco Re

creio era dois dos seus opúsculos (11) sublinhara com ênfase a

possibilidade dessa transmisslo como factor que permite pre-

encher as lacunas da transmissio escrita. Afirraa, a este pro

posito, o P£ Francisco Recreio: "Figureraos uma serie de fami

lias transmittindo de umas a outras o facto maravilhoso da

appariglo desde o tempo do seu acontecimento. Deraos a cada

uma d' estas familias por termo medio de existência o espa-

go de sessenta e cinco annos, e que sem interrupgio vlo apos

si deixando os seus successores imraediatos na idade de vinte

annos, teremos, abatida relativaraente a idade d' estes de ca

da uraa d' aquellas, que uma successlo de oito familias perfa

ria o nuraero de trezentos e sessenta annos; que tantos vio

desde o anno de 1139, em que aquella maravilha acontecêra, a

te pouco mais ou raenos o tempo em que ella apparecêra, pela

primeira vez lancada na Chronica d' El-Rei D. Affonso Henri-

ques, escripta por Duarte ^alvio, e publicada era 1505. Que

difficuldade havera em admittir eeta hypothese?" (12). A

transraisslo oral da tradigio surge, pois, como uraa possibili

dade cuja verosirailhanga se Ihes afigura poder ser aceite


21

sera qualquer dúvida. Negar Ourique é negar a possibilidadeda

transraissio oral das tradigoes e da sua veracidade, antes da

consagraglo pela palavra escrita.

A tradiglo oral, raercê de caractensticas especiais, ie

colhe principalmente estruturas miticas ou mitificadas. Atra

ves delas pretende fixar uma realidade de carácter permanen-

te que, no fundo, 4 produto de uraa imagera construída, projec

tada, no caso de Ourique, como fazendo parte de uma realida-

de e de uma conscinencia colectivas. Assim se explica, por-

ventura, o aparente paradoxo que leva a uma permutabilidade en

tre mito e historia: enquanto para uns essa permutabilidade é

pacifica e indiscutível ( ou nera se coloca, porque o mito é

historia ), para outros, porém, ela constitui motivo de con-

flito que e uma das emergências desta polemica.

Mas a insistência na veracidade do railagre corresponde

tambéra, por outro lado, a ura critério estreitamente ligado a

uma conceituagio moral. 0 simples facto de poder encarar- se

uma tradigao raultissecular —


e rauito particularraente a tra-

diglo de Ourique —
corao uma possível mistificaglo 4 algo qie

acarreta sincera perplexidade quera defende


a a sua inequívo-
._■

ca verdade historica. Corao afirma Herculano, "há muitos para

quem os séculos legitiraara e santificara todo o género de fábu

las [...]" (l^). t esse justaraente o caso dos crentes no mi

lagre de uurique. t a propria passagem do tempo que legitiraa

a crenga, porque ela foi aceite por geragoes sucessivas que

a transraitiram â posteridade, "[,..] por todo o paiz invadin


do o palacio e a choupana" (14). Como, portanto, encarar es-
sa crenga raultissecular como "fábula"? A sê-lo, o proprio tEra

po se encarregaria de demonstrá-lo. ConceituagSo moral, dizía

mos, porque corao em vários opúsculos claramente se revela, e

xiste a nogSo de que raais cedo ou mais tarde o erro se desco

bre, se é caso disso; mas, pelo contrário, a verdade mantéra-

-se e 4 imorredoura, como se lhes afigura ser o caso de Ouri

que. 0 tempo é, pois, o garante absoluto de uraa verdade que

lhes surge como indiscutivel.

t neste sentido que Maggessi Tavares manifesta verdadâ

ra perplexidade sobre a questSo e se interroga sobre se, a

ser uma "fábula", tal crenga conseguiria raanter-se incolume

e transraitir-se pelos séculos, como aconteceu: "Passaria es-

te erro sem analise, porque a credulidade fanatica de nossos

antepassados abragava sempre com tanta avidez o maravilhoso,

corao nos por illustrados parecemos nega-lo? NSo. Porque mui-

tas historias, e as por mim ja citadas de Mariz, Damilo An-

tonio de Lemos. Padre Antonio Pereira, e Bispo de Be.ja Fr.

Manuel do Cenaculo, sustentando a apariglo de Jesuz Christoa

Affonso Henriques refutlo todas, as duvidas que parecem im-

pugna-la (15). Tambera o P£ Francisco Recreio na Justa Desaf-

fronta reclama a veracidade da aparigSo cora base na irapossi-


bilidade da transraissio contínua, por horaens de cultura con-

sagrados, de uraa fraude. Esta, nlo podendo ser fruto da fal-

ta de cultura de horaens intelectualmente prestigiados, so

poderia explicar-se por uma atitude consciente e voluntária

de mistificaglo o que, como é obvio, o P£ Recreio rejeita li


minarmente (16). Assim, a perpetuagio é, a seu ver, prova ini
ludível da veracidade do facto a que corresponde.

Mas a questlo da veracidade da tradioio levanta-se tam

bém era relaglo ao auto do juramento de Alcobaga, objecto má-

ximo dos crentes na aparigio. Para estes, nomeadaraente para

Maggessi Tavares que particularmente se debruga sobre a ques

tlo, a negagio da autenticidade do documento, sublinhada ppr

Herculano, nlo iraplica a negagio da veracidade do facto que

a tradigao veicula. Verifica-se, com efeito, uma clara auto-

nomizagao da tradigao, que em si mesma existe e é real; a

partir daqui, torna-se irrelevante, a seus olhos, a apocrifla


do documento: ainda que apocrifo, o proprio facto de ter si-

do forjado remete para a irrecusável realidade da tradigloqæ

veicula. Para Maggessi Tavares, o que Herculano nega é a au

tenticidade do documento, mas nio a tradigSo que representa,


e que existe independentemente da autenticidade daquele:"De
todos os Auctores que o Snr. Alexandre Herculano nos cita o

que se deprehende, e quasi unicaraente vê, he que neglo a au-

thenticidade do Pergarainho de Alcobaga; mas nSo a da existen

cia da tradicgSo do facto, que ahi se conta: havendo pelo


contrario muitos e rauitos dos nossos grandes horaens que as-

severlo tanto a existencia do primelro, como a todo o custo

sustentlo a continuaglo nlo interrorapida da segunda" (17).


Aliás, o problema do juramento de Alcobaga é, para os

proprios defensores do milagre, um problema controverso. Pos

to que considerado por todos corao correspondendo a um facto

verídico, as provas insofismáveis da sua falsidade como docu

cumento coevo vêm dividir os seus defensores. Comefeito, pe-


rante a avidencia diplomática da sua apocrifia, os crentesna

existência efectiva do juramento de D. Afonso Henriques ten-

tam ultrapassar tal obice, na intengão de manterera a pertinm

cia do monumento maior relativo å apariglo. Pondo-se era cau-

sa a veracidade do docuraento langava-se o anatema de falsário

sobre Frei Bernardo de Brito além de, como 4 obvio, sedeitar

por terra o instrumento mais importante que atestava e supor

tava a crenga no milagre.

Deste modo, os seus defensores irio tentar salvaguar -

dar ambas as situagoes: concedendo nSo se tratar do original


mas provando-se a existência do autografo, ou de outras copiffi
a partir dele, do juramento, anteriorraente å sua "descobertaf

por Brito em Alcobaga, pensavara contornar a questSo da falsi

dade do docuraento e aliviar Brito da acusagSo de falsário, t


esta a estratégia de Frei Joaquim de Santo Agostinho que, de

cidindo-se lirainarmente pela apocrifia do documento de Alco-

baga, refere a notícia da anterior existência do juraraentoem

Santa Cruz de Coimbra (18). 0 Padre Fereira de Figueiredo, de

fendendo também esta tese, nos seus Novos Testemunhos. pensa

contudo que o juramento de Alcobaga 4 de


o autografo Santa

Cruz, que teria transitado para Alcobaga (19). Pedro de Mar^


era cuja segunda edigao dos Dlálogos de Varia Historia surge

pela priraeira vez publicado o juramento, afirma ter-se perdi


do o autografo era inundagoes que atingiram o mosteiro, e de-

fende que o documento de Alcobaga 4 copia desse original per

dido (20). As contradigoes sSo, portanto, muito evidentes.

No que diz respeito aos antagonistas de Herculano na


polémica, Fonseca Pereira nSo duvida da autenticidade do do-

cumento de Alcobaga, e nem sequer chega a colocar o probleraa.

Maggessi Tavares, corao vimoe, nlo duvidando tarabém dela, ul

trapassa a questlo, advogando que ainda que foase f orjado, re

metia para a existência inequívoca da tradiglo. 0 p£ Francis

co Recreio toma uma posiglo diferente e, na Justa Desaffron-

ta veicula a opiniSo explanada por Antonio de Sousa Macedona

Lusitania Liberata. de que o documento de Alcobaga era copia

fidedigna do original levado para o Sscurial por Filipe II

(21).

Como temos vindo a sublinhar, a questSo da veracidade

do apareciraento de Cristo a D. Afonso Henriques suscita auia

niraidade dos opositores de Herculano, fruto da aceitagSo de

uraa tradigSo secular, que se pretende contínua e


uniforme, es

tribada no testeraunho transmitido de geragSo era geragSo. Exls

te, no entanto, um outro factor também invocado que nos pare

ce ter bastante interesse sublinhar. Trata-se do problema da

verosimilhanga do facto. Este é, com efeito, a nosso ver, um

dos argumentos mais interessantes invocados era favor da vera

cidade da aparigSo, e que pode resumir-se na seguinte asser-

gSo: quanto mais inverosímel, mais crível. tf com efeito, na

inverosirailhanga de um comego "quasi sobrenatural da raonar-

chia" (22) que os crentes na aparigSo filiam tambéra a sua in

desmentível historicidade .

José Diogo da Fonseca Pereira, no ûnico opúsculo que

publica, invoca Justamente a "incredibilidade do facto" corao

segundo argumento era favor da tese que sustenta. 0 início da


nacionalidade 4 de tal modo in-crível, que so um aconteciraen

to fora do coraum pode explicá-la, por um


lado, e
legitiraá-la,
por outro. E quanto raais incrível é o facto, menor possibili
dade e até interesse tem era ser objecto de mistificaglo e de

fraude: "Quanto mais incrivel 4 ura facto qualquer, menos é

crivel, que alguem se lembrasse d 'inventa-lo, ou


forja-lo,com
esperanga de ser crido. E quem pode crer, que Deus, 0 Supre-
mo Senhor dos Ceos, e da terra apparecesse em forma visivel

de crucificado a miseravel peccador?"


um
(23) So um aconteci

mento fora do coraum pode explicar a possibilidade da indepen


dência face ao reino de Leao, e so ele, como o seu carácter
de intervenglo divina, pode legitimar um facto que, a nlo
ser assim, so poderia assumir-se como uraa
inequívoca usurpa-

gSo de carácter político. Para os defensores do milagre tor-

na-se, por conseguinte, impossível dissociar o facto políti-


co do comego político da nacionalidade e o milagre que, afi-

nal, lhe presidiu, devendo existir necessariamente umacoerên


cia intrínseca entre ambos: um facto inverosímil e
grandioso,
corao é a independencia portuguesa e a sua posterior conserva

glo, postula uraa causa igualmente inverosímil e única.


A incredulidade é, por consequência, a
assungão do in-

solito que, nlo revelando apenas uma realidade excepcional


revela sim uraa realidade diferente da realidade ordinária. Se

gundo esta, o Condado Portucalense nlo


poderia assunir-se co

mo reino independente. Porém, segundo a logica postuladapelo


milagre, que é tarabe'ra prodígio, essa independencia surgiria
corao a manifestagao directa do poder divino: o railagre seria,
pois, uma verdadeira teofania, instrumento da constituigio de

uma realidade política, através da legitimagio pelo sagrado.


Tambéra o P£ Francisco Recreio poe a tonica na possibi-

lidade de semelhante coraego político, mas inserindo-o de mo-

do mais explícito numa explicagio providencialista da histo-

ria. A vitoria de D. Afonso Henriques na batalha contra os

Mouros, e a consequente afirmagao da nacionalidade sô pode


encontrar um quadro correcto de inteligibilidade na interven

glo divina, que Herculano nega, nao apenas neste caso concre

to, mas corao possibilidade efectiva e explícita para a expli

caglo historica dos factos humanos. 0 P£ Francisco Recreioas

severa a sua crenga na intervengio divina no decurso da his-

toria dos homens, sustentando que nlo 4 pelo facto de deter-

mlnado acontecimento ser menos crível em terraos humanos, peb


seu caracter extraordinário, que deve ser rejeitado para o

campo da irapossibilidade, e portanto das lendas absurdas.Até

porque, por uraa questio de logica, para os factos portento -

sos tem de ser encontrada uma causa fora do comum: "E poraue

causas ordinarias se poderSo explicar succeesos tSo caracte-

risticamente extraordinarios? Por nenhumas; aliás o effeito

seria maior do que a pretendida causa. Ora que obice prohibe


ao
historiador, uma vez que nao seja de typo atheu, recorrer

a intervengSo da Divindade, quando vê que o successo 4 d'a-

quelles que se elevam acima do calculo do poder humano?" (24 X

A sua visSo da historia tem, com efeito, um cariz in-

desmentivelmente providencialista, era que o destino dos ho-

mens se alia de raodo indissociável e explícito aos deeígnios


divinos e a eles se conforma: "Acaso o ter esta qualidade de

facto extraordinario torna-o menos


acreditavel; quando docu
mentos de grande valia o affiangam? Porque o successo 4 ex-

traordinario, segue-se logo que 4 inacreditavel? Ninguem tal

poderá dizer. —

Que nagio ha que de mistura com os aconteci

mentos ordinarios, nlo mencione e


authentique em suas Histo-

rias os successos
extraordinarios, de que ella fora especta-

dora, e os tenha corao seus Brazoes? Uma Historia, que contra

o comraum e bem fundado consenso os


repellisse, e ainda mais

os
achincalhasse, admittindo so en suas paginas aquillo que

unicamente coubesse na
esphera comum e ordinaria dos aconte-

cimentos; uma
Historia, digo, desta tempera, que apresentas-
se o monstruoso phenomeno de insensatamente excluir o seu

paiz do circulo da protecglo especial da Rrovidencia, assás


manifestada pelo extraordinario, e raaravilhoso dos Feitos,
cuja realidade a crltica e a sciencia historica de todos os

tempoe tivera reconhecido; seria o raais treraendo, e


gigantes
co
aleijSo!" (25)
A historia deve ser, por conseguinte, o registo dos raar

cos diferenciadores de cada povo, aceitagSo de una herangafei


ta de crenga em tradigoes secularmente aceites, de factos cu

jo carácter extraordinário mas possivel -

como 4 o caso da

intervengSo divina na historia dos horaens —


dela fazera par-
te integrante.
0 railagre de Ourique surge, pois, em priraeiro lugar, m

estratégia dos que o


defendem, como um facto de cutia veraci-
dade nao 4 possível duvidar, era virtude de uraa crenga contí-
nua e uniforrae transraitida pelos séculos. Para além desta as

pecto, porém, torna-se evidente que intervém um segundo fac-


tor que coexiste dialecticamente cora o primeiro: a inverosi-

milhanga comoprova paradoxal da veracidade. Deste modo, a

inverosimilhanga e a veracidade historica tornam-se prova e

garantia de um destino extraordinário, e coexistem sera incora

patibilidade no pensamento dos defensores de Ourique. Assim

a aceitagSo do milagre como facto historico nSo coloca pro-

blemas a quera, como eles, crê na intervengao directa de ^eus


nos destinos dos homens, na mSo da Providência como "princi-
pio da sobrenaturalidade historias"
em suas (26),
Se, corao viraos, o problema da veracidade do milagre de

Ourique assume particular relevância para todos aqueles que

participam na polemica, contra Berculano, outra questlo inti

mamente relacionada com esta vai tanbéra fazer parte integran


te da sua argumentagio, Trata-se da questio da funcionalida-

de da tradiglo, linha que de modo


percorre significativo o

discurso daqueles que defendem o railagre de Ourique como ele-

mento-chave da nacionalidade
portuguesa.
Nlo sio, com efeito, facilmente dissociáveis as duas

realidades. Insístindo na historicidade daquele evento, os

seus defensores acentuam a importância primordial ele te


que

ve nlo modelacao
so para a
política, como para a
explicita?So
da especial protecgSo divina ao país. Mas simultaneamente, j&

ra lá da realidade do facto, existe uma fungSo social e


polí
tica de uma crenga viva actuante
e durante se'culos. A defesa
da tradigSo de Ourique encontra-se, assim, polarizada era
dois vectores: a veracidade do milagre, paradoxalmente, como

vimos, tanto mais verídico quanto mais inverosírail, e a fun-

cionalidade da tradigSo. Trata-se, pois, da instauragao de

ura discurso, ou melhor, da recuperagSo de ura discurso orien-

tado para a exaltagao mítica das origens. Trata-se tambéra, de

certo modo, da raanutengSo de um certo discurso de poder que

articulava o sagrado e o profano. Se os defensores de Ouri-

que se empenharara era definir quando ( contemporaneidade do

sucesso ) como ( através dos documentos e testemunhos ) se

instaura a tradiglo, o porqué parece obvio: a tradiglo erigi


da em mito nacional 4 necessiria, funcional e
indispensável a

assunglo da identidade colectiva dos portugueses.

0 milagre de Ourique vai suscitar, por parte daqueles


que nele crêem, além da afirraaglo da sua veracidade, a insis

tência na utilidade da sua


conservaglo, corao facto primeiro
da identidade nacional, corao
materializagSo do patriotisraopo
mo afirmagSo da crenga na
intervengSo divina presidindo a

fundagSo do Reino e da sua constante presenga no evoluir do

seu destino historico. Trata-se, pois, nSo so de uraa crenga

política, mas tambe'm religiosa, cuja subversao lhes surge co

mo a IntrodugSo do caos nura


princípio de inteligibilidade sus

tentado durante séculos.


Por isso a sua
conservagao constitui, para eles, umele
mento essencial que nSo pode ser
ultrapassado ou subvertido.
A crenga nSo 4 so
verdadeira; 4 também util, a vários níveis-

esta uma aasergSo de cuja validade nSo duvidara, e de que

pretendem tornar como testemunho inequívoco a prôpria histo-


ria. Ê precisaraente sobre esta outra perspectiva de um raes-

mo probleraa, isto e, a insistência sobre a utilidade da cren

ga no milagre de Ourique que nos parece de interesse formular

algumas consideracoes.

Todos eles slo, pois, unânimes na necessidade de conser

var uma tradigio que se lhes afigura honrosa e útil ao país.


Fode dizer-se que o projecto que os anima 4 análogo ao da de

fesa da historicidade do milagre; mas enquanto este pode ser

posto em causa, como sucedeu através da posigSo de Herculano,


a crenga na funcionalidade da tradigSo tem, a seus olhos, a

vantagera de se erigir corao irrefutável: nSo é possível, para

eles, ignorar a enorrae utilidade social de uma crenga que

corporiza a identidade nacional e a protecgSo divina, para

lá da realidade do facto. Ssta a posiglo global dos defenso-

res do railagre de Ourique no que respeita a tradiglo.


A defesa da funcionalidade da tradiglo de Ourique apre

senta-se, aciraa de tudo, corao um vínculo de raeraoria. Comefei

to, um dos aspectos que mais Insistentemente 4 invocado t

justamente o facto de ela constituir uma heranga secular que

deve ser respeitada e mantida. Crenga dos ela deve


pais, ser

também, e antes de mais, erigida como crenga dos filhos. Daí


aliás decorre, como corolário, o de certo modo insolito reco

nheciraento da validade da transmissao oral como veiculadora

da tradiglo que 4 necessário manter, como meraoria e elo de

geragoes. 0 p£ Caetano Francisco de Faria, nura dos dois opús


culos que publica no Smbito da polémica, que incidem especial

mente sobre a questSo do clero, nlo deixa de referir a extre


"
ma necessidade era
[. .]. tractar sempre com respeito a raemo-

ria de nossos paes" (27), numa clara referência åiraportância


de manter a tradiglo de Ourique.

Ourique surge, pois, em primeiro lugar, como a raateria

lizaglo de um lago de fldelidade, fidelidade a uma imagem do

país como corpo político, indissociável de uraa coraponente re

liglosa: a destruiglo de uma"tradigio theocratica", na ex-

presslo do P£ Recreio, que nlo 4 ponto dogmático, mas que "tera

uraa vigência secular, representa a dissoluglo de valores e a

introdugSo do cepticisrao, nlo so a nível político, corao reli

gioso. Dirigindo-se a Herculano, Maggessi Tavares sublinha a

importância e utilidade da sua manutenglo como expressao da

propria crenga religiosa: "Se S. S^ viajára por todas as

nossas provincias, como eu tantas vezes o tenho feito, e ví-

ra corao os costuraes se amenizlo com as tradicgoes religiosas,

como dellas rezultam centenares de beneficios, como fazem as

delicias dos que nellas crêera, suppondo quanto cada uma des-

tas tradicgoes lhes conta, como um beneficio particular, que

mais os obriga a
respeitar a Deos, origem donde todas
julgara
partera. Se víra, dizemos, temera de certo tocar em tlo mimo-

sas affeigoes, e muito mais temêra fazel-o a tradicglo d'Ou-

rique, que é de todos, e para todo o paiz, e d'uma


nao
villa,
cidade, ou provincia em particular" (28). t poie muitoclaro

que, a par da f uncicnaĩjdade


politica, Ourique representa um

vínculo religioso, que lhe 4 igualmente conferido. Vínculo

religioso que, corao fica bera patente nas palavras que Magges
si Tavares dirige Herculano, tem
a uma inequívoca diraensSo so
á_t:

cial, ao funcionar corao elemento de identidade e coesao dos

povos, através da interiorizagSo de uraa crenga comura,

Na Justa Desaffronta, o P£ Recreio coloca a questSo de

raodo bastante seraelhante apontando, na mesma linha de Magges

si Tavares, a indispensabilidade da conservagSo da tradigSo


de Ourique, numa leitura em que as suas dimensoes social e

política, moral e religiosa se aliam de modo indiscutível :

"Que precislo, que vantagem ha em destruir as crengas theo-

craticas que uma tradigSo de seculos fôra radicando no cora

gSo dos povos? Nenhuraa ha; antes todo todo


o perigo, o pre-

juizo em tornar os povos incredulos a respeito dellas. —

experiencia de todos os tempos tem mostrado que a immoralida

de e desenvoltura dos povos cresce tanto mais, quanto menos

se torna respeitoso das idéas que lhe inspiram as tradigoes


theocraticas do paiz. 0 historiador pois que pretende desabu
sar os povos sobre tal objecto, offerece-lhes o
pomo, que os

hade envenenar sabor.


cora o seu
[, .]. Se considerarraos as tra

digoes theocraticas pelo lado do patriotisrao; quem pode duvi


dar que ellas tenham sido geralmente olhadas em todas as na-

goes, como especial estiraulo para excitar o valor dos povos,

a praticar prodigios de valor em proveito, honra, e gloria de

seus paizes? 0 nosso 4 com particularidade um delles" (29),


A crenga era Ourique apresenta, pois, uma dupla funcio-
nalidade: política e
patriotica, por ura lado, religiosa por

outro. Por isso, a rejeigSo do milagre de Ourique, neste pon

to dificilraente separável da grandeza da batalha corao confron

tagSo militar, significa para eles a


instauragSo do caos que
226

se corporiza, por um lado, no renegar das origens, em virtu-

de da subversSo de uma tradigSo fundadora instituída como

verdadeiro raito de fundagão, e, por outro lado, na impiedade

religiosa, traduzida na negagSo da intervengSo divina no co-

raego da nacionaiidade e, de um modo geral, no destino dos ho

mens. Assim, na sua perspectiva, a posigSo de Alexandre Her-

culano orienta-se segundo esses dois vectores: o anti-patrio

tismo, porque nega o facto que instaura o coraego político da

nagSo, a impiedade religiosa porque rejeita a sanglo sagrada

a esse facto político.


Maggessi Tavares insiste particularmente na necessida

de em conservar a tradiglo de Ourique pela inequívoca utili-

dade social que para ele representa a "arca Santa do Paiz'^J

como referente prinacial da nacionalidade. t esta, aliás, una

das vertentes constantes dos seus opúsculos na polémica. Na

Demonstraclo hlstorica e docuraentada sublinha que a tendência

geral de todos os Povos 4 de "por instincto, por interesse e

por orgulho [• ••] raanter, e augraentar a sua gloria, conser -

vando intactas as crengas uteis e salutares" (31). Tal como,

pelo contrário, tendem a "apagar tudo o que possa deslustra-

-los, e denegri-los" (32), segundo uma concepcio particularda

historia nacional, que deve ser, aciraa de tudo, exeraplo e mo

delo dos povos. Assim é o caso de Ourique : raomento da funda-

gao da nacionalidade e da sangio divina a easa fundaclo, a

crenga era Ourique deve ser conservada pelo lugar único que

ocupa na historia nacional: "Muito era para desejar que a


aj>

de quasi sobrenatural da
parigao Carapo d'Ourique, no come<jo
Monarchia, fosse para nos o livro fechado a sete sellos, de

que nos falla o Apocalypse, e nSo quizera que por forma algu

ma tentassem abri-lo, he a arca Santa do Paiz, tocar-lhe he

mancha-la, porque objectos ha [\ .]


.
que devem ficar alera da

critica dos homens raais instruidos" (3^).

t aliás Maggessi Tavares quera leva a defesa da funcio-

nalidade da tradigSo, que explana de raodo particular na Nova

Insistencia pela conservacao e utilidade da tradicclo de Ou-

rique até ås suas últimas consequências. Com efeito, existe

nele uma "hiperbolizaclo" da tradigSo, que se traduz na pro-

pria dissociagSo era relagSo a historicidade do facto a que

corresponde: a tradiglo 4 reai en si e ten uma funcionalida-

de propria, para lá da veracidade do railagre, na qual efecti-

vamente crê. Por isso afirmará taxatlvamente oue "[...] nlo

teimamos pela existencia do facto d'Ourique, mas teimaraos, e

teiraaremos sempre pela existencia da tradigio, e mais ainda

pela conveniencia della" (34). t pela sua vigência secular,pe


lo estímulo ao feito patriotico e ao sentimento nacional que

a propria tradiglo se "historicizou" e se erigiu como factor

indispensável e real da identidade nacional.

Se o milagre de Ourique sempre fez parte do imaginário


político nacional, porquê desf undamentar a crenga? A quem

aproveita a destruigão de seraelhante crenga, a nlo ser ao a-

vango da incredulidade religiosa, do cepticismo e dadiluigão


do patriotisrao? "Mas a quera vem ella [a verdadej ser util no

caso presente, a quem prejudicava o erro que occupava o seu

lugar, dado o caso que assim fosse?" (35) Historia e tradi-


gSo, esta como fidelidade a meraoria nantêra, a seus olhos, uma

relagSo rauito especial: a historia, como procura da verdade,

nSo pode afastar-se da tradigSo, que assim é colocada a par

da primeira, ou porventura a ultrapassa, em terraos de perti-

nência e eficácia na elucidagSo do passado. Colocadas em con

fronto, é a tradigao que, na visSo destes homens, mais fiel-

raente reproduz a imagera de ura passado que se pretende legíti


mo,

Maggessi Tavares equaciona de raodo rauito claro essa

tensio entre a historia e tradiclo, que percorre de raodo sig


nificativo a generalidade dos textos surgidos em defesa do

milagre de Ourique: "A Historia escripta quandointenta sepa-

rar-se da tradicglo, que abona a existencia de qualquer fac-

to, por ser mais logico o que nos conta do que natural o que

nos nega, nem por isso sempre convence. A tradicgio pelo con

trario, quando assenta em hura facto geralraente adraitido des-

de os primeiros horaens instruidos de huraa Nagio até aos raais

ignorantes della, foi sempre tida por raais verdadeira, e


dig
na de credito talvez, do que a raesma Historia; visto que a

tradicgio exprime a opinilo de milhoes de pessoas serapreraais

difficil de desvairar-se, do que a de hum, ou de huns poucos

de individuos oue era particular discordario della sabe Deos

cora que tenclo e para que fins" (^6). 0 desprezo pela tradi-

gSo que consubstancia, no caso de Ouriaue, a imagem de elei-

glo de uma representaclo colectiva, afigura-se-lhe como a

instauracSo do caos na leitura do passado. Êorque, a seu ver,

a tradigSo funciona corao o referente indispensável a inteli-


gibilidade e ordenacSo do passado; desprezá-la, quando ela

assenta no testeraunho secular e reiterado de autores consa-

grados que a veicularam e preferir a crítica "dissolvente" da

historia é, afinal, destruir um vínculo de identidade como

vátar«n que assenta a propria imagem da nagao,

Também Antonio Caetano Pereira sublinha a iraportânciada

tradigão corao veículo da imagem do passado, numa linha deaná

liee em que 4 bem visível a tensio entre a historia e a tra-

digSo, No seu primeiro opúsculo, e referindo-se partlcular -

mente å questSo da grandeza do confronto armado em Ourique,Cae

tano Pereira estabelece um contraste entre Tito Lívio e Her-

culano, elogiando a posigio do primeiro e verberando a atitu

de do segundo perante o passado. Tito Lívio, nlo sendo coevo

dos acontecimentos que narra na eua historia de Roraa optapor

veicular a tradigSo, ainda que exagerada e


inverosírail, pre-

ferindo "å sua critica o honroso credito nacional"; ao paeso

que Herculano critica uma "gloriosa e cuasi universal tradi-

gao", subvertendo-a "com o fel da sua critica" e quebrando "a

reputagSo nacional" (37): a historia deve, pois, seguir a

tradigSo e nio opor-se a ela.

Para Caetano Fereía, assim como para os restantes cren

tes no milagre, a historia entendida nos parâraetros em que

Herculano a equaciona, surge como uraa "analyse fria", na ex-

pressao de Maggessi Tavares (38), um exercício de cepticismo

vocacionado para a destruiglo de crengas secularmente vigen-

tes e aceites, para uma infidelidade a tradicio, que traduz

e sustenta a memoria colectiva. A crenga em Ourique deve ser


conservada porque para lá da historicidade do facto, possui

uma funcionalidade inscrita na propria historia do país:HQue


felizes quimeras estas, se ellas produzem tio altos brios e

conhecidos interesses; assim pois caminháraos, por isso tal-

vez, victoriosos, temidos e respeitados, nas differentes par

tes do mundo, em quanto assim nos julgámos amparados por bra

go celeste. Assim talvez por differente causa descahimos, e

caminharaos na proporgio em que descremos" (39).


Essa f uncionalidade encerra, portanto, uma forte compo

nente moral: 4 a crenga nas tradigoes herdadas que mantém a

identidade e a coesão nacionais, contra a dissoluclo dos va-

lores; quanto mais um povo venera as tradicoes dos seus ante

passados, maior estímulo nelas encontra para continuar a al-

tura dos antigos feitos. A destruiglo do mito de Ourique so

pode equacionar-se segundo esse vector raoral ; e asaim, logi-

camente, a pesquisa erainentemente historica, porque pressupæ

a desf undamentaglo da raais cara dessas tradigoes, so pode sur

gir-lhes como conotada de modo extremaraente negativo. A seus

olhos, e como afirma Maggessi Tavares, a subverslo da cren-

ga em Ourique, ainda que venha repor uma eventual verdade que

a historia exige, representa "uraa verdade tão esteril em van

tagens, quanto fertil em perdas que nlo podem reparar-æ" (40).

A verdade torna-se, pois, paradoxalraente , um valor de

certo modo relativo, cuja eficácia se apresenta muitas vezes

destituída do sentido que a "fábula" encerrava: "A questlo é

simples: milhares de pessoas tem a tradiccSo do appareciraen-

to de Christo a Affonso Henriques, nos carapos d 'Ourique, oomo


hura facto incontroverso, e transraittido de pais a filhos; im

mensos escriptores sustentSo estas crengas, o povo reputa-se

forte pela persuasSo das proraessas alli feitas; nellas con-

fia e crê-se invensivel Csic], e apto para quanto possainten

tar-se. Apparece a supposta verdade que o contrario disto^ro

va, e o povo forte torna-se timorato, d'invencivel receioso,

e d'apto para tudo mesquinho e apoucado; e nao caberia bem

o dizer-se agora, e corao vindo a tempo, o antigo dictado por

tuguez = Nem todas as verdades se dizera =


adraittindo raesmoque

esta o fosse?" (41)

Entre a possível ilusSo de Ourique, duradoura, estável

e constante, fonte de orgulho nacional e prova da protecqâbdi

vina, portanto, cimento aglutinador da propria identidade, e

a suposta verdade, que corroi a crenca e instaura a incredu-

lidade, a escolha dos defensores de Ourique é clara e inequí


voca. Porque, se a veracidade da apariglo nlo lhes suscita

qualquer dúvida, apesar de poder ser negada, como o foi por

Herculano, a tradiclo do facto, pela sua existência multisse

cular, tornou-se "historica", adquirindo uma carga funcional

e uma "verdade" iniludíveis. Por isso Maggessi Tavares pode,

era coerência, afirmar que a sua grande questlo, ultrapassan-

do raesrao o probleraa da veracidade da apariclo "tera sempre si

do a existência da tradiqlo, e nlo do facto, tera serapre sido

a conveniencia da sua continuagao, e os raales que resultiode

negal-a" (42): a historia deve ser, aciraa de tudo, fidelida-

de a raeraoria, veículo da tradigao, cuja "historicidade" —


no

caso de Ourique —
a passagem dos séculos legitiraou e tornou

ideologicamente actuante.
2

2. A busca das origens e o sentido da historia

Para todos aqueles que, contra Herculano, tomam parte

nesta poléraica, Ourique surge , na sua dupla vertente da bata

lha grandiosa e do aparecimento de Cristo a Afonso Henriques,

indisputavelmente corao a pedra angular da raonarquia portugue

sa, da qual nlo é possível dissociar o estabelecimento da in

dependência e da identidade nacionais.

Vários deles expressamente o afirmara, noutros é a in-

tenglo e a estratégia do proprio discurso que assim o traduz.

E como tal o defendera perante a atitude "iconoclasta" de Her

culano, que nSo so nega a intervengSo divina antes da bata-

Iha, como poe em causa a sua lendária grandeza como confron-

taglo militar. Trata-se, de facto, de uma atitude verdadeira

mente "iconoclasta" pois ela significa, nesta perspectiva, a

destruigSo de uma determinada imagera que se concretizava no

mito de Ourique e que se vê esvaziada de sentido através da

posigSo de Herculano.

Mais ainda do que a iraagem, Ourique erigia-se como sím

bolo máxirao de uma interpretagSo comura do passado que, era cer

to sentido, o tornara ideologicamente eficaz. Era precisamen

te esta interpretacSo solidária do passado e da naglo que Ha?

culano vinha destituir de sentido cora uma leitura que afron

tava um discurso político das origens que a passagem dos sé-

culos legitimara a nível de poder.

A procura de uma analise crítica do passado, se 4 ira-

prescindível para a recuperaclo da veracidade da propria his


toria, iraplica frequentemente a destruiglo desse passado até*

aí eficaz, porque "utilizável" corao instruraentoideologico.No

caso de Ourique é patente a validade desta penetrante inter-

de Moses Finley analisar o de cons


pretaglo que, ao processo

tituiglo da meraoria colectiva, equaciona justamente a tenslo

por vezes insolúvel entre a historia e a f uncionalidade so-

cial de um passado cuja única "veracidade" reside na suaacei

tagio secularmente socializada. Nas suas palavras, "Une en-

quête critique [. .] peut . detruire une interprétation commu-

ne du passé et, par conséquent, les liens sociaux fortifiés

par une identification coramune avec le passé. Elle raenace

de rendre le passé inutilisable" (l). 0 mito pode assumir,

pois, papel de relevo como elemento estruturador da propria

historia. Como observa Vitorino Magalhies Godinho,


"

[• . .1 na

vida do indivíduo, como na vida colectiva, nlo influi apenas

o passado tal corao se desenrolou, raas ainda o passado tal co

mo 4 reconstruído e tlo frequentemente inventado; o que se cte

nomina historia nio passa rauita vez de mito pro jectivo,aliás


resultante de toda a utensilagera cultural e meios de expres-

sao ao dispor do indivíduo ou do grupo" (2). Era justaraente

como "mito projectivo" que Ourique assuraira uma eficáciaideo

logica corao explicagSo das origens da nacionalidade, e que

Herculano vinha agora por em causa.

De facto, se admitirraos que a substância do raito resi-

de na sua fungSo criadora e reactualizadora, o mito de Ouri-

que é, efectivamente, exemplar e potenciador de um modelo, vá

lido e operante independentemente do tempo e para lá dele :


234

forma de expressSo de uma verdadeper


projecta-oe, pois, como

manente e carismática.

A atitude de Herculano perante Ourique nSo era, contu-

do, totalmente nova na cultura portuguesa. A verosimilhanga

do railagre fora já questionada por exemplo, por Luís Antonio

Verney, no Verdadeiro Metodo de Estudar, no século XVIII, pa

ra nSo falar de Jolo de Barros, Damilo de Gois e Camoes. Mas,

como acent.ua Borges de Macedo no ensaio que dedica ao perfil

de polemista do historiador (3), é com Herculano que pelajri

meira vez essa atitude 4 encuadrada numa explicagio globalda

nacionalidade, o que lhe confere uma dimenslo conceptualmen-

ta muito distinta.

Pode dizer-se que Ourique assume a configuraglo de ura

verdadeiro raito das origens, já que se apresenta como regis-

to multímodo da fundaglo da nagio como corpo político. Cor -

responde, pois, a construglo de uma imagem política, de que

a manifestagio do sagrado constituía a legitimaglo adequada.


A procura das origens e a tentativa da sua deliraitaglo con-

creta, através do acto fundador, é uma preocupaglo global de

qualquer povo ou grupo social. Nas palavras de Frangois Fu-

ret, "Tous les peuples ont besoin d'un récit des origines, et

d'un mémorial de la grandeur qui soient en même temps des ga

ranties de leur avenir" (4). 0 mito das origens exige e pos-

tula o mito da "continuidade" cora o qual pode coexistir e i-

dentif icar-se . Para apontarmos apenas um mito que nos está

proximo, anote-se que, no charaado mito das origens de Roraa,es

tio presentes esses dois vectores: fundagio e


continuidade,
eternidade. No de Ourique, batalhae
permanência ou caso se a

o milagre slo os elementos de fundaglo, o juramento de Afon-

so Henriques, do qual constam as promessas de Deus ao priraei

ro monarca é, afinal, a garantia da continuidade .

A narrativa das origens deve, por natureza, correspon-

der a um facto grandioso, diferenciador e retível pela memo-

ria, como primeiro vínculo de identidade, A nacionalidade,co

mo elemento de transcendente importância, tem de ser instau

rada através de um facto único e extraordinario, pois so as-

sim pode ser objecto de perpetuagao através da menoria.

A convicgSo de todos os defensores de Ourique é, pois,


de que as origens da nacao so podem residir nura acontecimen-

to que avulte e ultrapasse o facto banal e


anodino, o que é

justamente o caso da batalha e do aparecimento de Cristo a

Afonso Henriques: este duplo acontecimento marca, sem dúvida,


o início da nacionalidade e a instauragSo da monarquia portu

guesa e e, ao mesmo tempo, prenúncio de durabilidade e exi-

gência do empenhanento das geracoes futuras. Constitui, por

assim dizer, o programa ou "codigo genético" da propria Na-

glo e contéra era si mesmo as virtualidades do seu percursohis


torico que se corporiza, como discurso promissorio, no jura-

mento de Afonso Henriquee. t dentro destes parâraetros que os

crentes no railagre de Ourique equacionam a sua violenta crí-

tica a Herculano. Com efeito, a posigSo deste perante o mila

gre significa, acima de tudo, o aniquilar e o desvalorizar

dos "prodigios do padrSo indelevelraente historicos da eua na

tiva terra", reduzindo a gloriosa historia de Portugal a "ura


insulso panorama de trivialidades, de acontecimentos caracte

risticamente corriqueiroe", para os quais nSo há, "no archi-

vo da posteridade L>] perenne e triumphante raemoria" (5). Nes-

ta discurso torna-se evidente, como aUás já tivemos ocasilo

de anotar, a relevância do insolito como factor e registo do

extraordinário, do excepcional —
em suraa, do diferente em

relaglo a experiência comura. Mais ainda, 4 esse insolito, ex

traordinario e diferente que emerge como vaior —


neste caso,

eminentemente polítco e nacional, por consubstanciar as ori-

gens da nacionalidade .

A atitude de Herculano perante Ourique vem representar,

aos olhos dos seus antagonistas, a negagao do raomento funda-

dor da nacionalidade, da legitimaglo de uma existência auto-

noma, da explicaglo de um destino comura; vem, afinal, instau

rar uma outra linha de inteligibilidade para o comego políti


co do país, que nlo se compadece cora uraa "piedosa fraude"que

a passagem dos séculos sancionou como princípio explicativo,


e cristalizou como imagem priraordial da nagSo como entidade

política. A sua intervengSo nesta polémica demonstra acima

de tudo que, em pleno século XIX, a batalha, e rauito princi-

palraente o railagre de Ourique fazera ainda parte de uma heran

ga ideologica claramente aceite e assuraida, de que aliás a

proporgao atingida pela polemica 4 um evidente reflexo.

É obvio que no conjunto dos textos dos opositores de

Herculano nesta controvérsia, com especial relevo para o P£

Francisco Recreio, existera claras interferências de outros

probleraas concorrentes, corao é o caso do feroz antagonismo en


tre Herculano e o clero, muito particularmente apos a publi-

cacSo do opúsculo Eu e o Clero. Mas parece-nos que, ao con-

trário do que sucede com Herculano para o qual, corao vimos,

o factor explicativo determinante para a polémica 4 a suacom

ponente ideologica e clerical, para a globalidade dos seus

opositores a questlo de Ourique, longe de se constituir ape-

nas como pretexto, contera em si propria uma pertinência que

lhe permite erigir-se como factor autônomo de debate. t o ca

so de Antonio Lúcio Maggessi Tavares e de José Diogo da Fon-

seca Pereira para quem, de facto, Ourique constitui pega fun

damental de uma determinada imagem do país e da nacionalida-

de, da projecglo do patriotismo e do amor do passado e dos

seus herois,

Ourique representa, pois, o estabeleciraento dascrigens,

"a pedra angular era que repouzlo os cimentos da Monarchia" (6),


na expressao de Maggessi Tavares, A batalha de Ourique, cuja

importancia militar 4 constantemente acentuada instaura, aos

olhos destes homens, a independência do país, consubstancia-

da no raomento em que Afonso Henriques comega a intitular- se

Rei de Portugal; a atitude de Herculano, que, aléra de rainimi

zar a grandeza da batalha, atenuava signif icativamente essa

relagio intrínseca entre a batalha e o título de rei, datan-

do este facto de Valdevez (7), equivalia, para eles, ao in-

viabilizar da batalha como o início efectivo da nacionalida-

de. Este facto é aliás particularmente evidente na violenta

reacgSo que a posigSo de Herculano suscita, ao afirmar nSo æ

saberem ao certo quais as consequências directas da batalha


238

de 0urique(8).Êra os seus defensores, elas sSo reais, indispu

táveis e decisivas, e uraa afirmagSo como a de Herculano apre

senta-se-lhes, ao desvalorizar o evento fundador, como ura in

sulto a historia pátria.


A necessidade em marcar o moraento das origens e bera

visível no discurso dos antagonistas de Herculano no seu con

junto. Caetano Pereira, contudo, explicita-o de raodo rnuito da

ro. A sua intengSo priraordial, apesar de estar tarabera implí-


cita a crenga no milagre, ê sustentar a grandeza e iraportân-
cia fundaraental da batalha de Ourique como confronto militar.

Para Caetano Pereira a batalha, segundo uraa tradigao constan

te e duradoura, raarca o efectivo início da raonarquia portu -

guesa, e fundamenta a aclamagSo de Afonso Henriques corao pri

meiro rei; ela constitui, sem duvida, o acto fundador da na-

cionalidade que, corresponde, no caso portugués, a uma exigen

cia da historia de qualquer povo



isto é, a delimitacSo das
_f

origens. Por isso e evidente a sua perplexidade, ao dirigir-

-se a Herculano: este, ao atacar Ourique, ataca ura dos funda

mentos da identidade nacional, que e a narrativa das origens,

facto indisputado durante séculos. Se, a eeus olhos, nao é

Ourique que consubstancia essa necessidade, entlo 4 necessá-

rio indicar o facto de substituiclo que se erige como acto

fundador, corao factor estruturante da identidade nacionaI:pqr

que ele tem sempre de existir.

Mas a independência política é indissociável da sangio

eagrada que lhe preeide e torna-se por esse


facto, sagrada tam

bém. Com efeito, para a historiograf ia tradicional, os dois


factos —
batalha e railagre —

surgem indissoluvelmente liga

dos, so fazendo sentido na sua totalidade quando integradoe

nura mesrao nexo explicativo: aparigSo / batalha / vitoria/rei;

Mito e discurso das origens, mas siraultanearaente mito e dis-

curso do poder, do qual o sagrado faz parte integrante como

factor essencial de legitimagSo. t com a batalha de Ourique

que Portugal se constitui como naglo independente, desligan-

do-se de modo definitivo do reino de Leao, mas e o milagre,

como manifestaglo directa da vontade divina, que sanciona o

facto e Ihe dá garantia de perpetuidade. Revela-se muito evi

dente, de facto, na argumentaglo dos seus defensores, a con-

vicgao de que a legitimidade e verosimilhanga política do

país se encontram estreitamente ligadas ao aparecimento de

Cristo a Afonso Henriques. Portugal surge-lhes, com efeito ,

como um "Reino de fundagSo immediata de Deos" (9), em que a

protecgSo divina funciona corao origem e garante de ura desti-

no a curaprir.

QuestSo subjacente ao discurso dos que o defendem, 4 no

entanto José Diogo da Fonseca Pereira quem explicita essa II

nha de pensaraento, no seu único opúsculo nesta polémica (10).


Ê muito clara, com efeito, a filiagSo da legitimidade da in-

dependência do país no aparecimento milagroso de Cristo a

Afonso Henriques antes da batalha. So a sangSo sagrada legi-


tima a independencia portuguesa que, a estribar-se num facto

raeraraente político seria indiscutivelmente uma usurpagSo de

caracter político. Ora, a nagSo nSo pode nascer de uma usur-

pagSo. A independência explica-se e justifica-se preciearaen-


2*fG

te através dessa manifestagSo providencial, que sanciona a

vitôria militar e a separagao face a LeSo.

Fonseca Pereira afirma-o a proposito da confirmagSo do

título de rei pelo Papa. Segundo ele, a nSo ser verídlco o

^arecimento de Cristo, seria irapossível que o Pontífice se dis

pusesse a sancionar uma usurpagSo tSo f lagrante : "Entretanto,

se o Juramento nSo 4 verdadeiro, se o milagre d'Ourique 4 fa

buloso, o que me parece estranho, e moralmente impossível nao

é, que a confirmaglo do titulo de Rei fosse demorada, ou pou

co generosa, mas sim que Affonso Henriques, de qualquer modo,

e em qualquer tempo, a alcangasse. Embora fossem taraanhos [..,]


os servigos por elle feitos â Igreja ChristaS, e embora o Pa

pa, como cabega visivel da mesraa Igreja, devesse esmerar- se

muito por dignamente louva-los, e


recompensa-los, nSo deixa-

ria por isso de ser manifesta injustiga retalhar a Corôa do

Legitimo Soberano de Leao para com um pedago della agradece-

-los, e premia-los" (ll).

Mas um outro argumento e invocado por Fonseca Pereira

para enfatizar a origem divina da nagSo. Na realidade empe


-

nha-se demonstrar, contra de


era a opiniao Herculano, a firme

oposigSo do Imperador Afonso VII å independência portuguesa,

Essa demonstragSo assume, para ele, uraa iraportância primor -

dial para conferir ao milagre o estatuto de único elementodee

poletador da independência do Reino. Com efeito, demonstrar

a oposigSo do Imperador a um retalhar ilegítimo dos seus do-

mínios, é ao mesmo tempo afirmar que so no railagre pode bus-

car-se a justificagSo para a existência autônoma da nagSo,


e nio na aquiescência política a posteriori por parte do Im-

A ter-se verificado, este facto representaria uma


perador.
efectiva "desvalorizagSo" das origens da nacionalidade, ao

conferir-lhe uma dimensSo caracterizadamente política, o que

Fonseca Pereira rejeita em absoluto.

do Reino decorre, perspectiva, de


A fundagSo na sua uma

explicitagSo da vontade da Providência, nunca de uma realida

de eminentemente política, politicamente legitimada pelo Im-

perador. É de Deus, e nSo dos homens que decorre a fundagSo

da nagao, e por isso "veraos no auto das Cortes de Laraego, e

na carta de Feudo a Claraval, que CAfonso Henriquesl funda-

va sempre o seu direito å Coroa de Portugal exclusivamente na

acclamagSo de Ourique, e em ter sido authorizado por Deos a

receber do seu povo o nome de Rei" (12).


Tarabém Maggessi Tavares subscreve esta concepgSo muito

particular sobre a legitiraidade da independência portuguesa.

A leitura que faz da questSo é, na sua globalidade, idêntica

a de Fonseca Pereira, absolutizando a eficiencia do milagre

como elemento operatorio da separagSo do Reino de Lelo.

Com efeito, Maggessi Tavares recusa uma concepglo es-

tritamente política e ideologica que via na existência perfeL

tamente constituída de uma consciência nacional uma das cau-

sas eficientes para a autonoraizaglo política da naglo. Para

ele, essa consciência nlo existe, e está longe de vir a sur-

gir. E por isso, so um aconteciraento como o milagre de uuri-

que pode justificar essa


autonoraizagSo, por ura lado, e legi-

timá-la, perante a ordera política "natural", que seria a ma-


nutengao do vínculo a LeSo: "Falla S. S^ na independencia, a

que o condado de Portugal aspirava; mas tinha elle algumawz

sido grande nagSo independente até esse tempo? Estava elle

ha pouco subjugado e corapellido pela forga do rei de LeSo?

Soffria algura dorainio feroz e excepcional [...]? NSo. [. . . ]


Logo nlo vemos d'aqui nascer motivos fortes, que dessem na-

quelle terapo vontade aos portuguezes, de subtrahir-se absolu

tamente ao dominio de Lelo porque o espirito d -

Independencia
conserva-se serapre na naglo que uma vez o foi, e a perdeu pe
la forga estrangeira [...]; raas sera estas circunstancias, os

povos congregados debaixo d'um so governo conhecem que tiram

forga dessa mesraa reunilo; e assim repetimos, que nao vemos

nos primeiros subditos d'Affonso Henriques causa legitimada

para completa, geral, e absolutamente se quererem desunir de

um todo forte, e de que elles eram parte raais


com iguaes, ou

direitos, para se constituirem independentes, a nlo serem le

vados pela idéa da tradicgSo" (13). ão o milagre, como facto

único e
extraordinário, podia erigir-se como a verdadeira cau

sa para tal suceseo.

Neste sentido, a ser falso o milagre de Ourique, era

"indispensavel sonha-lo, e adopta-lo" nas palavras de Fonse

ca Pereira (14), uma vez que, na sua


ausência, Afonso Henri-

ques seria apenas um rebelde e um usurpador, nio um rei legí


timo, e a independência portuguesa injusta e
inválida, nio

uraa realidade politicamente pertinente.

Por outro lado, se nSo tivesse existido a intervengSo


divinano comego político da nacionalidade, tal usurpagSo nao
poderia ter tido continuidade. A raanutengSo da independência
é ela tambéra prova exuberante da protecgSo divina que lhe foi

concedida, da legitimidade e justeza da separagao face aleSo.

A conservagSo "milagrosa" do reino constitui-se, pois, como

um dos argumentos-chave dos defensores do milagre, numa ex-

plicagSo da nacionalidade era que o "fantasraa" de uraa Espanha

poderosa e imperial incessantenente se projecta: é a propria

historia que demonstra que a manutengSo da independência na

cional seria impossível apenas por razoes humanas perante vi

zinho tao poderoso; por isso, tem de existir uma causa sobre

natural —

que reside justamente nas promessas que Cristo fez

ao primeiro rei, com respeito ås geragoes futuras, proraessas

constantes do juramento de Alcobaga. Uma vez


mais, por conse

guinte, encontramos indissoluvelmente identificados os dois

vectores presentes nos raitos das origens: fundagSo e


perma
-

nência.

t esse o sentido do "argumento décimo" aduzido por Fon

seca Pereira, que diz precisamente respeito a impossibilida-


de "natural" da conservagSo e da explicagSo do Reino como en

tidade política autonoma, se nSo se tiver em conta a interven

glo divina aquando da sua constituigSo : "Se o estabelecimen-

to do Reino de Portugal foi um milagre, que passou, a suacon

servagao e outro, que, durando serapre, o continua e renova sen

pre . Como nao tem podido a Hespanha, esse enorrae collosso, de

vora-lo? Como nao conseguiu o astuto, activo, e poderozo Fi-

lippe 22 incorporar, ou este


rein^corporar, pequeno povo na

vasta 8ociedade hespanhola [...]?" (15)


A leitura que efectua da RestauragSo é, de resto, ine-

quívoca: tendo Deus anunciado, nas palavras dirigidas a Afon

so Henriques e constantes do Juraraento deste rei, que a raise

ricordia divina nunca se apartaria dos destinos dos portugue

ses, a aparenteraente paradoxal raanutengao da identidade du-

rante a dominagao filipina, e a propria RestauragSo, sao a

prova exuberante dessa constante protecgSo. Com efeito, diz

Fonseca Pereira, "se e


maravilhoso, que os Portuguezes com

forgas de ordinario raui inferiores em numero as dos seus ini

raigos conservassera vencedores a sua


independencia, mais, e

bem mais, o é, que nem ainda, quando vencidos, a perdessem "

(16), Toda a historia nacional participa, pois, de modo in-

discutível, de uma sangSo sagrada que lhe presidiu em todos

os momentos, desde a fundagSo, å conservagSo da independencfe


contra toda a
verosimilhanga política e
militar, até* a con-

servagSo da identidade, e o retomar da independência, apesar

da derrota de 1580.

A explicagSo de Portugal como Reino independente so po

de tornar-se inteligível, na sua


perspectiva, se se tiver em

conta a protecgio divina anunciada por Cristo Afonso


a Henri

ques, suporte de toda a historia nacional. E assira, a Restau

ragão do Reino em 1640, nada raais foi do que a


recuperagSo das

proraessas feitas ao primeiro rei, o inelutável retomar de ura

destino forjado era Ourique; e, em suma, uma "repetigSon ou

segunda fundagSo.

Todos os textos que surgem era defesa da historicidadee

da funcionalidade ideologica do milagre participam, pois, cla


raraente, de uraa concepgSo muito particular da historia, mar-

cada por ura providencialisrao concreto, indissociável dodevir

historico das nagoes. NSo repugna aos seus autores atestar a

presenga e a IntervengSo directa de Deus nos destinos dos ho

mens; pelo contrario, ela é um importante elemento de inteli

gibilidade da historia, na qual toma parte integrante.

Poderaos perguntar-nos ate que ponto esta insistênciano

providencialismo como fautor da historia representa aindauma

convicgSo interiorizada e actuante, numa época em que a his-

toria caminhava a passos largos para uma efectiva autonoraiza

gio instrumental e metodologica, e da qual Portugal participa

va, até certo ponto, com personalidades como JoSo Pedro Ri-

beiro e instituigoes corao a Academia das Ciências de Lisboa

(17). Pelo conjunto dos textos que analisámos, parece-nos que

a defesa do milagre de Ourique nSo e apenas pretexto de con-

frontagSo ideologica, mas esta em consonância com uma efeti-

va e determinada concepgSo da historia, indissociável da raa-

nifestagSo do divino. t detectável, cora efeito, uma verdadei

ra perplexidade por parte dos que se opoem a Herculano nesta

raateria. Maggessi Tavaree, o mais cordato mas nSo raenos con-

sequente antagonista de Herculano, apesar de nSo o acusar de

irapiedade religiosa, como outros o farao, nSo compreende o

fundaaento da posigSo do historiador, surgindo-lhe como um

paradoxo o facto de Herculano, sendo cristSo e catolico, re-

jeitar o railagre de Ourique como facto realraente acontecido

como posslbilidade dotada de veroslrailhanga. Pois nao pode

Deus manifestar-se aos homens? "[...] era que consiste napos


sibilidade do apparecimento de Christo a Affonso Henriques o

absurdo? Ataca elle a essencia da nossa RelegiSo,. ou nSo é

da essencia a possibilidade de haver mi-


uma parte sua mesma

lagres?" (18). Para Maggessi Tavares que, como se ve, conti-

nua a equacionar o probleraa dentro de parâmetros cujo paracL^


ma é essencialmente o religioso, nSo e possível crer em Deus

simultanearaente negar a sua omnipotência e omnipresenga jun-

to dos homens, sejara quais forem as circunstâncias. Verifica

-se, pois, uma evidente tensSo entre a historia corao pesqui-

sa metodologica e cientificamente autonoma e o apelo a uraa

inteligibilidade que a transcende, que lhe surge corao indis-

pensável ao entendiraento do homera na historia. Sendo o homem,

acima de tudo, criatura de Deus, é impossível pensar o seu

trajecto terreno sem a constante presenga do criador emtodos

os actos da sua vida, no transcurso do proprio tempo. Assim,

a historia deve dar sempre conta dessa realidade.

A posigSo do P£ Recreio, pese embora a sua interpreta-

gao tenha um cariz mais intolerante, 4 idêntica. A historia

humana nao é, nem pode ser apenas ura contínuo de sucessos "ncr

raais", a que a manifestagSo divina 4 alheia. Quem assim pen-

sa, como Herculano, esta sem dúvida imbuído de ura "arrogante


e entonado racionallsrao" (19), que pretende excluir do devir

a marca indelével da Providência. A historia deve, pois, acei

tar e dar conta de que "A acgao reguladora do Motor soberana

mente providente 4 superior a todos os calculos e huraanaes

hypotheses e arbitrios" (20). Assira, na sua perspectiva, so

ura historiador ateu poderá insurgir-se contra a manifestagio


do divino na historia dos homens, facto para ele indisputá^l
e necessário a compreensSo das nagoes e dos seus destinos.

t impensável, pois, aos olhos destes horaens, a constru

gSo de uraa historia totalmente "profana", em que os actos

dos homens se explicam a si proprios, sem ura indispensável re

ferente a desígnios que os transcendera. Esta concepgSo acen-

tua-se, no caso de Ourique, era virtude de se tratar do momen

to das origens da nacionalidade : mito das origens, necessita

da sagragSo pela presenga explícita do divino, que funciona,

assira, corao a sua total legitiraagao, como sucede aliás, de

um modo geral, com todos os mitos de fundagSo. Caetano Perei

ra, por seu turno, refere precisaraente que o sentimento na-

cional de qualquer povo consiste em procurar e defender a sua

especificidade e a dignidade das suas origens, numa tentati-

va que aspira, acima de tudo, ao estabeleciraento da diferen-

ga, priraeiro passo para o estabeleciraento da identidade. Nu-

raa permanente ambivalência era que o sagrado e o profano se

erigera como paradigmas para a instauragSo das origens, o


fe^i
to railitar grandioso e a intervengSo divina constituem-se co

mo elementos de presenga obrigatoria em qualquer acto de fun

dagio. Nesta perspectiva, a tradiglo historiográf ica de Ouri

que defendida pelos antagonistas de Herculano mais nlo f az ,

para Caetano Pereira, do que conforraar-se a essa "lei" geral

de exaltaglo das origens, era funglo da qual"nao hé escriptor

que deixe de referir å Divindade as origens da sua patria e

a victoria de suas batalhas" (21): a legitiraagio pelo sagra-

do é, pois, quase o seguir de um modelo, factor primordialde


prestígio e afirmagSo, para além, como é evidente, do claro

vínculo religioso que paralelamente implica.

0 milagre de Ourique constitui-se poie, aciraa de tudo,

como parte integrante da fundagSo da nacionalidade, como jus

tificagSo da existência autonoraa do país. Nuraa outra perspec

tiva, contudo, ele representa tambéra a tentativa de explica-

gSo do destino nacional, uma justificagSo de um destino que

veio a ser grande. 0 milagre de Ourique é, para lá da sangSo

sagrada ao início da nacionalidade, uma charaada de Deus ao

"novo povo eleito", o princípio justificativo da missSo uni-

versal dos portugueses, De facto, para os seus defensores o

juramento de Afonso Henriques contém em si proprio a decifra

gSo do destino colectivo dos portugueses, constante nas pro-

messas de Cristo ao primeiro rei. Daí que ,


nlo tio paradoxal

mente como poderia parecer, seja patente uma estreita liga -

gSo entre o milagre de Ourique e o messianismo político. Nlo

4 por acaso que o P£ Antonio Vieira recupera de modo signifi


cativo o milagre de Ourique, no âmbito da construgio do seu

pensaraento raessiânico. Fonseca Pereira, no "arguraento tercei

ro" do seu opúsculo, recorda justamente essa posiglo de Viei

ra que vê nas palavras de Cristo a Afonso Henriques —


Volo

in te. et in seraine tuo. iraperiura raihi stabilire —


"a prones

sa dfurn imperio universal Christlo, que deve ser estabeleci-

do em algum descendente do mesmo Affonso" (22). Destino e vo

cagio imperiais, realidade a cumprir que estava já implícita


nas palavras de Cristo ao priraeiro raonarca.

Fazendo parte integrante da explicagio da nacionalida-


de, Ourique funciona, como já afirmáraos, corao um verdadeiro

mito das origens, a que nSo falta a sangao sagrada. Assim, a

desfundamentagSo da sua veracidade tem um alcance ideologico

que ultrapassa a simples subversao de uma crenga infundada,a

través dos instrumentos de rigor que a historia fornece.

Se, como mito de fundagao, Ourique vem significar ains

tauragao de uraa deterrainada ordem —


neste caso política —


com a respectiva legitimaglo divina, a sua negaglo signi-
fica o caos, devido a destruiglo da tradiglo fundadora. Ain-

da no século XIX, e no âmbito da controvérsia que estudaraos,

esta iraagem de Ourique é, pois, uma iraagem actuante. Comefei

to, os antagonistas de Herculano na polémica em torno de Ou-

rique dlo conta desta realidade: por em causa a grandeza da

batalha e a aparigio de Cristo a Afonso Henriques significa,


acima de tudo, renegar as origens da pátria, desprezar uma

imagera secularraente transraitida do país como ser político.


Todos eles demonstram uraa evidente perplexidade peran-

te a posigSo de Herculano. Vimos atrás como Caetano Pereira

reage a atitude do historiador: qualquer nagSo necessita de

um evento originário, a partir do qual se pode marcar a sua

fundaqlo; se nlo é Ourique, 4 necessário encontrar o f acto qæ

o substitua naquela funglo. Tambéra Maggessi Tavares, o p£ Re

creio e Fonseca Pereira assuraera posigao idêntica perante a

dissoluglo de uraa tradigao secularmente vigente: é necessárjb

conservar a tradiglo de Ourique porque ela consubstancia a

propria identidade nacional.

Assim, a atitude de Herculano perante o probleraa so po


de assumir-se, a seus olhos, corao uraa atitude duplamente con

denável, uma vez que representa a rejeiglo de uma tradigio æ

cular, que justifica a autonomia política, mas tambéra porque

representa a rejeigio da intervengSo divina no destino da na

glo, o que lhe conferia tarabéra dimensio religiosa.

t primordialraente segundo estes dois vectores que osari

tagonistas de Herculano constroera a imagera que dele fazem :

o historiador surge-lhes como o iconoclasta que subverte uma

tradigio venerada, o homem desdenhoso da religião, eivado de

impiedade religiosa porque ( paraalém, corao e ôbvio, do ata-

que que faz ao clero ) rejeita a explicagão providencial da

naglo.

Assira, para eles, a atitude de Herculano configura, aci

ma de tudo, ura sentiraento anti-patriotico, por um lado, e an

ti-religioso, por outro. Para os defensores da tradiglo de

Ourique, a manifestaglo do patriotismo através da historiatra

duz-se na preocupagio em manter vivas as crengas que conside

ram fazer parte do patrimonio ideologico nacional. t muitoní

tida, em todos eles, uraa identidade clara entre patriotisraoe

tradigio: aquele 4 tanto mais profundo quanto maior for o

apego ås tradigoes transmitidas de geragão em geragSo, Signi


fivativaraente, quando pretende referir-se a Historia de Por-

tugai de Herculano, o P£ Recreio utiliza, nlo poucas vezes, a

expresslo "a anti-tradicional Historia de Portugal" (23):por


de ela lhe
que, facto, surge nos antípodas do que ele pensa

dever ser a historia da pátria —


aciraa de tudo, a perpetua-

gio das tradigoes, que corporiza, assim, o patriotismo daque


les que se debrugara sobre o passado, Deste modo, a defesa do

railagre de Ourique, era certa raedida a "tradigSo das tradigoeef1

faz parte integrante do exercício do amor pelo passado, tal

como eles o entendem,

0 P£ Recreio vai mesmo mais longe na sua analise, Para

ele, o patriotismo opoe-se, como conceito, ao que ele chama

"cosmopolitisrao" que, a seu ver, propicia a dissoluglo das

tradigoes, o que na sua perspectiva, caracteriza a historio-

grafia de Herculano, ^eferindo-se ao P£ Pereira de Figueire-

do, mas tendo Herculano corao contraponto implícito, afirma :

"QPereira] Nlo era, nem se parecia com algura d'esses genios

eivados da torpe raania do cosraopolitisrao, para os quaes o

amor e respeito pelas antigas e serapre recebidas tradigoesdo

paiz sao ura thema de vilipendio e virulentos sarcasmos"(24) .

Na sua perspectiva, a historiograf ia de Herculano equaciona-

-se justaraente pela dissolugão das tradigoes raais caras da

historia nacional; e por isso afirraa que, para Herculano, "tu

do quanto vera da tradicio 4 fabuloso" numa leitura era que a

crítica historica surge corao sinonirao de dissolvência de cren

gas e tradigoes (25). Assim, historia e tradigio têm de cami

nhar a par, e nlo cindir-se, Maggessi Tavares, afirma, por

seu turno, numa mesma linha de análise em que a crítico aPfer

culano 4 muito clara, que "A Historia escripta, quando inten

ta separar-se da tnadiccao, que nhona a exifltenola de qual -

quer facto, por mais logico o que nos conta do que natural o

que nos nega, nem por isso sempre convence" (26).


0 patriotismo confunde-se, assim, com uraa apropriagSo
252

por vezes retorica de um passado que se pretende sempre gran

dioso e épico: daí que a historia deva ser, antes de raais, un

registo de raemoria, a narragSo de feitos nos quais se espelha

a grandeza da nagSo.

Revela-se particularmente interessante a reflexSo que

Caetano Pereira faz sobre a historia. nacional. Esta deve ser,

acima de tudo, a biografia da nagSo em que, desde as origens

â maturidade e å velhice, se perpetuam os marcos fundaraentais

da sua existência (27), numa perspectiva da historia como rao

delo das geracoes vindouras. Corao raodelo e exeraplo, a histo-

ria deve ser, afinal, a apologia da naglo; por isso Caetano

Pereira considera "araigo da patria" quera, procurando conser-

var "a gloria e o norae illustre da patria", encubra se assim

for necessário, "alguns defeitos", para "exaltar as acgoes e

gloriosos feitos dos seus maiores" (28); tal nlo 4 o caso de

Herculano porque, nlo se vinculando, como historiador, å per

petuagão de uma tradigSo como a de Ourique, nSo so a despre-

zou, como apoucou e ridicularizou.

Mas se o patriotismo 4 encarado, pelos antagonistas de

Herculano, acima de tudo corao ura vínculo de fidelidade a per

petuagao das tradigoes herdadas dos nossos maiores, um outro

factor contribui decisivamente para a modelagao daquele senti

mento, no caso específico de Ourique. Cora efeito, se da for-

raulagSo do mito de Ourique corao acto de fundagao da naciona-

lidade 4 indissociável a sagragSo pelo aparecimento de cris-

to, torna-se obvia a coraponente religiosa que dele faz parte

integrante. Nesta perspectiva, o patriotisrao que se traduz


pela raanutenglo da tradiglo de Ourique como mito de fundagao,

traduz igualmente um vínculo de natureza religiosa aue não pq

de ignorar-se.

0 raciocínio é especioso raas aniraado de uraa logica que

se lhes apresenta corao indestrutível : se Ourique significasi

multaneamente o acto fundador da nacionalidade e a manifesta

glo da protecglo divina ao novo reino, crer em Ourique 4 si-

multaneamente comeraorar as origens da nagao e reiterar a fé

em Cristo e na religiio catolica. Deste raodo o patrioti srao ccc

funde-se igualmente com um acto de piedade e crenga religio-

sa. Signif icativo desta realidade 4 o facto de todos os de-

fensores da tradigSo constantemente aliarem a explicitaglo do

sentimento patriotico â manutenglo de Ourique como manifesta

glo de fé; tal como, por contraste, ao atacarem a posiglo de

Herculano, verberam nela, como factos indissociáveis, a com-

ponente anti-patriotica e anti-religiosa que a seus olhos es

sa atitude encerra. Para eles, o facto de Herculano excluiro

milagre de Ourique da narrativa da historia pátria significa,


a um tempo, o desprezo de uma tradiglo maior da historia na-

cional e uma manifestagio clara da incredulidade religiosa.


0 P£ Francisco Recreio acentua de modo evidente e mais

violento do que a raaioria, essa linha de análise coraum a ge-

neralidade dos oponentes de Herculano. No seu opúsculo Justa

Desaf f ronta, constroi toda una argunentaqao que vai precisa-

mente no sentido de desmascarar aquilo que a seus olhosiepre

senta, da parte de Herculano, a subversão da crenga em Ouri-

que, onde convergem simultaneamente os sentiraentos patrioti-


co e religioso, Assim, na sua leitura, a atitude de Hercula-

no insere-se numa tentativa sistemática da destruiglo das

tradigoes pátrias, aliando um desprezo soberano pelo passado

a uma acribia dissolvente; e, no que respeita particularmen-

te ao milagre, insere-se numa atitude mais geral de hostili-

dade a religilo, que se traduz pela perseguiglo a uma "cren-

ga theocratica" secularmente admitida contra, aliás, uma ten

dência geral dos povos era ciosamente conservá-las. Essas cren

gas "theocraticas" contribuem, a seus olhos, para formar,

em todos os povos, o sentimento patriotico. Aliás, na crenga

de Ourique, e como sublinha na Justa Desaffronta. a partirdo

moraento era que o Papa Bento XIV, em 1753, concedeu que a sex

ta liglo do Breviário do Ofício das Chagas, fosse acrescenta

da a referência ao milagre, passava, sem dúvida, a existirun

efectivo vínculo religioso (29). A questio afigura-se-lhe , as

sira, rauito clara: pois nio 4 o reino de Portugal ura reino de

fundagao divina? Ir contra a manifestaglo do divino no polí-


tico, no caso particular de Ourique, que representa o início

da nacionalidade e, para ele, a deraonstraglo acabada dafalta

de patriotisrao e da irapiedade religiosa. De facto, e uraa vez

que "todos os povos tera [. .


.] as suas crengas particulares so

bre os effeitos sobrenaturaes d'aquelle soberano poder que os

patrocinára, como eminentemente patrioticas", "attentar con-

tra ellas 4 sair, é aberrar do centro da coraraunhao de ura dos

mais fortes, dos mais sublimes pensaraentos que animara o seu

patriotismo" (30). Patriotismo e crenga religiosa encontram-

-se, pois, unidos numa idêntica conceituaglo moral e histori


255

ca, de que o P£ Francisco Recreio dá conta de modo muito cla

ro na sua produgSo polémica contra Herculano.

Numa época em que a questSo religiosa se erigia comoun

dos grandes problemas sociais, ideologicos e políticos que a

sociedade liberal enfrentava, o anátema langado a "impiedade"

de Herculano será, aliás, um dos "leit-motiv" dos seus adver

sários na polémica. t obvio que nlo pode deixar de considerar

neste ponto, e como contribuindo decisivamente para es-


-se,

sa acusaglo, a efectiva atitude Herculano perante o clero^ue

tera o seu paradigma no seu opúsculo, Eu e o Clero. Com efeito,

o tora incisivo e por vezes violento que caracteriza esta sua

intervengio, irá contribuir para a construglo de um perf il an

ti-clerical que os seus adversários nlo deixario de explorar

em proveito das suas posigoes. Parece-nos, no entanto, que a

atitude específica de Herculano perante o milagre de Ourique

nlo tera, em termos operatorios, raenos importância efectivapa


ra a construglo dessa imagem.

Na realidade, aliando a explicaglo providencial dosde_s


tinos humanos a preocupagio da perenidade de tradigoes secu-

larmente vigentes, a avaliagao que os adversários de Hercula

no fazem do problema do milagre nio deixa margem para dúvidas:

crer na sua veracidade é, em si mesmo, uma inequívoca manifes

tagao da fé catolica, para lá do honrar da historia nacional.

E por isso a atitude contrária, reflecte necessarianente uraa

posigao anti-religiosa. 0 P£ Francisco Recreio, ao conceder

ser possível nlo acreditar na apariglo, visto tratar-se de u

ma "pia crenga" e nlo de "objecto de dograa" (31) continua a


256

manifestar uma incompreensio essencial perante a posiglo de

Herculano. De facto, esta raera afirraagio indicia a perspecti

va em que coloca a questSo de Ourique: para lá do momento de

fundagSo da nacionalidade, a crenga no milagre constitui tes

temunho inequívoco de fidelidade a fé. Conceptualmente nao é,


pois, possível entender a posiglo de fundo de Herculano, uma

vez que se parte de um princípio que faz do vínculo religio-


so factor preponderante de avaliagao da sua atitude perante

Ourique.

Deste modo, a posiglo que toma face ao milagre na His-

toria de Portugal, aliada a sua atitude mais geral perante o

clero, que atinge uraa clara explicitaglo nesta polémica, con

vergem de modo indiscutível para a construglo dessa imagemre

gativa que os seus antagonistas fomentam e exploram. Hercula


no 4 anateraatizado, por vezes de modo violento, pela sua hos

tilidade a religiio, e nlo raras vezes esse anátema toma for

ma muito concreta de acusaglo de uma mais ou menos veladasira

patia pelo protestantismo. t o caso muito particular do P£

Francisco Recreio que, tanto na Justa Desaffronta como na

Sincera Defeza da Verdade. reafirma com insistência a acusa-

gSo da heterodoxia de Herculano, e vê tanto na Historia delbr-

tugal como nos opúsculos directaraente constantes da polémica,


um claro índice do afastamento da ortodoxia catolica e de

uma proximidade do protestantismo por parte de Herculano.

A posigio de Herculano perante a impossibilidade de man

ter o "railagre político" de Ourique na narrativa historicadæ

origens da nacionalidade 4 pois transrautada pelos seus adver


sários numa atitude anti-patriotica e, aliada a sua nuestao

com o clero, erigida como sintoma de um anti-catolicismo mi-

litante, que vai até a acusagSo de irreligiosidade efectiva.

t patente, sem qualquer dúvida, a incompreensao fundamental

que a posigSo de Herculano suscita nuraa época em que, por um

lado, a historiograf ia caminhava de modo seguro para um esta

tuto de clara autonomia científica e, por outro, a questlore

ligiosa abalava instituigoes e consciencias, seguindo cami-

nhos de intolerância e inovaglo dogmática que, como viraos, en

controu era Herculano um consequente e pertinaz adversário.

Como acentuámos na primeira parte do nosso trabalho, a

grande questao operatoria da intervenglo de Herculano na po-

lémica é justamente a denúncia dos sintomas da recuperaglo cle

rical que detecta na questao de Ourique. Com efeito, a ques-

tao religiosa constitui para ele, numa perspectiva globali -

zante, o factor de inteligibilidade nue ajuda a explicar, em

grande medida, a
polémica, que so pode entender-se devidamen
te enquadrada no moviraento ultraraontano europeu.

Tarabém os seus adversários dlo conta, nas suas interven

goes, da importância capital que atribuem a esse movimento,em


bora, como 4 ôbvio, a sua leitura seja radicalnente distinta,

pois veem nele o ansiado raoraento da recuperaglo, por toda a

Europa, dos valores catolicos abalados pela instauragio do li

beralisrao e, mais recentemente, pelos anos tormentosos dos

finais da década de quarenta. B é nesta raedida que equacionam

a atitude Herculano face ao clero, para eles indissociáveldo


cliraa geral e continuado de hostilidade å ortodoxia e aos va
lores conservadores da Igreja. Desse cliraa de ura acentuadoqg

timismo perante o "renascimento" do catolicisrao dá conta o

opúsculo de Souza Amado, Cartas sobre o Estado Actual da Re-

ligiSo Catholica em ĩngiaterra. e também, por várias vezes,

o P£ Recreio. Comentando a "escandalosa" pergunta que Hercu-

lano fazia nas Consideracoes pacificas, ao interrogar-se,preo

cupado com os sintoraas que detectava nos carainhos que a Igre

ja parecia seguir "Era que tempos estaraos nôs? Para onde canri

nha a reacclo religiosa?" (32), o P£ Recreio responde: "Esta

raos I . . .1 felizmente ja em tempos em que o principio religio-

so vai triunfando dos assaltos com que a incredulidade o tem

ferozmente atassalhado f. J,. Estamos sim em tempo, em que as

tendencias catholicas vao ganhando em todos os paizes nova

forga e vida contra a influencia intrusa tanto do racionalis

mo corao do protestantisrao" (33).

No entanto —
e ao contrário do que nos parece suceder

cora Herculano —
esta preocupaglo pela reacglo reĩigiosa nlo

esgota, ou nlo abarca a totalidade do interesse ou da expli-


cagao que possa dar-se para a participaglo dos antagonistas
de Herculano. Ela orienta-se, sem dúvida, pela indignaglo aau

sada pela radical atitude de Herculano face ao clero, de que

4 emblema o seu primeiro opúsculo, pela crítica acerba ao an

ti-clericalismo nele bem patente; mas nem por isso deixa de

existir ura espago proprio, como aliás pensamos ter sublinha-

do, para o debate específico sobre a questSo de Ourique, ela

tambéra, na sua perspectiva, com uma clara incidência religio

sa. Para eles, e nos meados do século XIX, Ourique continua


a ser suporte ideologico, era grande medida, da identidade da

naglo, siraultanearaente como vínculo político e


sagrado, iden

tidade derivada do "pacto feito entre o Rei coevo da Monar-

chia, e o Rei dos Reis" (34), numa clara alianga que consa-

gra a busca e o estabeleciraento das origens, sempre recorren

tes através da meraoria.


CONCLUSÎO

Julgamos ter demonstrado, ao longo do nosso trabalho, e

ao tentar desmontar as várias vertentes e trajectorias do II

tígio ideologico e mental que constituiu a polémica da His-

toria de Portugal. que o milagre de Ourique e o debate que

desencadeia e alimenta durante onze anos, 4 no fundo e para

além de tudo o registo de um hiato inultrapassável de menta-

lidades.

Cora efeito, a polémica, pondo em confronto Herculano e

a hoste diversificada ( e contudo unida no que de fundamen-

tal se punha em jogo ) dos seus oponentes, constitui, afinal,


um frente a frente entre uraa insolita sobrevivência de estru

turas arcaicas de pensaraento, para lá da tonica irrecusavel-

mente ideologica que por vezes


assume, e a positividade de

um pensamento científico. Constitui, de certo modo, um coníli

to entre o auerer e o saber, entre dois


ou seja, tipos de in

teligibilidade e de discursos inconciliáveis em termos de po

lémica,

Pondo de lado aspectos particulares que nlo deixámosde

referenciar, que derivaram de conjunturas pessoais e desenca

dearam, em certos casos, a veemência e a invectiva, podere-

mos, pois, perguntar ate que ponto esta polémica, ao colocar

problemas trouxe os dados necessários para a


clarificaglo, o

apaziguamento e a convergência. Creraos que nio, e que cada

ura dos carapos perraaneceu inaraovível nas suas posigoes —


e na

imagera que construírara da propria poléraica —

porque elas re
presentavam bem mais co que meras posigoes da es.fera intelec

tual do saber. Representavam sim, vivên-


para Herculano, uraa

cia cívica, política e


ética; para os seus
opositores, a *i-

delidade e os vínculos de una nenoria colectiva oue sentiam

sofrer o abalo e ameagar de colapso.

Contudo, nem ror isso —

ou
por isso mesno —
a roleni

ca no seu conjunto deixa de constituir una pega relevante no

perfilar da nentalidade portuguesa e dos seus vários estra


tos —
desde un p£ Recreio a um Canilo Castelo Branco ou
Ma£
gessi Tavares —
no se'culo XIX. Foi, pois, essa a irtencaodo

trabalho cue realizános: explorar tora


o e a orbita de novi-

nentaglo do raciocínio que constituiram os utensílios e as

armas dos contendores. Tentámos, nao encontrar a razlo ~pr

que de razlo nlo se tratava -


mas identificar as motivagoes
profundas que deram origem ao que, para alguns, foi uma peno
sa prova pública, para outros um espago inesperado para arei

vindicagao, para outros ainda uraa oportunidade para fazer va

ler argumentos. Para todos, uma autentica e ate dramática ex

periência nos domínios da exploraglo de uma verdade.


A poléraica revela, pois, a irapossibilidade de diálogo
era terraos objectivos era torno de uraa probleraática que tem a

ver, em últiraa análise, como sublinha Borges de


Macedo, com

a filosofia da historia (l).


Controvérsia entre tantas outras em que Herculano se

viu envolvldo de
ao longo todo um percurso público e
cívico,
a polémica sobre o
milagre e a batalha de Ourique suscita,
pois, algumas reflexoes para ĩá da paixlo que no inediato a
262

envolveu. Se, como afirma Alberto Ferreira, a Questlo Coim-

brl é, em certo sentido, "a polémica que prepara a nossa con

de tur
temporaneidade" (2), a questlo Ourique parece, por seu

no, encerrar um tempo que se afigura, desde logo, já nao ser

o dela.

Sxplicitando melhor, queremos significar, na sequência

da avaliaglo que dela faz o proprio Herculano, a perplexida-

de que uma polemica com a sua configuraglo suscita, nos mea-

dos do século XIX. Folémica, por essência, anacronica? Foi-o

de facto para Herculano, nlo nacuilo que, a seus olhos, ela

teve de essencial —
como sintoma da reacglo ultramontana e

do fanatismo clerical, facto moderno, actual e permanente —

mas no que envolvia, em termos de significado, a sua formula

gao primitiva —
o milagre de Ourique.

A este facto fica a dever-se certa ambiguidade da sua

posiclo, permanentemente dividida entre a tentacão de "dei-

xar cair" uma discussao irrelevante por sua propria natureza,

e a prenencia iue lhe surgia civicanente obrigatoria e ina-

diável. Polémica cientificaraente esteril, corao serapre a con-

siderou, foi pela manifestaglo da denúncia e pelo ascendente

da componente anti-clerical que Herculano consagrou os tex-

tos a ela respeitantes nos Q-púscuIos.

Mas para lá de uraa certa "visao oblíqua" que enforraa a

posigSo de Herculano —
a noglo de que a poléraica se configu

ra e explica a partir de uma acgSo voluntária e concertadade

corrente do fanatismo clerical —


nSo há dúvida de que, pelo

seu proprio desenvolvimento e o eco que encontrou, a questao


de Ourique e muito particularmente o railagre nlo pode com -

preender-se apenas segundo os elos explicativos que Hercula-


no para ela encontra. Com efeito, a polémica vem tarabén de-

monstrar que, em meados do século XIX, Ourique corresponde a

uma crenga, talvez já fortemente "ideologizada" e


recuperada

para un campo político determinado, mas sem qualquer dúvida


ainda vigente. Onde Herculano viu apenas a exigência da his-

toria, verberou-se a iconoclastia; onde nerculano viu apenas

a decorrência natural de ura estatuto de análise e de procura

de uma inteligibilidade inerente ao estabeleciraento da "res

gesta", viu-se a destruiglo da legitiraaglo da nacionalidade.

t obvio que a defesa do railagre de Ourique partiu, des


de logo ( e sem falarmos agora das ressonâncias religiosas
que

tanbém provocou ) de círculos marcadaraente conservadores e

reaccionários. t obvio também que, como dissenos, essa cren-

ga se
encontrava, na época era que a poleraica se desenrolou ,

ideologicaraente recuperada por círculos ben deterrainados; lera

breraos, apenas a título de exemplo, a frase que o jornal le-

gitimista A Nagio elege para a sua epígrafe, ouando, em


1847,
surge nos terrenos da imprensa, "Et oranes
surrexerunt, etspa
tis nudis dixerunt: nos liberi suraus: rex noster liber est .

Ita voluraus per nos, et per seraen ejus poct nos" ( Cortes de

Lamego ), e a insistência patente nos números de apresenta-

cão, em filiar essa


legitinidade, de que se
reclamara, nos

Campos de Ourique (3).

Mas Ourique correspondia ainda, cora efeito, â projec-


gao de uma imagera araplamente aceite, talvez por vezesintegra
da num discurso político retorico, mas explicativo de uma de

terminada visio da nacionalidade. Aquilo oue Herculano des-

truía em Ourique era muito mais do que o mero desfundamentar

de uma "fábula", de um "milagre infundado" ou de uma "pia

fraude" sem cabinento num discurso historico, e por ele pos-

to em pé de igualdade perante outras "lendas analogas" (4) que

integravam a historia nacional; era a ancestral explicaglo


das origens de Portugal simultanearaente como naglo indepencten

te e cono naglo eleita pelos desígnios divinos.

0 que essa excluslo significava era, afinal, algo de

mais profundo —
a substituigio de um modelo justif icativo
da nacionalidade por outro de carácter totalmente diverso,no

qual -
e é neste aspecto que nos interessa agora incidir —

o mílagre está afastado como princípio e sanglo explicativa.

Herculano destroi em Ourique muito mais do que proprio pare-

ce fazer crer: 4 todo um edifício explicativo em oue os con-

ceitos de historia, tradiglo, memoria e pátria se aiteram de

cisivamente, numa compreenslo global que nada tera a ver com

o providencialismo concreto que preside ao destino político


da naclo.

Nio que o papel da providência nlo surja, na sua con-

cepgao de historia, com um peso específico signif icativo. Sem

pretendermos aproximar-nos da polémica posigio de A. José Sa

raiva a este respeito, que pretende ter Herculano abragado u

ma concepglo claramente providencialista da historia(5), es-

sa componente parece-nos existir era Herculano; no entantoela

nlo se manifesta de modo explícito, através da intervenglo


directa de Deus na vida dos horaens e das nacoes, mas de modo

implícito, na complexa e obscura alianga entre a mlo de Deus

e a liberdade dos homenB.

Nao, também, que Herculano recuse a existência do mila

gre corao facto possível; o que ele nlo pode 4 ser erigido co

rao factor explicativo para nagoes e factos políticos, corao

hiperbolicamente se pretende com o milagre de Ourique . A Con-

dos Godos catholicismo,


versao ao infelizmente incompleta, 4
um texto em com clareza exprime
que se a sua concepglo do mi

lagre, nuraa posiglo inequívoca de aceitaglo dos milagres re-

velados e de rejeigio daqueles que, sem a sangio da revela-

glo, repugnam a
inteligência e å razlo. A proposito dacrenga
comuraraente aceite da converslo quase iraediata dos godos ao

catolicismo, Herculano faz a seguinte reflexlo, que nos pare

ce particularmente signif icativa: "Nos dominios da revelaglo


a
intelligencia humana abstem-se, porque ao racionalmente im

possivel se apoia o indubitavel. Nos dominios da razlo o mi-

lagre, que 4 o
impossível, separou-se do indubitavel, e a ra

zSo forgadamente o
rejeita como advena e
peregrino. Aqucra
das fronteiras da revelacao nlo ha raiiagres: ha ignorancia

ou raentira" (6).

Assira, nio 4 o milagre em si que repugna a Herculano.

Repugna-lhe, sira, a apropriagSo espúria, ilegítima ou tenden

ciosa motivos
por conjunturais, políticos ou outros, do fac-

to insolito e em si inverosímil é
que sempre o nilagre. Re-

jeita o railagre de Ourique por motivos de crítica historicae


documental que para ele define desde logo a historicidade ou
a anti-historicidade. Rejeita-o, aciraa de tudo, pelo seu in-

sofismável carácter de "milagre político", que desvirtua a

especificidade do milagre como manifestagSo do divino, profa


nizando-o. Rejeita-o finalmente porque representaria uraa ma-

nifestagSo grosseira do providencialismo concreto, aue está

ausente da sua concepglo de historia.


t

Aquilo que pretendemos sublinhar e que, sem dúvida, a

para lá do sentido global que Herculano atribui a polémica,


as suas dimensoes nio seriam as que efectivamente veio aatin

gir se o milagre de Ourique, como materializagSo de uma cer-

ta concepgSo e
explicaclo da nacionalidade nlo encontrasse un

eco considerável no moraento em que o debate se acendeu. Pare

ce-nos, cora efeito, que a posiglo de Herculano, pertinente


no seu sentido global, nlo abarca, na
totalidade, o que era

jogo se encontrava cora o relegar do railagre para o


campo das

lendas infundadas. De facto, nem tudo pode entender-se em

fungio apenas do aproveitamento e da irritagio clericais, o

que aliás ele proprio parece ter entendido como demonstra na

atitude que toma perante Maggeesi Tavares.

Ainda que de um modo difuso a defesa do milagre de Ou-

rique encerra, para lá dessa tonica clerical iniludível, a

defesa de uma heranga secularraente vigente para a explicagSo


da nagSo, a necessidade de manutengSo de uraa crenga que legi
tiraava a política e a historia, a procura da reeuperagão de

um facto em que se pretendia reencontrar de


a
verosimilhanga
ura comego político diferente —
e diferenciador. Mito de fun

dagSo, mito de sagragao das origens, o milagre de Ouriaue con


tinua, na época de Herculano, a evidenciar-se como leiturapqs

sível, pertinente e até necessária para a explicagio e o en-

tendimento da nacionalidade.

Digamos que, sob este ponto de vista, a polémica dos

seus defensores com Herculano é apenas um indício, ou melhor,

a exteriorizagio de uma crenga que se mantinha efectiva, nlo

so em termos ideologicos, corao ate de ura certo imaginário co

lectivo, presenga obrigatoria na referência as origens. Pare

cera-nos, a este respeito, extreraamente sugestivas as pala-


vras que antecedem um pequeno conto de Francisco Duarte de

Almeida e Araújo (7), intitulado A Batalha de Campo de Ouri-

que, publicado era 1854, que referimos por indiciar, justaraen

te, a existência de um público cuja receptividade 4 revelado

ra (8). Trata-se de um breve conto de estrutura romanesca,

em que o confronto de Ourique surge essencid.mente como cená-


rio a um infeliz romance entre Fátima, jovem moura, e Sancho,
"filho de um lidador do bravo Conde D. Henrique",
Nas páginas que o
antecedem, era que o seu autor susten

ta a necessidade em manter viva a sio de-


crenga em Ourique,
tectáveis possíveis ressonâncias da polémica: "Penetrar as

eras remotas da antiguidade, para rasgar-lhe com temeraria

mao os expessos veos nol-as occultara


que agora as nossas vis

tas será talvez de genios; mas acatar as tradigoes, explica-


das nas sagradas quinas da bandeira de Affonso é
Henriques,
dobrar o joelho ante a piedade dos nossos avivar
passados, a

fé que arrostou peitos portuguezes teraerarias


e
empresas, é

dar, como um santo relevo, ao symbolo que mil vezes nos tem
conduzido a victoria" (9).

NSo se trata, cora efeito, de um texto que tenha direc-

tamente a ver com a polémica; raas uraa análise detalhada do

seu conteúdo revela, sera dúvida, a identidade de conceitoscon

todos aqueles que se raanifestarara expressaraente contra Hercu

lano : a defesa da tradigSo de Ourique, a um terapo sinonimo

de patriotismo e
fé, traduz uma concepglo particular da pá-
tria e da historia, em suraa, de um passado que, potenciando o

futuro, nele se projecta, o explica e o proraete, Crer em Ou-

rique e, pois, raanter "a esperanga na infallibilidade daspro

messas da profecia que nos deu patria" (10).

t justamente essa funglo ideologica de legitimaclo de

uma nacionalidade aparentemente "inexplicável" que pode, de

facto, fazer compreender como em pleno século XIX e mesmo pa

ra ale'm dele (11) o milagre de Ourique tenha feito parte de

um aparelho conceptual dificilmente alienável.


NOTAS
Critérios

-
Nas citacoes das obras consultadas, omite-se a edito

ra, indicando-se o local da ediclo e a data. Para os opúscu-


los da polémica, frequenteraente citados, essa indicagio apa-

rece apenas na priraeira citaglo.

-
Sendo em grande número as citagôes das obras de Her-

culano, a indicaglo dos seus textos nio vem, na generalidade,

precedida do seu nome.

-
Ås obras cujo título, pela sua extenslo, se torna di

ficil citar integralmente sempre que a elas necessitámos de

recorrer, foram atribuídas abreviaturas. Exceptua-se a pri-

meira citaglo efectuada de cada uma delas, que indicamos in-

tegralmente.
271

Introdugao

1. Palavras prévias

(l) Jorge Borges de Macedo pretende essencialraente sublinhar

as razoes que levarara a que, de facto, esta polémica nSo en-

contrasse eco nos meios intelectualmente mais relevantes; es

sas razoes têm, aciraa de tudo, a ver com o facto de Hercula-


t

no manejar "conceitos e
processos criticos habituais na cul-

tura historica portuguesa de entSo" in Alexandre Herculano


Polémica e Mensagem. Lisboa, 1980, p. 18.

(2) 0 proprio Camilo Castelo Branco, que também participanes


ta polémica com um pequeno opúsculo, 0 Clero e o Sr. Alexan-
dre Herculano.de 1850, em que a crítica a Herculano 4 subtil
raas clara, era ura jovem de 25 anos de idade, praticamente des
conhecido. So no ano seguinte, em 1851, iniciaria a sua fe-
cundíssima capreira de escritor, com a publicagao do seu pri
meiro romance, Anátema.

(3) Se tivermos era conta, no


entanto, o número de páginascon
sagradas a esta cuestSo, o autor mais prolixo e sem
dúvida,
e de longe, o p£ Francisco Recreio.

(4) Luís Filipe Lindley Cintra, "Sobre a


formagSo e evoluglo
da lenda de Ourique ( Ate' â Cronica de 1419 )", in Revistada
Faculdade de Letras de Lisboa. Torao XXIII, III série, n-> 1
Lisboa, 1957, pp. 168-215.

(5) Tomo III, I de "Controvérsias e Estudos Historicos", pu-


blicado era 1876.

(6) Este conjunto de textos encontra-se descrito no pjcc.


Bibl.. Tomo II, 243-246. Acerca dos
pp. seus conteúdosg-rais
e da sucessSo da sua publicagSo, vide infra "1846-1857: o tem
po de uma poléraica".
(7) Com excepgSo da carta que dirige ao P£ Francisco Recreio,

que seria incluída nas Cartas de Alexandre Herculano.

(8) Herculano dá aliás conta deste facto, em nota existente

na publicagSo da "Carta Segunda" dos Solemnla Verba nos Opus-


culos. Com efeito, ao ocupar-se de Frei Manuel do Cenáculo,es
trénue defensor do milagre, Herculano acrescenta a versSo in
cluída nos Opúsculos de alguns parágrafos, desde "A erudigao

immensa de Cenáculo", p. 131, a "e nao vigarios do papa",pk!3^


parágrafos que nlo constavam das versoes avulsas que destasua

obra circulavam.
Introdugao

2. 1846-1857: o tempo de uma polémica

(l) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Demonstraglo historica e

documentada da Appariglo de Christo nos carapos de


Ourique,
contra a opinilo do Snr. Alexandre Herculano, Lisboa, 1846 ,

p. 3.

(2) Alexandre Herculano, Solerania Verba. Cartas ao Senhor A.

L. Maggessi Tavares sobre a questao actual entre a verdade e

uraa parte do clero, Lisboa, 1850.

(3) Absterao-nos de apontar os porraenores do caso, por ser ura

facto bastante conhecido. Vide Bulhlo Pato, "Cenas de Infân-


cia e Horaens de Letras" in Memorias. Tomo I, Lisboa, 1894,
p. 191.

(4) Vide P£ Rodrigo A. de Almeida, Conselhos amigaveis. Ten-


tativa de conciliagao e
Lisboa, 1850, título
paz, p. 18, a

de exemplo.

(5) Alexandre Herculano, A Batalha de Ourique e a Sciencia A-


rabico-Academica. Carta ao Redactor da Seraana. Lisboa, 1851,
p. 5.

(6) Idem, 0 Portuguez. n° l^, de 25 de Abril de 1853, in An


tonio José Saraiva, Herculano desconhecido. 1971, 137.
p.

(7) Inocêncio F. da Silva, no Dicc. Bib!.. Tomo II, pp. 243-


-244, atribui-o a Camilo; vide também Martinho A. da Fonseca,
Subsidios para um Diccionario de Pseudonyraos. Inlciaes e Obras
Anonyraas.... Lisboa, 1896 (1972), p. 182.

(8) É o caso, por exeraplo, de Juvenália Pontes que, no seu

trabalho Alexandre Herculano e o Clero. 0 Ponto de vista de


Herculano (dissertaglo de Licenciatura) , Coimbra, 1965, nlo
hesita em classif icá-lo entre os textos em defesa de Hercula
no. Vide op. cit., p. 8.

(9) Camilo Castelo Branco, 0 Clero e o Sr. Alexandre Hercu-

lano, Lisboa, 1850, p. 10.

(10) ibidem, p. 15.

(11) ibidem, p. 11.

(12) Este opúsculo 4 assinado com as iniciais Th. de C. No Tto


rao II do Dicc. Bibl. t p. 244, o nome está interrogado. Goraes
de Brito, no Torao XXI, p. 622, da mesma obra, tomo integral-
mente dedicado a Herculano, identifica-o como sendo Tomás de
Carvalho .

(13) Antonio Lúcio Maggessi Tavares, Carta em resposta a ou-

tra do Sr. Alexandre Herculano que tem por titulo Solerania

Verba, Lisboa, 1850, p. 12.

(14) 0 opúsculo sal anonirao. No Torao II do Dicc. Blbl.. p.244.


Inocencio F. da Silva raantém-no no anoniraato, por desejo ex-

presso do seu autor. No Tomo XXI, p. 622, Gomes de Brito re-

vela a sua identidade.

(15) JoSo Pedro da Costa Basto, Observacoes diplomaticas so-

bre o falso docuraento da appariclo de Ourique por ura paleo-


grapho. Lisboa, 1850, p. 3.

(16) Luís Augusto Rebello da Silva, Cartas ao Sr. Ministro


da Justipa sobre o uso que faz do pulpito e da iraprensa uraa

fracclo do clero portuguez. Lisboa, 1850, "Primeira Carta" ,

p. 3.
(17) P£ Rodrigo A. de Alraeida, Conselhos Araigaveis, Tentati-

va de conciliaqlo e paz. Lisboa, 1850, p. 6.

(18) ibidera, p. 12. Sublinhado do autor.

(19) ibidem, p. 15.

(20) Antonio Caetano Pereira. Exame historico em que se refU-

ta a opinilo do sr. A. Herculano sobre a batalha do Campo de


Ourique a que elle charaa jornada ou correria e affirraa quede

ura tal facto nlo existe vestigio algun nos historiadores a-

rabes. Offerecido a todos os Portuguezes amantes da Gloriara-

cional, Lisboa, 1851, "Advertencia" .

(21) Antonio Caetano Pereira, A confirmaglo do Exane histori-

co sobre a batalha de Ourique ou a refutaglo a todos os ar-

tigos do sr. A. Herculano transcriptos no jornal -A Senana -

desde n^ 9 a 13. Lisboa, 1851, "Advertencia" .

(22) Alexandre Herculano, A Batalha de Ourique e a Sciencia

Arabico-Acaderaica.

(23) ibidera. pp. 3-4.

(24) 0 Coraraentario critico sobre a advertencia do 49 volume

da Historia de Portugal de A. Herculano e carta annexa de

Pasqual de Gayangos, Lisboa, 185^, suscitara por seu turno


viva reacglo de Herculano, que publicará um comunicado n' 0

Portuguez. n? 197; de 185*^, provocando Caetano Pereira para


um duelo ( vide Dicc. Bibl.. tomo XXI, p. 662 ). 0 comunica-

do de Herculano terá resposta bastante tardia e sem grande


interesse de Antonio Caetano Pereira: A Resposta ou analyse
critica ao communicado de Alexandre Herculano inserto no pe-

riodico -
0 ĩortuguez -
N9 193. Anno de 1853, Lisboa, 1857.

(25) Vide nota anterior.


276

1. A "Advertência" da Historia de Portugal, ou a consciência

de uma atitude assumida

(l) "Nestas linhas que lango å frente do meu trabalho quere-

rian talvez alguns que expusesse o plano dela, a urdidura da

larga teia que encetei, a que hoje mal basta a vida de um ho

mem e a que provavelmente nlo bastará a minha. Era dizer em

resumo o que o leitor há-de ver e julgar no processo do li-

vro. Pareceu-me uma inutilidade, e por isso o omiti, 0 tempo,


como é fácil de supor, nlo me sobeja, para o consumir em coi

sas inteiramente escusadas", "Advertencia", Historia de Por-

tugal desde o comego da monarquia até o fim do reinado de


Afonso III. Tomo I, Pref. e Notas críticas de José Mattoso,
Lisboa, 1980, p. 19.

(2) ibidera, p. 15.

(3) ibidem

(4) ibidem, p. 16.

(5) "Introduglo" da Historia de Portugal. pp. 34 e


seguintes.

(6) "Advertência", pp. 17-18.

(7) ibidera, p. 18.

(8) ibidera. p. 16.

(9) Reduzido assira a possibilidade este sucesso tradicional,


quer real, quer fabuloso, ten, em qualquer dos casos, um va-

lor historico, porque é um symbolo, uma expresslo da idéa vi

va e geral dos portugueses daquelle tempo, o odio ao dominio


extranho [...]. Se, pois, a padeira d 'Al jubarrota 4 um raytho.
277

uma invenglo popular do seculo decimo quinto, nem por isso o

desprezemos", "A padeira de Al jubarrota", in Composicôes Vá-


rias, pp. 137-138.

(10) "Advertência", p. 17.

(11) ibidem, p. 18.


27£

2. A intervenglo de Alexandre Herculano na polémica. Os opús


culos —
conteúdos e estratégias.

(1) Com o apareciraento dos opúsculos de Antonio Lucio Magges


si Tavares, Demonstracao historica e docuraentada, era 1846, e

de José Diogo da Fonseca Pereira, 0 Priraeiro Tomo da Histo-

ria de Portugal de Aiexandre Herculano considerado era rela-

clo ao Juraraento d' Affonso Henriques, era 1847, em Lisboa.

(2) "Como eu o prevíra na advertencia posta a frente daquel-


le priraeiro volurae [...]", Alexandre Herculano, Eu e o Clero,

p. 4. A "Advertencia" da Historia de Portugal é, com efeito,


muito clara a este respeito. Vide cap. 1 da presente parte
do nosso trabalho.

(3) Alexandre Herculano, Eu e o Clero. Carta ao Em!H£ Cardeal-

-Patriarcha, Lisboa, 1850, p. 9.

(4) ibidem, p. 4 .

(5) ibidem, p. 13.

(6) ibidera. p. 3.

(7) Pelas referencias concretas que Herculano faz ao conteú-


do do opúsculo, e apesar de não o noraear, trata-se sera dũvi-
da do opúsculo de Antonio Lucio Maggessi Tavares, Demonstra-
gão historica e docunentada, de 1846, que já anteriorraente re

ferimos. Vide nota 1.

(8) Sem
pretendermos alargar-nos sobre este problema, pode-
ríamos dizer que é quase como se o processo fosse o inverso;
nao 4 o f acto que dá origera a tradiglo. mas esta que "funda-

raenta" a verdade historica do facto, Concretizando, o mila-

gre de Ourique nlo pode ser negado era virtude da tradiglo so

bre ele existente.


(9) Eu e o Clero, p. 11. Sublinhado do autor.

(10) Existência necessária, aliás, a qualquer tradiglo, de

acordo cora a mais elementar regra historica, como bem subli-

nha Herculano: "Se o auctor queria provar-me a perpetuidade


da tradiglo de Ourique, nlo devia esquecer o criteriura esta-

belecido por Vicente de Lerins, e com elle pelo senso comraum,

para distinguirmos, das falsas as tradigoes verdadeiras : Quod


senper, quod ubique. guod aboranibus creditun est" . Eu e oCLe-

ro, p. 11. Sublinhados do autor.

(11) Eu e o Clero, p. 12.

(12) Antonio Lucio Maggessi Tavares, op. cit., p. 19. Hercu-


lano escreve erradamente Syraraitica.

(13) Eu e o Clero, p. 15. A proposito da crenga de Frei Ma-

nuel do Cenáculo Vilas Boas no milagre de Ourique 4 de refe-

rir uma curiosa publicaglo, constituída por uma pequena in-

trodugao de exaltaglo de Ourique e por 7 estarapas, que lhe 4


atribuída ( vide Dicc. Bibl.. Torao V, p. 391 ); o exemplarpor
nos consultado, aparentemente completo, apresenta-se anonimo.
0 seu título 4_ Gragas concedidas por Christo no Canro deOu-

riaue, acontecidas em outros tenpos e repetidas no actuaI,con-


fornes aos desenhos de suas idades. Lisboa, na Impresslo re-

gia, 181* .

(14) Vide Antonio Lucio Maggessi Tavares, op. cit., pp. 22-23.

(15) Eu e o Clero, p. 15.

(16) ibidera, pp. 15-17.

(17) t o seguinte o texto do decreto que fez a concesslo do

ofício para Portugal, em 1753 ( damos a respectiva traduglo):


"Decreto do Reino de Portugal, e dos Algarves. Para satisfa-
fazer å grande Devoglo, que nos Reinos, Dominios e Conquistas
de D. José I Rei Fidelissimo de Portugal, e dos Algarves, es

tá no maior vigor para com as Sacratissimas Chagas de Nosso

Senhor JESUS CHRISTO. 5e supplicou por parte do Emminentissi

mo e Reverendissi mo Cardeal D. Thomaz Patriarcha de Lisboaao

Santissimo Papa Benedicto XIV Nosso Senhor, se dignasse ex-

tender ao Clero Secular, e Regular do Rei Fidelissimo a gra-

ga de celebrar na prineira Sesta Feira, depois de Cinza, o

officio proprio com Missa das cinco Chagas do mesmo Nosso Se

nhor JESUS CHRISTO, já approvado no dia quatro de Julho de

1733, para as Regulares de Santa Maria dos Anjos da Cidadede

Florenga; com o aditamento no fim da sexta ligao das pala-


vras abaixo escriptas A saber:

As quaes milagrosaraente recebeo para suas Reaes Arraas

o Iraperio Lusitano. Por quanto se refere: que apparecendo Nos


so Senhor JESUS CHRISTO Crucificado a Affongo I no
Carapo de

Ourique, quando estava para entrar era batalha cora os sinco

Reis Arabes: e proraettendo-lhe a victoria inesperada; lhe or

denou compozesse o Escudo das suas Reaes Armas do prego, por


que havia remido o genero humano. Donde ter
comegou a princi
pio a particular Devogio das Santissimas Chagas de CHRISTOem
todo o Imperio Luzitano. E Sua Santidade tendo ouvido o Reve
rendo Padre Luiz de Valentibus Proraotor da Fé, concedeo be-

nignamente, que daqui em diante nos referidos Reinos, Domi-


nios, e Conquistas do mesmo Fidelissimo Rei se possa recitar,
e
respectivamente celebrar o pertendido [sic] Officio com Ri
to de Duplex maior, com Missa, e
acrescentamento, que assima

[sic] fica escripto. Dia 15 de Dezerabro de 1753", cit. in


Quintanario Meditativo. e Fervorosa supplica era Louvor das
sinco Chagas de Nosso Senhor Jesus Christo. Offerecido aomes-

rao Senhor. e por Elle dadas, para Brazoens do seu iraperio, æ

Real Tronco Luzitano: o Senhor D. Affonso Primeiro. Ded^g^fí


ao Senhor D. Jolo. Principe do Brazil. A ĩgre.ja Santa appro-

vou. e concedeo esta devoglo por huma BuIIa Apostolica. e

neila se vê a verdade de sua origem. Por Dionizio Antonio de


Paiva. Lisboa, na Offic. de Jose' de Aquino Bulhoens, Anno de!797.
281

(18) Vide nota anterior.

(19) Vide nota (6).

(20) Eu e o Clero. p. 17.

(21) Poderíaraos fazer varias referências a este respeito. Li


raitar-nos-emos, contudo, a recordar um único caso, por ser

a todos os títulos paradigmático e revelador do respeito de

Herculano pela dignidade e pela liberdade de imprensa. Em

1851, durante a polemica que sustentou com A Nagio, este pe-

riodico atacara a raeraoria de D. Pedro IV, que por seu turno

Herculano veeraentemente defendeu nos seus artigos; mas quan-

do poder intervém em condenaglo de A Naglo, Herculano, sig


o

nificativamente, dá polemica por encerrada. Vide "0 Paiz e a


Naglo V", in Opúscuios VII.

(22) Eu e o Clero, p. 8.

(23) "Entretanto publicavam-se artigos de jornaes e folhetos

avulsos contra raira. Nada mais legitirao; nada mais liberal" ,

ibidera.

(24) ibídera.

(25) ibidera.

(26) ibidera, p. 10, Até ao momento em que Herculano escreve

este opúsculo, haviam saído a lume duas publicagoes era defe-

sa de Ourique ( vide nota 1 ) . Esta referência 4 dirigida a

Jose Diogo da Fonseca Pereira, autor do opúsculo 0 Primei ro

Tomo da Historia de Portugai, que andaria pelos 70 anos de

idade, segundo Inocêncio F. da Silva, Dicc. Bibl., Torao IV,


pp. 306-307. Antonio Lucio Maggessi Tavares era ainda novo,
e as referências ao seu opúsculo sao feitas depois por Hercu
lano.
(27) Eu e o Clero. p. 5.

(28) ibidem, pp. 5-6.

(29) Vide, a este proposito, o que dizemos na pág. 6 sobre a

estrategia de Herculano.

(30) Eu e o Clero. p. 14.

(31) ibidem, p. 18.

(32) ibidem.

(33) ibidera, p. 19.

(34) Opúsculo bastante raro, que 0 proprio Herculano parece


ter retirado de circulagio. Vide Dicc. Bibl., Torao VIII, p.

32; inforraagoes adicionais de Gomes de Brito, op. cit., Tomo

XXI, p. 567 e seguintes.

(35) "Os Egressos, Petiglo humilissiraa a favor de uraa classe

desgragada" (1842); "As freiras do Lorvio. A Antonio de Ser-

pa Pimentel", carta suscitada pela impressao causada pelapas


sagem que efectua em LorvSo, em 1853, e que vem sumariaraente
descrita nos Apontamentos de Viagera [1853-1854]. Arabos ostex
tos se encontrara no Tomo I dos Opúsculos.

(36) Eu e 0 Clero. p. 19.

(37) "A Voz do Profeta", XV, in Opúsculos I, p. 100.

(38) Sobre este ponto, vide capítulo 4. desta I Parte, onde

este problema 4 igualmente abordado.

(39) Eu e 0 Clero, p. 18.


(40) ibidem, p. 5.

(41) ibidem, p. 19. A questao a que Herculano alude 4 justa-


mente a situaglo da Igreja no difícil período da instauraglo
do liberalismo em Fortugal.

(42) ibidem, p. 3.

(43) ibiden, pp. 3-4.

(44) ibiden. p. 20.

(45) Vide "1846-1857: o tenpo de una polenica" .

(46) Eu e o Clero, p. 14.

(47) Isto e, uma certa identificaglo entre as posigoes anti-


-clericais e a hostilidade å religilo. Sobre este problena,vl
de capítulo 4. desta I Parte.

(48) Na pertinente leitura de Joel Serrlo, que defende e de

certo modo longínqua raas directa filiaglo do anti-clericalis

mo republicano era Herculano. Vide Joel Serrlo, "Pensaraento

político português (1820-1920)", in Portugueses Soraos. espec.

pp. 140-141.

(49) "Duas palavras agora acerca do escritor G .


.] . Obras de

três naturezas diversas nos revelara pelo estilo três fisiono


raias distintas. A primeira, oficial e grave, slo os seus tra
balhos historicos [...]. A segunda slo os seus romances e

escritos humorísticos [. .]. . Na terceira, finalmente, em nos

sa opinilo a mais bela: nos escritos de polemista, a frase


rotunda 4 quente, a agressio 4 viva, as palavras têm calor,
e a dureza do génio lusitano acha nos sentimentos expressos
em oragoes duras, uraa convicglo, uma independencia que a eno

brecem. Ouve-se a voz do estoico, e há uraa harmonia perfeita


284

e forte e o estilo redon-


entre o pensamento profundo, grave
sobrio e nobre". Oliveira Martins, Portugal Contempora-
do,
neo, Livro 6, Cap. I, § 3, p. 254.

(50) Este texto de A Naglo constitui uma defesa inequívocade


do aparecimento de Eu e o Clero.
Herculano e a justificaglo
renovagSo da
Elogiando a importância que Herculano assurae na

historiografia portuguesa, "a forga de ura trabalho, que já


nSo 4 destes redactor de A Naglo critica
nossos tempos", o

a utilizaglo do púlpito para condenar as opinioes expendidas

por Herculano na sua Historia de Portugal, quando deveriaær


a imprensa o palco por excelência para a elucidagSo de ques-
tal aconteceu, esteve Hercu
toes desse tipo. E, uma vez que

lano no pleno direito de se defender —


ele sira, utilizando a

imprensa: "Este facto La utilizacSo do púlpitoj, que lamenta

mos,éoque deu causa ao desforgo do sr. Herculano, desforgo

justo na o que desculpa a sua talvez demasiada severi-


causay
dade". E termina o redactor de A Nagao: "Conforraes com a jus
tiga que assiste ao illustre escriptor, a quem reconhecemos

além de muitas outras coisas os relevantes servigos que tem

prestado a causa da Egreja, e â reacgSo do espirito religio-

so, sentiraos profundaraente o escandalo deste negocio". A Na-

cao, n^ 827 de 6 de Julho de 1850, p. 2. Sublinhado nosso.

(51) Editorial de 11 de Julho, n^ 831 de A Naclo.

(52) Uma vez que o presente opúsculo de Alexandre Herculano é,


em terraos do estabeleciraento das suas grandes linhas, funglo
directa desta artigo de fundo de A Naglo. parece-nos útil fa
zer a este últirao alguraas referências raais detalhadas.

(53) Vlde nota (50).

(54) A Nagao, n? 831, de 11 de Julho de 1850.

(55) ibidera.
(56) 0 desagrado do jornal A Naqlo pelo título do opúsculode
A. Herculano 4 exemplo da atitude geral de reprovaclo que tan

to oponentes como defensores de Herculano manifestaram a es-

se respeito. A condenaglo do título foi praticanente unanime.

(57) Eu e o Ciero. p. 5.

(58) A Naqlo, n° 831 de 11 de Julho.

(59) Bu e o Clero, p. 20.

(60) "A Egreja cunpre o seu dever, advertindo os seus filhos

dos erros, en que poden haver cahido os mais illustres e su-

blines escriptores, erros tanto nais perigosos, quanto o re-

nome dos seus autores e a belleza do seu stylo os pôdetornar


vulgares. Mas a gloria desses nomes nlo soffre com essa con-

demnaglo, e de certo desde Fenelon até ao proprio padre Ven-

tura, citado pelo sr. Herculano, os que se teem subnettidoas


decisoes da Egreja, en vez de perderem, teem ganho, e muito.
0 auctor da carta sabe melhor do que ninguera que o grande ar

cebispo de Cambray, e o eloquente e theatino um queimando por


suas mlos a obra censurada, outro publicando pela. imprensa a

sua completa submissao as censuras ecclesiasticas, adquiriran


muito maior gloria, e nlo soffreram a menor quebra; o que já
nlo succedeu a um dos genios modernos, cuja queda data dotem
em soberba
po, que corpo a corpo so por quiz luctar com a le

gitima auctoridade: fallamos de Lamennais". A Naglo, n^ 831,


de 11 de Julho.

(61) Consideragoes paciflcas sobre o opusculo Eu e o Clero


Carta ao redactor do perlodico A Nagio. Lisboa, 1850, 5.
p.

(62) ibidera.

(63) ibiden. p. 6.
citadas críticas que S. Bernardo dirige ao
(64) Acerca das

clero, diz Herculano: "As phrases da ninhacarta slo de supre


as o celebre cluniacence empre-
ma dogura comparadas com que

gava [...]• Se eu me servisse de similhante linguagem, imagi


ne V. S^ que matinada se alevantaria contra mim!", ibidera, pp.

7-8.

(65) ibidera, p. 9.

(66) ibidem.

(67) ibidem

(68) ibidem.

(69) Herculano invoca a proposito as determinagoes dos Concí


lios de Trento e de Colonia: "[...] os padres de Trento pro-

hibiram aos bispos que consentissen aos oradores sagradosdi^


tractar factos incertos ou oue tenham caracteresde
vulgar ou

falsidade do concilio 1? de Colonia ordenara aos


e[...] os

mesraos oradores que nlo fallem inpudentenente de nilagres,


linitando-se aos aue refere a Biblia. ou aos que foren nar-

rados por escriptores dexeeo, estribados en solidos fundamen-

tos historicos", Consideraeoes pacificas, p. 10, Sublinhado

do autor,

(70) 0 equívoco consistira no seguinte : no opúsculo Eu e o

Clero, Herculano utilizara a polémica expresslo "intelligen-


cias vastas e energicas, mas corruptas, violentas e cubigo -

sas", referindo-se, em abstracto, a alguns papas "oue se cha

maram Gregorio, Innocencio ou Honorio", Eu e o Clero, p. 5.

0 redactor de A Naglo, ao censurar a expresslo utilizada por

Herculano, afirraara tê-la este aplicado a Gregorio VII e Ino

cêncio III :"C. .


.] CHerculano] classifica Gregorio VII e Ino-

cêncio III de intelligencias corruptas, violentas e cubigosas


[...}', A Naglo. n^ 831 de 11/7/850. Herculano, nas Considera-
goes pacificas desfaz o equívoco, sublinhando no entanto que

tal nio significa que tarabém a eles nlo possa aplicar-se a

qualificaglo em questlo.

(71) Vide nota anterior.

(72) Aqui o equívoco 4 de Herculano, que entende que o argu-

mento do redactor de A Nagio para defender Inocêncio III 4 a

sua qualidade de homem de letras, quando o que ele diz 6 que

"[...] se ha algum dos muitos pontifices cujos nomes raerecera

respeito e veneraglo dos homens de lettras, como de facto ha,

Innocencio III e um delles", A Nagao, n° 831 de 11/7/50. 3u-

blinhado nosso.

(73) Consideragôes pacificas, p, 11,

(74) ibidem, p. 12.

(75) Queria Herculano significar com Roma a Cúria romana e

nlo apenas o papa, o "poder pontifício", como interpretara o

redactor de A Naglo.

(76) Consideracoes pacificas. p. 15.

(77) Afirma Herculano a este proposito: "Corao os outros jor-


naes, a Nagio Csic3 reprovou as aggressoes inconvenientespra
ticadas por uma parte do clero, e toleradas por outra. 0 pro
cediraento de V. S^ para comigo foi nessa conjunctura tanto

raais nobre quanto 4 certo que a indole do seu jornal deveria


talvez leva-lo a rebater a opinilo das diversas publicagoes
periodicas, se o sentimento da justiga nlo fosse mais forte

no ânirao de V. S^ do que outras quaesquer consideragoes. t


assim que o sacerdocio da imprensa cumpre a sua grave raissao,
e remedeia do modo possivel a decadencia do sacerdocio reli-
gioso", ibidera. pp. 3-4.
288

(78) A Naglo tem aliás consciência do "privilégio" constituí


do pela resposta expressa de Herculano aos seus reparos, o

que 4 bem patente numa nota surgida em primeira página a pro

posito do aparecimento das Consideracoes pacificas, em que æ

agradece "[•••] ao sr. Herculano nao a urbanidade com quenos

tracta, pois seria uma injustiga attribuir a favor o que 4


natural neste cavalheiro, mas o haver-nos distinguido a pon-

to de so as nossas reflexoes se dignar responder" . A Nagio ,

n-- 851 de 3 de Agosto de 1850. Sublinhado nosso.

(79) Vide Consideracoes pacificas. p. 17.

(80) Sobre o P£ Francisco Recreio, vide Dicc. Bibi,t TomoUI,


pp. 41-44.

(81) P£ Francisco Recreio, Justa desaffronta em defeza do


Clero ou refutaclo analytica do impresso Eu e o Clero. Carta
ao EmQ Cardeal-Patriarcha. Lisboa, 1850, "Preliminar", p. 5,
sublinhado do autor.

(82) J. Almeida Costa e A. Sampaio e


Melo, Dicionário daĩJn-
gua Portuguesa, Porto, 5^ ed., s/d, s/v. Ajustando-se parti-
cularraente ao caso e a posiglo de Herculano, parece-nos de
relevar a definiglo de Henri Morier, aue caracteriza a ironia
de oposiglo como uma atitude mental: "L'ironie est I'expres-
sion d'una åme qui eprise d'ordre et de s'
,
justice, irrite
de l'inversion d'un rapport qu'elle estime naturel, normal,
intelligent, moral et qui, eprouvant une envie de rire dédai
gneusement a cette manifestation d'erreur d
ou
Timpuissance,la
stigmatise d'une maniêre vengeresse en renversant â son tour
le sens des mots (antiphrase) ou en décrivant une situation
diamétralement opposée a la situation réelle (anticatastase).
Ce qui est une maniêre de remettre les choses a 1 *endroit",DLc-
tionnaire de Poe'tique et de Rhétoriaue, Paris, 1981, pp. 511-
578. Na análise deste opúsculo, a terrainologia que utilizaraoe
referente aos conceitos retoricos relativos a ironia reraetem
289

para esta obra, que nos parece modelar, no seu artigo "Ironie','

pp. 577-617 da ed. cit.

(83) Cartas ao rauito reverendo em Christo Padre Franciscofe-

creio. Socio effectivo da Academia Real das Sciencias deLis-

boa. Auctor do Eiogio Necrologico, da Justa desaffronta, e

fe varlas obras ineditas. Por ura moribundo, Lisboa, 1850, pp.


15-16.

(84) ibidero, pp. 9-14.

(85) Sobre este académico, vide Dicc. Bibl., Tomo IV, pp.168
-169.

(86) t o seguinte o título completo do Elogio Necrologlco :

Elogio necrologlco do 111?° e exmo sr. Mattheus Valente do

Couto, que na sessSo litteraria de 9 de Maio de 1849 pronun-

clou na Academla R. das Sciencias. Lisboa, na Typ. de Anto-

nio Jozé da Rocha, 1849, 4$ de 62 pag., in Dicc. Bibl.. Torao

III, p. 42.

(87) Diz o Dlcc. Bibl. a proposito deste texto do P£ Francis


co Recreio: "Esta producgSo nao foi pela Acaderaia julgadadi£
na de insersao nas respectivas Meraorias; pelo que o auctor a

retirou, para raandal-a imprimir å sua custa", Tomo III, p. 42,


n9 1744.

(88) Cartas ao muito Reverendo em Christo. p. 9.

(89) ibidera, pp. 9-10. Sublinhados do autor.

(90) lbidem. pp. 11-12.

(91) 0 título do opúsculo sugere uma continuagSo a esta pri-


raeira carta, o que nSo se
verifica; alláa, no seu início, Her
culano intitula-a "Carta priraeira que serve de curriculo pri
290

mevo". No.corpo do texto 4 igualmente clara essa inteng!o:"ĩhi


quanto, V. R., meu P. Francisco, me nSo cumprir os desejos ,

nSo o deixo corn cartas", ibidera, p. 16.

(92) Vide "1846-1857: o terapo de uraa poleraica".

(93) t curioso também notar que dos cinco textos de Hercula-

no, apenas este nio 4 publicado pela Imprensa Nacional, mas

pela Typ. de Castro e Irmlo.

(94) Sobre Antonio Lucio f-!aggessi Tavares, vide Dicc. Bibl.,

Tomo I, p. 190.

(95) A referência ao significado do milagre de Ourique para

Maggessi Tavares surge aqui apenas coipo apontanento; uma aná


lise mais circunstanciada do problema será feita na II Parte

do nosso trabalho.

(96) As Cartas ao muitoReverendo em Christo têm a data de 8

de Outubro, surgindo a rrimeira carta dos Solemnia Verba da-

tada de 20 de Outubro de 1850.

(97) Solemnia Verba, I, pp. 3-4.

(98) ibidem, p. 4.

(99) ibidera, p. 3.

(100) ibidera, pp. 5-6. Sublinhado do autor.

(101) ibidera. p. 8.

(102) ibidera

(103) ibidera
291

(104) Nomeadamente a proposito da legitimidade das suas crí-

ticas ao clero. Vide Consideracoes pacificas, especialmente


pp. Q-10.

(105) Su e o Clero, p. 11.

(106) "Se a religiio ( cuja base 4 a crAnge. era cousas que ex

cedem a coraprehenslo humana, e que nos impoe a synthese, o

dogma, sem que nos seja licito recorrer previamente a analy-


se ) exige dos factos tradicionaes, antes de os acceitarmos,
as condigoes de tercn sido acreditados senpre, era toda apar-

te, e por todos, quem pede para crer ou deixar de crer fac-

tos puramente hunanos ( suieitos pela sua natureza a toda a

discusslo possivel ) apenas as garantias de liberdade Intel-


lectual que a igreja, tlo parca em concede-las, concede aos

fiéis para acceitarem uma parte das suas crengas, nlo abdi-

ca evidentemente de uma liberdade, de uma vantagem que 4 sua,


que ninguem lhe disputaria?" , Solemnia Verba ĩ, p. 8. Subli-

nhado do autor.

(107) ibidera, p. 9.

(108) ibidera. Sublinhado do autor.

(109) Vide nota anterior.

(110) A. H. de Oliveira Marques, "Diploraática" ,


in Dicioná-
rio de Historia de Portugal. vol. I, s/v, Porto, 1971.

(lll) Referidas por Herculano; vide Solennia Verba, I, pp.9-


-11.

(112) ibiden. p. 9.

(113) ibidem, pp. 9-10. Sublinhado do autor.


(114) ibidera, p. 10. Sublinhado do autor.

(115) ibidem. Sublinhado do autor.

(116) ibidem, pp. 10-11. Sublinhado do autor.

(117) ibidem, p. 22.

(ll^) De que sio justamente prova os vários autores que cita

ao longo deste opúsculo.

(119) Claude Fleury, padre e escritor francês (l640-1723),æn


fessor de Luís XV, autor ainda de Histoire du droit frangais.

Catechisme historicue, Moeurs des ĩsraélites, Moeurs deschré-

tiens.

(120) Solennia Verba, I, p. 12. Sublinhado do autor,

(121) ibidem, p. 14.

(122) ibiden, p. 15. Sublinhado do autor.

(123) ibidem, p. 7.

(124) "Disse, pois, o que suppuz e


supponho verdade : disse-o

sem sobre isso me dilatar, sen exaggeraglo, sen pretengoes


Csic] a ter feito un inportante descobrimento historico; por
que realmente o nlo era; disse-o singelamente, siraplesmente :

indiquei apenas de passagem as incongruencias historicas, que


desmentian a inportancia que se costuna attribuir ao succes-

so. E n'esta parte, seja-me licito dize-lo, nem V. S» nera

ninguem se encarregou de me refutar", Solpmnia Verba, II,p.26.

(125) ibidera, p. 27.

(126) ibidem
(127) ibidem

(128) ibidem, p. 26.

(129) Afirraa Herculano na nota XVI do priraeiro volurae daHis-


toria de Portugal: "Discutir todas as fabulas que se prendem
å jornada de Ourique fora processo infinito, A da apariglode
Cristo ao príncipe antes da batalha estriba-se em um documen

to tlo mal forjado que o menos instruído aluno de diplomáti-


ca o rejeitará como falso ao primeiro aspecto ( o que facil-

mente poderá qualquer verificar no Arquivo Nacional, onde ho


je se acha ). Parece, na verdade, impossível aue tlo grosse^i
ra falsidade servisse de assunto a discussoes graves. Quem,
todavia, desejar conhecer a impostura desse documento famoso
consulte a memoria de Fr. Joaquim de Santo Agostinho ( Merao-
rias de Literatura da Academia. Tomo 5, p. 335), as Dlsser-

tacoes Cronologicas. ( T. 1, Dissertaglo 2, pp. 60 e ss; e T.


3, P. 1, n^ 187 ), e as Memorias da Academia ( T. 12, P. 1 ,

pp. 75 e ss ) onde a censura nlo consentia que se dissesse tu


do, mas onde se diz o su.ficiente para os entendidos", Alexan
dre Herculano, Historia de Portugal. Tomo I, p. 658, Lisboa,
1980 ed. Mattoso . Quanto a Frei Joaquim de Santo Agostinho
Brito Franga Galvao, eis o que nos diz Inocêncio F. da Silva
no Dlcc. Bibl.. T. IV, pp. 57-58: "
£. .]• foi prineiranente E
renita calgado de Sancto Agostinho, cuja regra professou a

13 de Julho de 1783; Licenceado em


Theologia pela Universida
de de Col.nbra em 1793, e Socio da Academia R. das Sciencias
de Lisboa, por ella encarregado de examinar os cartorariosdo
reino, o que deserapenhou em parte .
[. . .
j N. era
Tavira, cida-
de do Algarve, 19 de Maio de
a
1767, e m. £ .
.] a 5 de Janei
ro de 1845". Sob o n? 1420, descreve-se a obra en questaoí'Me-
moria sobre os codices nanuscritos. e cartorio do real mos-

teiro de Alcobaca. Jîo tomo V das ditas Memorias, de pag. 297


a 362". Acrescenta ainda: "Os padres de Alcobaga deran-sepor
aggravados do nodo como o auctor da Meraoria tractava n' ella
a Fr. Bernardo de Brito, e ao auctor do Index Codicun Bibl.
294

Alcobaticoe . impresso em 1775, accusando o prineiro de falsi

ficador de documentos, etc, e o segundo de descuidos e ine-

xactidoes commettidas no referido ĩndex", a que se seguiu al


guma polémica de que igualmente Inocêncio dá conta.

(130) Diz Frei Joaquira de Santo Agostinho: "longe de impug-


nar a verdade da Appariglo de J. C. ao Grande, e Pio Monarca

D. Affonso Henriques, eu pelo contrario me tenho encarregado


de a defender roais de huma vez. Direi pois brevissimamente 0

que penso sobre um Facto tlo extraordinario", op. cit .


, p.336,
nota b) . Em seguida mantendo sempre a ideia da apocrifia do

raanuscrito de Alcobaga, defende a sua anterior existência em

Santa Cruz, e cita vários defensores da tradiglo, entre os

quais 0 p£ Pereira de Figueiredo.

(131) Vide Antonio Lucio Maggessi Tavares, Demonstraglo His-

torica e Documentada. pp. 34-36.

(132) Frei Joaquim de Santo Agostinho, op. cit.. nota b), p.


336.

(133) Solemnia Verba. II, p. 28.

(134) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova Insistencia peia


conservaclo e uiilidade da tradigao d'Ourique en resrosta ao

Eu e 0 Clero do Sr. Alexandre Herculano na parte nue ten re-

laglo com este ob.jecto. Lisboa, 1850, pp. 14-16. Afirma Tava
res a dado passo: "Quando appareceu pois a tradicglo? Qual a

certidlo do seu nascinento? Aonde 0 instrumento d 'enancips^Io


que a habilitou a caminhar d 'authoridade propria? Quem acrax^
e como se introduziu por todo 0 paiz invadindo 0 palacio, e

a choupana? Por que razao finalmente achou ella apoio, e sus

tentaculos naquelies mesraos que deviara gritar morte å impos-


tora?", p. 16,

(135) Solemnia Verba. II, p. 29.


(136) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova Insistencia, p.15.

(137) Solemnia Verba, II, p. 30.

(138) José Diogo da Fonseca Pereira, 0 prineiro Tomo da His-


toria de Portugal.

(139) Soiennia Verba. II, p. 31.

(140) ibiden

(141) A íntina relaclo que Herculano estabelece entre reli-

gilo e liberdade e um elemento constante do seu pensamento ,

que exprime com particular insistência na crítica ao catoli-

cismo tridentino, cujo carácter absolutista verbera, e na

vertente anti-religiosa do liberalismo, que ignora esse lago


indissolúvel.

(142) Solemnia verba, II, p. 31.

(143) Herculano diz por exemplo: "A patria deste mundo 4 nos

so dever amal-a, sacrificar-lhe tudo, menos a honra [..J",i-


bidera.

(144) ibidem, p. 32.

(145) ibidem, p. 33.

(146) ibldera. p. 37.

(147) Lembremos, no âmbito desta poléraica, o seu opúsculo Con-

slderagôes pacificas, em que esse conuA, -chave se encontra


clararaente enunciado.

(148) Solerania Verba. II, p. 35.


(149) ibidem, p. 37.

(150) ibidera, p. 57. Sublinhado do autor.

(151) Valasci Ferdinandi utriusque iuris consulti, Hlustris-


siml Regis Portugalliae oratoris, ad Innocentium Vĩĩĩ, ponti-

ficem raaxiraura de obedlentia oratio, publ. em fac. simile, com

traduglo e leitura actualizada de Basílio de Vasconcelos, in


A. Fontoura da Costa, Âs portas da India em 1484, Lisboa^936.
Quanto ao problema da identidade de Vasco Fernandes de Luce-

na, vide nota (181) .

(152) Luís Filipe Lindley Cintra, "Sobre a fornacio e evo-

luglo da lenda de Ourique ( até a Cronica de 1419 )" in Re-

vista da Faculdade de Letras de Lisboa. Torao XXIII, III sé-


rie, 1957, pp. 168-215.

(153) Desta Cronica ( que varios estudiosos tendera a atribuir

a Fernlo Lopes ) forara descobertos e


publicados dois CQdices:
o codice n^ 886 da Biblioteca Municipai do Porto, por A, de

Magalhles Basto sob o título de Cronica de Cinco Reis deFbr-

tugal (1945), e o codice n? 965 da Biblioteca da CasaCadaval,


publicado era 1952-53, na íntegra, por Carlos da Silva Tarou-

ca, sob o título de Cronlca dos Sete Priraeiros Reis de Portu-


gal. Vide L. F. Lindley Cintra, op. cit..pp. 168-169.

(154) Luís Filipe Lindley Cintra, op. cit.. p. 169.

(155) ibidera, p. 171.

(156) Vejaraos o texto do passo referente a Ourique na oragio


de Lucena, assinalando * onde
com se interrompe a citagSo &í
ta por Costa Veiga, e com * * a de Vasconcelos: "Mais tar-

de, nos campos de Ourique, naquele sítio a que o vulgo charaa

agora Cabegas de Reis, corabateu cora ura pequeno exército, con


297

tracinco poderosíssimos reis e venceu-os, nessa batalha, pa-


ra se ver qulo porfiada fôsse e quio grande o seu valor, cin
co vezes lhe quebrarara as langas dos barbaros os escudos que

erabragava na mSo esquerda. Dessa singular e inclita vitoria

quatro insígnias dos reis por-


procedeu fixar ele as e armas

tugueses, pondo nelas cinco escudos, cada un dêles com cinco

dinheiros espalhados, pois sabe-se que ate entSo tinha sido

usado um escudo so, todo semeado de besantes. Ora os cinco

escudos colocados na figura da Santíssima Cruz e cinco besan

tes era cada um colocados igualmente em forma de cruz, que ou

tra coisa indicam senSo os trinta dinheiros, prego do sangue

de Jesus Cristo * , pelos quais foi vendido aos judeus pelo


crudelíssimo Judas? * * Afonso, antes de dar sinal aos solda

dos, estando ajoelhado a orar, viu o Salvador pendente da

cruz; era tal a confianga do animo real, tal a fe gravada no

seu coragSo, que, longe de perturbar-se com tlo estupendo mi

lagre, ousou dizer estas palavras: que nlo era ao homem que
crê firmenente que Jesus Cristo devia mostrar-se, mas que aos
herejes e apartados dessa î4 ou a ela contrários é que era

preciso que se mostrasse daquela forma", trad. de Basílio de

Vasconcelos, in A. Fontoura da Costa, op. cit., pp. 70-71, Es


ta a mais plausível explicaglo para o e quívoco de Lindley&n
tra. Já depois de concluída esta nota, tomámos conheciraento
da elucidagio deste mesmo problema em Martim de Albuquerque,
A Consciência Nacional Portuguesa. Ensaio de Historia das
ĩdeias políticas. I, Lisboa, 1974, p. 343.

(157) Aires Augusto do Nasciraento, "0 railagre de Ourique num

texto latino-medieval de 1416", in Revista da Faculdade de

Letras de Lisboa. n^ 2, 4« série, 1978, pp. 365-374. Segundo


este autor, o título que o manuscrito apresenta na lombada ,

nSo e com toda a certeza o original; vide Aires Augusto do

Nascimento, op. cit.t p. 366, nota 2.

(158) Eu e o Clero, pp. 11-17.


(159) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova ĩnsistencia, p.ll.

(160) Data que já vimos poder ser recuada até 1416.

(161) primeira publicagSo do juramento


A surge em 1599, na

2^ edigSo dos Diálogos de Vária Historia em que se referemas

vidas dos Senhores Reys de Portugal, cora os seus mais verda-

deiros Retratos: e Noticias de nossos Reynos, e Conquistas.e


varios Successos do mundo de Pedro de Mariz ( vide nota 188).

(162) De acordo com a estratégia que escolheu, na


primeiraqr
f

ta dos Solemnia Verba, de observarrigorosamente os criterios

estabelecidos por teôlogos e eruditos da Igreja no estabele-

cimento dos factos historicos, Herculano refere, com alguma


ironia, o facto de dois deles terem raesrao os seus conplndios
adoptados oficialmente em Portugal : "Citarei dois, um dosqiees,
ou ambos, a nossa universidade honrou, escolhendo as suas ins

tituigoes de historia ecclesiastica para compendios nas fa-

culdades de theologia e de direito canonico. Fallo de Gmei-

ner e Dannenayr. As secgoes desses compendios, relativas ao

criterium da verdade historica, nada mais slo do que o desen

volvimento das doutrinas de Cicero, de Mabillon, de Fleury ,

de Melchior Cano, de Riegger, de Leclerc, de Muratori; de Bau

meister; em sumraa de todos os criticos, historiadores, e phi


losophos, que falaram ex-professo ou accidentalmente da cri-

tica historica. Andam esses livros nas mlos de todos, menos

nas do clero ignorante e


corrupto, porque ele, coitado, nlo
sabe ler." Solemnia Verba, I, p. 21.

(163) Solemnia Verba, II, p. 44. Sublinhado do autor.

(164) 0 título completo da obra de Cenáculo, dada å estampa


em 1791, 4 Cuidados Literarios do Prelado de Beja era Gragado
seu Bispado; a sua posiglo face ao railagre de Ourique encon-

tra-se no artigo "Historia Ecclesiastica", pp. 361-401.


(165) Vide Fr. Manuel do Cenáculo, op. cit., pp. 366-368.

(166) Solemnia Verba, II, pp. 44-45. Sobre este assunto vide

tambem Frei Joaquim de Santo Agostinho, op. cit., pp. 315-

-321 e A. de Magalhles Basto, "Introduglo" in Frei Antonio

Brandlo, Cronica de D. Afonso Henriques, pp. LIII-LIV.

(167) Sobre a figura e a obra de Frei Manuel do Cenáculo Vi-


las Boas, vide Inocêncio F. da Silva, Dicc. Bibl., Tomo V, pp.

389-396; J. Marcade', "D. Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas .

Provincial des Reguliers du Tiers Ordre Franciscain, 1768 —

-1777" in Arauivos do Centro Cultural Português. Paris, F.


Calouste Gulbenkian, vol. III, 1971, pp. 431-458; idem, " D.
Fr. Manuel do Cenáculo Vilas Boas (Quelques notes sur sa pé-

dagogie)", in op. cit., vol .


VIII, 1974, pp. 605-620; Marie
Hélêne Pi*nik, "LaOorrespondance May^áns-Cenáculo. Princi-

paux aspects" in op. cit., vol. XX, 1984, pp. 233-311; A. H.


de Oliveira Marques, art^ "Diploraática", in Dicionário de

Historia de Portugal, vol. I, s/v; Hernâni Cidade, "0 Coraple


mento da obra de Pombal. A Reforma dos Estudos do Clero por
Cenáculo", Ensaio sobre a Crise mental do Século XVIII. Coim

bra, 1929, cap. II, I, pp. 83-94.

(168) A este proposito afirma: "Aqui tem V. S^ por que eu me

limitei, quanto me foi possivel, a falar de leve na appari -

gao; eis por que tenho ate hoje reluctado era descer a discus
sio e special dessa raentira ridicula, com que os pregadores vã>
ludibriar 0 povo na cadeira do evangelho. Estas raiserias e

vergonhas, e as que successivaraente apontarei, sobre quem re

caem? Sobre homens que aliás têm direito a reputaglo que ad-

quiriram na historia litteraria do paiz e nos annaes da igre


ja portugueza, mas que um impulso talvez de araor proprio, tal
vez uma piedade ou um patriotismo irreflectido, fizeram com

que em vez de buscarem a verdade, buscassem prova de


a que tal
ou tal cousa era verdade, carainho deploravel terrao 4
era cujo
certo o precipicio", Solemnia Verba, II, pp. 46-47.

(169) "Figueiredo tinha uma erudiglo teologica, canonica e

historica simplesmente espantosa. Na Tentativa Teologica (3766)


e na Demonstraglo Teologica (1769) construiu, independentemen
te de Febronio, a teoria do regalismo e do episcopalismo, tlo
cara aos espíritos ilurainados do seu tempo", J. S. da Silva

Dias, Portugal e a Cultura Europeia (sécs, XVI a XVIIĩ). Ooim


bra, 1953, p. 142. Sobre o P£ Pereira de Figueiredo, vide es

pecialmente o Cap. VI, "0 Papel da Congregagio do Oratorio",


pp. 136-162 e cap. X, "Sob o signo da renovaglo", pp. 223-
-253. Silva Dias situa o P£ Figueiredo proximo de um "janse-
nismo canonico", (op. cit. p. 142), como aliás já o , havia
feito Menendéz y Pelayo que, na sua Historia de los Hetero-

doxos Espanoles. Madrid, 1930, Tomo VI, cap. II de


o reputa
"cismático" e o situa numa corrente claramente oposta å or

todoxia catolica e hostil ao centralismo romano.

(170) Eu e o Clero. p. 17.

(171) Vitorino Nemésio, "0 Discípulo do Oratorio: Humanidade,


Lo/tica e Bíblia", in A Mocidade de Herculano. Lisboa, 1978,
1? vol., cap. III, pp. 143-203.

(172) Eis o relato de Herculano: "Conta-se, que sendo o p£


Pereira pouco aferrado ao dinheiro veiu
[. .
.] a achar-se um

dia com a bolsa corapletaraente vazia. Advertido da aperturada


situaclo relo creado, pegou n'alguraas folhas de papel, escre

veu os Novos Testeraunhos. raandou-os ao seu


editor, e recebeu
dez raoedas, com ficou
que rico, ao menos por dous ou tresdiæ.
Eu prefiro a ironia a anedota, nue, nio sei se e
verdadeira",
Solemnia Verba. II, p. 48.

(173) ibidem
(174) A este respeito vide Dicc. Bibl., Tomo I, pp. 228-229 e

Menendez y Pelayo, op. cit., cap. II, "El jansenismo regalis


ta en el siglo XVIII". Os títulos completos dos dois textos
do P£ Pereira de Figueiredo slo Tentativa Theologica. em que

se pretende mostrar que irapedido o recurso a Sé Apostolica ,

se devolve aos Bispos a faculdade de dispensar nos impedimen-


tos publicos do matriraonio. e de prover espiritualmente em

todos os mais casos reservados ao Papa, todas as vezes oue

asslra o pedir a publica e urgente necessidade dos subditos ,

Offerecida aos Senhores Bispos de Portugal, 1766 e Demons-

traqlo Theologica. Canonica e Historica do direito dos Me-

tropolitanos de Portugal para confirmarem e raandarem sagrar

os Bispos suffraganeos nomeados por Sua ?.*agestade: e do di-

reito dos Bispos de cada Provincia para confirmarem, e sagra-

rem os seus respectivos Metropolitanos, tarabera nomeados por

Sua Magestade, aindafora do caso de Rotura cora a Corte deRo-

raa, 1769.

(175) Antonio de Sousa de Macedo, Lusitania Liberata ab in -

,justo Castellanorura dorainio; restituta Legitirao Principi Se-


renissimo Joanni IV, f. .
.ILondres, 1645, "Proemium II",pr.lOO-
-109. D, Antonio Caetano de Sousa, Agiologio Lusitano, dos

Santos. e Varoes illustres em Vlrtude do Reino de Portugal. e

Suas conauistas, consagrado a Imraaculada Conceiglo da Virgera

Senhora Nossa. Padroeira do Reino. Lisboa, 1744, "Commentaiio

ao XXV de Julho", pp. 289-301.

(176) "Mas quanto a verificar o caso da Appariglo de Christo,


tera a dita deraonstraclo dos testemunhos constantes do Catá-
logo o defeito de nenhura dos Testemunhos em que ella se fun

da, reraontar a raaior antiguidade, que a do reinado d'El Rei

D. Manuel. E assim poderlo os émulos de nossas glorias repôr,


que huns Testemunhos do principio do Seculo decirao sexto slo
insuf ficientes apar extorquir delles o assento a hum facto,
que se suppoe acontecido ao meio do Seculo duodecimo", p£ Fi

gueiredo, Novos Testemunhos da railagrosa apparicio de Chris-


Senhor Kosso a El-Rei D. Affonso Henriques antes da farao-
lo

d'Onrlque: e exeraplos parallelos, aue nosin-


Bataiha do Caraoo

duzao a
pia crenga de tlo portentoso caso, Lisboa, 1786, pp.

5-6.

sequência dada aos testemunhos pelo au


(177) Seguimos aqui a

apreciaclo de-
tor do opúsculo, que Herculano altera na que

les faz na "Carta Segunda", referindo em primeiro lugar La

juramento e finalmente Lucena.


Marche, depois Zurara, o

(178) Solerania Verba, II, pp. 49-51; M. Petitot, Collection

Coraplête des mémoires relatifs â l'histoire de France, IX, Pa

ris, 1908, cit. in Lindley Cintra, op. cit., pp. 169-170, no

ta 4.

(179) Luís Filipe Lindley Cintra, op. cit., p. 170, nota 4.

Também o P£ Figueiredo se refere a componente oral da sua in

forraaglo, op. cit,, pp. 10-11.

(180) Solemnia Verba. II, pp. 50-51.

(181) Ao ref eriT as possíveis fontes de informaclo de Olivier

de La Marche sobre a historia portuguesa, Herculano confunde


claramente o Conde Vasco Fernandes de Lucena, historiador,guar
da-mor da Torre do Tombo e erabaixador com o humanista Vasco

de Lucena, que viveu na Corte de Borgonha, e que Olivier de

La Marche conheceu. Este facto e visível era varios passos da

"Carta Segunda" :
"
C. . .1 estribando-se [0. de La Marche] na

opinião de portuguezes notaveis. Entre estes devo advertir,ia


ra que V. S* logo verá, o que elle havia já raencionado espe-

cialraente e cora elogios extraordlnario^ o celebre Vasco Fer-

nandes de Lucena, que tinha a dignidade de escanglo de Mada-

raa Margarida [de York], viuva de Carlos o Teraerario". E era

nota acrescenta: "D'aqui vinha por certo o titulo de conde

Palatino de que usava Vasco de Lucena, titulo que tanto tem

feito scismar os nossos antiquarios", Solerania Verba, II, p.


303

50. Sublinhados do autor. Esta confuslo de identidades 4 tam


bém clara a págs. 56,64 e 65 do texto de Herculano. Vários
autores têra alertado para esta sobreposigio. Vide por exem-

plo Inocêncio F. da Silva, Dicc. Bibl., Tomo VII, pp. 401-404,


J. Veríssimo Serrio, A historiografia portuguesa. Doutrina e

Crítica. vol. I ( séc. XĨĨ-XVĨ ), Lisboa, 1972, pp. 95-99, Ik

nielle Gallet-Guerne, Vasque de Lucêne et la Cyropédie a la

Cour de Bourgogne (1470), Genêve, 1974, pp. 7-10.

(182) Solemnia Verba. II, p. 58.

(183) Gomes Eanes de Zurara, Cronica da Tomada de Ceuta ror

Sl Rei D. Joao I. cap. XI "Como os letrados tornaram com rre

posta a el Rey dizendo que era servigo de Deos de se tomar a

cidade de Cepta", ed. Esteves Pereira, Lisboa, 1915, pr. 34-

-37.

(184) Gomes Eanes de Zurara, op. cit., cit. por Herculano, in

Solemnia Verba, II, pp. 51-52. Sublinhado de Herculano. A e-

diglo citada 4 a de 1644, conforme Herculano indica. 0 * que

colocámos junto da palavra "vencendo" chama a atengao para o

facto de Herculano tal como aliás refere, pensar que a pala-


original, conforme consta do
vra codice na Torre do Tombo, 4
"vendo" o lhe
que parece ser uma alteragao deliberada cometi
da na ediglo seiscentista a que dá determinada intenglo. Vi-
de Solennia Verba. II, pp. 52-53. A ediglo nos consultada
por
(Esteves Pereira, 1915) recupera a verslo original.

(185) P£ Antonio Pereira de Figueiredo, op. cit.. p. 21.

(186) Gomes Eanes de Zurara, op. cit.. cit. por Herculano, _&_-
lemnia Verba. II, p. 52. Sublinhado por Herculano.

(187) Solerania Verba. II, p. 53.

(188) Era 1602, Frei Bernardo de Brito publica, na Cronica de


304

de D, afonso Henriques, que diz ter sido


Cister, o juramento
"
cartorio do Mosteiro de Alcobaga: &
encontrado em 1596, no

porq ha algûs Authores, que duvidarlo desta verdade, poreyem

forma hum juramento, que o proprio Rey D. Affonso fez alguns


annos depois da batalha, em Cortes que fez na Cidade de Coira

& achou entre


bra, 5 está no Real Mosteyro de Alcobaga, se

outros Cartorio delle, no anno de 96 [. .]", Frei


rauytos no .

Bernardo de Brito, op. cit., larte I, Liv, III, cap. 30, p.

242. Mais tarde, era 1632, Frei Antonio Brandlo, autor da *ar
te III da Monarquia Lusitana indica expressaraente Frei Ber-

nardo de Brito corao autor da descoberta do juramento: "Achou


se em o anno de 1596 no Cartorio do Real mosteiro de Alcoba-

ga. & foi o instrumento o Doutor Frey Bernardo de Brito Cho-

ronista raor de Portugal, a quera o Reino deve [. .]


. as gragas

de tlo ditoso achado", Fr. Antonio Brandlo, op. cit., Parte

III, Liv. X, cap. V, 126 v. 0 facto é aue a sua publicaclo na

Cronica de Cister nao 4, porén, ao contrario do que 4 coraum

dizer-se, a primeira publicagão do juramento. Este surge pe-


la primeira vez na 2^ ediglo dos Diálogos de Vária Historia

de Pedro de ?'ariz, de 1599. A l^ ediglo, de 1594, nlo o in-

cluía ainda ( vide Magalhles Basto, "Introduglo" a Cronica


de D. Afonso Henriques, Porto, 1945, p. XIIII). Terá entre -

tanto f'ariz dele tido conhecimento, e publĩcou-o em primeira


ralo, antes de Brito em 1602? 4 o mais provável, até porque e

le proprio refere ter sido encontrado o antigo pergaminho do


juramento em Alcobaga. Mas Pedro de Mariz sustenta —

talvez

já corao resposta aos que duvidavam da sua autenticidade —

que
o documento entlo encontrado era o traslado do proprio origi
nal feito pelo Rei em Coimbra, que ficou em Santa Cruz e se

perdeu aquando das inundagoes: "[...] esta CertidSo he hum


traslado da propria, em que El Rey D. Affonso Henriques assi
nou com os demais nella nomeados de seus proprios sinaes, e

se fez nesta Cidade Coirabra, e ficou em o Mosteiro de Santa


Cruz [. .
.] . E se neste insigne Mosteiro senSo acha a propria,
entendey, que se perdeo cora outro grande numero de escritu -

ras, que se perderao cora hura grande diluvio de aguas [. . .


J
"
Pedro de Mariz, op. cit., Diálogo II, cap. V, p. 64. Emapoio
da existência do auto em Santa Cruz, aléra dos dois testemu -

nhos que o p£ Figueiredo refere, tarabéra Frei Joaquim de San-

to Agostinho, na já citada Memoria sobre os codices manuscri-

tos . . .se debruga sobre o assunto, opinando existir já o jura


raento em Coimbra, muito antes de Brito dele dar conta, e

acrescentando pensar tratar-se de dois documentos distintos.


A este respeito, vide Frei Joaquim de Santo Agostinho, op.

cit., pp. *37-343 e Magalhies Basto, op. cit., p, XLV-XLVIII,

(189) Questlo várias vezes retomada ao longo da historia por


tuguesa, Vide I. F. da Costa Brochado, "Tentativas de Canoni

zaglo de El-Rei D. Afonso Henriques" in Anais da Academialbr-

tuguesa de Historia. II série, vol. VIII, Lisboa, 1958, pp.

^07-337,

(190) D, Nicolau de Santa Maria, Chronica dos Conegos Re-

grantes do Patriarcha Sancto Agostinho. Lisboa, 1668, p. 90.


Sublinhado nosso.

(191) Estudos de Frei Joaquim de S. Rosa Viterbo, Carmo Ve-


Iho Barbosa, Jolo P. Ribeiro, Frei Joaquim de Santo Agos-
de

tinho. 0 teraa 4 tanbem retomado na polénica de que nos ocupa

mos, por Luís Rebello da Silva, nas Cartas ao Sr. Ministroda

Justica. Lisboa, 1850, especialmente a "Terceira Carta", pp.


26-38 e por Joio Pedro da Costa Basto cora o opúsculo (que sai

anonirao) intitulado Observacoes diplonaticas sobre 0 falso

docuraento da Apraricio de Ourique por ura paleo^rapho. Lisboa,


1850.

(192) Solennia Verba. II, p. 54.

(193) ibidera, pp. 54-55.

(194) ^sta afirraagao é fruto da confusSo que, como já viraos,


Herculano estabelece entre Vasco de Lucena e Vasco Fernandes
de Lucena, Vide nota (181).

(195) Solerania Verba, II, p. 56. Sublinhado do autor.

(196) Diz Herculano no fira da primeira carta dos SoIemniaVer-

ba, apos referir qual foi a intengSo que Ihe presidiu, anun-

ciando as cartas seguintes: "Na hypothese, no que me diz res

peito, 0 raeu dever 4 provar aos horaens sinceraraente pios que,


rejeitando falsas lendas, nlo ultrapassei os liraites de uma

critíca irreprehensivel. Será esse 0 objecto da carta imraedia

ta, que em breve espero dirigir a V. S^. Nas seguintes darei


razlo das minhas opiniôes acerca da maioria do nosso clero, e

acerca da curia romana" Solemnia Verba, I, p. 23. Sublinhado


nosso .

(197) Solemnia Verba. II, p. 68.

(198) 0 título completo do priraeiro opúsculo de Caetano Pe-

reira na polémica e Exarae Historico era que se re^uta a opi-


niao do Sr. Alexandre Herculano so^re a Batalha do Canpo de

Ourique a oue elle chama jornada ou correria e affirma que de

un tal facto nao existe vestigio algura nos historiadores sra-

bes. Offerecido a todos os Portuguezes amantes da gloria na-

cional, Lisboa, 1851.

(199) 3e exceptuarraos a "Advertencia" do quarto volurae da


Historia de Portugal e 0 "Coramunicado" que Alexandre Hercula
no faz inserir no periodico 0 Portu^uez. n^ 193, de 1853. A
este respeito vide "1846-1857: 0 tempo de uraa polemica".

(200) Primeiraraente publicado neste periodico.

(201) "A dizer a verdade, raeu araigo, conega a fallecer-me a

paciencia e a vontade para discutir cousas que nos escorre -

gam para 0 chlo quando tentaraos subraette-las a analyse. De-


307

raais, do que eu trato agora é de pôr quanto antes na imrren-

sa o quarto volume da Historia de Portugal que, em conscien-

cia, me ten dado nais aue pensar do que todas as criticasaca

demicas, presentes e futuras", A Batalha de Ouriaue e aScien-

cia Arabico-Academica, pp. 3-4.

(202) 0 tom de Caetano Pereira, bastante moderado na sua pri


meira intervenglo, modifica-se, de facto, de modo nuito cla-

ro nos seus opúsculos ulteriores, A Confirnaclo do ExaneHis-

torico, de 1851, Commentario critico, de 1853, e A resposta


ou Analyse critica, de 1857 .

(203) David Lopes defende, com efeito, a posiglo de Heroula-

no . Vide "Alexandre Herculano, Antonio Caetano Pereira e a

Batalha de Ourique. Estudo critico", sep. do Bcletim da So-

ciedade de Geo^rafia. n° 5 de 1898-1899, Lisboa, 1900 e "Os

Arabes nas obras de Alexandre Herculano V, None e batalha de

Ourique", sep. do Boletin da Segunda Classe, vols. III p


IV,
Academia das Sciencias de Lisboa, Lisboa, 1911; refere- se

tambéra å questlo cora o insolito reacender do debate sobre a

Batalha nos anos vinte, em que poleraiza entre outros, ccm o

GâlJosé Vitoriano Cesar e especiaĩmente com Antonio Cabreira,


fervente defensor da versio tradicional da batalha.

(204) A Batalha de Ourigue e a Sciencia Arabi co-Acaderalca,

p. 4.

(205) ibidem, p. 5.

(206) ibidem

(207) ibidem

(208) ibidera, p. 6.
(209) ibidem. pp. 6-7.

(210) ibidem, p. 5.

(211) "Prefácio" da Terc

pp. 4-5, ed. cit.

(212) Oliveira Martins,


-

257.
3. A polemica como denuncia do ultramontanisrao. 0 exercício
da liberdade.

(l) Opúsculos, III, p. V.

(2) Vide Jorge Borges de Macedo, Alexandre Herculano. ĩblérai-


ca e nensagen, Lisboa, 1980, cap. 2, pp. 13-21.

(3) Opúsculos, III, p. VI.

(4) Herculano defende-se dessa acusaglo n'O Portuguez, n? 5,


de 15 de Abril de 1853: "No dia em que foi atacada a liberda

de de pensamento em que o nosso huroilde nome podia dar algum


peso ao protesto de nos todos contra o maior atentado consti

tucional, esse nome foi o primeiro que aparece a frente de-

le" in Antonio José Saraiva, Herculano desconhecido, Lisboa,


1971, p. 97. Saraiva diz em nota: "Foi em casa de Herculano

que esse protesto se lavrou, segundo testemunho de Bulhlo ?a-


to".

(5) Antonio José Saraiva, op. cit., p. 23.

(6) Ê signif icativo deste facto o veemente testemunho de Lo-

pes de Mendonga, em 1856: "C...] com notavel inconsequencia,


esses que nos declarara proxiraos da barbarie, apenas se ouve

a terra estreraecer ao raenor abalo revolucionario, aue ante-

vêem para a Suropa a sorte de Constantinopla, e uraa dissolu-

gio lenta nas inevitavel corao a que fundiu o raundo ronano,


voltara-se extasiados para o passado, e glorificam essas eras

nefastas, que outrora os faziam recuar de indignaglo e de hor

ros [...]. Nos perguntâmos, cora um certo susto, como nio se-

rá contagiosa esta vertigem raental, quando vemos uma intelli

gencia superior como a de J. de Maistre escrever o livro do

Papa. e uma imaginaglo poderosa como a de Donose-Cortês tra-

gar o Ensaio sobre o catolicisno, o socialisrao, e o libera -


310

lisrao, e se nlo serlo por ventura estas utopias do passado ,

que engenhos erainentes resuscitara, mais ura obstaculo, que se

levante para deraorar a evoluglo das idéas novas, e para pro-

longar os acessos febris, que agitara a sociedade raoderna",


"Perspectivas do nosso terapo", in Revista Peninsular, Torao II,
p. 222.

(7) Orúsculos. II, pp. 243-337.

(8) A proposito da introduglo das "mestras estrangeiras" Her


culano afirma que muitos homens sinceros e deboa vontade nlo

se aperceberam das verdadeiras implicagoes facto, por nlodo

terem meditado na historia da Europa das últimas décadas:"De


certo que nem todas as pessoas envolvidas nesta deploravel
manifestaglo dos planos reaccionarios podem com justiga ser

taxadas de favorecerera de proposito os intentos da reacglo.


Nlo tendo provavelraente estudado a historia dos progressos des
ta na Europa, dos seus esforgos e artificios, dos seus trium

phos e dos seus desastres nos ultimos trinta ou quarenta an-

nos, deixaram-se embair pela sua linguagem devota, peĩosseus


ademanes modestos, pelo seu apparente zêlo da moral e da or-

dera pública", "Manifesto da Associaglo Popular proraotora da


Educaclo do Sexo Ferainino ao Partido Liberal Português", in

Opúsculos. II, pp. 250-251.

(9) ibidera, p. 256.

(10) ibidera, p. 292.

(11) "A supresslo das Conferências do Casino", in Opúsculos,


I, pp. 251-252. Sublinhado nosso.

(12) t o caso, entre rauitos outros da reflexlo que em 1857

os argumentos invocados para irapedir a centralizaglo de docu


raentos na Torre do Torabo lhe inspira: "Elles [os arguraentos
invocadosj provam peremptoriamente a necessidade de uraa pro-

funda reforma no systema de educaglo do clero r. ..]", "Bo Es

tado# dos Archivos Ecclesiasticos do Reino...", in Opúsculos.


I, p. 214.

(13) "A supresslo das Conferências do Casino", in Opúsculos,


I, pp. 286-287.

(14) "Do Christianismo III", in Coraposicoes Várias, p. 206.

(15) A sua atitude face a Laraennais é, de facto, significati


va. Herculano saúda nele, particularraente no Essai sur l'in-

différence en raatiêre de Religion (1817) a apologia do renas

cimento da crenga religiosa; mas verbera que esse renasciraen

to se fundamente no recurso å autoridade, corao critério abso

luto, uma vez que para Herculano a crenga é uma atitude viva,
dinâmica participaglo do
e de ser na sua essência, para aléra
da fidelidade dogmática. Vide "Do Christianismo II", in Com-

posicocs Várias, pp. 196-201.

(16) "Do Christianismo IV. Philosophia", in Composigoes Vá-


rias, p. 230.

(17) "Manifesto da AssociagSo Popular Promotora da Educaglo


do Sexo Ferainino Ao Partido Liberal Português" in Opúsculos.
II, pp. 272-273.

(18) Antonio José Saraiva, "0 regresso do proscrito", infer-

cuiano e o Liberalisno en Portugal. Lisboa, 1977.

(19) Diz Inocêncio F. da Silva no Dicc. Bibl. : "Nunca pude


ver este opusculo, cujos exemplares. se tornarara raros logo
depois da sua pubiicaglo" Torao VIII, p. 32. No torao XXI da

mesma obra, dedicado a A. Herculano, Gomes de Brito dá alg-u-

mas inforraagoes adicionais: "Herculano 0


recolheu, com efei-
312

to, recebida que foi da imprensa, a correspondente tiragem ,

sendo irapossivel descortinar hoje que motivos terá o Autorti

do para assi proceder", p. 567.

(20) 0 Clero Portuguez, p. 16.

(21) Sobre o Herculano polemista ,


vide ôscar Lopes, "Refle-

xôes sobre Herculano como polemista", in Alexandre Herculano.

Ciclo de Conferencias Coraemorativas do I Centenário da sua

morte. 1877-1977, Porto, 1979, pp. 45-68, e o brilhante en-

saio de J. Borges de Macedo, Alexandre Herculano. Polénica e

Mensagen, Lisboa, 1980.

(22) Carta datada de 24 de Dezerabro de 1868, ao Duque de Pal


nela, in Cartas de Vale de Lobos ao 3Q Duque de Palnela e a

José Cândido dos Santos, Pref. e notas de Vitorino Nenésio ,

Lisboa, 1980, Vol. I, p. 18. Sublinhado do autor.

(23) "Advertencia previa", in Opúsculos, I, pp. XIII-XIV

(24) "Introduglo" a "A Voz do Frofeta" ,


in Opúsculos, I, pJ5.

(25) Solennia Verba. I, p. 3.

(26) "Manifesto da Associaclo Popular Pronotora da Educagio


do Sexo Feminino Ao Partido Liberal Português", in Opúsculos,
II, p. 332.

(27) "A Imprensa" in Opúsculos, VIII, p. 16.

(28) "Theatro-Moraĩ-Censura", in Opúsculos, I, p. 118.

(29) "A Imprensa", in Opúsculos. VIII, pp. 16-17.

(30) Consideracoes pacificas, p. 4.


(31) ibidera, p. 3.

(32) "Carta ao Jornal do Coraraercio" datada da Ajuda, 31 delte

zerabro de 1856, in Cartas, Torao I, p. 288. Sublinhado nosso.

(33) "A Imprensa", in Opúsculos, VIII, p. 17.

(34) "Theatro-Moral-Censura", in Opúsculos, I, pp. 121-122 .

Sublinhado nosso.

(35) "A supresslo das Confere*ncias do Casino", in Opúsculos,

I, pp. 260-261.

(36) "Theatro-Moral-Censura", in Opúsculos, I, p. 122.

(37) Os textos de Herculano encontram-se reunidos em "0 Paiz

e A Nagao", in Opúsculos, VII, pp. 91-159.

(38) "0 Paiz e A Nagao" V, in Opúsculos. VII, pp. 157-158. Su


blinhado nosso.

(39) "A Eschola Polytechnica e 0 Monumento IV", in Opúsculos


VIII, p. 245.
4. Os tempos, a crenga e a historia: anti-clericalismo em

Alexandre Herculano

(l) Com especial incidência em dois dos seus opúsculos: Jus-

ta Desaffronta e Sincera defeza da verdade, ambos de 1850.

(2) Lembremos textos como a Hlstoria da origem e Estabeleci-

mento da Inouisiglo em Portugal (1854), A Reacglo Ultraraonta-

na em Portugal ou a Concordata de 21 de Fevereiro (1857), o

Manifesto da Associaglo Popular promotora da Educaglo do Se-

xo Feminino (1858), A Surresslo das Conferências do Casino

(1871).

(3) "Crengas populares portuguesas ou superstigôes populares'J


in Opúsculos. IX, p. 155.

(4) "Introduglo" a "A Voz do Profeta", in Opúsculos I,pp.5-6.

(5) "Poesia. Imitaglo-Bello-Unidade", in Opúsculos. IX, p. 71.

(6) "A Eschola Polytechnica e o Monumento" IV, in Opúsculos,


VIII, p. 237.

(7) ibidera, pp. 70-71.

(8) Carta a Oliveira Martins, de Novembro de 187 3, in Cartas,


Tomo I, p. 230.

(9) Oliveira Martins, Pprtugal Contemporâneo. Livro VI, cap.


I, § 3.

(10) "Converslo dos Godos ao catholicismo" in ComposicoesVa-

rias, p. 1, a proposito da questlo entre o arianismo e o

dogma catolico apos Constantino.


(11) 0 historiador explana estas ideias, por exemplo, no seu

texto sobre a "Converslo dos Godos ao Catholicismo" II, in

Composicôes Várias, estabelecendo uma analogia evidente en-

tre a realidade pagS e o cristianismo.

(12) "Aristocracia hereditaria", in Composigoes Várias, p.72.

(13) "Do christianismo", in Composicôes Varias, p. 186.

(14) "Filhos intellectuaes [...], discipulos da Encyelopedia",


expresslo utilizada por Herculano para classificar a classe

política, ibidera, p. 232.

(15) A este respeito, vide "Do christianismo", in Composigces


Varias, texto fundamental para a compreenelo desta ambivalên
cia de Herculano perante o iluminisrao.

(16) Antonio Jose Saraiva, "Liberalismo e cristianisrao" ,


in

Herculano e o liberalisrao em Portugal, Lisboa, 1977.

(17) Oliveira Martins, op. cit.. Livro VI, cap. I, § 3.

(18) "Poesia-ImitagSo-Bello-Unidade", in Opúsculos, IX, p.66.

(19) Cenas de ano da minha vida. Poesia e raeditagSo. 2? ca-

derno, 9^, Pref. e notas de Vitorino Nemésio, Lisboa, 1973,


p. 51.

(20) ibidem

(21) "Do Christianismo, IV Philosophia", in Composicoes Vá-


rias, pp. 226-227.

(22) "Do Christianismo, III", in Coraposigoes Várias. p. 205.


Sublinhados de Herculano.
316

(23) Vide Antonio José Saraiva, "Convergência e divergência


de Herculano perante o grupo do Casino" in op. cit.

(24) "A Supresslo das Conferencias do Casino", in Opúsculos,


I, p. 250.

(25) ibiden, p. 287.

(26) A este respeito, vide ainda Antonio Jose Saraiva, "Libe

ralisno e cristianismo", in op. cit.

(27) J. A. da Silva Cordeiro, A Crise en seus aspectosnoraes,

Coimbra, 1896, cap. I, p. 30.

(28) Carta a Barros Gomes. Carta datada de 1876, in Cartasgb


mo I, pp. 44-45.

(29) "A descentralizacao", 0 Portuguez de 28 de Maio de 1853,


in Antonio José Saraiva, Herculano desconhecido, Lisboa,1971,
p. 263. Outras importantes referências de Herculano ao protes
tantismo em "Do Christianismo" ,
in Composiqoes Várias. Anto-
nio José Saraiva debruga-se sobre 0 probleraa no cap. II da
sua obra já citada.

(30) Oliveira Martins, op. cit., Livro VI, cap. I, § 3, p.252.

(31) J. A. da Silva Cordeiro, op. cit.. p. 36. Sobre estepon


to vide Antonio José Saraiva, cap. "Liberalisrao e cristianis

mo" in op. cit., e Joel Serrlo, "0 anticlericalismo na lite-


ratura portuguesa. Esbogo de pesquisa", in Portu^ueses Somos.

esp. pp. 198-199.

(32) Vide "A Voz do Profeta", in Opúsculos I.

(33) Nlo pretendemos aqui discutir a validade e os problemas


apresentados pelo conceito de "catolicisrao popular", o que ne

cessariamente nos levaria a campos reconhecidamente polémi -

cos. Interessa-nos sira que na perspectiva de Herculano ele e

uma evidência, e que portanto existe no seu discurso corao con

ceito operatorio, de que daraos aqui conta.

(34) "A vida soldadesca I", in Cenas de un ano da ninha vida.

Poesia e Meditaglo, p. 101.

(35) Tensao nlo resolvida ou anbivalência coerente e nlo con

traditoria? Ê ura probleraa nue nos parece en aberto, embora

nos inclinemos para a segunda hipotese.

(36) "A Supresslo das Conferências do Casino", in Opúsculos,


I, p. 255.

(37) Afirma Herculano a este proposito, num passo extremamen

te signif icativo da sua carta a José Fontana:"0s abusos ad-

quiriram novo vigor quando 0 renascimento veio substituir as

tendencias christans relas tendencias pagans, e se tornaram

possiveis papas como Alexandre VI e Lelo X, mais devotos da


trindade de Momo, Venus e Baccho do que da trindade evange-

lica", in op. cit.. p. 255.

(38) "Manifesto da Associaglo Popular Promotora da Educaglo


do Sexo Feminino", in Opũsculos II, p. 271

(39) Carta a Barros Gomes [1876], in Cartas I, pp. 59-61.

(40) Sobre esta problemátlca, vide Pierre Barbéris, "Mal du

siecle ou d'un romantisne de droite a un romantisme de gau-

che", Ronantisrae et Po.]jt.ique -

1815-1851. GoIIogue del'Eco-


le Normale Supérieure de Saint-Cloud (1966), Paris, 1969,pp.
164-182.
(41) Carta a Barros Goraes, nlo datada, erabora seja presunivel
mente de 1876, in Cartas, Tono I, p. 26.

(42) Sobre os problemas do catolicismo liberal e do libera-

lismo catolico, vide Paul Bénichou, Le temps des prophêtes .

Doctrines de I' age ronanttoue, Paris, 1977 e Le Libéralisme


cathollque, textos escolhidos e apresentados por Marcel Pré-
lot e F. Gallouedec Genuys, Paris, 1969.

(43) Carta a Barros Gomes datada de Julho de 1876, in Cartas,

Tomo I, p. 19.

(44) Afirma Herculano na sua carta a Jose Fontana, a proposi


to de Trento: "Mas, no meio da decadencia exterior, a essen

cia do catholicismo —
o dogma —
mantinha-se intacta, "A Su

presslo das Conferências do Casino", in Opúsculos. I, p. 256.

(45) ibidera, p. 7.

(46) ibidem, p. 6.
II

0. Introduglo

(1) Vide "1846-1857: o tenpo de una polenica".

(2) P£ Caetano Francisco de Faria, Ao Sr. Alexandre Hercula-

no en referencia å sua carta dirigida ao EnQ Cardeal Patriar-


7
cha de Lisboa con a data de 30 de Junho de 1850, p. .

(3) Vide "1846-1857: o tenpo de uma polémica".

(4) P£ Francisco Recreio, Sincera defeza da verdade em de -

saffronta do Clero, ou Antidoto analytico contra as intitula-

das consideracôes racificas sobre o opusculo Eu e o Clero,car-

ta ao Redactor do Periodico —
A Nagao. por A, Herculano, Iis

boa, 1850, p. 128.

(5) Trata-se do opúsculo A Batalha de Ouricue e a Historiade

Portu^-al de A. Herculano. Contraposicao critico-historica(Q-


bra dividida em sels partes), Lisboa, 1854-1856, particular-
mente a "Prineira Parte".

(6) P£ José de Souza Amado, Cartas sobre o Estado actual da

religilo catholica era ĩnglaterra. Por C. I. Aubert. Traduzi-

das do Francez. e seguidas de alguraas observacoes contra A.

Herculano. e o Padre Rodrigo V. de Alneida, e de outra esre-

cial era aue se raostra a necessidade do proximo restabeleci-

raento de algunas ordens Religlosas en Portugal, Lisboa, 1850,


"Advertencia", pp, 3-4.

(7) ibiden, p. 19.

(8) 0 P£ Rodrigo de Alraeida foi um decidido defensor de Ale-

xandre Herculano nesta controvérsia, verberando aciraa de tu-

do a violencia do P£ Recreio e tenendo pelas possíveis conse


320

quências da radicalizaclo da polemica. A sua priraeira inter-

venglo, Conselhos Araigaveis. Tentativa de Conciliaglo e paz,

Lisboa, 1850, foi muito atacada tanto por Souza Amado como
pe
lo P£ Francisco Recreio, por nela verem uma explícita censu-

ra a sua conduta e, paralelamente, uma clara admiraglo pela


figura e o prestígio intelectual de Herculano. Ja depois das
ásperas censuras oue os Conselhos Amigaveis suscitaram, o P£
Rodrigo de Almeida publicaria um texto em que responde a es-

sas censuras, renovando as suas críticas aos P— Recreio e

Souza Amado, intitulado Sem Exemplo. Prineira e ultima res-

rosta a todos os cetractores dos Conselhos Amigaveis e no-

meadanente aos Srs. Padres Amado e Recreio, em 1851.

(9) P- Souza Amado, op. cit,, p. 37.

(10) ibidera, p. 47.

(11) Luis Augusto Rebello da Silva, Cartas ao Sr. Ministroda

Justica, "Segunda Carta", p. 19.


321

1. A apariglo de Cristo nos campos de Ourique verdade,


verosimilhanga e funcionalidade.

(1) Este facto 4 particularmente evidente no Commentario Cri-

tico, de 1853.

(2) Data cue hoje pode ser recuada até ao início do século,
mais preci samente 1416, com a descoberta do texto latino me-

dieval De ministerio Arnorum.

(3) Vide cap. 2, 2,1. da I Parte deste trabalho.

(4) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Denonstraqlo Historica e

Docunentada.

(5) José Diogo da Fonseca Pereira, 0 Primeiro Torao da Histo-


ria de Portugal, pp. 9-11.

(6) 0 seu estilo faz de facto recordar, de raodo irresistível


o de Agostinho de Macedo. Vide Dicc. Bibl., Tomo 41.
III, p.

(7) P£ Francisco Recreio, A Batalha de Ouriaue. I Parte,p.20.

(8) ibidera, p. 21.

(9) ibidem. p. 62.

(10) ibidera. IV Parte , p. 47. Sublinhado do autor.

(11) P£ Francisco Recreio, Justa Desaffronta. p. 79 e ABata-


lha de Ourique, I Parte, p. 19.

(12) P£ F„ancisco Recreio, Justa Desaf fronta. pp. 79-80.

(13) Alexandre Herculano, Historia de Portugal, "Advertencia?


p. 16,
(14) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova ĩnsistencia, p. 16.

(15) idem, Deraonstraglo historica e documentada, p. 10. Su-

blinhado do autor.

(16) A este respeito, vide por exemplo P- Francisco Recreio,


A Batalha de Ourique, I Farte, p. 42.

(17) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Demonstraclo historicae


documentada, p. 30.

(18) Frei Joaquim de Santo Agostinho, "Memoria sobre os Co-

dices Manuscritos, e Cartorio do Real Mosteiro de Alcobaga",


in Memorias de Literatura Portugueza, publicadas pela Aca-

demia Real das Sciencias de Lisboa, Tomo V, Lisboa, 1793, pp.

336-343.

(19) P£ Antonio Pereira de Figueiredo, Novos Testenunhos, Lis


boa, 1786, pp. 23-27.

(20) Pedro de Mariz, Dialogos de Varia historia, "Dialogo Se

gundo", cap. V, p. 64. E este respeito vide também a notal88

do cap. 2, 2.4, da I Parte deste trabalho.

(21) P£ Francisco Recreio, Justa Desaffronta. p, 78. Sobre o

mesmo assunto, vide Alexandre Herculano, Solennia Verba, II,


pp. 54-55 e Luís A. Rebello da Silva, Cartas ao Sr. Ministro
da Justiga. "Terceira Carta" .

(22) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Denonstracio historicae


documentada. p. 3.

(23) José Diogo da Fonseca Pereira, op. cit., p. 7.

(24) P£ Francisco Recreio, A Batalha de Ourique, IV Parte , p.


51.
(25) ibidera, VI Parte, pp. 31-32.

(26) ibidera, p. 30.

(27) p£ Caetano Francisco de Faria, Ao Sr. Alexandre Hercula-

no era referencla å sua carta dirigida ao EraQ CardealPktriar-

cha d.e Lisboa cora a data de 30 de Junho de 1850, p. 6.

(28) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova Insistencia, pp. 6-7.

(29) P£ Francisco Recreio, Justa Desaffronta, p. 66.

(30) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Deraonstraglo historica

e documentada, p. 3.

(31) ibidem. p.6.

(32) ibidem

(33) ibidem, p. 3.

(34) idem, Nova ĩnsistencia. p. 29.

(35) idem, Demonstraclo historica e documentada. p. 9.

(36) ibidera, p. 7.

(37) Antonio Caetano Pereira, Sxarae historico, p. 15.

(38) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Denonstraglo historica

e docuraentada, p. 29.

(39) idem, Nova ĩnsistencia. pp. q-6.

(40) ibidem. p. 7.
(41) ibidera. Sublinhado do autor.

(42) ibidera, p. 12.


2. A busca das origens e o sentido da historia

(l) Moses I. Finley, "La Constitution des Ancêtres", inMjythe.


raéraoire, histoire, Paris, 1981, p. 249.

(2) Vitorino MagalhSes Godinho, "Devir e estrutura" in En-

saios III Teoria da Historia e historiografia, Lisboa, 1971,


pp. 206-207.

(3) Jorge Borges de Macedo, Alexandre Kerculano. Polénica e

nensagen, Lisboa, 1980.

(4) Frangois Furet, "De l'histoire-récit a 1 'histoire-proble


me", in L'Atelier de 1' histoire. Paris, 1982, p. 75.

(5) P£ Francisco Recreio, A Batalha de Ourique. I Parte, p,6,

(6) Antonio Lucio í'aggessi Tavares, Demonstraclo Historica e

Docunentada, p. 9.

(7) Vide Alexandre Herculano, Historia de Portugal. pp. 447-

-448 e nota crítica 27 de J. Mattoso, p. 607, que faz o

ponto da questlo.

(8) ibidera, pp. 435-436.

(9) José Diogo da Fonseca Pereira, 0 Priraeiro Torao da Histo-


ria de Portugal, p. 19.

(10) Vide nota anterior

(ll) José Diogo da Fonseca Pereira, op. cit., p. 27.

(12) ibidera, p. 33.


326

(13) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova ĩnsistencia. pp.

17-18.

cit., 20.
(14) José Diogo da Fonseca Pereira, op. p.

(15) ibidera, p. 51.

(16) ibidem, p. 53.

(17) Vide Jorge Borges de Macedo, op. cit., pp. 13-21.

(18) Antonio Lucio Maggessi Tavares, Nova Insistencia, p.12.

(19) P£ Francisco Recreio, A Batalha de Ouriaue, I Parte, p.

25. Sublinhado do autor.

(20) ibidem

(21) Antonio Caetano Pereira, Coramentario critico, p. 14.

(22) José Diogo da Fonseca Pereira, op. cit., p. 9.

(23) Como por exeraplo na Justa Desaffronta, p. 52.

(24) P£ Francisco Recreio, ibidem, p. 106. Sublinhado do au-

tor.

(25) idem, A Batalha de Ourique, III Parte , p. 36.

(26) Antonio Lucio Maggessi Tavres, Deraonstraglo hjptorica

e docunentada. p. 7.

(27) Antonio Caetano Pereira, op. cit., p. 27.

(28) ibidem, p. 16.


(29) Vide P£ Francisco Recreio, Justa Desaffronta, p. 21; vi
de também Eu e o Clero e nota 17 do cap. 2, 2.1. da I Farte

deste trabalho.

(30) p£ Francisco Recreio, Justa Desaffronta, p. 65.

(31) iden, A Batalha de Ourinue, I Parte, p. 41.

(32) Alexandre Herculano, Consideracoes pacificas, p. 15.

(33) P£ Francisco Recreio, Sincera defeza da verdade, p, 129,

(34) Antonio Lucio Haggessi Tavares, Deraonstracao hlstorica


e documentada, p, 2,
Conclusao

(l) Jorge Borges de Macedo, Alexandre Herculano, Polénica e

mensagera, p. 43.

(2) Alberto Ferreira, "A prinavera da Geraglo de 70", in Es-

tudos de Cultura Portuguesa (Seculo XIX) , Lisboa, 1980, p.47.

(3) 0 primeiro núnero de A Naqao surge a 15 de Setembro de

1847 . Essa flliacao em Ourique e nas Cortes de Lamego, toraa-

da como "bandeira" Ideologica é muito patente nos primeiros


números, de apresentaglo, nomeadanente os n? 1, n^ 3, de 17/
/9, n? 4, de 18/9 e n° 6, de 21/9.

(4) Cono vinos ele afirraar na prineira carta dos Solennia

Verba, p. 6 .

(5) t no capítulo III da sua obra Herculano e o liberalisno

em Portugal, intitulado "Um ecletisrao filosof ico-religioso" ,

que A. José Saraiva explana a sua tese. Até ao fim da sua

vida, Herculano afirmou ter sempre defendido a "religilo do

progresso". A. José Saraiva sustenta, pelo contrário, aue

Herculano tem, na linha de um Bossuet, de um Vico ou ainda


de ura Santo Agostinho, uma concepcSo de certo modo providen-
cialista da historia. "Ê afinal a Providência —
e nlo um

processo logico, como queria Hegel —


quem faz que a uma fa-

se de civilizagio suceda outra num degrau superior" (p. 89);


ora, o providencialismo opoe-se corao realidade ao progresso .

Saraiva interroga-se sobre se Herculano, apesar de se auto-

-situar entre oe "crentee" no progresso, nio se enquadra pe-


lo contrário numa raentalidade e prática historica de ca
numa

riz providencialista, o que 4 bastante polémico. Mas Saraiva

considera que esta tese 4 ainda confirmada por um outro fac-

to; qualquer interpretagSo de natureza religiosa 4 acompanha


da de "juízos absolvendo, condenando ou glorificando as ac-

goes dos homens ou do povo" (p. 91). Ora esta e uma das ca-

racterísticas da filosofia da historia de Herculano. Saraiva

afirma sem deixar dúvidas acerca da sua posiglo: "Herculano

nlo assiraila a estrutura filosofica cora que o pensamento lai


co procura explicar a evoluglo historica, a nio ser de manei

ra muito inconpleta, e apenas naquele platonismo que 4 comum

a Santo Agostinbo e a Hegel: na tese de que a sociedade 4 una

realizaglo incompleta e imperfeita da Cidade Divina ou da

Ideia. E o que há de efectivamente evolutivo, "historico" ,


no

pensamento moderno escapa, por estranho aue parega, ao pri-


meiro historiador português"(p. 94). Ssta tese, clararaente ro

lémica, 6 classificada de "extremista" por Joaquin Barradas

de Carvalho, na apreciaglo crítica que dele faz, na sua obra


As ideias rolíticas de Alexandre Herculano, Lisboa, 1971, pp.

245-251.

(6) "A converslo dos Godos ao catholicisno, IV", ir Composi-


goes Varias, p. 30. Sublinhado nosso.

(7) Sobre Francisco Duarte de Alneida e Araújo, vide Dicc t

Bib!.. Tono II, p. 371 e Tono IX, pp. 284-286.

(8) Esta obra surge na colecglo "Livrinhos de Ouro", diri^i-


da por Antonio Feliciano de Castilho.

(9) Francisco Duarte de Almeida e Araújo, A Batalha do Carapo

de Ourique, p. 7.

(10) ibidera, p. 10.

(11) Lembremos o reacender da polénica nos anos vinte do nos

so seculo, questlo que envolveu David Lopes, Antonio Cabrei-

ra, General Vitoriano José Cesar, D. Tomás de Vilhena e Al-


fredo Pimenta, entre outros. .
330

BIBLIOGRAFIA
331

Como resulta evidente da propria natureza e parâmetros


do trabalho que realizámos, a nossa intenglo fundamental in-

cidiu no estudo da polémica oitocentista de Ourique, a par-


tir dos textos que a compoem. Análise do discurso, análisede
intengoes e de estratégias, este trabalho assenta essencial-

mente na produglo textual deste amplo debate ideologico do

meado do século XIX português. Nesta perspectiva, a biblio-

grafia secundária ocupa um lugar específico mas de certo rao-

do restrito, funcionando essencialmente como ponto de apoio


para a elucidagao de problemas e questoes que o tema que
abordáraos exigiu.
A bibliografia específica sobre esta polémica 4 inexis
tente. Os elementos cue para ela reneten slo senpre parcela-
res e globalizantes do sentido e
significados gerais oue as-

sunen particularmente na vida e obra do seu


principal actor,
Alexandre Herculano. Mas se, para a polemica, deparámos com

a inexistencia de prévias abordagens da questlo cono proble


ma específico, en relagao a Hercuĩano a cuestio colocou -se-

-nos de modo inverso. Com abundância


efeito, a extrena de es

tucos sobr^ o
historiador, obrigou a um critério de estrita
selecfividade, baseada sobretudo na qualidade, optando-se pe
la nao incluslo de obras que, ainda que por nos consultadas
se arresentam hoje extreman.ente datadas e
ultrapassadas.
I. FONTES

1. Corpus da polénica

ALMEIDA. p£ Rodrigo Antonio d' ,


Conselhos anigaveis. Tenta-

tiva de conciliaqlo e paz, Lisboa, Imprensa Nacio-

nal, 1850.

Sen exenplo. Primeira e ultina resrosta a todos os

detractores dos conselhos anigaveis e noneadan-nte

aos srs. Padres Anado e Recreio. Van .juntas no fin

algunas ponderagoes acerca d'outros assunrtos, li-

gados nui de perto con a questlo debattida, Lisboa,


Imprensa de Francisco Xavier de Sousa, 1851.

AMADO, P£ José* de Souza, Cartas sobre o estado actual da re-

ligilo catholica era Inglaterra por C. I. Aubert.

Traduzidas do Francez, e seguidas de algumas obser-


vaooes contra A. Herculano e o p£ Rodrigo V.de Al-

meida, e de outra especial en oue se nostra e ne-

cessidade do proximo restabelecimento de algumas


_

ordens Reliriosas en Portugal, Lisboa, Inprensa de

Francisco Xavier de Souza, 1850.

BASTO, Joao Pedro da Costa, Observacôes diplomaticas sobre o

falso docunento da appariclo de Ourique por un pa-

leographo, Lisboa, Imprensa Nacional, 1850.

CARVALHO, Tomas de ,
A questlo do Clero. Cartas de ura aldeao

ao Sr. padre Francisco Recreio ( Prineira Carta ).


Lisboa, Typ. de Castro & Irmio, 1850.

CASTELO-BRANCO, Carailo ,
0 Clero e o Sr. Alexandre Herculano.

Lisboa, Imprensa de Francisco Xavier de Sousa, 1850.


333

FARIA, P£ Caetano Francisco de ,


Ao Sr. Alexandre Herculano

em referencia a sua carta diriglda ao Era^ Cardeal

Patriarcha de Lisboa con a data de 30 de Junho de

1850. Lisboa, Typ. da Gazeta dos Tribunaes, 1850.

Reflexoes sobre as "consideracoes pacificas" do sr.

Alexandre Herculano. Carta djrigida ao nesno Sr£is


boa, Typographia da Revista Univ. Lisbonense, 1850.

HERCULANO, Alexandre , A Batalha d'Ourigue e a Sciencia Ara-

bico-Acadenica. Carta ao Redactor da Senana, Lisboa,


Imprensa Nacional, 1851.

Cartas ao muito reverendo em Christo Padre Francis-

co Recreio. Socio Effectivo da Acadenia Real das

Sciencias de Lisboa. Bibllothecario da raesmaAcade-

mia. Auctor do Elogio Necrologico, da Justa Desaf-

fronta em Defesa, e de Varias Obras ĩneditas. Por

um moribundo, Lisboa, Typ. de Castro & Irmlo,1850.

Consideracoes pacificas sobre o opusculo "Eu e o CQe-


ro". Carta ao Redactor do periodico —
"A Nacao" ,

Lisboa, Imprensa Nacional, 1850.

Eu e o Clero. Carta ao En&^ Cardeaĩ-Patriarcha. Li s

boa, Iraprensa Nacional, 1850.

Solennia Verba. Cartas ao Senhor A. L. Magessi Ta-


vares sobre a questao actual entre a verdade e una

parte do Clero. Lisboa, Iraprensa Nacional, 1850.

PEREIRA, Antonio Caetano , Coraraentario critico sobre a adver-


tencia do 4^ volurae da Historia de Portugal de A.
Herculano e Carta annexa de Pasnual de Gayan^osjis
boa, Imprensa Nacionaĩ, 1853.

A confirmaglo do exarae historico sobre a batalhade


Herculano transcriptos no .jornal —
A Semana —
des-

de n°- 9 a 13, Lisboa, Typographia da Revista Fopu-


lar, 1851.

Exarae historico en que se refuta a opinilo do sr.

A. Herculano sobre a batalha de Canro de Ourique a

gue elle chana .jornada ou correria e affirna que de

un tal facto nlo existe vestigio algun nos hi.-to-

riadores arabes. Offerecido a todos os Portuguezes


araantes da Gloria Nacional, Lisboa, Inprensa Nacio

nal, 1851.

A Resposta ou analyse critica ao connunicado de A-

lexandre Herculano inserto no periodico —


0 Ibrtu-

guez —
NQ 193. Anno de 1853, Lisboa, Typog. de An

tonio Jose da Rocha, 1857.

PEREIRA, José Diogo da Fonseca ,


0 Prineiro Tomo da Historia

de Portugal ror Alexandre Herculano consideraco em

relaqlo ao juranento d' Affonso Henrioues, Lisboa,


Typographia de P. A. Borges, 1847.

RECREIO, Francisco, A batalha de Ouriaue e a Historia dePor-


tugal de A. Herculano. Contraposiqoo crltico-hi sto-

rica. ( Obra dividida en seis partes ). Lisboa, Na

Typographia de G. M. Martins, 1854-1856.

Justa desaffronta era defeza do clero, ou refutaclo


analytica do imrresso Su e o Clero, Carta ao EnQ
Cardeal-Patriarcha por A. Herculano. Lisboa, Typo-
pographia de Antonio José da Rocha, 1850.

Sincera defeza da verdade em desaffronta do Clero.


ou Antidoto analytico contra as intituladas consi-

deragoes pacificas sobre o opusculo Eu e o Clero ,

Carta ao redactor do periodico -—


A Naclo. por A.

Herculano. Lisboa, Na Typographia de G. M. Kartins,


1850,
SILVA, Luis Augusto Rebello da , Cartas ao Sr. Ministro da

Justlga, sobre o uso que faz do pulpito e da Ira-

prensa uraa fracglo do clero portuguez. Lisboa, Ty-


pographia de Manoel José Mendes Leite, 1850.

TAVARES, Antonio Lúcio Maggessi ,


Carta em resposta a outra

do Sr. Alexandre Herculano que tem por titulo So-

lemnia Verba, Lisboa, Imprensa de Francisco Xavier

de Souza, 1850.

Deraonstracao hlstorica e documentada da arraricao

de Christo nos carapos de Qurioue, contra a opiniao


Snr. Alexandre Herculano. Lisboa, Iraprensa Lusita-
na, 1846.

Nova insistencia pela conservaclo e utilidade da

tradicglo d' Ouriaue era Resrosta ao Eu e o Clerodo

Sr. Alexandre Herculano na parte -:ue tem relagaocon


este ob.jecto, Lisboa, Imprensa de Francisco Xavler

de Souza, 1850.

2, Outros textos de Alexandre Herculano

HERCULANO, Alexandre , Cartas, 2 vols., Lisboa, Aillaud e Ber

trand, s/d.

Cartas de Vale de Lobos ao 3P Duoue de Palmela e a

José Cândido dos Santos, Volume I, Pref. e notasde

Vitorino Nemesio, Lisboa, Bertrand, 1980.

Cenas de ura ano da rainha vida. Poesia e raeditaglo.


e notas de Vitorino Nemésio, Lisboa, Bertrand,1973.
"
"Colaboraglo de Herculano n' "0 Portuguez" in An
tonio José Saraiva, Herculano desconhecido ( 1851-
1853 ). Lisboa, Europa-América, 2» ed., 1971.

Conrosiqoeo Várias, Lisboa, Aillaud e Bertrand, s/d.

Historia da Origem e Estabelecinento da ĩnquisigao


em Portugal, Rev. de V. Nemésio, Introd. de J. Bor

ges de Macedo, verif. do texto de A. Lucas, 2 To-

raos, Lisboa, Bertrand, 1975.

Historia de Portugaĩ desde o coneco da Monarquia a-

té ao Fin do Reinado de Afonso III, Pref. e notas

críticas de José Mattoso, verif. do texto de Ayala

Monteiro, 3 Tonos, Lisboa, Bertrand, 1980.

Opúsculos I, Lisboa, Antiga Casa Bertrand -

José
Bastos & C§ -
Livraria Editora, 5? ed,, s/d; II ,

Lisboa, Viúva Bertrand & C*, 1? ed., 1873; III ,

Lisboa, Antiga Casa Bertrand -


José Bastos & C^ -E

ditores, 3? ed., s/d; IV , Lisboa, Viúva Bertrand


& C§ Succ. Carvalho & 2«
C*, ed., 1882; V ,Lisboa,
Antiga Casa Bertrand -
José Bastos.& C* Livraria
Editora, 3? ed., 1907; VI , Lisboa, Antiga Casa Ber
trand -
José Bastos & C*, 3? ed., s/d; VII , Idsboa,
Antiga Casa Bertrand -

José.Bastos & C^ -

Livraria
Editora, 2? ed., s/d; VIII , Lisboa, Antiga Casa
Bertrand José Bastos ft C« Editores, 2* ed.,g/d;
-
-

IX, Lisboa, Antiga Casa Bertrand -


José Bastosft C§-
-
Livraria Editora, l^ ed., s/d; X Anti-
, Lisboa,
ga Casa Bertrand -
José Bastos & Ca -

Livraria Edi
tora, 1? ed., 1908.
3. Textos cronísticos e outros

AGOSTINHO, Fr. Joaquim de Santo , "Memoria sobre os Codices

Manuscritos, e Cartorio do Real Mosteiro de Alcoba

ga" in Memorias de Lltteratura Portugueza, publi


-

cadas Academia Real das Sciencias de lisboa


pela ,

Tono V, Licboa, Officina da mesraa Academia, 1793.

ARAÚJO, Francisco Duarte de Almeida e ,


A batalha de Campo
d' Ourigue, Lisboa, Typographia Universal, 1854.

BRANDÃO, Antonio ,
Terceira Parte da Monarohia Lusitana. Que
conten a Hiotoria de Portugal desdo Conde Don Hen-
ricue, até todo o reinado del Rey Don AfonsoHenri-
ques. Dedicada ao catholico Rey Don Felipe tercei-

ro de Portugal, & cuarto de Castella nosso Senhor,

Lisboa, Pedro Craesbeck, 1632.

CENÍCULO, Frei Manuel do ,


Cuidados Literarios do Prelado de

Beja en Graqa do seu Bispado, Lisboa, Officina de

Simlo Thaddeo "^erreira, 1791.

FIGUEIREDO, Antonio Pereira de , Elogia regum ĩusitanorura: ĩa-

tine et Lusitane, historicis et criticis notis il-

lustrata. Slogios dos Reis de Portugal, en Latira,


e era Portuguez, illustrados de notas historicas, e

críticas, Lisboa, Officina de Siralo Thaddeo Fer-


reira, 17 85.

Novos testeraunhos da rallagrosa apparigio deChristo


Senhor Nosso a EI-Rei D. Affonso Henriques antesda
faraosa Batalha do Carapo d! Ourique: e Exemplos pa-

rallelos. que nos induzio â pia crenga de tSo por-

tentoso caao. Lisboa, Regra Officina Typografica ,

1786.
GALVÃO, Duarte ,
Chronica de EI-Rel D. Affonso Henriques, Iis

boa, Bibliotheca de Classicos Portuguezes, vol. LI,


1906.

LUCFNA, Vasco Fernandes , Valasci Ferdinandi utriu3que juris

consuiti, Illustrissimi regis Portugaĩliae orato-

ris. ad ĩnnocentium Vĩĩĩ, pontificera raaxiraura, de

obedientia Oratio. in A. Fontoura da Costa, Åsĩtar-


tas da ĩndla era 1484, Lisboa, Imprensa da Armada ,

lOT6.

MARIZ, Pedro de , Dialogos de varia historla. era que se re-

ferera as vidas dos Senhores Reys de Portugal. cora

08 seus raais verdadeiros Retratos: e Noticias dos

nossos Reynos. e Conquistas, e varios successos do

raundo. Lisboa, Na Officina de Manoel da Sylva,1749.

PAIVA, Dionizio Antánio de , Quintanario Meditativo, e Fer-

vorosa supplica era louvor das sinco Chagas doNosso


Senhor Jesus Christo. Offerecido ao raesmo Senhor. e

por Elle dadas, para Brazoens do seu iraperio, ao

Real Tronco Luzitano; o Senhor D. Affonso Prinei-

ro. Dedicado ao Senhor D. JoSo, Principe do Brazil.


A ĩgre.ja Santa approvou. e concedeo esta devogSo
por huna BuIIa Apostolica. e nella se vê a vcrdade

de sua origen. Lisboa, Offic. de José de Aquino Bu

Ihoens, 1797.

SANTA MARIA, Frei Nicolau de , Chronica da Orden dos Conep:os


Regrantes do Fatriarcha S. Agostinho. Segunda par-
te dividida era VI Livros, Lisboa, Officina de Joara
da Costa, 1668.

SOUSA, Antonio Caetano , Agiologio Lusitano, dos Santos, e

varoes illustres era virtude do Reino de


Portu^al_f
339

e suas conouistas, consagrado a Iranaculada Concei-

cao da Virgera Maria. Senhora Nossa, Padroeira dofei-

no, Tomo IV, Lisboa, Regra Officina Sylviana, e da

Academia Real, 1744.

Gomes Eanes Cronica da Tomada de Ceuta por Sl Rei


ZURARA, ,

D. Jolo I, ed. Francisco Maria Esteves Pereira, Iis


boa, Academia das Ciencias, 1915.
II. ESTUDOS

1, Obras gerais

ALBUQUERQUE, Martim de ,
A consciência nacional portuguesa.
Ensaio de historia das ideias políticas, I, Lisboa,
s/ed., 1974.

ARIÊS, Philippe ,
Le temps de lfhistoiret Paris, Ed. du Ro-

cher, 1954.

BARBÉRIS, Pierre ,
"Mal du siêcle ou d'un romantisrae de droi

te a un ronantisne de gauche" in Ronantisme et Po-

litique —
1815-1851. Colloque de l'ficole Nornale

Superieure de Saint-Cloud (1966), Paris, Armand Co

ĩin, 1969, pp. 164-182.

BÉNICHOU, Paul ,
Le temps des prophetes. Doctrines de 1* age

romantiaue, Paris, Gallimard, 1977.

CIDADE, Hernâni ,
A literatura autononista sob os Filipes.Lis
boa, Sá da Costa, s/d.

Ensaio sobre a crise mental do século XVĨIĨ, Coim-

bra, Irarrensa da Universidade, 1929.

CRUZ, Manuel Braga da , As relagoes entre a Igreja e o esta-


do liberal -
do "cisraa" â Concordata ( 1832-1848) in
Liberalismo na Península ĩbérica na rrincira meta-

de do século XIX (1? vol.), Lisboa, Sá da Costa,1982

DIAS, José Sebastilo da Silva , "Portugal e a Cultura Euro-

peia (sécs. XVI a XVIII)", sep. de Biblos, vol.XXVĨIĨ,

Coimbra, 1953.
FERRAZ, M. ,
Histoire de la Philosorhie en France au XĨXîsié-
cle. Traditionallsme et ultramontani srae, Paris, Di
dier et Cie Libraires-Editeurs, 1880.

FERREIRA, Albertp ,
Estudos de Cultura Portuguesa (séculoXTX)
Lisboa, Moraes Editores, 1980.

Perspectlva do Romantismo Português ( 1834-1865 ).Iis


boa, Ed. 70, 1971.

FERREIRA, Antonio Matos ,


"A questlo religiosa: um aspecto
das relacoes Igreja -
Estado no Portugal oitocentis

ta" in Studiun generale, Sstudos contemporâneos. n^

4, Porto, 1982, pp. 113-135,

FINLSY, Moses I. ,
"La Constitution des Ancêtres" in Mythe ,

Memoire, Histoire (trad. ingl. J. Carlier e Y.LLa-

vados), Paris, Flaramarion, 1981, pp. 209-251.

"Mythe, mémoire et histoire" in Mythe, Menoire.His-

toire (trad. ingl. J. Carlier e Y. Llavador) , Ikris,


Fĩammarion, 1981, pp. 9-40.

FRANQA, Jose'-Augusto ,
0 Romantismo en Portugal, Li sboa, Li-
vros Horizonte, s/d.

FURET, ^rangois ,
"De 1» Histoire-re'cit å 1 'histoire-problê-
ne" in I'Atelier de 1' histoire. laris, Flamnarion,
1982, pp. 73-90.

GALLET-GUERNE, Danielle , Vasaue de Lucêne et la Cyropédie a

la Cour de Bourgogne (1170), Genêve, Droz, 1974,

GODINHO, Vltorino MagalhSes , Ensaios III, Teoria da historia

e
historiografia, Lisboa, Sá da Costa, 1971.
HAL3*ACH5, Maurice , Les cadres sociaux de la nenoire (Pref.
de F. Châtelet), M.outon-Paris-La Haye, l?76f (l*ed.
1925)

"Ménoire et société" in L' Année Trois.


Sociolopigue,
Se'rie, 1940-1948, Tono I, Paris, PIJF, 1949, pr.H-
_r?7

MARCADfi, Jacques , "D. Fr. "anuel do Cenáculo Vilas Boas.Pro


vincial des Réguliers du Tiers Ordre Franciscain .

1768-1777" in Arauivos do Centro Cultural Portu -

gues, Paris, Fund . Calouste Gulbenkian, vol. III,


1971, pp. 431-458.

"D. Fr. Manuel do Cenáoulo Vilas Boas (Quelques no

tes sur sa pédagorie)" in Arquivos do Centro Cultu-


raĩ Pprtugues. Paris, Fund Calouste
.
Gulbenkian,vol.
VIII, 1974, vv. 605-620.

MARQUES, A. H. de Oliveira , "Diplonática" in Dicionário de

Historia de Portugal. Forto, 1971, vol. I, s/v.

MENfiNDEZ Y PELAYO, Marcelino , Historia de los Heterodoxos es-

panoles. Tono VI, î.'adrid, Iibrería G. de Victoria-


no Suárez, (22 ed. refund.), 1930.

MORIER, Henri , Dictionnaire de Poétigue et de Rhe'toriaue. Va


ris, PUF, 1981.

PEYRE, Henri M. , Qufest-ce aue le ronantisne?. Paris, PUF,


2^ ed., 1979.

PlWlK, Marie Helene , "La correspondence Mayáns-CenáculoJtín


cipaux aspects" in Arquivos do Centro Culturailbr-
tugues. Paris, Fund . Calouste Gulbenkian, vol. XX,
1984, pp. 233-311.
FRÊLOT, Marcel e F. Galloue'dec Genuys (Selecglo e apresent .

dos textos), Le Libéralisme catholique, Paris, Ar-

mand Colin, 1969.

RODRIGUES, Manuel Augusto ,


"Probleraática religiosa era Por-

tugal no século XIX, no contexto europeu" in 0 Se-

culo XIX pra Portugal. Conunicacoes ao Colocuio or-

ganizado pelo Gablnete de ĩnvestigacoes 5ociaisfo-7g


19792, Lisboa, s/d, pp. 437-458.

ROY, Claude ,
Les soleils du ronantisne, Paris, Gallinard ,

1981.

SARAIVA, Antonio José ,


A Cultura en Portugal. Teoria e His-

toria. Livro I. ĩntroducac Geral å Cultura Fortugue-


sa, Lisboa, Bertrand, 1982.

SERRXO, Joaquim Veríssino ,


A historiogra^ia portuguesa.Dou-
trina e crítlca (séc. XII-XVĩ). vol. I, Lisboa,Ver
bo, 1972.

2. Sobre Alexandre Herculano

AA.VV., Alexandre Herculano a luz do nosso terapo. Ciclo de

Conferências. lisboa, Acadenia Portuguesa da Histo


ria, 1977.

BEAU, Albin S. ,
"A historia na concepgão de Alexandre Hercu

lano" in Estudos, vol. II, Coimbra, Universidade de

Coimbra, 1964, pp. 151-191.


344

"Alexandre Herculano e a historiografia aleml" in

Estudos, vol. II, Coirabra, Universidade de Coimbra,


1964, pp. 193-224.

"Os motivos da historiografia de Alexandre Hercula

no" in Estudos, vol. II, Coirabra, Universidade de

Coinbra, 1964, pp. 137-15C

BEIRANTE, Cândido ,
Herculano em Vale de Lobos. Santarém, Ed.
da Junta Distrital, 1977 .

CARVALHO, Joaquim Barradas de ,


"A explicaglo de Portugal de

Alexandre Herculano" in Estética do Ronantlsno en

Portugal, Lisboa, Grémio Literário, ĩ07f, rr.l-3C

As ideias políticas e sociais de Alexandre Hercu -

lano, Lisboa, Seara Nova, 2^ ed. corr. e aunent. ,

1971

CATROGA, Fernando , "Êtica e Sociocracia. 0 Exemplo de Her-


culano na geragao de 70" in Studium Generaĩe.Sstu-
dos contemrorâneos. n^ 4, Porto, 1982, pp, 9-68.

CORDEIRO, J. A. da Silva ,
A crise en seus asrectos raoraes ,

Coinbra, F. Franga Anado Ed . , 1896.

GODINHO, Vitorino Magalhles , "Alexandre Herculano, historia


dor" in Alexandre Herculano. Ciclo de Conferências
comemorativas do I Centenário da sua raorte 1877 -

-
1977. Porto, Biblioteca Pública Municipal, 1979,
pp. 69-83.

LOPES, Oscar , "Corao Herculano se via e como nos o vemos" in


Modo de Ler. Crítica e interpretaglo literária /2.
Porto, Editorial Inova, 2« ed., 1972, pp. 202-218.
"Reflexoes sobre Herculano como polenista" in Ale-
345

xandre Herculano. Ciclo de Conferências conenorati-


vas do I Centenário da sua norte 1877 -

1977. Por-
fo, Biblioteca Pública Municipal, 1979, pp. 45-68,

MACEDO, Jorge Borges de ,


Aiexandre Herculano. Polémica enm-

sagera, Lisboa, Bertrand, 1980.


"A tentativa historica "da origem e estabelecimen-
to da InquisigSo em Portugal" e as insistências po
lémicas" in Alexandre Herculano, Historia da origera
e estabelecimento da InquisigSo em Portugal. Toraol,
Lisboa, Bertrand, 1975, pp. XI-CXXXIV.

MARTINS, Joaquim Pedro de Oliveira , Portugal Contemporâneo.


Lisboa, GuimarSes Ed., 8^ ed,, 1979

MATTOSO, José , "Prefácio" in Alexandre Herculano, Historia


de Fortugal desde o comego da Monarquia até o fim
do Reinado de Afonso III, Tomo I, Lisboa, Bertrand,
1980, Pp. VII-LII.

MEDINA, Joio , Herculano e a geraglo de 70. Lisboa, Sd.lterra


Llvre, 1977.

MERÉA, M. Paulo , "0 Liberalismo de Herculano" in Congresso


do Mundo Português. vol. XIII, Tomo II, Lisboa^940,
pp. 507-522.

NEMfiSIO, Vitorino , "Alexandre Herculano, perfil de un escri


tor" in Alexandre Herculano. Ciclo de Conferências
comeraorativas do I Centenário da sua norte I877 -

r 1Q77, Porto, Biblioteca Pública Municipal, 1979,


pp. °-25.

A Mocidade de Herculano. 2 vols., Lisboa, 1978.


de Bulhio Memorias, Tono I, Cenasde
PATO, Rainundo Antonio ,

de in^ancia e Homens de letras, Lisboa, Typ. daAca


demia Real das Ciencias, 1891.

Alexandre Hercuiano Clero. 0 ponto de


PONTSS, Juvenália ,
e o

vista de Herculano, Coirabra, 1965 (tese policopia-


da).

SARAIVA, Antonio José ,


Herculano e o Liberailsmo en Portu-

gal, Lisboa, Bertrand, 2« ed., 1977.

SfiRGIO, Antonio ,
"Alexandre Herculano e o troblema moral e

social do Portugal moderno" in Ensaios, Tomo III ,

Lisboa, Sa da Costa, 1* ed., 1072, pr. 118-129.

SERRÍO, Joaquim Veríssino ,


Herculano e a Consciência do Li-
beralisno en Po^tugal, Lisboa, Bert^and, Ĩ977 .

SERRÃO, Joel ,
"Alexandre Herculano" in Dicicnario de Histo-

ria de Portugal, Porto, 1°71, vol. II, s/v.

Portugueses sonos. Lisboa, Livros Hcrizonte, s/d.

TRINDADE, Manuel Augusto, 0 Padre en Heroulano, rrof. de Vi-

torino Nemésio, Lisboa, Verbo, 1965.


3. Sobre Ourique

AUBIN, Jean , "Duarte Galvlo" in Arouivos do Centro Cultural

Português, Vol. IX, Honenagem a Marcel Bataillon,


Paris, Fund. Calouste Gulbenkian, 1975, pp. 43-85.

BASTO, A. de Magalhaes , "IntroducSo" in Frei Antonio Bran-

dao, Cronica de D. Afonso Henriaues, Porto, Livra-


ria Civilizacao-Editora, 1945, pp. IX-IXIV.

BROCHADO, Costa ,
"Tentativa de canonizagao de Sl-Rei D.Afon
so Henriques" in Anais da Academia Portuguesa de

Historia. II serie, vol. VIII, Lisboa, 195°.

CABREIRA, Antonio ,
"A Batalha de Ourique, Replica a um co-

mentário" in Biblos, n?s 1 e 2, 4? ano, Coimbra,19£.


0 erílo^o de Ourique. Lisboa, Inprensa ModernaJ.933.
0 nilagre de Ouriaue e as Cortes de
Lanego. Lisboa,
" ""'

s/ed., 1925.

CASTELO-BRANCO, ^ernando ,
"0 lendário de D. Afonso Henriqæá1
in sep. das Actas do Congresso ĩnternacional de
Etnografia. Santo Tirso, 10-18 Julho de 1963, vol.
III, Lisboa, Junta de Investigacoes do Ultramar,195.

CfiSAR, Vitoriano (Gal) José ,


A fundaclo da monarauia Pprtu-
guesa e a Batalha de Ourique (25 de Julho de 1199).
Lisboa, 1927.

CINTRA, L. F. Lindley , "Sobre a Forraagao e Evolugao da Len-


da de Ourique (Até å Cronica de 1419)" in Revista
da Faculdade de Letras de Lisboa. Torao XXIII, III
se'rie, n° 1, Lisboa, 1957, pp. 168-215.
348

LOPES, David ,
"A Batalha de Ourique e Coraentario leve a uma

da revista Biblos, vol. III, n?s 11


polémica" sep.
e 12, Coimbra, Coinbra edit., 1927.

"Alexandre Herculano, Antônio Caetano Pereira e a

Bataĩha de Ourique. Sstudo Crítico" sep. do Bole-

tin da Sociedade de Geografia. n? 5 de 1898-1899 ,

Lisboa, Inprensa Nacional, 1900.

"Os Arabes nas obras de Alexandre Herculano" V No-

ne e batalha de Ouriaue, sep. do Boletin da Segun-


da Classe, vols. III e IV, Academia das Sciencias

de Lisboa, Lisboa, Inprensa Nacional, 1911, pp. 146


-183.

LOUR^IRO, Francisco Sales ,


"Alexandre Herculano e o rroble-

na de Ourique: dois tenas de reflexlo" in Revista

da Faculdade de Letras de Lisboa, IV Série, N 9

1, Lisboa, 1976-^7, PP. 36^-384.

NASCIMENTO, Aires Augusto ,


"0 nilagre de Ourique nun texto

latino-nedieval de l-i]6" in Revi sta da Faculdadede


Letras de Lisboa. IV S-'rle, H° 2, 1978, pp. 365 -

-
374.

PIMENTA, Alfredo , "Ainda a Batalha de Ourique" in ĩcade Mé-


dia ( Problenas & Solucoes ). Lisboa, ed. Ultranar,
1946.

VASCONCELOS, Antonio de ,
"0 escudo nacional português (len-
da e Historia) in Lusitania. Revista de Estudosĩbr-

tugueses. vol. I, 1924, pp. 171-185 e 321-337.

VHIGA, A. Botelho da Costa , "Análise da tradiglo e da polé-


mica de Ourique" in Estudos de Historia Militarĩbr-

tuguesa. vol. I, 2i parte, Lisboa, 1939-43.


't .' 349

sobre questSo de Ourique", sep.


"Breves palavras a

de 0 Instituto, vol. 76, n? 3, Coimbra, Imprensada


Universidade, 1928.

VEIGA, Pedro ,
As Cortes Lendarias de Alraacave, LousS, s/ed.,
1930.

c:-'ĸC:>
)

■■

'v\>
ĸ'1

Você também pode gostar