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Um novo PARADI

GMA? — 69

4 A palavra Í'“ºvª" serve para distinguir a NHC — como a


nouvelle histoire francesa da década de 1970, com a qual tem
Um novo Paradig muito em comum — dis fom“s"m?is_““figasjé discutidas an-|
p rteriormente. À palavra f“ln'" al” distingue-a da história inte-|
Jectual, sugerindo uma e’xtlfase em mentalidades, suposigges '
sentimentos € não em idéias ou sistemas de Pensamento.A di-
ferenga entre as duas abordagens pode ser verificada em termos
do famoso contraste de Jane Austen entre “razão e sensibili-
O capitulo anterior sugere que o encontro
entre hist dade”. A irmã mais velha, a histéria intelectual, é mais sériae
riadores e antropélogos inspirou algumas precisa, enquanto a cagula é mais vaga, contudo também mais
das inov:'
ções mais significativas da histéria jmaginativa.
cultural nas démda;
de 1970 e 1980. As marcas deixadas pela antropologia A palavra “cultural” também serve para distinguir a NHC

em geral e por Geertz em particular ainda são de outra de suas irmas, a histéria social. Um dominio em queo
Visiveis, deslocamento na abordagem é em particular visivel é a histéria
mas a chamada “nova histéria cultural” tem mais de
das cidades. A histéria politica das cidades, a “história munici-
uma fonte de inspiragdo. Ela é mais eclética, tanto no pal”, como se pode chamar, vem sendo praticada desde o século
plano coletivo como no individual. XVIII, talvez antes. A histéria econdmica e social das cidades
A çxprcssão “nova história cultural” (daqui por A histéria cultural,
tomou impulso nas décadas de 1950 e 1960.
rdiante/ NHC) entrou em uso no final da década de das cidades é ainda mais recente, uma terceira onda que se tor-
980. Em-1989, o historiador norte-americano Lynn nou visivel com o livro Viena, fin de siécle (1979), de Carl
Hunt publicou um livro com esse nome que se tor* Schorske, e com estudos posteriores. Schorske focaliza a alta
cultura, mas coloca-a em um contexto urbano. Outros historia-
nou muito conhecido, mas os ensaios ali reunidos
dores culturais estão mais preocupados com as subculturas ur-
foram originalmente apresentados em um seminário
banas, em particular com a cidade grande como palco que ofe-
realizado em 1987 na Universidade da Califórnia, em rece muitas oportunidades para a apresemaçãu ou mesmo a

Berkeley, sobre “História francesa: textos e cultura”. reinvenção do eu.º


visfo como uma
A NHC é a forma dominante de história cultural — O novo estilo de história cultural deve ser
alguns até mesmo diriam a forma dominante de his- resposta aos desafios já descritos (ver capítulo 3), à ªXPª“Sªº:º
tória — praticada hoje. Ela segue um novo “para- domínio da “cultura” e à ascensão do que passou 2 Ser conre-
cido como “teoria cultural”. Por exemplo, o h‘f‘_" de C:ro mf
digma”, no sentido do termo usado na obra de Thomas anterior é inspirado :;a
Kuhn sobre a estrutura das “revoluções” científicas, Bynum discutido ao final do capítulo
que
obra de feministas como Julia Kristeva e Luce Irigaray,
ou seja, um modelo para a prática “normal” da qual , : ino e o femininc
lisaram as diferenças entre o discurso masculino
decorre uma tradição de pesquisa.'

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70 O Qur £ HISTORIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? — 71

As teorias pndcm ser vistas como reação a problemª


como reconceitualização deles. Certas teorias Culm: e 'ªffnbê como foram utilizadas. Bakhtin foi um teérico da linguagem e
tes para a
com que os historiadores tomassem consciência deals
fizery da literatura cujas idéias também se tornaram relevan
o tempo, Problema; nto os outros trés foram tedricos sociais
novos ou até entdo ignorados, e, a0 mesm Criassep, por cultura visual, enqua
e trabalharam em uma época na qual as barreiras entre so-
sua vez novos problemas que lhes são próprios. l
ciedade e cultura pareciam estar se dissolvendo (ver p.42-3). A
i -A preocupagdo com a teoria € uma das Características 4:
do filósofo-: cas dis- razão para discutirmos aqui os teóricos não é convencer os lei-
tintivas da NHC. Por exemplo, as idéias
aplicá-las ao pas-
alemio Jiirgen Habermas sobre a ascensdo da “esfera
sut.]ol“’go tores a aceitarem suas idéias e simplesmente -
sado, mas encorajá-los a testar as teorias e, ao fazê-lo, investi
burguesa na França e na Inglaterra do século xvIm pmgub«hmu tualizar antigos.
uma batelada de estudos criticando-as e qualificando—asmmm gar novos temas históricos ou reconcei
bém ampliando-as para outros períodos, outros países, SEm
grupos sociais (mulheres, por exemplo) e novos campusl;:v?j
As vozes de Mikhail Bakhtin
vidade, tais como pintura ou música. A história dos jornais, .
particular, desenvolveu-se em resposta às teses de l-labermra:rxn ais do
Mikhail Bakhtin, um dos teóricos culturais mais origin
Também a idéia de Jacques Derrida de “suplemento”, o menos fora
século XX, foi descoberto pelos historiadores, pelo
seu livro
papel da margem na formatagio do centro, foi empregada pe]los da Rússia, após a tradução para o francês e o inglês de
.
historiadores em diferentes contextos. A estudiosa norte-ame- Cultura popular na Idade Média e no Renascimento (1965)
a
ricana Joan Scott usou o termo para descrever a ascensiod Na Rússia, ele foi uma das inspirações para a chamada “escol
p.51).
histéria das mulheres, em que “as mulheres tanto foram acres- Tartu” de semidtica, de que fazia parte Juri Lotman (ver
ais —
centadas à histéria” como “ocasionaram sua reescrita” (a exem- Os conceitos bésicos empregados no livro sobre Rabel
e
plo das mulheres do Renascimento discutidas no capitulo3).De “carnavalizagio”, “destronar”, “linguagem do mercado”
s tantas vezes
maneira semelhante, um estudo sobre a feitigaria européiaar- “realismo grotesco”, por exemplo— foram usado
eguiamos traba-
gumenta que, no inicio da idade moderna, quando muitas pes- na NHC que hoje é dificil lembrar como cons
cren-
soas se sentiam ameagadas pelas feiticeiras, o sistema de lhar sem eles.
da
ças dependia precisamente do elemento que se tentav
a excluit! Por exemplo, em uma nova e esclarecedora abordagem
histéria da Reforma alemã e seus efeitos sobre a cultura popu-
sobre o
lar da época, Bob Scribner utilizou a obra de Bakhtin
carnaval e sobre os rituais de dessacralizagdo, argumenmndo
Quatro tedricos usadas pelos refor-
que as falsas procissdes, por exemplo, eram co-
pessoas
madores como um modo dramitico de mostrar às
Esta seção focaliza quatro tedricos cuja obra foi muns que as imagens e relíquia
s católicas eram ineficientes.
.//lmPº"ã expara os praticantes da NHC: Mi essas idéias migraram para
a
s Da França do século XVI,
qu/ºf-bªª'&h s, Michel Foucault e Pierre Bourdieu- para a his-
Inglaterra do século XVII e da história da literatura,
¢, depois analisar as Manei
dlgumas dé suas idéias principais
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72 O QUE £ HISTORIA CULTURAL?
. UMNOVOPARADIGMA? 73

tória da arte (para estudos sobre Brueghel, por exe,


Ol Entre os conceitos centrais desse estudo está o de “fron-
Goya). Já a visão de Bakhtin sobre a importância ãnplu, (Schamgrenze) e “fronteira da repugnan-
e a da Vergonha”
a penetragio da “alta” cultura pela “baixa”, espe, êª'-lbve teir :
m cia” (Pein lichkeitschwelle). Segundo Elias, essas fronteiras
meio do riso popular, corre — ou, pelo menos, míri:ª]meme foram gr;,dunlmeme se estreitando nos séculos XVII e XVIII, ex-
sem m';im?º"iªm &
se transformar em nova ortodoxia, aceita
duindo assim da sociedade educada um ndmero cada vez
% Em contraste, as idéias igualmente interessang, éo
de By, maior de formas de comportamento. Outro conceito básico f
O MLL tin sobre gêneros de fala e sobre as diferentes vºzesºs &
de “pressão. , social pelo-autocontrole”(Soziale Zwang nac
X\L ser ouvidas em um texto — o que ele chama de te podem Í
“poliglossia” ou “heteroglossia” — atrairam Pouca a}:Dh‘?lfia", Selbstzw! ang)- Um circulo mais amplo de conceitos incluil
X o”, “habitus” — termo que mais tarde Bourdieu|
reompetição
y v~ | | termos relativos, fora do mundo literário. É uma penªnçlº,ªlu
_\-0\3 sem dúvida alguma elas podem ajudar a entender o :;pn(:'qllt outamoso (ver p.76-8) — e“figuração”, o padrão.sem-.
pre mutante de relações entre as pessoa s;q
Elias ue |
comparou
C—AD“: por exemplo, como a expressão de muitas vozes diferem:Í
, uma dança.
bt 1 jocosase agressivas, altas e baixas, masculinas e feminj;
nzs—, aumadens imei i em alemão,ã no ano
Publicado pela primeira vez na Suíça,
em vez de reduzi-lo a uma simples expressão da sul bversiy
popular. de 1939, O processo civilizador despertou pouco interesse na
Mais uma vez, em uma época na qual a idéia de um ey g época, mas da década de 1960 em diante teve influência cada
lido ou unitdrio é contestada, a noção da heteroglossia vez maior sobre antropólogos históricos como Anton Blok, his-
é de
levancia óbvia para o estudo do que alguns historiadores th': toriadores culturais como Roger Chartier e mesmo sobre , y y
mam de “documentos-ego”, em outras palavras, textos escritos historiadores da arte e da ciência. O uso crescente do termo “ci- Wit
em primeira pessoa. Um dirio incluindo noticias de jornalo vilidade” na obra de historiadores de fala inglesa é um indica-
dorda importancia cada vez maior de Elias, mesmo que o co-
fi um relato de viagem que incorpore trechos de guias turísticos
f = FA an nhecimento de sua obra esteja praticamente restrito a seus A p
são exemplos óbvios de coexistência ou mesmo de diálogo
estudos sobre a corte e sobre a mesa de jantar, deixando de lado MNc
entre vozes diferentes.
os trabalhos sobre esportes, o tempo ou o contraste entre as
pessoas estabelecidas e as que estão excluídas.
críti-
O processo civilizador foi também alvo de inúmeras
Acivilização de Norbert Elias exem-
cas, por virtualmente deixar de lado a Idade Média, por
Norbert Elias foi um sociólogo que sempre se interessoupor plo, por não falar muito da Itália e de sexo, e por superestimar a
s. a su-
A explícit
influência das cortes e subestimar a das cidade
história e se preocupou com a “cultura” (literatura, músicaf um fenômeno funda-
losofia e assim por diante) e com a “civilização” (a arte da i posição do autor de que “civilizagio” é
mentalmente ocidental também acabou por parecer muito es-
cotidiana). O processo civilizador (1939), discutido no capítilo is às
1'. foi uma contribuigdo tanto para a teoria social quanto PS
tranha. Pode-se resumir a reação dos historiadores cultura
idéias de Elias dizendo que muitas vezes eles criticam sua inter-
história.

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Vi L A m q o "7 """*ee
74 Oouet HISTÓRIA CULTURAL?
UMNOVOPARADIGMA? 75
pretação da história, mas acham que sua teoria so, cia] e“‘]run]
uisa.
é muito boa como ferramentade pesq
dade”, como expressões-de-uma-dada-cultura-e-a0mesmo
forças
325= que lhe dão forma. i
Ele se definia como: “arqueó-
tempo,
,mrquc achava a obra dos historiadores superficial, sendo
0 regime de Michel Foucault necessário cavar mais .fundo para chegar as estruturas intelec-
tuais ou, cOMO preferia chamar, “redes” (réseaux) e “grades”
Se Elias enfatizava o autocontrole, Foucault chamava a . (S”'””S)' A idéia de “grades”, C.O,'no a de “filtro” intelectual, era
para o controle sobre o ey,especialmente o controle 30},: i sugerir que as estruturas admitiam algumas informações e ex-
corpos exercido pelas autoridades. Foucault— que cluíam as demais.
primeimefnf
depois historiador das i dúm Na aula inaugural A ordem do discurso (1971), apés sua
Filósofo e se tornou historiador,
que se tornou historiador social — fez sua reputação com m:: indicagdo para uma cadeira sobre “a histéria dos sistemas de
série de livros sobre a histéria da loucura, da clínica, dos siste- pensamento” no College de France, Foucault definiu seu obje-
mas intelectuais, da vigilância e da sexualidade. No Quese re. tivo como o estudo do controle do pensamento, incluindo os
fere 2 NHC, trés de suas idéias tiveram especial influência, modos como certas idéias ou temas são excluidos de um sis-
Em primeiro lugar, Foucault foi um critico severo das in. tema intelectual. De seus quatro estudos mais substantivos,
terpretagdes teleoldgicas da histéria em termos de progresss,
trés estão preocupados com a exclusão de certos grupos (loucos,
criminosos e desviantes sexuais) das ordens intelectuais e so-
evolugdo ou crescimento da liberdade e do individualismo,
ciais que se viam por eles ameagadas.
apresentadas por Hegel e por outros fildsofos do século XX e
Em contraste, A ordem das coisas (1966) trata das catego-
que muitas vezes, na pratica cotidiana dos historiadores, eram rias e dos principios subjacentes e organizadores de tudo o que
adotadas sem questionamento. Sua abordagem em termosde possa ser pensado, dito ou escrito em um dado periodo, no caso,
“genealogia”, um termo que ele tomou de Nietzsche, destacaos os séculos XVII e XVIIL; em outras palavras, os “discursos” do
efeitos dos “acidentes” em lugar de tragar a evolugio das idéias periodo. Nessa obra, Foucault sugeriu que tais discursos coleti-
ou as origens do atual sistema. vos, mais que os escritores individualmente, são o objeto ade-
Foucault também chamou atenção para as descontinuidads quado de estudo, o que chocou alguns leitores, mas inspirou
culturais, ou “rupturas”, por exemplo a mudanga na relagio outros. Seu conceito de discurso foi uma das principais inspira-
entre as palavras e as coisas em meados do século XVII a “inver- ções para o Orientalismo de Said (ver p.64-5). O problema para
ção” da loucura também nesse século e da sexualidade no sécil 0s possiveis seguidores de Foucault é que essa noção central Ée
XIX. Em todos esses casos, o que Kuhn chamaria de novo ”paAfl' discurso, como a noção de paradigma para Kuhn, ou a noção
digma” substituiu com relativa rapidez um outro anterior A êén de classe para Marx, é ambígua. Para colocar as coisas de ma-
fase das recentes contribuições à NHC sobre a construção al neira crua, quantos discursos havia na França do século XVIII?

ral, que será discutida mais adiante, deve muitoa Foucault. Trés, trinta ou trezentos? L
o
Em terceiro lugar, Foucault escreveu uma histéria intelec-
1 Emsegundo lugar, Foucault encarava os sistemas dªd”:.
tual que inclufa tanto préticas como teorias, tanto corpos como
Ilficação, chamados por ele de “epistemes” ou “regimes %™

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A Mot Ay mD . i
Õ que t imstória curmurar? 929 ot~
UM NOVO PARADIGMA? — 77

mentes. Seu conceito de práticas está ligado a n ma gy,


que ele chamava de “microfísica” do poder, ; ase calturais: Atéagoraa idéi.a éc campo c'ultural não atraiu muitos
OU seja, de poj hiswfi“dº"ººr mn's cspcc!allstns cn'! l.rcrnr.ura frances
a e estu-
no nível micro. As “práticas discursivas” , afirmava ele « É o conceito
ou constituem os objetos de que se fala, ¢ le, Cons. diosos da ascensão dos intelectuais consideraram
j troem
e )
análise, a cultura ou a sociedade como um mdo, e’ em últim muito esclarecedor.
| olhar” (le regard) era uma expressão da “sociedacllc :;,qu_"’nto “0
Uma teoria de Bourdicu que-teve-maior influénciaqual foium|o
processo pelo
{ moderna. i5cipling ue cle chama de “feprodugio Cl-lllul’:l\7,
grupo como por
exemplo-a_burguesia francesa, mantém sua
que
posição na sociedade por meio de um sistema educacional
\J. Em Vigiar e punir (1975), o autor apresentava Uma s
! sériedo
V paralelos entre prisões, escolas, fábricas, hospitais na verdade selecione
parece ser autônomo e imparcial, embora
. comoinstituições produtoras de “corpos dóceis”. A o: Ql{nr:éis que lhes são
paraa educação superior alunos com as qualidades
espacial das salas de aula, por exemplo, assim como a ãªm;',%iº naquele grupo social.
inculcadas desde o nascimento
N dos quartéis e das fábricas, facilitava o controle pela vios'lgfln,os Outra contribuigdo importante de Bourdieu é
sua “teoria
s”. Reagindo
: Numa passagem famosa, ele descreveu o “panóptico” g;anqa, da prática”, especialmente o conceito de “habitu
regras cul-
V o uma prisão ideal preparado pelo reformador do sêlclljslª:g(d' contra o que cle considerava uma rigidez da idéia de
1< -* Jeremy Bentham, concebido de tal modo que as autoridades : comotas
obra de estruturalis Lévi-Strauss, Bourdieu]
tarais na
sus-
diam ver tudo, mantendo-se elas préprias invisiveis, * “examinou a pratica cotidiana.cm-termos-de-improvisagia
cultural
fentada numa E;t/n;gurra, de esquemas inculcados pela
ões que ele
fantona mente como no corpo (entre as express
. O termo
Os usos de Pierre Bourdieu usava estão schéma corporel e schême de pensée)
Panofsky
“habitus” foi tomado do historiador de arte Erwin
Diferentemente de Elias e Foucault, Bourdieu, filósofo que se (que, por sua vez, o havia tomado dos filósofos escolásticos)
por
transformou em antropólogo e sociólogo, não escreveu histó- para designar essa capacidade de improvisação.? Na França,
e com
ria, embora tivesse um bom conhecimento do assunto e fizesse exemplo, segundo Bourdieu, o habitus burguês é coerent
de educa-
muitas observações perspicazes sobre a França do século XXX as qualidades valorizadas e privilegiadas pelo sistema
ia são bem-su-
No entanto, os conceitos e teorias que produziu em seus estu- ção superior. Por essa razão, os filhos da burgues
almente”.
dos, primeiro sobre os berberes e depois sobre os franceses, são cedidos nos exames, parecendo fazê-lo muito "natur
tirada
Bourdieu usou bastante uma metáfora abrangente
de grande relevância para os historiadores culturais. Incluemo
conceito de “campo”, a teoria da prética, a idéia de reprodugio da economia e analisou a cultura em termos de bens, produção,
mercado, capital e investimento. Suas expressões “capital cultul
cultural e a noção de “distinção”.” cotidiana d
ral” e “capital simbólico” entraram na linguagem
O conceito de “campo” (champ) — literdrio, lingistico alguns historiador: Í
sociólogos, antropólogos e de pelo menos
artistico, intelectual ou cientifico — refere-se a um dominio õ Bourdieu também empregou a metáfora militar de “estra
autdnomo que, em dado momento, atinge a im:lelªº"dê"dZ fm eses
uma determinada cultura e produz suas próprias convengoes tégia”, não apenas em sua análise dos casamentos campon

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78 Oou { INISTORIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? 79
an
mas também nos estudos sobre a cultura, Qu
a q doay,, paradoxalmente, 2 histéria t':las préticas é uma das áreas dos
não investe seu capital cultural de maneir
ue e g =
vantagens, ela emprega estratégias de distinçã 0, usang , À
escritos histéricos recentes mais afetadas pela teoria social e
cultor al. Wemva das Prancas, Norbert Elias, cujo inte-
sica de Bach ou Stravinsky, por exemplo, como fo m resse pela história das :'nem.enras à mesa parecia excéntrico há
iar de gr up os que co ns id er a “in feriores” Ema dªª!d;.
ferenc 0, agora esta solidamente
diferença leªl:ij 0 ol pouco tempo, & Ã balho de Bourdieuinserido
sob na corrente prin-
Bourdieu: “A identidade social está na a distinção inspi-
ql;e n ferenm; O trabalho de Bourdieu sobre
afirmada contra aquilo que estd mais perto, Wêias.
rou muitos estudos a respeito da histól"ia do consumo, en-
CPresenta,
maior ameaça.” quanto à idéia de Foucault s?l?re uma sociedade disciplinar
em
Como no caso de Elias, não foram as teorias rel, ª'ivªmmu ue eram adotadas novas préticas para reforar a obediéncia foi
do mundo.
abstratas do campo ou da reprodução que atraíram s histor; ªdapmda para estudar outras partes
ssls;on..
dores culturais, mas sim as contundentes obsgwªçõc Em Colonising Egypt (1988), por exemplo, Timothy Mitchell
almente a busca ou q: ey usa tanto Foucault como Derrida em sua discussão sobre
as
estilos burgueses de vida, especi
mbém tem a]gca:fllfh: conseqiiéncias culturais do colonialismo do século XIX. Com
pela “distinção”. A teoria geral, porém, ta
recer aos historiadores desejem não apenas dºsºrevc,%
que Foucault, Mitchell aprendeu a discutir o “olhar”
europeu e a

im analisar. Ainda que criticada como muito dªlºrminis;n:: buscar paralelos entre o desenvolvimento de diferentes domi-
nios, como 0 exército e a educagdo, com foco, em ambos os
{)rcdudonisra, ela nos obriga a reexaminar nossas Suposições casos, na importancia da disciplina. De Derrida vem a idéia do
tanto sobre a tradição como sobre a mudança cultural, significado como “jogo da diferença”, central em um capítulo
Juntos, esses quatro teóricos levaram os historiadorescul- que trata do efeito da imprensa, introduzida por volta do ano de
turais a se preocuparem com as representações e as pratics,o 1800, sobre a prática da escrita.
dois aspectos característicos da NHC segundo um deseuse A história da linguagem, mais especialmente a história da
res, Roger Chartier. fala, é outro campo que a história cultural das práticas está co-
meçando a colonizar, ou, mais exatamente, a partilhar com os
sociolingiiistas que têm sentido a necessidade de dar uma di-
Práticas mensio histérica aos estudos da linguagem. A polidez é um do-
minio da fala que atraiu os historiadores culturais, enquanto
o insulto os atraiu ainda mais.”
a
“Práticas” é um dos paradigmas da NHC: histór piic
dasia
A pritica religiosa há muito vem sendo uma preocupagio
religiosas e não da teologia, a históriada fala e não da lingif: dos historiadores da religião, mas o crescente volume de traba-
tica, a história do experimento e não da teoria cientifica. G lhos sobre meditação e peregrinagdo (hindu, budista, cristd ou
a essa virada em diregdo as pra’tica:;,' a histéria do esporte Q mugulmana) sugere uma mudanga de ênfase. Ruth Harris, por
antes era tema de amadores, tornou-se profissionalilªdªrw" exemplo, vé a peregrinagio a Lourdes em seu contexto
politico,
Joi™®
campo com suas próprias revistas, como International como um movimento nacional de peniténcia que começou na
for the History of Sport.

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80 — O QUE É HISTORIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? 8z
década de 1870 como reação à derr
ota
franco-prussiana. Sob a infl da França p, ” apareceu naq uela década. O foco principal estd no que foi des-
uência de antropólogos como a
Turner (ver p.52-3), as Peregrinações têm sido estud r:º y: a “cultura da coleção”. Os académicos vém estu-
, Victor
rituais de iniciação e como fen cito m e era colecionado (moedas, conchas e assim por
émenos liminares, Os ó - mo
tes 530 vistos como se estivessem dundo º cgíosofia ou psicologia do ato de colecionar, a organi-
suspensos entre sey I:namqm_ dial.“e], : .oleções, suas categorias básicas (a teoria subjacente à
tidiano e o mundo em que desejam
entrar, abandonanq o 27 s cfinalmentc, o acesso às coleções, em geral de proprie-
péis sociais normais e fund
indo-se na comunidade
A }}i?téria da vi’agem é per:g:;xs E;ª' Pr;magjs;da antes da Revolução Francesa, mas que desde então
ainda outro exemplo do
uma pratica que está passando esrudt de Í: tzrl:\aram cada vez mais públicas."?
por uma espécie de boom, mar-
cado pela fundação de revistas Como estudo de caso nesse campo, polde ser É:sclarecedlor
especializadas, como o ]om;ml deixar o Ocidente e ir para a China do perlodf) Ming, descm'a
Travel Research, e pela Publicaç ;f
ão de um número cada vez
maior de livros monográficos ou por Craig Clunas em seu livro Supzrfluo.us Thmg.s (1991). O tí-
coletivos. Alguns desses tra- tulo vem de Treatise on Superfluous Things, escrito no comego
balhos estã o especialmente preocupados com
todo da viagem, as regras do jogo. Tratados
a arte ou o mé- do século XVII pelo nobre e estudioso Wen Zhenheng. O ponto
sob esse aspecto central é que a preocupagio com o supérfluo constitui o sinal de
vêm sendo publicados na Europa desde o final
do século XVI, que a pessoa pode se dar ao luxo de ndo se preocupar com o ne-
aconselhando seus leitores a copiar epitáfios em igrejas
e cemi- cessário, em outras palavras, de que pertence a uma elite, a uma
térios, por exemplo, ou a pesquisar as formas de governo e as |
“classe ociosa”.
maneiras e costumes dos lugares visitados.!! O tratado de Wen faz parte de uma tradição chinesa de li-
A história das práticas vem tendo impacto sobre campos vros sobre o conhecimento do bom gosto que discutem temas
relativamente tradicionais da história cultural, como o estudo como o modo de distinguir as antigiiidades genuínas das falsas,
do Renascimento. O humanismo, por exemplo, costumava ser ou como evitar a vulgaridade (o exemplo típico são as mesas or-
definido em termos de suas idéias-chave, como a crença na namentadas com dragões de madeira). Utilizando Bourdieu,
“dignidade do homem”. Hoje, é mais provável que seja Clunas argumenta que “a constante afirmação da diferença
defi-
nido em termos de um conjunto de atividades, como a cópia entre as coisas no Treatise é nada mais nada menos que uma
de inscrições, a tentativa de escrever e falar no estilo de _Cf' afirmação da diferença entre as pessoas como consumidores de
cero, o esforço para eliminar de textos clássicos as corrupções coisas”, particularmente da diferença entre os nobres dedicados
introduzidas por gerações de copistas e o hábito de colecionar 20 estudo e os novos-ricos.
moedas antigas.
: À guinada para a história das práticas cotidianas é ainda
As coleções são um tema da história das práticas que am mais óbvia na história da ciência. Antes vista como uma forma
os historiad -arte e da ciência e as equipes.de galerias º d'e história intelectual, agora está mais preocupada com o sig-
museus)The Journal of the History of Collections foj fundado nificado de atividades como a experimentação. A atenção vem
em19, E um grande número de estudosimpo:
2787, s sobreém05 sendo deslocada dos indivíduos heróicos e suas grandes idéias
‘gabinetes de curiosidades”, museus e galerias de arte tam ê Paraag mudangas nos métodos do que Thomas Kuhn chamou

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82 O QUE E HISTÓRIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? 83
de “ciência normal”, encontrando lugar para
incluir as «
- que fize
buigd:es dos artesãos : ) ontri.
ram os instrumentos d“"n’fimn mentou que a ascensão, no século XVIII, da história das ma-
dos assistentes de laboratério que, na verdade, realiz, SE iras e dos costumes e da “história da sociedade”, inclusive a
ã
experimentos."? aram os nfl:óriª das mulheres, em detrimento da história política e mi-
1}:::1—, foi em parte uma reação a crescente feminizagio do pú-
XV Ubos ºyll«—i( P \’Q\"Q" o blico leitor.
A historia da leitura No Ocidente, 0s tópicos correntes de interesse e debate na
histéria da leitura incluem trés mudangas ou deslocamentos
Uma das formas mais populares da aparentes: da leitura em voz alta para a leitura silenciosa; da lei
histéria das priticas éa histé-
Tia da leitura, definida, por um lado, tura em piiblico para a leitura privada; e da leitura lenta ou in.
em contraste com a his-
tória da escrita, e, por outro, com tensiva para a leitura rdpida ou “extensiva”, a chamada “revo.
a precedente “história do
livr o” (o comércio de livros, a censur lução da leitura” do século XVIIL
a e assim por diante). À
teoria cultural de Michel de Cer Argumenta-se que, como o crescente niimero de livros
teau (discutida adiante, 3
Pp-1
02-4) enfatiza o novo foco sobre o papel do tornou impossivel para qualquer individuo ler mais que uma
leitor, sobre mu- fração do total, os leitores reagiram inventando novas taticas,
danças nas práticas de leitura e nos “usos cult
urais” da imprensa, como selecionar, pular partes ou consultar o sumério ou indice
Historiadores da leitura como Roger Charti
er originalmente para obter informações de um livro sem ter de lê-lo do comego
avançaram em linhas paralelas à crítica literári preo
a cupada com ao fim. A énfase sobre uma mudanga súbita talvez seja exage-
}a “recepgio” das obras de literatura, mas após alguns anos
os dois rada, e é mais provável que os leitores usassem mais de um des-
R{grupos tomaram conhecimento um do outro."
ses diferentes estilos de leitura, segundo o livro ou a ocasio.’”
As reações dos leitores aos textos, estudadas por meio
de No entanto, os anos em torno de 1800 foram um divisor de
suas anotações à margem e de seus sublinhados, ou, no caso do
Menocchio, de Carlo Ginzburg, discutido anteri dguas na histéria da leitura, pelo menos na Alemanha. E o que
ormente (ver argumenta um estudo bastante original que examina — entre
P-62), pelos interrogatérios da Inquisição, tornaram-se um tó
Outros aspectos — as mudangas na iluminagdo, na mobilia e na
Pico popular de pesquisa. Por exemplo, as muitas cartas escritas
Pelos leitores para Jean-Jacques Rousseau após a publicação de Organizagio do dia (dividido mais claramente que antes em
horas de trabalho e horas de lazer), bem como a ascensdo
Seu TomanceA nova Heloísa foram estudadas por Robert Dªfn' de um
modo mais enfático de leitura, especialmente no caso das obras
ton. Esse antigo exemplo de cartas de fãs está cheio de referén- de ficgio16
cias às lágrimas provocadas pelo romance.
_Historiadores do Leste da Asia e do século
Há também um corpo de trabalhos sobre s leitoras e set xx também
estão se voltando para a histéria da leitura, adaptando a meto-
8ostos literários. John Brewer analisou o diário — que Se esª—
tende por 17 volumes — de uma inglesa do século Xvi, An,:s .D ºg'lª Para estudar os sistemas de escrita e os gêneros literá-
Tios Japoneses, por exemplo, ou
o impacto da ascensdo do
Margaretta Larpent, observando “sua predileçã ;“9 ;r;ªgº no sistema russo de produção de livros na década de
o p (?r éuwªr,
mulheres e por obras com protagonistas femininos”- Jise

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84 O QU [ HISTORIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? 85
Representações
e (ver P—lº?'lº)',y'z.ª e'XI—)rÍÍSãU mais comu_mf
the history
Certa vez, Michel Foucault
criticou os hismriadores
sentations (“a história das representações”).
chamou de sua “idéia empobrecida do real I ,,frc,vfºms formas de representagio — sejam elas literárias, vi-
”, que nãºpj ? que
lugar para o que é imaginado. Desde então, muitos impo eixava 'Tarul mentais — foram estudadas nas últimas duas ou três
historiadores franceses reagiram
s‘fals . ue mesmo uma simples lista transformaria esta seção
a essa Provocagio, Ex"flnte;
famoso desse tipo de história dEMdª?tZ!o. Há histórias das representações da natureza, como
é o livro As três ordens a B;Án ;:;:l;ªf,,d the Natural World (1983), de Keith Thomas, que ma-
historiador francê o
s Georges Duby, um estudo
sobre ag dmf, b peiaas mudangas nas atitudes inglesas entre 1500 e 1800, enfa-|
tindias que cercam a con
strugio da famosa imagem tizando a “revolução” que tirou os seres humanos do centro d
da sociedade com mediecí
o composta por “três estados”: os que
l'ezan: mundo natural e a ascensdo do amor pelos animais e pela natu-
os que lutam e os que trabalham
(ou lavram) — em outraspa.’ reza selvagem.
lavras, o clero, a nobreza e o “terceiro est
ado”. Duby apresenty Além disso, existem histórias das representagdes da estru-
essa imagem não como simples reflex tura social, como a dos trés estados, de Duby; representações
o da estrutura social me.
dieval,mas como uma Tepresentagio, com do trabalho, incluindo as mulheres trabalhadoras; representa-
o poder de modificar
a realidade que parece refletir. ções das mulheres como deusas, prostitutas, mães ou feiticei-
Outra contribuigdo para histéria do que ras; e representagdes do “outro” (dos judeus pelos gentios, dos
os franceses cha-
mam de l'imaginaire social (o imagindri brancos pelos negros e assim por diante). Imagens literérias e
o social, isto é, qualquer
coisa que seja imaginada, mais do que o
puramente imagindrio) visuais dos santos tornaram-se um importante foco de inte-
é o livro de Jacques Le Goff, O nascimentodo purgat resse na histéria do catolicismo na década de 1980. Como ob-
drio (1981).
Le Goff explica a ascensão da idéia de purgatério na Idade Médi servou um dos primeiros estudiosos do assunto, “a santidade,
a talvez mais que qualquer outra coisa na vida social, está no
—relaciona35nd mudo=
angaas nas concepgdes de espago e tempo.
—HeGofframbém foi um dos estudiosos que lan ol bservador”.2º. ,
garam a Fistórix Represenmh:ons é pfítulo de uma revista interdisciplinar
dos sonhos, no comego da década de 1970, inspirado pelo
s s estudos fundada em Berkeleyêm 1983. Entre as primeiras contribui-
sobre os sonhos realizados por antropélogos e soc
ilogos.™ Os §6es que recebeu estão artigos do crítico literário Stephen
trabalhos sobre visões e fantasmas também
foram encorajados Greenblatt sobre imagens dos camponeses alemães
pela nova Preocupagio com o papel ativo da imaginagio, enfati- do século
zando as combinações criativas de elementos
XVI, da historiadora da arte Svetlana Alpers sobre a leitura
oriundos de pintu- que Foucault faz de um quadro de Veldzquez, e dos
Tas, contos populares e rituaj historia-
s,! dores Peter Brown (sobre santos), Thomas Laqueur (sobre fu-
Em inglés, pelo contrario, a expressio the history of imo-
&ination (“histéria da imaginação”) ainda não estd plenamentt verais) e Lynn Hune (sobre a “crise de representagdes” na
Revolução Francesa).
estabelecida, apesar do sucesso do estudo de Benedict A“ essa :i (i)ªíªmpo literário, Oriental í.sma, de Said, estz':lpreoalxlpadº
derson, em 1983, sobre as nações como “co
munidades imagin*" mente com representações do chamado “outro”, em

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86 — O QUE E HISTORIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? — 87

particular imagens do “Oriente”


no Ocidente, Com, ..roriadores da arte reagiram ao livro de Said na dé-
os estudos sobre a histéria das
Vi lagens muitas Vezeso jáfo, foi
caliza
ito, Os histor! s historiadores da música, na década de 1990.
as maneir as estereotipadas pela de 1980'-; ºa esar de seu entusiasmo por ópera, esperou
é percebida e descrita e o “olh qual uma cultura
ar” do viajante, g não ¢+ Miliigy róprio Sald;,;r :ua propria contribuição a essa área: uma dis-
olhar imperial, o feminino,
o Pitoresco e outr o de Verdi, em que sugere que a obra confirma
mostrar que alguns viajan y
tes haviam lido sobreson
nele porem os pés, e, ao chegar, viram ::;:- Pºde.s._, imagem oci
a imag ;
co, distante e antigo,
o que hayj antes de onde os europeus podem os-
À
a esperar. am aprendido mentê exóti "n
.
poder” . .
Os relatos sobre a Itália feitos tentar ¢ erto
Por Viajantes Dois estudos recentes aprofundam ainda mais esse tema,
o
nos séculos XVII e XVII são exemplos marcan
tes ;ª"ªngeims ndo para suas complexidades. O trabalho de Ralph Locke
aPanlª5 ansão e Dalila, de Saint-Saêns, observa que o mundo
Pia, repetindo lugares-comuns da
sobre, por exemplo, :s *;s'erecri.
de Nápoles, homens pobres que ;:LZ foi identificado com o ç)rientre Médio do século XIX, per-
se deitavam ao sol, Sem sy
aparen-
temente fazer nada. O topo do
mundo virado de cabe, mitindo ao compositor dar à sua ópera Élguma cor local, ou,
bai xo tem atraido os viajantes des
de os dias de Heródotcfªc:m mais exatamente, um som local. Saint-Saéns apresenta o outro
uma maneira de organizar suas observ — especialmente o outro feminino, Dalila — de maneira con-
ações. Por e xemplo,
to oo
puritano escocês Gilbert Burnet, bispo de Salisbur vencional, como assustadora e sedutora, mas lhe dá também
y, viu a Itália uma grande ária roméntica, subvertendo assim “o binarismo
por onde viajou na década de 1680, como uma
terra de supers—' caracteristicamente orientalista do enredo dessa ópera”22
tição, tirania, ociosidade e Papismo, em out
ras palavras, exata- O estudo de Richard Taruskin sobre o orientalismo musical
mente o oposto do Iluminismo, liberdade, diligência e protes-
na Rússia do século XIX revela um paradoxo. Evocagdes de mú-
tantismo que ele atribuía à Gra-Bretanha.
sicas exdticas como “Nas estepes da Asia Central”, de Borodin,
ouas “Dangas das jovens escravas persas”, de Mussorgsky, su-
poem uma oposição bindria entre o russo e o oriental (homem e
Orientalismo na música mulher; senhor e escravo). No entanto, quando Diaghilev levou
essa música a Paris, o público francés achou que tais sons orien-
Para um estudo de caso na história das representações, pode- tais fossem tipicamente russos.?
mos abordar sobre a musicologia, outra disciplina em que al-
guns praticantes agora se definem como historiadores cultu-
Tais. A maneira pela qual alguns musicólogos reagiraml - Ahistdria da memória
Orientalismo, de Said — estudo escrito por um crítico literário
einspirado por um filósofo — oferece uma ilustração clara dos Outra forma de NHC que atualmente passa por um surto de ex-
contatos interdisciplinares, ou “negociações”, que ocorrem sob Eª"ªªº é a história da memória, algumas vezes descrita como
memória social” ou “meméria cultural”. O interesse acadê-
o amplo guarda-chuva da história cultural.

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88 — O QUI T HISTÓRIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? — 8g
mico pelo tema foi revelado € encoraj
entre 1984 ¢ 1993, dos sete volumes jado
publicad(ie;; ͪ";]ªlnenln jmpre
ada pelas escrituras, as rn:lgmérias da persegui'gio da co-
0 ¢ it . restante pelos catélicos foram contaminadas ou
munidade p;ºdas or histórias bíblicas de perseguição ao povo
mesmo moi] " ªndpg mesmo às marcas feitas na porta das casas
como o Panthéon, Por
préticas como a COme ºswlhid%«: :tges deveriam ser massacrados. Lendo o relato de
mada da Bastilha no dia 14 de moracj, cujos hal
julho, e assim orr:ili(raº dé :{;;fcil não pensar no Holocausto, aconteci-men.to trau-
traste, até hoje foram . Jova mbém lembrado em uma estrutura bíblica, já que o
muito menos numero
a amnéfía social ou cul sl :s as e i
tural, um aspecto mai
s csq ulj mmfya”:olowusto” significa “queimar a oferenda””
menos importante. ):Zq
mmpa mesma forma, as memórias britânicas dos sofrimentos
Projet '
os coletivos e de muitos vo nas trincheiras da Primeira Ctuerra Mundial foram moldaíldas
Nora, foram desde então lumes, i
publicados na Irãlli por lembrangas de É) peregrino, (Éle ]ohn,i?unyam,- um livro
tros Jugares. Mais que os livros ainda muito lido na época. Como disse o crítico americano Paul
, filmes e Programas de
mostram, há um forte teleyg;
interesse popular pelas
memón'aí ;: ” Fussell, “as experiências do front pareciam estar disponíveis
n_caf. Esse interesse cad para a interpretação quando se percebel-l que partes delas se pa-
a vez maior provavel
ção a aceleração das mudangas me nte é uma :‘0'
sociais e culturais que amea reciam muito com a ação de O peregrino, assim como a lama
as identidades, ao Separar o m das trincheiras se assemelhava ao Lodaçal do Desespero. Por
que somos daquilo que fomos
um nível mais específico, o cr É: sua vez, as memórias da Segunda Guerra Mundial foram con-
escente interesse por memén'a's do
Holocausto e da Segunda Gu dicionadas pelo conhecimento da Primeira Guerra.26
erra Mundial ocorre em um
tempo em que esses acontecimentos tra Esses exemplos do efeito dos livros — provavelmente lidos
umáticos estão dei- |
xando de fazer parte da memória em voz alta e em grupo — sobre os processos de memória são
viva.
Como a história da viagem, a história notáveis, mas é claro que esta não é transmitida ou moldada
da memória é um apenas pela leitura. A Irlanda de hoje, do Norte e do Sul, é
campo que revela com rara clareza fa-
a importância dos esquemas
ou estereótipos, já destacada pelo psicól mosa — alguns diriam mesmo notória — pelo poder das me-
ogo Frederick Bartlett mórias de acontecimentos passados, reforçados pelo trauma
em seu livro Remembering (1932). À medida da
que os aconteci-
mentos retrocedem no tempo, perdem algo de sua espec guerra civil, evocados por lugares como Drogheda e Derry
ifici- e
dade. Eles são elaborados, normalmente de forma inco Teencenados nas paradas anuais das ligas de Orange e
nsciente, da Antiga
€ assim passam a se enquadrar nos esquemas gerais corrente Ordem dos Hibérnicos. Nos muros de Belfast, pixações
s exor-
na cultura, Esses esquemas ajudam a perpet m 0 passante: “Lembre-se de 1690.”
uar as memorias, Nesse contexto irlandês, a famosa observação
sob custo, porém, de sua dist de Geertz
orgdo.
Tomemos o caso dos protestantes do sul da Franga, por sobre a "'hístória que eles se contam sobre si mesmos” parece
exemplo, estudados por um historiador que :::ªf:;ªlri'ºª ‘(Yer p.52). Çatólicos e protestantes Fão corjtam as
faz parte dessa - istórias para si mesmos. Um lado erige
munidade, P hilippe Joutard. Ele mostra como, em uma cultur2 estátuas, o
Outroas derruba, seguindo o que já foi descrito como uma “bem

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P-
90 — O Qu [ NISTÓRIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? 91
estabelecida tradição de desc
nmcmomçãn explosiva”
mórias de conflitos também são conflitos de nl:e ;alistas em históriado vestudrio e do mobilidrio,
que há
,:yí! om pecialista s}',;,mitrabalhando,nessa,a a, Os historiadores da re-
No interior de cada comunidade
religiosa, a ºznn. Tnuito V";a&,b]o, tém dado maior atenção
as mudangas no
Geertz ainda pode ser válida, mas é ncccssu‘rilo fa75 “ligiao, P! )
ºfvn€ãode
pergunta social: “De que memória est mobilidriDo das igrejas como indicadores de transformagio nas
amos fnland(;;: * Grande rudes religiosas. Na década de 1960, o historiador social bri-
e mulheres, ou a velha e
a nova Beração, podem não a‘nt_ll ¢ Asa Briggs escreveu livros como
do passado da mesma man Tªme,., Victorian People e
cira, Em uma dada culrusrc
mórias de um grupo podem Tm :/a,:;::ian Cities. Em 1988,lsua virada cultlfra] foi feve[ada pela
ser dominantes, e as dcq:;:s publicação de Victorian Things, embora o livro estivesse plane-
bordinadas, como no caso de "
vencedores e derrotados gmm". |
guerra civil — na Finlândia de 191 jado muito tempo antes.
nha de 1936-9.
8, por exemplo, *
ouna Epe Mesmo os historiadores-dalivoltetarra se ra
am-tu para
essa direção, estudando pichações ou comparando sonetos a mi-
niaturas, tomando ambos como demonstrações privadasde
amor.
O neozelandês Don McKenzie, que redefiniu a bibliogra-
Cultura material “fia como forma de histéria cultural em seu Bibliography and
the Sociology of Texts (1986), chamou atenção para a necessi-
Tradicionalmente, os historiadores culturais
atribuiram menos dade de estudar as “formas materiais dos livros”, “os detalhes
atenção a cultura material que as idéias, deixando sutis de tipografia e diagramagio”, argumentando que elemen-
aquele campo
aos historiadores econémicos. As paginas que Norbert Elias tos ndo-verbais, entre eles “a prépria disposição do espaço”,
de-
dicou à histéria do garfo e do lengo em seu livro sobre o pro- eram portadores-de significado. Na linguagem do teatro, outro
cesso civilizatério eram incomuns naquele tempo. Por sua vez tema de interesse para McKenzie, pode-se dizer que a aparén-
os historiadores econdmicos costumavam deixar de ladoso25 ¢a fisica da pagina impressa funciona como uma série de deixas
pectos simbélicos de alimentos, roupas e habitagdes, exami- para os leitores, encorajando-os a interpretar o texto de uma
nando em vez disso os niveis de nutrigio e a parcela da rends maneira e não de outra.
individual destinada a diferentes bens. Até mesmo o famosoes- AÀ maioria dos estudos sobre cultura-material-enfatiza-o
tudo de Fernand Braudel sobre o comego do mundo modemo, wúo de temas — alimentos, vestuário e habitagio — e —
Civilização material, economia e capitalismo muitas vezes focaliza a história do cons e o lugar
um da o
imagi-
(1979) — m:
Para usar suas préprias palavras, civilisation nmfin't'”E-; ã Tação, explorado pela publicidade,-no-estímulo-ao-desejo-por-
ser criticado — e o foi — por essa bens. À relação entre a “cultura do consumidor” de hoje e o in-
mesma razão, apesar ebs'e teresse pelo consumo passado é óbvia, mas os historiadores
importancia como andlise comparativa do movimento deob)
tos entre diferentes áreas de cultura. €sse campo geralmente estão bem conscientes dos perigos do
«ctoriadore ânacronismo.
Nas décadas de 1980 e 1990, porém, alguns hE0E
cult
urais voltaram-se
para o estudo da culturamateri®, °== . Uma contribuição exemplar à história dos alimentos foi
À a , useus E ” €lta pelo antropélogo americano Sidney Mintz em Sweetness
vn W?&m%àoªqgmlogosfcurademd%

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Nic
92 O QuE £ Historia — 93
CULTURAL? UM NOVO PARADIGMAT

and Power: the Pl


ace of Pºfq“ª :
histéria de Mintz entava que a mudança aconteceu
é soci: xIX, €@ m m que a família ostentava sua_ riquez:
u © ?ªlw;al" O mobiliário e a decoração, espe-
çªf; '⪠É;
Para as pessoas co
muns, Pi S ;;Ílaçâ: Ír(í?sitas, apoiava a aum-ªpiªªªmã
lado, Sweetness tes. Os leitores que se lembram da imag:
and Power ¢ cultur dahl em Upsala por volta de 1900, repre-
al em
past da e de Ingmar Bergman Fanny e Alexander (?9.82.)'
gnndªf'º lemas para visualizar essas formas de exibição
ob in paralelos na Gra-Bretanha, Franga, Europa
gpulenta quêe te lugares nessa época.
E ] Central e em Outros
M novos rituais sociais,
No entanto, a casa burguesa naquele que os suecos cha-
" Rr:ch : ::] ;‘ :; :1:; :Irz;b;tls] i(sltZB?
), o historiador francés Da- de"periodo Oscar” (1880-1910) ndo era apenas um‘palco,
" À e
elas nos dizem muito sobre
Tia das roupas, por ach n bgcm um “santuário”, um refúgio contra a sociedade
as civilizagges” Códi dar e impe ssoal. Dai a crescente importancia
tudrio revelam cód
igos culturais, “Por trás p‘;;cc:da
bZ;c:‘['ªr;n partmais
nms vez iculares , taís como os quax"tos de dormir e os
serva Roche, “é possivel d;) veslfiz:j;' VE]:.
encontrar estruturas mentaj
França do século XVIII, por exemplo, con s, ’;(;\{ quartos de crianga, e a distinção cada vez mais clara entre espa-
formar-se a um cllexe: qspiblicos e privados no interior da casa.
minado código de vestuário era uma
maneira de identificar-se Vile a pena chamar a atenção para a referéncia aos espagos
como nobre, ou de tentar passar por
um. Escolher uma roupa dacasa. Pode parecer paradoxal incluir o espago na “cultura ma-
era escolher um papel naquilo que o histor
iador chama de “tea- terial', mas os historiadores culturais, como os da arquitetura e
tro indumentário” da época. Roche chega a fazer uma con
exão osgedgrafos historiadores antes deles, chegam a ler o “texto”
entre a “revolução das roupas” e a Revolução Francesa, vista deuma cidade ou de uma casa nas entrelinhas.A histéria das ci-
como a ascensão da “liberdade, igualdade e frivolidade”. Ele ddes seria incompleta sem os estudos dos mercados e das
leva a frivolidade a sério, porque o cuidado com a roupa na im- pra-
f assim como a histéria das casas seria incompleta sem
os es-
prensa feminina'do final do século XVIII significava que a moda udos do uso de seus espagos interiores.
“já não era exclusividade dos privilegiados”* mh"‘_‘g;:; ní%s teóricos d'%scutidos' anteriormer_ue
nes.tc cap_í—
Como estudo de caso da história da habitação, pode-se ltn a abermas, sobre os cafés como locais de discussão
tomar a história do antropólogo sueco Orvar Lofgren sqbrca ::úlia;⪠g;lsccªiullit, sobre ° desenho das escolas ¢ pri"sées
casa burguesa na Suécia do século XIX, em Culture Builders como
(1979). O livro combina a etnografia sueca tradicional em que tnindores para :h:“ o—tíªJu.daãam a chamar a atenção dos hl?—
““Bprivadg( masfu lr1 anu? o espaço: sagrado e pxjofano, pú-
Lôfgren e o co-autor Jonas Frykman foram for mados com
istoriadores dqn(ie eminino, e assim por diante.
idéias tiradas de Elias e Foucault. Culture Builders obs ervava 0
¢ ância”, no final do P05 nos laboratõrios (‘nfl@ncm AGora se preocupamrcom
deslocamento da “austeridade” para a “opulência”, oses-
1 nos anfiteatros de tomia,
ana enquan-
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94 — OQUEÉHISTÓRIA CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? — 95

to os historiadores do imp
ério es tudam a distril disse-
nos quartéis e barracas.
Os hist, oriadores da a buiçãão do Spagy corpos desmembrados, anoréxicos, atléticos, e_l,;
galerias de arte e muse os dos santos e dos pecadores. À revista
ista :Bodi
us não só com Tte e
Xamingp, símbolo, -.
espaços; os historiadores o inst
do teatry O estud
ituiçõe
S Mas co;
cados E M s ººrpdqdª em 1995, é um fórum para hxfmna o
culo; oshistoriadores da mus am g cas;
as de espe; and Societ¥r fund
á se dedicaram
ara livros à histéria da limpeza dos
ica exami ºwdúlggªí nl;SdoS exercicios, da tatuagem, do gesto. A histó-
de ópera e de concerto; nam o de 'senho das
en quanto os hi rpos, da ! :
desenvolveu-se a paxl'tir da histér_ia da medícina
Pprestam atenção à org storia dores da | e
aniza ção física da Ura |
s biblio, tecas, ria do corpº É dores da arte e da literatura, assim como os an
mas 05 Justor 'º'l 0s, se envolveram no que poderia ser cha-
tropólogos e sociO o an" — como se já não houvesse tantas
A história do corpo
mado dº NVimdª' Cºfiºc;)rrcm o risco de ficar tontos.
Se existe um dominio da NHC
que h oje é Ínuito Pr viadss que (:15 l:lr::/os estudos podem ser mais bem descritos
pareceria quase inconcebivel
uma 8eTagao atrás
óspero, mas que Algunív: de reivindicar outros territórios para o histm.'ia—
8amos —, este é a histéria do — em 1970,di-
co Tpo.ºº As poucas co - [Í?tíó:'ia do gesto é um exemplo óbvio. O medievalista
feitas nesse campo em década ntribuições ?:n::s ]l:cques Le Goff inaugurou o ca_mpoi um grupo interna-
s anteriores eram Po
uco conheci-
das ou consideradas marginais. cional de académicos, de classicistas a historiadores da arte, con-
Da década de 1930 em diante, tribuiu também, enquanto um ex-aluno de Le Goff, Jean-Clau-
por exemplo, 0 sociólogo-
historiador brasileiro Gilberto Freyre de Schmitt, dedicou um trabalho importante ao gesto na Idac!e
estudou a ap. aréndia física
dos escravos tal como registrada em Média. Schmitt percebeu o crescente interesse pelo tema no sé-
anúncios de fugitivos pu-
blicados nos jornais do século XIX. Observ alo XII, que deixou um corpus de textos e imagens que lhe
ou as referéncias às permitiu reconstituir gestos religiosos, como rezar, e gestos
marcas tribais que revelavam de que parte da Africa
os escravos feudais, como armar um cavaleiro ou prestar homenagem a um
provinham, as cicatrizes dos repetidos agoitamen
tos e aos sinais senhor. Ele argumenta, por exemplo, que rezar com as mãos
especificos do trabalho, tais como a perda de cabelo em homens
que levavam cargas muito pesadas na cabega. Da mesma forms, Postas (e não com os bragos abertos) e também se ajoelhar para
&a eram transferéncias para o dominio religioso do gesto
um estudo publicado em 1972 por Emmanuel Le Roy Ladurie
feudal de homenagem, ajoelhar-se diante do senhor e colocar as
e dois colaboradores usou os registros militares para estudar o
mãos entre as dele 31
fisico dos recrutas franceses no século XIX, observan#v, por
Um exemplo vindo da histéria russa mostra como &
exemplo, que eles eram mais altos no Norte e mais bax_xos no impor-
'nte prestar atenção histérica a diferenças aparentemente
Sul, diferenga de altura que quase certamente se devea diferen- pe-
Quenas. Em 1667, a Igreja Ortodoxa Russa cindiu-se em
ças de nutrição.*º duas,
: ante, ando um conselho reunido em Moscou apoiou inovações
Em compensação, do inicio da década de 1980 em di - re-
ºªmºf € excomungou os defensores da tradigdo, mais tarde
uma corrente cada vez maior de estudos conc co-
ent"‘.{“_s‘E nocsofmfl “:ednos como “velhos crentes”. Uma das questf)es_
pos masculino e feminino, no corpo como experiência € em debate
8esto de abençoar deveria ser feito com dois
dedos ou

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7” Y QUE E HISTORIA
CULTURAL?
UM NOVO PARADIGMA? — 97

a tradição filosófica que remontava a Descartes


eram com
o da mente, a idéia do “fantasma na máquina”,
eparava
esep 0 COTP'
eu galhofeiramente o filósofo inglês Gilbert Ryle.
. Besto minim : como de?aª(;' habitus, de Bourdieu, foi expressamente desig-
Importante. Três dedos significavam se, 0 Iim) Plicava U gygn f - 0 conceit® lemr o intervalo ou para evitar a oposição simples
significavam manter as Buir os gr, À nado pard o corpos.
tradições . entre mentes €
Bourdieu, , “a “a identidade
ident; . S0€S está Tussas,
social Citand 0 Majs uma e
na diferep, Vo
Qufros estudos sobre
a história do co ”
Suposições tradiciona ] cultural?
'I:he Body and Society
is. Por exemplo, 1vro embém esafiam
0 li de Peter Br
Revolução na história
(1988) ajudou ; so om
la pa d_a va_riedadeªe
Neste capítulo, tentei dar aos leitqres uma idéia
cional do édio cristão 20 r a visão Conven
corpo. O me: -
SO foi feito realização c.olenva
Fetfs! and Holy Fast (1987)
, de Caroline Bynum, discutpo;r Holy abordagens praticadas sob a rubrica N!-_IC. A
o movimento
tenorme_nte (ver p.66-7)
como exemplo de histór,ia ;Cfl das duas ou trés últimas décadas é considerével, e
Tes, n?a
s igualmente importante fldo b torna-se ainda mais impressionante quando visto como um
por sua discussão subas -.
e o alimento como meio de comuni todo. Se ocorreram poucas inovagdes de método, no sentido es-
cação. mom trito do termo, muitos novos temas foram descobertos e explo-
” Como observou Roy Porter, um
dos Pioneiros do campo,a rados com a ajuda de novos conceitos.
ra!:nda ascensdo do interesse pelo as
sunto sem dúvida a]gun’u De qualquer forma, as continuidades com relação a estudos
foi encorajada pela disseminagao da Aids, que
chamou atenção anteriores não devem ser esquecidas. A NHC desenvolveu-se a
para “a vulnerabilidade do corpo moderno”. O aumento doin- partir da antropologia histérica discutida no capitulo 3, e algu-
teresse pela história do corpo segue paralelo ao interesse pela mas de suas principais figuras, de Natalie Davis a Jacques Le
história do gênero (ver p.65). No entanto, as referências ao oo Goff ou Keith Thomas, pertencem a ambos os movimentos.
presentes nas obras dos tedricos discutidos no comego deste ca- O arquiteto suíço Sigfried Giedion escreveu um estudo pio-
pitulo sugerem uma explicação mais profunda para uma ten- neiro sobre cultura material, Mechanisation takes Command
déncia mais gradual. A discussio de Mikhail Bakhtin sobre al- (1948), em que argumenta que, “para o historiador, ndo existem
tura popular na Idade Média, por exemplo, tem muitoa ds wisas banais”, já que “instrumentos e objetos são decorréncias de
sobre corpos grotescos e especialmente sobre o que o autor des atitudes fundamentais perante o mundo”.A expressio “represen-
creveu como “o estrato corporal inferior”. Na hÍSÍOI-'la de tações coletivas” foi usada há mais de um século pelo sociélogo
Emile Durkheim, e depois, em 1920, por Marc Bloch. O interesse
Norbert Elias sobre o autocontrole, estava implícita, se não &
plicita, uma preocupação com o corpo. em “esquemas” a que nos referimos várias vezes neste capítulo
; ortes
Na obra de Michel Foucault e Pierre Bourdlª?, o-ss(ljlpmoo temonta a Aby Warburg e Ernst-Robert Curtius (ver p.21-3).
As similaridades entre certas tendências recentes e partes
filoséficos do estudo sobre o corpo tornam-s vis
e ívels ' dieu a obra de Burckhardt e Huizinga também merecem destaque.
filósofo francês Maurice Merleau-Ponty, Foucault e BT

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o
98 — O QUE £ HISTORIA CULTURAL?

Warburg e Huizinga já percebiam a relevância d,


tropológicos sobre os chamados povos “primiti e”es S d.
5
téria da Antigiiidade cldssica e da Idade Média. ‘::OI: Para, his.
é um admirador de Burckhardt e freqiiememént ffgrdcfienz ã o à c o n s t r ução
cia à sua obra, enquanto Darnton, segundo El: faz Tefergy DA rep rese
ntaç
conta, em seu tempo de repérter policial ley o liv Mesmg n
hardt, A cultura do Renascimento na Itdlia, es(gngj’ de Burg,,
péginas da Playboy na redação do jornal: “E ainda doentye,,
maior livro de histéria que ja 1i.” hog ey ?bl‘e:—
no u an te s qu e as soluções para 0s prt
A despeito dessas continuidades palpveis, seria to á ncio -se a idéia
i @ a m no vos problemas. Tome
s
c?mplo, um conceito cent:i
gar que, na última geração, aconteceu um deslocamedm
uma virada coletiva na teoria e na prética da histéria
cult::pu Úí;spresenmçã ”, por e)Ic
ns; tex. '
deslocamento pode ser visto como uma mudanga de ênfios, | w p re ce si gmfic-ar'que 1mage}
da s.ocm .
mais que a ascensdo de alguma coisa nova, uma reforma datr. sm en te re fl et em ou imitam a reahd/a e
simple muito se
dição, mais que uma revolução, mas, afinal, a maior parte d,; ent ant o, vár ios pr aticantes da NHC ha
No
essa implicação. Em de-
inovações culturais acontecem dessa maneira. sentem desconfortéveis com
mum pensare falar em “cons-
1
! A NHC não se desenvolveu sem contestações. À teoria que corréncia, tornot e co
lhe é subjacente muitas vezes foi criticada e rejeitada, não ape- '“i;{-odugfio" da Feglidade (de vconhecimento,
trução” ou
nas por empiricistas tradicionais como também por historiado- 5, identidade e
territórios, classes sociais, doengas, tempo,
res inventivos, como Edward Thompson, em uma diatribeint- assim por diante) por meio de representaçõ
es. O valor
tulada “A pobreza da teoria”, publicada pela primeira vez en e as limitações dessa idéia de construção cultural me-
1978. O tradicional conceito antropológico de cultura como recem ser discutidos em detalhe.
“um mundo concreto e delimitado de crenças e práticas" foia Em uma epigrama bem conhecida, Roger Char-
ticado com base na afirmação de que culturas são locais de cor- tier falou de um recente deslocamento “da história
flitos, e “integradas de maneira frouxa”.* social da cultura para a história cultural da socie-
a grandk
Uma teoria ainda mais controversa que subjaz dade”. Ele apresenta essa fórmula como descrição de
realidade,qe
parte da NHC é a teoria da construção cultural da certos “deslocamentos” de interesse por parte de his-
será discutida no próximo capítulo. tt?nadores na década de 1980, especialmente o distan-
f"::::'\'“:i ;Om r;lação à história social no sentido
e A’idéizsf{: "o}:-ie :esfruturas como as.classes so-
vela a influêrcia :sotgna cultural da socx-edade” re-
, sobre a NHC, do movimento do

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