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Ronda Noturna

Narrativa, crítica c verdade


em Capistrano de Abreu*

Ricardo Benzaquen de Araújo

"Como o passado deixou de lançar a sua luz sobre


o futuro. a mente humana vagueia na obscuridade"
Alexis de TocqueviHe

seca da obra de Capistrano, talvez a


1. Apresentação
mais rica contribuição individual à
reio que a decisão de fazer historiografia brasileira no período
este trabalho me forçou a cor- que se situa entre a produção de Var­
eer riSCOS um pouco maIOres
• •

nhagen e as análises de Sérgio Buar­


do que os habituais, pois nun­ que de Holanda e Caio Prado Júnior,
ca pesquisei com cuidado a época e, de outro, pela possibilidade de seu
em que Capistrano escreveu - final exame permitir a discussão de uma
do século XIX e princípio do século série de questões ligadas à chamada
XX - , nem posso me declarar um es­ concepção moderna de história, realis­
pecialista no estudo da historiografia, ta, factual e narrativa, concepção que.
área em que a maior parte dos textos entre nós, parece-me ser mais pratica-
• •

deste aulOr pode ser localizada. da do que efetivamente analisada.


Entretanto, tenho a impressão de Gostaria de acrescentar que a con­
que vale a pena enfrentar este desafio, junção dos fatores mencionados -
de um lado, pela importância intrín- meu relativo desconhecimento do as-

•O presente texto foi elaborado por mim enquanto pesquisador do Centro de


Pesquisa e Documentação de Hist6ria Contemporânea do Brasil com vistas à sua apre­
sentação no curso oferecido pelo professor Otávio Velho no Museu Nacional/UFRJ
durante o primeiro semestre de 1986, a quem devo agradecer o estímulo, a orientação
e o processamento de uma leitura extremamente criativa e atenta. Foi também exposto
em dois outros eventos: no seminário dirigido pelo professor Luiz Costa Lima na
Fundação Casa de Rui Barbosa e no Grupo de Trabalho Pensamento Social no Brasil
da X I Reunião da AN POCS. realizada em Águas de São Pedro (SP) em outubro de
1987. Em diferentes oportunidades foi discutido por colegas e amigos. em especial por
limar R. de Maltas. Marcos Veneu. Lúcia Lippi de Oliveir.a e Ângela Maria Castro
Gomes. aos quais quero ex.pressar o meu mais profundo reconhecimento pela paciência
c pelas sugestões. esclarecendo que as observações que não tiveram condições de ser
incorporadas continuam vivas na lembrança e poderão ser utilizadas mais adiante.
ainda que em um novo I.!studo.
Este trabalho é dedicado â memória d� Fernl:lndo José Lc:il� Costl:l

F.)'tfltlos His/6rit'C.IS. Riu de ("nclru. 11 I. 1988. P 28·5�.


RON DA NO T U R NA 29

sunto e a relevância do pensamento de estabelece um "espaço de experiên­


Capistrano - fez com que adotasse cias' (cf. Koselleck, 1985, p. 267)
uma estratégia extremamente pruden· onde podem ser reunidos exemplos,
te no que se refere ao encaminhamen­ histórias excepcionais, extraordinárias,
to do trabalho, levando-me a investigar exemplares, em suma, capazes de for­
de maneira mais intensa somente dois necer orientação e sabedoria a todos
textos do autor e, mesmo assim, sem os que dele venham a se aproximar.'
ter a pretensão de abarcá-los em sua Temos. em decorrência disso, uma
totalidade. Além disso, procurei fi­ formulação ética e pedagógica da his­
xar-me em apenas um dos problemas tória, resumida na velha expressão la­
suscitados pela concepção moderna de tina de Cícero: "História magistra
história, utilizando-o como uma es­ vitae" - história mestra da vida.'
pécie de "fio condutor" para que, Esta formulação supõe uma crença na
através do estudo daqueles textos. unidade essencial do gênero humano,
pudéssemos chegar a um primeiro en­ único argumento capaz de validar a
tendimento desta concepção. organização da história como se ela
fosse um palco no qual um conjunto
aberto, mas altamente selecionado de
2. Classicismo 8 história
cenas, sem uma articulação necessá-
na entre SI, sena continuamente re-
• • • •

Antes, porém, de entrar mais di­


retamente na discussão dessas ques­ presentado em prol do aperfeiçoa­
tões, torna-se necessário fazer uma mento político e moral dos seus
breve referência à concepção clássica expectadores. Um procedimento como
de história, que antecede e se opõe à este vai envolver indubitavelmente a
moderna, para que, mais adiante, te­ história com a tradição e com a me­
nhamos condições de tentar explorar mória coletiva, numa associação que
o contraste que pode ser estabelecido praticamente desconhece a diferença
entre os dois modelos. entre o passado e o presente e man­
A concepção clássica foi dominante tém O futuro sob O mais estrito con­
na Europa desde o renascimento até trole.
o iluminismo. Isto, evidentemente, não Não se trata de imaginar que a
quer dizer que ela não tenha conheci­ concepção clássica não distinguia o
do rivais durante este período, ou que futuro do passado. Simplesmente a
tenha desaparecido abruptamente após decisão sobre como, quando e em que
1800. Tal supremacia, contudo, impli­ direção agir, aquilo que Koselleck
ca que esta concepção deve ser com­ (1985, p. 267) chama de "horizonte
preendida pelo menos até meados do de expectativas", dependia de uma
século XVIII, como uma espécie de atenta e cuidadosa avaliação dos en­
limite que, mesmo as perspectivas mais sinamentos armazenados por esse mo­
discordantes, necessitariam levar em delo da história. t:. importante obser­
consideração. var que seu conteúdo substantivo
Mas qual seria a característica podia variar de forma absoluta, abri­
básica a partir da qual poderíamos gando as mais diversas e opostas posi­
conseguir uma visão sintética desta ções. Assim, a concepção clássica da
concepção? Acredito que a melhor história podia ser empregada tanto
maneira de defini-Ia seria apontando-a por Maquiavel, O Maquiavel da His­
cemo uma história que, antes de se tória de Florença e dos Comentários
fundar no tempo. como a moderna, sobre a primeira tlé('udu de TiJa Ullia.
30 ESTUDOS H ISTÓRICOS - 1988/1

para analisar e defender a idéia de migliano, 1983). Este filtro irá se lo­
república (cf. Skinner, 1981), quanto calizar no que Paul Veyne chama de
por Racine, para expor a superiori­ "doutrina das coisas atuais", ou seja,
dade natural que garantia à realeza na certeza de que "a tradição mítica
francesa o seu direito à soberania (cf. transmite um núcleo autêntico que,
Marin, 1981); tanto por Montaigne, no decurso dos séculos, se rodeou de
preocupado em fundar o seu ceticis­ lendas; apenas estas lendas criam difi­
mo na demonstração da inexistência de culdades, mas não o núcleo" (cf. Vey­
regras gerais capazes de orientar o ne, 1984, p. 26). Trata-se, portanto,
comportamento humano, quanto por de "extrair o joio do trigo", de extir­
Sodin, obcecado precisamente pela par da memória todas as "mistifica­
descoberta dessas regras (cf. Kosel­ ções" que a "ingenuidade popular",
leck, 1985, p. 22). Não importa. To­ pouco a pouco, acabou por acres­
dos procuravam promover suas pers­ centar.
pectivas através do recurso às expe­ Mas como isto poderia ser feito?
riências acumuladas da história.
Justamente através dessa "doutrina
Tenho a impressão de que a simples das coisas atuais", da comparação dos
menção desses nomes já deixa claro relatos contidos na tradição com as
que tal concepção, longe de se definir convenções do século corrente, assi­
como matéria para especialistas, cons­ milando-se tudo aquilo que era com­
tituía-se em um gênero freqüentado patível com estas convenções como
pelos mais diversos autores, em um verdadeiro e descartando-se o resto
modo de argumentar perfeitamente como mero produto da imaginação.
disponível a qualquer intelectual da l! interessante observar que tal con­
época clássica. duta, se já envolve uma posição mode­
Note-se, porém, que a ausência de radamente crítica em relação à tradi­
especialização - e mesmo aquela va­ ção, ainda está muito longe de sugerir
riedade de conteúdos - não nos deve qualquer alteração no significado da
fazer supor que houvesse uma com­ noção clássica de verdade. Continua­
pleta e irrestrita comunicação, uma mos num mundo de argumentos mo­
absoluta transitividade entre a histó­ rais, polfticos e sociais, onde o que se
ria e a tradição, isto é, que qualquer busca não é a confirmação da sua ver­
relato encontrado na memória coleti­ dade factual, através de documentos e
va pudesse automaticamente se trans­ testemunhas, mas a simples afirmação
formar em um exemplo, em um argu­ de sua plausibilidade, de sua veres­
mento legitimameDte incorporado ao s.irnilhança, quer dizer, de sua arti­
modelo clássico. . cuIação, mesmo precária, com os va­
Ao contrário, vamos assistir com Iares cultuados no presente.
freqüência a um esforço das mais Esta observação é importante por­
distintas posições que se utilizavam que, quando nos aproximamos do sur­
desta concepção no sentido de encon­ gimento da concepção moderna de
trar um filtro que garantisse uma re­ história, o que eDtra em ceDa é pre­
lativa crítica das narrativas tradicio­ cisamente o ideal de uma verdade exa­
nais, diminuindo a incidência do ta, rigorosa, que pretende se relacio­
"mítico", do "maravilhoso", do inve­ Dar com as ações dos homens não
rossímil e, conseqüentemente, aumen­ mais em função dos seus valores, dos
tando o poder de persuasão de cada debates éticos que eles propiciam, mas
uma delas (cf. White, 1985, e Mo- apenas pela preocupação em verificar
R O N D A N O TU R N A 31

se, quando e onde elas efetivamente manda tanta miDúcia e erudição que
existiram. termina por converter o historiador
Desta maneira, só para usar uma em um especialista, em alguém cujo
fórmula cômoda, temos a passagem trabalho se caracteriza pela prática de
de uma verdade que se identifica com um certo método, chave da verdade
a ética e se opõe ao erro, para uma e da mentira, acessível apenas depois
verdade que se confunde com o fato de árduo e demorado aprendizado.
e deseja afastar-se de tudo aquilo que E lógico que toda essa modificação
se aproxima das fronteiras da fanta­ se deu DO decorrer de um processo de
sia ou da imagioação.' muito longo prazo, 11m processo que
Para alcançar esta meta, o histo­ virtualmente acompanha em uma li­
riador moderno deve em primeiro lu­ nha paralela, subordinada mas ativa,
gar abandoDar completamente a pre· o desenvolvimento da cODeepção clás­
tensão de emprestar um significado sica de história, e que inclui, além de
ético e pedagógico à sua atividade, que debates sobre a importância da "que­
passa a buscar um ponto de absoluta rela entre os antigos e os modernos" J

personagens tão interessantes quanto


eqüidistância eDtre os diversos prio­
os "antiquários".' Parece-nos razoá­
cípios, valores e padrões em conflito,
vel sugerir, contudo, que o momeDto
renuDciando a adotar qualquer um
mais dramático desse movimento,
deles em troca da obtenção de um
aquele que, ao que tudo indica, ficou
acesso o mais objetivo possível à rea­
como um marco na afirmação da con­
lidade.
cepção moderna d e história, aponta de
Tais exigências de imparcialidade e fato para a Revolução Francesa. E
de objetividade, por sua vez, levaram isto ocorreu porque o mÍmero, a di­
a concepção moderna de história a in­ mensão e a intensidade dos conflito,
corporar, a partir do final do século por ela provocados, somados ao ca­
XVlII, toda lima série de procedimen­ ráter totalmente incoDtrolável e im­
tos críticos, em constaDte intercâmbio previsível que a própria revolução pa­
com a filologia (cf. Cassirer, 1948). recia assumir. acabaram por tornar
Esses procedimentos, pelo menos e'll inevitável uma radical alteração da
princípio, seriam capazes de determi­ Doção de verdade de que se dispunha
nar a "verdade dos fatos" com a mais
até então.'
infinita precisão, aDalisando documen­
tos, confroDtando testemunhos, esta­ Assim, em vez de se insistir na sus­
beleceDdo, enfim, quais textos eram tentação da possível verdade de uma
ou não confiáveis para se conseguir das ioúmeras facções produzidas pela
uma visão realista do passado. revolução, o que se tentou alcançar,
Com isso, o exame crítico da tradi­ particularmente na Alemanha e em
ção passou de relativo, na concepção menor escala na Inglaterra, no final
clássica, a absoluto, Da moderna. An­ do século XVIII e princípio do século
tes, preservava-se uma parcela da me­ XIX, foi um novo critério de verdade,
mória, aquela que parecia razoável, um critério que não fosse democrático
plausível aos ouvidos contemporâneos, ou aristocrático, girondino ou jacobi­
deixando-se o resto de lado. Agora, no, que tivesse condições de se
tudo o que vem do passado começa a
ser olhado com desconfiaDça, subme­ " ... pôr acima de qualquer impul­
tido a um contínuo e meticuloso es­ so de interpretar as evidências his­
quadrinhamento, num esforço que de- tóricas à luz de preconceitos par-
32 ESTUDOS H ISTÓRICOS - 1988/ I

tidários, expectativas utópicas, ou imparcialidade e perspectiva mte·


ligações sentimentais com institui· lectual, que pretendo examinar maIS


ções tradicionais, ( ... ) situando-se de perto.


em algum ponto de vista da cons­ Levando-se em conta o que se dis­
ciência social que fosse verdadei­ cutiu até agora, creio que ficou evi­
ramente lobjetivo', verdadeiramen­ dente que a imparcialidade, a objeti­
te 'realista'" (cf. White, 1985, vidade, em suma, o afastamento do
p. 124). historiador das diversas posições em
conflito parece ser um dos pressupos­
Ora, antes de prosseguir, é neces­ tos centrais desta concepção moderna
sário que se assinale que conflitos de história. Entretanto. antes mesmo
éticos e políticos não eram exatamente da eclosão da Revolução Francesa, au­
uma novidade no cenário europeu. As tores vinculados ao iluminismo ale·
lutas religiosas que marcaram o século mão. como Chladenius. já chamavam
XVI e a primeira metade do XVII. a atenção para a virtual impossibili­
por exemplo, chegaram a atingir di­ dade de se atingir o ideal de um dis­
mensões quase continentais, sendo tanciamento absoluto pois, por mais
sugestivamente cognominadas por Ko­ que se conseguisse afastar O historia·
seUeck (1 979) como a prir"eira "guer­ dor das suas lealdades políticas e reu­
ra civil européia". giosas, ele ainda estaria enfocando o
Acontece, no entanto, que conIli­ seu objeto a partir de um determinado
tos como esse puderam ser resolvidos ponto de vista, de uma perspectiva
através de uma reorganização do sis­ intelectual específica que faria com
tema de poder que vigorava na maio­ que ele enfatizasse tal aspecto e não
ria das monarquias européias, sem se outro, dirigisse a pesquisa em uma di­
chegar a uma crise tão profunda que reção e não em outra, e assim por
obrigasse a uma revisão completa dos d·lante.•
valores, como foi O caso da Revolu­ O que me parece extremamente in­
ção Francesa. Nesse caso, a única al­ teressante é que esta dupla exigência,
ternativa foi partir para a confecção de objetividade e de posicionamento
de uma nova definição de verdade, intelectual, parece ter atravessado o
uma absolutamente independente dos século XIX como uma criativa e per·
juízos em conflitos e que, por isso manente fonte de tensões no interi'1r
mesmo, tivesse condições de fornecer da historiografia, não sÓ gerando
critérios para a reconstrução do mun­ .
acusações, ora de . partidarismo ", ora
do após a revolução. de falta de originalidade, mas também
Esta nova definição da verdade e a propiciando um instigante debate
concepção moderna de história que lhe acerca das condições em que se pro­
corresponde estão contudo muito dis­ duz a história na acepção moderna do
tantes de poderem se apresentar como termo, debate este encimado por au­
construções perfeitas e acabadas, cida­ tores como Humboldt, Ranke, Droy­
delas inexpugnáveis atrás d e cujos sen e muitos outros (cf. Cassirer. 1 948
muros se tentaria restaurar a seguran­ e White, 1 937).
ça e a esperança abaladas pela revo­ O presente texto pretende apenas
lução. Ao contrário, elas também contribuir para o prolongamento des­
enfrentam dificuldades, dúvidas per­ sa discussão entre nós, fazendo com
sistentes, verdadeiras aporias. e é jus­ que ela tenha condições de incorporar.
tamente uma delas. a relação entre mesmo que apenas em uma primeira
• •
R O N D A N O T UR N A 33

abordagem, drasticamente limilada, a forma introduzida pelo governo ane­


obra daquele que lalvez lenha sido o xando a cadeira de história do Brasil
nosso mais importante historiador à de história universal, anexação com
" moderno": Capislrano de Abreu. a qual não concordava, termina sen­

do posto em disponibilidade. Desse


ano em djante, embora venha a pres­
3. Caplstrano e a história
tar eventualmente alguma colabora­
ção ao colégio, jamais volta a lecionar
Capistrano nasce perto de Marao­
de forma regular, dedicando-se essen­
guape, na então província do Ceará,
cialmente à atividade que irá desta­
em 1853, e muda-se para o Rio de
cá-lo e transformá-lo em modelo de
Janeiro em 1875. Chega à corte sem
toda uma geração de autores: a pes­
possuir um diploma universitário, pois
quisa e a redação da história do Brasil.
não havia conseguido ingressar na Fa­
culdade de Direito do Recife, e pro­ IÔ a partir desse momento, por­
vido de escassa experiência pro(issio· tanto, que começam a ser produzidos
nal, tendo publicado somente alguos os seus trabalhos mais conhecidos,
artigos na imprensa da capital cea­ como Capítlllos ele história colonial e
rense.7 Caminhos antigos e povoamento do
Brasil, verdadeiros pontos de referên­
Consegue de início uma modesta cia da aclimatação da concepção mo­
colocação na Livraria Garnier, trans­ derna de história no pals. Solidamen­
ferindo-se mais tarde para o Colégio
te vinculado a esta concepção, Capis­
Aquino como professor de francês e
trano vai revelar-se na verdade um au­
de português. Quatro anos depois da tor extremamente apropriado para a
sua cbegada ao Rio, em 1 879, enga­ discussão da questão que especulava
ja-se de forma mais regular oas duas sobre o relacionamento entre a eXI-
-

atividades que irão absorvê-lo pelo gência de imparcialidade e o compro­


resto da vida: o jornalismo e em es­ metimento intelectual do historiador.
pecial a pesquisa histórica. Chega ao
Assim, por um lado, ele é o his­
jornalismo através de um emprego co­
toriador que talvez tenha melhor en­
mo redator na Gazeta de Notícias,
carnado entre nós o ideal da busca
onde vai se ocupar fundamentalmente
" moderna" da verdade, dedicando-se
da produção de textos de crítica e
incansavelmente à tarefa de procurar
de bistória da literatura, aos quais
documentos inéditos, ocupando-se da
logo se soma outros de cunho mais
sua tradução e publicação. tentando
nitidamente histórico e historiográfi­ estabelecer a identidade dos seus au­
co. Com a história propriamente dita, tores, cuidando, portanto, de estimu-
ele só começa a ter uma relação mais 1.... e promover a pesquisa das fontes
constante e s,istemática a partir da bistóricas por todos os meios que es­
sua nomeação. por concurso, para os tivessem ao seu a1cance.8
quadros da Biblioteca Nacional, oode
Por outro lado, desde a sua forma­
fica até 1883, quando enfrenta e ven­ ção no Ceará - formação eminente­
ce outro concurso, desta vez para mente informal, desenvolvida basica­
ser professor no lmperial Colégio mente em associações literárias como
Pedro 11. a Academia Francesa, que ele fundou
Capistrano permaoece dando aulas ao lado de amigos como Rocha Lima,
de história do Brasil no Pedro 11 até Clóvis Bevilaqua e Araripe Júnior
1 899 quando. em virtude de uma re- (cf. Coutinho, 1 959) - Capistrano
34 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1 988/1

já evidenciava um enorme interesse sociologia. e como se o absoluto dis­


em relação aos trabalhos de sociólo­ tanciamenm requerido pelo método
gos franceses e ingleses, como Taine, crítico, distanciamento do qual, não
Comte, Buckle e Spencer, interesse nos enganemos, ele vai ser um dos
que mais tarde irá se estender a au­ principais defensores, fosse útil e pos­
tores ligados à antropologia e à geo­ sível apenas no primeiro momento da
grafia, principalmente de origem ale­ pesquisa histórica, quando se lida com
mã (cf. Rodrigues, 1 965, e 1970). fontes, testemunhos e documentos,
Para termos uma idéia da impor­ tendo que ser substituído mais adian­
tância que a perspectiva sociológica te pelo quadro teórico das ciências
veio a assumir para Capistrano, basta sociais, se é que se quer "escrev(er)
consultarmos a conclusão do necroló­ uma história da nossa pátria digna do
gico que ele escreveu para Varnhagen, século de Comte e Herbert Spencer"
no qual, depois de muitos elogios, la­ (cf. C�pistrano, 1 93 1 , p. 1 40).
menta que este Muito bem. Diante disso, creio que
é chegada a hora de explorar mais
" . ..ignorasse ou desdenhasse o diretamente essa questão na obra de
corpo de doutrinas criadoras que Capistrano. Para tanto, optei por es­
nos últimos anos se constituíram tudar com mais detalhe dois dos seus
em ciência sob o nome de socio­ trabalhos que, curiosamente, tratam
logia. Sem esse facho luminoso, do mesmo assunto: a descoberta do
ele não podia ver o modo por que Brasil.
se elabora a vida social. Sem ele
O p!imeiro texto, embora bem
as relações que ligam os momen­
mais conhecido e discutido na biblio­
tos sucessivos da vida de um po­
grafia especializada que o outro, é
vo não podiam desenhar-se em
obra de um historiador praticamente
seu espírito de modo a esclarecer
iniciante, constituindo-se na tese de
as diferentes feições e fatores re­
concurso de Capistrano para o Colé­
ciprocamente. Ele poderia escavar
gio Pedro" em 1883, publicada pelo
documentos, demonstrar-lhe a au­
autor no mesmo ano. O segundo, bem
tenticidade, solver enigmas, des­
menos citado, como já foi dito, é
vendar mistérios, nada deixar de
editado dezessete anos mais tarde no
seus sucessores no terreno dos fa­
Livro do Centenário, publicação co­
tos: compreender, porém, tais fa­
memorativa dos quatrocentos anos da
tos em suas origens, em sua liga­
descoberta do Brasil.' Os dois traba­
ção com fatos mais amplos e radi­
lhos discutem exatamente o mesmo
cais de que dimanam; generalizar
tema c, o que é mais interessante, não
as ações e formular-lhes teoria;
apresentam muitas divergências em
representá-las como conseqüências
reloção às questões mais substantivas,
e demonstrações de duas ou três
apesar da distância que separa as suas
leis basilares, não conseguiu, nem
datas de edição.
consegui-lo-ia" (cf. Capistrano,
193i, p. 1 39-140). Ocorre, porém, - e este é o ponto
que eu gostaria de examinar com
Como se vê, o estabelecimento dos mais vagar -, que os dois estudos
fatos parece representar para Capis­ são redigidos em estilos inteiramente
trano uma etapa completamente dis­ diferentes, apresentando um contraste
tinta da interpretação, esta sim, orien· que precisa ser melhor explorado.
tada por leis e regras derivadas da Enquanto o segundo texto aborda a
RONDA NOTURNA 35

descoberta do Brasil dentro da for­ prio descobrimento, e deixando de


ma narrativa, forma em que os livros lado o que Capistrano costllma cha­
escritos a partir da concepção mo­ mar de "desenvolvimento do Brasil
derna de história costumam habitual­ no século XVI". Isto sucedeu rorque
mente se expressar a tese de con­
I
a parte sobre o século XVI na tese
curso aproxhna-se da mesma questão de 1 883 já é escrita sob a forma de
de maneira totalmente distinta, não­ narrativa, o que me levaria a duplicar
narrativa, quase como se Capistrano o argumento sem um ganho analítico
estivesse explicitando para o leitor que compensasse a repetição.
lima etapa da pesquisa histórica que
geralmente lhe é ocultada: a etapa da
4. Critica e verdade
crítica da documentação.
Parece-me evidente, portanto, que o descobrimento do Brasil, publi­
estamos diante de uma oportunidade cado em 1 883, é de fato uma obra
relativamente rara, que é a de poder pouco narrativa. Sua armação pare­
confrontar os p.rocedimentos críticos ce·se mais com a de uma peça judi­
da historiografia moderna, tal como ciária, na qual Capistrano examina
Capistrano os emprega, com a escri­ documentos e interroga testemunhas
ta histórica mais usual, na qual a como se fosse juiz e júri, promotor
regra da narrativa até certo ponto di­ e advogado de defesa. O trabalho se
lui a exposição desses procedimentos, divide em três partes, cada uma delas
ocupando-se essencialmente em "cos­ correspondendo a um conjunto de pre­
turar" as conclusões. tensões nacionais sobre a identidade
Na verdade, para que se possa ava­ daquele que teria descoherto o Brasil.
liar melhor a importância desta opor­ Temos, então, pretensões francesas,
tunid.de, basta recordar que Capis­ espanholas e portuguesas, todas con­
trano dá • impressão de enfrentar a substanciadas na lista de fontes pri­
questão que vínhamos colocando, que márias e secundárias que Capistrano
é o relacionamento entre objetivida­ publica à testa de cada capítulo, fon­
de e posicionamento, alocando o pri­ tes cujo escrutínio irá se cc'Ostituir no
meiro termo na etapa da crítica, e o tema básico da sua atividade.
segundo, na de uma síntese explica­ Creio que devemos discutir as pre­
tiva, sociologicamente orientada, que, tensões francesas com extrema aten­
obviament�, manifesta-se por intermé­ ção, pelo simples fato de que, para
dio do modelo narrativo. Assim, O Capistrano, elas são as que apresen·
exame desses dois livros pode!á tam­ tam maior número de falhas. Afinal,
bém significar a chance de se com­ Cassirer (1943, p. 231) já nos adver­
preender a maneira específica pela tia que o método critico parece ser
qual Capistrano tenta superar essa mais apropriado para a descoberta
antiga dificuldade da concepção mo­ do falso do que do verdadeiro; as­
derna de história. sim, começando pelo mais falso, tal­
Gostaria ainda de acrescentar que vez tenhamos mais condições de en­
foi precisamente pelo meu empenho tender o sentido e o funcionamento
em fazer render o mais possível a deste método.
comparação entre os dois textos que As pretensões francesas referem-se
decidi não .nalisá-Ios em sua totali­ basicamente à história de um certo
dade, estudando apenas as questões Jean Cousin, "mélrinheiro perito, bra­
mais diretamente vinculadas ao pró- vo soldado e negociante" que, partin-
36 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/1

do de Dieppe para uma "viagem de ria de tamanho descobrim'nto" (cf.


exploração", tomara o cuidado de não Abreu, 1929, p. 14).
navegar pela costa da Africa para .evi­ Ora, diz Capistrano, "tudo isto é
tar ser vitimado pelas tempestades e muito exato, e se possível e real fos­
pelos "bancos de areia" que ali eram sem termos coextensos, a d_iscussão
freqüentes, até que "foi arrastado ficava encerrada" (cf. Abreu, 1929,
para Oeste por uma corrente rnantt- p. 14). S óbvio que não fica, mas
- -

ma e aportou a uma terra desconhe­ por que não? Por que os indícios da
cida, junto à embocadura de rio imen­ primazia de Cousin não podem ser le­
so" (cf. Abreu. 1929, p. 12). Este rio vados a sério por Capistrano? Pela
seria o Ama7')nas e. dessa maneira, simples e decisiva razão de que a
Cousin teria descoberto o Brasil - e única fonte em que se baseiam as pre­
a América - em 1488. tensões francesas não é primária, não
A's razões apresentadas por histo­ era contemporânea aos acontecimentos
riadores franceses, como Gaffarel, pa­ que descrevia, não era uma testemu·
ra validar a estória de Cousin, dis­ nha ocular, mas sim um cronista, Des­
tribuem-se fundamentalmente em tor­ marquets, que publica o seu trabalho
no de dois eixos: o primeiro concen­ em 1785, quase três séculos depois
tra simplesmente alguns argumentos do sucedido.
históricos e geográficos, pois Dieppe, Este "pecado original", que já nos
sem dúvida, era um importante porto remete a um dos procedimentos bá­
francês no século XVI, e os "dieppen­ sicos da crítica histórica, a busca de
ses eram navegadores ousados, que ti­ testemunhas visuais, vicia inteiramen­
nham-se estendido muito pelo Oceano te o argumento francês, enviando-o
e em algumas partes precedido os para o campo do plausível, do ra­
portugueses e castelhanos" (cf. Abreu, zoável, do verossímil, de tudo aquilo
1929, p. 14). Quanto aos argumentos que constituía demonstração suficien­
geográficos, eles se referem apenas aO te da verdade para a concepção clás­
fato de que "as tradições dieppenses sica de história, mas que agora deixa
falam de uma corrente a favor da de possuir qualquer interesse ou
qual navegara Jean Cousin e esta cor­ valor.
rente existe: é o Gulf-Stream" (idem). A pretensão francesa, já completa­
Já o segundo eixo envolve um ra­ mente desqualificada por sua incapa­
ciocínio muito mais intrincado, pois cidade de apresentar testemunhas
parte de indícios que comprovariam oculares, complica-se ainda mais por­
a presença no barco de Cousin, como que boa parte dos seus argumentos
seu imediato. de um marinheiro cas­ padecem de razoável incoerência,
telhano chamado Pinzon, que não se­ admitem uma grande margem de am­
ria outro senão Martim Alonso Pin­ bigüidade, podendo, por sua debilida­
zon, "o mesmo a quem Colombo con­ de intrínseca, ser facilmente anula­
fiou três anos mais tarde o comando dos. Tome-se a história de Pinzon, por
de um dos três vasos de esquadrilha exemplo: se ele efetivamente desem­
em que descobriu o Novo Mundo". penhou o papel que lhe atribuíram os
Conseqüentemente, Cousin não só franceses, por que, então, ficou caia­
"descobriu o nosso continente, como do, permitindo que Colombo levasse
foi, graças a um seu companheiro, toda a glória da descoberta da Amé­
que Colombo usurpou depois a gló- rica?
RO N D A N O T U R N A 37

Uma primeira resposta a esta inda­ o "orgulho nacional" francês frente


gação, dada pelos comentadores fran­ a nações rivais, um velho inimigo da
ceses, salientava que Pinzon havia-se concepção moderna de históri� que
desentendido violentamente com Cou­ mais uma vez conseguia abalar a obje­
sin, o qual teria conseguido que ele tividade, finalmente restaurada por
fosse declarado impróprio para servir Capistrano.
na Marinha de Dieppe. Assim, "despe­ E as pretensões espanholas e por­
dido ignominiosamente . . . " (Pinzon) tuguesas? Ao contrário das france­
não queria sem dúvida avivar um ne­ sas. estas estão muito bem documen­
gócio de que se saíra mal" (cf. Abreu, tadas, dispondo de inúmeras testemu­
1929, p. 17) e por causa disso pre­ nhas visuais que asseguravam que Vi­
feriu silenciar sobre sua viagem ao cente Pinzon, o irmão do Pinzon que
Brasil. teria acompanhado Cousin, enviado
Tais "reparos", afirma Capistrano. pela Espanha, e Pedro Álvares Ca­
"teriam força incontestável" se não bral, por Portugal, haviam atingido a
fossem refutados mais adiante por costa brasileira em 1500.
observações de seu próprio autor, que Pinzon chegou primeiro, em feve­
assinala existirem "então ( . . .) rela­ reiro, desembarcando no local que de­
ções freqüentes entre ca�telhanos e nominou Santa Maria de la Conso­
dieppenses . . . Não havia navio diep­ lación, hoje conhecido como cabo de
pense ou castelhano que, fazendo-se Santo Agostinho, no litoral de Per­
ao mar não levasse a bordo um in­
J nambuco. Depois seguiu viagem pela
térprete ou um piloto castelhano ou costa na direção norte, até descobrir
dieppense" (cf. Abreu, 1929, p . 17). o rio Amazonas, que cognominou de
Se isto é verdade, retruca Capistrano, Mar-Dulce, e, mais além, o cabo de
.. torna-se evidente 'que não s6 o si-

Orange e o rio Oiapoque, que rece­
lêncio de Pinzon não era bastante pa- beu o nome de Vicente Pinzon.
ra que não fosse devassado o seu pas­ Mas a viagem de Pinzon, embora
sado, como era inteiramente inútil e cronologicamente anterior à de Ca­
ineficaz. De que servia o silêr.cio, se bral - o que Capistrano, nas suas
a cada instante chegavam a Castela grandes linhas, também confirma -,
pilotos e intérpretes de Dieppe" (idem) não foi sucedida de nenhum esfor­
e vice-versa? ço sistemático de colonização por par­
A discussão prossegue no mesmo te dos espanhóis, aos quais ao con­
tom, e não creio que haja necessida­ trário dos portugueses, "nada deve­
de de acompanhá-Ia por mais tempo. mos . .. nada influíram sobre nossa
Na verdade, o fundamental para Ca­ vida primitiva; prendem-se muito me­
pistrano já estava resolvido e consis­ nos à nQssa história do que os Cran­
tia na absoluta impossibilidade de se ceses" (cf. Capistrano, 1929, p. 69).
levar em consideração a legitimidade Por isso, "sociologicamente falando,
das pretensões francesas pela inexis­ os descobridores do Brasil foram os
tência de "prova documental" . Per­ portugueses, (pois) neles inicia-se a
siste apenas uma última dúvida: por nossa história, por eles se continua
que, diante de evidências tão fracas, por séculos, a eles se devem princi­
eles continuavam a sustentar que ha­ palmente os esforços que produziram
viam chegado ao Brasil antes de es­ uma nação moderna e civilizada em
panhóis e portugueses? Por uma úni­ território antes povoado e percorrido
ca razão: a necessidade de se afirmar por tribos nômades" (idem).
38 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/1

No entanto, não devemos imagi­ res, que façam inclinar a balança


nar que o número e a qualidade dos a favor de um ou de outro. Feliz­
testemunhos que atestavam as con­ mente abundam" (cf. Abreu, 1929,
quistas de Pimon e de Cabral tenham p. 4 1 ) ,
inibido o aparecimento, inclusive den­
tro dos seus países de origem, de ou­ como· o do próprio luan de la Cosa,
tros pretendentes à descoberta do e pendem na direção de Hojeda, ou
Brasil. seja, de Pinzon.
A prioridade de Cabral em Portu­ De qualquer maneira, o que me
gal foi contestada em 1 784 pelo frei interessa assinalar aqui é o apareci­
Gaspar da Madre de Deus, que di­ mento de um terceiro critério utili­
zia possuir um documento, um testa­ zado pela crítica histórica para chegar
mento, segundo o qual loão Ramalho à verdade. Este critério estabelece
teria chegado ao Brasil em 1490. que, se testemunhos contemporâneos
Como, porém, unem frei Gaspar viu igualmente coerentes forem contradi­
o original do testamento, nem o pu­ tórios, a solução será dada pela quan­
blica, nem diz como houve a cópia tidade, pelo número, procurando-se
de que se serviu" (cf. Abreu, 1 929, novos documentos capazes de resol-
ver o Impasse.

p. 5 1 ), sua situação acaba sendo


"idêntica a de Desmarquets" (idem, Como se pode perceber, o método
p. 49), já que não é possível se levar crítico, tal como interpretado por Ca­
a sério sua versão, e ele termina sen­ pistrano, implica a adoção de pelo
do refutado com argumentos muito menos três regras, simples, claras e
parecidos com os que . Capistrano ha­ sempre presentes na consciência do
via empregado para desmoralizar as historiador: o privilégio da testemu­
pretensões francesas. nha visual, daquela que assistiu pes­
No que diz respeito a Pinzon, este soalmente aos eventos que reporta; a
terá de enfrentar um desafio mais sé­ ênfase no caráter l6gico do relato das
rio, pois os seus feitos serão impug­ testemunhas, como se a ambigüidade
nados por um testemunho contempo­ fosse sinônimo de equívoco ou falsi­
râneo, de Américo Vespúcio, que afir­ dade, e a coerência, um pré-requisito
mava ter alcançado a costa brasileira para se acreditar na correspondência
dez meses antes dele, em junho de entre texto e realidade; e, como aca­
1499, na companhia de Alonso Ho­ bamos de ver, a utilização do número
jeda e de luan de la Cosa. Sucede, e da quantidade para dirimir dúvidas
contudo, que o testemunho de Vespú­ no caso de documentos que, embora
cio é contrariado por outro de igual satisfazendo as duas exigências ante­
quilate, o de Hojeda, garantindo que riares, contivessem afirmações contra­
o seu navio jamais aportara no Brasil. ditórias.
Dessa forma, Sempre presentes na consciência do
historiador, essas regras e procedimen­
" . . . os dois testemunhos contra­ tos terminaram sendo reificados e
dizem-se anulam-se por conseguin­ transformados em método, em uma
te, e nem se pode combater o de espécie de máquina, aparelho intelec­
Hojeda em nome de Vespucci, nem tual que desconhece climas e estações,
o de Vespucci em nome de Ho­ que é capaz de operar em qualquer
jeda. O que se deve fazer é pro­ época e lugar, através de um esfor­
curar testemunhos complementa- ço que, curiosamente, funda a profis-
RONDA NOTURNA 39

são de historiador tal como moderna­ te pressentida pelo historiador? Tenho


mente a entendemos e, no mesmo mo­ a impressão de que um primeiro exa­
vimento, coloca-a fora do tempo e da me dos componentes do método, le­
história. vantados nesta sumária exposição do
e evidente que, para que isto possa texto de Capistrano, já nos pode Ín­
acontecer, tal método terá que supor dicar algumas pistas, nessa direção.
a existência - ou a invenção - de Afinal, o claro empirismo que ele pro­
um tipo especial de intelectual - o fessa, aliado ao explícito louvor da
historiador -, um intelectual capaz coerência e da lógica, além do uso do
de se desligar inteiramente dos seus mímero de testemunhas como critério
laços de sangue, das suas lealdades para se alcançar 2 verdade, eviden­
políticas e religiosas e, neste momento ciam um compromisso, ainda que in­
da pesquisa, até mesmo das suas con­ direto, complexo c matizado, com as
vicções intelectuais, para aderir a uma propostas epistemológicas ligadas à
ocupação que, em troca, oferece-lhe, síntese iluminista do século XVIII.
pelo método, um acesso privilegiado De fato, esta associação entre o ilu­
à verdade dos fatos. 10 minismo e a concepção moderna de
Note-se, porém, que o historiador bistória vem ao encontro de uma an­
não está sozinho nessa difícil empre­ tiga intuição de Cassirer ( 1 948), que
sa. Ele sempre pode contar com a sugere que, mesmo tendo conhecido
companhia de uma espécie de "du­ a sua primeira grande sistematização
.
na epoca romanllca, num ambiente
. -

plo", ao mesmo tempo próximo e dis­


tante, com quem precisa manter 11m saturado de irracionalismo e de sub­
relacionamento constante, até porque jetividade - Hei paur cause" - , esta
ambos parecem partilhar os mesmos concepção sempre procurou manter e
valores: a testemunha. Esta, de fato, fortalecer seus vínculos com a razão
tem que ser tão objetiva, coerente iluminista.
e imparcial quanto o historiador; tem Acredito, inclusive, que tais vin­
que possuir o equivalente a um mé­ culas poderão ser melhor estudados
todo crítico "natural" que lhe permi­ se voltarmos a Capistrano em busca
ta separar o olho do espírito, fazen­ de um quarto procedimento crítico,
do com que o primeiro, surdo aos não tão explícito quanto os outros
reclamos da sensibilidade, registre três mas que, talvez por isso mes­
apenas o que se passa "na realidade". mo, por já estar tão naturalizado que
para que o olho do historiador, tão não precisa mais ser muito debatido,
desarmado quanto o seu, possa mais por já estar tão enraizado nessa con­
tarde ler a inscrição do seu relato em cepção moderna que mal percebemos
um documento, como faz Capistrano, a sua existência, possa servir como
e transferir este conhecimento para intermediário para um melhor desven­
outra época e lugar. 11 damento dos pressupostos intelectuais
da crítica histórica.
Mas será que essa etapa de crítica
das fontes pode efetivamente ser pen­ Este quarto procedimento a que
sada como O lugar da objetividade estou me referindo envolve basica­
absoluta? Será que o próprio método, mente a necessidade de o historiador
instrumento e garantia dessa impar­ efetuar uma radical e inevitável críti­
cialidade, já não traz em si as mar­ ca da mem6ria, se é que ele realmente
cas de alguma opção intelectual de­ pretende atingir a verdade dos fatos.
finida, ainda que não necessariamen- Capistrano, por exemplo, ao confron-
40 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1 988/ I

tar dois testemunhos contraditórios a associa a uma noção de tempo que


respeito de um ponto específico da se define como uma linha em movi�
viagem de Vicente Pinzon afirma que mento contínuo para a frente, na di�
não lhe parece que qualquer das duas reção do ruluro. Islo implica um aban­
opiniões possa prevalecer; dono do modelo clássico, o que raz
com que os homens redirecionem li­
.... . primeiro, porque a discordân­ teralmente o seu olhar e as suas es�
cia que patenteiam enrraquece a peranças, desviando-os do passado e
ambas; segundo, porque foram ex­ concentrando-os no porvir. o que, en�
primidas de 1 5 1 3 a 1 5 15, muitos tre vanas outras COIsas, provoca u m
• • •

anos depois do acontecimento a gradual mas crescente enfraquecimen­


que se referem (ocorrido em 1500), to da memória, pouco a pouco subs­
quando já não devia estar fresca tituída pelo esquecimento (cf. Kosel­
a lembrança que dele guardavam" leck, 1 985, p. 1 30- 1 55, 2 1 3-2 1 8).
(cf. Abreu. 1 929, p. 32). Assim, é justamente o surgimento
desta definição iluminista do tempo,
Observe-se que em outra passagem, assimilado ao progresso, convertido
um pouco mais adiante, o autor volta em linha que se desloca inelulavel­
a afirmar rapidamente a mesma posi­ mente numa única direção, que vai
ção. comentando a respeito de uma separar O que chamávamos antes de
questão diversa . . espaçu de experiências, base da con�
cepção clássica da história, do hori­
" . . . que Pinzon esteve outra vez zonte de expectativas do homem ma­
no cabo de S. AgostiDho e que derno, horizonte que vai agora se
por conseguinte refrescou suas re­ fixar apenas no futuro, um futuro que
miniscências" (cf. Abreu. 1 929, parece dispensar todo e qualquer en­
p. 34). sinamento veiculado pela tradição, re­
legando-a à mais absoluta obscuri­
A memória, portanto, parece ser dade.
uma faculdade que, para a concep­ Tal processo leDde a transformar
ção moderna de história, precisa ser dessa maneira, a tradição em um mon�
constantemente "refrescada", senão te de ruínas, restos inúteis de uma
perderia toda a sua força, lodo o seu caminhada que sempre encontra o seu
poder de evocação. Ora, como isto sentido mais à frenle, além de desati-
obviamente não é possível, a não ser var progreSSIvamente a memofla e. o
• • •

em casos muito especiais, ela passa a que me parece crucial para a inven�
ser encarada com a mais absoluta ção da crítica histórica, tornar o pas�
desconfiança, definida como uma en­ sado um lugar sombrio. rnjsterioso,
lidade que sofre de uma espécie de presidido pelo esquecimento, onde
corrosão interna, corrosão que só faz praticamente qualquer coisa pode ter
se agravar com a passagem do tempo. acontecido.
Na verdade, é precisamente esta ca­ Não me parece casual, portanto.
nexão entre memória e tempo que eu que tenha sido precisamente Desla
gostaria de analisar u m pouco mais epoca que apareceram os prtmelros
• • •

detidamente, pois creio que a memó­ romances de terror da literatura oci­


ria só começa a ser apontada como dental, as novelas "góticas" de Ro­
padecendo de u m processo de corro­ bert Walpole e Ann Radcliffe, nem
são, de inevitável erosão, quando se que estas estórias se desenrolassem
RONDA NOTURNA 41

justamente em cenários da Idade Mé· como uma das atividades essenciais do


dia, "lúgubres" castelos medievais que "imaginário ocidental" - porque afio
até poucos anos atrás ainda conserva­ nal disciplina o passado, extirpando
vam pelo menos parte do seu antigo o trágico que ali possa brotar -, a
esplendor." história, por outro, só consegue atin­
Resumindo: o que eu estou queren· gir este objetivo alheando·se comple·
do sugerir é que parece haver uma tamente dos interesses que cercam a
estreita conexão entre o predomínio maioria dos mortais, esquecendo-se do
de uma noção iluminista do tempo, futuro para mergulhar numa gigantes·
o rápido e profundo desprestígio da ca teia de erudição que, de um ponto
memória, da tradição e da concep' de vista prático, preocupado com o
ção clássica de história, e a conver· progresso, é absolutamente gratuita ."
são do passado em matéria de ter· Mas a história não está isolada no
ror. Na verdade, essas conexões me esforço de empregar o seu potencial
são tão importantes porque acredito disciplinador a serviço desta concep·
que seja exatamente em função do ção iluminista do tempo. Creio, mes·
quadro que elas esboçam que pode mo, que essa noção do tempo como
ser explicado o surgimento da con· um processo só é possível, só será
cepção moderna e do aparelho críti· adotada, se a ela se associarem uma
co que a acompanha. série de discursos que tenham condi·
Isto ocorre porque tal co'ncepção ções de aumentar o seu poder de per·
parece receber a incumbência de di· suasão, aparando os pontos de inceI"
rigir·se na direção do passado, deste teza que ela pode trazer.
novo passado, obscuro e esquecido, Assim, só para dar um exemplo:
quase assustador, e nele procurar, não creio que o desprestígio da tra·
através da aplicação d0 seu método dição e da memória, que a separação
aos escombros da tradição, agora con· entre o espaço de experiências e o
vertidos em documentos, as evidên· horizonte de expectativas da modero
. .
elas que permitiriam a reconstruçao nidade tenham criado oportunidades
. . -

do seu verdadeiro rosto. Assim, ao para o florescimento do terror ape·


contrário do restante da civilização, nas no passado. O futuro, afinal, não
que olhava e caminhava para adiante, só perde as "luzes da história", di·
a história deslocava·se para atrás, pro· minuindo drasticamente a capacidade
curando expurgar o caos, a desordem de os homens se orientarem dentro
e O terror que ali pudessem ser en· dele - como demonstra a citação de
contrados. Tocqueville que serve de epígrafe a
O método crítico, lembremo-nos, este trabalho -, como também pas·
podia ser descrito como uma máqui· sa a depender de um tempo que avan·
na que se situava lora da história, fora ça incessantemente como se fosse uma
da "linha do tempo", simplesmente .. flecha" sem que se saiba rigorosa­
I

porque, na verdade, ele se movimenta mente qual a direção que ele vai to­
contra a história, na direção oposta mar, se, como, quando e onde ele
àquela seguida pelo progresso. pode parar (cf. Koselleck, 1 985, e
Tenho inclusive a impressão de Ricoeur, 1 980).
que é esta característica que explica O tempo linear, portanto, além de
uma certa ambigüidade que parece produzir o esquec.imento do passado,
assolar a profissão de historiador pois, gera a mais terrível incerteza, a mais
se por um lado, ela é reconhecida completa imprevisibilidade em rela·
42 ESTUDOS H I STÓRICOS - 1 988/1

ção ao futuro, imprevisibilidade que cebem o caráter "informado" das for­


só pode ser superada se o mesmo pa­ mulações que, quase como "aprendi­
peI desempenhado pela história na zes de feiticeiro", acostumaram-se a
retaguarda, na ponta detrás da linha, utilizar,15
for exercido pelas ciências físicas e na­ Observe-se que não tenho dúvidas
turais na ponta da frente. O progres- de que os incidentes que compuse­
-50, então, será sempre o progresso da ram o pano de fundo da invenção
ciência, da ciência moderna, de uma desta concepção, em particular o gi­
ciência que se movimenta e se trans­ gantesco conflito suscitado pela Re­
forma juntamente com o tempo, tor­ volução Francesa, ajudam a compreen­
nando-se, por conseguinte, capaz de der c privilégio que esta definição
substituir a sabedoria HestãticaJl que objetiva e factual da verdade acabou
o modelo clássico fornecia, na tenta­ por receber. Entretanto, uma coisa é
tiva de garantir que a posteridade não a discussão das características locali­
nos reserve abismos e tragédias tão záveis no ponto de partida de uma
grandes quanto os que a história tenta proposta, e outra, bem diferente, é a
eliminar no passado." nossa interrogação sobre as razões que
Imagino, a essa altura, que o ideal determ.inaram a sua perenização, a
de absoluta objetividade e distancia­ sua transfotmação em algo cristaliza­
mento que a concepção moderna de do, permanente e obrigatório, prolon­
história, em geral, e Capistrano, em gando-se até incluir um autor como
particular, tentam cultivar e promo­ Capistrano de Abreu.
ver, mesmo quando circunscrito ape­ Creio, porém, que a exploração des­
nas ao método, à fase de crítica e de se aspecto da questão só pode�á pros­
classificação dos documentos, como perar se considerarmos o :;egundo tex­
parece ser a posição do nosso his­ to de Capistrano, "O descobrimento
toriador, dificilmente pode 'ser sus­ do Brasil", publicado no Livro do
tentado. De fato, como já foi visto, Centenário, dezessete anos depois do
tanto ao nível dos seus componentes volume que acabamos - parcial­
intrínsecos, dos procedimentos críticos mente - de examinar.
que abriga, quanto ao dos seus pres­
supostos, e especialmente aí, este mé­
todo é tributário de argumentos que 5 _ Narrativa e verdede
derivam diretamente da matriz ilumi­ "O descobrimento do Brasil", edi­
nista. tado em 1 900, não traz alterações
Esta solução, contudo, não resolve substantivas às conclusões indicadas
todos os problemas levantados pela por Capistrano na sua tese de concur­
questão que vínhamos perseguindo, so. Agora, ele nem fala dos france­
que é a do relacionamento entre obje­ ses, e continua apontando Pinzon c
tividade e comprometimento ,intelec­ Cabral como os verdadeiros desco­
tual do historiador. Resta ainda a dis­ bridores do Brasil. Todavia - e este
cussão do próprio tema da objetivida­ é o ponto que eu gostaria de desta­
de, ou seja, resta indagarmos como car - essas mesmas considerações
e por que o ideal de uma disciplina passam a ser apresentadas sob uma
absolutamente realista e imparcial forma narrativa, forma que não só
adquiriu tal prestígio entre os prati­ explicita e dá um relevo absoluto ao
cantes da concepção moderna de his­ tempo linear, confirmando sua impor­
tória que, com freqüência, mal per- tância para esta concepção, como tam-
R O N D A N O T U RNA 43

bém parece-me ser O melhor caminho A partir do século IX, contudo, a


para entendermos as razões que sus­ vida marítima começa a renascer em
tentaram a influência e o fascínio da­ tomo do Mediterrâneo, essencialmen­
quele ideal de objetividade na história. te em f unção de venezianos, genove­
Antes de nos determos em uma dis­ ses e catalães. Eles realizavam de
cussão mais geral das características início um comércio bastante acanha­
da narrativa, é necessário que seja do, tanto que preferiam não enfren­
feito um breve resumo do livro de tar as "cóleras do Atlântico·, limi­
Capistrano, até para que a discussão tando-se a percorrer os portos da re­
possa ser mais densa, nuançada e gião, onde eram forçados a depender
convincente. de " intermediários sobranceiros e des­
póticos, cada vez mais incontentáveis"
O primeiro parágrafo do texto já
(cf. Abreu, 1 929, p. 20 I ) , como a
anuncia tanto os dois principais per­
Síri a e o Egito, para conseguir alguns
sonagens quanto o relacionamento
gêneros provenientes do Oriente.
que irá se· estabelecer entre eles. Ca­
pistrano começa discutindo o nome do Entretanto, "as viagens repetidas nO
Brasil e explicando que "nossa pá­ Mediterrâneo formaram marinheiros
tria" deve seu nome " a um pau, ma­ peritos; a arte náutica forneceu-lhes
téria-prima de certa substância ver­ embarcações capazes; a invenção da
melba, empregada nas tinturarias me­ bússola permitiu-lhes fixarem em car­
dievais e modernas". um pau originá­ tas exatas o aspecto das costas e
apartarem-se delas sem receio de se
rio do Oriente, como as especiarias.
perderem nos plainos oceânicos; (e as­
o marfim e as pedras preciosas, e que
sim), desde o século XIV, genoveses
entrava portanto "no trato que, des­ primeiro e logo depois venezianos es­
de eras apartadas, mais ou menos li­ tabeleceram navegação regular entre
gava ao europeu o extremo continente o Mediterrâneo e o Atlântico" (cf.
asiático" (cf. Abreu, 1929, p. 1 91 ). Abreu, 1 929, p. 197).
O Brasil, conseqüentemente, tem o Ocorre que, "colocada à meia dis­
seu nome, a sua identidade, a sua
tância, Lisboa elevou-se à escala con­
descoberta, enfim, associados ao ve­
siderável da carreira, graças à exce­
lbo comércio entre Ocidente e Orien­
lência do seu porto. O exemplo, o
te, em particular com a Jndia, comér­
contato, a cobiça, despertaram no po­
cio cuja história Capistrano principia
vo português o desejo de imitar os
a nos contar através da figura de Ale­
xandre da Macedônia. Teria sido na estrangeiros; vieram mestres de Gê­
época do seu império que os euro­ nova; começou-se e consumou-se rá­
peus conseguiram pela primeira vez pida a aprendizagem; em poucos anos
um intercâmbio regular com os hin­ surgiu vigorosa a marinha portugue­
dus e com outros povos da região, sa" (cf. Abreu, 1929, p. 197- 1 98).
intercâmbio mantido, ainda que de Fruto da expansão do comércio me­
forma precária, durante os reinos he­ diterrâneo pelo Atlântico, a aventura
lenísticos e o I mpério Romano. Com marítima portuguesa também começa,
a irrupção dos "bárbaros" na Europa no princípio do século XV, de manei­
Ocidental e a investida do Islã sobre ra extremamente cautelosa, exploran­
Bizâncio, este tráfico diminuiu de for­ do basicamente a costa ocidental da
ma acentuada, subsistindo de maneira África, primeiro até o cabo Bojador
quase residual durante a maior parte e, mais tarde, até o cabo Verde. A
da Idade Média. descoberta deste último, porém, teve
44 ESTUDOS H ISTÓRICOS - 1988/ I

uma repercussão bem maior do que 1486, quando Bartolomeu Dias des­
o seu valor comercial ou militar. cobre o cabo das Tormentas, logo re­
Afinal, até este ponto os portugue­ batizado, por motivos óbvios, para
ses guiavam-se cegamente pela cosmo­ cabo da Boa Esperança, descoberta .
grafia de Ptolomeu, que dividia "o que representa o ponto final desta
mundo, que conhecia, em três par­ primeira seqüência da narrativa de
tes, que são a média habitada, a ár­ Capistrano.
tica não-habitável, por causa do frio, Passando para a segunda seqüência,
c a tropical, inabitável por causa do verificamos que Capistrano continua a
seu ardor" (cL Abreu, 1929, p. 199). perseguir a evolução do comércio en­
Ora, a Hvida pululante", as árvores tre Ocidente e Oriente, s6 que agora
. .
Imensas e os mumeras povos encon- com a China, e não com a lndia, o
-

trados na altura do cabo Vercle de­ que coloca a seda no lugar das espe­
nunciavam a " inanidade do saber an­ ciarias como o mais valioso item do
tigo" e crivavam de dúvidas O até intercâmbio que, pouco a pouco, co­
então incontestado sistema de Pto­ meça a se desenvolver entre as duas
.
lomeu. reglOes .
-

C.omo quem erra uma vez pode er­ Pouco a pouco, de fato, pois as re­
rar outras, os portugueses começaram lações com a China conheceram inú­
a se questionar sobre o "mar das meras idas e vindas, ao sabor das
fndias", que Ptolomeu separava com­ pestes e das guerras, ao " influxo das
pletamente do Atlântico, prolongando constelações nacionais e internacio­
a África até o P6lo Sul. Não seria nais: ora os Chins avançavam, e re­
possível, encontrar-se uma passagem, , cuavam a gente ocidental, ora dava-se
uma comumcaçao entre os dois o contrário; umas vezes o Celeste im­
. -

oceanos? pério apresentava-se unido, hospita­


Esta questão passa a obcecar os leiro, tolerante, outras fragmentado,
portugueses, transformando-se na fina­ segregado, rompia em manifestações
lidade básica da sua expansão ultra­ fanáticas c hostis" (cf. Abreu, 1929,
marina. Significaria, se resolvida, a p. 208).
realização de um duplo objetivo, re­
Finalmente, com a chegada dos
ligioso e mercantil, pois por um lado
mongóis no século X l l l , vindos do
permitiria o encontro com o Preste
centro da Asia, estabelece-se na Chi­
João, mítico soberano oriental de fé na um império forte e pacífico que,
cristã (nestoriana), com quem se po­ estendendo-se do Vístula ao mar do
deria celebrar uma aliança contra o Japão, oferecia uma base firme para
Islã, e por outro garantiria a supera­ o incremento do comércio com o Oci­
ção daqueles desagradáveis interme­ dente. Este, na verdade, recebeu a
diários, já citados, que dificul tavam chegada dos mong6is com um .. terror
sobremaneira o intercâmbio com o sagrado·, o qual: porém, logo cedeu
Leste. "quando se soube da existência de
Será nesta direção, portanto, que to­ numerosos cristãos entre eles, . . . vi­
dos os esforços portugueses irão se vendo . . . na melhor harmonia, ne­
concentrar, buscando enfaticamente gociando suas mercadorias, (e) exerci­
encontrar um caminho marítimo que tando seus ofícios" (cf. Abreu, 1929,
os ligasse com a fndia através do p. 209).
Oriente. Este alvo, contudo, só será Além disso, "na maioria não-cristã,
alcançado no final do século, em longe de dominar o fanatismo carac-
RONDA NOTURNA 45

terístico dos sarracenos, sentia-se a in­ não o leste como o camjnho mais
diferença completa, se não a tolerân­ apropriado para se alcançar as lndias.
cia larga e a ausência de quaisquer Note-se que a solução preconizada
preconceitos sectários" (cf. Abreu, por Toscanelli não era exatamente
1929, p. 209), o que levava os euro­ nova, pois baseava-se em "teorias cor­
peus a supor que, use os soubessem rentes desde a antigüidade clássica: a
dirigir bem, os Mongáis poderiam tor­ esfericidade da terra, a identidade en­
nar-se auxiliares prestimosos e alia­ tre o oceano ocidental da Europa e o
dos da cristandade na luta contra o oceano oriental da Ásia, (e) a pouca
Islã" (idem). Para tanto, o papa e o distância entre as extremidades dos
rei da França cuidaram de enviar uma dois continentes" (cf. Abreu, 1929,
série de embaixadas ao Grande Kã, p. 2 1 4) . Todavia, o '1ue parece ter
embaixadas que, diga-se de passagem, tido um efeito crucial foi justamente
não conseguiram nada de positivo. a enorme riqueza de detalhes, essen­
No entanto, para Capistrano, "maior cialmente derivados do texto de Mar­
atenção que esses enviados pontifícios co Pala, com que ele recheou a sua
e reais pedem os Palas" (cf. Abreu, proposta, tornando-a extremamente
1929, p. 2 1 0), mercadores venezia­ concreta e particularizada e, conse�
nos que realizaram a façanha de cons­ qüentemente, aumentando bastante a
truir um relacionamento estreito e du­ sua capacidade de persuasão.
radouro com os mongóis. Nosso his­ Esta capacidade, se não conseguiu
toriador conta com algum detalhe a fazer com que os planos de Toscanelli
viagem dos Palas, mas não me pare­ rossem bem recebidos na corte por­
ce que a viagem em si seja o móvel tuguesa, garantiu-lhe ao menos um
principal do seu interesse. Para ele fervoroso adepto, um desconhecido
.
o que m3JS Importa sao as reper- marinheiro genovês que para lá havia
. -

cussões do relato das viagens em es­ sido atraído no processo de organi­


pecial no esplrito de um sábio floren­ zação da Marinha portuguesa: Cris­
tino chamado Paolo Pozza de Tos­ tóvão Colombo. E, com Colombo, en­
canelli. Toscanel li, em 1 474, "fora cerra-se a segunda seqüência do texto
consultado por ordem do rei de Por­ que estamos examinando.
tugal (para se saber) se haveria para Na terceira, retornamos a Portugal
a lndia um caminho por mar mais para aí encontrar Colombo, tão inte­
curto que o de Guiné, feito até então ressado nas sugestões que acabamos
pelos portugueses, aliás sem lograrem de resenhar que "se pode dividir sua
ainda chegar em terra tão desejadu" vida em dois períodos bem caracteri­
(cf. Abreu, 1 929, p. 2 1 3 ) pois, lem­ zados: antes e depois da epístola e da
bremo-nos, o caminho para as r"dias carta geográfica de Toscanelli" (cf.
pelo Oriente só viria a ser descoberto Abreu, 1929, p. 2 1 5). Deste modo,
em 1 486. não é de se estranhar que ele tenha
O que se necessita assinalar é que, empregado todos os argumentos para
na sua resposta, decisivamente ins­ tentar convencer os portugueses a fi­
pirado pela narrativa de Marco Pala, nanciarem uma expedição no rumo in�
Toscanelli sugere aos portugueses dicado por Toscanelli. Não obtendo
uma outra rota para se atingir o êxito em seu intento, terminou sendo
Oriente, urna rota completamente di­ expulso de Portugal em 1484, por
ferente da que eles vinham utilizando motivos ainda não revelados pela do­
até então, pois indicava o oeste e cumentação.
46 ESTUDOS H ISTÓRICOS - 1988/1

Forçado a se transferir para a Es­ rltimo para as Jndias. coroamento de


panha, lá retoma sua pregação com o mais de cinqüenta anos de esforços
mesmo fervor, até que, em 1492, de­ para se localizar uma passagem entre
pois de oito anos de esforços inúteis, o oceano Atlântico e o Indico.
consegue persuadir os soberanos espa­ No entanto, esta "quietude foi per­
nhóis a custearem as despesas de seu turbada por um acontecimento impre­
projeto. Realizou quatro viagens sem­ visto_ Em março de 1493 entrou pela
pre encontrando terra e sempre certo barra do Tejo acossada pelos tempo­
de que havia chegado à {ndia. Afinal, rais uma caravela espanhola, a Nina,
se era o mesmo oceano que banhava trazendo a bordo Cristóvão Colombo,
o flanco ocidental da Europa e o o mesmo dos planos de viagem do
oriental da Ásia, tudo c que fosse des­ Levante pelo Poente rejeitados pela
coberto por este caminho estaria ne­ junta nomeada para examiná-los: o
cessariamente situado no Oriente. emigrado de Portugal, "insaluto hos­
Colombo, assim, sempre imaginaI! pite". . . Descobrira as terras prome­
ter chegado às (ndias. Acreditava pia­ tidas, blasonava; e provava-o até cer-
mente que uma parte do litoral cuba­ 10 ponto, apresentando não especia­
no constituía-se na península de Má­ rias, perfumes e estofos, (mas) alar­
laca e, em sua última viagem. "ou· deando homens evidentemente diver­
vindo falar vagamente de um mar do sos dos brancos da Europa e dos ne­
outro lado da terra, confirmou-se mais gros da África" (cf. Abreu, 1929, p.
na sua teimosia: andava no golfo de 229).
Bengala, do outro lado demorava a A inesperada visita de Colombo tem
(ndia anterior, só restava achar o es­ o efeito de despertar ciúmes, recor­
treito, isto é , o caminho para !á" (cC. dar frustrações e avivar antigas feri­
Abreu, 1929, p. 223). das, causando tal reboliço na corte
Na verdade, por essa época, todos que se chegou a cogitar de matá-lo,
pareciam andar em torno do que Ca­ desafiando-o para u m duelo que cer­
pistrano chama de "ciclo das idéias de tamente lhe seria fatal. No entanto,
Toscanelli", ínclusive o marinheiro es­ a principal conseqüência da sua es­
panhol Vicente Pínzor. , que em 1499 tada parece ter sido a de finalmente
consegue permissão para armar lima conseguir interessar Portugal na rota
expedição, com a ressalva de que suas ocidental para a Ásia, interesse que
licenças para descobrir excluíam todas se evidencia pela disputa que passa
as terras anteriormente visitadas. Isto agora a travar com os espanhóis em
o força a se deslocar para o sul e, torno das terras a serem descobertas
como já foi visto antes, leva-o a des­ a oeste, disputa enfim regulada peio
cobrir o Brasil, o qual, reproduzindo tratado de Tordesilhas.
o equívoco de Colombo, tomou como E, portanto, dentro de um quadro
a ilh. de Ganges, na costa da India. de interesses be!ll mais complexo, que
A terceira seqüência termina aqui. já comporta pretensões a leste e a
oeste, que os portugueses vaQ enVJ3r
- .

No princípio da quarta, voltamos mais


uma vez a Portugal, em torno de a expedição de Vasco da Gama à 10-
1487, um momento particularmente dia, expedição cujo bem-sucedido re­
calmo e feliz da história da aventura torno obriga o rápido preparo de uma
ultramarina portuguesa. Tal felicida­ outra: a de Pedro Álvares Cabral.
de se explica, entre várias outras coi­ Esta, a caminho das lodias, desvia­
sas, pela descoberta do caminho ma- se para oeste e acaba por descobrir
RONDA N O T U R N A 47

o Brasil para Portugal. E o Brasil re­ Jau5S, 1978, p. 92). Se isto é verdade,
cebe desde o primeiro momento lima se o princípio e o fim possuem efeli­
ideDtidade específica, um Dome pró­ vamente esta importância. é evidente
prio inspirado "num pau, matéria·prj· então que o tempo que transcorre en­
ma de certa substância vermelha" - tre eles terá que levá-la em conside­
lembremo-nos do início do texto -, ração. movimentado-se nllma direção
pois .havia a bordo da expedição de determinada, para a frente, para o
Cabral marinheiros que já tinham vi­ futuro, para o final, exatamente como
sitado a África e a Ásia, com Vasco O tempo iluminista que discutimos em
da Gama, aptos por conseguinte a função do texto anterior de Capis­
evitar o erro de Pinzon e a começar trano.
a desmontar o "ciclo das idéias de No primeiro texto, a lese de con­
Toscanelli", atestando que haviam curso de 1883, este tempo linear apa­
chegado a uma Dava terra. recia apenas como um suposto, de
Quero observar, antes de prosse­ importância estratégica, decisiva para
guir, que o texto de Capistrano Dão a própria definição do método histó­
se encerra exatamente aquj, contendo rico. mas com uma presença pratica­
ainda outras seções que descrevem os mente invisível. provavelmente não­
grupos indígeDas que habitavam a pressentida nem mesmo por Capistra­
costa brasileira no momento da des­ no. Neste segundo trabalho, ao con­
coberta, informam sobre o restante da trário, de vai desempenhar um papel
viagem de Cabral e sobre os primei­ central pois, de certa maneira, ao
ros esforços desenvolvidos pelos por­ ocupar todo o espaço que separa o
tugueSes para explorar e colonizar início do final, ele se confunde com
a terra que tinham acab.do de en­ a própria narrativa. ou melhor. con·
contrar. segue amoldá-la em função das suas
características particulares.
Entretanto, para os propósitos da
Mas de que forma, especificamen­
minha análise, isto é, a discussão da te, essa noção iluminista do tempo ori­
narrativa histórica em Capistrano de entaria a narrativa? A certeza de que
Abreu 1., essas outras seções funcio­ se trata de uma linha que se desloca
nam quase com um anticlímax ou um compulsoriamente em uma única di­
post-scriptum. Creio, de fato, que a
reção tem levado alguns autores, em .
conclusão do relato se dá com a des­
especial aqueles que adotam lima pos­
coberta do Brasil, aDtes do final do
tura mais crítica em relação à concep­
texto, pois é somente com ela que o
ção moderna de história (cf. nota 1 5),
longo movimento de contato entre o
a identificarem esta linha com uma
Ocidente e o Oriente, iniciado por
cronologia, o que faria com que os
Alexandre da Macedônia, parece fi­
nalmente completar o seu sentido. seus episódios conhecessem apenas
uma sucessão e uma causalidade bem
E é possível, inclusive, aproveitar­
simples, um vindo depois do outro, o
mos essa questão para dar partida Da
que vem atrás ocasionando o que vem
análise propriamente dita, pois uma
à frente e assim por dianteP
das características principais da nar­
rativa é precisamente a de que ela Ora, o problema é que a narrativa
possui um começo e um fim extrema­ também comporta outra dimensão
mente bem-<lefinidos e solidamente ar­ além da episódica, aquela que Paul
ticulados entre si, um como que pres­ Ricoeur ( 1 980 e 1 ;)84) chama de COIl­
supondo a existência do outro (cf. figuracional, dimensão que aponta di-
4� ESTUOOS H I STÓRICOS - 1 9l!l!/ I

retamente para a categoria central da mente interdependentes, acaba por d"1"


narrativa, a idéia de enredo. sentido ao texto.
De fato, o que me parece essencial J; 16gico que da ligação entre tem­
tanto na narrativa quanto no tempo po linear e enredo decorrem uma sé·
linear que a envolve é que ambos não rie de conseqüências que afetam de
s6 oferecem uma linha para acolher perto a própria natureza da narrativa.
c abrigar os mais distintos eventos, Acredito que, dentre elas, duas de­
como também os articulam entre si, vam ser imediatamente destacadas: a
conseguindo "deduzir um padrão de primeira me parece bem mais eviden·
uma sucessão", construindo e asso­ te e deriva diretamente da modela­
ciando Htotalidades significativas" a gem e da padronização que o enredo
partir de epis6dios dispersos e isola­ termina por impor à narrativa. Ela se
dos, fazendo finalmente com que, refere ao caráter fechado do discurso
narrativo, isto é, ao fato desse dis·
"para ser histórico, um evento curso, possuindo verdadeiro horror à
deve ser mais do que uma ocor­ incompletude, ao vazio, pretender reu­
rência singular: ele recebe a sua nir todos os fios soltos do texto para
definição em função da sua con­ criar uma imagem absolutamente coe·
tribuição para o desenvolvimento rente, regulada e compreensível da
de um enredo" (cf. Ricoeur, realidade, uma imagem onde tudo, até
1980, p. 171).'. o acaso, como no episódio das tor­
mentas que levam Colombo à Lisboa,
Recordemos brevemente, por exem­ pode e deve fazer sentido (cf. White,
plo, o texto de Capistrano: ele está 1985, e lauss, 1978).
dividido em quatro se4üências e cada
A segunda conseqüência desenvol­
uma delas possui uma cronologia pr6-
ve e completa de certo modo a pri­
pria, diferente, mas não isolada das
meira, pois salienta que este discurso
outras. Com isso. os epis6dios que
que se move para a frente de manei­
ele descreve distri buem-se e articulam­
ra absolutamente consistente e orde­
se dentro de cada uma destas seqüên­
nada culmina com uma 'disciplinari·
cias a partir de uma temporalidade
zação' do real, direcionando todos os
específica, formando diversos quadros episódios, seqüências e configurações
que, quando se comunicam, quando da narrativa no rumo do seu final.
se entrelaçam, costuram uma teia que Neste sentido,
enreda literalmente a narrativa.
Não há dúvidas de que a narrativa " a conclusão da história é o p610
é sempre composta de eventos, even­ de atração de todo o processo" (cf.
tos que caminham para o final. Ocor­ Ricoeur, 1984, p. 227),
re apenas que eles caminham associa­
dos, presos em uma rede que transfor­ pois é como se ela estivesse não só
ma meros acontecimentos em partes no fim, mas também ao longo de todo
de uma intriga mais ampla, em um o desenvolvimento do enredo.
movimento extremamente complexo Desta forma, no caso de Capistra­
que, embora sempre tenda para O no, desde as conquistas de Alexandre
fim, conhece paradas, desvios e re­ da Macedônia até a já referida volta
cuos, desde que isto seja necessário acidentaI de Colombo à Lisboa, pas­
para a configuração que, tornando as sando pela descoberta do cabo Verde
seqüências e os episódios absoluta- e o conseqüente desprestígio de Ptolo-
RONDA NOTURNA 49

meu, pela conquista da China pelos à frente. no futuro, para as ciências


mong6is, pela viagem dos Polos e pela naturais,
carta de Toscanelli, tudo se encaminha Ora, o tempo narrativo parece tra­
na direção da descoberta do Brasil, balhar paralelamente a estas ciências
ponto de junção da dimensão episódi­ - e ao método crítico - complemen­
ca com a configuracional, ponto de tando-as, pois enquanto elas se obri­
chegada quc é também, por isso mes­ gam a um progresso contínuo, equiva­
mo, ponto de partida, orientando todo lente ao incessante I)'lovimento do tem­
o moviment.o da narrativa na sua di­ po linear, a narrativa confecciona um
reção. real no qual este tempo, esta flecha,
O predomínio da conclusão sobre finalmente pára, aceitando uma eon­
os out ros momentos e · partes da nar­ clusão. Uma conclusão que consegue
rativa nos obriga inclusive a meditar até incorporar a categoria que apa­
um pouco sobre a visão de mundo rentemente possuía o potencial para
eminentemente tranqüilizadora e con­ causar mais terror no que se refere à
soladora que ela parece gerar. Afinal, visão moderna do futuro: a imprevi­
como diz Benjamin - um tanto enig­ sibiHdade. Assim, como diz Ricoeur
maticamente - a respeito do romance, ( 1 984, p. 277), "uma conclusão nar­
rativa não pode ser nem deduzida
" um homem que morre aos trin­ nem prevista. Não há hist6ria a me­
ta e cinco anos aparecerá sempre, nos que a nossa atenção seja manti­
na rememoração, em cada momen­ da em 'suspence' por mil contingên­
to da sua vida, como um homem cias'" pois s6 assim conseguiremos
que morre aos t�inta e cinco anos" "seguir a história até a sua conclu­
(cf. Benjamin, 1985, p. 2 1 3). são". No entanto, esta incorporação
da imprevisibilidade já não causa
O final, portanto, parece se colar a . ,mais nenhuma apreensão, nenhum
todos os momentos da narrativa, en­ horror, já não é signo de' nenhuma
chendo de sentido e orientação todos possível desordem futura, pois ela só
os seus desdobramentos, e aperfeiçoan­ aparece para ser domesticada, disci­
do, como foi dito antes, aquela visão plinada, na medida mesmo em que
do real como algo completo, regular, um final, se não pode ser previsível,
plena e coerentemente ordenado. que tem que ser necessariamente aceitá­
o enredo dá a impressão de produ­ vel (idem), ou seja, tem que surgir
zi r. U I como uma conseqüência "'natural",
Na verdade, tal vocação 'disciplina­ ainda que inesperada, do enredo, o
rizadora' e anti trágica da narrativé4, que, visto retrospectivamente, Una
pode ser confirmada se, ao explorar- rememoração", retira qualquer tragici­
mos um pouco mais esta supremacia
• •
dade ao imprevisível, deixando-o ape­
da conclusão, percebermos que ela nas na companhia do suspense.
complementa de certo modo- uma das A narrativa, enfim, parece ir-se de­
características básicas do método crí­ finindo eomo uma forma específica,
tico. Este, lembremo-nos. caminhava especial. de se concretizar e retraba­
ao contrário do tempo moderno. para lhar o tempo iluminista, o tempo his­
trás, para O princípio, disposto a or­ tórico, ou melhor, o tempo da con­
dená-lo e a discipliná-lo, a expulsar cepção moderna de hist6ria. Acredito
dali o terror que viesse a encontrar, que a reunião das características até
deixando a tarefa de fazer o mesmo aqui apontadas já é suficiente para
so ESTUDOS H I STÓRICOS - 1 988/1

nos permitir esta primeira conclusão, A ocultação do narrador cria, por


conclusão que, de certo modo, possi­ conseguinte. na narrativa uma impres­
bilita o estabelecimento de um elo, são de objetividade tão forte quanto
mesmo tênue, entre os dois textos de aquela que o método crítico pretendia
Capistrano que aqui foram discuti­ fabricar. Mas, repetindo a indagação
dos.20 que havíamos voltado a levantar há
Entretanto, ainda permanece de pé pouco, como e por que isto pode ser
uma questão levantada anteriormente, explicado? A que se liga esta gigan­
e que diz respeito à análise do nosso tesca vontade de verdade?
problema inicial do relacionamento Afinal, como coloca Hayden White,
entre objetividade e posicionamento se estivéssemos tratando com textos
intelectual do historiador. Tal questão que lidassem explicitamente com even­
se interrogava precisamente acerca da tos imaginários, matéria-prima do dis­
obsessão pela imparcialidade, da cons­ curso de ficção, não haveria o menor
tante e insaciável busca de um lugar problema: quem poderia estranhar se,
neutro, pretensamente desvinculado de nesse tipo de discurso uma pedra QU
qualquer compromisso, de onde se po­ uma árvore subitamente começassem
deria olhar diretamente sobre o real. a falar? Agora, quando se enfoca um
discurso que tem exatamente a inten­
Sem aspirar a responder comple­ ção inversa, de fugir da ficção e
tamente a ela, tenho a impressão. to­ refugiar-se nos fatos, torna-se evi­
davia de que o seu encaminhamento dente que esta questão precisa ser
poderia ser beneficiado se a colocás­ um pouco mais discutida (cf. White,
semos em contato com a quarta e 1 980, p. 8).
última característica do discurso nar­ Na verdade, o próprio White co­
rativo, uma característica que não meça a tentar respondê-la, sugerindo
está exatamente no mesmo plano das que este lugar neutro e oculto, esta
outras, pois mantém uma relação ape­ fortaleza escondida de onde nos fala
nas indireta com o tempo linear e se o historiador, parece ser fundamental­
preocupa basicamente com a ocultação mente o lugar da autoridade. Assim,
do narrador na narrativa moderna. aquela breve alusão que fazíamos há
De fato, o narrador parece ser um pouco entre o historiador e Deus não
pouco como Deus, pois está em toda precisa ser tomada como demasiada­
parte, mas nunca é visto por alguém, mente gratuita. Ela serve ao menos
salvo às vezes nas notas de pé de para nos lembrar que este retraimen­
página, fora da narrativa, o que pro­ to absoluto na narrativa, contraface
duz algumas conseqüências da maior daquela exigência de absoluta objeti­
relevância. Em primeiro lugar, a trans­ vidade na crítica, atua na verdade
formação do relato histórico em espe­ como um poderoso legitimador dos
táculo. mas um espetáculo especiaC vários pressupostos que, como foi vis­
onde as coisas - e as pessoas - to, povoam o discurso da concepção
falam por si mesmas, onde os próprios moderna de história, multiplicando
personagens parecem atuar como pro­ por mil a sua influência, a sua vali­
tagonistas, exibindo-se em carne e osso dade e o seu poder de persuasão,
para o leitor sem a interferência de pois ela nunca fala com sua voz nem
qualquer vontade, de qualquer subje­ com sua própria face, mas apenas com
tividade externa (cf. Jauss, 1978, p. a face e voz da verdade, da verdade
93/94 e White, 1980). dos fatos.
RONDA NOTURNA 51

Parece ser esta ampliação da auto­ e moderna de história. Desse modo,


ridade, finalmente, que explica por no que se refere à primeira delas, ve­
que aquela obrigação de imparcialida­ mos que o esforço para se subjugar
de, introduzida emergencialmente I]a o caos, o acaso e o terror, passa pela
época da Revolução Francesa, conse­ afirmação de uma autoridade explíci­
guiu se firmar e se transformar em ca­ ta que se vale da legitimidade conferi­
racterística permanente e automática da pela tradição para edificar mode­
do moderno discu rso histórico. los que se pretendem capazes de
assegurar orientação e verdade aos
homens.

6 . Hlst6rla e tragédia A crise desses modelos, crise preci­


pitada e simbolizada pela Revolução
Para encerrar, gostaria de colocar Francesa. evidencia a urgente neces­
uma última questão que se interroga sidade de uma transformação radical
sobre o sentido, o objetivo e a finali­ dos procedimentos clássicos de com­
dade desta autoridade que acabamos bate ao trágico, de uma reforma do
de surpreender, indagando com Paul socratismo, reforma que incluiria a
Ricoeur, aqui numa formulação tipica­ adoção de novas formas de luta, mais
mente kantiana. qual o "interesse" da matizadas e sutis.
história, qual o "horizonte teleológico E precisamente como uma resposta
que orienta a sua atividade cognitiva" a esta crise que a definição moderna
(cf. Ricoeur, 1 984, p. 294)? Pergun­
de história virá a ser elaborada, subs­
tando com Kant, que vai tentar res­ tituindo a verdade "ética" pela ver­
ponder com Habermas, indicando que
dade "dos fatos" e. ao mesmo tempo,
" nosso interesse último em fazer histó­ tornando esta última completamente
ria é alargar a nossa esfera de comuni­ inquestionável, inteiramente acima de
cação". pois Ueste interesse expressa a qualquer controvérsia política ou mo­
situação do historiador como um mem­ ral. Isto ocorre porque a verdade "dos
bro do próprio campo que estuda" fatos" se funda em mecanismos críti­
(idem, p. 294). cos e narrativos - de composição
Sem pretender discordar dessa últi­ uniforme e alcance universal - que
ma posição, pois não duvido que o es­ criam a impressão de que ela é frulo
tudo da história aumente o nosso de uma razão absolutamente pura e
repertório de alternativas culturais, transparente, supostamente afastada
ajudando-nos a "revelar as possibili­ de qualquer posicionamento intelec­
dades encobertas do presente" (cf. Ri­ tual ou projeto de poder, e influenciá­
coeur, 1 984, p. 294), creio que ela vel apenas, através de sentidos igual­
precisa ao menos ser associada a uma mente uniformes e universais, pelos
outra, que vincula a atividade histó­ dados da realidade.
rica a uma vontade de evitar ou de Assim, é justamente a conversão do
eliminar a tragédia,'!' lugar de onde o historiador fala em
Na verdade, o confronto com a tra­ um espaço invisível que vai promover
gédia parece constituir-se em um tra­ o fortalecimento de sua autoridade, au­
ço de união que, além de articular o mentando a influência e o poder de
método crítico com a prática narra­ persuasão da reconfortante e regula­
tiva, permite que se vislumbre uma dora ótica por ele veiculada, em um
ligação entre as concepções clássica movimento que só faz ampliar 2 eficá-
52 ESTUDOS HISTÓRICOS - 1988/1

cia do papel desempenhado pela con­ "Descobrimento do Brasil - Seu desen­


cepção moderna de história nesla in­ volvimemo no século XV1", enquanto o
segundo chamou-se "O descobrimento do
cessante batalha travada pelo Ocidente Brasil - Povoamento do solo - Evolu­
contra a tragédia. ção sacia'''. l! preciso assinalar Que o
mesmo volume ainda abriga um terceiro
trabalho dedicado ao tema, não discutido
Notas nesse estudo.

1 . Sobre a concepção clássica de histó­


1 0 . Deve-se observar, portanto, Que o
método histórico - e a própria narrativa,
ria, pode.se consultar os trabalhos de
como será visto na próxima seção - cons­
Arendt, 1972, FureI, 1982, Veyne, 1984,
titui-se em um nível absolutamente cos­
e Koselleck, 1985.
mopolita da atividade do historiador, um
2 . Esta expressão é especificamente nível no qual Capistrano para ser reco­
analisada no livro de Koselleck, 1985, p . nhecido como um profissional competente,
21·38. teve Que controlar os mesmos procedi­
3 . No que se refere a esta fórmula, ,mentos críticos utilizados por seus cole­
deve-se procurar o texto de While, 1985, ! gas no resto do mundo. Isto obviamente
p. 124. •
não Quer dizer que não existam outros
4 . A "querela entre os antigos e o� planos, como o simbólico, por exemplo,
modernos" envolveu uma discussão a res­ nos quais o trabalho do historiador pode
peito da validade dos modelos clássicos receber novas interpretações, mais con­
na Europa do século XVI[ e está bem cretas e singularizantes, mas deixa claro
resenhada em J auss, 1978. , . Quanto aos Que a identidade deste "oHeio", ao me­
antiquários, eles se constituíram em cole­ nos na instância que estamos analisando,
cionadores de antigüidades que, no século não está limitada por fronteiras nacionais,
XVII, foram os primeiros a se relaciona­ até mesmo pela estreita associação que
rem com elas mais preocupados com a estabelece com a moderna deCinição oei­
sua verdade factusl do que com o valor dental de verdade: No que se refere ao
moral dos ensinamentos que podiam pro­ desenvolvimento deste oHcio, pode-se uti­
porcionar, e sâo discl..tidos pelo texto de lizar os textos de Cassirer, 1943 e 1948,
Momigliano, 1983, p . 244-293. Koselleck. 1985, e principalmente Momi­
gliano, 1983.
5 . A idéia de revoluçâo, em particular
1 1 . Creio que as passagens menciona­
no século XVIII, é examinada pelos tra­
das deixam claro o interesse em se com­
balhos de Arendt, 1971, FureI, 1978, e
parar a concepção moderna de história
KoseJleck, 1979 e 1985.
com as discussões ligadas ao desenvolvi­
6 . A Questão do relacionamento entre mento da 6tica de um lado, e com os
objetividade e perspectiva intelectual é debates vinculados à noção de perspec­
explicitamente abordada em Koselleck, tiva na pintura moderna, de outro.
1985, p . 130·155. CJ\ladenius e o ilumi­
1 2 . Uma primeira referência a respeito
nismo alemão são exaustivamente anali­
das novelas góticas pode ser fornecida
sados pelo, trabalho de Reill, 1975.
por Lovecraft ( 1984) , ele próprio um
7 . Os dados biográficos sobre Capis­ importante continuador do gênero.
trano foram levantados nos textos de
1 3 . Acredito Que seja exatamente neste
Vianna, 1955, Coutinho, 1959, Câmara,
contexto Que devam ser compreendidas
1969, e Rodrigues, 1965 e 1970.
as inúmeras referências às "esQuisWces"
8 . A respeito desse assunto, além dos de Capistrano Que podem ser encontradas
seus trabalhos especificamente críticos, reu­ na bibliografia.
nidos na segunda série de Ensaios e estu­
14. Parece não ser descabido, neste
dos, valeria a pena uma consulta aos
'momento, sugerir Que duas das mais in­
volumes da sua Correspondência. (cf.
fluentes "histórias de terror" da moderna
Abreu, 1954) .
literatura ocidental, Drácula e Frankstein, •

9 . Os dois textos Que vamos discutir parecem .t.er uma certa relação com o Que
estão enfeixados em um único volume. acabamos de discutir. Frankstein resulta
publicado em J 929 pela Sociedade Capis­ diretamente de um desarranjo da ciência
Irano de Abreu e intitulado O descobri­ Que, procurando planejar e dominar o fu­
mento do Brasil. O primeiro deles, a tese turo, termina por produzir o horror; Drá­
de concurso de 1883, recebeu o nome de cuia, um senhor medieval Que sobreviveu
RONDA NOTURNA 53

à sua época, a todas as épocas, é uma de um caráter obrigatório no nível que


espécie de ruína, de escombro vivo, ou estamos estudando (cf. nota 10) , pois em
melhor, meio vivo e meio mor 10, exi· outros, como o da teoria. é perfeitamente.
gindo precisamente a intervenção de saber possrvel encontrar-se um autor como
erudito, histórico, ciente das suas parti­ Ranke, capaz de compatibilizar uma ine·
cularidades e fraquezas, quase esquecidas vitável adesilo aos valores iluministas do
na passado, para poder ser eficazmente método e do relato históricos COm o em·
combatido. prego de um quadro intelectual de base
15. Se, de vez em quando, aprendizes essencialmente conservadora (sobre Ran·
de feiticeiro acertam a fórmula de trans· ke, vale a pena uma consulta aos livros
formar chumbo em ouro, creio que vale de Cassir.r, 1948 e de White, 1973). O
a pena assinalar que só muito recente­ próprio Capistrano que, nos textos sob
mente, depois da "escola dos Anais" c exame, parece assumir uma postura teó­
de uma certa articulação da historiografia rica marcada pela ênfase na competição
com a tradição sociológica, de um lado, e no progresso, extremamente congruente,
e com a tcoria literária, de outro. foi que portanto, com um ideal de objetividade
se começou a encont.rar historiadores dis­ e linearidade, pode, contudo, ser interro­
postos a discutir de forma mais ampla o gado ainda em um terceiro plano, o sim­
alcance e a profundidade dos seus pres­
bólico, no qual a sua preocupação com
supostos. Acerca desta "mutação historio­
o descobrimento do Brasil, particularmen­
gráfica", pode-se procurar para uma pri­
meira abordagem os trabalhos de Furet, te se contrastada com o realce dado pela
1982, e de White, 1984. historiografia norte-americana à idéia de
fundação dos Estados Unidos (cf. Arendt,
1 6 . A propósito, gostaria de observar
1975). pode adquirir um inesperado sig­
que, neste trabalho, não pretendo enfren­
tar a questão do complexo relacionamento nificado romântico, totalmente insuspeito
entre a narrativa histórico e a narrativa na dimensão que estamos analisando.
literária, em particular a chamada "prosa 2 1 . No que diz respeito à questão da
de ficção", o romance. Para uma discussão tragédia, acredito que seja indispensável
desse e de outros aspectos da relação en­ uma referência à obra de Nietzsche, em
tre história e ficção, sugiro a leitura dos especial aos seus textos da juventude.
textos de Lima, 1984 e 1986. Além disso, para uma discussão mais re­
1 7 . Estaposição, muito comum nos cente da questão, indicaria o texto de
autores ligados à chamada "escola dos Rosset, 197 1 .
Anais", é sistematizada por Furet, 1982,
p. 5·34.
18, Minhas observações sobre a narra­ Bibliografia
tiva baseiam-se muito fortemente nos tra­
balhos de Ricoeur, 1980 e 1984, White. ABREU. Capistrano, O descobrimento do
1980 • 1985 e de Jauss, 1978.
Brasil. Annuario do Brasil, Rio de Ja­
19, Creio que esta passagem deixa bem neiro, 1929.
claro que pretendo estar discutindo uma --
o Ensaios e estudos ( I.- série), Livra­
concepção eminentemente moderna das ria Briguiet, Rio de Janeiro, 1931.
narrativas, em que a ênfase na conclusão
Ensaios e estudos (2,- série) . livra­
vai se opor ao in acabamento caracterís­
-- ,

ria Briguiet. Rio de Janeiro, 1932,


tico das fábulas e contos tradicionais (cf,
Benjamin, 1985) . Neste caso. sou obrigado
--
oCorrespondência de Capistrano de
a me afastar da perspectiva adotada por Abreu. INLlMEC, Rio de Janeiro, 1954.
Paul Ricoeur (1980 e 1984) . tão innuen­ ARENDT, Hannah. "O conceito de his­
tes em outros momentos deste texto. que, tória - antigo e moderno" in Entre o
parecendo trabalhar com uma definição passado e o luturo. Perspectiva, São
ontológica da narrativa, não leva em con­ Paulo, 1972.
sideração a relevância desta oposição. --
o Sobre a revolução. Moraes. Lisboa,
20, Assinale-se que esta associação en­ 1975.
tre a crítica, a narrativa e o iluminismo
está longe de esgotar todas as possibili­ BENJAMIN, "O narrador" in
WaIter.
dades de leitura de um texto historiográ­ Magia e tünica, arte e polltica, Brasi­
fico. Com efeito, ela só vai se revestir Iiense. São Paulo. 1985.
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