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Como cantar para crianças: diretrizes e sugestões

Professor Dr. Ricardo Dourado Freire (2/ 2000) -


http://www.musicaparacriancas.hpg.ig.com.br/

Publicado nos Anais do IX Congresso da Associação Brasileira de


Educação Musical, Belém- 2000

Este artigo é fruto da minha experiência como professor para crianças


de 0 a 5 anos no programa �Early Childhood Music� da Michigan State
University Community Music School. Foi preparado originalmente para os
pais dos alunos com o intuito de informá-los sobre a melhor forma de
atuar em casa, de maneira a reforçar as atividades desenvolvidas nas
aulas de música.

Estudos sobre o desenvolvimento infantil mostram que a mente humana


desenvolve-se mais rapidamente nos primeiros anos da infância. Segundo
pesquisas do educador estadunidense Edwin Gordon �uma criança nasce
com um nível determinado de aptidão musical que mudará de acordo com a
qualidade do ambiente musical ao qual a criança estará exposta até os
9 anos de idade.�(GORDON, Edwin. Learning Sequences in Music. Chicago,
GIA, 1997). Desta maneira, Gordon desenvolveu uma teoria sobre o
processo de aprendizagem musical para crianças, publicadas no livro A
Music Learning Theory for Newborn and Young Children (Chicago, GIA,
1997) no qual ele explica os processos e estágios do desenvolvimento
musical de bebês e crianças.

Gordon afirma que o processo de aprendizagem musical ocorre de maneira


similar ao aprendizado de uma língua materna. A criança deve estar
exposta ao seu idioma e interagir com seus pais e familiares de
maneira a desenvolver a capacidade de ouvir, seguido da fala e do
domínio da linguagem (GORDON, Edwin; TAGGART, Cynthia; REYNOLDS,
Allisson; VALERIO, Wendy. Music Play. Chicago, GIA, 1998). A aplicação
destes princípios linguísticos ao ensino de música oferecem à criança
a possibilidade de familiarizar-se com o idioma musical desde uma
tenra idade, de maneira que a música seja absorvida como uma linguagem
natural para a criança.

Baseado na experiência de Gordon formulei algumas sugestões


importantes sobre como abordar o ato de cantar com o objetivo de
facilitar a aprendizagem musical de crianças de 0 à 5 anos.

1. Cantar para as crianças e não com as crianças.

A maioria das crianças não está pronta para cantar em grupo antes dos
cinco anos de idade. Ainda não estão preparadas para coordenar voz,
respiração, pulsação e a pronúncia ao mesmo tempo em que cantam com
outras crianças ou um adulto em tempo real. Muitas crianças estarão
tentando imitar o que o adulto faz uma fração de segundo atrasada e
sem capacidade de avaliar se o que eles estão cantando está certo ou
errado. Da mesma maneira que professores e pais lêem para crianças,
mesmo que estas não estejam alfabetizadas, torna-se necessário cantar
para as crianças de maneira que elas absorvam as canções antes de
reproduzi-las cantando.

A maneira como o professor canta será de extrema importância para a


modelagem da forma de cantar para a criança. Faz-se necessário lembrar
que o aprendizado musical é um processo, da mesma maneira que o
aprendizado de um idioma no qual a criança precisa se sentir
confortável para participar em grupo. Ao observar crianças desta faixa
etária, notem que cantam para si mesmas, algumas vezes ao mesmo tempo
que outras crianças estão cantando, mas cada uma no seu mundo
individual.

2. Quando estiver cantando olhar nos olhos de cada Criança.

O aprendizado musical está diretamente relacionado com a aquisição da


linguagem. Da mesma maneira que um adulto normalmente fala com um bebê
olhando para ele, faz-se necessário que ao cantar o adulto também olhe
para a criança. No caso de uma criança de 2 anos ao falar com o adulto
apenas aceitará uma resposta quando este estiver olhando diretamente
para ela. Em sala de aula, os alunos ficam mais interessadas em
canções quando o professor mantém contato visual com cada uma, olhando
sistematicamente para os alunos e tentando interagir com os mesmos e
sempre sorrindo de uma maneira agradável e atrativa.

Relembrando a interação entre pais e bebês, os pais normalmente


repetem todos os sons que a criança emite, principalmente os
balbucios. A criança também passa por um estágio de balbucio musical
no qual ela está �testando� o ambiente sonoro e tentando reproduzir
os sons ouvidos. O professor poderá então imitar todos os sons
produzidos pela criança, independentemente se estes sons são
relacionados com as canções apresentadas. O fato mais importante é que
a criança sinta-se um ativo participante do grupo musical e que suas
participações sejam valorizadas. Somente com auto-confiança ela irá se
soltar e cantar nas aulas.

3. Cantar, sempre que possível, músicas sem a letra.

A maioria das crianças passa grande parte da primeira infância


decifrando a linguagem falada. Quando se canta músicas com letra,
invariavelmente as crianças prestam primeiro atenção à letra e segundo
à musica. Ao observar crianças cantando é muito comum constatar que
estas estão dizendo as palavras metricamente, mas a melodia musical
esta completamente distorcida. Infelizmente, muitos adultos aceitam
esta fala metrificada como música, sacrificando o aprendizado da
melodia, o que não pode ser aceito. Em um ambiente onde somente canta-
se música com letra as crianças não aprenderão a melodia, mas apenas
as letras das músicas.
Uma abordagem eficaz para professores será escolher uma canção e
apresentá-la primeiro sem a letra, somente com sílabas neutras como
pah (a mais acessível a todas as crianças). Após algumas sessões em
que a música foi cantada várias vezes com sílaba neutra torna-se
possível a introdução da letra sem prejuízo para o conteúdo musical.

4. Cantar na tessitura vocal apropriada para crianças.

Pesquisas feitas nos EUA mostram que crianças não conseguem reproduzir
vocalmente músicas cantadas em registros muito graves ou muito agudos.
Normalmente elas possuem uma tessitura vocal específica na qual elas
conseguem cantar bem, abaixo desta tessitura ela apresenta a voz
falada e acima da tessitura a voz gritada. A tessitura vocal mais
apropriada para crianças encontra-se entre o Ré 3 e Lá 3, notas na
região do Dó central. Os professores devem estar conscientes das
diferenças entre a voz cantada (som contínuo e ressonante) e a voz
falada (som espaçado e sem ressonância) para poderem modelar a maneira
de cantar corretamente. Normalmente as tonalidades mais apropriadas
serão Ré Maior, Ré menor, Mib Maior, Mi Maior, Mi menor e em alguns
casos Sol Maior, Sol menor, Lá Maior e Lá menor. O professor homem não
deverá nunca cantar em falsete, pelo contrário, ele deverá manter uma
voz leve e agradável. Caberá ao professor escolher a tonalidade
adequada para cada canção e manter a consistência durante o semestre
ao cantar novamente as canções escolhidas, sempre nas mesmas
tonalidades.

5. Cantar as músicas sempre nas mesmas tonalidades.

Imagine hipoteticamente que o pai ou professor ao ensinar as cores


para a criança indique que o nome de determinada cor é laranja, no dia
seguinte ele indica a mesma cor designando-a como alaranjado, e no dia
seguinte cor-de-abóbora. Seria uma grande confusão na cabeça das
crianças. No entanto a mesma confusão ocorre na mente das crianças
quando se ensina a mesma música em tonalidades diferentes. Pesquisas
indicam que para a maioria das crianças, uma mesma canção apresentada
em diversas tonalidades são percebidas como canções diferentes. Nesta
situação o professor poderá ter sempre um diapasão, um xilofone de
brinquedo ou uma flauta doce para servir como referência para cantar
as canções escolhidas sempre nas mesmas tonalidades.

6. Valorizar o silêncio entre cada canção e mesmo entre a repetição


das mesmas.

Da mesma maneira que são necessários parágrafos para a compreensão de


um texto, nós precisamos de silêncio para compreender a música.
Pequenos períodos de silêncio são importantes para que as crianças
possam repetir internamente o que foi apresentado e sintetizar as
informações apresentadas. Muitas vezes as crianças irão repetir em
casa o que foi aprendido na sala de aula, ou no carro, ou em alguma
situação na qual ela possa pensar sem interferências externas. Durante
a aula, dois ou três segundos entre a repetição de cada canção são
extremamente eficazes para a retenção do material apresentado.

A tarefa de criar um ambiente musical rico para crianças não é uma


�Missão Impossível�, no entanto faz-se necessário que pais e
professores tenham informações sobre como ocorre a aprendizagem
musical das crianças e possam oferecer informações musicais adequadas
ao desenvolvimento infantil. Crianças são naturalmente abertas e
interessadas em música e cabe aos adultos permitir que elas possam
desenvolver este imenso potencial musical. Além de tudo, música será
sempre uma das atividades mais agradáveis para ser compartilhada em
grupo, na sala de aula ou em família.

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