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Resumo: O objetivo deste trabalho é analisar a relação entre gênero e Síndrome de Burnout em profissionais
de enfermagem hospitalar. Através da pesquisa bibliográfica realizada, observou-se que a divisão sexual do
trabalho estabelecida em função do gênero é fundamental para entender o modo de inserção das mulheres
no mercado de trabalho, explicando a construção da Enfermagem como uma profissão feminina. Destacou-se
a exaustão emocional, que está relacionada com a sobrecarga de trabalho e é uma das dimensões de Burnout
em que as mulheres pontuam de forma significativamente mais acentuada que os homens. Já na despersonali-
zação, as mulheres pontuam de modo significativamente menor que os homens.
Abstract: The objective of this work is to analyze the relation between gender and Burnout Syndrome in nurs-
ing professionals. Through a carried bibliographical research, it was observed that the sexual division of the
work established in function of the gender is basic to understand the way of insertion of the women in the work
market, explaining the nursing professional as a feminine one. In this direction, it was distinguished emotional
exhaustion (EE), that is related with the work overload and is one of the dimensions of Burnout Syndrome in
which women is much more affected than men. In the other side, the depersonalization (OF) affected much
more the man than the women.
1 Mestre em Economia Doméstica pela Universidade Federal de Viçosa. Docente da Faculdade Santa
Rita – FaSaR.
2 Mestre em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Minas Gerais. Docente da Pontifí-
cia Universidade Católica de Minas Gerais e da Faculdade Newton Paiva.
UNIMONTES CIENTÍFICA
Montes Claros, v.10, n.1/2 – jan./dez. 2008
magem nasce como um serviço organizado pela in- ao institucionalizar, na Inglaterra Vitoriana (1862),
stituição das ordens sacras. uma profissão para as mulheres, para a qual elas são
A Enfermagem coexiste com o cuidado do- “naturalmente preparadas”, a partir de valores que
méstico às crianças, aos doentes e aos velhos, as- se consideravam femininos. Ao longo do processo
sociado à figura da mulher-mãe que desde sempre de profissionalização, esses valores e atributos serão
foi curandeira e detentora de um saber informal de diferentemente explorados no trabalho institucion-
práticas de saúde, transmitido de mulher para mul- alizado (LOPES; LEAL; 2005).
her. Em função disso, a marca das ordens religiosas Conforme Pitta (1999), o hospital consti-
impõe à enfermagem, por longo período, seu exer- tui um privilegiado espaço de profissionalização do
cício institucional exclusivo e ou, majoritariamente, trabalho doméstico, uma vez que utiliza desta tec-
feminino e caritativo. Aliás, o tardio processo de nologia introjetada culturalmente pelas mulheres,
profissionalização atesta essas características e repro- criando uma situação singular: o fato de que a quali-
duz as relações de trabalho sob o peso hegemônico ficação para o desempenho das tarefas cotidianas não
da medicina “masculina” (LOPES; LEAL: 2005). é adquirida por vias institucionais reconhecidas. Por
Ao considerar o processo de feminização da isso, ela costuma ser negada (ignorada?) tanto pelos
Enfermagem um fato histórico, Lopes; Leal (2005) hierarquicamente superiores, quanto pelas próprias
associam o cuidado de saúde aos processos de reor- trabalhadoras, servindo como um pano de fundo im-
ganização técnica, administrativa e política das in- portante para a “subqualificação” desse tipo de tra-
stituições de saúde, particularmente hospitalares. As balho.
autoras afirmam que “é fato analisado por diferentes Pode-se dizer, então, que na Enfermagem,
estudiosos a indução do processo de institucionali- as enfermeiras não são mulheres na sua maioria por
zação capitalista do trabalho na saúde à seletividade acaso. As enfermeiras são produtos de uma con-
de um tipo ideal de cuidadora” (LOPES; LEAL: 2005, strução complexa e dinâmica da definição de “ser”
p.109). da enfermagem e das relações entre os gêneros, na
As descobertas microbiológicas e os in- qual os valores simbólicos e vocacionais são um ex-
úmeros procedimentos técnicos advindos das Ciên- emplo da concepção de trabalho feminino baseada
cias Biológicas e da Medicina, aliados a um período em qualidades, ditas naturais, que ainda influenciam
de profundas alterações nas relações de trabalho o recrutamento majoritariamente feminino da área
(Revolução Industrial), consolidam o campo de tra- (LOPES; LEAL; 2005).
balho da Enfermagem. Nesse sentido, a divisão sexu- No Brasil, houve uma expansão de institu-
al do trabalho assenta-se em uma tipologia de trabal- ições hospitalares nas décadas de 60 e 70 — durante o
hador/trabalhadora. Portanto, é a noção de cuidado, ciclo de expansão econômica denominado “milagre
enquanto ação concebida como feminina e produto brasileiro” —, influenciando diretamente a Enferma-
das “qualidades naturais” das mulheres, que fornece gem, que deveria oferecer uma assistência de baixo
atributos e coerência ao seu exercício no espaço for- custo e desqualificada. Isso porque a finalidade dessa
mal das relações de trabalho na saúde. Nessa per- expansão era reduzir custos com a utilização de pes-
spectiva, os valores simbólicos e vocacionais, intro- soal sem qualificação ou menos qualificado (baixos
duzidos no recrutamento de trabalhadoras, apelam salários) e em menor número, para manter a mesma
para a entrada seletiva das mulheres nesse espaço quantidade de serviços prestados (LAUTERT; 1997).
profissional apropriado, cultural e socialmente, ao Dessa forma, a lógica capitalista, aliada aos senti-
seu sexo (LOPES; LEAL: 2005). mentos de religiosidade que marcaram a enferma-
A Enfermagem, em cuja essência encontra- gem, explorou intensamente estes profissionais. Res-
se o cuidado, teve no Brasil seu marco para confor- saltavam-se como qualidades do bom profissional
mação enquanto profissão, na década de 20, quando a obediência, o respeito à hierarquia, a humildade,
enfermeiras norte-americanas implantaram o siste- o espírito de servir e a disciplina. Em função disso,
ma nightingaliano, com a criação da Escola de Enfer- Lautert (1997) destacou as dificuldades de ordem
magem Ana Nery, no Rio de Janeiro (MUROFUSE profissional que os trabalhadores de enfermagem
et al.; 2005). A denominação de “sistema nightinga- enfrentam, pois possuem uma organização política
liano” deve-se à influência de Florence Nightingale frágil, com baixa remuneração e quase sem autono-
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A incorporação do gênero no estudo da Síndrome de Burnout
MATOS, A.A.; JÚNIOR, M.D.
constrói enquanto pessoas, pode-se afirmar que con- como um dos fatores responsáveis pela alta pontu-
struímos nossa identidade também no modo como ação em exaustão emocional (EE) em sua pesquisa
nos inserimos no mercado de trabalho. Dessa for- sobre a incidência da Síndrome de Burnout em do-
ma, a atividade de cuidar, historicamente delegada centes de nível superior pertencentes às Faculdades
à mulher, seguindo os padrões da divisão sexual do de Ciências Biológicas e da Saúde.
trabalho, determina as possibilidades de inserção das Outra variável que deve ser destacada é a
mulheres no mercado de trabalho. sobrecarga, pois tem sido apontada por diversos au-
É o que expressa Kergoat (1987), citada por tores como predisponente ao Burnout. A sobrecarga
Neves (2004), quando afirma que são as relações so- diz respeito tanto à quantidade como à qualidade ex-
ciais que fundamentam os lugares e as práticas de cessiva de demandas que ultrapassam a capacidade
homens e mulheres na divisão do trabalho e suas de desempenho, por insuficiência técnica, de tempo
transformações. O conjunto de competências ad- ou da infra-estrutura organizacional (BENEVIDES-
quirido pelos trabalhadores masculinos e femininos PEREIRA: 2002a).
na família e na escola, forma um conjunto de saberes Ao estudar os aspectos psicossociais entre
e habilidades que serão apropriados no local de tra- trabalhadoras de enfermagem, Araújo e colabora-
balho. dores (2002) destacaram como objetivo avaliar a as-
Souza-Lobo (1991), destaca a importância da sociação entre demanda psicológica e controle sobre
articulação entre espaço doméstico e espaço produ- o trabalho e a ocorrência de distúrbios psíquicos
tivo na definição da divisão sexual do trabalho. As- menores (DPM) entre estes. Para tanto, utilizaram
sim, a própria qualificação é sexuada e reflete crité- uma amostra de 502 mulheres em um estudo trans-
rios diferentes para o trabalho realizado por homens versal, e que trabalham em um hospital público de
e mulheres. Salvador, Bahia. A hipótese do trabalho é que os efei-
Assim, as representações sociais de gênero, tos nocivos sobre a saúde, provenientes de elevados
construídas social e culturalmente, influenciam a en- níveis de demanda e estimulação ambiental exces-
trada de homens e mulheres no mundo do trabalho siva, acarretam, especialmente entre as trabalhado-
e se constituem como fator fundamental da segmen- ras de enfermagem, a identificação da sobrecarga de
tação ocupacional e da divisão sexual do trabalho. trabalho como um dos principais fatores de estresse
Dessa forma, ressalta-se a importância de ocupacional.
incorporar a dimensão de gênero nos estudos so- Dos resultados obtidos, destaca-se a alta
bre Burnout. A baixa pontuação em despersonali- prevalência de DPM que é de 33,3%, indicando sério
zação (DE) pode ser explicada em função da “natu- problema de saúde mental na população estudada.
ralização” do cuidado, permitindo que as mulheres A prevalência encontrada foi superior a outros es-
continuem exercendo atividades que lhes esgotam tudos de grupos ocupacionais. O estudo confirmou
emocionalmente e fisicamente. Essa dimensão da a associação positiva entre trabalho em alta exigên-
síndrome tem uma característica importante no pro- cia, realizado em condições de baixo controle e alta
cesso de adoecimento, pois, ao “coisificar” os usuários demanda, e DPM, através da utilização do modelo
de seu serviço, os indivíduos criam estratégias de en- de Karasek. Além disso, destaca-se a importância de
frentamento para o estresse crônico. Acredita-se que considerar as características do trabalho doméstico,
as mulheres, em função de sua socialização, possuem pois a sobrecarga doméstica foi amplamente referida
maiores habilidades para expressar suas emoções, neste estudo, principalmente na sua relação com a
porém, isso reduz as estratégias de enfrentamento, sobrecarga de trabalho (ARAÚJO et al; 2003).
aumentando sua vulnerabilidade ao agravamento da As autoras indicam que este aspecto tem sido
síndrome. negligenciado em investigações sobre estresse e tra-
Além disso, as mulheres pontuam de forma balho, incluindo o modelo adotado (modelo de Kar-
significativamente superior aos homens na dimen- asek). A permanência de sobrecarga doméstica no
são exaustão emocional (EE). A explicação para essa final da análise reforça a necessidade de incorporar a
diferença está na questão da dupla jornada de tra- avaliação da carga total de trabalho aos estudos sobre
balho. A multiplicidade de papéis, profissional, do- saúde e ocupação, considerando as atividades reali-
méstico e materno, foi apontada por Mendes (2002), zadas nos locais de trabalho e no âmbito doméstico.
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A incorporação do gênero no estudo da Síndrome de Burnout
MATOS, A.A.; JÚNIOR, M.D.
mens em função dos papéis atribuídos em função de dade de São Paulo, Ribeirão Preto, 2005.
seu gênero.
Além disso, de forma geral, os resultados DINIZ, G.. Mulher, trabalho e saúde mental. In:
mostram diferenças significativas nos níveis de CODO, W. (org). O trabalho enlouquece? Petrópolis:
despersonalização (DE), uma vez que as mulheres Vozes, 2004.
pontuam de modo significativamente menor que
os homens. Visto que essa dimensão se constitui na ELIAS, M. A.; NAVARRO, V. L. A relação entre o
elaboração de estratégias de enfrentamento das con- trabalho, a saúde e as condições de vida: negativi-
dições negativas advindas do contexto laboral, de dade e positividade no trabalho das profissionais de
modo que o indivíduo se “afasta” emocionalmente enfermagem de um Hospital Escola. Revista Latino-
das atividades realizadas, pode-se inferir que as mul- americana de Enfermagem. São Paulo, v. 14, n. 4, p.
heres estão mais vulneráveis ao agravamento ou pro- 517-525, jul-ago, 2006.
gressão da síndrome de Burnout.
Portanto, se a socialização para os diferentes GIL-MONTE, P. R. Influencia del gênero sobre el
gêneros pode ser a base para a explicação dessas proceso de desarrollo del síndrome de quemarse por
diferenças na síndrome de Burnout, é fundamental el trabajo (burnout) em profesionales de enfermería.
desenvolver pesquisas que incluam a dimensão de Psicologia em Estudo. Maringá, v. 7, n.1, p.3-10, jan-
gênero como fator diferenciador do desencadeamen- jul, 2002.
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