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A LEI n° 12.318/10 como mecanismo de violação de direitos das mulheres.

A Lei n° 12.318/10, mais conhecida como Lei de alienação parental (LAP),


à época de sua criação, fora celebrada pela comunidade jurídica. No entanto, após mais
de uma década de vigência da Lei, as problemáticas vieram a aparecer ao que se refere
a sua verdadeira aplicabilidade e o seu uso bastante controverso nos litígios. E atrelado
à isso, estar sendo usada como mecanismo de violação de direitos das mulheres, as
crianças.
Nesse cenário, a ações de inconstitucionalidade ADI 6273, e o PL 6371/19,
cujo teor pede a sua revogação.
1. Definição e origem
O termo alienação parental passou a ter visibilidade quando, na década de
1980, o médico norte-americano e psiquiatra infantil Richard Gardner, desenvolveu o
conceito de Síndrome da Alienação Parental (SAP).
Seria a experiencia de uma criança sendo manipulada ou treinada por um dos
pais para se voltar contra o outro pai (alvo), e resistir ao contato dele, sendo esse
alinhamento com um dos pais e a rejeição do outro, durante as disputadas de guarda dos
filhos após os procedimentos de divorcio ou separação.
Gardner, listou 8 critérios para a sua constatação: “1º – campanha de
programação cerebral da criança realizada por um genitor para que ela rejeite o outro
genitor; 2º - a criança apresenta justificativas frágeis, absurdas ou frívolas para a rejeição;
3º - falta de sentimentos conflitantes em relação ao genitor alienado; 4º – a criança que
externa opinião própria (fenômeno do pensador independente; 5º – apoio automático da
criança ao genitor alienador; 6º – ausência de sentimentos de culpa em relação ao genitor
alienado; 7º – presença de encenações encomendadas, isto é, de relatos ou histórias,
contadas pelas crianças; 8º – propagação de animosidade aos amigos e/ou a família
alargada do genitor alienado. As crianças que sofrem de SAP podem atender a todos esses
critérios em maior ou menor número”1.
Embora o estudo acerca da SAP tenha se espalhado pelo mundo, o trabalho
de Gardner foi duramente criticado por instituições e profissionais de saúde mental. Uma
das críticas diz respeito ao fato de que Gardner fez carreira como psiquiatra forense,
atuando em mais de 400 (quatrocentos) casos de divórcio litigioso, fazendo crer que teria
criado a SAP para utilizá-la como arma de defesa nos processos que atuava (A PÚBLICA,
20172).

1
GARDNER, Richard. Parental Alienation Syndrome vs. Parental Alienation: Which
Diagnosis Should Evaluators Use in Child-Custody Disputes? The American Journal of
Family Therapy, 2002, p. 97, disponível para consulta in
http://dx.doi.org/10.1080/019261802753573821
2
CHIAVERINI, Tomás. Lei expõe crianças a abuso. A Pública. 24 jan. 2017.
Disponível em: <https://apublica.org/2017/01/lei-expoe-criancas-a-abuso/
Conforme bem esclarece a ex-juíza do Tribunal Constitucional de Portugal,
Maria Clara Sottomayor, que critica a teoria, relata que a SAP não foi reconhecida como
doença pela Associação de Psiquiatria Americana. Não consta da Classificação
Internacional de Doenças da Organização Mundial de Saúde nem do Manual de
Estatística e Diagnóstico da Academia Americana de Psiquiatria. A Suprema Corte dos
Estados Unidos se pronunciou contra a validade científica da SAP, seja por não preencher
o critério de admissibilidade de aceitação geral na comunidade científica, seja pelo
critério da falta de base científica e metodológica. A maioria dos trabalhos de Gardner
não foi publicada em revistas com avaliação do tipo paper review, mas divulgada por
intermédio de seu próprio site pessoal, bem como por associações de pais divorciados.
Não constam das bases de dados da maior parte das bibliotecas e universidades norte-
americanas3.
Dessa forma, conforme nos traz em argumento à ADI n° ADI 6273 “pode-
se dizer que a SAP é uma construção operacional, sem base ou rigor científicos nos
campos jurídico, da psiquiatria e da psicologia, que não tem capacidade de resolver os
problemas dos conflitos parentais. Pelo contrário, os agrava4.”

2. LAP NO BRASIL – Lei n° 12.318/2010


Ressaltamos inicialmente a sua criação que carece de legitimidade, uma vez
que aprovada sem os debates sociais minimamente necessários em que:
- Realizada 1 Audiência pública, em que não houve participação de nenhum
Conselho profissional
- Mulheres mães não participaram, contanto tão somente com a Associação
de Pais composta por 20% mãe e 80% pais.
- O Tema fora tratado com superficialidade
- A justificativa da LAP, a SAP de Richard Gardner
E ainda, os resultados práticos à sua aplicabilidade, vem demonstrando ser
essa usada como mais um mecanismos a fim de silenciar mulheres.
Não podemos dissociar a prática da teoria. Vivemos em uma sociedade
machista, por meio de um sistema patriarcal que inferiorizou e inferioriza as mulheres.
Não seria diferente em nosso sistema de justiça.
Assim, não haveria como ser a LAP diferente.
O artigo 2°, CAPUT, define o que vem a ser um ato de alienação,
conceituando como sendo:

3
SOTTOMAYOR, Maria Clara. Uma análise crítica da síndrome de alienação parental e
os riscos da sua utilização nos tribunais de família. Revista Julgar, n. 13, p. 83, 2011.
4
Ação direta de Inconstitucionalidade n° 6273 disponível em:
http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813Disponível
“ Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação
psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos
genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua
autoridade, guarda ou vigilância para que repudie genitor ou que cause
prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este.

Parágrafo único. São formas exemplificativas de alienação parental, além dos


atos assim declarados pelo juiz ou constatados por perícia, praticados
diretamente ou com auxílio de terceiros:

I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício


da paternidade ou maternidade;

II - dificultar o exercício da autoridade parental;

III - dificultar contato de criança ou adolescente com genitor;

IV - dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar;

V - omitir deliberadamente a genitor informações pessoais relevantes sobre a


criança ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço;

VI - apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra


avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou
adolescente;

VII - mudar o domicílio para local distante, sem justificativa, visando a


dificultar a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com
familiares deste ou com avós.5”

Na teoria a Lei é para todos, mas na prática não, não existe uma aplicação
igualitária de normas aos homens e as mulheres. Existe uma presunção de que à mulher
sempre está mentindo, a desqualificação da sua fala. Assim, à quem seria direcionado os
artigos supra?

3. LAP e a Litigancia abusiva

O artigo 2° da Lei n° 12.318/2010, inciso VI, acrescenta como formas de


Alienação Parental a “falsa denúncia contra o genitor, contra familiares deste ou contra
avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a criança ou adolescente”.

5
Lei n° 12.318 de 26 de agosto de 2010. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm
Assim, a norma entende que o genitor guardião, de modo a programar o
infante conta o outro genitor ou familiar, pode formular denúncia falsa, alegando prática
de abuso sexual e, assim, configurar AP.

Ocorre que, no Brasil, a realidade ao que se referem os abusos sexuais, são “


a de que as maiores vítimas de estupro são mulheres menores de idade e os agressores
são em geral, seus conhecidos. De acordo com os registros de 2017 e 2018, 75,5% das
vítimas tem algum vínculo com os estupradores. Eles podem ser pais, padrastos, tios,
vizinhos, amigos. O maior perigo está quase sempre dentro de casa6.”

O problema que surge com o advento dessa lei nasce justamente da grande
probabilidade de a denúncia de abuso sexual ser verdadeira.

Casos, submetidos a uma análise concreta, como feito por Luciana de Paula
Gonçalves Barbosa e Beatriz Chaves Ros de Castro, no TJDF7, notou-se que não houve
alienação parental de fato, havendo um alto índice de requisições alegando a Alienação
Parental quando o outro genitor apresenta denúncia de abuso sexual.

“Dos cinco casos em que houve acusação, nos autos, de abuso sexual contra
a criança em questão ou algum outro filho do sistema familiar perpetrado pelo
pai, em quatro o SERAF confirmou indícios de abuso. Em todos eles, o pai
perpetrador do abuso sexual acusava a genitora da criança de alienação
parental. Identificou-se, entretanto, que o movimento da mãe de evitar ou
restringir o acesso da criança ao núcleo familiar paterno ocorria em virtude
do receio de novos abusos.8”

4. Conclusão

Como a Lei brasileira foi criada com base em uma teoria frágil, é evidente
também que seu teor apresentaria lacunas e inconsistências capazes de prejudicar
crianças, adolescentes e conforme exposto as mulheres.

Por esse motivo, a falta de legitimidade, embasamento cientifico e todo o


contexto social o qual vive a nossa sociedade, à uma certa urgência para que seja essa
revogada.

6
Araujo, Ana Paula Araujo. Abuso, a Cultura do Estupro no Brasil. Editora: Globo
Livros. Pg 27;
7
BARBOSA, Luciana de Paula Gonçalves. CASTRO, Beatriz Chaves Ros
de. Alienação Parental: Um retrato dos processos e das famílias em situação de
litígio. Brasília: Liber Livro, 2013.
8
Ibidem p. 194, 195
Referências:

Ação direta de Inconstitucionalidade n° 6273 disponível em:


http://portal.stf.jus.br/processos/detalhe.asp?incidente=5823813Disponível

ARAUJO, Ana Paula. Abuso: A Cultura do Estupro no Brasil. Editora: Globo Livros. Pg
27, 1ª Edição - 2020;

BARBOSA, Luciana de Paula Gonçalves. CASTRO, Beatriz Chaves Ros de. Alienação
Parental: Um retrato dos processos e das famílias em situação de litígio. Brasília:
Liber Livro, 2013.

CHIAVERINI, Tomás. Lei expõe crianças a abuso. A Pública. 24 jan. 2017.


Disponível em: <https://apublica.org/2017/01/lei-expoe-criancas-a-abuso/

GARDNER, Richard. Parental Alienation Syndrome vs. Parental Alienation: Which


Diagnosis Should Evaluators Use in Child-Custody Disputes? The American Journal of
Family Therapy, 2002, p. 97, disponível para consulta in
http://dx.doi.org/10.1080/019261802753573821

Lei n° 12.318 de 26 de agosto de 2010. Disponível em:


http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12318.htm

SOTTOMAYOR, Maria Clara. Uma análise crítica da síndrome de alienação parental e


os riscos da sua utilização nos tribunais de família. Revista Julgar, n. 13, p. 83, 2011.

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