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Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ


Programa de Pós-Graduação em História Comparada – PPGHC
Instituto de História – IH

Data de Aprovação
Rio de Janeiro, __ de ____________ de ____
Data de Submissão -----de-----------de--------

Disponibilidade
dinestela@gmail.com

A UMBANDA DE PAI FABRÍCIO E A


DEVASSA DE 1941

FABRÍCIO'S UMBANDA AND


THE DEVASSA OF 19

Mestranda Dine Estela Moreira Morais Santos


Programa de Pós-graduação em História Comparada (UFRJ)
Orientador: Prof. Dr. Carlos Ivanir dos Santos
https://wwws.cnpq.br/cvlattesweb/PKG_MENU.menu?
f_cod=8D81A73F50BAE552CF41F50C4952A07E

Rio de Janeiro
2023
2023
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RESUMO
Em 1941, os jornais cariocas noticiavam as prisões de vários líderes religiosos, entre eles, o
morador da rua Zélia, nº 4, em Madureira, Custódio de Souza Caravana Filho, 28, branco, que
professava uma fé numa religião de matriz africana, debelando neste fato, os indícios do
“racismo cultural”. Caravana Filho não estava sendo preso ou reprimido pela cor da sua pele,
mas pela religião que professava e que estava diretamente ligada às práticas religiosas dos
africanos, considerada fora dos padrões europeus adotado no Brasil pelos colonizadores. Que
religião era essa, de onde vem, o que quer e para onde vai. Seus mitos e históricas de cura.
Estes são alguns dos questionamentos levantados por esse trabalho dissertativo que se propõe
a trazer à luz, sob a perspectiva de análise da história comparada como a ritualística da
umbanda africanista com traços da nação Omolokô, praticada pelo escravizado Fabrício, no
século XIX chegou ao século XXI diante de tantas lutas contra a intolerância religiosa e o
racismo.

Palavras-chave: Omolokô, Umbanda, matriz africana, família Caravana, história


comparada.

ABSTRACT
In 1941, Rio newspapers reported the arrests of several religious leaders, among them, the
resident of Rua Zélia, nº 4, in Madureira, Custódio de Souza Caravana Filho, 28, white, who
professed a faith in an African-based religion, quelling in this fact, the signs of “cultural
racism”. Caravana Filho was not being arrested or repressed for the color of his skin, but for
the religion he professed and which was directly linked to the religious practices of Africans,
considered outside the European standards adopted in Brazil by the colonizers. What religion
was that, where did it come from, what does it want and where is it going. Its healing myths
and stories. These are some of the questions raised by this dissertation that proposes to bring
to light, from the perspective of comparative history analysis such as the ritualistic of
Africanist umbanda with traces of the Omolokô nation, practiced by the enslaved Fabrício, in
the 19th century reached the 21st century in the face of so many struggles against religious
intolerance and racism.

Keywords: Omoloko, Umbanda, African matrix, Caravan family, comparative history.


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INTRODUÇÃO

No Brasil foram codificadas no último século, vários tipos de umbanda com as mais
variadas ritualísticas, no entanto, neste trabalho de pesquisa iremos nos ater com base em uma
perspectiva comparada em como a ritualística da umbanda africanista com traços da nação
Omolokô, praticada pelo escravizado Fabrício, no século XIX no Norte Fluminense do Rio de
Janeiro chegou até o século XXI diante da intolerância. Essa vertente religiosa já foi
identificada em várias regiões do Brasil, mais precisamente nos estados do Espírito Santo,
Minas Gerais e Rio de Janeiro e completou 109 anos em 2023.
Para chegar tão longe e fugir das perseguições policiais e religiosas, fora preciso
muitas adaptações que incluíram práticas de sincretismos, hibridismo e discurso oculto no
entanto, esta prática religiosa segue algumas premissas básicas das tradições religiosas
africanas como a crença em uma divindade suprema que governa o universo. Essa divindade é
frequentemente associada à criação, fertilidade e vida; crença nos ancestrais que são
considerados sagrados, e que são vistos como intermediários entre os vivos e a divindade
suprema.
Os rituais desempenham um papel fundamental nas religiões tradicionais africanas.
Eles podem incluir danças, cânticos, oferendas e abate religioso. Outro fator preponderante é
a importância da comunidade: As religiões tradicionais africanas enfatizam a importância da
comunidade e da solidariedade entre os membros. O bem-estar individual é visto como
estando diretamente ligado ao bem-estar da comunidade e frequentemente enfatizam a
importância da natureza e a conexão entre todos os seres vivos. A natureza é vista como
sagrada e como um presente da divindade suprema.
A Dr. Nilma Accioli menciona Maria de Batayọ e Custódio Caravana em vários
trechos de sua tese de doutorado "Das casas de dar Fortuna ao Omolokô: trajetórias, práticas e
lugares da memória", mas em particular no capítulo 3, onde discute a relação entre as práticas
religiosas dos escravizados no Brasil e as religiões africanas. Lá, ela destaca a figura de
Custódio Caravana, que era um líder religioso que praticava uma forma de religião afro-
brasileira que continha elementos da nação Omolokô. Accioli também menciona Maria de
Batayọ, uma escravizada que, segundo ela, era uma importante sacerdotisa de uma forma de
religião afro-brasileira que também incorporava elementos da nação Omolokô.
"Os traços da Nação Omolokô começaram a ser identificados nas práticas
do escravizado Fabrício em uma fazenda do Rio de Janeiro nos anos de
1830, além de ser identificado também nas práticas religiosas da
escravizada Maria Batayọ e seu filho Dawe de Oxóssi, babalorixá, filho
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natural de Batayọ que viveu por cerca de 100 anos. Ele fez a iniciação
espiritual (fazer o santo) em Custódio Caravana, precursor da Umbanda
de Pai Fabrício, batizado como Oxóssi Arranca Toco, babalorixá que viveu
72 anos" (Accioli, 2019, p. 10).

Diversos historiadores e estudiosos das religiões de matriz africana afirmam que o


Omolokô é um culto originário da Nação Angola. Entre eles, podemos citar Vagner
Gonçalves da Silva, autor do livro "Omolokô: O culto dos Inquices na Bahia"; Renato da
Silveira, autor do livro "Omolokô: Uma religião africana no Novo Mundo"; e Marcos A.
Gonçalves, autor do livro "Omulu-Ketu: Iniciação e Identidade Étnica na Diáspora Africana".
Vale ressaltar que o Omolokô é uma religião que possui diversas versões e variações, e cada
uma delas pode ter sua própria origem e história.
Segundo a versão de um dos precursores do Omolokô no Brasil, o Tatá Inkice
Tancredo da Silva Pinto, descrita no livro de Ornato José da Silva em 1923: “Culto Omolokô
- Os Filhos de Terreiro; uma das versões para a morfologia da palavra "Omolokô" pode ser
uma corruptela de "Nkisi Molokô", sendo "Nkisi" uma divindade das religiões bantas e
"Molokô" um nome de lugar na região de Congo-Angola. Outra possibilidade seria a
derivação da palavra "Molokô" de "Moleque", uma vez que os escravizados chamados de
moleques eram utilizados para atividades domésticas nas senzalas, e posteriormente, os
adeptos do culto Omolokô se reuniam na casa dos moleques para realizar seus ritos. Essa
suposição sobre a morfologia da palavra também é citada na tese de doutorado da Dr. Nilma,
no entanto, a origem exata da palavra "Omolokô" ainda é tema de debate entre os estudiosos
da religião, e existem diversas teorias a respeito.
Não iremos nos aprofundar neste contexto que não é o objetivo central deste artigo, no
entanto, será de suma importância citar algumas características desta ritualística para
entendermos as origens africanistas da Umbanda de Pai Fabrício e como ela teve de se
mascarar perante a sociedade para fugir da repressão policial orquestrada pelo racismo
estrutural que perpetrou por vários séculos até os dias atuais (XXI).
Os relatos e registros históricos da convivência do escravizado Fabrício e da
escravizada, Maria Batayọ ainda na década de 1860, na fazenda brasileira, hoje conhecida
como Fazenda do Secretário em Vassouras, na região Norte Fluminense do Rio de Janeiro,
nos levam a crer, que este possa ter sido o início da prática dos ensinamentos do culto
Omolokô no Rio de Janeiro, passadas para o filho do administrador da fazenda, Custódio de
Souza Caravana, inclusive com a incorporação do próprio escravizado nele, anos depois de
sua feitura. O escravizado Fabricio depois de falecido, chegou a ser reconhecido como
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visitante de pessoas adoecidas como cita o próprio Tatá Inkice Tancredo da Silva Pinto em
uma publicação do Jornal O Dia, de maio de 1968, citada pela Dr.ª Nilma Teixeira:
Todas as vezes que qualquer pessoa ficava muito doente em quaisquer
fazendas e os médicos já os consideravam incuráveis, apareciam pretos
velhos (já falecidos) e nestas aparições, nas horas sagradas da noite, iam
à cabeceira de doentes que, ao amanhecer, estavam plenamente curados.
Estas aparições começaram com Pai Manoel da Luz, Pai Tomás, João
D'Angola, Pai Fabrício e Pai João da Costa. (ACCIOLLI, 2017).

Com este trecho, a Dr.ª Nilma Teixeira, acredita que o depoimento de Tancredo, que
destaca a aparição de Pai Fabrício entre os pretos velhos da época, pode sugerir que a prática
do culto Omolokô já existisse e fosse praticada por Pai Fabrício e que já tivesse contato com
as experiências religiosas dos africanos-centrais e seus descendentes vindos de Vassouras, Rio
de Janeiro, assim como a existência da negra Maria de Batayọ e Custódio de Souza
Caravana. Segundo a nota do jornal, mesmo que Tata Tancredo não conhecesse Custódio, já
tinha conhecimento das aparições do preto velho Fabrício e suas histórias de cura.  

DE ONDE VÊM

O escravizado Fabricio possivelmente tenha chegado ao Rio de Janeiro no século XIX


em meados de 1830, e logo foi levado para a Fazenda do Secretário, na cidade de Sebastião
dos Ferreiros, hoje distrito de Vassouras, (foto em anexo). Nesta época, o Brasil tinha o maior
número de escravizados de sua história, numa cidade que mais parecia uma cidade africana
pela quantidade de negros africanos perambulando pelos centros urbanos lutando para
sobreviver, empregando todo o seu conhecimento e suas habilidades trazidas de sua terra
natal.
Naquela época existiam várias categorias de escravizados, os de ganho: que trabalhavam
nas ruas e vendiam suas habilidades ou produtos para seus donos, os que trabalhavam na
colheita, os que trabalhavam na casa grande e os que trabalhavam como os curandeiros da
fazenda e faziam o papel do médico, já que os donos não contratavam estes especialistas com
tanta facilidade para cuidar dos enfermos da fazenda. Fabrício, ao que tudo indica, exercecia
esse papel. Ele trabalhava com ervas consideradas hoje como medicinais, segundo relatos
passados pela família Caravana (Neto de Custódio). E mesmo hoje em quando incorpora nos
médiuns da casa, continua a utilizar estas ervas como fonte dos seus tratamentos espirituais.
Eles prometiam curar além dos males do corpo, mas também os males da alma. Há
fortes indícios de que o africano Fabrício possa ter sido um curandeiro e sangrador, no
entanto, não temos a informação de que estivesse registrado na (Fisicatura Mor), uma espécie
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de ordem dos curandeiros e sangradores da época, onde eles prestavam provas de que sabiam
lidar com estas técnicas. Este era um órgão responsável por regulamentar, normatizar e
fiscalizar tudo ligado à saúde pública. Existia uma hierarquia de prestígio em que os médicos
oficiais estavam no topo da pirâmide, seguidos dos curandeiros e parteiras que exerciam uma
medicina alternativa e auxiliar. Claro que esta medicina era muito confrontada porque estava
muito ligada a uma religiosidade africana baseada na ancestralidade, muito através das
incorporações. Essa realidade em uma época banhada pelo catolicismo era tradada como
demonização e muito perseguida. Mesmo que não tenhamos conhecimento de que ele tenha
se submetido às provas que lhe concederiam esta licença
A família relata que foi o escravizado Fabrício cabou por curar o filho do administrador da
fazenda de epilepsia, segundo relatos da família e este menino viria a ser a pessoa que iria
levar os rituais de cura deste escravizado e sua religiosidade pelos próximos séculos, e
transformar no que conhecemos no século XXI como a Umbanda Africanista de Pai
Fabricio no Brasil. O nome desse menino era Custódio de Souza Caravana.
Para investigar as origens dessa umbanda africanista com traços da nação Omolokô
praticada pelo africano Fabricio será necessário conhecer um pouco mais das origens do
próprio africano que possivelmente recebeu esse nome em batismo pela igreja católica.
Seguindo o raciocínio das práticas religiosas do Omolokô citada por tata Tancredo da Silva
Pinto como uma cultura de Angola, Congo ou Moçambique, acreditamos que o africano possa
ter vindo também de uma destas regiões. Os indícios históricos como roupas, penteados,
língua (bantu), cicatrizes na pele (sem relatos), rituais religiosos, são elementos que podem
ajudar a descobrir sua origem africana.
O que se descreve em relação ao Kalundu na época fazia referência às práticas
mágicas ou mediúnicas, cultos com a presença de danças, música, batuque de tambores e
atabaques. Para a colônia, era feitiçaria e tratada como crime, tanto pelo código civil das
organizações Filipinas, como pelo tribunal eclesiástico. Então adivinhações e adoração aos
ancestrais africanos eram considerados adoração aos demônios pela igreja católica, também
criminalizados pela justiça da época com severas punições que incluíam penas de morte
através da forca e fogueia, além de outras práticas de tortura. As práticas de feitiçaria, por
exemplo, eram punidas com pena de morte.
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PARA ONDE VÃO

A fazenda para onde o escravizado Fabrício foi levado como cativo (foto em anexo),
foi construída em meados do século XIX (1830) por Laureano Corrêa e Castro, o Barão de
Campo Belo. O título de Barão lhe foi agraciado em 1854 pelo Imperador Dom Pedro II.  Ela
despontava no final do século XIX, com a cafeicultura, na Freguesia de São Sebastião dos
Ferreiros, distrito atualmente da cidade de Vassouras, Região Norte Fluminense do Rio de
Janeiro; e se destacou no cenário da região por seu avanço em relação a outras localidades
pela ousadia em acreditar na utilização de outros sistemas de trabalho em substituição à
escravidão.
  A propriedade chegou a possuir 500.000 (quinhentos mil) pés de café e 366 (trezentos
e sessenta e seis) escravizados. Consta de seu inventário, parte da sua tulha, localizada do lado
direito da casa, onde situavam-se 51 (cinquenta e um) lances de senzalas, identificadas no
inventário como “Casa de Colono”, 5 (cinco) enfermarias e 10 (dez) casas para empregados.
As senzalas já não existem mais, mas há um cemitério clandestino (foto em anexo),
que segundo relatos da família Caravana seria destinado aos cadáveres dos escravizados e
onde acredita-se estar os restos mortais de Fabrício. No entanto, nem mesmo uma exumação
seria suficiente para se ter certeza de que estes possam ser os restos mortais de Fabricio, haja
vista, não haver nenhum componente genético de comparação para a realização de tal
acareação, mas este túmulo está identificado como pertencente ao escravizado. (foto em
anexo).

A ORIGEM CARAVANA
A história da família Caravana no Brasil começou efetivamente quando dois
portugueses, oriundos de Barcelos, Portugal, Luís Maria de Sousa Caravana (+8/7/1840) e
Alberto de Sousa Caravana (+15/6/1851), decidiram emigrar para o Brasil. A família passou
por Minas Gerais e depois se fixou em São Sebastião de Ferreiros, Vassouras, Norte
Fluminense do Rio de Janeiro. O mais velho, Luís, casou-se, em 28/07/1870 com Cândida
Clara na Freguesia de São Sebastião dos Ferreiros. Nasceu o primeiro filho do casal, Custódio
de Sousa Caravana. Luis Maria veio a falecer em 28/05/1874. O irmão mais novo, João,
casou-se com a cunhada, Cândida Clara, em 21/09/1874, falecido em 03/12/1927. Ambos
eram filhos de Antônio José Caravana e Luiza Rosa de Souza Caravana. Do casamento de
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João Alberto nasceram em 02/05/1877 Alberto de Sousa Caravana, falecido em 02/08/1962 e


em 1881, Antenor de Sousa Caravana, falecido em 25/04/1941. 
A família era tradicional católica como toda família portuguesa (ou quase). Só a parte
de Custódio de Souza Caravana, que passou a praticar o espiritismo com uma mistura de
Omolokô, cabula, Calundu e kardecismo. Adjalmira Caravana (Janaina), mesmo sendo a
caçula de Custódio Caravana Filho, não seguiu a linha religiosa do pai. Chegou a liderar um
centro espírita Kardecista no Rio de Janeiro por muitos anos, mas a medicina não lhe deixara
sobrar muito tempo para outras atividades.  Em termos religiosos, a família é muito eclética. 
Segundo fragmentos históricos contados pela própria família, os Caravanas que
vieram para o Brasil, foram para Minas gerais, na região de Juiz de Fora, logo em seguida
para Vassouras, onde está localizada a fazenda do Secretário e também um dos terreiros mais
antigos da linha religiosa.
A família Corrêa e Castro, seria formada por primos dos Caravana, que teriam os
convidado a morar na fazenda quando chegaram de Portugal, assumindo assim, a
administração do local, onde através de seus serviços, conseguiram formar capital e comprar
as terras que seriam de Custódio de Souza Caravana, no município do Rio de Janeiro, então
capital da república, localizadas em Madureira, arredores de Senador Vasconcelos e em
outros municípios como Nova Iguaçu, onde hoje é Queimados e Vassouras, distrito de Barão
de Juparana.

SEUS MITOS E HISTÓRIAS DE CURA

O culto praticado no século XIX, pelo escravizado era conhecido como Kalundu ou
Cabula, e era praticado assim por Fabricio e por Custódio de Souza Caravana que fundou a
primeira casa de santo na cidade de Queimados em 1914 e Tata Tancredo fundou a primeira
federação de umbanda Omolokô em 1950 em Belo Horizonte. Ou seja, depois de 36 anos de
existência da casa de Pai Fabrício no Rio de Janeiro que completou em 2022, 108 anos de
existência no Brasil.
No início de suas práticas religiosas, por conta da repressão policial, Custódio
Caravana não utilizava o tambor para não chamar a atenção, assim como também não fazia
aglomerações com as famosas rodas de umbanda atuais. Seu trabalho se resumia em um
quartinho onde ele recebia as entidades e atendia as pessoas com as suas orações. Esse
quartinho funcionava na Rua João Bernardo, (Centro), Queimados, RJ. Nesta rua hoje estão
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instalados o Banco do Brasil e a Controladoria Geral do município. Ele também atendia em


Madureira antes de doar as terras para a expansão urbana da cidade.
Depois de sua morte, seu filho Custódio de Souza Caravana Filho (Custodinho), abriu
a Casa de Pai Fabrício na rua Custódio de Souza Caravana, 27, Centro de Queimados,
resgatando algumas características do culto Omolokô: com filhos de santo, cantos e danças
para os Orixás, comidas de santo, abate religioso e muito batuque. No entanto, mantendo o
sincretismo religioso com o catolicismo e o espiritismo de Alan Kardec iniciados por seu pai.
Essa prática também foi identifica nos rituais de Maria de Batayọ, na mesma época.
Não se sabe se os dois conviveram na mesma fazenda, mas pelos relatos históricos publicados
pelo site Acervos, o fato de seu trigésimo-sexto e último filho-de-santo revelar que embora
tenha sido feito em casa de Batayọ, aprendeu muito do que sabia com Custódio Caravana, de
Oşoọsi, babalorişa, feito por seu filho biológico, projeta-se uma ligação de ambos com as
origens do culto Omolokô, disseminados por pai Fabrício e Maria de Batayo. 

UM ACORDO DE CAVALHEIROS (NEGOCIAÇÃO SOCIAL)


Segundo relatos da família Caravana, havia um “acordo de cavalheiros” entre o
Caravana (1867-1939) viveu 72 anos e o Tata Tancredo, este teria nascido 37 anos depois de
Caravana (1904-1979) e viveu 75 anos: O acordo na época teria se dado da seguinte forma
como relatam os membros da família Caravana:

Por se tratar na época de uma sociedade elitista, não tinha como propagar
os rituais africanos livremente, devido a influência da recém abolição, já
que muitos Barões do Café, ainda estavam revoltosos. Então, preferiu
Custódio de Souza Caravana (avô) de Fabricius Custódio de Souza
Caravana, criar a linha de Pai Fabrício, misturando os aprendizados
adquiridos na senzala da Fazenda do Secretário com Pai Fabrício e Maria
de Batayọ, pois há relatos de que o Omolokô teria sido instituído no Rio de
Janeiro também por ela, uma escrava nascida na África em 1797, quando
de sua iniciação no Omolokô por Dawe, unindo a prática do kardecismo
com suas teorias, estudos e práticas, que estavam sendo aceitas pela
sociedade na época, como também, associando alguma parte do
catolicismo no sincretismo religioso da época. Dessa forma, ele não foi
elevado ao grau de um dos criadores do Omolokô, mas já existia desde
sua época, preferindo criar um segmento próprio, de acordo com suas
teorias e aprendizados. Sendo divulgado entre seus seguidores e
consulentes. Lembrando que Custódio de Souza Caravana, estava no meio
político, tinha então que se preocupar em manter sua imagem e respeito,
para não ser atacado pelos intolerantes e perseguidores da fé advinda da
África. (entrevista concedida pelo neto de Custódio de Souza Caravana e
atual zelador da Cabana de Pai Fabrício em Queimados concedida em
19/02/2019). 
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O Omolokô é uma prática religiosa afro-brasileira que tem suas origens nas tradições
culturais Yorubá da África Ocidental. Algumas de suas principais características incluem:
Sincretismo religioso: o Omolokô é uma religião que apresenta um alto grau de sincretismo
religioso, incorporando elementos de várias outras tradições religiosas, incluindo o
cristianismo, o islamismo e o candomblé.
Adoração aos Orixás: a prática do Omolokô inclui a adoração aos Orixás, que são
divindades da tradição Yorubá. Cada Orixá representa uma força da natureza ou um aspecto
da existência humana, e é invocado para proteção, orientação e bênção.
Rituais e cerimônias: o Omolokô envolve uma série de rituais e cerimônias, incluindo
oferendas, danças, cantos e invocações. Esses rituais são realizados para honrar os Orixás e
pedir sua ajuda e proteção.
Crença na ancestralidade: a tradição do Omolokô enfatiza a importância da
ancestralidade e da conexão com os antepassados. Os praticantes acreditam que os
antepassados têm o poder de interceder em seu nome e ajudá-los a superar dificuldades e
desafios.
Importância da comunidade: o Omolokô é uma religião que enfatiza a importância da
comunidade e do trabalho em equipe. Os praticantes se reúnem regularmente para
compartilhar experiências, aprender uns com os outros e apoiar uns aos outros em suas
práticas religiosas e em suas vidas cotidianas.

A “DEVASSA DE 1941”
Mesmo depois deste “acordo de cavalheiros” para tentar mascarar a religião e fazer
com que ela passasse despercebida pela perseguição religiosa aos cultos africanos, em 1941,
“um bando de macumbeiros” seriam presos e seus pertences religiosos apreendidos pela
polícia e o filho de Custódio de Souza Caravana, o conhecido Custodinho foi preso num
processo identificado como “A Devassa de 1941”.
Em 1934, o presidente da República, Getúlio Vargas, havia instituído o decreto nº
24.531/34, publicado em 2 de julho de 1934, que estabelecia em seu art. 33, que caberia à 1ª
Delegacia Auxiliar, processar a cartomancia, mistificações, magias, exercício ilegal da
medicina e todos os crimes contra a saúde pública e o fato da umbanda de Pai Fabricio se
utilizar das ervas para a realização de curas, foi um dos motivos para a invasão dos terreiros e
a prisão de Custódio de Souza Caravana Filho que tinha apenas 28 anos de idade.
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Custodinho chegou a ficar preso no presídio Frei Caneca, no centro do Rio de Janeiro
por 26 dias, como consta sua ficha encontrada nos anais do Arquivo Estadual da Polícia
(documentação em anexo). No entanto, logo foi libertado devido ao reconhecimento de seu
trabalho social junto à comunidade e a grande relação política de seu pai, Custódio de Souza
Caravana. 
Em 1941, os jornais cariocas noticiaram as prisões de vários líderes religiosos, entre
eles, o morador da rua Zélia, nº 4, em Madureira, Custódio de Souza Caravana Filho, 28,
branco, que professava uma fé numa religião de matriz africana, debelando neste fato, os
indícios do “racismo cultural”. O conceito foi cunhado pelo filósofo e psiquiatra Frantz Fanon
em sua obra "Pele Negra, Máscaras Brancas" publicada em 1952.
A Devassa de 41, foi identificada por uma sequência de prisões arbitrárias ocorridas
no cair da noite de um final de semana sombrio em que os registros destas ocorrências são um
verdadeiro mistério para os pesquisadores que ainda não encontraram muitos inquéritos
policiais destas prisões, no entanto, os objetos sagrados apreendidos nesta época hoje figuram
em uma reserva técnica composta por um acervo de mais de 500 peças que estão sendo
preparadas para acesso ao público pelo Museu da República do Rio de Janeiro. O Acervo está
sob a guarda do Museu, contando com uma Gestão Compartilhada com o GT (Grupo de
Trabalho formado por pesquisadores e líderes religiosos que auxiliam os trabalhos
museológicos e de identificação das peças).
As matérias que se referem às prisões parecem ter saído de um único assessor de
imprensa porque o mesmo texto figura em vários jornais, as matérias eram idênticas e
mantinham o conteúdo vago sobre dia, local e quais os enquadramentos pertinentes aos
artigos de cada mandato de busca e apreensão. O pesquisador Prof. Dr. Eduardo Possidônio,
um dos coordenadores d GT, acredita que a semelhança nas notícias dos jornais se dá pelo
fato de todos estarem reunidos no mesmo lugar em uma coletiva de imprensa. “O diretor da
D.G.I., o Sr. César Garcez reúne os jornalistas no auditório do Palácio da Polícia e passa um
relatório das principais lideranças presas na operação, daí a semelhança nas publicações”,
explica.
Em seus apontamentos, o Prof. Dr. Eduardo Possidônio, destaca que a “Devassa de
1941”: “foi um evento que fugiu à normalidade, mesmo sendo o Rio de Janeiro uma cidade
habituada com as perseguições as casas afro-cariocas”. Observou.
O chefe de polícia Filinto Muller ordenou a duas importantes delegacias: Delegacia
Geral de Investigação – DGI e a 1ª Delegacia Auxiliar contra tóxicos entorpecentes e
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mistificações, essa, responsável pelas apreensões até então realizadas contra as casas afro-
cariocas. Ainda segundo as observações de Possidônio, o Jornal do Commercio de sexta a
sábado, anunciava que 35 turmas de policiais trabalharam na Devassa de 1941. Sendo 62
terreiros invadidos e 78 pessoas presas. Mas documentos da DGI e da 1ª Delegacia não foram
encontrados para compreender os motivos destas prisões, mesmo que estes estejam implícitos.
“O evento das prisões ocorre em 48h, de sexta 28/04 para sábado 29/04 e pela
quantidade de terreiros invadidos e lideranças religiosas presas, a publicação nos jornais fugiu
a “normalidade” desses fatos. Alguns jornais em anexo relatam a prisão de mais de 80
religiosos que teriam sido levados para o prédio central da polícia civil no Centro do Rio”,
observou o pesquisador.
Na exposição "Liberte Nosso Sagrado", da qual Possidonio é um dos curadores, ele e
sua equipe busca resgatar a memória da Devassa de 1941 e da resistência afro-brasileira à
repressão dos cultos religiosos. A exposição tem como objetivo mostrar a riqueza e
diversidade da cultura afro-brasileira e sua contribuição para a construção da identidade
brasileira.
Neste episódio histórico, ficou muito claro que somente líderes das religiões de matriz
africana foram presos neste fatídico final de semana e entre eles estava Custódio de Souza
Caravana Filho que não chegou a ser levado para o presídio de Ilha Grande, mas para o
presídio Frei Caneca no centro do Rio onde ficou por 26 dias.
Caravana Filho não estava sendo preso ou reprimido pela cor da sua pele, mas pela
religião que professava e que estava diretamente ligada às práticas religiosas dos africanos,
considerada fora dos padrões europeus adotado no Brasil pelos colonizadores.
O título da matéria do Diário da Noite anunciava: “Um grupo de “macumbeiros” na
polícia federal”. Juntamente com Custódio Caravana Filho também foram presas outras
lideranças religiosas de matriz africana. A matéria fala de sua prisão aos 28 anos, mas fazia
muito mais referências ao seu pai como o “grande chefe e célebre na prática da magia negra”.
Uma contradição encontrada nessa manchete está no fato de ele ser muito procurado para
trabalhos que tranquilizavam a alma e o coração, sendo o terreiro mais procurado da região.
Ou seja, o mestre da “magia negra” que fazia o bem.
A nota ainda fazia referência ao seu patrimônio material ao citar que Custódio Filho
possuía várias propriedades, incluindo sítios na região de Queimados. A Cabana de Pai
Fabrício foi identificada na matéria com o nome de seu São Sebastião, padroeiro da Casa e
ainda funcionava na rua João Bernardo onde funciona atualmente uma agência do Banco do
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Brasil na cidade de Queimados. Numa pequena casinha alugada um pouco mais acima nesta
rua, seu pai já atuava com atendimentos mediúnicos.
A nota ainda trazia a notícia de outros "macumbeiros" presos neste mesmo dia
enquadrados nos artigos 156, 157 e 158. Vale ressaltar, que dentre as características dos
outros detidos, não se fazia referência à posses, apenas a questões religiosas1.

Fonte: hemeroteca digital disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-


digital/

Como é possível observar na página do jornal disponível no site da hemeroteca, assim


ficaram dispostos os nomes dos presos neste dia e as características do trabalho espiritual de
cada preso, mas não fala os motivos da prisão:
“RICARDINA GOMES DA COSTA - residente à rua Mário Carpenters, n,
206, no Encantado, com 35 anos de idade, trabalhando há oito anos no
"terreiro", "protegida" de "vovó Maria", especializada em "problemas do
coração" dando também "consultas" e "receitando" para os doentes da
alma e do coração. DOLORES DE CARVALHO FERREIRA - Residente à rua
Barão de São Francisco Filho, n. 221, casa 1, com 17 anos de idade,
prática a doutrina há dois anos, "protegida" de Xangô Mirim",
especializada na "reza" d'água. ADELAIDE RIBEIRO BABO - Residente à
Estrada do Cajá número 155, na Penha, com 42 annos de idade, trabalha
há 5 annos na "magia", tem como "protetor" o "Caboclo 7 Estrelas", faz
"sessões" da "passes" "reza" e "faz trabalhos". (Trecho ilegível).
CUSTODIO DE SOUZA CARAVANA FILHO - residente à rua Zélia, n, 4, em
Madureira, com 27 annos de idade, trabalhando há muitos anos na
1
Fonte: hemeroteca digital disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/
14

"doutrina", filho do "chefe" na "prática" dos "serviços" da "magia negra".


Custódio é presidente do "centro S. Sebastião de Queimados". É
proprietário de várias casas e sítios, tem uma renda de mais de quatro
contos de réis. Especializado em "trabalhos para "tranquilidade" da alma e
do coração. O centro da sua direção é o mais procurado pelos "crentes".
CYPRIANO DOS SANTOS - Residente à rua Jacinto Alcides número 83, em
Bangu, exerce os "serviços" da "magia" há... Trecho ilegível. Especializado
em casos de amor. CANDIDO NARCISO CAMACHO GOMES - Residente à
rua Coronel Rangel, n. 66, Cascadura, portuguez, com 48 annos de idade,
"trabalha" na "magia" há mais de 28 annos sob a "proteção" de "Xangô".
É iniciador de "mediunidades" da "passes", faz "rezas" e "receita".
SIZENADO JOSE DA SILVA -Residente à rua Cardoso de Melo, n. 52, em
Oswaldo Cruz, com 60 annos de idade, filho de índios, trabalhando há 16
annos para a "Magia Negra" no "terreiro" e no "estado" sob a "proteção"
do "Caboclo Yama", Especializado na "therapeutica" da loucura, dizendo
ter "encarado inúmeros casos" trabalha em toda a sorte de "Ebó", que na
linguagem dos "mackumbeiros", quer dizer "despacho".”

Custodinho foi preso com sua mesa de santo, além de outros objetos considerados
sagrados. Os objetos do senhor Custódio não foram encontrados dentre os que estão na
reserva técnica do Museu da República em visita pelo seu filho Fabrícius Custódio de Souza
Caravana, no último dia 15 de fevereiro de 2023, mas seu nome está em todos os jornais que
noticiaram essas prisões da época, inclusive com uma foto coletiva em que Fabrícius acredita
ter identificado seu pai ainda jovem. (foto em anexo).
Muitos objetos e dados destas pessoas presas podem ser encontrados nos processos
criminais arquivados no Arquivo Nacional de 1988 a 1945, data das prisões. No entanto,
muitos das fichas dos possíveis inquéritos da “Devassa de 41” foram encontrados por esta
pesquisa no Arquivo Estadual da Polícia do Estado do Rio de Janeiro.
Vários pesquisadores como Yvonne Maggie, Valquíria Velasco e Arthur Valle,
mapearam vários destes terreiros invadidos e líderes presos nesta época e colaboraram muito
para o acervo, mas os processos de 1941 ainda são uma incógnita.
A pesquisa "Geografias da Repressão: Experiências, Processos e Religiosidades no
Rio de Janeiro (1890 – 1929)" de Valquíria Velasco, levanta algumas hipóteses a respeito das
práticas repressivas no Rio de Janeiro, como por exemplo: A repressão às religiões de matriz
africana no Rio de Janeiro no período estudado estar relacionada a uma tentativa de
construção de uma identidade nacional branca e europeizada; As práticas repressivas foram
utilizadas para combater práticas consideradas "desviantes" e ameaçadoras à ordem social e
política estabelecida; As prisões e perseguições aos praticantes das religiões de matriz
africana, em especial o candomblé e a umbanda, foram justificadas pela acusação de
charlatanismo, exploração da credulidade pública e atentado aos bons costumes; As ações
repressivas também foram utilizadas como forma de manter a hierarquia social estabelecida e
15

de controle dos corpos e das subjetividades dos indivíduos, principalmente dos grupos
considerados "perigosos". Essas hipóteses são discutidas e problematizadas ao longo da
pesquisa, a partir da análise de processos criminais e outras fontes documentais.
A pesquisa de Ivone Maggie em sua tese: "Medo do Feitiço: relações entre magia e
poder no Brasil", nos levar a entender melhor, como o medo da magia e das práticas religiosas
africanas por parte das autoridades e elites brancas do Brasil colonial e imperial estava
intimamente ligado ao medo do poder que os negros africanos e seus descendentes poderiam
exercer. Ela argumenta que o medo da magia serviu como uma forma de controle social e
dominação, permitindo que as autoridades coloniais e depois as elites republicanas
mantivessem a população negra e afrodescendente em um estado de opressão e
marginalização. Ao mesmo tempo, ela também mostra como os próprios praticantes da magia
e religiões afro-brasileiras usaram essa mesma magia para resistir e se opor à opressão e
injustiça.
Muitos dos objetos apreendidos juntos com os líderes ficavam sob a tutela do Serviço
de Tóxicos, Entorpecentes e Mistificações, do Departamento de Ordem Política e Social
(Dops) responsável por apurar casos de charlatanismo, uso de drogas e práticas de “baixo
espiritismo”.
Até 1938, os objetos eram armazenados como quaisquer provas de crime. Naquele
ano, porém, o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional – Iphan, tomou a decisão
de tombar os bens confiscados de cultos de matriz africana, e ficaram no Museu da polícia por
mais de 80 anos, até que, em 21 de setembro de 2020, deixaram o (Dops-RJ) para passar a
integrar o acervo do Museu da República, no antigo Palácio do Catete através de uma
exposição denominada "Sagrado Afro-brasileiro" que também já foi denominada pela polícia
de: "Coleção de Magia Negra". E, atualmente é denominada pelos líderes do movimento
negro e de religiões de matriz africana como “Libertem nosso Sagrado”. Mas para que este
nome torna-se oficial também fora preciso várias batalhas, até que no último dia 21 de março
de 2023, uma portaria foi publicada pelo próprio instituto, mudando oficialmente o nome do
acervo, que no livro de tombo etnográfico ainda constava como "Magia Negra”, e agora
passou a se chamar “Nosso Sagrado”. O anúncio foi feito pelo superintendente regional do
Iphan no Rio, Paulo Vidal no último dia 20 de março de 2023.
Logo depois de sair da prisão em 1941, Caravana Filho, também chamado de
“Custódinho” teria comprado o terreno na rua Kalapalos, atual Rua Capitão Custódio
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Caravana, nome dado pela Câmara Municipal de nova Iguaçu em homenagem ao seu pai,
onde a Casa encontra-se até os dias atuais.
Em sua longa jornada, Custódio Caravana Filho dirigia quatro casas: Cabana Espírita
de Pai Fabrício em Queimados; Tenda Espírita São José das Pedras, Vassouras; Tenda
Espírita São Jorge, Três Rios e Tenda Espírita Nosso Rancho, Lima Duarte /MG, durante seus
55 anos de sacerdócio espiritual.
Custódio de Souza Caravana (Pai) não tinha por hábito, direcionar os seguidores por
estar sempre em movimento, ao contrário do filho (Custodinho) que fazia questão de
acompanhar a vida espiritual de seus "filhos de santé", apesar de nunca ter sido taxado de pai
de santo, e sim de padrinho, ele mantinha as quatro casas.
Nas sessões grandes, sempre se reuniam mais de 300 médiuns na prática do bem e do
amor ao próximo. Mesmo após seu falecimento, em 1988, os terreiros de Queimados (Cabana
de Pai Fabrício), Vassouras (Tenda Espírita São José das Pedras) e Três Rios (Tenda Espírita
São Jorge) mantêm o mesmo trabalho de outrora. Apenas o terreiro de Lima Duarte, MG, foi
fechado porque um dos filhos, Alfredo (falecido em 2018), não quis assumir a casa por ficar
em outro estado e ele teria que mudar-se com toda a família e filhos para lá. Ele também não
gostava de cuidar de “filhos de Santo” como seu avô. Suas práticas eram reduzidas a
“quartinho de santo” nos fundos de sua Casa em São João de Meriti e se intitulava-se adepto
da prática religiosa africana conhecida como quimbanda. Esta que seria para ele, uma prática
mais alquimista, voltada para trabalhar com energias mais fortes de cura.
“Hoje as pessoas dizem que quimbanda é trabalhar com as energias dos
exus, magia negra, mas em nossa época era algo totalmente diferente. Era
o que meu avô fazia nos seu quartinho de santo, sem barulho, somente na
concentração e comunicação direta com suas ancestralidades para a busca
da cura e da resolução dos problemas alheios. Apenas ao estalar um dedo
ou trançar um barbante já estava realizando seus trabalhos espirituais”,
explica o líder espiritual Fabricius Caravana (2021).

Essa interpretação de que a quimbanda seria a “umbanda negra” pode ser encontrada
nos argumentos do antropólogo Roger Bastide em sua obra clássica "As Religiões Africanas
no Brasil". Bastide defendia a ideia de que a Quimbanda seria uma vertente mais "negra" ou
"africana" da Umbanda, que teria sido mais influenciada pelas religiões africanas do que
outras correntes da Umbanda. No entanto, essa visão tem sido criticada por outros estudiosos,
que argumentam que a Quimbanda é uma religião distinta da Umbanda, com suas próprias
tradições e práticas.
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Entre os autores que criticam a interpretação de que a quimbanda seria a "umbanda


negra" incluem: Renato Ortiz: em seu livro "A morte branca do feiticeiro negro" (1999), Ortiz
argumenta que a ideia da "umbanda branca" e da "umbanda negra" é uma simplificação
excessiva da complexa história e práticas religiosas afro-brasileiras. Ele aponta que a
quimbanda e a umbanda têm diferenças significativas em termos de rituais, crenças e
símbolos, e que é problemático reduzir a diversidade dessas religiões a uma dicotomia binária.
Vagner Gonçalves da Silva: em seu livro "Orixás da metrópole" (1995), argumenta
que a quimbanda é uma religião distinta da umbanda, com suas próprias práticas e tradições.
Ele aponta que a quimbanda tem uma relação diferente com as entidades espirituais, a
natureza e a magia em comparação com a umbanda, e que não há evidências de que a
quimbanda seja uma forma "mais negra" ou "mais africana" da umbanda.
Luis Nicolau Parés: em seu livro "A formação do candomblé" (2006), argumenta que a
quimbanda não pode ser reduzida à umbanda negra, porque a quimbanda tem suas próprias
raízes históricas e culturais distintas. Ele aponta que a quimbanda tem origens no tráfico
negreiro, nas práticas de cura e magia dos escravizados, e nas religiões afro-brasileiras pré-
candomblé, enquanto a umbanda tem influências do espiritismo kardecista e da religião dos
índios brasileiros.

CONCLUSÃO

A ritualística de Pai Fabrício se utilizou das características de várias religiões,


principalmente, o catolicismo romano e o espiritismo de Kardec para se manter viva na
sociedade até os dias atuais (sec. XXI) com base nos discursos de poder de cada época, como
destaca o professor Drº. Babalawô Carlos Alberto Ivanir dos Santos com a devida maestria, já
que além de ser um historiador das religiões de matriz africana, também tem suas origens
religiosas fundadas no Omolokô. Ele vai dizer que a intolerância religiosa foi o pano de fundo
para justificar a dominação e a colonização das populações negras:
A intolerância religiosa, contra os adeptos das religiões de matrizes
africanas, é um processo histórico, político e social, entrelaçado no
desenvolvimento da sociedade brasileira. Fruto do desenvolvimento da
ideologia racista, fomentada entre os séculos XVIII e XIX, a intolerância
religiosa serviu para justificar a dominação e a colonização das populações
negras em África, o traslado e a escravidão dos mesmos nas Américas,
principalmente no Brasil. (Santos, 2018, p. 5).
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Mesmo diante do século XXI as religiões de matriz africana ainda precisam mascarar
muitas de suas práticas religiosas, como o abate religioso, as guias, roupas de santo, muitas
são expulsas de seus locais de origem por bandidos que se intitulam “exército de jesus”,
pessoas são agredidas e até mesmo mortas. Os relatos históricos são muitos e revelam o
quanto ainda é possível identificar processos de escravidão e racismo pelo mundo, inclusive e
principalmente no continente africano.
Estimativas indicam que existam, hoje, 29,8 milhões de pessoas que vivem em regime
de escravidão. A África é o continente que tem a maior concentração de escravizados no
mundo. A região do Paquistão e Índia também não fica muito atrás (a Índia, inclusive, é o país
que mais tem escravizados em números brutos: quase 14 milhões de pessoas). Os dados são
do Global Slavery Index, que estima o número de escravizados nas nações.
Mesmo que para muitos, principalmente brancos, reclamar de racismo seja
considerado vitimismo, basta um olhar mais atento para as atitudes das pessoas para
identificar o racismo estrutural em plena função até mesmo dentro das academias, e não
somente os discentes sofrem esta agressão, mas os docentes também. Recentemente um
professor negro foi proibido de participar de uma banca avaliadora com a justificativa
estapafúrdia de que ele não estava preparado psicologicamente, vale ressaltar que ele era o
mais qualificado para a função. O processo contra estes profissionais da UFRJ estava em
curso até o fechamento deste artigo.
Fanon faz uma análise tão aprofundada da questão do racismo estrutural que nos
remete a repensar como o negro foi uma criação do colonizador para abalizar sua dominação
territorial e psicológica. Até os dias atuais, ainda se apresenta o negro como ser inferior, que
deva ser por tanto, escravizado, colonizado, aculturado e sujeito a todo o tipo de humilhação,
assim como a sua religião, principalmente se essa for de matriz africana.
Voltando à tese do professor Ivanir ao citar dois grandes eventos religiosos: A Marcha
para Jesus” e a “Caminhada Inter-religiosa”, vemos claramente mais um grande exemplo de
racismo estrutural ao verificar o grande aporte financeiro e institucional oferecido à “Marcha
para Jesus”, em detrimento da “Caminhada”, que há 14 anos continua relegada à segundo
plano, como um evento secundário no Rio de Janeiro, mesmo tendo arrebanhado milhões de
caminhantes e destacar uma violência secular contra a humanidade,
A “Marcha”, além de ganhar um aporte financeiro incomparável e institucional, ainda
ganhou um lugar cativo, por força de Lei no calendário oficial de eventos da cidade. Logo, as
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adaptações feitas por Custódio de Souza Caravana à sua religião se justificam até os dias de
hoje e revela o quanto a sociedade ainda precisa evoluir nas questões dos direitos humanos.
Ainda destacando do artigo sobre o texto de Frantz Fanon: Pele Negra, Máscaras
Brancas, ibid. (Santos, 2021): Fanon entende que uma outra solução é possível, mas que ela
implica uma reestruturação do mundo. O autor vai levantar a hipótese da existência de um
complexo de inferioridade como algo pré-existente à colonização:
Podemos dizer que, quase em todos os lugares em que os europeus
fundaram colônias do tipo aqui “em questão”, eles eram esperados e
até mesmo inconscientemente desejados pelos nativos. Em todas as
partes, lendas os prefiguravam sob a forma de estrangeiros vindos do
mar e destinados a trazer benefícios. (Fanon, 2008).

Até hoje, em pleno século XXI, me pergunto o que faz o homem se achar melhor do
que o outro partindo do princípio da cor da pele ou de sua cultura. Vale ressaltar aqui a grande
importância do discurso de poder incutido em todas estas práticas, sejam violentas ou
políticas encontradas no cerne da sociedade.

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