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Ação civil pública para proteção de bem cultural.

EXMO. SR. DR. JUIZ DE DIREITO DA ..... VARA CÍVEL DA COMARCA DE .....,
ESTADO DO .....

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE ........................, por intermédio do


Promotor de Justiça do Meio Ambiente infra-assinado, vem, à presença de Vossa
Excelência, com base na Constituição da República e na Lei nº 7347/85, propor

AÇÃO CIVIL PÚBLICA AMBIENTAL

em face de

....., pessoa jurídica de direito privado, inscrita no CNPJ sob o n.º ....., com sede na
Rua ....., n.º ....., Bairro ......, Cidade ....., Estado ....., CEP ....., representada
neste ato por seu (sua) sócio(a) gerente Sr. (a). ....., brasileiro (a), (estado civil),
profissional da área de ....., portador (a) do CIRG nº ..... e do CPF n.º ....., pelos
motivos de fato e de direito a seguir aduzidos.

DOS FATOS

Consta do incluso inquérito civil (autos nº ...........) que:

· a ré é proprietária do imóvel, situado na região central desta cidade, no quarteirão


formado pela avenida ........., rua .........., rua .................... e rua ............ (cfr.
certidão emitida pelo 1º Cartório de Registros de Imóveis de ...............);

· o referido imóvel está ligado à história do município de ..................., pois,


construído no início do século para sediar a fábrica ..................., que aqui se
instalou, desenvolvendo-se no contexto econômico do "Ciclo do Café" - tempos dos
"coronéis ou Barões do Café"; da grande imigração européia; do desenvolvimento
urbano do interior deste Estado; da efervescência cultural desta cidade;
· a instalação dessa fábrica, às margens do ........., curso d'água que dá nome à
cidade, representou fator de indução do crescimento da região central e do bairro
de Vila ........., propiciando, nessas localidades, a melhoria das condições de
abastecimento de água e energia elétrica;

· à fábrica também pode ser imputada a agitação cultural que moveu a cidade nos
anos seguintes à sua instalação, pois, a mesma Companhia ......................
responsabilizou-se pela edificação dos prédios que compõem o chamado ............,
nele destacando-se o ....................., no qual promoveu grandes eventos artísticos,
inclusive com a participação de companhias internacionais (os prédios que
compõem o chamado .......... já foram tombados pelo Conselho de Defesa do
Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado - ...............);

· do ponto de vista arquitetônico, o prédio da fábrica .................. inspira-se na


tipologia industrial que marcou a primeira etapa da industrialização do país,
apresentando marcante influência do "Ecletismo" no seu estilo - é um dos poucos
prédios históricos locais que ainda resistem à ação do homem e do tempo.

Consta, ainda, que:

· o imóvel em questão, desde o final da década de 70 do século XX, passou a ser


propriedade da ..........., que, recentemente, desativou a fábrica que ali funcionava.

Com a desativação da cervejaria, o prédio da fábrica, embora aparentemente


conservado, não apresenta, por ora, destinação socialmente útil. Por indefinição ou
estratégia empresarial reprovável, a ré não comunicou à sociedade o fim que
pretende dar ao imóvel.

Se mantida a tendência que, nos últimos anos, vem marcando a atuação


empresarial em .........................., o prédio corre o risco de ser descaracterizado
ou demolido.

As facilidades do lucro imediato e a especulação imobiliária têm prevalecido sobre o


interesse público na preservação dos patrimônios natural e cultural.

Lamentavelmente a Administração Pública Municipal tem sido conivente com os


degradadores, pautando sua conduta pelo descaso com a proteção e preservação
do patrimônio cultural local.
A título de ilustração, convém salientar que, recentemente, um remanescente de
cerrado, considerado por lei municipal como área de preservação obrigatória, por
estar situado em zona de afloramento e recarga do aqüífero ".......................", foi
totalmente destruído para dar vez à construção do empreendimento chamado
".................".

O prédio histórico de tradicional escola desta cidade foi demolido para dar vez, em
área urbanisticamente inadequada, à construção do empreendimento chamado
"...................".

DO DIREITO

A Constituição da República, no capítulo destinado à Cultura, diz:

Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade
brasileira, nos quais se incluem:

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ 1º O Poder Público, com a colaboração da comunidade, promoverá e protegerá o


patrimônio cultural brasileiro, por meio de inventários, registros, vigilância,
tombamento e desapropriação, e de outras formas de acautelamento e
preservação.

A Lei dos Crimes Ambientais (Lei Federal nº 9605/98), na seção destinada aos
crimes contra o patrimônio cultural, capitula como crime a seguinte conduta:

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar:

I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;


Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

§ Único. Se o crime for culposo, a pena é de seis meses a um ano de detenção,


sem prejuízo da multa.

A Constituição do Estado de São Paulo, nos capítulos destinados ao


desenvolvimento Urbano e ao Meio Ambiente, diz:

Art. 260. Constituem patrimônio cultural estadual os bens de natureza material e


imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação e à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade nos
quais se incluem:

IV - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

Art. 261. O Poder Público pesquisará, identificará, protegerá e valorizará o


patrimônio cultural paulista, através do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico
Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo, CONDEPHAAT, na forma
que a lei estabelecer.

O Decreto Estadual nº 13.426/79, que estruturou o CONDEPHAAT e disciplinou o


processo de tombamento, diz:

Art. 142.

§ Único. A deliberação do Conselho ordenando o tombamento ou a simples abertura


do processo, assegura a preservação do bem até decisão final da autoridade, pelo
que o fato será imediatamente comunicado à autoridade policial sob cuja jurisdição
se encontre o bem em causa para os devidos fins.

A Lei Orgânica do Município de .........................., no capítulo destinado à cultura,


diz:
Art. 182. Constituem patrimônio cultural municipal os bens de natureza material e
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à
identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade, nos
quais se incluem:

V - os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico,


arqueológico, paleontológico, ecológico e científico.

§ Único. Os bens culturais, a que alude o presente artigo, ficarão sob a proteção
especial do Poder Público Municipal, na forma da lei.

A Lei Complementar Municipal nº 501/95, que dispõe sobre a instituição do Plano


Diretor do Município de .........................., mormente no que se refere ao tema
deste processo, diz:

Art. 3º São objetivos da política de desenvolvimento municipal:

V - a preservação e o incentivo dos valores culturais da cidade.

VII - assegurar o cumprimento das funções sociais do município, através de um


planejamento do espaço urbano que possibilite a todos o acesso à Educação,
Cultura, Saúde, Assistência Social, Saneamento e Meio Ambiente, Esporte e Lazer,
Segurança, Transporte, Habitação e Abastecimento para o exercício de uma
cidadania plena.

Art. 4º São Diretrizes Gerais da Política de Desenvolvimento Municipal, em


consonância com as legislações Federal e Estadual:

V -a preservação, proteção e recuperação do meio ambiente, da paisagem urbana,


dos mananciais e recursos hídricos, do patrimônio histórico, artístico e cultural do
Município;

(...)
Art. 6º A política de produção e organização do espaço físico municipal será
orientada pelos seguintes objetivos:

VI - garantir a preservação do patrimônio histórico cultural representativo e


significativo da memória urbana e rural;

(...)

Art. 124. O cumprimento da Política Municipal de cultura compete ao Poder


Executivo, especialmente através de:

I - a promoção, proteção e preservação do patrimônio histórico e cultural do


Município como um todo;

O ordenamento jurídico brasileiro garante a proteção especial dos bens culturais. O


bem privado impregnado de valor cultural pode e deve ser protegido, preservado e
conservado, impondo-se ao proprietário limitações quanto à utilização e à
disposição, tornando-o um bem de interesse difuso. A preservação do patrimônio
cultural - interesse de natureza indivisível - diz respeito a um número
indeterminado e indeterminável de pessoas, que se ligam por circunstâncias de
fato.

Como acentua Rui Arno Richter:

"Para a implementação da preservação e acautelamento do patrimônio cultural,


previu a Constituição como instrumentos o inventário, o registro, a vigilância, o
tombamento e a desapropriação, além de referir a possibilidade de outras formas
para tanto.

"Os bens culturais, em particular, a exemplo dos ambientais em geral, embora


possam ser classificados como de natureza pública, quanto à ótica finalística de sua
utilidade, pertencem - sob o prisma da legitimação para agir - a uma categoria
difusa, sendo cabível a sua defesa em juízo por meio da ação civil pública, da ação
popular e do mandado de segurança coletivo.
"A Lei nº 9.605, de 13 de fevereiro de 1998, que 'dispõe sobre as sanções penais e
administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, e dá
outras providências', ao tratar dos crimes contra o patrimônio cultural, tutela os
bens protegidos por ato administrativo, por lei ou por decisão judicial, o que indica
que a última independe dos dois primeiros como uma das possíveis formas de
acautelamento e preservação do patrimônio cultural.

(...)

"Entender necessária a iniciativa do Poder Executivo ou do Poder Legislativo para


que o Poder Judiciário conheça pretensão ao acautelamento ou à preservação de
bem de valor cultural, sob este enfoque, significa negar acesso à Justiça a esta
particular espécie de interesse ou direito difuso, o que contraria toda a evolução
normativa a respeito da matéria.

(...)

"Assim, se o Poder Executivo e o Poder Legislativo omitem-se na preservação e


acautelamento de determinado bem ou de um conjunto de bens de valor cultural, a
iminência de sua destruição, deterioração ou mutilação exige a possibilidade de
remédios jurídicos à disposição da sociedade civil e do cidadão para invocar a tutela
do Poder Judiciário, buscando decisão judicial como outra forma de acautelamento
e preservação do patrimônio cultural" [1].

No mesmo sentido, o tratamento jurisprudencial do tema:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - IMÓVEL DE VALOR HISTÓRICO - IRRELEVÂNCIA QUANTO


AO NÃO TOMBAMENTO - POSSIBILIDADE DE OCORRÊNCIA DE DEMOLIÇÃO -
INICIAL QUE, ADEMAIS, FALA EM RESTAURAÇÃO DE COISA E, SE NÃO POSSÍVEL,
INDENIZAÇÃO A INTEGRAR O FUNDO DE QUE TRATA A LF 7.347/85 - CARÊNCIA
AFASTADA.

TJSP - Apelação nº 119.378-1 - 7ª Câmara Civil - Rel. Des. Benini Cabral - 7.3.90)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - OBRIGAÇÃO DE NÃO FAZER - PRESERVAÇÃO DA


CONSTRUÇÃO DE EDIFÍCIO - VALOR HISTÓRICO E ARQUITETÔNICO - LEI A
RESPEITO NÃO APROVADA - IRRELEVÂNCIA - INTERESSE PÚBLICO QUE PODE SER
DEFENDIDO COMO REALIDADE SOCIAL - RECONHECIMENTO DE SUA EXISTÊNCIA
QUE PODE SER FEITO PELO JUDICIÁRIO, NÃO SENDO PRIVATIVO DO ÓRGÃO
LEGISLATIVO OU ADMINISTRATIVO - SENTENÇA ANULADA - PROSSEGUIMENTO
DO FEITO ORDENADO - RECURSO PROVIDO.

A identificação da natureza do interesse social apontado não é privativa e exclusiva


do órgão legislativo ou da Administração.

"O interesse público não é só aquele que o legislador declara, mas a realidade
mesma, sentida pelo critério social. Esta situação pode se apresentar e anteceder á
própria declaração legislativa. São tendências sociais que podem ser reconhecidas
pelo Judiciário" (JOSÉ RAUL GAVIÃO DE ALMEIDA, "Da legitimação na ação civil
pública", pág. 59, in Biblioteca da Faculdade de Direito - USP).

(RJTJSP 114/38)

AÇÃO CIVIL PÚBLICA - PRESERVAÇÃO DE IMÓVEL - VALOR HISTÓRICO E


CULTURAL - INTERESSE DA COMUNIDADE, NO SENTIDO DO RESGUARDO DA
ARQUITETURA LOCAL - PRESERVAÇÃO, ADEMAIS, DA MEMÓRIA DA CIDADE -
AÇÃO PROCEDENTE - SENTENÇA CONFIRMADA.(RJTJSP 136)

A presente ação torna-se imprescindível, na medida em que há evidente risco de


descaracterização, deterioração ou demolição do bem de valor cultural situado no
quarteirão formado pela avenida ..............., rua ........, rua.................. e
rua ................., nesta cidade, haja vista a desativação da fábrica ali instalada e a
indefinição da proprietária quanto à destinação a ser dada ao imóvel.

Ademais, esse risco fica maior em razão da omissão do Município e do Estado, que,
ainda não utilizaram os instrumentos que dispõem para a preservação ou
acautelamento desse bem de valor cultural.

Impõe-se, assim, como medida imperativa de cautela, a concessão judicial de


liminar inaudita altera parte, independentemente de justificação prévia, para que se
determine à proprietária-ré:

a obrigação de não-fazer consistente na vedação de qualquer tipo de intervenção


no referido bem imóvel, que o destrua ou o descaracterize e que não esteja
especialmente autorizada pela Administração Municipal, após o estabelecimento das
recomendações e diretivas do Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio
Cultural, sob pena do pagamento, para cada dia de atraso, da multa de
R$ ...................), a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses
Difusos Lesados, sem prejuízo da intervenção judicial na propriedade, para permitir
a execução específica por interventor nomeado.

As providências pleiteadas estão expressamente previstas nos artigos 11 e 12 da


Lei nº 7347/85, artigo 461 do Código de Processo Civil, este c.c. os artigos 63 e 69
e seu parágrafo único da Lei Antitruste.

Requer, ainda, que a decisão liminar seja comunicada à Prefeitura Municipal, na


pessoa do Prefeito, ................, ao Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Cultural, na pessoa de seu Presidente, e ao Delegado Seccional de
Polícia.

DOS PEDIDOS

Diante de todo o exposto e do constante da documentação inclusa, que desta


petição faz parte integrante, como se literalmente transcrita, propõe o MINISTÉRIO
PÚBLICO DO ESTADO DE ................ a presente ação, com fulcro na Lei nº
7347/85, para que:

I - seja declarado o valor cultural - histórico e/ou arquitetônico - do bem imóvel


situado no quarteirão formado pela avenida ....................., rua ...............,,
rua ................ e rua ........., propriedade da ré, onde originalmente foi instalada a
fábrica ....................;

II - a empresa ................... - ou sucessora - seja a final condenada:

a) ao cumprimento da obrigação de não fazer, consistente na abstenção de


execução de alteração, reforma ou demolição, ainda que parcial, que descaracterize
o bem imóvel situado no quarteirão formado pela avenida ...............,
rua ..............,, rua ................ e rua ................,, de sua propriedade, onde
originalmente foi instalada a fábrica ............., sob pena do pagamento da multa de
R$ ................, a ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses
Difusos Lesados;
b) ao cumprimento da obrigação de fazer consistente na execução das
restaurações, reparos e demais obras necessárias à manutenção e conservação do
referido bem imóvel, segundo o que for apurado em perícia, no prazo a ser
marcado em sentença, sob pena do pagamento da multa-diária de R$ .............., a
ser recolhida ao Fundo Estadual de Reparação de Interesses Difusos Lesados, sem
prejuízo da intervenção judicial na propriedade, para permitir a execução específica
por interventor nomeado.

c) ao pagamento das custas processuais.

Posto isto, requer o autor, nos termos do art. 172, parágrafo 2º, do Código de
Processo Civil, a citação da ré, para contestar, querendo, a presente, sob pena de
revelia e confissão.

Protesta por todos os meios de prova admitidos em direito, em especial juntada de


novos documentos, perícia, inspeção judicial e oitiva de testemunhas.

Dá-se à causa o valor de R$ .......

Nesses Termos,

Pede Deferimento.

[Local], [dia] de [mês] de [ano].

[Assinatura do Advogado]

[Número de Inscrição na OAB]

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