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Entre os elementos que constituem a história da cultura sobralense são destacados certo
apreço pelas letras e artes fruto de um padrão de erudição e civilidade dos seus moradores,
podendo ser percebido por meio da materialização nas edificações que compõem sua área
central, tombada como patrimônio, no qual o Theatro São João emerge enquanto grand simbolo
do legado cultural deixado pelos sobralenses de outrora.
Nesse sentido o São João, edifício cuja construção se deu entre os anos de 1875 e 1880,
através da ação de um grupo de particulares, organizados em uma associação intitulada União
Sobralense, pode ser entendido como o primeiro bem no território sobralense a receber atenção
no campo das políticas patrimoniais. Pois, no ano de 1970 houve a tentativa de indicação do
Theatro São João, segundo teatro mais antigo do Ceará na contemporaneidade, ao tombamento
nacional, tendo seu processo sido indeferido pelo órgão responsável.
Embora negada essa tentativa inicial de sua preservação à nível nacional, o mesmo é
designado como patrimônio histórico cearense por meio de Tombo Estadual no ano de 1983,
fato pouco conhecido mesmo entre a população da cidade. Tendo uma peculiaridade bastante
interessante, pois é o único bem cultural presente na cidade que conta com uma tripla proteção,
pois além de patrimônio estadual, foi considerado patrimônio municipal através do marco legal
que inaugurava a legislação de defesa do patrimônio sobralense no ano de 1995, fato que
discutiremos logo a diante, além de estar inserido no conjunto arquitetônico e urbanístico
tombado pelo IPHAN em 1999.
Art. 1º - Esta Lei tem por finalidade preservar a memória do município de Sobral,
através da proteção, preservação e conservação, mediante tombamento, dos
bens a que se referem os incisos de seu artigo 2º.
Art. 2º - Constituem o patrimônio histórico, artístico, paisagístico e cultural do
município de Sobral, a partir do respectivo tombamento e na forma desta Lei, os
seguintes bens públicos ou particulares, situados no território municipal.
Podemos perceber que, muito embora o artigo 216 da Constituição Federal de 1988 já
tivesse expandido o conceito de patrimônio em busca da pluralidade de contribuições, pensando
a cultural, a memória e a identidade em um sentido diverso, a legislação municipal constituída 7
anos depois, não integra essas alterações conceituais, estando mais próxima da concepção
levantada mais de meio século atrás, com o decreto-lei nº 25 de 1937.
Importante perceber que nos incisos previstos pelo artigo 2º da lei, termos como
“notável”, “fato memorável”, uma clara inferência a lei de 1937 com a ideia de “pessoa de
excepcional notoriedade”, caracterizam uma visão de patrimônio e, por conseguinte da história
e da cultura, ainda voltada a ideia dos grandes fatos e feitos realizados por ilustres figuras.
a cidade ainda guarda, seja no traçado das ruas centrais, seja em muitas
edificações, a estrutura urbana de seu núcleo e as marcas da lenta construção e
expansão de seu tecido urbano[...]. A riqueza e a importância de Sobral[...], faz-
se visível, inclusive, na rica paisagem que compreende a Serra da Meruoca e a
silhueta de suas edificações. A importância das estradas, bem como a
centralização do poder religioso, [...], revelam como ocorreu o processo de
ocupação do sertão do país. (4ºSR/IPHAN Apud DUARTE JR., 2012, p. 240)
Com o falecimento do Mestre Panteca no ano de 2006, o município de Sobral fica sem
um representante entre os Tesouros Vivos da Cultura cearense por mais de uma década. Até que
em 2018 Rita de Cássia Cunha, foi titulada pelo saber-fazer dos fartes, doce de origem
portuguesa, cuja receita foi adaptada aos ingredientes locais e, que até os dias de hoje se
mantém em produção na cidade.
Importante destacar que mesmo o programa dos Mestres e Mestras da Cultura tendo
sido instituído em 2004, é somente em 2018 que pela primeira vez que a política de
reconhecimento dos sujeitos difusores de tradições, da história e da identidade cearense titulou
guardiães ligados aos saberes gastronômicos do estado, com a presença de Rita de Cássia Cunha
e de Francisca Zenilda Soares Ferreira do município de Assaré, responsável pela fabricação
artesanal de linguiça de porco caipira.
Voltando a legislação municipal sobre o patrimônio sobralense, ela serviu de base legal
para a execução de processos de proteção de diversos bens no decorrer dos anos;
(Tabela 01)
inclusive no campo do patrimônio imaterial, mesmo não tendo passado por nenhuma alteração
neste período. Notório destacar que os dois primeiros bens de natureza intangível a serem
protegidos pelo poder público municipal, estão relacionados aos saberes dos mestres do
município titulados pelo governo cearense. Este são os casos das leis que tornam “patrimônio
cultural e imaterial do município e do povo sobralense” o Encontro de Bois e Reisados e o Doce
Fartes e sua receita, ambos decorrentes de decreto do ano de 2013.
A prática de sanção de leis a partir de 2013 que elegem como “patrimônio cultural e
imaterial”, conforme indicam os documentos do legislativo sobralense, coloca alguns problemas
que passam por questões de cunho legal e conceitual. Inicialmente cabe perceber que a lei que
institui o processo de preservação do patrimônio do município de Sobral em 1995, não engloba
os bens de natureza imaterial, prevendo exclusivamente o tombamento como mecanismo de
proteção, portanto relacionando-se somente aos elementos tangíveis.
Nesse sentido, após ver a disposição das leis, metaforizados aqui como ingredientes, que
dispostos são misturados e preparados na cozinha, em diálogo com a realidade estadual e local,
o modo de preparo, gerando por fim algo novo a ser degustado. Assim, iremos adiante discutir
especificamente o caminho que constituiu os fartes como bem patrimonial que ganha
expressividade a nível local através da constituição de um projeto voltado ao patrimônio
imaterial de natureza gastronômica desenvolvido pela Secretaria municipal de Cultura de Sobral,
instituição de Dona Rita de Cássia, doceira responsável pelo preparo desta receita, dentro da
política estadual de mestres e mestras da Cultura.