Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Borg
JESUS
A BIOGRAFIA DO HOMEM QUE NASCEU POBRE E JURADO DE MORTE,
REVOLUCIONOU O MUNDO COM SUAS IDEIAS, FOI PERSEGUIDO,
CRUCIFICADO E RETORNOU DOS MORTOS PARA SE TORNAR A PESSOA
MAIS IMPORTANTE DA HISTÓRIA
SUMÁRIO
Pular sumário [ »» ]
Prefácio
Caderno de imagens
Notas
Sobre o autor
Créditos
PREFÁCIO
ESTE LIVRO DEVE BOA parte de seu conteúdo a uma série de palestras
ministradas por mim durante uma conferência de acadêmicos cristãos
realizada na cidade de Asilomar, Califórnia, em maio de 1992.
Em termos de conteúdo, o livro não é uma transcrição exata das
palestras de Asilomar, mas tem aproximadamente o dobro do tamanho.
Algumas das características típicas de uma palestra foram mantidas. Eu
me permiti usar com frequência pronomes em primeira pessoa, ilustrações,
anedotas e referências pessoais.
Ocasiões como a conferência de Asilomar me possibilitam reunir os
dois mundos em que vivo. De um lado, habito o mundo da academia
secular: como professor numa universidade estadual, meu cargo de
docente é sustentado por financiamento público. Como um pesquisador
de Jesus, as organizações profissionais a que pertenço estão
comprometidas com o estudo não sectário de Jesus Cristo e de seu mundo.
Nessas esferas, não é apropriado falar dos significados em potencial desse
material para a vida cristã.
Entretanto, também habito outro mundo — o mundo da Igreja. Cresci
nela e vivi dentro da Igreja minha vida toda, com exceção de um hiato de
cerca de dez anos passado em uma espécie de exílio. Desde esse período,
que acabou há mais ou menos uma década, não só voltei à Igreja como me
tornei cada vez mais envolvido em sua vida e devoção, e comprometido de
modo muito mais profundo com a jornada cristã. Aliás, sou cônjuge de um
membro do clero: minha esposa, Marianne, é uma pastora episcopal.
Preciso admitir que me casar com uma pastora não era uma das minhas
fantasias de infância.
Assim, sou ao mesmo tempo um pesquisador secular de Jesus e um
cristão. As palestras de Asilomar (e este livro) surgiram de meu desejo de
reunir esses dois mundos. Esta obra é produto de um pensamento e de um
discurso sobre Jesus nos contextos seculares de uma universidade estadual
e da academia, e do pensamento e do discurso sobre Jesus no contexto
cristão da Igreja e da minha própria jornada pessoal.
Na maior parte dos meus trabalhos publicados escrevi como um
intelectual. Neste livro, eu me dei permissão para escrever como um
cristão, mesmo quando é necessário recorrer ao meu arcabouço
acadêmico. Assim, minha intenção é escrever de forma direta e sem
rodeios sobre algumas das implicações que, a meu ver, este material possui
para a vida cristã.
Além de ter uma dívida de gratidão para com John Brooke pelo título,
também sou grato a Francis Geddes, pastor da cidade de Fairfax, na
Califórnia, que foi em grande parte responsável pelo convite para que eu
realizasse as palestras em Asilomar. Francis também me convidou para
uma série de bate-papos intitulados “Jesus como Mentor Espiritual”,
realizados durante um retiro de uma semana patrocinado pelo Centro
Pacífico de Formação Espiritual no Wellspring Renewal Center, em
Mendocino County, também na Califórnia, em junho de 1992. Este livro
foi influenciado pela experiência de compartilhar aquela semana com
pessoas intencionalmente comprometidas com a vida no Espírito.
Ainda que esta obra tenha sua origem imediata na conferência de
Asilomar e nas conversas realizadas em Wellspring, ela também é um
trabalho em processo de evolução relacionado a outras palestras que
ministrei em ambientes eclesiásticos, incluindo a Universidade de Puget
Sound em 1989, o Ciclo de Palestras sobre a Bíblia e a Igreja realizado na
Catedral Episcopal da Igreja de Cristo, em Indianápolis, em 1991, e a série
de bate-papos realizados em diversas igrejas locais e para grupos clericais
(presbiterianos, a Igreja de Cristo, metodistas, luteranos, unitaristas, a
Igreja da Comunidade Metropolitana, episcopais e da Igreja Católica
Romana) no Oregon, em Washington, Idaho, Montana e na área da baía de
San Francisco. Agradeço a todos esses grupos por me proporcionar
ocasiões para pensar e falar sobre o significado de Jesus para a vida cristã.
Finalmente, gostaria de agradecer ao sr. Al Hundere, de San Antonio,
Texas, por seu generoso apoio ao meu trabalho.
CAPÍTULO 1
ENCONTRAR JESUS DE NOVO
INFÂNCIA
Com efeito, de tal modo Deus amou o mundo, que lhe deu seu Filho único, para que
todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida eterna.
Jesus, tesouro inestimável, fonte do prazer mais puro, meu amigo mais querido.
Ah, por quanto tempo resfoleguei, e meu coração desfaleceu, sedento, Senhor por
Vós.
Vosso sou, Ó Cordeiro Imaculado; nada sofrerei para escondê-Lo,
Nada peço além de Vós.
Ficou claro para mim naquele momento que acreditar em Jesus e dizer
aos outros sobre as correntes de Jesus eram as coisas mais importantes do
mundo. O que estava em jogo era nada menos que almas padecendo,
perdidas nas sombras da noite.
É tentador ver o curso da minha vida desde então como a vivência das
mensagens desses hinos. Afinal, toda a minha vida profissional adulta, que
chegava a quase três décadas, havia sido dedicada à pesquisa acadêmica
sobre Jesus. Como minha esposa diz sobre mim: “Ele passou a vida toda
procurando Jesus”.
Ao fim da infância, os ingredientes da imagem popular de Jesus
estavam em posição: Jesus era o diligente filho único de Deus que morreu
pelos pecados do mundo e cuja mensagem era sobre Si mesmo, Seu
propósito salvador e a importância de acreditar Nele. Na verdade, Jo 3,16,
aquele versículo que memorizei na pré-escola, expressava essa imagem de
infância à perfeição: Jesus é o salvador divino em quem se acredita para
receber a vida eterna.
Eu acreditava naquele Jesus sem dificuldade e sem esforço. Hoje
entendo por que era tão fácil: recebi essa imagem de Jesus no que desde
então aprendi a chamar de estado de ingenuidade pré-crítica — aquele
estado infantil em que consideramos, sem pensar, o que quer que as
figuras de autoridade importantes da nossa vida nos digam ser verdade
como verdade.[2] Porém, esse estado de convicção infantil não duraria.
Os problemas começaram não com Jesus, mas com Deus. Em algum
momento durante o ensino fundamental, ocorreu meu primeiro enigma
teológico. Eu me lembro de ficar confuso sobre como conciliar duas coisas
que tinha ouvido sobre Deus: que Deus estava “em toda parte” e que Deus
estava “no céu”. Sem me dar conta, eu estava me debatendo com relação à
onipresença e à transcendência de Deus.
Como podia ser?, me perguntei. Minha mente jovem solucionou o
quebra-cabeça em favor de Deus no céu. A onipresença de Deus, eu tinha
decidido, significava que Ele podia estar em qualquer lugar onde decidisse
estar. Deus podia até aparecer neste cômodo neste exato momento. Mas,
claro, na maior parte do tempo, Deus não está aqui. Em vez disso, Ele está
no céu. Involuntariamente, minha resolução da perplexidade reduziu a
onipresença de Deus a uma potencialidade mágica de estar em qualquer
lugar.
Também involuntariamente dei o primeiro passo para remover Deus do
mundo. A solução que encontrei indicava que eu tinha passado a pensar
em Deus como um ser sobrenatural que estava “lá fora”. Deus se tornou
distante e remoto, longe e afastado do mundo, exceto em intervenções
especiais, como aquelas descritas na Bíblia. Mas eu ainda não tinha
dúvidas de que Deus era real. Estas começariam mais tarde.
ADOLESCÊNCIA
O SEMINÁRIO E ALÉM
Então fui para o seminário. Não ajudou. Para ser mais exato, não ajudou a
dimensão da fé de minha jornada, que ainda estava a anos de uma
resolução. Entretanto, o seminário foi tremendamente revelador; os
insights que emergem da formação teológica são de uma ajuda imensa para
resolver o que significa levar a vida cristã a sério.
Jesus mais uma vez assumiu o centro do palco. Isso aconteceu graças ao
meu curso sobre o Novo Testamento no primeiro semestre.[4] Lá, aprendi
que a imagem do Jesus da minha infância — a imagem popular de Jesus
como o salvador divino que sabia ser o Filho de Deus e que oferecera a
própria vida pelos pecados do mundo — não era historicamente correta.
Este, eu aprendi, não era o Jesus histórico.
A base para essa constatação surpreendente foi a compreensão dos
Evangelhos que se desenvolveu ao longo dos últimos duzentos anos de
pesquisa bíblica. Aprendi que os Evangelhos não são nem documentos
divinos, nem registros históricos diretos. Não são produtos divinos
inspirados diretamente por Deus, em cujo conteúdo, portanto, era preciso
acreditar (como eu achava antes disso). Tampouco eram relatos escritos
por testemunhas oculares que acompanharam Jesus e simplesmente
queriam documentar o que tinham visto e ouvido.
Em vez disso, aprendi, os Evangelhos representam as tradições em
desenvolvimento do primeiro movimento cristão. Escritos no último terço
do século I, eles contêm as tradições acumuladas das primeiras
comunidades cristãs e foram organizados em suas formas atuais por
autores de segunda (ou terceira) geração.[5] Por meio de um cuidadoso
estudo comparativo dos Evangelhos, é possível ver esses autores em ação,
modificando e acrescentando as tradições que receberam.[6] Eles estavam
dando sequência a um processo que havia ocorrido ao longo de 47 anos,
quando o material dos Evangelhos circulava de forma oral. Muita coisa
aconteceu naquelas décadas para mudar as tradições sobre Jesus.
Não é tanto que as memórias se tornaram vagas, ou que a tradição oral
não era confiável. Em vez disso, dois fatores básicos estavam ocorrendo.
Primeiro, as tradições sobre Jesus foram adaptadas e aplicadas às
circunstâncias em mutação do antigo movimento cristão. O próprio Jesus
falou em um ambiente judeu palestino. Os Evangelhos foram escritos em e
para comunidades que haviam começado a se movimentar para além da
Palestina e para o mundo Mediterrâneo mais amplo, e os autores dos
Evangelhos adaptaram os materiais sobre Jesus para esses novos cenários.
Segundo, as crenças do movimento sobre Jesus cresceram durante essas
décadas. Podemos ver esse crescimento ao organizar o material dos
Evangelhos cronologicamente, dos escritos mais antigos para os mais
recentes. Conforme as décadas passavam, o movimento cristão inicial
falava cada vez mais de Jesus como divino e como detentor de qualidades
de Deus, um desenvolvimento que em questão de poucos séculos
resultaria na doutrina da Trindade. Os Evangelhos são produto de
comunidades que estão passando por esses desenvolvimentos. Como tal,
eles contêm não apenas as memórias do movimento do Jesus histórico,
mas também essas memórias acrescidas e modificadas pelas crenças cada
vez maiores e as circunstâncias em mutação do movimento. Assim, os
Evangelhos são as memórias da Igreja do Jesus histórico transformadas
pela experiência da comunidade e seu reflexo nas décadas pós-Páscoa.
Portanto, eles nos contam como essas primeiras comunidades cristãs
passaram a acreditar em Jesus no último terço do século I. Logo, não são
relatos do ministério em si.
Essa compreensão dos Evangelhos é a base da conhecida distinção
acadêmica entre o Jesus da história e o Cristo da fé, que eu também aprendi
naquele primeiro curso do seminário. O primeiro se refere a Jesus como a
pessoa específica que Ele era — Jesus de Nazaré, um judeu da Galileia do
século I que foi executado pelos romanos. O segundo se refere ao Cristo da
tradição cristã em desenvolvimento — especificamente, o que Jesus se
tornou na fé das primeiras comunidades cristãs nas décadas após sua
morte.
É o Cristo da fé que encontramos na superfície dos Evangelhos, bem
como nos credos cristãos plenamente desenvolvidos nos séculos IV e V.
Esse Jesus — o Cristo da fé — é chamado de divino, aliás, equivalente a
Deus, feito da mesma substância de Deus, unigênito diante de todos os
mundos, a segunda pessoa da Trindade. Aprendi que Jesus como ser
humano — o Jesus histórico — era bem diferente de tudo isso. Para
começar, Ele não teria sabido todas essas coisas sobre si mesmo. Isso era
novidade. Antes de me conscientizar de tudo isso, eu tinha combinado,
sem reflexão, o que ouvi sobre o Cristo da fé com minha imagem de Jesus
como uma figura histórica. Ainda que obviamente eu estivesse ciente de
que Jesus teve uma vida humana, também presumia que mesmo como um
ser humano Ele era a segunda pessoa na Trindade e teria sabido isso sobre
Si mesmo.
Agora, junto com o aprendizado da natureza dos Evangelhos e a
tradição em desenvolvimento da Igreja, aprendi que houve uma nítida
descontinuidade (em vez de continuidade) entre o Jesus histórico e o
Cristo da tradição cristã. A compreensão do Evangelho de João que
emergiu naquele primeiro curso no seminário ofereceu uma boa maneira
de ilustrar os efeitos combinados desse novo conhecimento. A imagem de
Jesus em João é claramente bem diferente da figura de Jesus em Mateus,
Marcos e Lucas, que são coletivamente conhecidos como os Evangelhos
Sinóticos.[*]
Em João, Jesus fala como uma pessoa divina. As grandes afirmações de
“eu sou” (“Eu sou o Pão da Vida”, “a Luz do Mundo”, “a Videira, o
Caminho, a Verdade e a Vida”, e assim por diante) são peculiares a João.
Assim como as afirmações como “Eu e o Pai somos um”[7] e “Aquele que
me viu, viu também o Pai”.[8] Nos Evangelhos Sinóticos, Jesus fala de
modo muito diferente, a mensagem dele não é sobre Si ou sobre Sua
identidade. Como a maior parte dos cristãos, eu tinha apenas harmonizado
essas duas diferentes imagens, e na verdade não estava de fato consciente
de quão díspares são. Eu presumia que Jesus falava tanto como fala em
João como nos Evangelhos Sinóticos.
Então aprendi (e vi por conta própria) uma explicação diferente. O
contraste entre as imagens de Jesus nos Sinóticos e em João é tão grande
que uma delas não deve ser histórica. Ambas não podem ser
caracterizações exatas de Jesus como uma figura histórica. O veredito do
não histórico foi para João. Aprendi que o retrato de Jesus no Evangelho de
João era essencialmente o do Cristo da fé, e não o do Jesus da história.
Jesus nunca falou de Si mesmo como o Filho de Deus, como um com
Deus, como a Luz do Mundo, como o Caminho, a Verdade e a Vida, e
assim por diante. Na realidade, Ele nunca disse as palavras de Jo 3,16 —
aquele versículo da minha infância que resumia minha imagem de Jesus.
Estou ciente de que isso ainda é novidade para alguns cristãos, mesmo
que seja um assunto antigo nos seminários das principais denominações ao
longo deste século. Foi novidade para mim quando fiquei sabendo, e seu
efeito na minha imagem de Jesus como o salvador divino — a imagem
popular — foi dramático. Vi que essa imagem tinha sido extraída
basicamente das porções posteriores da tradição do Evangelho — em
grande parte do Evangelho de João, complementada pelas histórias do
nascimento em Mateus e Lucas. Na verdade, a ligação entre o Evangelho
de João e a imagem popular de Jesus era tão forte que eu me lembro de ter
ficado bravo com João quando me dei conta, pela primeira vez, de que seu
registro era, em grande parte, não histórico. Vi João como se contivesse
uma imagem distorcida de Jesus, uma imagem em que passei anos
tentando acreditar. Eu teria ficado feliz em extirpá-lo do Novo Testamento
(hoje vejo João de modo muito diferente e falarei mais sobre isso em
breve).
Assim, o efeito cumulativo do meu primeiro curso sobre o Novo
Testamento no seminário em minha imagem de Jesus foi surpreendente.
Além disso, aprendi uma posição consensual, então dominante na pesquisa
sobre Jesus: existem muitas lacunas sobre a trajetória do Jesus da história.
O Evangelho de João não só é considerado não histórico como também
mesmo nos Evangelhos Sinóticos era muito difícil discernir a voz de Jesus
da voz da Igreja. A pesquisa sobre Jesus de meados do século XX foi
marcada pelo ceticismo completo, acompanhado da afirmação de que
apenas o Cristo da fé é teologicamente significativo.
Preciso admitir que não era uma imagem muito satisfatória de Jesus.
No entanto, era a imagem que uma geração ou duas de estudantes do
seminário recebeu: não podemos saber muito sobre Jesus, e o que
podemos saber é que Ele estava errado sobre a convicção central que
motiva Seu ministério e Sua mensagem, e em todo caso não importa, na
verdade, porque o Jesus histórico é irrelevante do ponto de vista teológico.
Como um seminarista de 22 anos, achei tudo isso muito interessante,
ainda que parecesse vagamente escandaloso e algo que eu não deveria
contar a minha mãe. A notícia de que Jesus era muito diferente do que
achamos que Ele era parecia uma informação importante. E despertou a
minha curiosidade: se a mensagem de Jesus não era sobre Si mesmo como
o Filho de Deus, cujo propósito era morrer pelos nossos pecados, qual era
Sua mensagem e o que Ele queria?
Na verdade, curiosidade não é uma palavra forte o bastante. Eu não
planejava ser um estudioso do Novo Testamento nem de Jesus quando
entrei para o seminário (aliás, eu não tinha planejado nem ir para o
seminário, mas essa é outra história). Mesmo assim, fiquei fascinado pela
questão de Jesus e estou envolvido na busca acadêmica pelo Jesus
histórico desde então.
Mas vamos voltar ao seminário e aos anos de pós-graduação que se
seguiram. Mesmo enquanto eu me fascinava com o estudo da tradição
cristã e com a busca pelo Jesus histórico, minha descrença se aprofundava.
O “agnóstico não assumido” estava se tornando um “ateu não assumido”,
ainda que eu nunca assumisse isso para ninguém. As razões estão
suficientemente claras para mim agora. O problema central ainda era a
colisão entre Deus e a visão de mundo moderna, entre minha imagem de
Deus e a imagem da realidade que adquiri ao crescer no mundo moderno.
Esta última tinha se endurecido e se tornado um “mapa” menosprezado da
realidade. Aliás, eu nem pensava nela como um mapa, apenas como a
maneira como as coisas eram.
Além do mais, quanto mais eu estudava a tradição cristã, mais
transparente suas origens humanas se tornavam. As religiões em geral
(incluindo o cristianismo), me parecia, eram produtos manifestadamente
culturais. Eu podia ver como suas funções psicológicas e sociais de pronta
identificação atendiam a necessidades humanas e fins culturais. A ideia de
que criamos tudo é um tanto alarmante, mas também cada vez mais
envolvente.
E, assim, apesar de considerar o estudo da Bíblia e da tradição cristã
imensamente rico e recompensador, o fato é que no fim das contas eu não
sabia o que fazer com a ideia de Deus. No geral, achava que
provavelmente não havia essa realidade.
Essa incerteza sobre Deus afetou o foco da minha pesquisa sobre Jesus.
Nos aproximadamente primeiros doze anos, me concentrei no que
podemos vislumbrar sobre a relação de Jesus com “este mundo”. Centrei-
me em seu envolvimento com as questões sociais e políticas de seu tempo,
em especial no desafio que Ele representou ao sistema de pureza do
mundo social judeu do século I.[9] Argumento que Ele era um defensor das
políticas de compaixão em um mundo social dominado pela política da
pureza (sobre o qual falarei mais adiante). Em resumo, estudei as partes da
tradição que faziam sentido, à parte a questão de Deus. Mas, mesmo
enquanto o fazia, continuei ciente de que Jesus era mais do que uma figura
sociopolítica, ainda que não soubesse como depreender o que Ele dizia
sobre Deus.
Então, na casa dos trinta, tive uma série de experiências que hoje
reconheço como “misticismo natural”. De certa forma, não foram nada de
espetacular, pelo menos não quando comparadas com as experiências
descritas por William James em sua obra clássica, The Varieties of Religious
Experience.[10] Mas elas alteraram fundamentalmente minha compreensão
de Deus, de Jesus, da religião e do cristianismo.
As experiências foram marcadas pelo que o teólogo judeu Abraham
Heschel chamou de “assombro radical”, um momento de percepção
transformada em que a terra se torna “cheia da glória de Deus”, brilhando
com uma presença radiante.[11] Também foram momentos de conexão em
que senti meu vínculo com o Deus verdadeiro.
O que experimentei foi similar ao que Rudolf Otto descreveu como
experiências do “numinoso”, do “sagrado” maravilhoso e impactante, o
mysterium tremendum et fascinans (o mistério tremendo, extraordinário,
que evoca calafrios enquanto também nos atrai de forma envolvente).[12]
Elas envolveram uma redescoberta do mistério — não um paradoxo
intelectual, mas uma experiência de mistério sagrado.
Essas experiências, além de momentos de êxtase, também foram
ocasiões em que gritei: “Eureca!”. Elas me deram uma nova compreensão
do significado da palavra Deus. Eu me dei conta de que Deus não se refere
apenas a um ser supernatural “lá fora” (que é onde eu tinha posto Deus
desde minhas reflexões de infância sobre Deus “no céu”). Em vez disso,
comecei a ver que a palavra Deus se refere ao sagrado no centro da
existência, o mistério sagrado que está à nossa volta e dentro de nós. Deus
é o solo imaterial, a fonte e a presença em que, para citar as palavras
atribuídas a Paulo pelo autor dos Atos dos Apóstolos, “temos a vida, o
movimento e o ser”.[13]
Assim, também passei a entender o que significa dizer que Deus está
presente em toda parte e “no céu” — tanto imanente quanto
transcendente, como diz a teologia cristã tradicional. Como imanente (a
raiz quer dizer “que está contido”), Deus não está em outra parte, mas bem
aqui e em todo lugar. Falar de Deus como estando “no céu” — ou seja,
como transcendente — significa que Deus deve ser identificado como a
soma de todas as coisas.
Deus é mais do que tudo, e, no entanto, tudo está em Deus. Sendo um
tipo pensador, comecei a estudar experiências de Deus tanto em formas
místicas quanto não místicas. Aprendi que mesmo que essas experiências
sejam extraordinárias, também são bastante comuns, conhecidas em
diversas culturas, no decorrer da história, até os dias de hoje.
Gradualmente, tornou-se óbvio para mim que Deus — o sagrado, o
bendito, o numinoso — era “real”. Deus não era mais um conceito, um
artigo ou uma crença, mas havia se tornado um elemento de experiência.
SE JESUS DE NAZARÉ não era igual à sua imagem popular, então como Ele
era? Antes de focarmos nos temas específicos de Sua mensagem e de Suas
ações, farei um esboço preliminar do que podemos supor a respeito do
Jesus histórico. Neste capítulo, irei apresentar o Jesus pré-Páscoa.
O JUDAÍSMO DE JESUS
Jesus era profundamente judeu. É importante enfatizar esse fato óbvio. Ele
era judeu não apenas de nascença e socialização, mas continuou judeu por
toda a vida. Sua escritura era a Bíblia judaica. Ele não pretendia criar uma
nova religião, mas via a Si mesmo como tendo uma missão dentro do
judaísmo. Ele falava como um judeu para outros judeus. Seus primeiros
seguidores eram judeus. Todos os autores do Novo Testamento (com a
provável exceção dos autores do Evangelho segundo São Lucas e dos Atos
dos Apóstolos) eram judeus.
Alguns cristãos, entretanto, parecem não levar em conta o judaísmo de
Jesus ou, caso estejam cientes disso, não lhe dão muito valor.[3] Além
disso, os cristãos têm, com frequência, um sentimento de culpa pelo seu
antissemitismo, consciente ou não, identificando Jesus com o cristianismo
e seus oponentes com o judaísmo; logo, enxergando Jesus e o primitivo
movimento cristão como antijudaico. Partes do Novo Testamento, bem
como a imagem popular de Jesus, encorajam a noção de que os “judeus”
rejeitaram Jesus.
Porém, os oponentes de Jesus não representavam o povo, ou a nação
judaica. Os “judeus” não rejeitaram Jesus. Ao contrário, as poucas pessoas
de origem judaica que se envolveram nos eventos que levaram à Sua
execução eram uma pequena, mas poderosa, elite, cujo poder vinha dos
romanos. Em vez de representarem os judeus, eles podem, muito
razoavelmente, ser descritos como colaboradores na opressão do povo
judeu.
A separação de Jesus do judaísmo trouxe consequências trágicas para os
judeus com o passar dos séculos. A separação é igualmente incorreta, em
termos históricos, e qualquer imagem fidedigna de Jesus necessita levar
muito seriamente em consideração suas raízes no judaísmo.
HISTÓRIAS DO NASCIMENTO DE JESUS
Sabemos muito pouco sobre Jesus antes do começo de Sua atuação
pública. Na opinião da maioria dos acadêmicos tradicionais, as histórias de
Seu nascimento e Sua infância não possuem comprovação histórica. Já que
isso ainda é novidade para muitos dentro da Igreja, vale a pena descrever
por que essas histórias são vistas assim.
No Novo Testamento, só se menciona o nascimento de Jesus em duas
fontes relativamente posteriores, os Evangelhos segundo Mateus e Lucas,
ambos escritos nos últimos vinte anos do século I. Paulo, o mais recente
autor do Novo Testamento, cujas cartas genuínas foram escritas
aproximadamente entre 48 d.C. e sua morte, entre 62 e 64 d.C., não
menciona que Jesus nasceu de uma maneira especial. Nem Marcos, o
Evangelho mais antigo, escrito por volta do ano 70. Nem o Evangelho de
João. No mínimo, isso sugere que essas histórias sobre o nascimento de
Jesus não eram centrais ao movimento cristão primitivo.
Além disso, as histórias do nascimento como descritas em Mateus e
Lucas são muito diferentes entre si. As diferenças são as seguintes:
Jesus ficou irado e lhe disse: “Você não seguirá seu caminho”, e a criança
imediatamente caiu e morreu.[4]
DUAS PALAVRAS-CHAVE NOS PERMITEM dar uma olhada naquilo que era mais
central a Jesus: Espírito e compaixão. Como dois pontos focais ao redor dos
quais uma imagem de Jesus pode ser constituída, eles demonstram o que
Lhe era mais importante. No capítulo anterior, tratamos do papel do
Espírito em Sua vida. Neste capítulo, veremos quão central era a
compaixão para Ele, bem como as formas significativas pelas quais o
Espírito e a compaixão estão relacionados entre si. A defesa, por Jesus, da
compaixão continua a ser um convite e um desafio para a Igreja hoje.
Compaixão é uma palavra particularmente importante nos Evangelhos.
As histórias contadas sobre Jesus O retratam como tendo compaixão e de
como esse sentimento O movia. A palavra também representa a soma de
seus ensinamentos a respeito de Deus e da ética. Para Jesus, a compaixão
era a qualidade central de Deus e a qualidade moral essencial de uma vida
centrada em Deus. Esses dois aspectos da compaixão estão combinados de
forma mais clara e sintética num único versículo, para o qual voltaremos
várias vezes neste capítulo:
Não é, porém, Efraim, filho querido, eternamente amado por mim? Todas as vezes que
falo contra ele, mais viva se torna em mim a sua lembrança. E meu coração [útero] se
comove ao pensar nele. Terei compaixão [materna] dele — oráculo do Senhor.[7]
“Dirás a toda a assembleia de Israel o seguinte: sede santos, porque eu, o Senhor,
vosso Deus, sou santo.[11]
Não se colhem figos dos espinheiros, nem se apanham uvas dos abrolhos.[15]
O Reino dos céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três
medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa.
O Reino dos céus é também semelhante a um tesouro escondido num campo. Um
homem o encontra, mas o esconde de novo. E, cheio de alegria, vai, vende tudo o que
tem para comprar aquele campo.[18]
Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso o caminho que conduz à
perdição, e numerosos são os que por aí entram. Estreita, porém, é a porta, e apertado
o caminho da vida, e raros são os que o encontram.[34]
Olhai as aves do céu: não semeiam nem ceifam, nem recolhem nos celeiros e vosso
Pai celeste as alimenta.
Considerai como crescem os lírios do campo; não trabalham nem fiam, entretanto, eu
vos digo que o próprio Salomão no auge de sua glória não se vestiu como um deles.[38]
Se Deus veste assim a erva dos campos, que hoje cresce e amanhã será lançada ao
fogo, quanto mais a vós, homens de pouca fé? [39]
Meus ouvidos tinham escutado falar de ti, mas agora meus olhos te viram.[54]
Sophia clama nas ruas, eleva sua voz na praça. Clama nas esquinas da encruzilhada, à
entrada das portas da cidade ela faz ouvir sua voz:
E até quando os que zombam se comprazerão na zombaria?
Até quando, insensatos, amareis a tolice, e os tolos odiarão a ciência?
Uma vez que recusastes o meu chamado e ninguém prestou atenção quando estendi a
mão, uma vez que negligenciastes todos os meus conselhos e não destes ouvidos às
minhas admoestações, também eu me rirei do vosso infortúnio e zombarei, quando vos
sobrevier um terror; quando vier sobre vós um pânico, como furacão; quando se abater
sobre vós a calamidade, como a tempestade.[6]
O Senhor me criou [Sophia], como primícia de suas obras, desde o princípio, antes do
começo da terra. Desde a eternidade fui formada, antes de suas obras dos tempos
antigos.
Sophia não está com Deus somente desde antes do princípio, mas
também participou do trabalho criativo de Deus:
Desde a eternidade fui formada, […] quando assentou os fundamentos da terra, junto
a ele estava eu como artífice.[8]
Aqui está a sugestão de que foi através de Sophia que Deus criou o
mundo. Sophia era a artesã que executou o plano divino.[9] O mesmo
ponto é encontrado antes no Livro dos Provérbios: “Foi pela sabedoria que
o Senhor criou a terra, foi com inteligência que ele formou os céus”.[10]
Retornando ao capítulo 8 do Livro dos Provérbios, Sophia fala, então,
de seu lugar diante da presença de Deus: “brincando todo o tempo diante
dele”. Já que ela também habitava o mundo, Sophia fala “brincando sobre o
globo de sua terra, achando as minhas delícias junto aos filhos dos
homens”.[11] Ela continua falando sobre o seu papel atual. Ela é a fonte da
vida: “felizes aqueles que guardam os meus caminhos […] Feliz o homem
que me ouve […]. Pois quem me acha encontra a vida e alcança o favor do
Senhor”.[12] Finalmente, ela conclui convidando as pessoas ao seu
banquete de pão e vinho:
Sophia pôs a mesa e enviou servas para que anunciassem nos pontos mais elevados da
cidade: “Quem for simples apresente-se!”. Aos insensatos ela disse: “Vinde comer o
meu pão e beber o vinho que preparei”.[13]
Desde o início, antes de todos os séculos, ele me criou, e não deixarei de existir até o
fim dos séculos.[15]
Saí da boca do Altíssimo; nasci antes de toda criatura. Eu fiz levantar no céu uma luz
indefectível, e cobri toda a terra como que de uma nuvem. Habitei nos lugares mais
altos: meu trono está numa coluna de nuvens. Sozinha percorri a abóbada celeste, e
penetrei nas profundezas dos abismos. Andei sobre as ondas do mar, e percorri toda a
terra. Imperei sobre todos os povos e sobre todas as nações.[16]
[…] um espírito inteligente, santo, único, múltiplo, sutil, móvel, penetrante, puro,
claro, inofensivo, inclinado ao bem, agudo, livre, benéfico, benévolo, estável, seguro,
livre de inquietação, que pode tudo, que cuida de tudo, que penetra em todos os
espíritos […]
Estes são, claro, todos os atributos de Deus. Além disso, como Deus,
ela é onipresente: “ela atravessa e penetra tudo”. Sophia “é o sopro do
poder de Deus, uma irradiação límpida da glória do Todo-Poderoso” e uma
“efusão da luz eterna”. Como Deus, ela é onipotente e o sustento da fonte
da vida:
Foi ela [Sophia] que livrou das nações que o tiranizavam, o povo santo e a raça
irrepreensível; […] Fê-los atravessar o mar Vermelho, e deu-lhes passagem através da
massa das águas, ao passo que engoliu seus inimigos, e depois os tirou das profundezas
do abismo.[21]
OS EVANGELHOS SINÓTICOS
Voltando ao Novo Testamento, há várias passagens nos Evangelhos
Sinóticos que associam Jesus à figura de Sophia. Em uma ocasião, Jesus
diz:
Por isso, também disse a Sophia de Deus: Enviar-lhes-ei profetas e apóstolos, mas eles
darão a morte a uns e perseguirão a outros. E assim se pedirá conta a esta geração do
sangue de todos os profetas derramado desde a criação do mundo.[25]
Pois veio João Batista, que nem comia pão nem bebia vinho, e dizeis: Ele está
possuído do demônio. Veio o Filho do Homem [uma referência ao próprio Jesus], que
come e bebe, e dizeis: Eis um comilão e beberrão, amigo dos publicanos e libertinos
[exilados]. Mas a Sophia foi justificada por todos os seus filhos.[26]
PAULO
A sabedoria também é um tema central para o apóstolo Paulo. Como
veremos, ele fala de Jesus como a Sophia de Deus. Mas, antes de tratar
desse assunto, é esclarecedor explorar outra conexão entre o uso da palavra
sabedoria por Paulo e a sabedoria alternativa de Jesus.
Ao lado de Jesus, Paulo é a pessoa mais importante da história do
cristianismo primitivo.[31] As cartas originais de Paulo, todas escritas
quinze anos antes de sua execução em Roma, por volta do ano 64, são
nossos primeiros testemunhos do movimento cristão primitivo. Elas são,
claro, bem diferentes dos Evangelhos. Para a maior parte dos escritores das
comunidades cristãs, que o próprio Paulo fundou, elas falam em geral de
problemas locais específicos. Paulo consequentemente faz muito poucas
referências ao Jesus pré-Páscoa e aos Seus ensinamentos, uma vez que o
Jesus pós-ressurreição — o Cristo vivo ressuscitado — é absolutamente
central em sua experiência e teologia.[32]
Apesar de tais diferenças entre os Evangelhos e as cartas de Paulo, e
não obstante o relativo silêncio de Paulo sobre o Jesus histórico, há uma
impressionante similaridade entre a mensagem de Paulo e a revolucionária
e alternativa sabedoria de Jesus. Vemos isso mais claramente no uso por
Paulo da palavra justificação. Considerada por muitos como o centro da sua
teologia, ela é, pelo menos, uma das duas ou três mais importantes noções
para a compreensão da mensagem de Paulo.
Justificação é uma metáfora jurídica. Sua origem linguística, no mundo
antigo, vem de uma corte de justiça, onde o veredito era chamado de
“justificado”. Embora não seja o equivalente exato do “inocente” ou
“culpado” moderno, era o veredito que se gostaria de ouvir: significava que
se achou que a pessoa estava certa. Transferindo para o contexto teológico,
a justificação refere-se a alguém tornado justo com Deus, ou seja, alguém
perdoado por Ele.
Para Paulo, o coração do Evangelho é que nos torna justos com Deus
por meio da graça. Sua formulação completa é a “justificação pela graça
através da fé”.[33] O oposto da justificação pela graça é, claro, a justificação
pela obra. Trata-se da mesma coisa que a “vida sob a lei”, na qual alguém
busca se tornar justo com Deus por meio das “obras da lei” — ou seja,
cumprindo as exigências de Deus. É, para usar a expressão introduzida no
capítulo 4, levar a vida de acordo com o “princípio do resultado”, na qual a
minha “aprovação”, seja em um quadro religioso ou secular, depende de
algo que eu faça ou acredite. Essa é a maneira de ser que Paulo ataca com
tanta paixão em suas cartas.
Destaque-se que, para Paulo, a “vida sob a lei” não é simplesmente
equiparada à “vida sob a Torá”. Isto é, o problema não era com a Torá em
si, mas com uma maneira de ser que buscava estar “bem” diante de Deus
por meio do cumprimento de suas exigências, sejam elas muitas ou não.
Os cristãos, às vezes, não entendiam isso, achando que o problema era que
a Torá fazia as exigências erradas e, então, as substituía pelas exigências
cristãs. Quando isso acontece, a “vida sob a lei” permanece.
A justificação pela graça, por outro lado, é uma justificação livre dada
por Deus como um presente. Seu efeito é libertar-nos da vida de esforço
ansioso e da autopreocupação que a acompanha. Para Paulo, este é o
principal significado do Evangelho de Cristo:
[…] para todos os fiéis […] e são justificados gratuitamente por sua graça; tal é a obra
da redenção, realizada em Jesus Cristo.
Porque Cristo é o fim da lei, para justificar todo aquele que crê.
É para que sejamos homens livres que Cristo nos libertou. Ficai, portanto, firmes e
não vos submetais outra vez ao jugo da escravidão.[34]
[…] mas nós pregamos Cristo crucificado, escândalo para os judeus e loucura para os
pagãos; mas, para os eleitos — quer judeus quer gregos —, força de Deus e sabedoria
de Deus.[38]
Algumas linhas adiante, Paulo escreveu: “É por sua graça que estais em
Jesus Cristo, que, da parte de Deus, se tornou para nós sabedoria”.[39]
Em qual sentido Cristo é a sabedoria de (e para) Deus? Em particular,
devemos entender “sabedoria de Deus” nesses versículos como uma
ressonância das nuances da Sophia divina? É possível, e então isso
significa que Paulo falou de Jesus como a Sophia de Deus e para Deus.[40]
Há ainda mais uma conexão entre a palavra judaica sobre Sophia e a
palavra que Paulo usou para falar sobre Jesus. Em duas passagens, Paulo
fala sobre o que chamamos de preexistência de Cristo — isto é, Cristo
existia desde a eternidade com Deus tendo sido ativo na criação. A
primeira passagem está de forma resumida na Primeira Epístola aos
Coríntios:
Mas, para nós, há um só Deus, o Pai, do qual procedem todas as coisas e para o qual
existimos, e um só Senhor, Jesus Cristo, por quem todas as coisas existem e nós também.
[41]
A segunda, que é paulina, embora não se possa ter certeza se é do
próprio Paulo, expande a descrição do papel de Cristo na criação:
Ele é a imagem de Deus invisível, o Primogênito de toda a criação. Nele [ou por ele]
foram criadas todas as coisas nos céus e na terra, as criaturas visíveis e as invisíveis.
Tronos, dominações, principados, potestades: tudo foi criado por ele e para ele. Ele
existe antes de todas as coisas, e todas as coisas subsistem nele.[42]
O EVANGELHO DE JOÃO
A apresentação de Jesus como sabedoria é ainda mais impressionante na
última voz do Novo Testamento que iremos abordar, o Evangelho de João.
O prólogo do Evangelho de João (que pode ter tido sua origem como um
hino cristão primitivo, que o autor João incorporou no início do Evangelho)
começa com algumas das mais conhecidas palavras da Bíblia.[44] Na
transcrição, substituí a palavra Verbo pela palavra grega logos.
No princípio era o logos, e o logos estava junto de Deus e o logos era Deus. Ele [o logos]
estava no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ele, e sem ele nada foi feito. Nele
havia a vida, e a vida era a luz dos homens. […] [o logos] Estava no mundo e o mundo
foi feito por ele, e o mundo não o reconheceu. […] E o logos se fez carne e habitou
entre nós […].[45]
No princípio era Sophia, e Sophia estava junto de Deus e Sophia era Deus. Ela estava
no princípio junto de Deus. Tudo foi feito por ela, e sem ela nada foi feito. Nela havia
a vida, e a vida era a luz dos homens. […] [ela] Estava no mundo e o mundo foi feito
por ela, e o mundo não a reconheceu.
A HISTÓRIA DO ÊXODO
Quando teu filho te perguntar mais tarde […] Tu lhe responderás: éramos escravos do
faraó, no Egito, e a mão poderosa do Senhor libertou-nos. À nossa vista operou o
Senhor prodígios, e grandes e espantosos sinais contra o Egito, contra o faraó e toda a
sua família. Tirou-nos de lá para conduzir-nos à terra que, com juramento, havia
prometido a nossos pais dar-nos.[5]
A história foi relembrada e liturgicamente celebrada várias e várias
vezes, sobretudo na festa anual do Pessach. É importante dizer que ela não
era vista somente como uma história sobre o passado, mas também sobre o
presente. Não era somente sobre seus ancestrais vivendo o êxodo do Egito
onde tornavam-se escravos do faraó e de onde foram levados por Deus. A
liturgia do Pessach prega:
Para sempre, em todas as gerações, todos devemos pensar em nós mesmos como tendo
vindo do Egito. Pois lemos na Torá: “Naquele dia, ensinarás a teu filho, dizendo: Tudo
isso é por causa do que Deus fez por mim quando saí do Egito”. Não eram apenas os
nossos antepassados que o Santo, abençoado Deus, redimiu; nós, também, os vivos, Deus
nos redimiu com eles, como aprendemos no versículo na Torá: “E Deus nos tirou daqui
para que Deus nos trouxesse para casa e nos desse a terra que prometeu aos nossos
antepassados”.[6]
Assim, essa história não é somente sobre a antiga Israel, mas também
sobre “nós, os vivos”. Como uma história tanto sobre o passado quanto
sobre o presente, ela retrata a condição humana e o relacionamento de
Deus conosco em todos os tempos.
Mas sobre o que é essa história? Basicamente, é uma história sobre
servidão, liberdade, uma jornada e um destino. Ela começa com os
hebreus como escravos no Egito sob o domínio do faraó. A vida no Egito
era marcada por uma política de opressão, uma economia de abundância e
uma religião de legitimação.[7] Embora talvez fosse uma vida confortável
para os membros da casa do faraó, para os escravizados era uma vida de
trabalho árduo e de rações magras e escassas, com o suficiente para
sobreviver, mas não mais que isso. A história, então, se passa com pragas e
autolibertação (a palavra êxodo literalmente significa “a saída” ou “estrada
afora”). Mas a partida do Egito não é o fim da história. Sair da dominação
do faraó leva o povo ao deserto e o coloca em uma jornada que dura
quarenta anos, cujo destino é a terra prometida, que, simbolicamente, é o
lugar em que Deus se encontra.
Como uma história sobre Deus e nós, o que ela quer dizer? Nosso
problema, de acordo com a história, é que vivemos no Egito, a terra da
servidão. Somos escravos de um senhor alienado, o senhor do Egito, o
faraó. Ela provocativamente retrata a condição humana como escrava, uma
imagem de dimensões e significados tanto político-culturais quanto
psicológico-espirituais. Ela nos incita a perguntar: “Do que sou escravo, do
que somos escravos?”.
A resposta para a maioria de nós é: “De muitas coisas”. Somos escravos
de mensagens culturais sobre como deveríamos ser e o que deveríamos ter
— mensagens sobre sucesso, atração, papéis de gênero, boa vida. Somos
escravos das vozes de nosso próprio passado e de vários tipos de hábitos.
O faraó que nos escraviza está tanto dentro quanto fora de nós. Quem é
o faraó dentro de mim que me escravizou e que não me deixa ir? Quais são
os instrumentos de medo e opressão que usa esse faraó que tenta manter o
controle sobre tudo? Quais pragas poderiam derrubá-lo?
Se o problema é a servidão, a solução, claro, é a liberdade. Na história
do êxodo, a liberdade começa à noite, na escuridão que precede o
amanhecer, que permite deixar o Egito, o reinado e a dominação do faraó.
Ela envolve atravessar para o outro lado do mar, uma passagem de um tipo
de vida para o outro. A liberdade envolve sair do domínio do faraó e do
domínio da cultura.
Entretanto, a liberdade não é o fim da história. Pelo contrário, “a saída”
leva a uma jornada na direção do deserto. Como um lugar que está além da
domesticação da cultura, o deserto é um lugar de liberdade, onde
encontramos e conhecemos Deus. Embora também possa ser um lugar de
medo e ansiedade, onde erigimos um bezerro de ouro depois do outro, e
onde, às vezes, nos vemos com saudades da segurança do Egito — das
“rações” do Egito, como conta a história. Pelo menos lá havia comida.
Porém, o deserto é também um lugar onde somos nutridos por Deus, pela
água que vem das pedras e pelo pão que vem do céu, e onde Deus viaja
conosco em um pilar de nuvens durante o dia e em uma coluna de fogo à
noite. A jornada dura muito tempo — quarenta anos, de acordo com a
história. Seu destino é a vida na presença de Deus. Contudo, Deus não é
simplesmente o destino, mas alguém a quem se conhece durante a
jornada. É uma jornada em direção a Deus, mas também com Deus.
Assim, como uma epifania da solução e da condição humana, a história
do êxodo retrata a vida religiosa como uma jornada que vai da vida de
servidão à vida na presença de Deus. Embora nos encontremos
escravizados pelo faraó, ela proclama, há uma saída. Através de sinais e
maravilhas, através da grande e poderosa mão de Deus, Ele pode nos
libertar; certamente Ele quer nossa libertação, anseia por nossa libertação,
partindo da vida em servidão à cultura para a vida como uma jornada com
Deus.
Uma voz exclama: Abri no deserto um caminho para o Senhor, traçai reta na estepe
uma pista para nosso Deus. Que todo vale seja aterrado, que toda montanha e colina
sejam abaixadas: que os cimos sejam aplainados, que as escarpas sejam niveladas![11]
A HISTÓRIA SACERDOTAL
Nós, pobres pecadores, confessamos diante de ti que somos por natureza pecadores e
impuros, e que pecamos contra ti pelo pensamento, pela palavra e pela ação. Por isso,
fugimos para o refúgio da tua infinita misericórdia, buscando e implorando tua graça,
por amor de nosso Senhor Jesus Cristo.
Mas todos nós temos o rosto descoberto, refletimos como num espelho a glória do
Senhor e nos vemos transformados nesta mesma imagem, sempre mais
resplandecentes, pela ação do Espírito do Senhor.[27]
[ «« ]
2. Essa ideia foi desenvolvida por Paul Ricoeur, que se refere à ingenuidade pré-crítica
como a “primeira ingenuidade”, e ao estado paralelo (mas bastante diferente) de
ingenuidade pós-crítica como “segunda ingenuidade” (ver minha discussão sobre esse
segundo estado mais adiante neste capítulo). Para um estudo excelente da abordagem de
Ricoeur das Escrituras, ver Mark Wallace, The Second Naiveté: Barth, Ricoeur, and the
New Yale Theology (Macon, GA: Mercer University Press, 1990).
[ «« ]
3. Meu professor era Paul Sponheim, agora professor titular de teologia no Seminário
Luther Northwestern em St. Paul, Minnesota, e autor de uma série de livros sobre
teologia cristã.
[ «« ]
[ «« ]
5. A Igreja, no decorrer da história, se referiu consistentemente aos autores dos
Evangelhos como evangelistas. O termo, de modo correto, sugere que eles não são
repórteres desinteressados nem historiadores diretos, mas proclamadores de uma
mensagem: as “boas-novas” de uma nova vida disponível através de Jesus.
[ «« ]
6. Para uma excelente e acessível introdução a essa compreensão dos Evangelhos, ver W.
Barnes Tatum, In Quest of Jesus (Atlanta: John Knox, 1982). Um entendimento
acadêmico mais amplamente aceito é de que o Evangelho segundo São Marcos é o mais
antigo, escrito por volta de 70 d.C. Mateus e Lucas foram escritos cerca de dez a vinte
anos mais tarde, e ambos usaram Marcos, bem como o documento conhecido como
“Quelle”, uma coleção de provérbios de Jesus que totalizam cerca de duzentos versos,
talvez compilados em 50 d.C. João pode ser independente dos outros três Evangelhos e é
tipicamente datado por volta de 90 a 100 d.C.
[ «« ]
* Esses Evangelhos são conhecidos como Sinóticos por conterem uma grande quantidade
de histórias em comum, na mesma sequência e, algumas vezes, utilizando exatamente a
mesma estrutura de palavras. Tal grau de paralelismo relativo a conteúdo, narrativa,
linguagem e estruturas das frases somente pode ocorrer em uma literatura
interdependente. Muitos estudiosos acreditam que esses Evangelhos compartilham o
mesmo ponto de vista e são claramente ligados entre si. (N. E.)
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
9. Fui em busca desses temas em minha tese de doutorado de 1972 em Oxford (orientada
por George B. Caird) e em meu primeiro livro sobre Jesus: Conflict, Holiness and Politics
in the Teachings of Jesus (Nova York e Toronto: Edwin Mellen, 1984), que é uma grande
revisão expandida da tese.
[ «« ]
10. William James, The Varieties of Religious Experience, org. de Martin Marty (Nova
York: Penguin, 1982), publicado originalmente em 1902. Apesar de ter mais de um
século, essa obra clássica ainda é uma magnífica introdução a diversas experiências
religiosas em primeira mão.
[ «« ]
11. Abraham Heschel, Man Is Not Alone: A Philosophy of Religion (Nova York: Farrar,
Straus and Giroux, 1951).
[ «« ]
12. Rudolf Otto, The Idea of the Holy (Nova York: Oxford University Press, 1958),
publicado pela primeira vez na Alemanha em 1917.
[ «« ]
13. At 17,28. Para outra conhecida passagem da Bíblia que fala de Deus como o Espírito
onipresente e envolvente, ver o Sl 139.
[ «« ]
[ «« ]
2. Ver Helmut Koester e Stephen J. Patterson, “The Gospel of Thomas: Does It Contain
Authentic Sayings of Jesus?”, Bible Review, pp. 26-39, abr. 1990. Ver também Stevan
Davies, The Gospel of Thomas and Christian Wisdom (Nova York: Seabury, 1983); John S.
Kloppenborg et al., Q Thomas Reader (Sonoma, CA: Polebridge, 1990); e Marvin Meyer,
The Gospel of Thomas (San Francisco: Harper San Francisco, 1992).
[ «« ]
3. Ver, por exemplo, Elisabeth Schüssler Fiorenza, In Memory of Her (Nova York:
Crossroad, 1985), pp. 105-6, onde a autora nos fala de um amigo que teve que se esforçar
bastante para convencer uma sala de adultos em sua paróquia de que Jesus era judeu, só
para ter que ouvir no final alguém dizer: “Mas a Virgem Santíssima com certeza não era”.
[ «« ]
[ «« ]
5. O registro de Lucas sobre Jesus deixando os mestres deslumbrados no templo aos doze
anos provavelmente representa um estágio anterior a esse processo.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
8. A base para esse julgamento é que José não é mencionado durante o ministério, apesar
de a mãe de Jesus e seus irmãos, sim. A tradição segundo a qual José era velho quando se
casou com Maria não tem base no Novo Testamento; ela foi provavelmente criada para
tornar mais plausível a tradição posterior a respeito da virgindade perpétua de Maria.
[ «« ]
9. Alguns estudiosos contemporâneos são céticos a respeito do fato de haver sinagogas na
Galileia no tempo de Jesus, especialmente graças à ambiguidade da evidência
arqueológica da existência de prédios com sinagogas naquela época. A palavra sinagoga, no
entanto, significa simplesmente “assembleia” e não precisa se referir a um prédio
construído especialmente para esse propósito. Assim, questionar se havia prédios de
sinagogas não deve ser confundido com a questão se havia assembleias de sinagogas. Não
parece haver dúvidas sobre o fato de ter assembleias onde eram realizados ensino e
adoração.
[ «« ]
10. É interessante notar que esse “fato” amplamente aceito a respeito de Jesus está
baseado num pequeno pedaço da metade de um versículo dos Evangelhos.
[ «« ]
11. Esse termo é usado por E. P. Sanders em Judaism: Practice and Belief, 63 AEC-66 EC.
(Filadélfia: Trinity Press International, 1992). Para outro importante e recente estudo
sobre o mundo judaico no século I, ver N. Thomas Wright, The New Testament and the
People of God (Mineápolis: Fortress, 1992), pp. 145-338. Para ilustrações do mundo
social de Jesus conforme refletido nos Evangelhos, ver o muito útil e novo livro de Bruce
J. Malina e Richard L. Rohrbaugh, Social-Science Commentary on the Synoptic Gospels
(Mineápolis: Fortress, 1992). Ver também Frederick J. Murphy, The Religious World of
Jesus: An Introduction to Second Temple Palestinian Judaism (Nashville, TN: Abingdon,
1991).
[ «« ]
12. Para uma discussão mais completa sobre os feriados judaicos, ver E. P. Sanders,
Judaism, pp. 125-43.
[ «« ]
13. A Shemá tem a ver com Dt 6,4-5: “Ouve, ó Israel! O Senhor, nosso Deus, é o único
Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, de todo o teu coração, de toda a tua alma e de todas
as tuas forças”. As orações, duas vezes ao dia, aparentemente incluíam a recitação de
várias passagens bíblicas, além de Dt 6,4-5. Para uma discussão sobre a prática das
orações, ver E. P. Sanders, Judaism, pp. 195-208.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
16. Por exemplo, John Dominic Crossan especulou que a execução de João levou Jesus a
repensar aspectos centrais da mensagem que Ele havia aprendido com seu mentor.
Muitos estudiosos notaram que a mensagem de Jesus se diferencia em importantes
aspectos daquela de João (incluindo, de acordo com Crossan, uma mudança de
entendimento entre o Reino de Deus apocalíptico ou não apocalíptico), e é possível que
as diferenças sejam (pelo menos em parte) resultado do trauma causado pela execução de
João pelos poderosos deste mundo.
[ «« ]
[ «« ]
18. E. P. Sanders, Jesus and Judaism (Filadélfia: Fortress, 1985), p. 2.
[ «« ]
19. A frase vem de Burton L. Mack, A Myth of Innocence: Mark and Christian Origins
(Filadélfia: Fortress, 1988), p. 56. Mack pode ser visto, justamente, como o acadêmico
mais cético entre os estudiosos contemporâneos de Jesus, logo é significativo que ele
afirme essa possibilidade.
[ «« ]
20. Assim, acadêmicos que entendem a palavra escatológico de forma diferente podem
continuar a afirmar um entendimento escatológico de Jesus. Ver ensaios citados na nota
21.
[ «« ]
21. Para um relato mais completo desse desenvolvimento, ver meu ensaio “A Temperate
Case for a Non-Eschatological Jesus”, publicado simultaneamente em Foundations and
Facets Forum vol. 2, n. 3, pp. 81-102, 1986, e em Society of Biblical Literature: 1986
Seminar Papers (Atlanta: Scholars Press, 1986), pp. 521-35; “A Renaissance in Jesus
Studies”, Theology Today n. 45, pp. 280-92, 1988; “Portraits of Jesus in Contemporary
North American Scholarship”, Harvard Theological Review n. 84, pp. 1-22, 1991; e “Jesus
and Eschatology: A Re-Assessment”, em Images of Jesus Today, org. de James
Charlesworth e W. P. Weaver (Valley Forge, PA: Trinity Press International, 1994).
[ «« ]
22. Ver meu livro Jesus: A New Vision (San Francisco: Harper & Row, 1987).
[ «« ]
23. Relacionando esse esboço de Jesus adulto com a votação do Seminário de Jesus: a
declaração controversa e a “pincelada” que retrata Jesus como um mestre de uma
sabedoria revolucionária são sustentadas por uma ampla maioria dentro do Seminário. De
fato, elas são posições de quase consenso. Nas outras três “pinceladas”, o Seminário
acabou empatado, apontando para uma falta de consenso e sugerindo que tais questões
provavelmente continuarão em disputa na disciplina.
[ «« ]
24. Sua inabilidade de dar conta desse fato é, me parece, o maior problema com o filme
de alguns anos antes, A última tentação de Cristo. Para mim, seu aspecto mais
problemático foi o retrato de Jesus como sendo um tipo estabanado que não era bom nem
sequer em contar parábolas. Por que alguém seguiria um Jesus assim?
[ «« ]
25. Para um tratamento completo da maior parte do material desta seção, ver Marcus J.
Borg, Jesus: A New Vision, pp. 25-75.
[ «« ]
26. Apesar de pessoa espiritual às vezes me parecer uma expressão estranha, ela me
parece superior a outras alternativas possíveis. Já sugeri o motivo pelo qual santo não é um
termo satisfatório. Uma pessoa sagrada seria outra possibilidade; a expressão funcionaria se
fosse claramente entendida como uma “pessoa em contato com o sagrado”. Porém, penso
que pessoa sagrada seria mais provavelmente entendida como uma “pessoa divina”,
podendo, assim, ser mal interpretada como se referindo à divindade de Jesus.
[ «« ]
27. Essa outra camada da realidade é experimentada como transpessoal. Ou seja, apesar
de ser conhecida por alguém em sua própria subjetividade, ela é experimentada como
transcendendo os limites da própria pessoa. Essa esfera transpessoal é o que quero dizer
sobre um mundo do Espírito. As formas de imaginá-la ou conceitualizá-la vão desde o
“Eu-Tu” de Martin Buber, no qual o divino “Tu” é mediado, talvez de forma plena, através
do mundo cotidiano, passando pela distinção de Mircea Eliade entre sagrado e profano,
até o mundo dos arquétipos junguianos e a cosmologia xamânica.
[ «« ]
28. Concordo com aqueles que falam de cada tradição religiosa como um “mundo
cultural-linguístico”; ver, por exemplo, George Lindbeck, The Nature of Doctrine
(Filadélfia: Westminster, 1984). Assim, as religiões do mundo são claramente diferentes;
elas são tão diferentes quanto as culturas de onde surgiram. Ainda assim, sigo convencido
de que o ímpeto de criar tais mundos cultural-linguísticos surge de certos tipos de
experiências extraordinárias que são transculturais.
[ «« ]
[ «« ]
30. Dt 34,10.
[ «« ]
31. Ez 1,1.
[ «« ]
32. Geza Vermes, Jesus the Jew (Nova York: Macmillan, 1973), pp. 58-82. Essa segue
sendo a obra clássica sobre os santos judeus. Apesar de algumas das conclusões de
Vermes terem sido qualificadas por pesquisadores posteriores (ver, especialmente,
William Scott Green, “Palestinian Holy Men: Charismatic Leadership and Rabbinic
Tradition”, Aufstieg und Niedergang der Römischen Welt, vol. 19, n. 2, pp. 619-47, 1979),
seu argumento central de que houve figuras judaicas como essas quase na mesma época
que Jesus continua parecendo sólido.
[ «« ]
33. Para uma discussão de “fotismos” como algo que acompanha, às vezes, súbitas
experiências de conversão, ver James, Varieties of Religious Experience, pp. 251-3.
[ «« ]
34. 2Cor 12,1-4. Ver James D. Tabor, Things Unutterable (Lanham, MD: University Press
of America, 1986); e Alan E. Segal, Paul the Convert: The Apostolate and Apostasy of Saul
the Pharisee (New Haven, CT: Yale University Press, 1990), especialmente pp. 34-71.
[ «« ]
35. Mc 1,10.
[ «« ]
36. Estou ciente das dificuldades envolvidas na leitura de histórias das visões de Jesus em
Seu batismo e no deserto. Muitos estudiosos as relacionariam à crescente tradição no
período pós-Páscoa. Ainda assim, é bom lembrar que ambas podem ser encontradas,
respectivamente, em Marcos e no “Quelle”, as duas das primeiras camadas da tradição
dos Evangelhos. Pelo menos isso quer dizer que a tradição, num estágio primitivo de
desenvolvimento, apresenta Jesus como alguém que tinha visões, assim como muitas
figuras antes e depois Dele na tradição judaico-cristã. De forma interessante, o Seminário
de Jesus, quase sempre cético em relação a tais textos, ficou dividido quase meio a meio
sobre a questão se Jesus teve visões (numa votação que aconteceu na reunião do grupo na
primavera de 1992).
[ «« ]
37. Para mais informações sobre “falando da boca do Espírito” na tradição judaica, ver
Marcus J. Borg, Jesus: A New Vision, p. 46 e nota 34.
[ «« ]
38. Para um tratamento compacto do misticismo no judaísmo primitivo, ver Alan E. Segal,
Paul the Convert.
[ «« ]
39. Ver a breve nota de John Dominic Crossan em “Materials and Methods in Historical
Jesus Research”, Forum, vol. 4, n. 4, p. 11, dez. 1988: [a mensagem de Jesus sobre a]
“presença não mediada de Deus… era baseada na experiência mística, já que não tenho
nenhuma ideia sobre de onde mais ela poderia ter vindo”.
[ «« ]
40. Aqui também estou ciente das dificuldades históricas envolvidas ao dizermos que
Lucas de fato registra o que Jesus disse no começo de seu ministério. Ainda assim, eu
argumentaria que, independente da cena registrada em Lc 4,16-19 ser histórica ou uma
construção literária criada pelo evangelista, ela reflete com precisão o fato de Jesus ter
experimentado a si mesmo como o ungido pelo Espírito.
[ «« ]
41. Essa negação não nos impede de afirmar que Jesus foi uma epifania, ou revelação de
Deus, ou, como sugiro no capítulo 5, a corporificação ou encarnação da Palavra e da
Sabedoria de Deus. Ver também Marcus J. Borg, Jesus: A New Vision, pp. 191-2.
[ «« ]
42. O Iluminismo é a “grande divisão” na história intelectual do Ocidente que separa a
Era Moderna de tudo o que veio antes. O Iluminismo teve início no século XVII e gerou a
visão moderna com seu entendimento da realidade como material e “autocontida”,
operando de acordo com “leis naturais” de causa e efeito. Sobre os seus efeitos na religião,
ver W. T. Stace, Religion and the Modern Mind (Filadélfia: Lippincott, 1952); e Huston
Smith, Forgotten Truth: The Primordial Tradition (San Francisco: Harper & Row, 1976; 2.
ed., 1992), especialmente o capítulo 1.
[ «« ]
43. At 17,28.
[ «« ]
1. Lc 6,36. Tenho três breves comentários a respeito desse versículo. Primeiro, ele é da
tradição primitiva; seu paralelo mais próximo em Mt 5,48 indica que era parte do
“Quelle”. Segundo, a palavra de Lucas (“compassivo”) deve ser preferida em relação a
Mateus (“perfeito”); o uso da palavra perfeito é uma característica demonstrável da
redação de Mateus. Finalmente, como presente em algumas traduções, prefiro a tradução
“compassivo” a “misericordioso”. “Misericordioso” tem conotações um tanto quanto
diferentes de “compassivo”, sobre o qual farei pequenos comentários mais adiante neste
capítulo.
[ «« ]
2. Devo esse insight e a linha de raciocínio dele derivado à obra de Phyllis Trible, God and
the Rhetoric of Sexuality (Filadélfia: Fortress, 1978), especialmente os capítulos 2 e 3.
[ «« ]
3. Respectivamente, 1Rs 3,26 e Gn 43,30. Ver Trible, God and the Rhetoric of Sexuality,
pp. 31-4.
[ «« ]
4. Ver, por exemplo, 1Rs 3,26, onde Salomão tem que decidir sobre as demandas de duas
mulheres como sendo a mãe do mesmo bebê. Quando Salomão propõe resolver a questão
cortando o bebê ao meio, a verdadeira mãe, nos é dito, é movida em suas entranhas, como
aparece na tradução da Bíblia Ave-Maria.
[ «« ]
* Apesar de a versão em inglês usar a palavra “útero” (“womb”), em português optou-se por
“entranhas”, em Gn 43,30. (N. E.)
[ «« ]
5. Ver, por exemplo, Ex 34,6; 2Cr 30,9; Ne 9,17.31; Sl 103,8; Jl 2,13; Jo 4,2.
[ «« ]
6. Por exemplo, Sl 24,6; 40,12; 50,3; 68,17; 76,9; 78,8; 102,4; 118,77; 144,8.
[ «« ]
[ «« ]
8. Na citação original em inglês de Lc 6,36 no segundo parágrafo deste capítulo, usei o
termo independente do gênero “Deus” no lugar de “Pai”, que é usado no texto grego:
“Sede misericordiosos, assim como também vosso Pai é misericordioso”. A justaposição de
“Pai” e “como um útero” é interessante e oferece material para especulação. Dá até para
imaginar Jesus dizendo: “Querem saber como o vosso Pai é? Vosso Pai celestial é como
um útero”. Talvez desse até para imaginá-lo dizendo isso dando uma piscadinha. Tal uso
jocoso, se bem que sério, da linguagem é característico da tradição de Jesus.
[ «« ]
9. Lv 19,2.
[ «« ]
10. Estou usando política aqui num sentido mais amplo para significar (conforme a raiz
grega sugere) um cuidado com a constituição da “cidade” (a palavra grega polis quer dizer
“cidade”) e, por extensão, tem a ver com a constituição de qualquer comunidade humana.
[ «« ]
11. Lv 19,2. O “código de santidade” que define a santidade como pureza está em Lv
17,26. As leis de pureza compiladas em Lv 11-16 eram igualmente importantes, bem
como outras leis de pureza espalhadas por todo o Pentateuco.
[ «« ]
12. Jerome Neyrey, The Social World of Luke-Acts (Peabody, MA: Hendrickson, 1991), p.
275. Neyrey apresenta uma das mais claras e acessíveis exposições do sistema de pureza
da Palestina judaica: ver pp. 271-304 do volume acima citado e sua “The Idea of Purity in
Mark’s Gospel”, em Semeia 35, org. de John H. Elliott (Decatur, GA: Scholars Press,
1986), pp. 91-128. Ver também William Countryman, Dirt, Greed, and Sex (Filadélfia:
Fortress, 1988), especialmente pp. 11-65. Countryman foca sua lúcida exposição no
relacionamento entre o sistema de pureza e a ética sexual.
[ «« ]
13. Existem definições tanto amplas quanto específicas do que constitui o sistema de
pureza. Mary Douglas, uma antropóloga cuja obra tem sido muito influente no estudo do
Novo Testamento, define um sistema de pureza, de forma bem ampla, como um sistema
cultural ordenado de classificação, linhas e limites que torna os termos sistema de pureza e
cultura quase sinônimos. Ver Purity and Danger: An Analysis of Concepts of Pollution and
Taboo (Londres: Routledge and Kegan Paul, 1966). De uma maneira mais específica, um
sistema de pureza pode ser entendido como um sistema cultural de classificação que faz
uso explícito da linguagem da pureza. O mundo social de Jesus era um sistema de pureza
não apenas no sentido amplo como também no específico.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
16. Digo “talvez” porque a lista que menciona os pastores como pertencendo à categoria
“mais desprezada” por causa de sua ocupação pode ser encontrada em fontes judaicas
escritas depois do tempo de Jesus. Para as listas, ver Joachim Jeremias, Jerusalem in the
Time of Jesus (Londres: SCM, 1969), p. 304. Para um tratamento equilibrado se os pastores
eram párias no século I, ver Richard A. Horsley, The Liberation of Christmas: The Infancy
Narratives in Social Context (Nova York: Crossroad, 1989), pp. 102-6. Horsley conclui
que os pastores eram, de qualquer forma, da classe dos camponeses e, portanto,
marginais.
[ «« ]
17. Acredito ter sido Krister Stendahl, um erudito do Novo Testamento que foi diretor da
Harvard Divinity School antes de se tornar o bispo da Igreja da Suécia, quem disse, numa
palestra que ouvi há uns 25 anos a respeito da crença teológica, que todos os cristãos são
pecadores: “É claro, somos todos pecadores honorários”.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
20. Um esclarecimento importante: até onde eu sei, não existem descrições de pureza que
associem explicitamente riqueza com pureza e pobreza com impureza. Entretanto, um
sistema de pureza é mais do que a soma das leis de pureza explícitas de uma cultura.
Sistemas de pureza têm uma lógica e uma estrutura que fazem com que noções de pureza
e impureza se tornem associadas a outros contrastes centrais na sociedade.
[ «« ]
21. Ver, por exemplo, William Countryman, Dirt, Greed, and Sex, pp. 28-30; depois de
examinar os textos do Pentateuco, ele conclui: “Não seria exagerado sugerir que os textos
demonstram uma ansiedade geral a respeito do potencial de contaminação das mulheres”.
[ «« ]
22. Ver o mapa de pureza em Jerome Neyrey, The Social World of Luke-Acts, pp. 278-9,
que consiste em dez círculos concêntricos de graus decrescentes de santidade/pureza
radiando a partir do templo em Jerusalém. No seu centro está a parte mais sagrada do
templo, o Santo dos Santos; o círculo mais exterior é a própria terra de Israel, que é
“santa” (e esse é um dos significados da terra santa: ela é santa e tem que ser mantida
pura). Além de Israel, tudo é “impuro” — ou seja, “fora do mapa de pureza”.
[ «« ]
23. Além dos dízimos pagos para o templo e o sacerdócio, os camponeses judeus também
estavam sujeitos aos impostos para as autoridades herodianas (na Galileia) e romana (na
Judeia). Não sabemos se o pagamento dos dízimos envolvia, de forma consistente, a
ameaça constante de coerção física, entretanto sabemos que isso acontecia de vez em
quando. De qualquer forma, há relatos de coerção social e econômica. Os judeus que não
observassem as leis (incluindo os que não pagassem os dízimos) sofriam ostracismo social
daqueles comprometidos com a pureza; e a classificação da produção de quem não pagava
o dízimo como impura — e portanto não deveria ser comprada pelos que observavam as
leis — levava a um boicote econômico. É difícil saber quão eficaz era o boicote. Mas
talvez ele fosse significativo. Se supusermos que a maior parte da aristocracia rica — em
geral os grandes donos de terras — estava comprometida com a pureza (como talvez eles
fossem, dado que as famílias dos sumos sacerdotes estavam no centro da aristocracia), é
possível imaginá-los se recusando a comprar a produção de seus coprodutores, a não ser
que os dízimos tenham sido pagos antes.
[ «« ]
24. A busca pelos fariseus históricos já causou tanta diversidade quanto a busca pelo
Jesus histórico. O retrato quase sempre negativo deles em muitos círculos cristãos e sua
imagem na linguagem popular como “hipócritas” (e pior) são certamente errados. Eles, de
fato, eram devotos. No entanto, existe uma discordância acadêmica considerável a
respeito de quem eles eram no tempo de Jesus, a extensão de sua influência e atividade
etc. Para uma coletânea aparentemente equilibrada e compacta do debate acadêmico, ver
James D. G. Dunn, “Pharisees, Sinners, and Jesus”.
[ «« ]
25. Para uma abordagem da “pesquisa atual”, ver o livro popular de Hershel Shanks et al.,
The Dead Sea Scrolls After Forty Years (Washington, DC: Biblical Archaeology Society,
1991), e o mais acadêmico Understanding the Dead Sea Scrolls, org. de Hershel Shanks
(Nova York: Random House, 1992). Para uma discussão resumida questionando a
identificação do Qumran, os Manuscritos do Mar Morto e os essênios, ver Norman Golb,
“The Qumran-Essene Hypothesis: A Fiction of Scholarship”, Christian Century, pp. 1138-
43, 9 dez. 1992.
[ «« ]
[ «« ]
27. Lc 11,42 = Mt 23,23, logo, o material “Quelle” (portanto, parte da tradição bem
antiga). A passagem acaba com: “No entanto, era necessário praticar estas coisas, sem
contudo deixar de fazer aquelas outras coisas”. Esta última frase talvez indique que Jesus
aprovava o dízimo e simplesmente lamentava que se negligenciassem assuntos mais
densos, como justiça; ou a frase poderia ser muito bem entendida como irônica.
[ «« ]
[ «« ]
29. Mc 7,15.
[ «« ]
30. Mt 5,8. Ver também Mt 23,25-26 = Lc 11,39-41. A respeito de Mt 5,8, não podemos
ter certeza se Jesus disse isso. As palavras só aparecem em Mateus, e num contexto que
parece que elas foram “construídas” para servir ao contexto (as bem-aventuranças do
Sermão da Montanha). Por outro lado, elas são tão claramente coerentes como os dizeres
autênticos de Jesus que é possível argumentar que elas representam a essência do que Ele
disse sobre pureza, mesmo que não tenha dito exatamente essas palavras.
[ «« ]
31. Lc 10,29-37.
[ «« ]
32. Mc 5,1-20. Em sua forma presente, a história contém muitos elementos simbólicos,
de modo que é difícil discernir até que ponto existe um evento histórico por trás dela. A
questão, no entanto, é que a história em sua forma presente anula o universo simbólico do
sistema de pureza.
[ «« ]
33. A frase é do importantíssimo livro acadêmico de John Dominic Crossan sobre Jesus,
The Historical Jesus: The Life of a Mediterranean Jewish Peasant (San Francisco:
HarperSanFrancisco, 1991). Crossan considera essa “mesa aberta” como um dos aspectos
mais radicais a respeito da ação de Jesus; a outra é a “cura gratuita”, que oferecia acesso
ao poder divino fora da autoridade religiosa estabelecida.
[ «« ]
34. O uso de “imundo” aqui não deve ser, é claro, entendido no sentido de sujeira física
(apesar de alguns dos acompanhantes de Jesus à mesa terem sido, muito provavelmente,
sujinhos). Em vez disso, imundo tem um significado dentro do sistema de pureza.
[ «« ]
35. E a comunhão à mesa de Jesus não data simplesmente da “Santa Ceia”. Não sabemos
de verdade se Jesus teve uma “Santa Ceia” com seus discípulos. As histórias da Santa
Ceia nos Evangelhos podem ter sido o resultado de uma ritualização embrionária realizada
pela comunidade primitiva da tradição das refeições em vez de uma lembrança histórica
da última noite da vida de Jesus. Não devemos, me parece, nesse exemplo, ir além de
“não sabemos”.
[ «« ]
[ «« ]
37. Ver o comentário em Walter Wink, Engaging the Powers (Mineápolis: Fortress, 1992),
p. 129: “Em todos os encontros com mulheres nos quatro Evangelhos, Jesus violou as
regras do seu tempo”; para uma visão expandida de Wink a respeito desse assunto, ver pp.
129-34. Todo esse capítulo sobre o “sistema de dominação” dos judeus palestinos do
primeiro século e a resposta de Jesus a eles (pp. 109-37) é consistente com as alegações
que desenvolvo nesse capítulo.
[ «« ]
[ «« ]
39. As frases citadas são usadas com frequência em Schüssler Fiorenza, In Memory of
Her.
[ «« ]
40. At 8,26-40.
[ «« ]
41. Ver, por exemplo, Dt 23,1. O eunuco na história dos Atos dos Apóstolos também é
um gentio, logo, fora do sistema de pureza do judaísmo. Porém, a questão segue em
aberto: como um eunuco, ele não poderia se converter ao judaísmo.
[ «« ]
42. Gl 3,28.
[ «« ]
43. Ver, especialmente, Robert Bellah et al., Habits of the Heart (Berkeley: University of
California Press, 1985). Baseado num longo estudo dos americanos de classe média, ele
argumenta que o elemento dominante do éthos americano é o individualismo, que afeta
tudo, desde o amor e o casamento até o trabalho, da política e a justiça até a religião. Ver
também uma continuação em Bellah et al., The Good Society (Nova York: Alfred A.
Knopf, 1991).
[ «« ]
44. Ver Bellah et al., Habits of the Heart e The Good Society.
[ «« ]
45. Por “ser”, tento expressar uma noção difícil, porém óbvia: a saber, aquilo que “é”
independentemente dos mapas que criamos com linguagem e sistemas de ordenamento.
Central dentre essas criações estão os mapas sociais baseados em distinções geradas
culturalmente. Esses mapas se tornam a fonte de identidade, criando uma diferenciação
social além de limites sociais. Mas todos esses mapas são construções artificiais impostas
sobre o que “é” e sobre o que “somos”. Subjacente ao mundo que construímos com a
linguagem está o “ser”.
[ «« ]
[ «« ]
2. Lao-Tsé (China, século VI a.C.), a quem se atribui a autoria de uma coletânea curta de
ditos alusivos e evocativos conhecidos como O Tao Te Ching (com o “t” pronunciado
como “d”). Sua influência é importante para o zen-budismo, assim como para o próprio
taoismo. Os ensinamentos de Buda (quase um século mais tarde, na Índia) subverteram o
mundo e a tradição hindus em importantes aspectos. No seu cerne estava “o caminho das
oito vias”, que se afastava do mundo das convenções.
[ «« ]
3. Para um relato sobre o julgamento e a execução de Sócrates, ver os diálogos de Platão
Eutífron, Apologia, Crípton e Fédon, disponíveis em muitas edições. É impressionante que
Sócrates e Jesus, as duas figuras mais centrais nas tradições ocidentais de filosofia e
religião, foram ambos executados. Claramente, desafiar a sabedoria tradicional é algo com
frequência percebido como ofensivo e ameaçador.
[ «« ]
4. Os dois tipos de sabedoria são encontrados na tradição judaica antes de Jesus. O Livro
da Sabedoria da Bíblia judaica inclui Provérbios, Eclesiástico e Jó. Muitos dos Provérbios
(em especial a coletânea de ditos nos capítulos 10 a 30) expressam a sabedoria
tradicional, enquanto as vozes dos autores de Eclesiástico e Jó são uma tradição
subversiva e alternativa. Assim, temos uma tensão ou dialética dentro da própria sabedoria
tradicional. De fato, Eclesiástico e Jó podem ser aceitos como um questionamento radical
da crença fácil da sabedoria tradicional dos Provérbios, que diz que, se uma pessoa vive da
forma correta, tudo vai bem. Para uma excelente e acessível apresentação à sabedoria
judaica, incluindo um tratamento elogiável dos Provérbios, veja Kathleen M. O’Connor,
The Wisdom Literature (Wellington, DE: Michael Glaser, 1988).
[ «« ]
5. Mt 7,13-14.
[ «« ]
6. Muitos dos temas deste capítulo também são tratados em meu livro Jesus: A New
Vision, pp. 97-124.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
11. A ideia que temos no cerne tem duas implicações. A primeira significa que nunca
temos uma citação direta (ou, se temos, é acidental, e não temos meios de reconhecê-la
como tal). Crossan apresenta um exemplo clássico (In Fragments, p. 38): “A maioria dos
americanos conhece a ideia da famosa frase de Franklin D. Roosevelt sobre o medo, mas
ele disse: ‘Vocês não têm nada a temer além do medo em si’, ou ‘Não há nada a temer
além do próprio medo’, ou…?”. Crossan lista então outras quatro possibilidades. O ponto
aqui é: podemos conhecer o cerne sem ter certeza da citação exata. Em segundo lugar,
precisamos estar cientes de que o cerne pode às vezes ser mais do que uma frase a ser
memorizada ou sublinhada de forma individual. Ele também pode ser o resumo de um
discurso mais longo e, nesse caso, devemos olhar o dito não como tendo uma função
própria ao pairar no ar sozinho, mas como o tema central de um ensinamento mais longo.
[ «« ]
12. Lc 9,59-60 = Mt 8,21-22 (e, daí, temos um “Quelle”). A terra dos mortos é um local
de obrigação filial: os que querem se tornar seguidores pedem tempo para enterrar seu
pai, uma das mais sagradas obrigações do mundo de Jesus.
[ «« ]
13. Mt 23,24.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
17. Dos muitos livros acadêmicos escritos sobre as parábolas nos últimos vinte anos, o de
Bernard Brandon Scott, Hear Then the Parable (Mineápolis: Fortress, 1989), é o mais
indicado para a compreensão desse ponto.
[ «« ]
[ «« ]
19. De fato, a raiz da palavra parábola significa “jogar junto com”. Uma parábola é uma
história “jogada junto com” alguma situação da vida.
[ «« ]
[ «« ]
21. Mc 8,18.
[ «« ]
22. Mt 6,22-23 = Lc 11,34-35. É talvez mais comum ler esta passagem como se o olho
fosse a maneira como o interior do corpo é iluminado, uma leitura incentivada pelo resto
da passagem. Ao ler isso, é como se o olho fosse uma janela que deixa a luz entrar no
corpo. Minha sugestão é ler, no entanto, interpretando a passagem como uma analogia do
versículo, em Sl 118,105: “Vossa palavra é um facho que ilumina meus passos, uma luz
em meu caminho”. Aqui a imagem é a de uma lâmpada que ilumina o caminho enquanto
alguém viaja. Chamar o olho de luz do corpo é dizer que a maneira como uma pessoa
enxerga ilumina seu caminho.
[ «« ]
23. O termo superego vem, é claro, de Freud. O termo alemão que ele usou era mais
expressivo: das Über-Ich — “o que está acima de mim”. Quer se goste ou não de Freud,
me parece que o termo indica uma realidade psicológica conhecida de todos: um
mecanismo interno que nos elogia ou castiga com base na comparação entre nós e os
nossos padrões. Para a diferença entre superego e consciência, veja o artigo esclarecedor
de John W. Glaser, “Conscience and Superego”, Psyche and Spirit, org. de John J. Heaney,
ed. rev. (Nova York: Paulist, 1984), pp. 31-49.
[ «« ]
24. Robin Scroggs, Paul for a New Day (Filadélfia: Fortress, 1977), p. 10.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
27. As frases são de Walter Brueggemann, The Prophetic Imagination (Filadélfia: Fortress,
1978), cap. 1.
[ «« ]
[ «« ]
29. Mc 4,30-31.
[ «« ]
[ «« ]
31. Para a compreensão das crianças como seres sem nenhum valor, ver em especial John
Dominic Crossan, The Historical Jesus, pp. 266-9. A tendência de ver as crianças como
símbolo do simples é muito difundido, o produto de uma defesa simplória contra a
ameaça representada pelo conhecimento iluminador que, em teoria, poderia corroer a fé.
[ «« ]
32. Mt 8,11-12 = Lc 13,28-30.
[ «« ]
33. Ao escrever as duas últimas frases, me coloco ao lado desses acadêmicos que veem o
Reino como uma realidade presente na mensagem de Jesus, e não como uma realidade
que está para acontecer num futuro próximo.
[ «« ]
34. Mt 7,13-14; ver também Lc 13,24. De certa forma paradoxal, a porta estreita é aqui
descrita como “dura” e também “fácil”. Ver Mt 11,28-30.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
37. Mc 10,25.
[ «« ]
[ «« ]
39. Mt 6,30 = Lc 12,28.
[ «« ]
40. Mt 5,45.
[ «« ]
[ «« ]
42. Mt 20,1-15.
[ «« ]
43. Mt 20,15.
[ «« ]
44. Lc 15,11-32. Apesar de essa parábola só ser encontrada no Evangelho segundo São
Lucas, um consenso virtual de acadêmicos aceita que ela reflete a voz de Jesus. Lucas
aqui nos fala de uma única “apresentação” (provavelmente resumida) de uma história oral
contada por Jesus.
[ «« ]
[ «« ]
46. Lc 19,41-44. Passagens que indicam que Jesus avisou sobre a destruição que se
abateria sobre Jerusalém (o centro das elites no poder) como um evento histórico, de uma
forma bem parecida com a realizada pelo profeta Jeremias, podem ser encontradas nas
camadas mais profundas da tradição (nos Evagelhos Quelle e no Evagelho de Marcos),
bem como em passagens que só aparecem em Lucas.
[ «« ]
[ «« ]
48. Mc 7,6-8.
[ «« ]
[ «« ]
50. Esse aspecto é enfatizado por Stephen Mitchell na apresentação de seu livro The
Gospel According to Jesus (Nova York: HarperCollins, 1991). Poucos acadêmicos propõem
isso, mas acho a sugestão de Mitchell persuasiva.
[ «« ]
51. Um sinal de que o fato é marcante é que a obra de M. Scott Decks, The Road Less
Traveled, que trabalha a sabedoria alternativa, ficou na lista dos mais vendidos do New
York Times por mais de dez anos.
[ «« ]
52. A expressão religião de segunda mão é de William James, apresentada em The Varieties
of Religious Experience, p. 6.
[ «« ]
53. A autoria e a data do Livro de Jó são imprecisas, porém foi provavelmente escrito em
500 a.C., pouco depois que o povo judeu experimentou o exílio na Babilônia (587-539
a.C.). Junto com o Eclesiástico, supostamente escrito em 300 a.C., o livro é a voz da
sabedoria subversiva dentro da sabedoria tradicional da antiga Israel. Note como o
conteúdo da obra (os diálogos entre Jó e aqueles que o consolavam, caps. 3-37) é um
debate sobre o tema das obrigações e recompensas (“A habitação dos pérfidos será
destruída, mas a tenda dos justos florescerá” — Pr 14,11), que está no centro da sabedoria
tradicional. Os que o confortam defendem essa ideia. Jó, veementemente, a ataca.
[ «« ]
54. Jó 42,5.
[ «« ]
[ «« ]
2. Sem procurar ser abrangente, menciono, para fins de ilustração, algumas outras
metáforas cristológicas: Jesus como o “segundo Adão” (Paulo); Jesus como “Cordeiro de
Deus” (São João, Apocalipse); Jesus como “sumo sacerdote e sacrifício” (Hebreus); Jesus
como logos — que é “Verbo” (São João). Um artigo excelente e de fácil acesso sobre o
assunto é James D. G. Dunn, “Christology (NT)”, em The Anchor Bible Dictionary, org. de
David Noel Freedman (Nova York: Doubleday, 1992), vol. 1, pp. 979-91.
[ «« ]
3. Para ler textos concisos e acessíveis sobre Sophia na tradição judaica, veja
especialmente Kathleen M. O’Connor, The Wisdom Literature, pp. 59-85; Elizabeth A.
Johnson, She Who Is: The Mystery of God in Feminist Discourse (Nova York: Crossroad,
1992), pp. 86-93; e Roland E. Murphy, “Wisdom in the Old Testament”, em The Anchor
Bible Dictionary, org. de David Noel Freedman (Nova York: Doubleday, 1992), vol. 6, pp.
920-31 (especialmente pp. 926-7). Murphy afirma que a “personificação da sabedoria é
simplesmente única na Bíblia, tanto em relação à sua quantidade quanto na qualidade” (p.
926). Veja também Susan Cady, Marian Ronan e Hal Taussig, Sophia: The Future of
Feminist Spirituality (San Francisco: Harper & Row, 1986).
[ «« ]
[ «« ]
5. Um desses textos pode ser encontrado em Jl 2,28: “[…] [Jeová] derramarei o meu
Espírito sobre toda a carne […]”.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
8. Versículos transcritos são Pr 8,22-23.27a.29b-30. “Artífice” (Pr 8,30) também pode ser
traduzido como “bebê” ou “criança”, mas a estreita conexão com “ao lado de Deus” nos
atos criativos citados em 8,27-29 sugere que “artífice” — alguém que presta assistência na
criação — se encaixa melhor no contexto.
[ «« ]
[ «« ]
10. Pr 3,19.
[ «« ]
11. Pr 8,30b-31.
[ «« ]
12. Pr 8,32b.34a.35. Ver também 3,13-18, onde Sophia é citada como sendo mais
preciosa que o ouro, a prata ou as joias, e como “uma árvore de vida para aqueles que
lançarem mãos dela”.
[ «« ]
[ «« ]
14. Eclesiástico (não confundir com Eclesiastes) é um livro também conhecido como
“Sirácida”, de composição atribuída a Jesus, filho de Sirach.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
17. Todos encontrados no capítulo 24 de Eclesiástico. As transcrições são dos versículos
9.3-6.8. O banquete é citado em 24,19-21.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
20. Esse discurso sobre Sophia, atribuído a Salomão, começa em Sb 7,7. Os versículos
transcritos são 7,22-23.24-25.26.27. Ver também 8,6, que se refere a ela como “artífice
dos seres”.
[ «« ]
[ «« ]
22. Este livro notável tem sido mais importante na história do cristianismo do que sua
condição de não canônico sugerida pelos protestantes. Santo Agostinho, por exemplo,
refere-se a ele quase oitocentas vezes; ver David Winston, “Solomon, Wisdom of”, em The
Anchor Bible Dictionary, org. de David Noel Freedman (Nova York: Doubleday, 1992),
vol. 6, p. 127.
[ «« ]
23. Ver também Johnson, She Who Is, p. 91; Johnson fala da “equivalência funcional
entre os feitos de Sophia e os do Deus bíblico”. Ver também a sua útil revisão de cinco
diferentes compreensões da palavra Sophia nas pp. 90-3.
[ «« ]
24. Essa é uma ênfase recente dos estudiosos. Ver Johnson, She Who Is, pp. 91-2: Sophia
é “Deus de Israel em imagem feminina” e “uma personificação feminina do próprio ser de
Deus em um envolvimento criativo e salvador no mundo”; “Sophia personificava a divina
realidade”. Elisabeth Schüssler Fiorenza, em In Memory of Her, p. 132, fala da “Gestalt
feminina da Sophia divina” e da imagem de Deus “em uma Gestalt da mulher como
Sophia divina”. De acordo com James Dunn (citado em Johnson, She Who Is, pp. 91, 289,
n. 29), Sophia é Deus, reveladora e conhecida. Roland Murphy, em The Anchor Bible
Dictionary, vol. 6, p. 927, aponta que Sophia é de Deus, nasce de Deus, em Deus e,
então, pergunta retoricamente: “Sabedoria não é o Senhor, que se volta para as criaturas e
as convoca por meio da criação?”; Kathleen M. O’Connor, em The Wisdom Literature, diz:
“Ela é Deus” (p. 83), e “Seguir a Sabedoria, abraçá-la e viver com ela, é finalmente viver
com Deus” (p. 85).
[ «« ]
[ «« ]
26. Lc 7,33-35 = Mt 11,18-19. Em Mateus temos: “Mas a sabedoria foi justificada por
seus filhos”; já em Lucas temos: “Mas a sabedoria foi justificada por todos os seus filhos”.
Ver Joseph A. Fitzmyer, The Gospel According to Luke I–IX (Nova York: Doubleday, 1981),
pp. 679, 681. Fitzmyer observa que Lucas provavelmente adicionou a palavra todos à
citação, dizendo que originalmente se referia a João e Jesus juntos como “filhos” da
sabedoria. A revisão de Mateus realmente leva a relação entre Jesus e Sophia um passo
adiante: ele fala dos atos de Jesus como os feitos de Sophia, identificando Jesus com a
própria Sabedoria. Ver também Mt 11,28-30: “Vinde a mim, vós todos que estais aflitos
sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós […]. Porque meu jugo é suave e
meu peso é leve”. A passagem ecoa Eclo 51,23-26, que fala do “jugo” de Sophia e,
portanto, o Jesus de Mateus fala como sabedoria. Sobre Jesus como sabedoria em Mateus,
ver James D. G. Dunn, The Partings of the Ways (Filadélfia: Trinity Press International,
1991), pp. 213-5; Johnson, She Who Is, pp. 95-6; e fontes citadas por ambos.
[ «« ]
27. Ver Elisabeth Schüssler Fiorenza, In Memory of Her, pp. 130-40 (especialmente pp.
132-5). Para o Jesus histórico e Sophia, ver também Johnson, She Who Is, pp. 156-8.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
31. Paulo tinha uma má reputação em alguns círculos cristãos de sua época. Colegas
(incluindo alguns que dão aulas em seminários) me dizem que, enquanto a maioria dos
alunos está disposta a estudar Jesus, muitos começam a estudar Paulo com uma atitude
decididamente negativa. Paulo é percebido como alguém preocupado com assuntos
doutrinários abstratos e complexos, e não com o “ensinamento simples” de Jesus. Em
geral, as pessoas são afetadas pela forma como ouviram Paulo ser usado na pregação e no
ensino cristão. Tudo isso é compreensível, embora a maior parte seja injusta com Paulo.
As passagens mais ofensivas estão em cartas que ele não escreveu, mesmo que tenham
sido atribuídas a ele. Além disso, devo argumentar que, sobre as diferenças entre Paulo e
Jesus, há uma semelhança impressionante.
[ «« ]
32. É difícil saber o que fazer do relativo silêncio de Paulo sobre os ensinamentos de
Jesus. Ele fica em silêncio — como alguns argumentaram, em especial durante parte do
século passado, quando a busca do Jesus histórico estava eclipsada — porque apenas o
Cristo ressuscitado (e não o Jesus pré-Páscoa) era importante para Paulo? Ou esse
silêncio era simplesmente resultado da natureza dos escritos de Paulo — isto é, cartas
para comunidades que ele havia fundado? Talvez Paulo já tivesse comunicado
pessoalmente o que era mais importante sobre o Jesus pré-Páscoa.
[ «« ]
33. Justificação pela graça é um tópico especialmente importante para Paulo em Gálatas e
Romanos.
[ «« ]
[ «« ]
35. O forte contraste entre a justificação pela graça e a justificação pela obra está
intimamente relacionado a vários contrastes nos escritos de Paulo. Como um pensador
dialético, Paulo pensava em opostos: graça versus lei, fé versus obra, vida “em Cristo”
versus vida “em Adão”, os “frutos do Espírito” versus as “obras da carne”, liberdade versus
escravidão. Todos esses contrastes são maneiras de falar de dois estilos radicalmente
diferentes de viver.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
40. Elisabeth Schüssler Fiorenza, In Memory of Her, pp. 188-92; ela inclui esses
versículos em sua base de dados para argumentar que o movimento missionário cristão
pré-paulino (portanto, muito antigo) tinha uma “cristologia Sophia”. Ela também cita os
seguintes hinos ou fragmentos de hinos pré-paulinos como refletindo a teologia Sophia: Fl
2,6-11; 1T 3,16; Cl 1,15-20; Ef 2,14-16; Hb 1,3; 1Pd 3,18.22; 1Jo 1-14.
[ «« ]
41. 1Cor 8,6.
[ «« ]
42. Cl 1,15-17. Colossenses (com Efésios e Tessalonicenses II) está entre aquelas cartas
sobre as quais os estudiosos se dividem se foram escritas pelo próprio Paulo. Dizer que o
Colossenses é paulino indica que ele tem forte afinidade com o pensamento de Paulo,
tendo sido escrito por ele ou não. Para um conciso tratamento dessa questão, ver Victor P.
Furnish, “Colossians”, em The Anchor Bible Dictionary, org. de David Noel Freedman
(Nova York: Doubleday, 1992), vol. 1, pp. 1090-6.
[ «« ]
43. Ver especialmente James D. G. Dunn, Partings of the Ways, pp. 195-7.
[ «« ]
44. 1Jo 1-18. Se esta passagem for baseada em um hino cristão primitivo, os versículos 6-
8 (que falam de João Batista) parecem ser uma inserção feita pelo autor do Evangelho.
[ «« ]
[ «« ]
46. “Jesus” é primeiro mencionado no versículo 14: “E o logos se fez carne e habitou entre
nós”. Essas poucas palavras são, com efeito, a história de João sobre o nascimento de
Jesus. A tendência em ouvir todo o prólogo como se referindo a Jesus é ilustrada por uma
conversa recente na sequência de uma palestra na qual eu havia dito que o Jesus histórico
não era onisciente — que, como uma pessoa do primeiro século, Jesus provavelmente
pensava que a Terra era o centro do universo, que era plana, e assim por diante. Meu
questionador, um advogado cristão inteligente e bem-educado, disse que pensava que
Jesus saberia que a Terra é redonda, que o Sol está no centro do sistema solar, e assim por
diante, porque Jesus estava presente na criação e teria visto tudo. Sua base de pensamento
foi a leitura de todo a Primeira Epístola de São João como se se referisse a Jesus de
Nazaré.
[ «« ]
47. Mais uma similaridade pode ser citada. O prólogo do versículo 10 de São João diz que,
ainda que o logos estivesse no mundo, “estava no mundo e o mundo foi feito por ele
[logos], e o mundo não o reconheceu”. Assim também com Sabedoria/Sophia: na tradição
judaica, muitas vezes é dito que ela é ignorada.
[ «« ]
48. Ver Stevan Davies, The New Testament: A Contemporary Introduction (San Francisco:
Harper & Row, 1988), p. 169. A afirmação de que “Sabedoria” (muito mais do que logos)
está por trás do prólogo joanino é bastante antiga; ver Samuel Terrien, The Elusive
Presence (San Francisco: Harper & Row, 1978), p. 418, e as fontes ali citadas. Davies
sugere que o autor de São João usa o substantivo masculino logos em vez do feminino
sophia porque Jesus era do sexo masculino. Para mais comentários sobre a escolha de João
por logos e não por sophia, ver Johnson, She Who Is, pp. 97-8.
[ «« ]
49. Há mais uma conexão. A palavra grega traduzida como “habitar”, na verdade, significa
“tabernáculo” ou “tenda”. Assim fala-se sobre Sophia em Eclo 24: ela “firmou sua tenda”
em Israel. A importância das categorias de sabedoria não está restrita ao prólogo de São
João, mas está em todo o Evangelho. Ver James D. G. Dunn, Partings of the Ways, pp.
226-7, e as fontes por ele citadas.
[ «« ]
50. Mesmo Santo Agostinho, normalmente não pensado como tendo muita sensibilidade
feminista, fala de Jesus como a encarnação de Sophia: “Ela foi enviada de modo que
poderia estar com seres humanos; e foi enviada de outra maneira, que ela mesma poderia
ser um ser humano”. De Trin 4,20.27 citado em Johnson, She Who Is, pp. 156-7.
[ «« ]
51. Ver também Elisabeth Schüssler Fiorenza, In Memory of Her, p. 134; e James D. G.
Dunn, Partings of the Ways, p. 195: a sabedoria é “provavelmente a categoria mais
importante no desenvolvimento da cristologia primitiva”.
[ «« ]
[ «« ]
53. A cada tentativa de falar da “cristologia de Jesus” (se isso significa que ele tinha ideias
sobre si mesmo similares, de certa forma, ao que se pensava dele na pós-ressurreição), só
se pode dizer: “Pode ser assim, mas poderia ser, facilmente, o produto da comunidade”.
Talvez, mais do que qualquer outra parte do desenvolvimento da tradição, as passagens
“cristológicas” devam ser sistematicamente questionadas: elas representam a área do
pensamento e imaginário da comunidade que foi submetida ao maior desenvolvimento
após a ressurreição. Esse julgamento, devo enfatizar, aplica-se à questão da cristologia em
particular, e não à tradição evangélica em sua totalidade (penso que podemos ter
argumentos de probabilidade histórica bastante fortes sobre muitas partes da tradição).
[ «« ]
[ «« ]
1. Um livro muitas vezes citado como fundamental para esse movimento é Hans Frei, The
Eclipse of Biblical Narrative: A Study in Eighteenth and Nineteenth Century Hermeneutics
(New Haven, CT: Yale University Press, 1974). A teologia histórica pode ser largamente
entendida com o popular livro de John Shea, Stories of God (Chicago: Thomas More
Press, 1978). Ver também William J. Bausch, Story-Telling: Imagination and Faith
(Mystic, CT: Twenty-Third Publications, 1984); e Terrence W. Tilley, Story Theology
(Wilmington, DE: Michael Glazier, 1985).
[ «« ]
2. Não estou irrevogavelmente comprometido com o número 3 nem somente com três
macro-histórias. Apesar da Trindade, não há nada de sagrado no número 3. Assim, estou
aberto a uma ou mais histórias adicionais sendo identificadas como macro-histórias.
Histórias que poderiam ser sérias candidatas a macro-histórias são as sobre cegueira e
visão (e os temas correlacionados de luz e escuridão), e histórias sobre doença e cura.
Entretanto, embora sejam importantes, não me parecem tão centrais quanto as três que
destaquei.
[ «« ]
[ «« ]
4. Walter Brueggemann, The Bible Makes Sense (Atlanta: John Knox, 1977),
especialmente o capítulo 5. Nas pp. 45 e 46, Brueggemann fala da narrativa primordial
como “aquele enredo mais simples, elementar e indiscutível que repousa no coração da fé
bíblica […]. É uma afirmação em forma de história que diz: ‘Esta é a história mais
importante que conhecemos, e acreditamos que é decisiva sobre nós’.”.
[ «« ]
5. Dt 6,21-23. Essa passagem e a do Dt 26,5-9 são vistas pelos estudiosos como narrativas
muito antigas da tradição oral, muito mais antigas do que o documento em que aparecem,
e como o núcleo da história completa contada pelo Pentateuco como um todo. Elas são
chamadas de as mais antigas “confissões de fé” de Israel.
[ «« ]
6. Maurice Samuel (trad.), Haggadah of Passover (Nova York: Hebrew Publishing, 1942),
p. 27. O itálico foi adicionado por mim e a tradução ligeiramente modificada por causa do
uso da linguagem inclusiva em termos de gênero.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
9. Ver, por exemplo, James Sanders, Torah and Canon (Filadélfia: Fortress, 1972);
Sanders enfatiza que grande parte da Bíblia hebraica passou a existir durante e
imediatamente depois do exílio, quando a primeira de suas três partes, o Pentateuco ou
Torá, foi finalizada e a segunda de suas três partes, os profetas, começou a ser escrita.
Ampliando seu escopo para incluir o Novo Testamento também, Sanders, provocativa e
corretamente, comenta, na p. 6: “A Bíblia vem a nós das cinzas de dois templos, o Templo
de Salomão, destruído em 586 a.C., e o Templo de Herodes, destruído em 70 d.C.”.
[ «« ]
10. Sl 136,1. A experiência do exílio também pode gerar intensa ira, que é expressa nos
versículos finais desse salmo.
[ «« ]
11. Is 40,3-4. A bela e poderosa palavra desse profeta tornou-se muito familiar por meio
de seu uso generalizado no livro O Messias, de Handel.
[ «« ]
12. É interessante notar que a palavra em hebreu que traduzimos como “arrepender-se”,
originalmente, quer dizer “retorno”, e, portanto, tem sua origem linguística na história do
exílio e retorno.
[ «« ]
13. Is 40,29-31. Outros exemplos da linguagem sobre retorno: Is 40,11; 42,16; 43,1-21;
48,20-21; 49,8-12; 51,9-11.
[ «« ]
14. Paul Ricoeur, The Symbolism of Evil, trad. de Emerson Buchanan (Boston: Beacon,
1967).
[ «« ]
15. Gustaf Aulen, Christus Victor, trad. de A. G. Hebert (Nova York: Macmillan, 1969;
originalmente publicado em 1931). Aulen, mais tarde, se tornou bispo da Igreja Luterana
da Suécia.
[ «« ]
16. Gustaf Aulen, em Christus Victor, afirma que essa abordagem foi primeiro
desenvolvida sistematicamente por Anselm, arcebispo de Canterbury, em uma obra
intitulada Cur Deus Homo?, datada de 1097.
[ «« ]
[ «« ]
18. Jo 3,16.
[ «« ]
[ «« ]
20. Ver Ex 25-40, onde as regras sobre sacerdócio e sacrifício são dadas no deserto.
[ «« ]
[ «« ]
22. Estou usando “discípulos”, como os próprios Evangelhos fizeram, como uma categoria
mais abrangente do que simplesmente os “doze apóstolos”.
[ «« ]
[ «« ]
24. O discipulado envolve ter companheiros, uma palavra que significa “alguém com quem
se divide o pão”.
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
CRÉDITOS DAS IMAGENS
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
Imagem 5: DNAVEH/THINKSTOCK
[ «« ]
[ «« ]
Imagem 7: DEAGOSTINI/GETTY IMAGES
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
[ «« ]
SOBRE O AUTOR
©Cyndy J. Hubbard
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta edição pode ser utilizada ou
reproduzida — em qualquer meio ou forma, seja mecânico ou eletrônico, fotocópia,
gravação etc. — nem apropriada ou estocada em sistema de banco de dados sem a
expressa autorização da editora.
Todas as citações bíblicas foram retiradas da Bíblia Sagrada Ave-Maria da Editora Ave-
Maria. Todos os direitos reservados.
Título original: Meeting Jesus Again for the First Time: The Historical Jesus & The Heart of
Contemporary Faith
Borg, Marcus J.
Jesus [recurso eletrônico] : a biografia do homem que nasceu pobre e jurado de
morte, revolucionou o mundo com suas ideias, foi perseguido, crucificado e
retornou dos mortos para se tornar a pessoa mais importante da história / Marcus J.
Borg ; [tradução Alyne Azuma] ... [et al.]. - 1. ed. - São Paulo : Globo Livros, 2017.
recurso digital
Tradução de: Meeting Jesus again for the first time
Formato: ebook
Requisitos do sistema:
Modo de acesso: world wide web
Caderno de fotos
ISBN 978-85-250-6549-0 (recurso eletrônico)
27/09/2017 29/09/2017
Direitos de edição em língua portuguesa para o Brasil adquiridos por Editora Globo
S. A.
Av. Nove de Julho, 5.229 — 01407‑907 — São Paulo — SP
www.globolivros.com.br