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Introdução à Psicologia
Cognitiva i
Para sermos mais específicos, a Psicologia Cognitiva é o estudo de como as pessoas perce
bem, aprendem, lembram-se e pensam sobre a informação. Um psicólogo cognitivo poderá
estudar como as pessoas percebem várias formas, porquese lembram de alguns fatos e se es
quecem de outros, ou mesmo porque aprendem uma língua. Vejamos alguns exemplos:
• Por que os objetos parecem estar mais distantes do que realmente estão em dias ne
bulosos? Essa discrepância pode ser perigosa, inclusive enganando motoristas e cau
sando acidentes.
• Por que muitas pessoas conseguem se lembrar de uma experiência em especial, por
exemplo de um momento muito feliz ou algum constrangimento na infância, mas es
quecem os nomes de pessoas que conhecem há muitos anos?
2 Psicologia Cognitiva
• Por que muitas pessoas têm mais medo de viajar de avião do que de carro? Afinal, as
chances de acidente e morte são muito maiores no carro do que no avião.
• Por que sempre me lembro mais de alguém da minha infância do que de alguém que
conheci na semana passada?
• Por que os políticos gastam tanto dinheiro com suas campanhas na televisão?
Consideremos apenas a última dessas perguntas: Por que os políticos gastam tanto di
nheiro com suas campanhas na televisão? Afinal, quantas pessoas conseguem se lembrar dos
detalhes das propostas políticas dos candidatos ou de que maneira essas propostas diferem das
dos outros candidatos? Uma das razões pelas quais os políticos gastam tanto é a disponibili
dade heurística, que vamos estudar, no Capítulo 12, em "Raciocínio e tomada de decisão".
Com a utilização da heurística, podemos fazer julgamentos baseados em quão facilmente
recordamos algo percebido como instâncias relevantes de um fenômeno (Tversky, Kahne-
man, 1973). Tais julgamentos constituem a questão: em quem se deve votar em uma elei
ção. A tendência é votar em nomes familiares. Tom Vilsack, governador do estado de Iowa,
Estados Unidos, na ocasião da campanha pelas primárias em 2008, iniciou, mas rapida
mente desistiu, da competição para ser indicado como candidato à presidência dos Estados
Unidos. Sua desistência não ocorreu porque suas idéias diferiam das do partido. Ao contrá
rio, o Partido Democratagostava muito de suaplataforma. Na verdade, Vilsack desistiu por
que a falta de reconhecimento de seu nome inviabilizou o levantamento de recursos para
sua campanha. Ao final, os possíveis doadores sentiram que o nome de Vilsack não tinha
disponibilidade suficiente para que os eleitores votassem nele. Mitt Romney, outro candi
dato republicano não tão conhecido, entrou na disputa das primárias com John McCain e
Rudy Giuliani. Investiu muito dinheiro apenas para fazer com que seu nome pudesse ficar
psicologicamente disponível ao grande público. A verdade é que com a compreensão da
Psicologia Cognitiva, as pessoas conseguem entender muito daquilo que acontece no dia-
-a-dia de suas vidas.
Este capítulo introduz o campo da Psicologia Cognitiva. Descreve um pouco da histó
ria intelectual do estudo do pensamento humano. Dá ênfase especial a algumas questões
que surgem sempre que pensamos em como as pessoas pensam. A seguir, um breve resumo
dos métodos mais importantes, das questões e das áreas temáticas da Psicologia Cognitiva.
Por que estudamos a história deste campo ou de qualquer outro, então? De um lado,
quando se sabe de onde se vem, pode-se compreender melhor o percurso da jornada. Porou
tro, o ser humano aprende com os erros passados. Dessa forma, quando se comete algum erro,
este é novo, ou seja, já não é mais igual ao anterior. Mudou-se muito a maneira de lidar com
as questões fundamentais da vida. Contudo, algumas permanecem iguais. Em última análise,
pode-se aprender alguma coisa sobre como as pessoas pensam estudando como pensam sobre
o pensar.
O avanço das idéias, muitas vezes, implica uma dialética. Dialética é um processo de in
cremento em queas idéias evoluem como passar do tempo por meio de umpadrão de trans
formação. Qual é este padrão? Em uma dialética:
• Propõe-se uma tese. Uma tese é o enunciado de uma opinião. Por exemplo, muita
gente acredita que a natureza humana governa muitos aspectos do comportamento
humano, como a inteligência ou a personalidade (Sternberg, 1999). Entretanto, de
pois de algum tempo, alguns indivíduos observam falhas nessa tese.
• Cedo ou tarde, ou talvez logo em seguida, surge uma antítese. Uma antítese é um
enunciado que contraria a primeira opinião. Por exemplo, uma visão alternativa é
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 3
que nossa criação (o contexto ambiental em que somos criados) determina quase
inteiramente muitos aspectos do comportamento humano.
• Impreterivelmente, o debate entre a tese e a antítese conduz a uma síntese. Uma
síntese integra os aspectos mais confiáveis de cada uma das duas (ou mais) visões.
Por exemplo, no debate sobre a relação entre inato e adquirido, a interação entre
a nossa natureza inata e o contexto ambiental pode reger a natureza humana.
• A Filosofia busca entender a natureza geral de muitos aspectos do mundo, parte por
meio da introspecção, ou seja, o exame das idéias e experiências internas (íntro = para
dentro; spectione = olhar, inspecionar).
• A Fisiologia busca um estudo científico das funções vitais dos organismos vivos, basi
camente por meio de métodos empíricos (baseados na observação).
FIGURA 1.1
(a)
(a) Segundo oracionalista, o único caminho para a verdade é a reflexão contemplativa; (b)Segundo o empirista, oúnico
caminho para a verdade é a observação meticulosa. A Psicologia Cognitiva, assim como outras ciências, depende do
trabalho tanto dos racionaiistas como dos empiristas.
buscam a síntese dessas duas teses. Fundamentam suas observações empíricas na teoria. Por
outro lado, usam essas observações para revisar suas próprias teorias.
As idéias contrastantes do Racionalismo e do Empirismo tomaram-se notórias a partir
do racionalista francês René Descartes (1596-1650) e do empirista inglês John Locke
(1632-1704). Descartes considerava o método introspectivo e reflexivo superior aos méto
dos empíricos parase encontrar a verdade. Locke, por sua vez, era muitoentusiasmado com
o método da observação empírica (Leahey, 2003).
Locke acreditava que os seres humanos nascem sem qualquer conhecimento e, por
tanto, precisam buscá-lo por meio da observação empírica. O conceito de Locke para isso é
o termo tabula rasa (que em latim significa "folha de papel em branco"). Sua idéia é de que
a vida e a experiência "escrevem" o conhecimento no indivíduo. Sendo assim, para Locke,
o estudo da aprendizagem era fundamental para a compreensão da mente humana. Ele acre
ditava que não existiam de forma alguma idéias inatas. No século XVIII, o filósofo alemão
Immanuel Kant (1724-1804) sintetizou dialeticamente as idéias de Descartes e Locke argu
mentando que tanto o Racionalismo como o Empirismo têm seu lugar e que ambos devem
trabalhar juntos na busca pela verdade. Atualmente, a maioria dos psicólogos aceita a sín
tese de Kant.
Do Associacionismo ao Behaviorismo
Outros pesquisadores contemporâneos de Thorndike conduziram experimentos com ani
mais para investigar as relações de estímulo e resposta com métodos diferentes dos utilizados
por Thorndike e seus colegas associacionistas. Esses cientistas transpuseram a linha entre o
Associacionismo e o campo emergente do Behaviorismo. O Behaviorismo é uma perspectiva
teórica segundo a qual a Psicologia deveria se concentrar apenas na relação entre o com
portamento observável, de um lado, e os eventos ou estímulos ambientais, de outro. A idéia
era materializar o que quer que tenha sido denominado de "mental" (Lycan, 2003). Alguns
desses pesquisadores, como Thorndike e outros associacionistas, estudaram respostas volun
tárias (embora, talvez, carecessem de algum pensamento consciente, como no trabalho de
Thorndike). Outros estudaram respostas desencadeadas involuntariamente em resposta ao
que parecem ter sido eventos externos não relacionados.
Capítulo 1 • Introdução à Psicologia Cognitiva 7
Os Proponentes do Behaviorismo
O "pai" do Behaviorismo radical foi John Watson (1878-1958). Watson não via qualquer
utilidade para os conteúdos ou mecanismos mentais internos e acreditava que os psicólogos
deveriam se concentrar apenas no estudo do comportamento observável (Doyle, 2000).
Ele descartou o pensamento como fala subvocalizado. O Behaviorismo era também diferente
dos movimentos anteriores da Psicologia por redirecionar a ênfase da pesquisa experimental
em animais ao invés de humanos. Historicamente, grande parte do trabalho behaviorista
tem sido até hoje realizada com animais de laboratório, como ratos, por possibilitarem um
controle muito maior sobre os relacionamentos entre o ambiente e o comportamento em
relação a ele. Contudo, um problema com relação à utilização de animais é determinar se a
pesquisa pode sergeneralizada em seres humanos (ou seja, aplicada de forma mais geral a seres
humanos ao invés de apenas aos tipos de animais estudados).
B. F. Skinner (1904-1990), behaviorista radical, acreditava que quase todas as formas do
comportamento humano, e não apenas o aprendizado, podiam ser explicadas por compor
tamentos emitidos em resposta ao ambiente. Skinner desenvolveu pesquisas basicamente
com animais não-humanos e rejeitou os mecanismos mentais, acreditando, por outro lado,
que o condicionamento operante - que envolvia o fortalecimento ou o enfraquecimento do
comportamento, dependente da presença ou ausência de reforço (recompensa) ou punição
- pudessem explicar todas as formas do comportamento humano. Skinner aplicou sua aná
lise experimental do comportamento a muitos fenômenos psicológicos, tais como a aprendi
zagem, a aquisição da linguagem e a resolução de problemas. Principalmente por causa da
presença intensa de Skinner, o Behaviorismo dominou o campo de estudosda Psicologia por
muitas décadas.
Outra crítica ao Behaviorismo (Bandura, 1977b) é que, nele, o aprendizado surge não
apenas em função de recompensas diretas pelo comportamento. Também pode ser social,
resultando de observações das recompensas ou punições dadas aos outros. A capacidade
para aprender por meio da observação está bem documentada e pode ser comprovada em
seres humanos, macacos, cães, pássaros e até mesmo em peixes (Brown, Laland, 2001; La-
land, 2004; Nagell, Olguin, Tomasello, 1993). No ser humano, essa habilidade está pre
sente em todas as idades, sendo observada tanto em crianças como em adultos (Mejia-Arauz,
Rogoff, Paradise, 2005). Essa teoria dá ênfase à maneira como se observa, se modela, o pró
prio comportamento a partir do comportamento dos outros. Aprendemos pelo exemplo.
Esta consideração de aprendizado social abre caminho para se examinar o que está aconte
cendo na mente do indivíduo.
Psicologia da Gestalt
Dentre os inúmeros críticos do Behaviorismo, os psicólogos da Gestalt certamente estão
entre os mais ávidos. A Psicologia da Gestalt afirma que se compreende melhor os fenôme
nos psicológicos quando se olha para eles como todos organizados e estruturados. Se
gundo essa visão, não se pode compreender totalmente o comportamento quando se
desmembram os fenômenos em partes menores. Por exemplo, os behavioristas têm a ten
dência de estudar a resolução de problemas buscando o processamento subvocal - eles
buscam o comportamento observável por meio do qual a resolução do problema pode ser
compreendida. Os gestaltistas, ao contrário, estudam o insight, buscando entender o
evento mental não observável por meio do qual alguém vai do ponto em que não tem
idéia de como resolver um problema até o ponto em que entende completamente em um
simples instante de tempo.
A máxima "o todo é diferente da soma de suas partes" resume muito bem a perspectiva
gestaltista. Para entender a percepção de uma flor, por exemplo, teríamos de levar em conta
o todo da experiência. Não se poderia entender essa percepção em termos de uma descri
ção de formas, cores, tamanhos e assim por diante. Da mesma forma, como mencionado no
parágrafo anterior, não poderíamos entender a resolução de problemas simplesmente exa
minando os elementos isolados do comportamento observável (Kõhler, 1927, 1940; Wer-
theimer, 1945/1959).