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AMORIS
O FRUTO DO
AMOR DIVINO
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Sobre a autora
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peças teatrais como atriz e Dei Fructus Amoris é seu segundo
trabalho publicado. Atualmente está desenvolvendo outros trabalhos
dramatúrgicos para o teatro e para a televisão.
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APRESENTAÇÃO
nos tempos passados como nos tempos atuais. A peça nos traz uma
em sua obra Dei Fructus Amoris. Sem dúvida alguma esta peça
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DEI
FRUCTUS
AMORIS
O FRUTO DO
AMOR DIVINO
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Personagens:
1. Cipriano de Antioquia: feiticeiro
2. Aglaide: jovem advogado enamorado de Justina
3. Justina: noviça
4. Cibele: irmã mais jovem de Justina
5. Cledônia: mãe de Justina e de Cibele
6. Edésio: marido de Cledônia
7. Geta: escrava de Cledônia
8. Eusébio: bispo de Antioquia
9. Bruxa de Évora: feiticeira, ex-mestra de Cipriano
10. Irmã Auxiliadora: freira do convento de Justina
11. Ergamastro: chefe dos bispos de Antioquia
12. Diocleciano: Imperador romano
13. Justino: Procônsul romano
14. Atanásio: feiticeiro de Diocleciano
15. Eutolmo: juiz da Fenícia
16. Conselheiro do Imperador
17. Teotiso: cristão
18. Rufina: esposa de Teotiso
19. Lúcifer: príncipe dos demônios
20. Demônios: assistentes de Lúcifer
21. Miguel: chefe dos arcanjos
22. A Virgem Maria: mãe de Deus
23. Maria
24. Giberta
25. Adastreia: jovens bruxas aprisionadas no inferno
26. Dois sacristãos
27. Uma mulher
28. Um lacaio
29. Cristãos convertidos, soldados romanos, gentios e
carrascos.
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CENÁRIO
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Primeiro
Ato
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Cena 1
Geta: Mas, senhora, não achas que Justina é por demais jovem para
se casar?
Justina: Mas minha mãe, bem sabes que minha intenção é entrar
para um convento e me dedicar aos serviços de Deus.
Cledônia: Bem sabes também, minha filha, que a admiro por tua
forte religiosidade, tanto que foste a responsável pela conversão de
nossa família ao Cristianismo, mas acho muito exagerada tua
atitude de se trancafiar em um convento, pois és uma manceba
muito bela e teu futuro marido também o é. E, juntos, poderão ser
muito felizes, sem que isso venha te impedir de orar a Deus.
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(Batem à porta)
Justina: Não é preciso, minha mãe. É bom que fiques, para saber
minha verdadeira opinião sobre este himeneu.
Justina: Quero que saiba, jovem Aglaide, que minha intenção não é
a de me casar contigo, pois sou devota do Cristianismo e fiz
promessa de me entregar a Jesus Cristo e fazer a caridade neste
mundo. Portanto, mesmo que a intenção de meus pais seja a de que
eu me case contigo, digo que nada me removerá da ideia de entrar
para um convento e cumprir minha nobre missão.
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Aglaide: Mas Justina, sê minha esposa e te darei todo o amor que
carrego dentro do meu peito. Juro fazer de ti a mulher mais feliz
deste mundo. (Passa suavemente suas mãos no rosto de Justina)
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Justina: Pouco me importam vossos bens e vosso dinheiro, pois de
nada me servem nesta vida! Vou partir para minha missão e hei de
orar muito para a salvação de vossas almas, que expiam um passado
de paganismo e satanismo!
(Geta, que está em prantos, acompanha Justina até a porta, que sai)
Aglaide: Não, minha senhora. O amor que tenho por Justina não
pode ser substituído por mais ninguém! Com sua licença. (Sai)
Cipriano e Aglaide
(Aglaide entra)
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Cipriano: Hum... interessante! Pois sabes também que uma única
palavra minha pode transformar-te em estátua de pedra? Tu te
esqueceste de que sou pactuado com o príncipe dos demônios e que
isso para ele é tão fácil como esmagar uma formiga?
Aglaide: Sei que o teu poder das trevas pode aniquilar tudo o que é
vivo sobre a Terra e é por isso que venho pedir tua ajuda.
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Aglaide: (Tira um saco de moedas da algibeira) Aqui estão algumas
economias que guardei durante muito tempo. Espero que sejam
suficientes para o começo.
Cipriano: Meu mestre nunca falhou, disso podes ter certeza. Ele
sempre reinou absoluto.
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Aglaide: Assim seja! (Uma risada tenebrosa é ouvida de dentro)
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Lúcifer: É óbvio, pois estou em todos os lugares da Terra e tu bem
sabes que é só falar meu nome que em menos de dois segundos
estou pronto para tu me servires!
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Cena 3
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Lúcifer: Boa noite jovem! Quanta honra para mim, visitar tão ilustre
pessoa!
Lúcifer: É inútil gritares, pois ninguém vai te ouvir, a não ser eu!
Lúcifer: Vejo que a jovem é boa em retórica, mas acredito que deva
ser muito mundana se te deitares com um homem formoso e belo
como Aglaide. Já pensou no prazer que ele te daria com seu órgão
genital avantajado? Não irias mais pensar em orações e jejuns. (Ri)
Lúcifer: Pois eu vou entrar no teu corpo e vou te fazer gemer como
uma cadelinha no cio.
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Justina: O sangue de Jesus é mais forte!
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Auxiliadora: Faz vinte minutos que estou batendo na porta e nada
de me responderes. Pensei que te ocorrera algo.
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Cena 4
Justina e Cibele
Cibele: Ele tem feito isso com todas as pessoas desta cidade. Bem
sabes, minha irmã, que ele pactuou com Satanás e tem poder para
fazer tudo! Dizem que ele consegue ficar invisível para desvirginar
as donzelas, destruir palácios e transformar pessoas em animais
repugnantes! Ele é um homem sujo e muito perigoso.
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Justina: Cibele, eu também tenho sido tentada por Satanás. Aglaide
ainda é apaixonado por mim e pede insistentemente a Cipriano que
me enfeitice para me desvirginar.
Agora há pouco Lúcifer esteve no meu quarto e eu o resisti com a
oração do santíssimo sacrário!
Justina: Ainda não sei, mas devo achar junto de nosso Senhor uma
resposta para essas nossas dúvidas. (Pausa. Ela se ajoelha diante do
crucifixo da parede por alguns instantes e se volta para Cibele) Já
ouviste falar na bruxa de Évora?
Cibele: Para que Justina? Dizem que quem entra naquela gruta não
sai vivo, pois ela mata as pessoas com venenos e usa o cadáver para
seus trabalhos de magia negra.
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Justina: Leva contigo este crucifixo e coloca-o do lado do coração!
Desta forma nenhum mal poderá te acontecer. Mantém sempre nos
lábios a oração da Virgem e, com isto, estarás livre de toda tentação!
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Cena 5
Bruxa: Nem precisas me dizer o que vens fazer aqui, minha donzela,
pois já sei a pergunta que irás me fazer assim como a resposta!
Bruxa: (Fala enquanto vai virando as cartas) Vejo que tua pergunta é
muito difícil de se responder. (Longa pausa) Queres vencer as
tentações do demônio que age através de Cipriano?
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Cibele: Sim, exatamente! E sei que bem podes me ensinar um
caminho, uma vez que não há ninguém neste mundo que saiba mais
sobre magia negra do que tu.
Bruxa: Vencer o mago Cipriano não é tarefa fácil, cara donzela, pois
já pertence a Satanás e seu elo é mais poderoso que todos os círculos
de fogo do inferno!
Cibele: “O que está embaixo é como o que está em cima, e o que está
em cima é como o que está em baixo”. Segunda lei da Alquimia,
proferida por Hermes Trismegisto.
Cibele: E qual é?
Bruxa: Lúcifer quer provar para Jesus que sois impuras e não
medirá esforços para conseguir isso. Se vencerdes a tentação carnal,
rezando todos os dias e jejuando constantemente, vencereis o diabo
e Cipriano será derrotado juntamente com ele!
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Bruxa: Convence-os a se tornarem cristãos e abandonarem o
paganismo de uma vez. Desta forma serão libertos do mal!
(Levanta-se e vai até a estante pegar um pequeno frasco) Toma este
elixir. Dissolve-o na água e dá para o teu pai beber. Aos poucos ele
se recuperará dos efeitos do feitiço a que está subjugado. Ao diluir
este preparado na água, profere a oração alquímica de Hermes
Trismegisto. (A bruxa entrega um pergaminho a Cibele) Faz o
círculo mágico, risca o cinco Salomão, acende sete velas de sândalo,
unge teu corpo com essência de alfazema, lavando primeiro teus
pés. Depois volta-te para o Norte e, ajoelhada dentro do círculo, ora:
Amém
Você sabe
Vamos recordar
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O Todo vibra
É imóvel
É a união de dois
O Todo é dual
Tem dois pólos
Opostos
E iguais
Assim é o ritmo
Flui e reflui
Oscila
Entre a direita e a esquerda
O Ritmo é o equilíbrio
O Todo é a causa
Na causa e o efeito
O Todo é Gênese
Infinita
Ad Vitam Aeternam
Centre os pólos
Bioritmo Polar
Domine a imagem
Use a força superior
Vibre Leve
Ligue o superior
Ordene o inferior
Tome parte sem o pôr
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Use o conhecimento
Pratique
Seja forte
Obre na lei
E em seu movimento
Opere sem mandado
A Lei
É causa
É o karma
Sorte e Azar
É a lei em seus dois pólos
Causa e Efeito
Positivo Ativo
Negativo Ativo
Retorne ao Um
Conhecendo o Tri
Trindade Perfeita
Alquimia é purificação
A chave da Alquimia é a Química
Transmute a energia
Atinja o Fogo
Você será você
O Fogo é o Amor
O Fogo é o Ouro
É o ouro puro
Ilumine
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Eis o cálculo filosofal
Oriente
O Sal impede Telepatia
Planifique a água
Sete vezes de um vaso a outro
O Todo é o sustento dos seres
Descubra o simples
O Todo é sem nome
Una-se com o Todo
Respire
Inspire em sete
Expire em sete
Tudo é pleno
Abra cada braço
Levite
Conheça a você
E você conhecerá
O Todo e os deuses
O Todo é e não é
Ao mesmo tempo
Você é a Luz
Para o puro
Todas as coisas são puras
O modelo é a criança
A criação quanto mais afastada
Do centro mais limitada
Quanto mais próxima mais livre
Acorde
Recorde que você é um homem
Que veio de uma estrela
Que está em uma estrela
Que irá para uma estrela
Pense suave
Os mensageiros orientam
Ó Pai,
Guia estes teus filhos
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Ame
A Vida Eterna.”
(Enquanto a bruxa fala, sua gruta é invadida por uma ventania e por
uma música esotérica)
Bruxa: Deixa tua irmã cumprir o seu destino. O seu sacrifício será
lembrado e será o segundo grande exemplo, depois do de Cristo, de
amor e renúncia pelos homens. Já o nome de Cipriano será maldito
sobre a Terra, e, mesmo sendo canonizado, seu nome será sempre
temido e será o símbolo dos prodígios do diabo. Nunca haverá um
feiticeiro tão famoso quanto ele e sua história será sempre um mito
entre os homens a ser revelado.
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Cibele: Para mim, estas revelações que vaticinaste gelam-me o
sangue nas veias e corroem-me de pavor entre as entranhas. Como
és prodigiosa em tuas profecias, não me resta outra saída a não ser
me conformar. Jamais duvidaria de uma profecia tua. Conheço bem
o teu poder, que faz jus ao teu título de Grande Feiticeira. (Respira
profundamente) Está muito bem. A minha vinda à tua gruta mágica
me foi de grande valia. Obrigada e Adeus.
(Cibele sai)
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Cena 6
Cledônia: (Vendo Cibele entrar pela porta) Ó, minha filha, por onde
andaste por todos esses dias? Teu pai está quase morrendo e não
temos mais esperanças de vê-lo vivo.
Edésio: (Quase sem força para falar, tenta se levantar, mas não
consegue) Deixa-me morrer, minha cara esposa. Assim poderei
pagar meus pecados no mais profundo dos infernos, pois é para lá
que todos nós, desta casa, deveremos ir depois de mortos.
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água. (Geta vai buscar e volta com uma ânfora. Ao servir a água
num copo de madeira, tem uma reação estranha e deixa a ânfora e o
copo caírem no chão)
Geta: Salutatis honor, Ó grande Lúcifer, que tua vontade seja feita!
Cibele: Pois se o teu mestre é tão poderoso, por que ele não deu
uma prova de amor à humanidade, como fez Jesus ao ser
crucificado? Sai deste corpo que não te pertence e volta para os
abismos do inferno, de onde vieste e de onde habitas. (Cibele se
aproxima de Geta e passa o óleo sagrado em sua testa. O demônio
judia de Geta, enquanto Cibele reza junto com Cledônia a oração do
Credo, segurando em suas mãos) Vamos, já estou sem paciência! Em
nome do sangue de Jesus Cristo vertido na cruz para o horror de
Satã, eu obrigo este espírito imundo a liberar este corpo e voltar
para as profundezas do inferno. (Geta se debate mais um pouco e,
finalmente, o demônio a libera, prostrando-a no chão. Cibele e
Cledônia correm para acudi-la)
Geta: (Geta vai voltando aos poucos e fala baixinho) Senhora, o que
aconteceu comigo? Só me lembro de ter pegado na ânfora quando
um vulto negro se apoderou de mim.
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Cibele: Foste possuída por Astaroth, braço direito de Lúcifer.
Mamãe, leva Geta para dentro e dá a ela um pouco de chá de
alfazema, para fazê-la dormir. Ela precisa descansar. Antes, Geta,
vem cá (Geta se aproxima) Toma este crucifixo e reza-o todas as
noites, antes de dormir. Agora vai.
Cibele: Confia em Jesus, minha mãe. Ele nos está protegendo. (Vai
até o leito de Edésio com o preparado da feiticeira e mistura com um
pouco de água num copo de madeira que Geta havia derrubado)
Toma papai, isso o fará melhorar.
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Cibele: Agora é tarde para lamentações! O que tinha que acontecer
aconteceu e, a partir de hoje, devemos louvar nosso Senhor Jesus
Cristo e a Virgem Maria. Dá-me cá as tuas mãos e vamos orar à
Virgem Sagrada em redor de meu pai.
Amém.
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Cledônia: (Ajoelhando-se) Bendito sois vós, ó Deus, que restituístes
a saúde de meu marido! Benditas sejam Justina e Cibele, que foram
inspiradas pelo vosso Santo Espírito!
Cibele: Fui eu, mamãe, quem pedi que o bispo de Antioquia viesse à
nossa casa para batizá-la e dar-vos o sacramento da eucaristia.
Justina: Deves pedir perdão ao Senhor Jesus, e não a mim, que sou
sua serva, minha mãe.
Edésio: (Indo abraçar Justina) Ó, minha filha, quanta honra para nós
tê-la de volta a esta casa! Não sabes a falta que fizestes aqui.
Cledônia: Sim, minha filha, Jesus Cristo nos deu prova de sua
existência quando Cibele proferiu a oração da Virgem Sagrada e teu
pai se levantou da cama completamente curado!
Justina: Pois agora vocês sabem que existe um só Deus e é a ele que
devemos reverenciar.
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Eusébio: E para confirmar os laços que vos unem a Jesus Cristo,
celebrarei uma missa nesta casa, de forma a purificar o ambiente e
abençoar todos os presentes. Todos de joelhos, por favor.
Todos: Amém!
Todos: Amém!
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(Eusébio consagra o pão)
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Cledônia: Sim.
Eusébio: Senhor Edésio, aceitas Jesus Cristo como teu único Senhor
e Deus?
Edésio: Sim.
Cibele: Amém.
Justina: Amém.
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minha esposa e minhas duas filhas viveremos no convento de
Antioquia, para servir humildemente aos necessitados e praticar a
caridade cristã!
Justina: O que fazes aqui, filho das Trevas? Quem te deu permissão
para adentrar neste lar?
Justina: Já que dizes que a doutrina de Jesus é vã, o que queres aqui,
seu imundo?
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Eusébio: (A Justina) Cuidado, Justina, já tive provas de que é
verdade o que ele diz fazer.
(A Cipriano) Diga, caro amigo, o que desejas de nós?
Cipriano: (Ergue sua varinha mágica) Então, se não for por bem,
será por mal. (Inicia gestos de magia):
“Abracadabra!”
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Cipriano: Trasamalech posturiam falece! Por Belial, Belfagor,
Amasarach...Eu invoco os vossos poderes das trevas para fazer a
vontade de Satã! (Neste instante, sobem pelo alçapão Lúcifer e mais
três demônios que Cipriano acabara de invocar) Sejam bem-vindos,
caros companheiros! Estejam à vontade para o nosso banquete!
Lúcifer: Belfagor, toma conta desta senhora. Tu, Belial, fica com o
Bispo e Edésio, enquanto eu e Amasarach ficamos com os dois
sacristãos.
(Em meio a essa grande confusão, entram pela coxia direita Maria
Santíssima e o arcanjo Miguel. Uma luz dourada e um perfume de
flores invadem a cena)
Justina: Louvada sejas, mãe de Jesus Cristo, que veio nos socorrer!
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Miguel: Sim, senhora! (Miguel, com sua espada flamejante, vai
derrubando todos os demônios, que vão caindo no alçapão
cenográfico, e, por último, Lúcifer e Cipriano, que balbuciam
algumas palavras demoníacas antes de entrar)
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Justina: Papai, mamãe, Cibele, Bispo Eusébio, meninos, vocês estão
bem?
BLACK OUT
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Cena 7
Aglaide: Senhor Cipriano, vim até aqui para dizer-te que teus
métodos para dobrar Justina aos meus encantos têm sido todos
inúteis. Será que não existe uma magia mais poderosa do que as que
já fizeste?
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“Vem adiante, ó grande gerador do abismo, e faz tua presença
manifesta. Eu tenho posto meus pensamentos sobre o pináculo de
provas que cresce com a luxúria escolhida nos momentos de
incremento e cresce fervente em grande expansão. Manda diante da
jovem Justina o mensageiro das delícias voluptuosas e faz com que
ela corresponda às perspectivas dos meus negros desejos, que
tomarão, no futuro, forma nos meus atos e em minhas obras. Da
sexta torre de Satã virá um sinal que vinculará com estes sabores e
igualmente moverá o corpo da matéria da minha requisição. Eu
reuni os meus símbolos adiante e preparo meus ornamentos do que é
para ser, e a imagem da minha criação espreita como um dragão
agitado aguardando a sua liberdade. A visão se torna uma
realidade e, através do sacrifício do meu alimento, os ângulos da
primeira dimensão se tornarão a substância do terceiro círculo de
fogo. Sai no vazio da noite e penetra nesta mente, que responderá
com pensamentos que levarão ao caminho do luxurioso abandono.
Meu órgão genital está impelido. A força de penetração de meu
veneno quebrará a santidade desta virgem que se chama Justina, que
é estéril à luxúria; e, assim que as sementes caírem, então os vapores
serão espalhados dento da mente adormecida, paralisando-a até
torná-la impossível de controlar de acordo com seu desejo! Em
nome do Grande Deus Pan, permite que os meus pensamentos
secretos sejam dispostos no movimento da carne que eu desejo!
Shemhamforash! Hail Satã! Minha alma está em chamas e pede
sedenta a sua fenda, que agirá como pólen para este meu corpo
enfurecido pelos desejos ardentes que anseiam por se concretizarem,
e sua mente que não sente luxúria repentinamente vacilará com um
louco impulso. E quando a minha poderosa volúpia se manifestar,
novas perambulações começarão e esta carne que eu desejo virá a
mim. Em nome das grandes prostitutas da Babilônia e de Lilith e de
Hécate, possa ser a minha luxúria consumada! Shemamforash! Hail
Satã! Assim seja!”.
Cipriano: Repete três vezes esta oração e faz com que ela beba
apenas três goles do elixir dissolvido em água. (Cipriano entrega a
Aglaide um pergaminho com a oração que acabara de proferir)
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Aglaide: Tem certeza de que desta vez funcionará?
Cipriano: Agora entendo o motivo por que este jovem mancebo luta
ardentemente pelo amor da bela Justina. Ontem, ao invadir sua casa,
pude contemplar sua beleza e algo de estranho despertou do fundo
de minhas entranhas. Não, não pode ser! Eu devo estar delirando!
Por Lúcifer, isto não pode ser verdade! Maldição, aqueles traços
angelicais e aquelas formas suaves não podem ter vencido meu
coração petrificado pelo ódio. Não, isso só pode ser um devaneio,
um tolo presságio. A sua beleza deve ter confundido os meus
instintos mais baixos e agora não estou sabendo o que digo e o que
eu faço.
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(Lentamente, Cibele entra na gruta, envolta numa túnica branca e
segurando um cajado)
Cibele: Não ignoro o teu poder maligno nem tampouco o amor que
Justina despertou em teu coração!
Cibele: Ora, caro irmão Cipriano. Vejo que aprendeste bem pouco
sobre os verdadeiros princípios da Alquimia.
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Cipriano: (Dá uma gargalhada longa e sinistra) Diz-me, cara aprendiz
de feiticeira. Estou ansioso por saber: Em que ponto eu, porventura,
falhei?
Cipriano: Amor? Acaso pensas que sou tocado por este sentimento
humano e inferior?
Cibele: Sim, foste tocado pelo amor que sentes por Justina e agora
tu te tornas escravo dele.
Cibele: É natural a tua reação acerca do amor e foi por isso que vim
até aqui. Responde-me a uma pergunta, caro irmão: Não tens
sentido teu coração tocado todas as vezes que pensa em minha
irmã?
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Cibele: É neste ponto que mora o teu equívoco. Essa perturbação
toda que tens sentido é fruto de um amor divino natural dos
homens pelas criaturas humanas. Em suma: Estás amando Justina!
Cibele: Tens razão. És o filho das Trevas. A tua alma está destinada
ao demônio. Mas o teu coração contradiz veementemente as
invectivas do teu raciocínio. Estás lutando ferozmente para vencer o
teu coração, mas ele tem sido vitorioso em todas as batalhas. Tuas
palavras são inócuas aos teus sentimentos e não queres te
convenceres disso. Tudo isso por quê? (Breve silêncio) Porque por
mais que o Mal atue em tua vida, ainda há uma centelha divina em
tua consciência, que te incomoda e que age como um alerta contra as
iniquidades que já praticaste. Tu, antes de teres entregado tua alma
ao Demônio, pertencias a Deus, pois foi por ele que foste criado.
Não há como fugir desta lei. Não há força que possa superar a do
Criador. Deus omnipotens, Ad Vitam AEternam. Liberta-te da tua
ilusão em servir ao diabo e abraça o divino Cordeiro como seu único
Senhor e Deus verdadeiro.
Cipriano: O quê? Não acredito nas coisas que acabei de ouvir! Fica
sabendo que eu, Cipriano de Antioquia, tenho o coração trancafiado
a todo sentimento que não seja de ódio, vingança e luxúria. O amor
por Justina, que dizes que eu tenho, é um sentimento que nunca
habitará dentro de mim, pois é minha missão perseguir e destruir
todos os inimigos de meu mestre soberano! Justina é apenas mais
uma donzela que me dedico a desvirtuar!
Cibele: Pois muito bem! Vim aqui na intenção de salvar tua alma e
de libertar-te das armadilhas do Maligno, cuja única intenção é se
aproveitar de teu cérebro para aniquilar os filhos de Deus. Acorda
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logo deste sono negro em que vives. Acorda para o amor de Jesus,
antes que seja tarde demais!
Black Out
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Cena 8
Geta: Senhora Justina, tem uma freira lá fora querendo falar contigo.
Lúcifer: Sim, faz apenas alguns dias que sou interna, mas desde que
entrei no convento não se ouve falar de outra coisa entre as freiras
além de tuas nobres virtudes.
Lúcifer: Obrigada.
Justina: Pois muito bem, Irmã Piedade, que motivo a traz aqui?
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Lúcifer: Como tu, também sou discípula de Cristo. Quero que me
deixes ficar ao teu lado, na prática da castidade; quero que me
ensines tuas virtudes. Quero ser um exemplo de santidade, assim
como tu és um exemplo de caridade neste mundo. Diz-me, Irmã
Justina, qual é o segredo de vivermos para a vida eterna?
Lúcifer: Por que fizeste este sinal execrável em mim? Sua messalina!
Lúcifer: Pois hoje mesmo eu serei vingado da forma mais cruel que
possas imaginar e conseguirei dobrar-te aos prazeres da carne, nem
que seja a última coisa que eu faça neste mundo.
Geta: (Que volta para ver se está tudo bem) A senhora está bem,
senhora Justina? Por onde saiu aquela freira que estava aqui em teu
quarto?
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Justina: Sim Geta, estou. Esta freira que acabou de entrar era
novamente o diabo disfarçado. Peço-te, Geta, que prestes mais
atenção em quem bater à nossa porta.
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Justina: Não te apavores, Geta. O meu Deus é mais poderoso.
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Cena 9
Eusébio: Assim sendo, caro amigo Cipriano, não haverá outra saída
para ti senão ficares eternamente queimando no fogo do Inferno!
Eusébio: Já que preferes desta maneira, o que posso fazer a não ser
orar pela tua conversão?
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Tens te tornado um homem temido por causa de teus feitos
diabólicos. Não há quem não se persigne duas ou três vezes quando
o teu nome é pronunciado.
Não vês, caro amigo Cipriano, que te tornaste uma pessoa diabólica,
destruidora de lares e de felicidades alheias?
De quantas donzelas já não tiraste a virgindade apenas por puro
prazer e deleite de tua lascívia?
Quantas pessoas não tiveste poder de aniquilar com tua magia
negra?
(Pausa) E para que tudo isso? De que lhe aproveita ver e fazer mal
aos teus irmãos enquanto tu, com tua espantosa inteligência,
poderias ajudar as pessoas na prática da caridade?
Desvanece desta tua doutrina maligna e abraça o Deus Todo-
Poderoso que, com sua infinita misericórdia, te abraçará feliz por ter
resgatado a ovelha perdida!
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Eusébio: Não me ameaces, Cipriano, pois não tenho medo de ti.
Cipriano: Se não fizeres aquilo que te peço, farei recair sobre ti uma
doença.
Eusébio: Isso é mais que uma heresia. Querer que eu renuncie aos
meus votos religiosos para atender às tuas investidas infernais?
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Eusébio: (Percebendo que está enfeitiçado) Ó, meu Deus! Que triste
destino tem este infeliz! Que mácula irreparável fizera diante de
Deus! Infeliz foi o dia em que nos tornamos conhecidos! Infeliz foi o
dia em que esta criatura nasceu, para destruir a obra do Criador e
espalhar a desgraça por intermédio de Satã!
(Rasga as vestes e se prostra no chão)
Black Out
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Cena 10
Gruta de Cipriano
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Lúcifer: Ela usa o sinal da cruz sagrada do Filho de Deus e suas
orações me têm impedido de penetrar em sua alma. Eu, com minha
astúcia, consegui expulsar o homem do Paraíso e fiz Caim matar seu
irmão, Abel. Este Jesus aclamado foi morto por seus patrícios, pois
eu assoprei o desejo do mal em seus ouvidos; consigo enlouquecer
toda a humanidade, desde que ela existe, com tantas habilidades,
mas não estou sendo capaz de resolver o caso de amor de Aglaide
por causa da fé imbatível desta moça a que chamas Justina.
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(Cipriano se ajoelha) Estou desamparado, Jesus... lança-me um olhar
nesta escuridão, meu Pai, e, assim como salvaste os pecadores com o
seu sangue vertido na cruz, assim também, Senhor, eu te reverencio
para me livrares das garras do teu inimigo!
Agnus Dei qui tollis peccata mundi, miserere nobis.
(Os diabos tentam reter Cipriano, mas ele os detém por um instante)
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Os três:
“Si perseptem vel novem dies nihil, vel parum comedens tortis est
pinguis sicuto antea. Si loquitur de Mysteris ultra capacitatem
quando non custat de illus sancitate. Quando ventus vehemens
discurrit per totum corpus ad mudum formicarum; quando elevatur
corpus contra volutatem patientes non aprent a quo levetur
clamores, scissio tiumtes arrotationes dentium, quando patiens non
est sltultus; vel quando homo natura debilis com potest teneri a
multis. Quando habet linguam tumidam et nigram, quando guttur
istatur, quando audiuntur. Quando guttur instatur, quando
audiuntur rigitus ovium latratus, canus, porcorum grunitus, et
similum. Si varie pariter naturam vident, et audiunt, si homines
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maximo odio perseuntum; si precipites se exponunt si oculus
horribiles, habent remanent sensibiles destitui.
Quando corpus tali pondere assicitur ut a multis hominibus
elevaret non benedicit quando ab Eclesia fugit et acquam
benedictam non consentit; quando iratos se ostendunt contra
ministros superpotentes . Reliquas capit et occulte. Quando verba
sacra nolunt proferre, vel si proferant, illa corrumpunt et
labiacientes sudent proferre. Cum superposita capiti manu, sacra ad
lectorem Evangeliorum conturbatur agrotus, cum plusquam
sollitum palpiverit sensus occupantur gattae sudoris destuunt
anvietates sentit stridores usque ad Caelum mittit ser postenit vel
simila facit”.
Justina: Amém.
Cipriano: Amém.
Cibele: Amém.
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Justina: Não me agradeças, Cipriano. Sou uma enviada de Cristo na
tua vida. Agora vem comigo, pois o bispo Eusébio está te esperando
para te batizar na igreja de Antioquia. E deverás começar uma vida
nova. Vem, por favor, acompanha-nos.
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74
Cena 11
75
Eusébio: Não sejas sectário, bispo Ergamastro, pois Jesus não
condena os pecadores. Ele mesmo disse: “Bem aventurados os
pobres de espírito, pois deles é o reino dos Céus.”
76
entre os anjos celestes. Grande é o poder de Deus. Que seu nome
seja reverenciado pelos séculos sem fim.
Cipriano: Estejas certa de que, a partir de hoje, minha vida não terá
outra função a não ser servir a Deus e aos meus semelhantes. E tudo
isso devo ao teu zelo e ao de tua irmã Cibele, que fizeram todo tipo
de sacrifício para poderdes presenciar esta cena de hoje, em que os
anjos do Céu se regozijam junto ao Altíssimo.
Eusébio: Que esta graça seja confirmada e que Deus nos abençõe. In
nomine Patris et Filii et Spirictu Sancti.
Todos: Amém.
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Mulher: Meu filho foi acometido de uma doença incurável e há dias
que não come e não bebe. Sou muito pobre e não tenho dinheiro
para pagar os médicos. Agora há pouco teve dificuldade para
respirar e pensei que já estivesse morto, pois perdera o fôlego. Não
tenho quem me ajude, estou desesperada. (Cai em lágrimas. Eusébio
a ampara)
Justina: Cipriano, estou tão feliz de ver que agora estás usando o
poder que tinhas para curar os enfermos. Salve este dia feliz!
Bendito seja Jesus Cristo, que operou um milagre através das mãos
de Cipriano de Antioquia!
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Mulher: (A Cipriano) Obrigada mais uma vez! E que Deus te
recompense!
Black Out
79
Segundo
Ato
80
Cena 1
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Eutolmo: Eles têm feito os coxos e aleijados andarem, os leprosos se
curam com a imposição de suas mãos, os cegos voltam a enxergar e
os surdos voltam a ouvir.
Eles atendem centenas de pessoas todos os dias na igreja de
Antioquia e estão sendo aclamados pelo povo como santos enviados
de Deus! Creio que se, vossa majestade não tomar uma providência,
logo superarão a vossa estima de Imperador.
Black Out
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82
Cena 2
83
Vozes: Cipriano, Cipriano, ajuda-nos, por favor!
Cipriano: (Levanta-se) Quem sois vós que inquiris sobre meu nome?
Maria: Sou Maria, esta é minha filha Giberta e esta é minha irmã
Adastreia. Antes de morrer, fomos bruxas e pactuamos com Lúcifer,
ao qual servimos durante muito tempo para realizar os prodígios da
magia negra. Agora que morremos, fomos levadas para o inferno e
somos escravas dele. Ele nos submete a terríveis torturas na quarta
vala do oitavo círculo do inferno, onde estão aprisionados os
adivinhos e feiticeiros. Vivemos no suplício eterno e, ao
percebermos que te afastavas da cidade, viemos até ti para pedir
socorro.
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Cipriano: Pois se me desobedeces, serás castigado! (Cipriano se
ajoelha e levanta as mãos para o céu) “Fidelium Deus, Omnium
Conditor et Redemptor: animabus famulorum famularumque
tuarum remissionem cunctorum; ut indulgentiam, quam semper
optaverunt, piis suplicationibus consequantur: Qui vivis in
spirictuo sanctuo tuo!”
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Cipriano: (Levantando o seu cajado) Que a partir de hoje seja selada
a vitória do Bem sobre o Mal por toda a face da Terra! (Prostra-se no
chão) Miseritur vestri omnipotens Deus, et dimissis peccatis vestris,
perducat vos ad vitam aeternam!
(Entra Cibele)
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88
Cena 3
Povo: Viva São Cipriano! Viva Santa Justina! Que seus nomes sejam
louvados para sempre!
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Cipriano: (Dirigindo-se à multidão) Caros irmãos de Antioquia.
Hoje, mais do que nunca, sou inspirado pelo poder do Espírito
Santo para testemunhar a verdade de Jesus Cristo na minha vida.
Durante trinta anos, servi ao Maligno e, através dele, disseminei a
destruição e a miséria e me deleitei em prazeres sórdidos e
mundanos. Fui, perante os olhos de Deus, uma criatura indigna e
execrável, pois, durante todo esse tempo, pensei que o Maligno
poderia ser superior ao poder de Nosso Senhor Jesus Cristo! Que
engano! Que ilusão aterradora! Todos os feitiços obravam por força
de Satã, mas eles não conseguiram penetrar na alma de Justina, que,
com sua fé inquebrantável no preciosíssimo sangue do Cordeiro,
venceu a tentação de Lúcifer e me salvou das mãos dele. Esta jovem
é digna de ser louvada por todos os séculos, pois provou ao Maligno
que seu poder é inferior ao poder de Deus. Através dela, pude
enxergar novamente a luz divina e hei de me dedicar inteiramente
aos preceitos de Jesus Cristo, no que diz respeito ao amor e à
caridade. Que o meu testemunho sirva a todos que pensarem em se
entregar às artes do Demônio, pois ele é sedutor e ilude os seres
humanos como uma serpente. Glória a Deus nas alturas e que o
Filho do Homem, Jesus Cristo, seja sempre louvado e reverenciado
por todos os séculos. Amém. (Cipriano se prostra no chão e inicia
uma oração em tom dramático)
"Luz divina, que misericordiosa força incidis sobre meus ossos. Luz
divina, que mantendes aceso o fogo do meu coração. Luz divina, que
pairais sobre o Universo. Luz divina, que gerais o Amor entre os
seres viventes. Fazei de mim instrumento de vossa força e libertai-
nos de todos os pecados pelos Serafins, Anjos e Querubins. Eu
invoco o fogo sagrado do Espírito Santo!
Nesta bendita hora Amém.”
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Cego: Pela Virgem de Nazaré, eu estou enxergando! Eu enxergo
novamente! Bendito sejas tu, ó homem que me libertaste da
escuridão!
Uma mulher: (Com uma criança de muletas) Vede, minha filha está
andando! Glórias e louvores sejam dadas a todo momento ao
santíssimo Espírito Santo!
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Eutolmo: Venho da parte do Imperador Diocleciano para levá-los ao
Proconsulado de Nicomédia para serem julgados por crime contra o
Imperador.
Cibele: Mas que crime cometemos? Não fazemos nada a não ser
ajudar os pobres, doentes e necessitados.
92
Cena 4
93
mesma atitude do nazareno e merecem ser punidos com PENA DE
MORTE!
Cipriano: (De cabeça baixa) O que aconteceu foi que os teus ídolos
não conseguiram vencer a oração do sacrário proferida por Justina.
Diocleciano: Que tolice! Pois não eras o mais temido dos feiticeiros
dos quatro cantos do mundo? Como posso acreditar que uma
donzela foi mais forte que Belzebu?
Diocleciano: Por acaso estás querendo dizer que meus ídolos são
inferiores àquele que meus antepassados mandaram crucificar por
desrespeitar as leis sagradas de Roma?
Cipriano: Não só teus ídolos, mas também todo homem vivente que
é filho do mesmo Deus.
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Diocleciano: Cala-te, seu imundo, senão mando arrancarem-lhe a
língua!
Justina: (Intervindo) Não, por favor, não lhe faças mal. Eu sou a
responsável pela conversão deste homem, portanto, é a mim que
deves açoitar.
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Diocleciano: Ordeno-te que mergulhes estes três traidores nela e
que suas carnes sejam despregadas do corpo.
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Povo: Viva são Cipriano! Viva Santa Justina! Viva Santa Cibele! O
poder de Deus venceu novamente!
Diocleciano: Maldição!
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Atanásio: (A Diocleciano) Majestade, não te aborreças! Eles estão
vivos por obra do Demônio. Todos esses argumentos são falsos.
Cipriano é, ainda, um grande feiticeiro e estas duas são suas
discípulas, usando este pretexto de que são convertidos para
aumentarem ainda mais o poder das trevas e, dessa forma,
destronarem vossa majestade. Eles esconjuraram os piores demônios
para ficarem ilesos ao óleo fervente. Vou provar para todos que o
que digo é verdade. (Atanásio toma uma varinha mágica e diz
palavras ininteligíveis) Agora tu me pertences e eu te pertenço!
(Atanásio pede para o carrasco o prender na roda levadiça e ordena
que o mergulhe na caldeira de óleo fervente. Novamente um grande
suspense e, depois de alguns minutos, Diocleciano dá ordem ao
carrasco para subir a roda. A roda sobe com o cadáver esquelético
de Atanásio. Os presentes assoviam, gritam e glorificam o nome de
São Cipriano, Santa Justina e Santa Cibele)
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98
Cena 5
Justina: Não tenhas medo, irmã, nossa morte será para sempre
lembrada e nosso martírio será visto como prova do amor e
fidelidade a Cristo.
Justina: Não temas, amigo Cipriano. O mal com que nos afligias
agora se tornou um bem suave para nossa alma. Agora és de Jesus
Cristo e ele saberá acolher-te quando fores elevado ao Céu.
Cipriano: Sim, irmã Cibele. A força que nos mantém vivos provém
da fonte do amor em Cristo, e quão magnânimo é este amor, que
soube me perdoar pelas iniquidades que cometi. Este amor
transformou por completo a minha existência. Morreremos felizes
por termos cumprido a missão de caridade que, durante anos,
relutei em aceitar. Somos felizes, porquanto nossa existência e
martírio serão a marca para a futura humanidade que se entrega aos
deleites do diabo! Hoje eu compreendo a minha trajetória como
99
sendo uma provação e um grande aprendizado. Felizes dos que
conhecem o amor de Cristo, pois ele desagrilhoa todo o mal que
Satanás dissemina no mundo.
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Aglaide: Vim até vós para vos prestar socorro. Sou conhecido do
Procônsul de Nicomédia e posso, por meio desta influência, libertar-
vos da pena de morte. Mas farei isso se tu, Justina, consentires em se
casar comigo.
Justina: Vejo, Aglaide, que aprendeste muito pouco com tudo o que
presenciaste até agora. Vejo que és uma alma infantil e sem
escrúpulos e que, mesmo depois de tantos tormentos não consegues
deixar o teu forte egoísmo vilipendioso.
Aglaide: Faço isso pelo meu amor por ti, Justina. Não sabes que fui
até as últimas consequências para fazer com que gostasses de mim?
Será que não consegues enxergar o amor devotado que tenho por ti?
Casa-te comigo. Sê minha esposa e terás tudo aquilo que quiseres.
Eu prometo que farei de ti a mulher mais feliz deste mundo!
Justina: Não poderei jamais corresponder ao teu amor, posto que ele
requer o deleite carnal, ao qual renunciei em nome de meu Deus.
Vai embora, e deixa que a vontade do Senhor se cumpra em nossa
vida.
Aglaide: Prefere morrer a ter que se casar comigo? Por que, Justina?
Para que tanta indiferença ao meu amor?
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Aglaide: (Grande Pausa) Está bem. Já que minhas prerrogativas são
inúteis aos ouvidos de Justina, aceito casar-me contigo. Ao sair
daqui, irei imediatamente conversar com o Procônsul e ele saberá
ouvir o meu pedido.
(Aglaide sai)
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Cena 6
Aglaide e Justino
Aglaide: Sim. Esse é o motivo. Bem sabes que eles não são
criminosos e que o sangue deles será derramado injustamente.
Justino: Como podes dizer uma tolice dessas? Bem sabes que
Cipriano de Antioquia estava disputando poderes com César, e esse
crime é punido com a morte. Ninguém neste Império tem direito de
querer superar a autoridade e a estima do Imperador de Roma.
Aglaide: Mas o que eles fizeram de tão grave assim? Achas crime
curar os enfermos e dar proteção aos necessitados? Essa tem sido a
missão de Justina e Cipriano, depois que este se converteu ao
Cristianismo.
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Justino: Não posso desafiar uma decisão do Imperador Diocleciano.
Sua ordem já foi dada e sua sentença deverá ser cumprida.
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Cena 7
Cibele: (Em prantos) Não, não faças isso! (Tentando abraçar Justina,
mas é retida pelo soldado) Minha irmã querida! Não posso deixar
que façam isso contigo. Tu não mereces perder a vida tão jovem. (Ao
soldado) Por favor, deixa que ela seja liberta como eu. Ela é uma
santa e não merece morrer. (O soldado empurra Cibele com força
para fora da cela. Ela é levada à força pelos soldados e sai arrastada,
gritando e pedindo socorro por sua irmã)
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Cena 8
Justina: Jamais me renderei aos teus falsos ídolos, pois o meu Deus
foi e sempre será Jesus Cristo.
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sim, mas na certeza de que Deus me acolherá, juntamente com
Justina, em sua gloriosa morada.
Diocleciano: Pois muito bem. Já ouvi demais por hoje. Seus corpos
serão lançados aos abutres para que todo o Império tenha uma
prova de meu poder. Carrasco, executa-os agora, pois quero assistir
a esta cena da cadeira principal do espetáculo.
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Rufina: Sou Rufina e este é meu marido, Teotiso. Chegamos hoje a
Nicomédia e viemos da Toscana. Hoje soube que haveria uma
execução em praça pública e vim prestar auxílio à família dos
mártires.
Cibele: Não sei como vos agradecer! Vós deveis ter sido enviados
pelo Senhor.
Vamos para a igreja de Nicomédia até chegar o momento de
fazermos isso. Por favor, acompanhem-me.
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Cena 9
Teotiso: Não, meu senhor. Tenho uma certa amizade com o chefe da
guarda romana de Nicomédia e vou interceder junto a ele para que
libere os corpos e possamos escondê-los num lugar secreto.
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Cibele: Eles não mereciam uma morte tão cruel!
Rufina: Como foi que tua irmã se aliou àquele mago negro cuja
fama percorria todo o Império?
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Rufina: Dizem que ele possuía um manuscrito negro e, através dele,
realizava maldições e encantamentos. Não achavas perigoso te
relacionares com aquele homem?
Cibele: Confissões
Rufina: Virgem Santa! Ele disse isso por obra de Satanás? (Faz
novamente o sinal da cruz, junto com Teotiso)
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Cibele: (Tirando o manuscrito de um saco) Toma, aqui está ele.
Cuida muito bem deste pergaminho, até que a profecia se cumpra.
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Cena 10
Cibele: Que falta ela nos faz! Já se passou um ano depois de sua
morte e ela continua viva em nossa memória.
Cledônia: Ela deve estar junto com Deus em sua eterna glória.
Aqueles dois cristãos convertidos pareciam terem sido enviados por
Deus. Sem eles, não conseguiríamos jamais dar uma sepultura digna
à minha amada filha e a Cipriano. E pensar que todo este terrível
enredo começou com o pedido de himeneu de Aglaide! E, por força
do destino, ele se casará hoje contigo, não com Justina. Ah, que
saudades eu sinto dela! Já não ouvirei mais o saltério que toda
manhã me acordava com suaves melodias.
Teu pai não viveu o suficiente para te ver assim tão linda, minha
filha, e poder te abençoar, como era seu velho costume. (Chora) Que
destino cruel e que triste pesar: perder um marido e depois uma
filha a quem tanto amava nesta vida.
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(Entra Geta)
Cledônia: Pareces uma princesa! Vamos para a outra sala. (As duas
passam para a sala contígua, onde se encontram Eusébio e Aglaide)
Todos: Amém.
115
Eusébio: É com grande alegria e satisfação que celebraremos o
himeneu de Cibele e Aglaide segundo os preceitos de nosso Senhor
Jesus Cristo. É válido lembrar, neste momento, que a vida de duas
pessoas muito importantes devem ser relembradas neste dia
glorioso e de júbilo: São Cipriano de Antioquia e Santa Justina. Esses
dois mártires, que renunciaram aos prazeres do mundo corpóreo,
foram eternizados na magnitude da glória divina, mostrando a
todos sua fé inquebrantável em nosso Senhor Jesus Cristo, sendo
capazes de se livrarem da morte quando lançados numa caldeira de
óleo fervente. Seus exemplos de fé, amor e caridade ficarão para
sempre em nossos corações. E é em homenagem a esses dois santos
que celebraremos este ritual sagrado. (Aos noivos) Aglaide, aceitas
tomar Cibele como tua legítima esposa, prometendo amá-la e
respeitá-la, na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza
e na pobreza, até que a morte os separe?
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Cibele: Nunca imaginei que experimentaria uma felicidade tão
grande em minha vida. Sinto que minha irmã está muito contente
por todos nós, visto que seu desejo sempre foi que me casasse e
fosse feliz. Mesmo tendo morte tão trágica, suas maneiras suaves e
seus gestos delicados ficarão para sempre marcados em nossos
corações. Tenho orgulho de ter tido uma irmã como ela, pois veio ao
mundo somente para servir aos seus semelhantes. Que seu nome
seja lembrado para sempre como sinônimo de fé e caridade.
Aglaide: Sinto-me, por ora, vexado por ter sido responsável por
muitos sofrimentos causados pela paixão avassaladora que tinha
por Justina, a mesma paixão que desencadeou a conversão de
Cipriano e, posteriormente, a morte de ambos os santos. Creio que
tudo isso já estava predestinado a acontecer, pois os desígnios de
Deus são perfeitos. Não deverei carregar culpa no meu coração, nem
tampouco remorso pelos fatos ocorridos, posto que enxerguei a
tempo a pureza e a santidade de Justina e o grande poder espiritual
de Cipriano. A partir de hoje, esses dois seres humanos serão
invocados com a magnitude de santos e mártires e seus poderes
sobre o mundo serão cada vez maiores e amplificados. Que os anjos
do Céu confirmem estas palavras e que o mundo seja testemunha
daquilo que estou dizendo.
Todos: Amém.
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(Uma música gregoriana toma conta da cena. Aglaide e Cibele se
beijam, enquanto os personagens saem e o palco escurece
lentamente)
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Pano
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