Você está na página 1de 5

Sociedade de Investigações Druídicas

Ciclo do Marcassim

O Dia, a Noite, as Cidadelas e a Árvore

“SAM-GIAM”

Um conceito primário da visão de mundo celta é o da polaridade universal.


Mesmo que partindo de uma unidade primordial, todos os fenômenos
emergem da interelação das polaridades opostas. A dualidade polarizada
original é expressa de maneira variada como Dia e Noite, Verão e Inverno,
Deus e Deusa, Tribo e Terra, Mundo e Outro Mundo. Neven Henaff se
refere a isso como a oposição “Sam-Giam”, do Celta Antigo samos e giamos,
Verão e Inverno. É a diferença fundamental entre esses dois princípios que
permite que mudanças ocorram e que entidades individuais existam.

ESPAÇO E TEMPO

Toda unidade de existência, grande ou pequena, em qualquer lugar do


tempo e do espaço, é feita da interação dos dois princípios – samos e
giamos.

O Espaço, tomado como um todo, contém um primeiro contraste entre o


Sul (que é a Noite) e o Norte (que é o Dia). O ciclo anual do tempo também
divide em duas metades: samos, de primeiro de novembro a primeiro de
1
maio, que é o Dia ou o Verão; e giamos, de primeiro de maio a primeiro de
novembro, que é a Noite ou o Inverno1. Essa divisão revela a dualidade Dia-
Noite que poderá, em seguida, ser partida em quatro.

BILIOS

A Árvore do Mundo, Axis Mundi, está no centro do Espaço Sagrado. Como


na cosmovisão celto-druídica os deuses estão sempre a conversar com os
homens por meio da natureza e de todos os seus fenômenos, que são
controlados por eles, a Árvore é tal como o próprio círculo divino, cujo
centro está em lugar e a circunferência em lugar algum. A Árvore do
Mundo, que está no coração da realidade e que alicerça os planos da
existência, também possui dois lados. A metade do Norte representa o Dia,
o Verão, Deus, a Tribo, os seres viventes, toda atividade consciente; o que
pode ser sumarizado como o modo samos. A metade do Sul representa a
Noite, o Inverno, a Deusa, a Terra, a Morte, todo processo inconsciente e
todo agenciamento não-humano que impacta a vida: o modo giamos.

A cosmovisão celto-druídica também triparte Bilios em três planos


fundamentais da existência, do seguinte modo:

Sobre nós está o Céu (nemos), de onde vem nossa luz, tudo que promove
clareza e entendimento, e onde está situada a casa original dos deuses da
Tribo: esse é o reino da ordem e da permanência, de tudo que promove e
sustenta os valores culturais. Abaixo de nós, circunscrevendo a Terra e a
suportando, está o reino do Mar (mori), que emerge com o aquoso Outro
Mundo: o reino do caos e das sombras, mas também de toda a fertilidade; o
lar dos “anti-deuses” que possuem os mistérios da Morte e da Vida e lar dos

1
Hemisfério Sul.

2
ancestrais. Onde estamos é a quadripartida Terra (têrres, talamu), o lugar de
encontro entre Cima e o Embaixo e onde é nosso dever balancear as
influências contraditórias dos outros dois reinos de maneira a poder
sobreviver e prosperar.

QUADRANTES

O texto Suidigud Tellaig Temra nos traz a tradição celta a respeito dos
quadrantes. Ela difere consideravelmente das atribuições cabalísticas
empregadas na magia cerimonial que, por sua vez, foram adotadas pelo
movimento neo-pagão. Na tradição celta, os quadrantes correspondem a
funções dentro da Tribo. A primeira função (fios, conhecimento) é colocada
no Oeste; a segunda função (cath, batalha) no Norte; a terceira função (bláth,
plenitude) no Leste; e a quarta função (séis, som), que compreende tudo o
que é deixado de fora desse esquema tripartido fios-cath-bláth, no Sul, a
direção da Deusa. O Centro, onde o Grande Rei tradicionalmente reside,
carrega todas as funções em equilíbrio (flaith, soberania).

Dos nomes dos pontos cardiais nas línguas célticas, torna-se claro que o
Leste – o lugar de nascimento do Sol, fonte de toda Luz – sempre foi a
direção privilegiada para ser encarada nas preces e rituais (gogledd/Norte
significa “sob a mão esquerda”, deheu/Sul significa “mão direita”).

CIDADELAS

O texto Lebor Gabála Érenn nos traz mais informações que podem ser
relacionadas aos quadrantes. Os deuses da Tribo (Tuatha Dé Danann)
obtêm seus poderes de governança sobre as funções tribais das quatro
Cidadelas do Outro Mundo. A respeito delas, uma correspondência pode
ser traçada com os quadrantes descritos em Suidigud Tellaig Temra. De

3
Goirias, o forte em chamas, vem a Lança de Lugh, que é o Senhor da Luz e
o executor da soberania dos deuses, bem como o Bardo Supremo e o
patrono dos estudantes; então a Lança de Luz é aquela que dispersa as
trevas, um símbolo da mente e da primeira função, colocada no Oeste. De
Findias, o forte brilhante branco, vem a Espada de Nuadu Airgetlam, o rei
do folclore Danann antes da ascensão de Lugh, representando o valor da
batalha e do companheirismo, a segunda função no Norte. De Muirias, o
forte do mar, vem o seco Caldeirão de Dagda, que não deixa ninguém
insaciado, um claro presente de fertilidade, um instrumento da terceira
função do Leste. E a Pedra de Fál, vinda da cidadela de Fáilias, é a mais
importante dos quatro seta (“tesouros”), uma vez que é colocado em Tara, o
centro sagrado da Ilha (para chorar pela vinda do Alto Rei). Uma vez que
somente a Deusa da Terra pode oferecer soberania para alguém, a Pedra é
obviamente seu atributo e representa o quadrante do Sul.

As correspondências elementais das Cidadelas e suas Regalias (seta,


tesouros) estão descritas no seguinte quadro:

Goirias Lança Oeste Fogo Fios Ve/Jav


Findias Espada Norte Ar Cáth Águia
Muirias Caldeirão Leste Água Bláth Salmão
Fáilias Pedra Sul Pedra Séis Ve/Jav

A Lança pertence ao Senhor de Muitos Talentos (ou Senhor da


Iluminação), o deus trickster que ganha pela magia e pela astúcia, mais do
que pela força bruta, mas que também, por conta de seu conhecimento
superior de todas as coisas, serve como campeão e árbitro da sociedade
como um todo. A Espada pertence ao Senhor das Batalhas, o defensor da
Tribo, habilidoso na batalha, mas também na cura, o guardião das fronteiras

4
do mundo estabelecido. O Caldeirão (embora, originalmente, tenha sido um
atributo da Deusa da Terra) pertence ao Senhor das Riquezas, o gordo Deus
do conforto material que é o recipiente direto da fertilidade da Terra e pode
compartilhá-la com a Tribo. E a Pedra, que conserva em si mesma os
poderes das três funções, pertence, é claro, à Deusa da Terra, a Grande Mãe
a respeito da qual todas as criaturas devem sua nutrição – a suprema
realidade da vida neste plano.

ANIMAIS

Outra quaternidade a ser introduzida é compreendida pelos quatro animais


nos quais Fintan Mac Bóchna, e depois Tuan Mac Cairill, se transformaram
depois de suas primeiras mortes: o Javali, o Veado, a Águia e o Salmão.
Esses animais também aparecem em Culhwch Ac Olwen e no primeiro
Song of Aimhirgin. A Águia é colocada no Norte, o Salmão no Leste. Por
sua vez, o Veado e o Javali compartilham a representação simbólica do Sul e
do Oeste: o Javali está no Sul durante giamos e no Oeste durante samos,
enquanto o Veado ocupa o oposto complementar (essa característica de
intercambio se embasa na mobilidade do Javali na Caça Cósmica do Javali).

Aprofundamento: consultar Alexei Kondratiev – Celtic Rituals.

Você também pode gostar